Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LAURINDA GEMAS | ||
Descritores: | CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO COMERCIAL EXCLUSIVIDADE INDEMNIZAÇÃO DE CLIENTELA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/27/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | NEGAR PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I - Provando-se que entre a Autora e a 1.ª Ré vigorou, desde 2000/2001, um “contrato quadro” atípico, nunca reduzido a escrito que consistia num “acordo de distribuição exclusivo”, para o Território Nacional, dos produtos da marca Eastpak, pelo qual a 1.ª Ré (distribuidora exclusiva na Europa) os vendia em Portugal exclusivamente à Autora, sendo esta a responsável pela sua comercialização no nosso país e distribuição pelos retalhistas (revendedores autorizados) que os revenderiam ao consumidor final, estamos perante um contrato de distribuição comercial, que mais se aproxima do contrato de distribuição seletiva do que da concessão comercial (embora combinando elementos de ambos), atenta a obrigação de exclusividade de fornecimento assumida pela referida Ré. II - O facto de, a partir de 2008, os Hipermercados nacionais (que não eram revendedores autorizados) terem começado a comercializar, com “descontos”, os produtos Eastpak, não basta para que se possa considerar ter sido violada pela referida Ré a obrigação de exclusividade (efetuando vendas concretas de produtos Eastpak a empresas nacionais), não podendo a presunção legal de culpa consagrada no art. 799.º do CC operar como uma espécie de presunção de nexo causal, tanto mais que as próprias partes atribuíram tal situação à possível contrafação dos produtos e, sobretudo, ao fenómeno das importações paralelas. III - Não estando sequer provado que a Ré tinha (ou devia ter) de antemão conhecimento do destino dos produtos que vendia aos distribuidores oficiais dos diferentes países da União Europeia, concretamente que alguns desses produtos acabariam por certo nas grandes superfícies nacionais, tão pouco se poderá considerar que incorreu em responsabilidade contratual por violação de deveres acessórios inerentes à sua aludida obrigação de exclusividade, tanto mais que as importações paralelas não constituem um “mercado negro” ilegal que a Ré tivesse de combater a todo o custo, numa visão desligada do Direito da Concorrência (da União Europeia e do nosso País) e dos princípios fundamentais e regras aplicáveis nos países da União Europeia, em que avulta o direito à livre circulação de mercadorias originárias dos Estados-Membros e de produtos provenientes de países terceiros que se encontrem em livre prática nos Estados-Membro. IV - Ante a cessação do contrato em apreço, justifica-se aplicar analogicamente o disposto no art. 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03-07 (Regulamenta o contrato de agência ou representação comercial), pelo que poderá ser devida uma indemnização de clientela, desde que não se verifiquem os factos impeditivos aí igualmente contemplados (cf. n.º 3). Naturalmente, se estes últimos, porque de matéria de exceção se trata, ocorrerem, torna-se inútil discutir o mais (isto é, da extensão da analogia às diferentes alíneas do n.º 1 do artigo e da verificação, no caso concreto, ante os factos provados, dos requisitos aí previstos). V - A posição da Autora ao comunicar a “suspensão de todas as relações comerciais” e recusar retomar a execução do contrato, bem como o pagamento de faturas vencidas relativas a anteriores fornecimentos e que se tinha comprometido a pagar, mesmo após a interpelação admonitória feita pela Ré, podendo até ser entendida como uma verdadeira recusa categórica em cumprir a obrigação contratual de pagamento do preço das mercadorias adquiridas e a obrigação de continuar a adquirir mercadorias à Ré para revenda aos distribuidores autorizados no mercado nacional, configura um incumprimento contratual que ditou o fim do contrato, levando a Ré VF a comunicar a sua resolução, não sendo, pois, devida uma indemnização de clientela. VI - Estando provado, que quando a Autora começou a comercializar os produtos da marca Eastpak a mesma era desconhecida no mercado Português, sendo hoje em dia a marca líder em Portugal, não custa admitir que a 2.ª Ré, sociedade comercial norte americana titular dos registos da dita marca, terá beneficiado de um enriquecimento, obtendo uma vantagem de cariz patrimonial, com o aumento das vendas e o acréscimo de notoriedade da sua marca no mercado nacional, mas tal enriquecimento nada tem de “injusto” ou injustificado, tendo como causa o negócio, cuja legalidade não foi questionada, celebrado com a 1.ª Ré, a sua distribuidora para a Europa. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados I - RELATÓRIO “A. MORAIS & GONÇALVES, Lda.” interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou improcedente a ação declarativa que, sob a forma de processo comum, move contra “VF EUROPE B.V.B.A. (Eastpak)” (1.ª Ré) e “JANSPORT APPAREL CORP” (2.ª Ré), e que julgou parcialmente procedente a ação declarativa apensa (intentada pela referida 1.ª Ré e Apelada contra aquela 1.ª Autora e Apelante). Os presentes autos tiveram início em 11-01-2014, com a apresentação de Petição Inicial em que a Autora formulou o seguinte pedido: - que se considere resolvido com justa causa o contrato celebrado entre a Autora e a 1.ª Ré por violação desta última; - que as Rés sejam condenadas, de forma solidária ou individualmente, no pagamento do valor de uma indemnização que computa em 2.583.663,65 € - considerando já compensado o valor em dívida da Autora à 1.ª Ré no valor de 679.227,46 € - ou, se assim não se entender, a título subsidiário, a condenação das Rés, de forma solidária ou individual, no pagamento de um valor justo correspondente ao montante do seu enriquecimento com a clientela angariada e pelo valor da marca Eastpak no mercado nacional, acrescido dos danos emergentes e lucros cessantes que se vierem a apurar em sede de julgamento. Alegou, para tanto e em síntese, que: - No exercício da sua atividade de importação, comercialização e exportação de equipamentos celebrou verbalmente, em meados de 2000/2001, com a Ré VF, um contrato de concessão comercial ou, caso assim não se entenda, de distribuição em regime de exclusividade no âmbito do qual esta, na qualidade de distribuidora exclusiva dos produtos de marca Eastpak para Portugal - desenvolvidos, fabricados e comercializados pela 2.ª Ré - vendia os mesmos à Autora, sendo esta responsável pela sua comercialização e distribuição pelos retalhistas que os revenderiam ao consumidor final; - Tais produtos já eram por si comercializados em Portugal desde 1995, promovendo e divulgando a marca Eastpak, a qual era então totalmente desconhecida do público em geral sendo hoje uma marca de reputação e referência no mercado nacional; - Para o efeito suportou custos de implementação e divulgação, operações de marketing e publicidade, criação de websites, participação em vários sites e outros meios de comunicação social, oferta de produtos a clientes VIP, patrocínio de vários espetáculos e publicidades em eventos, custos esses que perfazem 1.482.681,57 € desde 2001 até 2012, sendo que só a partir de 2008 é que a 1.ª Ré acedeu em conceder descontos de 5% em compras efetuadas pela Autora a título de contribuição por custos e despesas de publicidade, promoção e divulgação, contribuição essa que se cifra, no período em referência, em 168.366,00 €; - Para além dos custos monetários de divulgação e promoção dos produtos, existem custos acrescidos decorrentes da dedicação exclusiva da Autora, em particular do seu representante legal, AF, e ainda os custos inerentes à reparação de todas as mochilas e produtos Eastpak em regime de outsourcing, a saber, entre 2000 a 2011, no valor de 57.111,04 €; - Todos os seus esforços tornaram a marca Eastpak apetecível, o que determinou o surgimento de produtos contrafeitos em Portugal, situação que, acrescida da comercialização de mochilas e artigos Eastpak pelas grandes superfícies, desde 2008, em violação da exclusividade existente e garantida à Autora, determinou que as vendas descessem, pois verificou-se a sua vulgarização e venda a preços inferiores ao preço normal do mercado e com enormes descontos, os quais impediam os clientes da Autora de vender ao consumidor final com os preços recomendados pela 1.