Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15786/16.2T8SNT-F.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
VENDA DE IMÓVEL
DIREITO DE RETENÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 4.1 - À venda de imóvel que tem lugar no âmbito de um processo de insolvência são aplicáveis as regras da venda executiva.

4.2 - A venda referida em 4.1. aplica-se o disposto no artº 827º do CPC e 824º, do CC, transferindo para o adquirente os direitos do insolvente  sobre a coisa vendida, e sendo os bens transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo, sendo que os direitos de terceiro/credor, que caducarem devido à transmissão, transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens.

4.3 - Efectuada a venda judicial, o direito de retenção não confere ao credor/reclamante e seu beneficiário o direito de não entregar a coisa, mas apenas o de ser pago com preferência sobre o produto da venda ou caução que substitua o depósito do preço.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Lisboa

1.- Relatório
Em Acção com processo especial de INSOLVÊNCIA , intentada por A [ Banco …, S.A.], contra B [ …Coop.Habitação, UCRL], e a correr termos em Juízo de Comércio de Sintra, e efectivada pelo Administrador de Insolvência [ porque decretada a insolvência, por sentença transitada em julgado ] a apreensão de diversos bens imóveis [ nos termos do artº 149º, do CIRE, e no pressuposto de consubstanciarem bens integrantes da massa insolvente de B ],veio o Administrador de Insolvência NUNO ….. atravessar instrumento nos autos solicitando ao Exmº Juiz titular do processo que diligencie, se necessário com o recurso à Força Pública, no sentido de lhe ser de imediato conferida a posse e a entrega efectiva [ ficando de ambos o seu depositário ] de dois bens imóveis apreendidos.
1.1. - No requerimento identificado em 1, veio o Administrador NUNO ….. alegar que os dois imóveis cuja entrega imediata solicita, se encontram em poder do CREDOR C, o qual, arrogando-se titular do direito de retenção, “teima” em não  largar mão dos seguintes dois prédios :
VERBA Nº 4 - Prédio urbano composto por moradia unifamiliar de rés-do-chão de garagem, 1. e 2. Andares. A área Coberta inclui a garagem c/ 39.20 m2, denominado Lote …, sito na Fábrica da Pólvora, Rua …, nº .., freguesia de Barcarena, concelho de Oeiras, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o número … - BARCARENA, e Inscrito na respectiva matriz sob o artigo …º ;
VERBA Nº 12 - Fracção autónoma designada pela letra "…". composta por 4° andar direito, para habitação com uma arrecadação situada no piso da cave, designada pelo nº .. e um lugar de estacionamento no mesmo piso, designada pelo nº .., sito em Murganhal, Rua …, nºs .. e .., freguesia de Caxias, concelho de Oeiras, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o número QUINZE-CAXIAS, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo …º da União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias.
1.2. - Conclusos os autos em 18/4/2018, e deferindo a Exmª Juiz a quo o requerido pelo Administrador NUNO …., proferiu então – em 19/4/2018 - o seguinte despacho :
Autorizo o Sr. AI a tomar posse dos imóveis abaixo identificados, apreendidos nos presentes autos, se necessário com o recurso à Força Pública e ao arrombamento :
a) Verba 4 - Rua …, nº .., freguesia de Barcarena, concelho de Oeiras
b) Verba 12 - Rua …, nºs ……, freguesia de Caxias, concelho de Oeiras”.
1.3. - No seguimento do despacho identificado em 1.2., e porque veio o credor C invocar – em 20/4/2018 – desconhecer o teor do requerimento [ deferido pelo despacho judicial indicado em 1.2. e de 19/4/2018 ] apresentado pelo Administrador NUNO …., acabou o tribunal a quo por, em 4/7/2018, proferir nova decisão, sendo a mesma do seguinte teor :
“ (…)
Reqs de 07-06-2018 e 08-06-2018 (AI)
Tomei conhecimento das notificações efectuadas pelo Sr. AI e das comunicações remetidas ao fiel depositário dos bens imóveis apreendidos
Resulta dos documentos juntos pelo Sr. AI que os credores foram notificados do requerimento apresentado pelo Sr. administrador da insolvência em 07-05-2018. por comunicação electrónica de 07-05-2018.
Temos assim que os credores não tiveram a possibilidade de se pronunciar acerca do requerido.
Termos em que:
1. Dou sem efeito o despacho de 18-04-2018.
2. Concedo aos credores e à devedora o prazo de cinco dias para, querendo, se pronunciarem quanto ao requerido recurso à força pública para que os bens apreendidos sejam entregues ao Sr. AI. nos termos do ordenado na sentença de insolvência.
*
Req. de 08-05-2018
Tendo o despacho recorrido sido dado sem efeito, fica prejudicado o recurso apresentado pelo credor e fiel depositário C.
