Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA SANDIÃES | ||
Descritores: | EXECUÇÃO FALTA DE CITAÇÃO ARGUIÇÃO PRECLUSÃO JUNÇÃO DE PROCURAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/07/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | Revelia, para os efeitos do artº 851º do CPC, significa a falta absoluta de intervenção do executado, por si ou por mandatário durante o processo, a qual cessa quando ocorre a intervenção. Esta intervenção tem de ser relevante, a que pressupõe que o réu ou o executado está em condições tais que permitem concluir que está ultrapassada uma situação de revelia absoluta, por lhe ter sido facultada a informação típica da citação. Uma interpretação atualista e consentânea com a realidade da tramitação eletrónica dos processos e com o princípio de tutela jurisdicional efetiva e do acesso aos tribunais impõe que se considere que a mera junção de procuração forense não implica direta e necessariamente a preclusão da possibilidade de arguição da nulidade por falta de citação. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 8ª Secção cível do tribunal da relação de Lisboa Na ação executiva para pagamento de quantia certa interposta por UI, S.A., contra AS e JB, em 07/09/2022, os executados apresentaram requerimento em que arguiram a falta de citação e, subsidiariamente, a nulidade de citação. Para o efeito alegaram, em suma, que nunca foram citados para os presentes autos, nunca intervieram nos mesmos, nem nunca foram notificados de qualquer ato, tendo a execução corrido à sua revelia. Relativamente à falta de citação aduziram que: - apenas agora tiveram conhecimento que corria a execução contra si e que, no âmbito dos quais, inclusive, teriam sido vendidos dois imóveis a estes pertencentes. - a sua morada situa-se na Rua X, em Z. - em 23 de Abril de 2012, pelas 13h45, na Rua T, em W, foi tentada a citação dos executados através de contacto pessoal por intermédio de Agente de Execução. Por não ter sido possível encontrar ninguém naquele local que lhe abrisse a porta e em condições de poderem ser citados, o AE deixou aviso com a indicação para citação com dia e hora certo, tendo ficado designado que a diligência seria realizada no dia 24/04/2012 pelas 13h35. - na certidão da citação pessoal, o AE fez constar que no dia 24/04/2012, pelas 13h35, na presença de duas testemunhas ali identificadas como “AP” e “MC”, efetuou a citação dos Executados com afixação da respetiva nota na Rua T, em W, e com a indicação de que os duplicados e os documentos anexos ficam à disposição dos citados na secretaria judicial. - nesse mesmo dia, fez constar nas observações da certidão de citação pessoal que a morada havia sido confirmada por vizinhos. - da certidão junta aos autos não se verifica os dados de identificação dos alegados vizinhos. - a citação com hora certa só é admissível quando o funcionário judicial ou o solicitador de Execução, neste caso, apure que os citandos residem ou trabalham no local indicado. - a omissão desses cuidados, quanto ao apuramento da morada efetiva dos citandos, pode prejudicar a defesa na ação, nomeadamente, quando o locado indicado deixou de constituir o domicílio dos Executados. - os executados já ali não residiam desde 26/03/2004. Quanto à nulidade da citação, invocada a título subsidiário, alegaram o seguinte: - em 27/04/2012, o AE terá remetido correio registado para a morada da citação pessoal para cumprimento do disposto no artigo 241.º do antigo CPC (atual art. 233.º do CPC). - Quando o envio da carta prevista no artigo 241º do antigo CPC não é realizado, ou não o é no prazo de dois dias fixado mas posteriormente e ainda que a lei hoje não o considere uma formalidade essencial, é, mesmo assim, uma formalidade necessária e a sua omissão no prazo fixado impõe a anulação do ato. - a notificação da certidão judicial (a ter sido enviada) não cumpriu, desde logo, os requisitos do então artigo 241.º do C.P.C., sendo nula nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 191.º do Novo C.P.C. (anterior 198.º), não comprovando, igualmente que chegou ao conhecimento dos Executados, ora Expoentes, dentro do prazo da contestação, omissão que é suscetível de influir no exame e na decisão da causa, uma vez que demonstra uma gritante violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes. - nunca rececionaram ou lhes foi entregue qualquer carta registada com aviso de receção contendo a citação para os presentes autos, acompanhada dos elementos constantes do art.º 227.º do C.P.C., não lhe tendo sido dado conhecimento da putativa prática do ato. - impõe-se a declaração de tal nulidade insanável, com a consequente anulação dos termos subsequentes do processo, após a entrada do requerimento executivo, nos termos previstos no art.º 191.º e seguintes e art.º 851.º do C.P.C., ficando as vendas dos imóveis pertencentes aos executados sem efeito, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 839.º do CPC. Ainda subsidiariamente, aduziram que nunca rececionaram no seu domicílio, sito em Z, quaisquer notificações para os presentes autos, designadamente a notificação para se pronunciarem quanto à venda dos imóveis, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 812.º do CPC; a notificação da decisão sobre a modalidade da referida venda, nos termos do disposto no n.º 6 e 7 do art.º 812.º do CPC; a notificação prevista no art.º 821.º do CPC, nem, tão pouco, a notificação da decisão do AE quanto à venda do imóvel. A omissão destas notificações, mostra-se suscetível de influenciar o exercício dos aludidos direitos que assistem aos executados, bem como, de influir no exercício do direito de remição, constituindo, por isso, nulidade processual, que deve ser declarada, com a consequente anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, nos termos do disposto no art.º 195.º do CPC, entre os quais as vendas judiciais efetuadas dos imóveis supra identificados, dando-se as mesmas sem efeito, nos termos do preceituado na alínea c), n.º 1 do artigo 839.º do mesmo diploma legal. Concluem pela anulação de tudo o que na execução se tenha praticado depois da apresentação do requerimento executivo, ficando as vendas dos imóveis pertencentes aos executados sem efeito, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 839.º do CPC, e repetindo-se a sua citação com todos os elementos referidos no art.º 227.