ª Ré; assim, a partir de 2008 e face ao mercado paralelo da responsabilidade das Rés, ou pelo menos do qual estas não poderiam ser alheias, as suas vendas decresceram em relação aos anos anteriores tendo, inversamente, aumentado os custos com o pessoal, publicidade e com as reparações gratuitas (inclusive de mochilas vendidas pelas grandes superfícies), conseguindo as Rés o escoamento de outros mercados dos produtos Eastpak, elevando as suas vendas para além do que o mercado local consome, através da venda de grandes quantidades de stocks a empresas de Trading que as destinam às grandes superfícies em Portugal, as quais beneficiavam de condições de comercialização através das quais a 1.ª Ré assumia (a final) todo o risco do crédito e pagamento da encomenda pela Trading; - A distribuição e comercialização em massa nos hipermercados era feita com produtos comercializados diretamente pela 1.ª Ré e pelo Grupo VF, através dos canais das empresas de Trading, comungando a 1.ª Ré no resultado dessas vendas às grandes superfícies nacionais ou, no mínimo, conformando-se com tal realidade, prática que é incompatível com o acordado entre a Autora e a 1.ª Ré, em que a aquisição dos produtos das Rés era feita mediante uma encomenda colocada pela Autora à 1.ª Ré, conforme exigência desta, sob ajustadas regras em matéria de comercialização e preço, estando, por sua vez, a Autora adstrita a idêntica exigência perante a rede por si criada de revendedores autorizados Eastpak, recebendo a diferença entre o preço de compra e o preço de revenda dos produtos, recomendados pela 1.ª Ré, destinando-a a cobrir os seus custos com a comercialização, promoção e publicidade e pugnando para aumentar a sua quota no mercado nacional ao mesmo tempo que prestava, também, assistência técnica pós-venda por imposição da 1.ª Ré, estando inibida, nos termos do acordado, de comercializar em Portugal produtos iguais ou similares aos produzidos pelas Rés, bem como do exercício de atividades concorrentes com referência àqueles produtos; - Nessa conformidade, em 11-10-2013, a Autora dirigiu à 1.ª Ré uma comunicação na qual suspendia as relações comerciais com esta, situação que motivou tal Ré, por intermédio dos seus Advogados, a vir, em momento posterior, invocar a resolução do contrato de distribuição, através de carta, não concretizando qual a violação contratual e apenas se referindo a valores em dívida; - Tem assim a Autora direito a ser indemnizado: (i) uma indemnização de clientela, pelo beneficio considerável obtido com a cessação do contrato que as Rés retiram da atividade desenvolvida pela Autora, assim como às retribuições que a Autora deixa de auferir por contratos negociados ou concluídos com clientes (revendedores autorizados) dos produtos Eastpak no valor de 502.188,77 €; (ii) a que acresce uma indemnização pela ofensa do crédito e do bom nome pois, devido à resolução do contrato o bom nome da Autora ficará gravemente lesado no mercado português sendo conotado como falta de capacidade de trabalho, de dinâmica e profissionalismo no cumprimento das obrigações contratuais da Autora com aqueles clientes, em particular verificando-se a manutenção da venda de produtos em hipermercados, agora, também promovida diretamente pela 1.ª Ré, no valor de 100.000,00 €; e (iii) uma indemnização devida pela diferença entre os investimentos efetuados pela Autora na divulgação da marca Eastpak e a comparticipação da 1.ª Ré no valor de 1.314.315,57 €; bem como (iv) uma indemnização pelos danos emergentes e lucros cessantes derivados da cessação da sua atividade, nomeadamente os decorrentes dos produtos Eastpak em stock inventariado no valor de 996.520,96 € e os decorrentes do leasing incidente sobre um veículo automóvel no valor de 1.083,48 €; a que acresce (v) o valor devido, pelo facto de a Autora se encontrar impedida de exercer a sua atividade de distribuidora exclusiva perante os revendedores autorizados Eastpak dos produtos que tem em stock e com a qual auferiria uma margem de 35% sobre o valor dos mesmos, o que representa o valor de 348.782,33 €; tudo num valor global de 3.262.891,11 €, ao qual devem ser descontados 679.227,46 € relativamente a faturas vencidas e não pagas pela Autora à 1.ª Ré, o que perfaz o valor de 2.583.663,65 €, ou, se assim não se entender, à indemnização correspondente ao montante do enriquecimento das Rés com a clientela angariada pela Autora e pelo valor da marca Eastpak no mercado nacional, acrescido de danos emergentes e lucros cessantes, em valor de igual montante. Tendo sido citadas, as Rés apresentaram, em 01-09-2015, Contestação, na qual se defenderam arguindo exceções, dilatória e perentórias, bem como por impugnação motivada, de facto e de direito, alegando, em suma, que: - Se verifica a exceção dilatória de ilegitimidade passiva da 2.ª Ré uma vez que esta não foi configurada na Petição Inicial como titular da relação material controvertida nunca tendo celebrado, direta ou indiretamente, qualquer contrato ou acordo de qualquer natureza com a Autora; - O contrato de distribuição celebrado entre a Autora e a 1.ª Ré já se encontrava resolvido, por iniciativa desta última, através de carta registada com a/r rececionada por aquela no dia 27-12-2013, o que constitui facto impeditivo do efeito jurídico dos factos articulados pela Autora, quanto ao pedido de resolução e aos demais, que a Autora fez depender da peticionada declaração judicial de resolução do contrato; - Como o referido contrato de distribuição nunca foi reduzido a escrito, resultando de um acordo meramente verbal entre as partes, não se podiam as partes arrogar um direito de exclusividade, nem, consequentemente, a Autora o direito à indemnização de clientela, não havendo lugar à aplicação analógica dos artigos 4.º e 33.º do DL n.º 178/86 de 03-07, razão pela qual se verifica uma exceção perentória quanto a tal pretensão indemnizatória; - Por diversas vezes a 1.ª Ré propôs à Autora a redução a escrito de um acordo de distribuição, o que a Autora nunca aceitou, contrariamente ao que sucedeu com os grandes distribuidores europeus; - O investimento extraordinário exigido pela Autora deveu-se à inexperiência e ineficiência comercial desta, a qual nunca alterou procedimentos comerciais obsoletos, nem expandiu a sua atividade, sempre fechada à empresa familiar que se manteve ao longo de 13 anos, beneficiando de um saldo de conta corrente com fornecimento adiantado num contínuo comportamento relapso no que respeita ao pagamento de faturas devidas à 1.ª Ré; - A 1.ª Ré assumiu, durante a última década, o compromisso com os seus distribuidores de lhes conceder um desconto de 30% no preço de aquisição de cada produto com o dever de estes investirem 10% em marketing, promoção e publicidade, sendo que à Autora foi ainda concedido um desconto adicional de 5% como comparticipação extra na condição de esta demonstrar ter feito aquele investimento, o qual nunca foi justificado perante a 1.ª Ré; - Quando a Autora e a 1.ª Ré iniciaram a relação comercial já a marca Eastpak estava implementada no mercado, sendo aquela livre de vender os produtos da 1.ª Ré pelo preço que bem entendesse, mais tendo enviado à 1.ª Ré todas as faturas relativas às reparações que efetuava e sido sempre reembolsada da quantia acordada de 4,00 € por peça reparada em mochilas vendidas por terceiros e 8,00 € por cada peça por si vendida, tendo a 1.ª Ré fornecido gratuitamente toda a espécie de peças sobressalentes para uso nas reparações, como fechos, cintas, puxadores; - Não obstante a Autora se ter mantido, de facto, como a única representante da marca Eastpak em Portugal, não estava a 1.