Sintra, 04-07-2018
1.4.- No seguimento do despacho identificado em 1.3., e voltando a pronunciar-se sobre o requerido pelo administrador da insolvência, vem a Exmª Juiz titular dos autos a proferir despacho datado de 13/7/2018 e para apreciação do requerimento identificado em 1.1., sendo o mesmo do seguinte teor :
“(…)
O Sr. AI requer que lhe sejam entregues os imóveis que constituem as verbas nºs 4 e 12 do auto de apreensão de bens, dos quais é detentor o credor C, se necessário com recurso à força pública.
Foi dada oportunidade aos credores para se pronunciarem quanto ao requerido pelo Sr. AI. apenas se tendo pronunciado a credora OITANTE, que pugna pelo deferimento do requerido.
Na lista a que se refere o art. 1290 do CIRE, com a qual se autuou o apenso de reclamação de créditos, o Sr, AI reconheceu o crédito de C como subordinado.
Impugnou tal credor a lista, invocando ser titular de crédito garantido por direito de retenção.
Não existe fundamento para a entrega dos bens apreendidos ficar a aguardar pela decisão que venha a ser proferida no apenso de reclamação de créditos.
Com efeito, no apenso de reclamação de créditos está em causa tão-somente a existência, ou não, do direito de crédito de C sobre a devedora e a sua natureza privilegiada ou não privilegiada.
Não está em causa o cumprimento do contrato promessa invocado pelo referido credor como fundamento do seu crédito, posto que a existência deste crédito pressupõe o incumprimento do contrato, e se reclamou o crédito é porque não reclama o cumprimento do contrato.
Temos assim que, ainda que seja totalmente procedente a impugnação, a existência de direito de retenção não confere ao C o direito de reter efectivamente os imóveis em causa.
O seu direito, caso venha a ser deferida a sua pretensão e classificado o seu crédito como garantido por direito de retenção, é tão-somente de ser pago em primeiro lugar pelo produto da venda dos Imóveis.
Assim sendo, notifique o credor C. na sua pessoa e na do seu mandatário judicial, para proceder, em dez dias, à entrega das verbas:
• N° 4 - Prédio urbano composto por moradia unifamiliar de rés-do-chão cl garagem. -1° e 2° andares A área coberta inclui a garagem c/39.20 m2, denominado Lote … sito na Fábrica da Pólvora. Rua …, n.º .., freguesia de Barcarena, concelho de Oeiras. descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o número … - BARCARENA e inscrito na respectiva matriz sob o artigo …°
• N° 12 - Fracção autónoma designada pela letra "…", composta por 4° andar direito. para habitação com uma arrecadação situada no piso da cave, designada pelo nº .. e um lugar de estacionamento no mesmo piso, designada pelo nº .., sito em Murganhal Rua …, nºs … freguesia de Caxias, concelho de Oeiras, descrito na 1a Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o número QUINZE-CAXIAS, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo …° da União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra. Paço de Arcos e Caxias.
Notifique.
Sintra. 13-07-2018
1.5. - Discordando da decisão referida em 1.2. e inconformado, da mesma apelou então o CREDOR C, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
a) O Recorrente foi notificado do despacho de fls. datado de 04/07/2018, o qual dá sem efeito o despacho de 18/04/2018 e concede aos credores e à devedora o prazo de cinco dias para, querendo, se pronunciarem quanto ao requerido recurso à força pública para que os bens apreendidos sejam entregues ao Sr. AI.
b) O Recorrente foi notificado do mencionado despacho na pessoa do seu mandatário ora signatário, via "CITIUS" - data de elaboração 04/07/2018, sendo que nos termos do artigo 2480 do CPC a notificação presume-se feita no 3º dia posterior ao da elaboração ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
c) O dia 4 de Julho/2018 foi uma Quarta-Feira, pelo que o mandatário considera-se notificado do aludido despacho em 09/07/2018, uma vez que o terceiro dia (dia 07 de Julho/2018) foi um Sábado.
d) Assim, iniciando-se a contagem do prazo no dia seguinte àquele (10/07/2018), verifica-se que os 5 dias concedidos pelo despacho de fls. terminavam no dia 16 de Julho/2018, considerando que o último dia do prazo foi um Sábado (14/07/2018).
e) O requerimento de pronúncia de fls. apresentado pelo Recorrente em 16/07/2018 é tempestivo, devendo por isso ser admitido, o que importa que seja dado sem efeito o despacho recorrido, sendo que até à presente data o tribunal recorrido não se pronunciou sobre o mencionado requerimento do ora Recorrente.
f) Deverão ser dados sem efeito os actos praticados nos autos subsequentes ao despacho de fls. de 04/07/2018, nomeadamente o despacho de 13/07/2018 ora recorrido, por manifestamente extemporâneo.
g) Ao decidir como decidiu, o despacho recorrido viola o disposto no artigo 3º, n.º 3 do CPC, na medida em que constitui uma decisão surpresa.