º do CPC e com a concessão de prazo para a dedução da oposição à execução. Subsidiariamente, pugnam pela nulidade da citação, anulando-se todo o processado, levantando-se de imediato todas e quaisquer atos de penhora em curso, e procedendo-se à citação dos executados para a execução. A exequente pugnou pelo indeferimento do requerido por extemporaneidade ou pela sua improcedência. Alegou, em síntese, que estando extinto o processo terminou o poder jurisdicional do juiz para analisar quaisquer questões de nulidades processuais. Mais alegou a extemporaneidade da arguição de nulidades, pois a mandatária dos executados juntou aos autos em 04/07/2022 um requerimento para consulta dos autos, que foi autorizada em 11/07/2022, tendo juntado procuração em 14/07/2022, sem arguir as nulidades. Mencionou, ainda, que a morada que consta das escrituras como sendo a residência dos executados é a morada Rua T, em W. Nos termos da Cláusula Vigésima dos Documentos Complementares que fazem parte integrante de todas as 3 (três) escrituras, a Exequente ficava obrigada a indicar como morada de citação a morada que constava das identificações das partes nas escrituras, ou seja, Rua T, em W. Os executados pronunciaram-se quanto à alegada extemporaneidade, pugnando pela sua improcedência. Ordenada a notificação do Sr. AE para se pronunciar, veio o mesmo alegar que “em 07-03-2012, foi expedida a citação postal para ambos os executados na morada indicada no requerimento executivo, Rua T, em W. As cartas não foram reclamadas pelos executados, conforme se pode verificar pelos AR de citação devolvidos. Posteriormente foi efetuada a diligencia de citação pessoal na morada mencionada anteriormente, no decorrer da respetiva diligencia apurou-se juntos de vizinhos, que os executados residiam na morada, tendo sido efetuada a citação por afixação conforme se pode verificar pela certidão da citação pessoal. Posteriormente todas as notificações do processo foram expedidas para a morada em causa. Mais se informa V.Ex.ª, que o ora signatário adere à exposição dos factos exposta pela exequente, concordando com a mesma.” Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas. Em 27/06/2023 foi proferido o seguinte despacho: “(…) É pela citação que se assegura, em qualquer processo judicial, o direito de defesa, máxima garantida pelo princípio do contraditório e equidade do litígio. O nosso Código de Processo Civil prevê duas modalidades de nulidade da citação: a falta de citação propriamente dita, prevista no artigo 188º do Código de Processo Civil, e a nulidade da citação, em sentido estrito, regulada no artigo 191º. Prevê-se no artigo 188º n.º 1 do Código de Processo Civil os casos de falta de citação: a)- Quando o ato tenha sido completamente omitido; b)- Quando tenha havido erro de identidade do citado; c)- Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; d)- Quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade; e)- Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável. E, no artigo 191º, os casos de nulidade de citação: 1–Sem prejuízo do disposto no artigo 188.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei. 2–O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo. 3– Se a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares. 4–A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado. Dispõe o artigo 851º do Código de Processo Civil que: 1–Se a execução correr à revelia, pode o executado invocar, a todo o tempo, algum dos fundamentos previstos na alínea e) do artigo 696.º 2–Sustados todos os termos da execução, conhece-se logo da reclamação e, caso seja julgada procedente, anula-se tudo o que na execução se tenha praticado. 3–A reclamação pode ser feita mesmo depois de finda a execução. 4–Se, após a venda, tiver decorrido o tempo necessário para a usucapião, o executado fica apenas com o direito de exigir do exequente, no caso de dolo ou de má-fé deste, a indemnização do prejuízo sofrido, se esse direito não tiver prescrito entretanto. * A citação de pessoas singulares é pessoal ou edital – artigo 233º n.º 1 do Código de Processo Civil velho, com correspondência atual no artigo 225º do Código de Processo Civil – podendo a citação pessoal ser feita mediante: a) Via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º; b) Entrega ao citando de carta registada com aviso de receção, seu depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 229.º, ou certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo; c) Contacto pessoal do agente de execução ou do funcionário judicial com o citando. Nas ações para cumprimento de obrigaçõess pecuniárias emergentes de contrato reduzido a escrito em que as partes tenham convencionado o local onde se têm por domiciliadas para o efeito da citação em caso de litígio, a citação por via postal efetua-se, nos termos dos artigos anteriores, no domicílio convencionado, desde que o valor da ação não exceda a alçada do tribunal da Relação ou, excedendo, a obrigação respeite a fornecimento continuado de bens ou serviços [artigo 237º-A n.º 1 do Código de Processo Civil velho, com correspondência atual no artigo 229º n.º 1 do Código de Processo Civil]. Frustrando-se a via postal, a citação é efetuada mediante contacto pessoal do agente de execução com o citando [artigo 239º n.º 1 do Código de Processo Civil velho, com correspondência atual no artigo 231º n.º 1 do Código de Processo Civil]. Se o agente de execução ou o funcionário judicial apurar que o citando reside ou trabalha efetivamente no local indicado, não podendo proceder à citação por não o encontrar, deve deixar nota com indicação de hora certa para a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a transmitir ao citando ou, quando tal for impossível, afixar o respetivo aviso no local mais indicado [artigo 240º n.º 1 do Código de Processo Civil velho, com correspondência atual no artigo 232º n.º 1 do Código de Processo Civil]. Se não for possível obter a colaboração de terceiros, a citação é feita mediante afixação, no local mais adequado e na presença de duas testemunhas, da nota de citação, com indicação dos elementos referidos no artigo 227º, declarando-se que o duplicado e os documentos anexos ficam à disposição do citando na secretaria judicial [artigo 240º n.º 4 do Código de Processo Civil velho, com correspondência atual no artigo 232º n.º 4 do Código de Processo Civil]. * O requerimento dos executados foi apresentado nos autos após a extinção da execução, a qual ocorreu em 2020, na sequência da adjudicação à exequente das quantias vincendas (artigo 779º n.º 4 alínea b) do Código de Processo Civil). Por se encontrar a execução extinta (e não renovada), temos para nós estar vedado aos executados a arguição de falta de citação ou nulidade de citação nos termos dos artigos 188º e 191º do Código de Processo Civil – o vício da falta de citação pode ser arguido em qualquer estado do processo (artigo 198º do Código de Processo Civil) e o vício da nulidade de citação pode ser, no limite, arguido aquando da primeira intervenção do citando (artigo 191º do Código de Processo Civil) – em qualquer dos casos, é pressuposto da sua arguição que o processo esteja ativo ou pendente. Os executados nunca intervieram no processo até à apresentação do requerimento em análise, pelo que lhes assiste a faculdade prevista no artigo 851º do Código de Processo Civil, nada obstando a que o tribunal aprecie o requerimento nessa perspetiva, aproveitando-se os requerimentos e atos praticados nos autos. A reclamação com base na falta ou nulidade de citação pode ser apresentada mesmo após a extinção da execução. Remete o artigo 851º para a alínea e) do artigo 696º do Código de Processo Civil, e que admite a possibilidade de revisão de decisão transitada em julgado quando, tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que: i) faltou a citação ou que é nula a citação feita; ii) o réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável; iii) o réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior. Os executados foram citados – a citação foi efetuada mediante afixação da nota de citação na morada sita na Rua T, em W. Consta dos autos que a morada terá sido confirmada junto de vizinhos. Não resulta dos autos a identificação dos vizinhos. Tal modalidade de citação considera-se pessoal. Irreleva a circunstância de resultar dos contratos dados à execução cláusula de convenção de domicílio – não é, nos autos, de atentar em tal cláusula, face ao valor da execução, superior à alçada da Relação, além de que tal não foi também o entendimento do Sr. Agente de execução – se tivesse sido, teria, na sequência da devolução das cartas de citação, sido dado cumprimento ao disposto no n.