ª Ré impossibilitada de utilizar outros distribuidores neste território, tal como a Autora não se encontrava impossibilitada de comercializar em Portugal produtos com empresas concorrentes aos da 1.ª Ré, nem nunca o foi proibida de o fazer por parte da 1.ª Ré, sendo que a suspensão das relações comerciais por parte da Autora se deveu à interpelação desta para o pagamento de faturas vencidas no valor de 679.435,91 €, arrogando-se o direito de não as pagar; - Desde 2003 que a Autora se queixa à 1.ª Ré da existência de vendas paralelas, tendo a 1.ª Ré despendido substanciais quantias de dinheiro no combate às importações paralelas nos vários países da Europa, sem que esse problema tenha tido qualquer repercussão no volume de vendas da Autora, pois, apesar de se ter registado uma descida de proveitos e ganhos do exercício de 2007 para 2008, este movimento foi interrompido logo de 2009 para 2010, tendo a partir de 2006 a Autora deixado de investir em publicidade e propaganda, a que acrescem os efeitos da crise financeira mundial registados a partir de 2007; - Quaisquer valores despendidos a este título tê-lo-ão sido também em benefício da própria Autora, sem prejuízo de não terem atingido os valores discriminados nos autos, não havendo assim lugar a qualquer reembolso com os custos que aquela despendeu ao longo dos anos com a divulgação da marca, nem com os produtos em stock, ou indemnização por (alegada) ofensa ao bom nome e ainda pelo valor em dívida decorrente do contrato de locação financeira referente ao veículo Nissan; - A Autora não tinha obrigações de exclusividade, não tendo obrigação de aquisição de quantidades mínimas, sendo flexíveis as diretrizes fixadas pela 1.ª Ré, sobre a promoção e distribuição dos produtos, inexistindo qualquer dependência da Autora face à 1.ª Ré, não se podendo, pois, considerar justificada a analogia entre o contrato de agência e o (suposto) contrato de concessão comercial no que se refere às consequências da cessação do contrato; - O cálculo feito pela Autora no tocante à indemnização pela clientela descura a aplicação das regras da equidade ao caso concreto, sobrevalorizando o teto máximo da indemnização prevista por lei e não distinguindo os valores brutos dos valores líquidos, assim como a dedução das despesas incorridas com o normal exercício da sua atividade; - Quanto ao ressarcimento do stock peticionado pela Autora, apesar de ter comunicado a suspensão das relações comerciais entre esta e a 1.ª Ré, aquela manteve-se no mercado a revender os produtos Eastpak que lhe haviam sido fornecidos e não pagou, a que acresce o facto de a Autora não ter contabilizado o valor da desvalorização dos produtos, sendo que, se os tem em stock, tal apenas se deve à sua ineficácia comercial, o mesmo se dizendo, no que ao suposto nexo causal concerne, do veículo Nissan; - No que respeita à ofensa do crédito e do bom nome, a Autora não deixou de distribuir os produtos Eastpack sendo certo que a sua intenção, depois de revender essas mercadorias seria a de encerrar a atividade, não os pagando à 1.ª Ré, o que, desde há muito vinha premeditando com o despedimento de pessoal e o total desinvestimento na atividade da empresa, tendo arquitetado a falsa violação da (alegada) obrigação de exclusividade para se apropriar do valor da mercadoria e das margens auferidas com essa venda. Após requerimento da Autora, foi proferido despacho em 27-11-2015 que determinou a apensação da ação que corria termos na Secção Central Cível – Juiz 1 com o n.º 11676/14.1T2SNT, passando a ser tramitada como apenso A. Na Petição Inicial dessa ação, intentada, em 09-06-2014, pela VF Europe B.V.B.A. contra a A. Morais & Gonçalves Lda. foi peticionado (a) o reconhecimento da legitimidade da resolução do contrato de distribuição comercial, comunicada no dia 27-12-2013, com base no incumprimento definitivo e culposo da aí Ré, e (b) a condenação da mesma no pagamento dos danos causados à Autora, decorrentes da resolução do contrato, concretamente: (i) o crédito da Autora no montante de 679.435,91 €; (ii) os juros desse crédito contabilizados desde as datas de vencimento das faturas até à data de entrada dessa ação, no montante de 30.293,94 €; e (iii) as despesas previsíveis em que a Autora incorreu na tentativa de salvaguardar a recuperação daquele crédito, no montante de 23.329,27 €, bem como as despesas previsíveis em que venha a incorrer nessa tentativa no montante de 50.000,00 €. Para tanto e em síntese, a aí Autora (VF) alegou que: no decurso do contrato acima descrito forneceu diversas mercadorias à Ré as quais não foram devidamente pagas no valor peticionado, já se tendo vencido juros no valor indicado, e já tendo a aí Autora despendido a quantia referida para tentar recuperar o seu crédito; perante isso e face à imputação por parte da aí Ré de factos difamatórios para justificar a suspensão do contrato, veio a aí Autora comunicar a resolução do contrato de distribuição, considerando que tal se deveu a culpa exclusiva da mesma Ré. Tendo sido citada para contestar, veio a (aí) Ré fazê-lo (cf. articulado junto no processo eletrónico apenso em 16-09-2014), em termos coincidentes, tanto de facto como de Direito, com o alegado na Petição Inicial da presente ação, referindo designadamente já ter invocado, nesta última, um crédito sobre a Autora no valor total de 3.258.321,13 €, bem como a compensação com o crédito ora reclamado de 679.227,46 €. No presente processo, foi proferido despacho, em 18-02-2016, que, com fundamento no dever de gestão processual e na adequação formal, previstos no n.º 1 do art. 6.º e no art. 547.º ambos do CPC, facultou à Autora o exercício do contraditório quanto à matéria das exceções deduzidas pelas Rés, o que aquela fez, mediante articulado de “Resposta”, apresentado em 11-04-2016, alegando, em suma, que: - Improcede a exceção de ilegitimidade processual da 2.ª Ré, considerando ter sido alegado na Petição Inicial que os primeiros contactos foram efetuados com a 2.ª Ré, a fim de dar início à comercialização em exclusivo das mochilas Eastpack, sendo a 2.ª Ré dona da marca e da fábrica, comercializando os produtos Eastpack por si e através de outros a nível mundial, pelo que tanto a 1.ª Ré como a 2.ª Ré irão beneficiar do trabalho da Autora, nomeadamente através da clientela por esta angariada e do mercado criado pela Autora em Portugal; - Ser verdade que a 1.ª Ré lhe remeteu carta a comunicar a resolução do contrato, mas tal resolução não foi aceite por falta de fundamento, sendo manifesto ter sido o incumprimento daquela que deu origem ao pedido de resolução deduzido pela Autora, o qual “pressupõe a falta de fundamentação da tentativa de resolução operada pela 1ª Ré”; mas, para o caso de assim não se entender, requereu o aditamento de um pedido, a ser apreciado, antes dos já deduzidos, na Petição Inicial, nos seguintes termos: “Deve considerar-se sem efeito a resolução pela 1ª Ré à Autora, por falta de fundamento legal, nomeadamente por incumprimento desta última”. - Num contrato de concessão ou de distribuição comercial não existe imperatividade da redução a escrito da cláusula de exclusividade, sendo evidente o reconhecimento da Autora enquanto sua distribuidora exclusiva para Portugal, pelo menos de mochilas e produtos similares, através da existência de um contrato, pelo que não está afastado o direito à indemnização pela clientela. As Rés pronunciaram-se, defendendo a inadmissibilidade legal da ampliação do pedido. Em 04-05-2017, realizou-se audiência prévia, no decurso da qual foi, além do mais, proferido despacho que admitiu a ampliação do pedido requerida pela Autora, bem como proferido despacho saneador, julgando improcedente a exceção de ilegitimidade da 2.