Do direito de retenção - causa prejudicial:
h) O uso da força pública requerido nos autos pelo Sr. AI tendo em vista a entrega pelo Recorrente, dos bens apreendidos nos autos é ilegítima c ilícita, assim como o é o determinado pelo despacho recorrido quanto à entrega dos imóveis Verbas 4 e 12.
i) Na sequência da notificação ao ora Recorrente da lista de credores elaborada pelo Sr. AI, e na medida em que tal lista não reconhece a garantia do direito de retenção sobre os imóveis Verbas 4 e 12 de que gozam os créditos legitimamente titulados pelo aqui Recorrente, em 02/11/2017 e 06/11/2017, respectivamente, foram deduzidas por aquele impugnações à referida lista de credores.
j)  As referidas impugnações encontram-se a aguardar julgamento.
l)  Tal situação integra-se no conceito de causa prejudicial.
m) O Recorrente reclamou créditos sobre a Insolvente no montante de €350.000,00, garantido pelo direito de retenção sobre o imóvel Verba 4 dos autos ( Rua …, n.º .., freguesia de Barcarena, concelho de Oeiras).
n) E reclamou igualmente créditos sobre a Insolvente no montante de € 143.500,00, garantido pelo direito de retenção sobre o imóvel Verba 12 dos autos ( Rua …e, nºs …., freguesia de Caxias, concelho de Oeiras).
O) Não obstante a comunicação de f1s. do Sr. AI mencionar que o ora Recorrente foi reconhecido na lista de credores como credor titular de direito de retenção sobre o referido imóvel Verba 4, a verdade é que da lista de credores apresentada consta o reconhecimento do mencionado crédito de €350.000,00 como subordinado.
p) Verifica-se, igualmente, que quanto ao aludido imóvel Verba 12, não obstante a comunicação do AI supra referida mencionar que o Recorrente foi reconhecido na lista de credores como credor titular de direito de retenção sobre o imóvel em causa, a verdade é que dessa lista não consta sequer o seus créditos como garantidos por direito de retenção sobre os imóveis em questão Verbas 4 e 12 dos autos, (cfr. impugnação de créditos de fls.).
q) O Recorrente faz do mencionado imóvel Verba 4 dos autos ( Rua …, …., freguesia de Barcarena, concelho de Oeiras) a sua habitação efectiva, própria e permanente, conforme melhor alegado e demonstrado quer em sede de reclamação de créditos, quer no âmbito da impugnação da lista de credores.
r) Relativamente ao imóvel Verba 12 dos autos ( Rua …, nºs …., freguesia de Caxias, concelho de Oeiras), o Recorrente faz do mesmo a sua habitação, conforme igualmente alegado e demonstrado quer em sede de reclamação de créditos, quer no âmbito da impugnação da lista de credores.
s) As referidas impugnações encontram-se a aguardar decisão deste Tribunal, sendo que o Recorrente permanece titular dos direitos de retenção invocados até decisão judicial em contrário, (cfr. impugnação de fls.).
t) O direito de retenção consiste no poder do credor reter determinada coisa que tem na sua posse enquanto o seu crédito não for satisfeito.
u) Nos termos do artigo 755°, nº l , alínea f) do CC, goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte.
v) Trata-se de um direito real de garantia, que se distingue de todos os outros por essa característica específica que é o poder de facto de reter na sua posse a coisa objecto desse direito, de tal forma que nos termos do artigo 7610 do CC a sua entrega extingue mesmo aquele direito.
w) O retentor é, na prática, um depositário legal do bem que garante o seu crédito.
x) Para que os direitos de retenção do Recorrente sejam cabalmente respeitados em toda a sua plenitude, impõe-se que o mesmo, enquanto retentor, não abra mão dos imóveis em questão (Verbas 4 e 12 dos autos) até decisão judicial transitada em julgado que decida das impugnações da lista de credores oportunamente deduzidas por aquele.
y) O despacho recorrido faz um errado entendimento do direito de retenção, ignorando completamente que este direito, pela sua natureza e definição, pressupõe a retenção, um poder de facto sobre a coisa, sem o qual não se pode falar de direito de retenção.
aa) Ao decidir como decidiu, o despacho recorrido viola, de entre outras, as normas dos artigos 755°, n.º 1, alínea i), e 761°, ambos do CC.
bb) Deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por decisão que ordene a imediata suspensão dos autos no que toca aos identificados imóveis Verbas 4 e 12 dos autos.
Do esgotamento do poder jurisdicional:
cc) Os imóveis Verbas 4 e 12 objecto do despacho recorrido foram vendidos a terceiros adquirentes no âmbito do leilão electrónico que fora determinado e promovido nos autos.
dd) O que significa que, na prática, tais imóveis já não pertencem à massa insolvente.
ee) Ao decidir como decidiu, não remetendo os terceiros adquirentes dos imóveis verbas 4 e 12 dos autos para os meios comuns, o despacho recorrido viola, de entre outras, as normas dos artºs  149º,nº1 e 150º, do CIRE.
Nestes termos, deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente, por provado e, em consequência:
a) Serem dados sem efeito os actos praticados nos autos subsequentes ao despacho de fls. De 4/7/2018,designadamente o despacho de 13/7/2018 ora recorrido, por manifestamente extemporâneo.