º 4 do artigo 237º-A do Código de Processo Civil velho, o que não foi feito. Consta da certidão de citação pessoal que a morada dos executados foi (previamente) confirmada por vizinhos, facto não atestado nos autos (os vizinhos não foram identificados). A afixação da nota de citação foi efetuada na presença de duas testemunhas, seguida da advertência prevista no artigo 241º do Código de Processo Civil velho, atual artigo 233º (sendo generalizado o entendimento de que a notificação prevista no artigo 233º não constitui um ato essencial da citação, antes um complemento desta). Demonstraram os executados que, à data, em 2012, não residiam na morada onde a afixação da citação teve lugar, antes em Z – tal demonstração inquina a citação, ferida de nulidade. Termos em que se conclui pela nulidade de citação, anulando-se, consequentemente, tudo o que foi praticado na execução. Notifique e comunique.” O exequente recorre deste despacho, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: “I.–Não obstante o respeito que as decisões judiciais sempre e em qualquer circunstância merecem, vem o presente recurso interposto do Despacho proferido em 27/06/2023, que julgou procedente a arguição de nulidade da citação, anulando todo o processado na execução, não podendo a Recorrente concordar com o mesmo. O presente Recurso abrange toda a decisão, sendo que a Recorrente entende que houve uma incorreta apreciação/valoração da prova produzida. II.–O Tribunal a quo não apreciou o alegado pela Recorrente, na sua Resposta à arguição de nulidade relativamente à extemporaneidade da arguição, pelo que, o despacho é nulo porque não se pronunciou sobre questões que devia ter apreciado, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC). III.–Relativamente à matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo não deu como provado que “Os executados apenas agora tiveram conhecimento que corriam estes autos contra si e que, no âmbito dos quais, inclusive, teriam sido vendidos dois imóveis a estes pertencentes sitos na Rua X, em Z.” E fundamentou factualmente a decisão com: “o filho dos executados referiu que os pais saíram da casa de Z em 2013, para evitar humilhação, tendo a testemunha sabido de tudo em 2014/2015; referiu igualmente que a mãe tinha conhecimento da penhora de vencimento há um ano; HM, empregado forense, referiu existir um registo de outubro de 2012 de contacto telefónico do executado a questionar sobre a entrega das chaves (tendo junto documento do escritório com registo de ocorrências – folha junta com data de 19/04/2023); cópia dos editais de venda e registo fotográfico da afixação (documentos juntos com a resposta da exequente ao requerimento de arguição de nulidade – documentos 13 a 16 do requerimento de 20/09/2022)”. Sendo que ainda deu como provado que “A extinção da execução foi notificada aos executados em 22/05/2020”. IV.–Ora, sendo assim, provado está que os Executados sabiam, pelo menos desde outubro de 2012 da existência do processo. Caso assim não fosse, sabiam pelo menos desde 2013, quando saíram da casa de Z. V.–Na pior das hipóteses, teriam tido conhecimento através da notificação de 22/05/2020, ou seja, a arguição é extemporânea, porque não intervierem nos autos logo após a notificação. VI.–Posto isto, e tendo por base a fundamentação de facto da decisão, ficou mais do que provado que os Executados, aqui Recorridos, sabiam da existência do processo desde 2012 (no mínimo desde 2013, quando saíram da casa de Z). No entanto, só arguíram nulidade em setembro de 2022, passados 10 anos!!! VII.–O Tribunal a quo entendeu que, nos termos do artigo 851.º do Código de Processo Civil, arguir a nulidade a todo tempo é possível. Acontece que se faz necessário ter em atenção um juízo de razoabilidade, no qual se deve ponderar se a arguição a todo tempo, ali prevista, pode ser feita mesmo depois de decorridos 10 anos do conhecimento da existência do processo executivo. VIII.– Supõe-se que a questão da arguição poder ser feita “a todo tempo”, relaciona-se com o facto dos executados não terem tido oportunidade de saber que contra si decorria um processo, no qual não tiveram oportunidade de se defender. Tendo tido conhecimento do processo, a arguição deverá ser feita logo na primeira intervenção. Mas, tendo conhecimento da existência do processo, da venda dos imóveis (tanto que saíram da casa em 2013) e, a posteriori, da penhora de ordenado, não é legítimo aos executados que aguardem tanto tempo para se inteirarem do exacto teor dos autos para arguirem a nulidade da citação. IX.–Arguir a nulidade da citação tanto tempo após o conhecimento do processo configura um abuso de direito. Abuso este que poderá causar prejuízo a terceiros de boa-fé que adquiriram os imóveis, à Recorrente e aos próprios Recorridos. X.–Para além de pôr em causa, de forma grave, a segurança jurídica das decisões judiciais. XI.–Tendo deixado de pagar as prestações, os Executados/Recorridos nunca mais demonstraram qualquer intuito em pagar a dívida, nem interesse em saber se havia ficado liquidada ou se tinham algo a receber, caso as vendas tivessem decorrido por valor superior ao da dívida. Humanamente, isso não é plausível sem que tivessem conhecimento da existência do processo, como, aliás, o Tribunal a quo deu como provado. XII.–Ademais, foi dado como provado que “Consta das respectivas certidões de citação que a morada foi confirmada por vizinhos” e o Tribunal a quo confirma que “A afixação da nota de citação foi efetuada na presença de duas testemunhas”. Ora, sendo assim, o Tribunal a quo reconhece que o procedimento de citação foi feito com o cumprimento das formalidades necessárias, estando 3 pessoas envolvidas no acto: o Agente de Execução e duas testemunhas, todos envolvidos na elaboração de um documento com fé pública. XIII.–Mas por não ter recolhido a identificação dos vizinhos, o que já não é possível passados tantos anos, o Tribunal a quo considerou o acto nulo. XIV.–Ora, se o Agente de Execução tem fé pública relativamente aos actos que pratica. É necessário que se prove, efetivamente, que o acto é digno de não ser válido, o que não aconteceu nos presentes autos. XV.–Se a morada foi confirmada por vizinhos e a afixação da nota de citação foi feita na presença de duas testemunhas, é porque, efectivamente, a morada foi confirmada. XVI.–A decisão do Tribunal a quo de considerar nula a citação porque não estavam identificados os vizinhos, perante o formalismo em que a citação foi efetuada, salvo melhor entendimento, é uma decisão que coloca em risco a idoneidade do sistema judicial vigente, abrindo assim a possibilidade de se por em causa todo e qualquer acto praticado por qualquer agente da justiça, quando se valida uma alegação de dois executados em detrimento de um auto elaborado por um agente da justiça. XVII.