ª Ré e relegando o conhecimento das (duas) exceções perentórias invocadas pelas Rés para a prolação da sentença, tendo ainda sido proferido despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, nos seguintes termos: “Objecto do Litígio: - Na presente acção, importa determinar da qualificação jurídica do contrato celebrado entre a A. e a 1º Ré e das obrigações contratuais a que se vincularam e bem assim da violação do contrato por parte da Ré e o apuramento da indemnização dos danos provocados, por essa violação, na esfera jurídica da A. e ainda a existência do seu direito à indemnização de clientela. - Importa apurar da Responsabilidade Solidária das RRs perante a A. nomeadamente por indemnização de clientela, danos emergentes e lucros cessantes que se vierem apurar. - Da compensação do crédito da VF Europe BVBA com o crédito da aqui A. Temas da Prova: 1- Da qualificação jurídica do contrato; 2- Da Obrigação de exclusividade da venda dos produtos da R. à A., em Portugal; 3- Da violação dessa Exclusividade por parte da 1º Ré e do conhecimento dessa violação por parte da 2º Ré com o intuito de prejudicar a A.; 4- Os custos que a A. Morais Gonçalves Lda suportou durante a relação comercial estabelecida com a Ré VF Europe BVBA relativos a gastos com pessoal, publicidade, reparações de mochilas e patrocínios; 5- A ofensa do crédito e bom nome da A. Morais e Gonçalves Lda, em virtude da violação da exclusividade de representação da A. e respectivos danos reclamados; 6- A existência de danos emergentes e lucros cessantes decorrentes da paralisação da actividade da A;. 7- Do direito à indemnização por clientela; 8- Da falta de fundamento da resolução do contrato pela 1ª Ré. [que veio a ser considerado prejudicado por despacho de 03-09-2019, em obediência aos acórdãos proferidos pela Relação de Lisboa e pelo STJ adiante referidos] * Processo 945/14.0T2SNT-A: Objecto do litígio: a) Importa aferir do incumprimento contratual por parte da Ré Morais e Gonçalves Lda, pelo não pagamento das facturas emitidas pela A. VF Europe BVBA, no valor de € 679.435,91 e respectivos juros de mora e bem assim das despesas em que a A. VF Europe BVBA incorreu e venha a incorrer para recuperar o pagamento das facturas referidas em b). b) Das causas da resolução do contrato pela A. celebrado com a R. Temas da prova: 1- Da qualificação jurídica do contrato; 2- Importa aferir do incumprimento contratual por parte da Ré Morais e Gonçalves Lda, pelo não pagamento das facturas emitidas pela A. VF Europe BVBA, no valor de € 679.435,91 e respectivos juros de mora e bem assim das despesas em que a VF Europe BVBA incorreu e venha a incorrer para recuperar o pagamento das facturas referidas em b). 3- Das causas invocadas pela R. para a suspensão das relações comerciais. 4- Das causas da resolução do contrato pela A. celebrado com a R. Factos já Assentes: - A Morais e Gonçalves Lda deve à VF EUROPE BVBA a quantia de €679.435,91 relativa às facturas constantes dos documentos n.º 5 a 12 e 13 a 27 juntos à petição inicial 945/14.0T2SNT - Por carta registada com aviso de recepção datada de 23 de Dezembro de 2013, VF Europe resolveu o contrato com a A. Morais e Gonçalves Lda.”. Apreciando o recurso de apelação interposto pelas Rés contra a decisão que admitiu a ampliação do pedido e relegou para a sentença o conhecimento das exceções perentórias, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu (no apenso G) acórdão em 22-03-2018 cujo segmento decisório tem o seguinte teor: “Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e em consequência: a) Revogam o Despacho de 4 de Maio de 2017 (acta com a refª. Citius 10…3), que admitiu o articulado de ampliação do pedido e a ampliação do pedido, o qual substituem pelo presente acórdão que decide a rejeição do referido articulado, por inadmissibilidade legal da requerida ampliação do pedido e considera prejudicado o ponto 8., dos Temas da Prova; b) Revogam o Despacho de 4 de Maio de 2017 (acta com a refª Citius 10…3), que relegou para a sentença o conhecimento da excepção peremptória inominada invocada pelas Rés/Recorrentes, impeditiva do efeito jurídico pretendido pela Autora, o qual substituem pelo presente acórdão que decide julgar procedente a invocada excepção peremptória e, em consequência: (i) absolvem as Rés do pedido de resolução, "com justa causa, do contrato celebrado entre a Autora e a 1ª Ré, por violação desta última"; (ii) consideram prejudicado o conhecimento dos restantes pedidos formulados pela Autora contra as Rés. (…)” Esta decisão de absolvição das Rés do pedido de resolução do contrato foi fundamentada designadamente nos seguintes termos: “Na verdade, se o contrato celebrado entre a Autora e a 1ª Ré, a que respeitam os autos, já estava resolvido em data anterior (Dez. 2013) à propositura da presente acção (10/01/2014). Tratando-se de um facto já adquirido no processo, estava naturalmente vedado ao Tribunal a quo, por impossibilidade legal, conhecer e decidir o pedido principal da Autora, de resolução desse mesmo contrato e, para o que aqui releva, estava o Tribunal a quo habilitado com todos os elementos para conhecer da excepção peremptória impeditiva do efeito jurídico pretendido pela Autora. (…) Com efeito, uma vez comunicada a resolução do contrato e assente essa comunicação e consequente cessação do vínculo, o contrato resolvido não pode voltar a subsistir contra a vontade da parte que o resolveu, no caso a 1ª Ré, sob pena de violação, além do mais, dos princípios da consensualidade e autonomia privada. A declaração de resolução por parte da 1ª Ré operou a extinção do contrato. No sistema jurídico português, a resolução pode fazer-se mediante declaração unilateral e não carece de recurso judicial (art.º 436º, n.º 1, do CC), embora, por via de regra, ela seja decretada judicialmente. A resolução dos contratos, nos termos gerais dos artigos 432º e segs., do CC, segue o regime da liberdade de forma, bastando a mera declaração de uma das partes à outra para produzir os seus efeitos. Trata-se de uma declaração informal, mas receptícia, pois só se torna eficaz quando chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida (artigo 224º do CC). A partir do momento em que é recebida pela contraparte, a declaração de resolução é irrevogável (art.º 230º, n.º 1, do CC). Pode acontecer - e acontece amiúde - que a declaração tenha sido invocada por uma das partes sem que se preencham os respectivos pressupostos legais. Nesse caso, estar-se-á perante uma resolução ilícita. No entanto, a declaração de resolução, ainda que fora dos pressupostos em que é admitida, não é inválida, pelo [sic], mesmo injustificada, produz efeitos: (i) determina a cessação do vínculo contratual; e (ii) representa o incumprimento do contrato pela parte que, injustificadamente, pelo autor da declaração. Resolvido o contrato, resta à Autora a via indemnizatória para reparar os danos eventualmente decorrentes da falta de fundamento da resolução, caso a resolução se mostre infundada. (…) Não se pode resolver o que já esta resolvido!” Deste acórdão da Relação foi interposto recurso de revista, vindo o STJ a decidir, no acórdão de 06-06-2019, julgar a revista parcialmente procedente e, consequentemente, revogar o acórdão recorrido na parte em que julgou prejudicado o conhecimento “dos restantes pedidos formulados pela Autora contra as Rés”, confirmando o mesmo quanto ao mais, e determinando ainda que, no prosseguimento dos autos em 1.ª instância, se julgassem os pedidos formulados pela Autora, com exceção do definitivamente julgado como improcedente nesse mesmo acórdão do STJ, isto é, a declaração de resolução do contrato, por violação contratual da 1.