Ou, caso assim não se entenda,
b) O despacho recorrido ser revogado e substituído por decisão que ordene a imediata suspensão dos autos no que toca aos identificados imóveis Verbas 4 e 12 dos autos.
Ou, ainda, caso assim não se entenda,
c) O despacho recorrido ser revogado e substituído por decisão que ordene que o Sr AI se abstenha de promover qualquer acto em nome dos terceiros adquirentes tendente a retirar ao recorrente a posse dos imóveis em questão, Verbas 4 e 12 dos autos.
1.6.- Do apenso recursório remetido a este tribunal, não resulta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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Thema decidendum
1.7. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das  questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,  as questões a apreciar e a decidir  são as 2 seguintes  :
I) Aferir se deve o despacho recorrido ser revogado, porque proferido quando estava a decorrer ainda o prazo para o recorrente se pronunciar sobre o requerido pelo AI, logo, é extemporâneo, consubstanciando uma decisão surpresa ;
II) Apreciar se deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por decisão que :
a) ordene a imediata suspensão dos autos no que toca aos identificados imóveis Verbas 4 e 12 dos autos
b) ordene que o Sr. AI se abstenha de promover qualquer acto em nome dos terceiros adquirentes tendente a retirar ao recorrente a posse dos imóveis correspondentes às Verbas 4 e 12 dos autos
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2. - Motivação de Facto
O circunstancialismo fáctico assente e a atender no âmbito da presente apelação é aquele que resulta da tramitação dos autos e que se mostra explanado no Relatório do presente Acórdão e para o qual se remete,  e ao acresce ainda o seguinte :
2.1. – No seguimento do despacho proferido nos autos a 24/4/2018, veio o Administrador de Insolvência NUNO …. atravessar – em 8/5/2018 - instrumento no processo e dirigido ao Exmº Juiz de Direito no âmbito do qual dá conhecimento da resposta ( datada de 15/4/2018 e composta por 3 páginas ) que lhe foi remetida pelo credor C relativamente à interpelação que lhe dirigiu em 23/3/2018 no sentido de proceder à desocupação e à entrega das chaves dos dois imóveis, verbas nº 4 e nº 12.;
2.2. - O Recorrente e credor reclamante C, termina a resposta identificada em 2.1. concluindo nos seguintes termos :
“ (…)
Perante todos estes factos, é indiscutível que sendo eu credor reconhecido nos autos, e tendo alegado e demonstrado no processo o meu direito de retenção relativamente aos dois imóveis acima identificados, tenho direito a reter os mesmos, pelo menos até decisão judicial em contrário, transitada em julgado
Importa, pois, responder directamente à sua interpelação para desocupar e entregar as chaves dos dois imóveis, na qual V.Exª alega que os mesmos são vendidos livres de ónus ou encargos
Com efeito, informo que não posso, e não devo, dar cumprimento ao seu pedido, o qual põe em causa os meus direitos, sendo que para fundamentar esta minha posição, julgo ser pertinente evidenciar o seguinte
1 - Com base no AUJ (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência) n9 4/2014 do Supremo Tribunal de Justiça, é indiscutível que tenho direito à retenção dos dois imóveis.
2 - O meu direito de retenção está verificado no artigo 755º alínea f) do Código Civil
3 - Nos termos do artigo 761º do Código Civil (Extinção do Direito de retenção), "O direito de retenção extingue-se pelas mesmas causas por que cessa o direito de hipoteco e ainda pelo entrego da coisa", pelo que de acordo com a minha interpretação se desocupar e entregar as chaves dos dois imóveis, cessará o meu direito de retenção, consequentemente ao perder tal direito perco as garantias que a lei me facultou.
4 -Sendo que o que deveria ter acontecido era a marcação das escrituras públicas de compra e venda para transmissão a meu favor dos dois imóveis, isto de acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-2-2012, proferido na revista do processo 1008/08.3TBOLH-L.E1.S1, já referido
Perante o exposto, considerando que após o encerramento no passado dia 14 de Março do leilão electrónico que decorreu no âmbito do mencionado processo n9 15786/16.2T8SNT, V.Exª deu conhecimento aos credores reclamantes, através do seu email de 4 Abril 2018 do requerimento que iria juntar aos autos do processo relativo às adjudicações que iria efectuar, onde se incluem os dois imóveis sobre os quais tenho o direito de retenção, é meu entendimento que só poderei proceder à desocupação dos mesmos e entregar as respectivas chaves no momento em que me sejam devolvidos/pagos os meus créditos, que também eles foram reconhecidos por V.Exª.
Apresento os meus melhores cumprimentos
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3.- Motivação de Direito
3.1.-  Se deve o despacho recorrido ser revogado, porque proferido quando estava a decorrer ainda o prazo para o recorrente se pronunciar sobre o requerido pelo AI, logo, é extemporâneo, consubstanciando uma decisão surpresa.