–Devendo-se ter em conta, inclusive, que as testemunhas arroladas pelos Executados eram todos membros de sua família ou amigos muito próximos que, obviamente, queriam ajudar a que aqueles conseguissem o seu objectivo e, por tanto, não isentos, tendo confirmado que os Recorridos não residiam naquela morada na data da citação, sendo este o fator decisivo para que se viesse a declarar a nulidade da citação. XVIII.–Sendo certo que, se fosse verdade que já lá não residiam, o imóvel para onde foi feita a citação continuava a ser propriedade dos Executados, aqui Recorridos. Porquanto, não se vislumbra, de acordo com a experiência comum, que seja verdade que nunca mais tenham se deslocado ao local, como querem fazer crer. Para além disso, fez-se prova documental nos autos da afixação dos editais de venda em ambos os imóveis, possibilitando, mais uma vez, o conhecimento do processo. XIX.–Os Executados foram corretamente citados, mas mesmo que não o tivessem sido, tiveram conhecimento do processo em 2012 e esperaram 10 anos para arguir a nulidade da citação, o que configura um abuso de direito que coloca em causa a segurança jurídica das decisões judiciais, com os efeitos nefastos daí advindos. XX.–Mesmo que se possa arguir tal nulidade a todo tempo, deve-se ter em conta que se tiveram conhecimento do processo, não podem tardar a intervir nos autos para arguir as nulidades que entendam, tenham sido cometidas. Não o tendo feito, em tempo razoável, a arguição é extemporânea, porque extrapola o limite do que seria aceitável. XXI.–Ademais, e quanto à valoração da prova, certamente que um documento com fé pública e praticado na presença de duas testemunhas tem mais valor probatório do que o depoimento de testemunhas com ligações íntimas a uma das partes e que com ela pretendiam colaborar. XXII.– E é nesse sentido que o Tribunal a quo deveria ter decidido, posto que as provas documentais tem valor probatório superior à prova testemunhal. Ainda mais quando estamos perante um documento com fé pública, como é o caso. XXIII.–Face a todo o exposto, o despacho de que se recorre deve ser declarado nulo, posto que não se pronunciou sobre a questão da extemporaneidade da arguição de nulidade, tendo sido totalmente omisso quanto a esta questão. XXIV.–Ainda que se entenda que o despacho não é nulo, face a todo o exposto e a todos os factos apurados e que constam do despacho, a decisão deverá ser revogada, decidindo-se pela extemporaneidade da arguição de nulidade da citação, pois aceitar que o tenham feito 10 anos depois de terem tido conhecimento do processo (no mínimo), é aceitar que se pratique a utilização de meios processuais de forma abusiva (abuso de direito), pondo em causa gravemente a segurança jurídica dos actos entretanto praticados, dentro e fora do processo. XXV.–Se assim não se entender, face a todo o exposto e a todos os factos apurados e que constam do despacho, deve ser revogada a decisão e substituída por outra que julgue improcedente a arguição de nulidade da citação, posto que o auto/certidão elaborado pelo Agente de Execução tem fé pública, tendo o mesmo confirmado junto de vizinhos que a morada da citação era, efectivamente, morada dos Executados e cuja afixação da nota de citação foi feita perante duas testemunhas, conferindo ao mesmo o seu devido valor probatório, superior aos depoimentos testemunhais prestados em sede de audiência. Nestes termos e nos melhores de Direito que Vs. Exas., doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se ou sendo declarado nulo o despacho de que se recorre e sendo proferido novo que julgue extemporânea ou improcedente a arguição de nulidade, fazendo-se, assim, o que é de inteira JUSTIÇA!” Os executados apresentaram contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões: “A)- Não se conformando com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, veio a Recorrente solicitar a revogação ou que o despacho fosse declarado nulo e a sua substituição por outro novo que julgue extemporânea ou improcedente a arguição de nulidade. B)- A posição adotada na decisão recorrida deverá ser mantida pela conformidade com a correta subsunção do direito aplicado face aos factos tidos por provados, não subsistindo a esta qualquer vício ou reparo; C)- Decisão essa que julgou procedente a arguição de nulidade da citação arguida pelos Executados, anulando todo o processado na execução. D)- No entanto, entende a Apelante que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão da extemporaneidade da arguição, pugnando pela nulidade do despacho porque não se pronunciou sobre questões que devia ter apreciado, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC). E)- O Despacho é claro e cristalino e quanto a esta matéria justifica que: “Os executados nunca intervieram no processo até à apresentação do requerimento em análise, pelo que lhes assiste a faculdade prevista no artigo 851º do Código de Processo Civil, nada obstando a que o tribunal aprecie o requerimento nessa perspetiva, aproveitando-se os requerimentos e atos praticados nos autos. A reclamação com base na falta ou nulidade de citação pode ser apresentada mesmo após a extinção da execução.” F)- Se o Tribunal a quo verificou através de consulta do processo que os Executados nunca intervieram no processo, entendendo, por isso, que o pedido formulado pelos Executados se encontrava em tempo, logo – não extemporâneo - como pode vir a Exequente recorrer do despacho, pugnando pela sua nulidade por não pronúncia? G)- Recorrer desta douta decisão tendo por base uma eventual nulidade de não pronúncia sobre o tema em questão é não ter em consideração o princípio da economia processual. H)- Aproveitando a “boleia” de uma suposta nulidade a Recorrente aproveita para recorrer do teor de todo o despacho, sem que o pudesse fazer. J)- A Recorrente não se conformado com o despacho proferido veio nos termos dos artigos 629.º, 635.º, 638.º, n.º 1, 639.º, 640.º, 644.º, alínea a) e g), 645.º n.º 2, 646.º e 647.º, n.º 1 do CPC interpor recurso para o Tribunal ad quem. K)- Contudo, s.m.o, apenas admitem recurso imediato as decisões elencadas nos n.ºs 1 e 2 do art. 644.º do CPC, onde não cabe manifestamente o despacho recorrido. L)- A Recorrente apresentou as suas alegações tendo por base a al. a) e g) do artigo 644.º, não sabendo, se a al. a) é do n.º 1 ou do n.º 2, e por isso, não se tratado de uma decisão que aprecie o impedimento do juiz, nem de uma decisão proferida depois da decisão final, não poderá este recurso ser admitido. M)- Nesse sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Évora, em que foi relator o Juiz Desembargador José Lúcio, no processo 2292/09.0TBSTR.E1: “As decisões intercalares que não estejam abrangidas por alguma das previsões das diversas alíneas do n.º 2 do art. 691º do CPC actual 644.º), como acontece, entre outros, com o despacho que defira ou indefira a nulidade da citação, são decisões que não admitem recurso imediato, (…) A decisão sobre a validade ou invalidade da citação, de iniciativa oficiosa ou suscitada por requerimento do réu, não constitui uma decisão que ponha termo a um incidente, para os efeitos da al. j) do n.