ª Ré. Considerou o STJ que merecia acolhimento, por acertada, a argumentação e decisão quanto à improcedência do pedido resolutivo, acrescentando que (sublinhado nosso): “Embora aceitando que a declaração resolutória de um dos contraentes dirigida ao outro, desde que recebida pelo destinatário, opera seus efeitos, pondo termo, sem mais, ao negócio, insiste a recorrente na ideia de que, ainda assim, sempre haverá que aferir a licitude dessa resolução, o que passa por saber se a mesma preencheu os pressupostos legais. E, nesta senda, prossegue afirmando que os factos alegados na petição inicial e na contestação alicerçam a falta de fundamento desse ato resolutório. Salvo o devido respeito, é tese que não tem fundamento. Se, como aceita, o contrato se extinguiu mercê da declaração de resolução que a ré lhe dirigiu em Dezembro de 2013 e se, como bem sabe, a matéria atinente à falta de fundamento dessa resolução não integra a causa de pedir nem o pedido formulado na petição inicial, só mais tarde tendo a autora pedido, em requerimento de ampliação, definitivamente rejeitado pelo Tribunal da Relação, que se considerasse sem efeito, por falta de fundamento, essa mesma resolução, não tem o menor fundamento pretender que, no âmbito da causa de pedir e pedido subsistentes, se aprecie e julgue a questão, que lhes é absolutamente estranha, de saber se é ilícita, por falta de verificação dos pressupostos legais, aquela resolução. Uma vez que o contrato já se mostra extinto por resolução declarada pela ré à autora, não pode proceder a aqui pretendida resolução do contrato por invocado incumprimento da 1ª ré, não merecendo censura o acórdão recorrido que, com esse fundamento, absolveu as rés do pedido.” Já quanto ao conhecimento dos demais pedidos formulados pela Autora, considerou o STJ “não ser correta a afirmação feita no acórdão recorrido, segundo a qual os demais pedidos formulados pela autora estariam dependentes da prévia declaração judicial de resolução do contrato por violação contratual cometida pela 1ª ré, no seguimento do que se julgou prejudicado o respetivo conhecimento. Desde logo, a indemnização de clientela, se for devida por verificação dos respetivos pressupostos, terá a sua génese, não na pretendida e já negada declaração de resolução do contrato por violação contratual perpetrada pela 1ª ré, mas na cessação daquele por qualquer causa. É o que resulta do disposto no nº 1 do art. 33º do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de julho, apenas não sendo devida se a cessação do contrato tiver ocorrido por razões imputáveis ao agente ou se este, por acordo com a outra parte, houver cedido a terceiro a sua posição contratual – nº 3 do mesmo preceito. Também a indemnização aludida em h) e i), nada tem a ver com a dita resolução, antes provindo, se for devida, do investimento na angariação de clientela da qual apenas beneficiarão, após a cessação do contrato, as rés. No tocante à pedida indemnização pelos danos causados ao bom nome da autora, esta tanto reconduz a sua proveniência à resolução do contrato – f) -, como ao comportamento da 1ª ré violador das obrigações contratuais – g) -, pelo que, ao menos nesta última perspetiva, se tem de afirmar a sua absoluta autonomia em relação à negada declaração de resolução contratual pedida pela autora, sendo tal pretensão de apreciar nos termos gerais, enquanto invocado dano pelo não cumprimento, pela 1ª ré, das obrigações que sobre ela impenderiam. Diga-se, ainda, que mesmo no caso, não verificado, de os demais pedidos estarem dependentes da declaração de resolução do contrato por violação contratual da 1ª ré, a improcedência desta pretensão, podendo levar a que os primeiros tivessem igual sorte, não prejudicaria o seu conhecimento. Sobre eles sempre haveria que emitir julgamento.” Realizou-se a audiência de julgamento, em várias sessões (a primeira em 18-11-2019 e a última em 27-11-2020) no decurso das quais foram ouvidos os legais representantes das partes e as testemunhas que arrolaram. Em 16-04-2021 foi proferida a sentença recorrida, cujo segmento decisório tem o seguinte teor: “Com fundamento em todo o exposto, o Tribunal decide: - Absolver as Rés VF Europe BVBA e Jansport Apparel Corp. de todos os pedidos contra estas formulados pela Autora A. Morais & Gonçalves, Lda. - Condenar a Ré A. Morais & Gonçalves, Lda. ao pagamento dos danos causados à Autora VF Europe BVBA, decorrentes da resolução do contrato, concretamente o crédito no montante de €679.435,91 e das despesas em que a Autora VF Europe BVBA incorreu na tentativa de salvaguardar a recuperação daquele crédito, no montante de €23.329,27 acrescidos de juros vencidos e vincendos contabilizados das datas de vencimento das faturas até ao seu integral pagamento. - Absolver a Ré A. Morais & Gonçalves, Lda. do pedido de pagamento das despesas previsíveis em que virá ainda a incorrer na tentativa de salvaguardar a recuperação do crédito no montante de €50.000,00. Custas pela VF Europe BVBA e A. Morais & Gonçalves, Lda. na proporção do respectivo decaimento (cfr. art. 527.º n.º 2 do Código de Processo Civil). Registe e notifique.” Inconformada com esta decisão veio a Autora interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões (sublinhado nosso): (1) A Recorrente não se conforma com a douta Sentença a quo que, por um lado, julga improcedentes os pedidos por si formulados, deles absolvendo as Recorridas e, por outro lado, julga procedente o pedido deduzido pela Recorrida VF, nele condenando a Recorrente. (2) Considera a Recorrente, salvo o devido respeito, que a Sentença a quo incorre em vários erros de facto e de direito. EM MATÉRIA DE FACTO Quanto à violação da obrigação de exclusividade pela Recorrida VF: (3) O douto Tribunal a quo qualificou incorretamente como não provados os Factos 18., 19. e 20. da Sentença. (4) A resposta não provado dada ao Facto 18. da Sentença encontra-se em contradição com a resposta provado dada aos seguintes Factos FFFF, GGGG, HHHH, IIII e LLLL pelo Tribunal a quo. (5) Os documentos juntos aos autos demonstram que a Recorrida VF forneceu diretamente produtos Eastpak a cadeias de supermercados, em violação do direito de exclusivo da Recorrente. (6) Para efeitos do Regulamento (UE) Nº 1007/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de Setembro de 2011, relativo às denominações das fibras têxteis e à correspondente etiquetagem e marcação da composição em fibras dos produtos têxteis, um distribuidor é considerado fabricante sempre que coloque no mercado um produto com o seu próprio nome ou marca comercial, afixe a etiqueta ou modifique o seu conteúdo (artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento), pelo que nos termos do n.º 1 do artigo 15.º do Regulamento cabia à Recorrida VF proceder à etiquetagem dos produtos que colocasse no mercado português. (7) Etiquetagem essa que no Documento n.º 4A junto aos autos está precisamente feita pela Recorrida VF, em Língua Portuguesa, com a sua própria denominação. (8) É facto público e notório que as cadeias de supermercados etiquetam os produtos fabricados ou distribuídos por terceiros apenas quanto a preços e descontos, mas já não quanto às suas características e conteúdo. Quanto a estes, a etiquetagem é feita pelos fabricantes ou distribuidores, como estipulado pelo artigo 15.