Diz o apelante, em sede de instância recursória, que quando em 13/7/2018 profere o tribunal a quo o despacho recorrido, ainda decorria o prazo de 5 dias que o mesmo tribunal lhe concedera para se pronunciar sobre o requerimento do AI [ no tocante ao recurso à força pública para que os bens apreendidos lhe sejam entregues ], logo, quando o ora recorrente apresenta em 16/07/2018 o seu requerimento de resposta, estava ainda em tempo para o fazer.
 Logo, o despacho recorrido e datado de 13/7/2018 foi proferido prematuramente, sem atender ao requerimento do recorrente de 16/07/2018 , razão porque – no entender do recorrente - viola o mesmo o disposto no artigo 3º, n.º 3 do CPC, na medida em que constitui uma decisão surpresa e, consequentemente, forçoso é que seja ele dado sem efeito .
Quid Juris ?
É consabido que, sob a epigrafe de “ Necessidade do pedido e da contradição“, diz-nos o artº 3º, do CPC, nos respectivos nºs 1 e 3, respectivamente, que “ O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”, e que “ O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
O dispositivo referido, recorda-se, e ainda que com ligeiras alterações relativamente ao actual artº 3º, apenas foi introduzido na nossa Lei adjectiva [ no artº 3º, do CPC , à data em vigor ] com o  DL n.º 329-A/95, de 12.12 , explicando então o legislador que :
“ Significativo realce foi dado à tutela efectiva do direito de defesa, prevendo-se que nenhuma pretensão possa ser apreciada sem que ao legítimo contraditor, regularmente chamado a juízo, seja facultada oportunidade de deduzir oposição.
O incremento da tutela do direito de defesa implicará, por outro lado, a atenuação da excessiva rigidez de certos efeitos cominatórios ou preclusivos, sem prejuízo de se manter vigente o princípio da auto-responsabilidade das partes e sem que as soluções introduzidas venham contribuir, de modo significativo, para a quebra da celeridade processual.
Afirmam-se como princípios fundamentais, estruturantes de todo o processo civil, os princípios do contraditório, da igualdade das partes e da cooperação e procuram deles extrair-se consequências concretas, ao nível da regulamentação dos diferentes regimes adjectivos.
Assim, prescreve-se, como dimensão do princípio do contraditório, que ele envolve a proibição da prolação de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, e aplicando-se tal regra não apenas na 1.ª instância mas também na regulamentação de diferentes aspectos atinentes à tramitação e julgamento dos recursos.”.
Estando em rigor em causa um instituto [ o da proibição de decisões-surpresa ] ainda sem grande tradição no nosso Direito, cedo a doutrina [ v.g. José Lebre de Freitas (1) ] veio esclarecer e clarificar que o nosso legislador adoptava agora uma concepção do princípio do contraditório mais lata, devendo doravante o respeito pela contraditoriedade passar por uma “ garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos ( factos, provas, questões de direito ) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”. 
Ou seja, ainda segundo José Lebre de Freitas (2), “ O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.
Porém, a mesma doutrina, cedo também passou a considerar que, e utilizando uma expressão muito popular na nossa língua, importava não passar do 8 para o 80, que o mesmo é dizer, não cair em excessos e ou exageros [ prática e/ou vício de resto bem português, mormente no âmbito  de interpretações da lei após alterações introduzidas pelo legislador em sede de direito adjectivo ].
É assim que, v.g. para Othmar Jauernig (3) , o tribunal “ não é obrigado sem mais a apresentar à discussão das partes, antes da decisão, o seu parecer jurídico”, ou seja, e como assim já o considerou com total cabimento o nosso mais Alto Tribunal (4), “ a estrutura do nosso processo civil não prevê que o tribunal “discuta” com as partes o que quer que seja”, sendo que, se é certo que o 3.º, n.º 3 do Código Processo Civil, exige do juiz uma diligência aturada de observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, o mesmo dispositivo é assertivo em ressalvar os casos em que a obrigatoriedade de ouvir as partes é manifestamente  desnecessária.
Aqui chegados, e compulsados os autos, certo é que não obstante tudo apontar para que aquando da prolação do despacho recorrido estar ainda a decorrer o período de tempo concedido [ cfr. Despacho proferido a 4/7/2018 ] ao ora recorrente para se pronunciar “quanto ao requerido recurso à força pública para que os bens apreendidos sejam entregues ao Sr. AI “, é nosso entendimento que in casu e em rigor a prolação extemporânea do despacho recorrido logo em 13-07-2018 não obriga à qualificação da decisão aludida como consubstanciando uma efectiva/real “decisão-surpresa”, violadora portanto do princípio do contraditório, plasmado no art. 3º, nº 3, do C.P.Civil.