º 2 do art. 691º do CPC, por não estarmos perante nenhum incidente da instância, mas sim perante o normal exercício dos poderes do julgador tendentes a assegurar o regular andamento do processo e o pleno respeito pela legalidade nos actos nele praticados.” N)- Ainda no mesmo acórdão está indicado que: “Esta circunstância, a nosso ver, deveria ter determinado o indeferimento do requerimento de recurso; assim resulta do art. 685º-C, n.º 2, al. a), do CPC, que manda indeferir o requerimento de recurso quando a decisão o não admita.”. O)- Seguindo a mesma linha de raciocínio do Acordão mencionado, o recurso da decisão proferida pelo Tribunal a quo não poderá ser admitido nos termos da al.) a) do n.º 2 do artigo 641.º do CPC. P)- Não prescindindo, importa ressalvar também que, o Tribunal a quo analisou a posição dos Executados e da Exequente, ouviu as testemunhas indicadas pelas partes e, em consonância, decidiu com os factos documentados na execução, bem como, segundo as regras da experiência comum e da livre convicção do tribunal. Q)- Defende-se, assim, na íntegra a posição adotada no despacho recorrido, o qual não padece de qualquer vício e, como tal, deverá ser mantido por conforme com a correta subsunção do direito aplicado face aos factos tidos por provados. R)- Defendemos, por isso, também, a posição adotada pelo douto Tribunal a quo, onde confirma que: “Demonstraram os executados que, à data, em 2012, não residiam na morada onde a afixação da citação teve lugar, antes em Z – tal demonstração inquina a citação, ferida de nulidade.”. S)- Em momento algum nestes autos ficou provado que os executados tiveram conhecimento da existência do processo, da venda dos imóveis e da penhora de vencimento, antes pelo contrário. Nunca foram notificados do quer que seja no que diz respeito a estes autos e isso está provado porque os executados, desde a escritura do imóvel (que serve de título a esta execução), que residiam em Z, i.e., desde 2004! T)- É falso que desde 2013 soubessem o quer que seja a respeito desta execução ou que o filho dos executados tenha declarado que sabia de tudo (i.e. deste processo/das penhoras) desde 2014/2015, é igualmente falso que o filho dos Executados tenha referido que a mãe tinha pleno conhecimento da penhora que incide sobre o seu ordenado! Apenas referiu que só no ano passado (2022) teve conhecimento de uma penhora sobre o vencimento da mãe porque esta falou consigo e foi nesse momento que se agiu – que se arguiu a nulidade. U)- A Recorrente levou a interpretação extensiva do despacho ao limite e distorceu tudo quanto pôde para sustentar o seu recurso, o que se lamenta! V)- Quanto a esta matéria importa também ressalvar que ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados, caberá sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, cfr. disposto na al. a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC, o que mais uma vez não foi realizado pela Recorrente! X)- Em suma, não merece o despacho recorrido qualquer censura, dado ter resultado da livre apreciação e valoração da prova, segundo critérios práticos, realistas e lógico-intuitivos colhidos quer da prova documental quer da prova testemunhal. Pelo que, tudo ponderado, deve manter-se o despacho recorrido, nos precisos termos nela consignados, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, com as legais consequências, uma vez que o despacho não é nulo nem recorrível nos termos apresentados, fazendo-se, assim, a habitual e necessária JUSTIÇA!” * No despacho recorrido foi considerada provada a seguinte factualidade: “A.– O requerimento executivo que instrui os presentes autos foi apresentado em 28/02/2012, para pagamento da quantia de € 206.787,43, decorrente do incumprimento de três contratos de mútuo com hipoteca. B.–Foi tentada a citação dos executados, através de cartas registadas com AR, datadas de 07/03/2012, expedidas para a morada sita na Rua T, em W. C.–As cartas foram devolvidas por não terem sido reclamadas. D.–A citação dos executados foi efetuada mediante afixação na morada sita na Rua T, em W, concretizada em 24/04/2012. E.–Consta das respetivas certidões de citação que “a morada foi confirmada por vizinhos”. F.–Através de carta datada de 27/04/2012 foi expedida a notificação a que aludia o artigo 241º do Código de Processo Civil, para a morada da citação mediante afixação, com o seguinte teor: «Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 241º do Código Processo Civil, fica pelo presente V. Exa. notificado, de que se considera citado, na data da certidão de citação efectuada mediante afixação, nos termos do artigo 240 nº 4 C.P.C. Nos termos do n.º 1 do artigo 813º do Código Processo Civil (C.P.C.) tem o prazo de VINTE DIAS (*) PARA PAGAR OU PARA SE OPOR À EXECUÇÃO. Caso não se oponha à execução consideram-se confessados os factos constantes do requerimento executivo, seguindo-se os ulteriores termos do processo. Adverte-se V. Exa. que os duplicados ficam à sua disposição no escritório do agente de execução.» G.– Em 18/05/2012 foram penhorados: fração F do prédio descrito na 2ª CRP de Loures com o registo y; fração A do prédio inscrito na matriz sob o artigo r. H.–Todas as notificações aos executados foram remetidas para a morada da citação mediante afixação. I.–A extinção da execução foi notificada aos executados em 22/05/2020 “nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 779.º, em conjugação com a alínea d) do n.º 1 do artigo 849.º, ambos do CPC”. J.–Em 14/07/2022 a executada juntou aos autos procuração forense a constituir mandatário. K.–Em 07/09/2022 o executado juntou aos autos procuração forense a constituir mandatário. L.–A morada que consta das escrituras como sendo a residência dos executados é a morada sita na Rua T, em W. M.–Nos termos da Cláusula Vigésima dos Documentos Complementares que fazem parte integrante das 3 (três) escrituras: “CLÁUSULA VIGÉSIMA - COMUNICAÇÕES--------------------------- 1- Todas as comunicações respeitantes ao presente contrato deverão ser efectuadas mediante carta registrada com aviso de recepção e dirigidas para as moradas que constam da identificação das partes na escritura pública de que este contrato é documento complementar-------------------------- 2- As comunicações efectuadas nos termos do número anterior considerar-se-ão realizadas na data da respectiva recepção --------------------- 3-Para efeitos de citação no âmbito de acções judiciais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes do presente contrato, deverá considerar-se a morada a que alude o número um desta cláusula.” N.–Os executados nunca intervieram nos autos. O.–Em 2012 os executados residiam em W.” E nele foi considerada não provada a seguinte factualidade: “1.- Os executados apenas agora tiveram conhecimento que corriam estes autos contra si e que, no âmbito dos quais, inclusive, teriam sido vendidos dois imóveis a estes pertencentes sitos na Rua X, em Z e Rua T, em W.” Com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso importa considerar, ainda, o seguinte: - em 04/07/2022 a Srª advogada AM solicitou a consulta do processo. - por notificação elaborada em 11/07/2022 foi concedido o prazo de 10 dias para a requerida consulta do processo. - as procurações referidas nos pontos J. e K. supra foram outorgadas a favor da Srª advogada AM. - os imóveis penhorados referidos em G, pertença de ambos os executados, foram vendidos à exequente em 2016. Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC). Assim, as questões a decidir são as seguintes: 1.–Da nulidade do despacho 2.–Da anulação da execução por falta ou nulidade da citação/extemporaneidade 3.–Do abuso de direito 1.–Da nulidade do despacho A apelante imputa ao despacho recorrido nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que não apreciou a extemporaneidade da arguição de nulidade, alegada na resposta. As nulidades da decisão, aplicáveis aos despachos por força do disposto no artº 613º, nº 3 do CPC, encontram-se taxativamente enumeradas no artº 615º, nº 1 do CPC, que estabelece: “É nula a sentença quando: a)- Não contenha a assinatura do juiz; b)- Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c)- Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. d)- O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.(…)” A nulidade de decisão por omissão de pronúncia apenas ocorre quando o Tribunal deixe por decidir qualquer questão temática principal. “I- As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no art. 615.º do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável. II- A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objeto do recurso, em direta conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III- A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respetivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.” [1] “Não se impõe que o tribunal decisor aprecie ou responda ponto por ponto a todos os argumentos e razões invocados para sustentação (“‘Argumentos’ não são ‘questões’”), exigindo-se antes que indique e desenvolva a fundamentação atinente às questões que integram o objecto do recurso e que constituem o propósito legal da actividade judicativa do tribunal “ad quem”. Só a ausência de apreciação dessas questões é determinante da nulidade em referência. Em suma: “não constitui nulidade da sentença [ou acórdão], por omissão de pronúncia, a circunstância de não se apreciar e fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocaram tendo em vista obter a (im)procedência da ação. Questões e argumentos não se confundem, sendo que o dever de decisão é circunscrito à apreciação daquelas, tanto mais que, com muita frequência, as partes são prolíficas num argumentário cuja medida é inversamente proporcional à pertinência das questões”. [2] A apelante havia invocado a extemporaneidade da arguição de nulidade, por um lado, porque o processo estava extinto, mostrando-se findo o poder jurisdicional do juiz; e por outro lado, porque a mandatária dos executados juntou em 04/07/2022 um requerimento para consulta dos autos, que foi autorizada em 11/07/2022, tendo juntado procuração em 14/07/2022, sem juntar com a mesma a arguição de nulidade da citação e dado ser obrigatório fazê-lo com a primeira intervenção. No despacho recorrido pode ler-se: “O requerimento dos executados foi apresentado nos autos após a extinção da execução, a qual ocorreu em 2020, na sequência da adjudicação à exequente das quantias vincendas (artigo 779º n.º 4 alínea b) do Código de Processo Civil). Por se encontrar a execução extinta (e não renovada), temos para nós estar vedado aos executados a arguição de falta de citação ou nulidade de citação nos termos dos artigos 188º e 191º do Código de Processo Civil – o vício da falta de citação pode ser arguido em qualquer estado do processo (artigo 198º do Código de Processo Civil) e o vício da nulidade de citação pode ser, no limite, arguido aquando da primeira intervenção do citando (artigo 191º do Código de Processo Civil) – em qualquer dos casos, é pressuposto da sua arguição que o processo esteja ativo ou pendente. Os executados nunca intervieram no processo até à apresentação do requerimento em análise, pelo que lhes assiste a faculdade prevista no artigo 851º do Código de Processo Civil, nada obstando a que o tribunal aprecie o requerimento nessa perspetiva, aproveitando-se os requerimentos e atos praticados nos autos. A reclamação com base na falta ou nulidade de citação pode ser apresentada mesmo após a extinção da execução. Remete o artigo 851º para a alínea e) do artigo 696º do Código de Processo Civil, e que admite a possibilidade de revisão de decisão transitada em julgado quando, tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que: i) faltou a citação ou que é nula a citação feita; ii) o réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável; iii) o réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior.” (sublinhados nossos). Resulta do trecho citado que o tribunal a quo se pronunciou sobre a questão da extemporaneidade. Com efeito, tendo aplicado aos autos o disposto no artº 851º do CPC, analisou os pressupostos que enunciou, que não aludem a qualquer prazo de arguição, do que decorre implicitamente que considerou não se verificar a imputada extemporaneidade. Questão diversa da omissão de pronúncia é se tal entendimento constitui “erro de julgamento”, por se impor um prazo para a arguição da nulidade, e se este não foi observado. Improcede, pois, a imputada nulidade. 2.–Da anulação da execução por falta ou nulidade da citação/extemporaneidade Defende a apelante que os executados sabiam, pelo menos desde outubro de 2012 da existência do processo, ou pelo menos desde 2013, quando saíram da casa de W (atento o facto não provado), e que a própria testemunha, filho dos executados, declarou, conforme consta do despacho, que sabia de tudo desde 2014/2015 e que a mãe tinha pleno conhecimento da penhora que incide sobre o seu ordenado; na pior das hipóteses, teriam tido conhecimento através da notificação de 22/05/2020 (uma vez que foi considerado provado que “a extinção da execução foi notificada aos executados em 22/05/2020”), pelo que a arguição é extemporânea, dado que não intervieram nos autos logo após a notificação e, ainda, por não ter sido arguida aquando da primeira intervenção. A apelante funda parte da alegação no facto dado como não provado e na fundamentação de facto constante do despacho recorrido, mormente no que à inquirição do filho dos executados respeita, extraindo a prova de factos que não constam do respetivo elenco. A apelante não recorreu da decisão de facto, nos termos do disposto no artº 640º do CPC, não se mostrando cumpridos os respetivos ónus, pelo que se mantêm inalterados os factos provados e não provados estabelecidos pelo tribunal a quo (artº 663º, nº 6 do CPC), sem prejuízo daqueles que resultam da respetiva tramitação, acima assinalados. É certo que foi considerado provado sob o ponto I. que “a extinção da execução foi notificada aos executados em 22/05/2020 “nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 779.º, em conjugação com a alínea d) do n.º 1 do artigo 849.º, ambos do CPC”. Todavia, no ponto H. deu-se como provado que “todas as notificações aos executados foram remetidas para a morada da citação mediante afixação.” A anulação da execução foi decidida ao abrigo do artº 851º do CPC (correspondente ao artº 921º do CPC), com fundamento na nulidade da citação. Estabelece o artº 198º do CPC vigente à data da citação (a que corresponde o artº 191º do CPC atual): “1- Sem prejuízo do disposto no artigo 195.