º do Regulamento. (9) As declarações da testemunha SN demonstram que a Recorrida VF: (i) promoveu a aproximação do Modelo/Continente junto da Recorrente para comercialização de produtos Eastpak, contrariando as condições até então sempre impostas pela VF Europa aos seus distribuidores locais em matéria de comercialização dos produtos Eastpak; (ii) aplicava técnicas de escoamento de produtos Eastpak para artificialmente aumentar o valor das vendas, para tanto utilizando um Trader; (iii) tinha como política elevar os seus lucros a todo o custo, ainda que tal implicasse prejudicar os seus distribuidores oficiais e o incumprir os Contratos com estes celebrados. (10) Do depoimento do legal representante da Recorrida VF, PM, resultou que: (i) a Recorrida VF promoveu a aproximação do Modelo/Continente à Recorrente; (ii) a VF Germany Services GmbH, distribuidora oficial na Alemanha e subsidiária do Grupo VF, vende produtos Eastpak a cadeias de distribuição. (11) Assim, à luz do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, a prova documental, testemunhal e por depoimento de parte constante dos autos impõe a alteração da resposta dada aos factos 18, 19 e 20 da Sentença para provados. Quanto à inexistência de quaisquer obrigações de não concorrência ou de não comercialização de produtos iguais ou similares aos produtos Eastpak: (12) Da prova testemunhal constante da causa resulta que os Factos WWW. e XXX. da Sentença foram incorretamente julgados e deveriam ter sido dados como não provados. (13) MF, General Manager da Recorrida VF, quando questionado acerca das obrigações da Recorrente para com a Recorrida VF ao abrigo do Contrato, respondeu assertiva e repetidamente que a Recorrente só tinha a obrigação de pagar as faturas e nada mais. Acrescentou, ainda, que uma das razões para a Recorrida VF querer reduzir a escrito e alterar o Contrato de distribuição era precisamente a circunstância do atual Contrato não prever quaisquer obrigações para além do pagamento dos produtos Eastpak. (14) Assim, à luz do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, a prova testemunhal constante dos autos impõe a alteração da resposta dada aos Factos WWW. e XXX. da Sentença para não provados. EM MATÉRIA DE DIREITO Da violação da obrigação de exclusividade pela Recorrida VF e da obrigação de indemnizar a Recorrente pelos danos causados pelo incumprimento: (15) Andou mal o douto Tribunal a quo ao decidir que a Ré VF não violou a obrigação de exclusividade a que estava adstrita no âmbito do Contrato celebrado com a Recorrente, não havendo lugar à sua responsabilização à luz do artigo 798.º do CC. (16) O fundamental erro de direito cometido pelo douto Tribunal a quo foi ter considerado necessário que a Recorrente demonstrasse o dolo das Recorridas na violação do Contrato, obnubilando que a presunção legal constante do artigo 799.º, n.º 1, do CC dispensa a Recorrente da prova da culpa das Recorridas na violação contratual por elas perpetrada. (17) São pressupostos da responsabilidade civil contratual e da correspondente obrigação de indemnizar a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre este e aquele facto ilícito, à luz do artigo 798.º, do CC. (18) Tratando-se de responsabilidade contratual, há presunção legal de culpa do contraente faltoso, nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do CC. (19) Essa presunção desonera a Recorrente de provar os factos que demonstram a culpa da Recorrida VF na violação contratual por esta perpetrada, em conformidade com o artigo 350.º, n.º 1, do CC, incumbindo à Recorrida VF realizar a prova do contrário, demonstrando que o incumprimento da obrigação de exclusividade e dos deveres acessórios de lealdade não decorreram de culpa sua, de acordo com os artigos 347.º e 350.º, n.º 2, do CC. (20) A Recorrida VF não logrou ilidir a presunção de culpa nas violações contratuais por si realizadas. (21) Resulta dos Factos FFFF., GGGG., HHHH., IIII. e LLLL., dados como provados pelo douto Tribunal a quo, bem como da alteração da qualificação dos Factos 18., 19. e 20. para provados que a Recorrida VF praticou vários factos ilícitos que consubstanciam violação contratual da obrigação de exclusividade. (22) A Recorrida VF tinha como prática recorrente, à data dos factos, escoar grandes quantidades de produtos Eastpak em Países Europeus, incluindo Portugal, colocando os seus produtos à venda em supermercados, nomeadamente através de empresas de Trading como a VF Germany, sociedade do Grupo VF. (23) Essa prática tinha como objetivo aumentar o volume de vendas, ainda que em detrimento dos distribuidores oficiais. (24) A Recorrida VF vendeu diretamente aos supermercados Continente, em Portugal, produtos Eastpak. (25) As Recorridas não só tinham conhecimento da comercialização de produtos Eastpak pelas grandes superfícies, como parte dos produtos Eastpak à venda nos supermercados eram produtos originais fornecidos pela própria VF Europe e por uma sociedade do Grupo VF, a VF Germany. (26) As Recorridas VF e Jansport beneficiaram direta e indiretamente das vendas paralelas ocorridas nas cadeias de supermercados, através do aumento das suas receitas. (27) A cessação das vendas paralelas passava, primeiramente, por deixarem de ser realizadas pela própria Recorrida VF e a pela sociedade do seu Grupo VF Germany. (28) Passava, depois, por deixar de fornecer produtos aos distribuidores identificados como sendo fornecedores das cadeias de supermercados. (29) Na douta Sentença recorrida é afirmado, incorretamente, que não se conseguiu nos autos identificar toda a cadeia de fornecimento desses bens às grandes superfícies, embora depois seja assumido que os mesmos são fornecidos por empresas de “Trading”, sedeadas em países que não Portugal, e que as mesmas, directa ou indirectamente, adquiriram esses bens à Ré VF. (30) Resulta da prova documental que a cadeia de fornecimento era identificável, uma vez que vários supermercados vieram ao processo identificar os seus distribuidores de produtos originais Eastpak. (31) Razoavelmente, se a Recorrida VF é distribuidora-mãe dos produtos Eastpak na Europa e vende inclusivamente para uma empresa redistribuidora do mesmo Grupo – a VF Germany – bastar-lhe-ia contactar os seus distribuidores europeus oficiais e saber a quem redistribuem/ revendem, comparando depois com a informação prestada pelos supermercados. (32) As Recorridas não podiam ignorar – até porque representadas por advogados –, que as providências cautelares que intentaram contra o Modelo Continente Hipermercados, S.A. e a Companhia Portuguesa de Hipermercados, S.A. (Facto LLLLLL. da Sentença) eram totalmente ineficazes para conter as vendas paralelas, já que os supermercados só compravam produtos originais Eastpak e os comercializavam em mercado livre. (33) Como as Recorridas bem sabiam, a única forma eficaz de contenção era junto dos distribuidores não oficiais. (34) O que as Recorridas não quiseram fazer, porque não era do seu interesse. (35) As Recorridas estavam obrigadas a proteger o direito de exclusividade da Recorrente, o que importa não apenas um comportamento de abstenção de venda paralela das próprias Recorridas (que a Recorrida VF não adotou) como ações destinadas a eficazmente combater as vendas paralelas. (36) A circunstância de as Recorridas apenas terem atuado cautelarmente nos termos expostos no processo e não contra os distribuidores não oficiais antes mostra a sua vontade de manter as vendas paralelas, das quais tanto beneficiavam. (37) Face ao exposto, as Recorridas não lograram demonstrar que a violação da obrigação de exclusividade não procedeu de culpa sua, assim falhando na ilisão da presunção legal constante do artigo 799.º, n.º 1, do CC. Como tal, deve o douto Tribunal ad quem considerar verificada a culpa das Recorridas, enquanto pressuposto da sua responsabilização contratual ao abrigo do artigo 798.º do CC. (38) Dos Factos DDD., EEE., GGG. a LLL., TTT., UUU., ZZZ., YY., XX. considerados como provados pelo douto Tribunal a quo, resulta que a violação da obrigação de exclusividade pelas Recorridas provocou danos patrimoniais e não patrimoniais à Recorrente: (39) Com a venda dos produtos Eastpak nas cadeias de supermercados desde 2008, as vendas da Recorrente decresceram e os seus custos com a comercialização, promoção e divulgação daqueles produtos aumentaram, ascendendo a um total de €3.282.855,41 (Factos DDD. e EEE. da Sentença); (40) Assim como essa venda paralela nos supermercados aumentou os custos da Recorrente com as reparações gratuitas de mochilas Eastpak, que nem eram por si revendidas, chegando ao valor de €1.482.681,57 (Factos GGG. a LLL., TTT. e UUU. da Sentença); (41) Em razão da apontada venda paralela, aliada à circunstância de a Recorrida VF impedir a Recorrente de comercializar os produtos Eastpak junto de revendedores autorizados e posteriormente resolver o Contrato ilicitamente (como veremos), a Recorrente ficou com um stock de produtos não escoados no valor total de €996.520,96 (Facto ZZZZ. da Sentença). (42) Vários clientes da Recorrente apresentaram reclamações e sentiram-se defraudados com a venda dos produtos Eastpak em supermercados, a preço muito inferior ao praticado pelo distribuidor oficial (Factos YY. e XX.; quanto à diferença de preços, os Factos RR. a WW. da Sentença), o que afetou negativamente a imagem e nome da Recorrente no mercado da distribuição, originando o direito à indemnização respetiva, que a Recorrente computa no valor de €100.000,00. (43) A conduta das Recorridas – venda direta e indireta de produtos Eastpak a supermercados e omissão das diligências adequadas a por fim a vendas paralelas – foi condição essencial para a diminuição das receitas e para o aumento dos custos da Recorrente, bem como para o denegrir da sua imagem e bom nome no mercado da distribuição. (44) Assim, encontram-se verificados todos os pressupostos da responsabilização contratual das Recorridas pela violação da obrigação de exclusividade, constantes dos artigos 798.