É que, tendo presente o processado nos autos, máxime como o que consta dos itens 1.2 e 1.3 do presente Acórdão, razoável não é invocar o apelante a violação do principio do contraditório, pois que, como os respectivos vocábulos logo indicam, a decisão surpresa faz supor que a parte possa ser apanhada em falta por uma decisão que embora pudesse ser juridicamente possível, não esteja prevista nem tivesse sido configurada por aquela . (5)
Ora, quando da prolação do despacho recorrido, sabia já o apelante que havia o AI solicitado ao tribunal a entrega efectiva dos dois imóveis aprendidos e identificados nas verbas nºs 4 e 12, ou seja, a questão aludida estava por decidir, tendo a sua resolução sido já pedida nos autos.
Depois, também aquando da prolação do despacho recorrido havia já o credor/apelante tido a oportunidade de se pronunciar sobre a referida questão, tendo-o feito desenvolvidamente no âmbito da resposta ( datada de 15/4/2018 e composta por 3 páginas ) identificada em 2.1. da motivação de facto , resposta que o tribunal conhecia já também quando profere o despacho de  13-07-2018 .
É que, recorda-se a referida resposta foi junta aos autos pelo AI em 8/5/2018 e, analisado o respectivo teor, os fundamentos na mesma invocados para obstar ao deferimento do requerido pelo AI são precisamente todos aqueles que o ora recorrente vem invocar em sede de instância recursória.
 Ou seja, e em rigor, a questão da - se necessário com o recurso à Força Pública – entrega efectiva ao AI de dois bens imóveis apreendidos vinha já há algum tempo sendo ponderada e apreciada pelo tribunal quando profere a decisão recorrida, o que o recorrente sabe e conhece, logo, não pode invocar ter sido confrontado, com surpresa [ quando notificado do despacho datado de 13-07-2018 ], com questão que em momento algum considerou e sobre a qual jamais se pronunciou, porque a tal não estava obrigado.
Consequentemente, temos para nós que aponta o processado nos autos para uma situação “ de manifesta desnecessidade”, a que se refere expressis verbis o próprio nº3, do art.3 ,CPC, não estando o tribunal a quo obrigado a aguardar pelo decurso do prazo para o credor reclamante se pronunciar sobre o requerido pelo AI, pois que, ainda que de forma indirecta, a sua posição sobre a matéria já se mostrava presente no processo.
Em conclusão, não se justificando a revogação da decisão apelada com fundamento em irregularidade [ em razão de violação do principio do contraditório e nos termos do nº3, do artº 3, do CPC ] , falecem portanto todas conclusões recursórias do apelante com tal questão relacionadas .
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3.2. - Se deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por decisão que ordene a imediata suspensão dos autos no que toca aos identificados imóveis Verbas 4 e 12 dos autos e/ou  ordene que o Sr AI se abstenha de promover qualquer acto em nome dos terceiros adquirentes tendente a retirar ao recorrente a posse dos imóveis correspondentes às Verbas 4 e 12 dos autos.
Qualquer um dos “pedidos” recursórios do apelante mostram-se ancorados em DIREITO que o recorrente se arroga titular [ DIREITO DE RETENÇÃO ] e que tem por objecto dois imóveis que integram a MASSA insolvente de B, e , consequentemente, serão ambos apreciados em conjunto.
Ademais, rezando o nº1,do artº 272º, do CPC, que “ O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado “, logo, em causa está o exercício pelo Juiz de um poder legal limitado (6) [ ainda que não discricionário, pode o juiz deferir ou indeferir o requerimento, conforme entender que o fundamento alegado justifica ou não a suspensão ], pertinente é que as duas aludidas questões recursórias sejam conhecidas em simultâneo.
Isto dito, sabido é que [ cfr. artºs 149º e 150º, ambos do CIRE ], proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente, resultando o poder de apreensão da declaração de insolvência, e devendo o administrador da insolvência diligenciar, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 756.º do Código de Processo Civil [ v.g. quando o bem apreendido constituir a casa de habitação efectiva do insolvente - caso em que é este o depositário -, ou quando o bem em causa é objecto de direito de retenção, em consequência de incumprimento contratual judicialmente verificado, caso em que é depositário o retentor ], no sentido de os bens lhe serem imediatamente entregues, para que deles fique depositário.
A referida apreensão [ cfr. nºs 2 e 4, alíneas b) e c) , do artº 150º, do CIRE ] é feita pelo próprio administrador da insolvência, assistido pela comissão de credores e mediante arrolamento ou por entrega directa , e , caso encontre dificuldades em tomar conta dos bens, pode o administrador da insolvência requerer que o funcionário do tribunal se desloque ao local onde os bens se encontrem, a fim de, superadas as dificuldades ,lhe ser feita a entrega efectiva, sendo que, quando confrontado com oposição ou resistência à apreensão, o próprio administrador pode  requisitar o auxílio da força pública.