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei. 2- O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo. 3- Se a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares. 4- A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.” Dispõe o artº 851º do CPC que: “1- Se a execução correr à revelia, pode o executado invocar, a todo o tempo, algum dos fundamentos previstos na alínea e) do artigo 696.º 2- Sustados todos os termos da execução, conhece-se logo da reclamação e, caso seja julgada procedente, anula-se tudo o que na execução se tenha praticado. 3- A reclamação pode ser feita mesmo depois de finda a execução. 4- Se, após a venda, tiver decorrido o tempo necessário para a usucapião, o executado fica apenas com o direito de exigir do exequente, no caso de dolo ou de má-fé deste, a indemnização do prejuízo sofrido, se esse direito não tiver prescrito entretanto.” Por seu turno, o artº 696º, al. e) do CPC estabelece que “a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando, tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que: i)- Faltou a citação ou que é nula a citação feita; ii)- O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável; iii)- O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior”. Revelia, para os efeitos do artº 851º significa a falta absoluta de intervenção do executado, por si ou por mandatário durante o processo. [3] No caso em apreço o processo executivo decorreu sem qualquer intervenção dos executados. O artº 851º não contempla qualquer prazo para a arguição. A expressão “a todo o tempo”, refere-se a qualquer estado do processo, sendo admissível mesmo após a sua extinção, nos termos do nº 3. Lopes Cardoso, ob. citada, pág. 648, defendia que “cessando a chamada “revelia”, por qualquer intervenção do executado, terá este que requerer logo a anulação do processo, se for caso disso. Mais tarde é que não o pode fazer.” [4] Atentos os gravosos efeitos da intervenção, mormente quanto à sanação da nulidade, há que considerar aquela que é relevante, a que pressupõe que o réu ou o executado está em condições tais que permitem concluir que está ultrapassada uma situação de revelia absoluta, por lhe ter sido facultada a informação típica da citação. Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa [5], “na jurisprudência existe uma orientação que defende que a junção da procuração a advogado constitui uma intervenção relevante que faz pressupor o conhecimento do processo que a mesma permite, de modo a presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação (…), à qual se opõe outra corrente, segundo a qual a forma de compatibilizar o direito constitucional de acesso ao direito, no caso das ações tramitadas eletronicamente, é fazer uma interpretação atualista quanto aos efeitos relacionados com a apresentação de uma procuração forense, de modo que a simples junção de instrumento de mandato forense não implique, direta e necessariamente, a preclusão da possibilidade de invocação da nulidade por falta de citação (…).” “A presente acção executiva cível está sujeita à disciplina da Portaria nº280/2013, de 26 de Agosto e esse diploma regula os aspectos da tramitação electrónica dos processos judiciais nos tribunais de primeira instância. Prescreve o artigo 27º que o acesso ao sistema informático de suporte à actividade dos tribunais para efeitos de consulta de processos requer o prévio registo dos advogados e solicitadores, nos termos do nº2 do artigo 5º. O acesso ao sistema informático referido no número anterior por advogados, advogados estagiários e solicitadores requer o seu registo junto da entidade responsável pela gestão dos acessos ao sistema informático (artigo 5º, nº2, da aludida Portaria). Como o processo físico não existe, o acesso à tramitação electrónica implica a junção de uma procuração e, nessa medida, esta é também pressuposto de qualquer intervenção. Desta forma, a única forma de compatibilizar o direito constitucional de acesso ao direito no caso das acções tramitadas electronicamente é fazer uma interpretação actualista quanto aos efeitos relacionados com a apresentação de uma procuração forense, de modo a evitar que a simples junção de instrumento de mandato forense não implique directa e necessariamente a preclusão de possibilidade de invocação da nulidade por falta de citação. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9º, nº1, do Código Civil). O enunciado textual da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso», como decorre do nº2 do preceito sub judice.” [6] “III.–A intervenção no processo relevante para efeitos de sanação da falta de citação, nos termos do disposto no art. 189º do Cód. Proc. Civil, é aquela que pressupõe o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento do processo pela parte demandada como decorreria da citação, ou seja, o conhecimento que lhe seria dado pela citação. IV–Encontrando-se uma acção sujeita à disciplina da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto, e ainda que exista um processo físico em suporte de papel, o acesso à tramitação electrónica implica a junção de uma procuração forense, que, por isto, constitui o pressuposto de qualquer intervenção nos autos. Desta forma, a simples junção de uma procuração forense não se afigura como intervenção relevante para efeitos do art. 189º do Cód. Proc. Civil, pelo que tal junção não importa a sanação do vício de nulidade de falta de citação (porque não arguido concomitantemente àquela junção da procuração).” [7] “IV– O artigo 189º do CPC deve, porém, ser objeto de uma interpretação atualista face à tramitação eletrónica do processo, pois resulta da Portaria 280/2013, de 26.08 que a junção da procuração é condição de acesso ao processo eletrónico, pelo que a expressão “logo” prevista no referido normativo, não pode ser simultânea a essa junção. V– Ainda que se conclua que a nulidade da citação dos executados não ficou sanada em virtude da não arguição imediata da falta da citação aquando da junção pelos executados da procuração forense, sempre haverá que considerar suprida a nulidade por falta da respetiva arguição no prazo geral de 10 dias previsto no artigo 149º, nº 1, do CPC, contado desde a junção aos autos de tal procuração.” [8] “… a simples junção autos de uma procuração forense pela executada não configura qualquer intervenção processual da sua parte no processo, e nem dela se pode extrair (à falta de mais elementos) a conclusão de que a mesma tomou conhecimento do seu processado (por forma a ficar em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa). Interpretação em sentido contrário colidiria/afrontaria, a nosso ver, com o princípio de tutela jurisdicional efetiva e do aceso aos tribunais consagrado no artº. 20º da nossa Lei Fundamental e bem assim com o princípio da tutela da confiança que decorre do princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artº. 2º da mesma Lei.” [9] Aderimos a esta posição jurisprudencial, por se afigurar a mais consentânea com a realidade da tramitação eletrónica dos processos e com o princípio de tutela jurisdicional efetiva e do acesso aos tribunais. A Srª