º e 799.º, n.º 1, do CC. (45) Como tal, deve a douta decisão recorrida ser revogada, sendo substituída por outra que condene as Recorridas no pagamento dos danos patrimoniais e não patrimoniais em que a Recorrente incorreu e dos lucros que a Recorrente deixou de obter em resultado da violação da obrigação de exclusividade pelas Recorridas, nos termos dos artigos 562.º, 563.º e 564.º, n.º 1, todos do CC, bem como do artigo 32.º, n.º 1, do Regime do Contrato de Agência, analogicamente aplicável. (46) A Recorrida VF violou a sua obrigação de exclusividade e os seus deveres acessórios de lealdade e cooperação perante a Recorrente (artigo 762.º, n.º 2, do CC), ao informar terceiros que já não mantinha relações comerciais com a Recorrente, mesmo antes de proceder à resolução do Contrato (Factos MMMM. e NNN. da Sentença). (47) A Recorrida VF não logrou ilidir a presunção de culpa na violação dos seus deveres de lealdade e cooperação constante do artigo 799.º, n.º 1, do CC. (48) Ao declarar a clientes da Eastpak que havia cessado a sua relação comercial com a Recorrente quando o Contrato ainda se encontrava em vigor, a Recorrida VF lesou os direitos da Recorrente ao bom nome e imagem no mercado da distribuição, originando danos não patrimoniais que são computados no valor de €100.000,00. (49) Assim, tem a Recorrente direito a uma indemnização pelos danos não patrimoniais que a conduta da Recorrente lhe causou, nos termos dos artigos 562.º, 563.º e 564.º, n.º 1, todos do CC, bem como do artigo 32.º, n.º 1, do Regime do Contrato de Agência, analogicamente aplicável. (50) Em razão do exposto, deve a douta Sentença recorrida ser revogada neste ponto, sendo substituída pela condenação da Recorrida VF no pagamento, à Recorrente, de danos não patrimoniais no valor de €100.000,00. Da ilicitude da resolução do Contrato operada pela Recorrida VF: (51) Tendo a Recorrida VF violado a sua obrigação de exclusividade, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, estava legitimada a retenção de valores realizada pela Recorrente, bem como a suspensão das relações comerciais em razão da conduta da Recorrida e enquanto esta durasse, à luz do artigo 35.º do Regime do Contrato de Agência, analogicamente aplicável. (52) Sendo lícitas as ações da Recorrente, a resolução do Contrato operada pela Recorrida VF em reação às mesmas é ilícita, nos termos dos artigos 432.º, n.º 1 e 436.º, n.º 1, do CC e ainda do artigo 30.º a contrario do Regime do Contrato de Agência, analogicamente aplicável. (53) A resolução ilícita do Contrato pela Recorrida VF originou na esfera jurídica da Recorrente os seguintes danos emergentes e lucros cessantes: (i) €996.520,96 a título de stock inventariado e não escoado de produtos Eastpak (Facto 7777. da Sentença), já que foi arrestado no processo n.º 945/14.0T2SNT-B, a pedido da Recorrida VF e para garantir uma alegada dívida da Recorrente que no corrente processo esta pretende compensar; (ii) margem de lucro de 35% que a Recorrente deixou de auferir sobre os produtos não vendidos, no montante de € 348.782,33 (Factos Y., SSSS. da Sentença). (54) Tem assim a Recorrente direito a uma indemnização pelos danos causados pela resolução ilícita do Contrato pela Recorrida VF, à luz dos artigos 562.º, 563.º e 564.º, do CC. (55) Deve a decisão do Tribunal a quo ser nesta matéria revogada, sendo substituída por uma decisão que julgue ilícita a resolução do Contrato operada pela Recorrida VF e condene esta no pagamento de uma indemnização no montante de €1.345.303,29. Do direito da Recorrente ao pagamento de uma indemnização de clientela: (56) Decidiu o douto Tribunal a quo, incorretamente, não haver lugar à indemnização de clientela face à aplicação analógica do artigo 33.º, n.º 3, do Regime do Contrato de Agência, porquanto no seu entender o Contrato de distribuição teria sido resolvido pela Recorrida VF licitamente em face de razões imputáveis à Recorrente. (57) Como demonstrado, a Recorrente reteve licitamente os valores devidos à Recorrida VF e suspendeu licitamente as relações comerciais em razão da violação, por aquela última, da sua obrigação de exclusividade. (58) Donde, a ilicitude da resolução contratual operada pela Recorrida VF como reação às ações lícitas da Recorrente. (59) Tendo havido violação contratual pela Recorrida VF e consequente ilicitude na resolução do Contrato por si operada, não se encontra preenchido o pressuposto normativo constante do artigo 33.º, n.º 3, do Regime do Contrato de Agência – a cessão do Contrato por razões imputáveis à Recorrente – pelo que é devida uma indemnização de clientela à Recorrente pela Recorrida VF. (60) Encontram-se preenchidos todos os pressupostos da atribuição de uma indemnização de clientela à Recorrente, à luz da aplicação analógica do artigo 33.º, n.º 1, do Regime do Contrato de Agência. (61) Dos Factos F., G., H., K., L., M., N., O., P., FFF. CCCC., DDDD., EEEE. e TTTT. da Sentença resulta que a Recorrente, distribuidora exclusiva da Eastpak em Portugal desde 1995, angariou todos os clientes que as Recorridas têm em território nacional (com exceção das cadeias de supermercados) e construiu a sua rede de distribuidores autorizados. (62) Por isso, o sucesso da marca Eastpak deve-se exclusivamente ao trabalho de publicidade, marketing, divulgação e assistência pós-venda realizado pela Recorrente. (63) O benefício das Recorridas é evidente: o mercado e a rede de distribuidores criados pela Recorrente mantêm-se muito para além da cessação do Contrato de distribuição, contribuindo largamente para o volume de negócios das Recorridas. (64) Com a cessação do Contrato a Recorrente deixou de fazer compras de produtos Eastpak à Recorrida VF (ou a qualquer outra empresa) para os revender, de angariar clientes para a Recorrida VF e de ter relações comerciais com a rede de revendedores autorizados da Eastpak em Portugal. (65) A circunstância de a Recorrente ter vendido, depois da resolução do Contrato, produtos Eastpak que a Recorrida VF lhe havia vendido antes dessa resolução (Facto DDDDDDDDD. da Sentença) não afasta a verificação do pressuposto constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 33.º do Regime do Contrato de Agência, analogicamente aplicável. (66) O contrato de distribuição é o contrato pelo qual uma das partes, em seu nome e por conta própria, se obriga a comprar e a revender, em certa zona e de modo estável, os bens produzidos ou distribuídos pela outra. (67) Ao abrigo do Contrato de distribuição a Recorrente comprava à Recorrida produtos Eastpak e revendia-os, em seu nome e por sua conta e risco (Facto TTTTT. da Sentença). (68) Em cada compra e venda acordada entre a Recorrente e Recorrida VF, a Recorrente adquiria a propriedade dos produtos Eastpak, nos termos do artigo 408.º, n.