E, mesmo que ocorra qualquer uma das situações a que aludem as diversas alíneas do nº2 do artigo 756.º do Código de Processo Civil, não cabendo portanto ao administrador da insolvência o “papel “ de depositário, ainda assim devem os bens passar a estar disponíveis e à ordem exclusiva do administrador da insolvência, tal como o refere a alínea a),do nº4, do artº 150º, do CIRE . (7)
Na sequência do acabado de aduzir, não se verificando a previsão dos nºs 1 e 2, do  artº 756º, do CPC, ex vi do artº 150º,nº1,do CIRE, maxime por não se mostrar judicialmente reconhecido, por sentença proferida, o direito de retenção do apelante em relação aos imóveis objecto da decisão recorrida, tudo aponta, em princípio, para que não seja ela - a referida decisão judicial - merecedora de qualquer censura.
Dito de uma outra forma, não tendo o recorrente, à data do despacho recorrido, a qualidade de titular reconhecido de direito de retenção sobre o/s imóveis que ocupava, vedado lhe estava brandir tal qualidade para o efeito de obstar à sua entrega ao administrador da insolvência .
De resto, ainda que titular do direito de retenção, certo é que declarada a insolvência do dono da coisa, o retentor terá que a entregar ao administrador, dado que tratando-se de bem do insolvente, e, portanto, integrante da massa, aquele terá que a apreender, mas sem que aquele direito real de extinga ( cfr. artºs 46º nº 1, 149º e 150º, todos do CIRE), sendo que, então, cabe ao retentor a obrigação de reclamar o seu direito de crédito (artº 47 nº 4 a) do CIRE). (8)
Mas, mesmo a admitir-se que era já o apelante, à data da decisão recorrida, “beneficiário” de decisão judicial que o reconhecia como titular do direito de retenção em relação aos imóveis objecto da decisão recorrida, ainda assim não se justificava que tivesse o tribunal a quo decidido de forma diversa, razão porque nada justificava também a suspensão [ nos termos do artº 272º, do CPC ]  dos autos no que toca aos imóveis em causa.
Senão, vejamos.
É vero que o  direito de retenção [ regulado nos artºs 754º,e segs. do CC ], como o caracteriza L.M.Pestana de Vasconcelos (9), consiste ao mesmo num direito real de garantia de origem legal e de um meio de compelir o devedor ao cumprimento através da recusa lícita de cumprir a obrigação de entrega de uma coisa que lhe pertence por pate do seu credor que a tem ( a coisa) em seu poder, enquanto o primeiro não realizar a sua prestação “ .
Desempenha portanto uma função de garantia e uma função coercitiva, pois que, por um lado, confere ao seu titular a faculdade de “ recusar-se licitamente a entregar a coisa ao credor ( da entrega) enquanto este não cumprir a obrigação garantida”,  e  , por outro, pode ele “ executar a coisa nos mesmos termos que um credor pignoratício ou hipotecário, a que a lei o equipara, consoante a coisa seja móvel ou imóvel ( respectivamente artºs 758º e 759º )“, logo , tem assim o seu titular o “ direito a ser pago com preferência pelo valor da coisa aos demais credores do devedor”. (10)
Porém, como é entendimento jurisprudencial praticamente unânime, não serve o direito de retenção para facultar ao seu titular o uso da coisa, antes tem por desiderato garantir o pagamento de um crédito, normalmente relativo ao preço ou indemnização, conclusão esta que resulta do elemento sistemático (está previsto regulado no capítulo relativo às garantias especiais das obrigações) e do respectivo uso poder ser algo de reflexo, não integra o núcleo de direitos dele resultante pela finalidade com que foi criado. (11)
Ou seja, ainda que titular do direito de retenção sobre o imóvel que lhe foi prometido vender pelo insolvente, apenas pode [ e deve, porque os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com o disposto no CIRE e durante a pendência do processo de insolvência, sendo que, a verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento - cfr. artºs 90º e 128º,nº3, ambos do CIRE ] o credor beneficiário reclamar o seu crédito relativo à indemnização pelo não cumprimento do contrato e obter a sua graduação em correspondência com a preferência de pagamento associada a esse direito de retenção, já não lhe sendo permitido impedir que o bem seja apreendido para a massa insolvente e aí vendido livre de ónus e encargos, pois isso já não corresponde à satisfação da essência do seu direito – de retenção, ou real de garantia –, mas à criação de um obstáculo atípico de natureza real à responsabilidade/liquidação da totalidade do património do insolvente pela satisfação do seu passivo. (12)
O referido entendimento, importa salientar, é também aquele que tem sido seguido pelo STJ, recordando-se bem a propósito, o seu  Acórdão de 24/02/2000 (13), e no âmbito do qual se concluiu que :
“ I- Perante o incumprimento do contrato-promessa pelo promitente vendedor, o promitente comprador beneficia de um direito de retenção da coisa visada nesse contrato, para garantia do recebimento do sinal em dobro.
II - Porém, este direito não inclui o de uso do objecto retido, conforme prescrevem os art.º 759, n.º 3, e 671, al. b), do CC, sob pena de se incorrer num enriquecimento sem causa, fonte de obrigação de restituir, aferida pela medida do locupletamento (art.º 479, n.º 2, do CC).”