advogada AM solicitou a consulta do processo em 04/07/2022. Em 11/07/2022 foi elaborada notificação pela secretaria, concedendo a consulta por 10 dias. Ao invés do defendido pela apelante não se mostra provado que a consulta do processo ocorreu em 11/07/2022, nem se provou qualquer outra data, presumindo-se a notificação efetuada em 14/07/2022 (artº 248º, nº 1 do CPC), data em que foi junta procuração outorgada pela executada a favor da referida Srª advogada. Em 07/09/2022 foi junta procuração outorgada pelo executado e apresentado o requerimento de arguição de nulidade. Dúvidas não restam de que em relação ao executado a arguição é tempestiva, dado que efetuada com a sua primeira intervenção nos autos. No que à executada respeita, coincidindo a notificação da autorização para consulta do processo, para o que dispunha de 10 dias, com a junção da procuração outorgada pela executada, e atentos os fundamentos da jurisprudência citada, entendemos que dispunha a executada do prazo de 10 dias, subsequente à referida notificação, para a arguição da nulidade, nos termos do disposto no artº 149º, nº 1 do CPC. A arguição da falta/nulidade da citação pelos executados é, pois, tempestiva. A apelante pugna pela não verificação da nulidade da citação, uma vez que foram cumpridas as formalidades, devendo o auto elaborado pelo AE prevalecer sobre a prova testemunhal. “A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender (…)” (artº 228º, nº 1 do CPC vigente em 2012, com correspondência no atual artº 219º, nº 1 do atual CPC). “Quer pela forma, quer pelo seu conteúdo e finalidade, a citação constitui o meio privilegiado para a concretização de um dos princípios basilares do processo civil: o contraditório. Num processo de natureza dialética, como é o processo civil, é a citação do réu que determina o início da discussão necessária a iluminar a resolução do conflito de interesses, com vista à justa composição do litígio. É pelo ato de citação que se dá conhecimento ao réu da petição ou do requerimento inicial, propiciando-lhe a faculdade de deduzir oposição”. [10] Nos termos do disposto no artº 232º, nº 1 do CPC então vigente, “a citação e as notificações podem efectuar-se em qualquer lugar onde seja encontrado o destinatário do acto, designadamente, quando se trate de pessoas singulares, na sua residência ou local de trabalho.”. Dispunha o artº 240º, nº 1 do CPC então vigente (a que corresponde o atual artº 232º do CPC) “se o agente de execução ou o funcionário judicial apurar que o citando reside ou trabalha efetivamente no local indicado, não podendo proceder à citação por não o encontrar, deve deixar nota com indicação de hora certa para a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a transmitir ao citando ou, quando tal for impossível, afixar o respetivo aviso no local mais indicado.” “Não sendo possível obter a colaboração de terceiros, a citação é feita mediante afixação, no local mais adequado e na presença de duas testemunhas, da nota de citação, com indicação dos elementos referidos no artigo 227º, declarando-se que o duplicado e os documentos anexos ficam à disposição do citando na secretaria judicial” (nº 4 do artº 240º do CPC, em vigor à data, com redação idêntica ao atual artº 232º, nº 4). A citação dos executados foi efetuada mediante afixação de nota com hora certa, na morada sita na T, em W, concretizada em 24/04/2012. Consta da certidão de citação pessoal que a morada dos executados foi (previamente) confirmada por vizinhos. Estes não foram identificados. As testemunhas identificadas na certidão atestaram a realização da diligência efetuada em 24/04/2012. A identificação das pessoas que confirmam a residência dos executados no local da citação não constitui formalidade prescrita na lei. Acresce que a certidão de citação emitida pelo AE constitui um documento autêntico nos termos previstos no art.º 371º do CC, cuja força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade, de harmonia com o disposto no art.º 372º, do CC. [11] Os executados não arguiram a falsidade da certidão de citação. Tal como consta da decisão recorrida não ter a carta registada sido enviada no prazo previsto no artº 241º do CPC revogado não constitui formalidade essencial, pelo que a sua inobservância não se reconduz a nulidade da citação. Em suma, não se verifica nulidade da citação, dado que não se provou a inobservância de formalidade prescrita na lei. Relativamente à falta de citação, importa ter presente o disposto no artº 195º do CPC então vigente (atual 188º): “1–Há falta de citação: a)- Quando o ato tenha sido completamente omitido; b)- Quando tenha havido erro de identidade do citado; c)- Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; d)- Quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade; e)- Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável. 2–Quando a carta para citação haja sido enviada para o domicílio convencionado, a prova da falta de conhecimento do ato deve ser acompanhada da prova da mudança de domicílio em data posterior àquela em que o destinatário alegue terem-se extinto as relações emergentes do contrato; a nulidade da citação decretada fica sem efeito se, no final, não se provar o facto extintivo invocado.” Não ocorre qualquer das situações previstas nas alíneas a) a d). A alegação dos executados apenas é suscetível de se reconduzir à alínea e). Incumbia-lhes, pois, a prova de não terem tido conhecimento do ato, por motivo que não lhes fosse imputável, o que não lograram. Foi considerado não provado que “os executados apenas agora tiveram conhecimento que corriam estes autos contra si e que, no âmbito dos quais, inclusive, teriam sido vendidos dois imóveis a estes pertencentes (…).” É certo que se deu como provado que “em 2012 os executados residiam em W.” Este facto isolado não significa que não tomaram conhecimento da citação, até porque a morada onde esta foi efetivada corresponde a imóvel, à época, de sua pertença (tal como aquele onde afirmaram residir, em W, ambos vendidos no âmbito da execução). Fica prejudicada a apreciação da questão do abuso de direito. Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, e consequentemente, julga-se improcedente a anulação da execução (por falta ou nulidade da citação). Custas do recurso a cargo da apelada. Lisboa, 7 de dezembro de 2023 Teresa Sandiães Maria do Céu Silva Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros [1]Ac. STJ de 03/10/2017, proc. nº 2200/10.6TVLSB.P1.S1, inwww.dgsi.pt. [2]Ac. STJ de 02/03/2021, proc. nº 765/16.8T8AVR.P1.S1, www.dgsi.pt [3]cfr. Lopes Cardoso, Manual da Ação Executiva, Almedina, 3ª ed., pág. 648; Alberto dos Reis, Processo de Execução, Coimbra Editora, 1985, vol. II, pág.442. [4]No mesmo sentido A. Reis, ob. citada, pág. 443 [5]CPC Anotado, Almedina, 2ª edição, vol. I., pág. 241 [6]Ac. RE de 03/11/2016, proc. nº 1573/10.5TBLLE-C.E1, www.dgsi.pt [7]Ac. RL de 29/09/2020, proc. nº 7365/16.0T8LRS-A.L1-7, www.dgsi.pt [8]Ac. RE de 28/04/2022, proc. nº 4008/18.1T8LLE-C.E1, www.dgsi.pt [9]Ac. RC de 24704/2018, proc. nº 608/10.6TBSRT-B.C1, www.dgsi.pt [10]Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, ob. citada, p. 265 [11]Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, ob. citada, pág. 285 |