Para além do acabado de expor, acresce que, a ser verdade - como o reconhece o apelante - que os  imóveis Verbas 4 e 12 objecto do despacho recorrido foram já vendidos [ desde logo porque não apenas a existência de direito de retenção não impede ,como vimos, a efectiva apreensão do bem em causa pelo AI - cfr. arts. 46º, n.º1, 149º , 150º, todos do CIRE”- , como não obsta também à sua imediata venda - cfr. artºs 158º a 160º, todos do CIRE ], então, e porque à venda no âmbito de um processo de insolvência são aplicáveis as regras da venda executiva [ como com total pertinência se considera em Ac. do Tribunal da Relação de Évora (14) , não de devendo olvidar que é o artº 1º, do CIRE claro em dizer que é o processo de insolvência  um processo de execução universal ], e  sendo os bens vendidos livres dos direitos de garantia que os onerarem ,bem como dos demais direitos reais, que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzem efeitos em relação a terceiros independentemente de registo [ cfr. artigo 824.º, n.º 2 do Código Civil, então menos sentido faz invocar o apelante a sua qualidade [ porque forçosamente já não o é ] de titular do direito de retenção para justificar a não entrega do imóvel.
É que, caducando com a venda todos os direitos de garantia, logo também o  direito de retenção, o direito do credor/promitente comprador de ser pago pelo montante reconhecido passa a recair no produto da venda e no lugar em que foi graduado, deixando de se justificar o aspecto coercitivo, pois que , o adquirente não é o devedor, e a garantia também perde a razão de ser, pois que esta passa a ser dada pelo produto da venda. (15)
Em suma, tudo visto e ponderado, inevitável é a improcedência da apelação do CREDOR C, não se justificando de todo a revogação da decisão recorrida, porque ajustada.
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4 - Concluindo   ( cfr. nº 7, do artº 663º, do cpc ) .
4.1 - À venda de imóvel que tem lugar no âmbito de um processo de insolvência são aplicáveis as regras da venda executiva.
4.2 - A venda referida em 4.1. aplica-se o disposto no artº 827º do CPC e 824º, do CC, transferindo para o adquirente os direitos do insolvente  sobre a coisa vendida, e sendo os bens transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo, sendo que os direitos de terceiro/credor, que caducarem devido à transmissão, transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens.
4.3 - Efectuada a venda judicial, o direito de retenção não confere ao credor/reclamante e seu beneficiário o direito de não entregar a coisa, mas apenas o de ser pago com preferência sobre o produto da venda ou caução que substitua o depósito do preço
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5. - Decisão
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa, na 6ª Secção Cível, em, julgando improcedente a apelação, manter/confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
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(1) In Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, páginas 95/96.
(2) Ibidem.
(3) In Direito Processual Civil, Almedina,2002, página 169, citado no Ac. do STJ )
(4) Vide Acórdão do STJ de 4/6/2009, in Proc. nº 09B0523, sendo Relator JOÃO BERNARDO e disponível in www.dgsi.pt.
(5) Cfr. Ac do STJ de 14 de Maio de 2002 , sendo Relator Lopes Pinto), e citado no douto aresto mencionado na nota anterior.
(6) Cfr. José Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, Coimbra ,1946, pág. 285 e 291 .
(7) Cfr. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 3ª Edição, 2015, Quid Júris -Sociedade Editora, págs. 567.
(8) Cfr. Ac do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15/1/2013 , in  Proc. nº 511/10.0TBSEI-E.C1 , e disponível in www.dgsi.pt
(9)  In Direito das Garantias, Almedina, 2010,pág. 314
(10)  Cfr. Pestana de Vasconcelos ,ibidem,pág. 314.
(11) Tal como se decidiu nos Acs. de 30/5/2011 e de 8/5/2017, ambos do Tribunal da Relação do Porto, e respectivamente nos Procs. nº 114-B/2001.P1 e 989/07.9TBMCN-Y.P1; nos Acs. de 6/4/2017 e de 17/3/2016, ambos do Tribunal da Relação de Lisboa, proferidos respectivamente nos Procs. nº 1997/11.0TYLSB-2 e 1730/11.7TYLSB-F.L1, e todos eles disponíveis in www.dgsi.pt
(12) Tal como se decidiu no acima referido Acs. de 30/5/2011,do Tribunal da Relação do Porto, e no Proc. nº 989/07.9TBMCN-Y.P1.
(13) Acórdão proferido no Incidente n.º 636/99, 7.ª Secção, sendo Relator Quirino Soares.
(14) Ac. de 06-10-2016 , proferido no Proc. nº 72/15.3T8FAR.E1 disponível in www.dgsi.pt.
(15) Cfr. bem se salienta no já ciado Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 30/5/2011 e no Proc. nº 989/07.9TBMCN-Y.P1.
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LISBOA, 27/9/2018

António Manuel Fernandes dos Santos  ( O Relator)

Eduardo Petersen Silva ( 1º Adjunto)

Cristina Isabel dos Santos C.F. Neves ( 2ª Adjunta)