º 1, do CC. (69) A resolução do Contrato de distribuição pela Recorrida VF não tem a virtualidade de retirar à Recorrente a faculdade de disposição dos produtos Eastpak ou de transformar os bens adquiridos pela Recorrente à Recorrida VF em coisas fora do comércio. (70) A revenda de produtos Eastpak comprados à Recorrida VF antes da resolução do Contrato constitui mero escoamento de stock que é propriedade da Recorrente e gera unicamente para esta proveitos da vigência passada do Contrato de distribuição. Não estão em causa proveitos de novas compras e subsequentes novos contratos celebrados ou concluídos depois da cessação do Contrato de distribuição. (71) O trabalho realizado pela Recorrente no âmbito do Contrato importou os seguintes custos: (i) € 1.482.681,57 em custos de publicidade com promoção e divulgação da marca Eastpak em Portugal (Factos V. e FFF. da Sentença); (ii) € 892.260,72 de custos com patrocínios de 2001 até 2013 (Facto MMM. da Sentença); (iii) € 57.111,04 de custos com reparação das mochilas entre 2000 a 2011 (Facto EE. da Sentença); (iv) € 3.282.855,41 de custos com pessoal (Facto EEE. da Sentença). (72) Face ao exposto, deve o douto Tribunal ad quem revogar a decisão recorrida, condenando a Recorrida VF no pagamento de uma indemnização de clientela à Recorrente no valor peticionado de €502.188,77. Da responsabilização da Recorrida Jansport pelo pagamento da indemnização de clientela à Recorrente: (73) Salvo o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo ao decidir não haver fonte legal para imputar à Recorrida Jansport a compensação da Recorrente pelos benefícios que aquela auferiu com o trabalho desenvolvido por esta no âmbito do Contrato de distribuição. (74) Diversamente do decidido pelo Tribunal a quo, estão verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa (artigo 473.º, n.º 1, do CC): (a) a existência de um enriquecimento; (b) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; (c) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento. (75) Ficou demonstrado que a Recorrida Jansport beneficiou largamente do trabalho realizado pela Recorrente no âmbito do Contrato: a construção de um mercado e de uma rede de distribuidores para os produtos Eastpak em Portugal que perdura muito para além da cessação do Contrato de distribuição, contribuindo largamente para o volume de negócios das Recorridas. (76) A Recorrida Jansport, tal como a Recorrida VF, enriqueceu à custa do trabalho da Recorrente. (77) Nos termos do artigo 473.º, n.º 2, do CC, o enriquecimento sem causa pode ocorrer não só quando o benefício recebido não tem, ab initio, uma causa, mas também quando essa causa cessa de existir. (78) Embora a Recorrida Jansport não seja parte no Contrato, uma vez que é a titular da marca, fabricante e distribuidora mundial dos produtos Eastpak (Facto C. da Sentença), e que se serve da Recorrida VF para a comercialização desses produtos na Europa (Factos D. e E. da Sentença), as receitas decorrentes da comercialização em Portugal que advenham da atividade da Recorrente só tiveram causa justificativa enquanto o Contrato de distribuição entre a Recorrente e a Recorrida VF esteve em vigor. A partir da resolução do Contrato operada pela Recorrida VF, deixou de haver causa justificativa para a Jansport continuar a beneficiar do trabalho da Recorrente. (79) Uma vez que a Recorrida Jansport não é parte no Contrato, o instituto do enriquecimento sem causa é o único meio legal à disposição da Recorrente para lograr uma compensação pelos benefícios da atividade por si desenvolvida que a Recorrida Jansport conservou após o desaparecimento de uma causa justificativa para tanto. (80) Em consequência do exposto, deverá o douto Tribunal ad quem revogar a Sentença na parte em que desresponsabiliza a Recorrida Jansport do pagamento de um montante correspondente ao da indemnização de clientela peticionado nos autos, condenando a Recorrida Jansport no pagamento solidário do montante de €502.188,77. Termina a Autora / Apelante pugnando pela revogação da sentença, para que, em substituição, se decida: a) Condenar a Apelada VF ao pagamento do montante global de 2.583.663,65 € à Apelante; b) Condenar a Apelada Jansport a pagar, solidariamente com a Apelada VF, o valor de 502.188,77 €. Foi apresentada alegação de resposta, em que as Rés / Apeladas defendem que se confirme a sentença recorrida, mesmo que para o efeito se torne necessário lançar mão do mecanismo de ampliação do objeto de recurso, que ora requerem, a título subsidiário, concluindo nos seguintes termos (sublinhado nosso): a) O recurso interposto pela autora deverá improceder in totum, sendo confirmado o dispositivo da sentença do tribunal de 1.ª Instância. b) A impugnação da decisão da matéria, efetuada pela autora, visa considerar como provados os factos não provados sob os n.º 18, 19 e 20 e considerar não provados os factos sob as alíneas WWW e XXX, sem razão no entanto. c) Abundam nos autos documentos que atestam que a 1.ª ré não forneceu os hipermercados, tendo estes identificados as empresas em questão, as quais não têm qualquer relação com a 1.ª ré. d) O documento invocado pela recorrente – rótulo de uma mochila – não demonstra que foi a 1.ª ré (i) quem produziu esse rótulo, (ii) quem fabricou a mochila, (iii) quem a importou da China para a União Europeia e (iv) quem a vendou ao hipermercado em questão. e) Este documento apenas convoca a problemática das vendas paralelas e contra a qual valem as regras europeias relativas à livre circulação e comercialização de bens, bem como o princípio do esgotamento dos direitos de propriedade industrial: – “Os direitos conferidos pelo registo não permitem ao seu titular proibir o uso da marca em produtos comercializados, pelo próprio ou com o seu consentimento, no espaço económico europeu.” – art.º 253.º, n.º 1 do Código da Propriedade Industrial (CPI). f) Factos bem conhecidos pela autora que já desde 2003 os abordava perante a ré – documento n.º 10 da contestação. g) Não só não houve qualquer prova que demonstre a violação pela 1.ª ré de obrigações da relação contratual com a autora, como a prova foi clara no sentido de afastar que as rés não tiverem qualquer ligação ou intervenção no fornecimento dos hipermercados em Portugal. h) Quanto à inexistência de obrigação da autora de não concorrência ou de não comercialização de produtos iguais ou similares aos produtos Eastpak, a invocação deste argumentário é um renovado corolário da conduta processual da autora nos autos. A afirmação do dever de não concorrência partiu da própria autora na petição inicial no item n.º 119. i) Sendo por isso particularmente ousado que, em sede de recurso, venha a autora pretender alterar factos que a própria alegou ab initio, visando evitar consequências negativas pelo facto de ter concorrido (ou contribuído) para a prática de atos diretos de concorrência com a venda das mochilas Eastpak, aquando da constituição e desenrolar da atividade da sociedade Pedestal Mágico, aparentemente detida pela nora do gerente da autora e que comercializou mochilas iguais ao modelo mais conceituado da 2.ª ré: o modelo Padded – facto provado sob as alíneas AAAAAAA e BBBBBBB, entre outros. j) A autora procura sustentar a liberdade de concorrência de produtos iguais ou similares, quando nesta ação invoca uma relação de distribuição com exclusividade no território nacional, entendendo-a apenas num sentido. k) A entender-se haver exclusividade, ela terá de ser recíproca e não apenas unilateral, devendo, por isso, improceder a propugnada alteração destes pontos da decisão de facto. l) No que tange à impugnação operada pela autora da decisão da matéria de direito, importa convocar os factos que resultam diretamente dos autos: a ré não forneceu os hipermercados, como se verifica pelos ofícios juntos aos autos pelo Intermarché com data de 14.03.2019, pelo grupo SONAE (Continente) em 15.03.2019, pelo grupo Auchan (Jumbo) em 06.09.2019 e até da sociedade Kstationery, Lda. de 30.10.2019). m) Não existe qualquer ligação entre as empresas que terão fornecidos os hipermercados e as rés. n) As rés recorreram aos tribunais para obstar à comercialização de produtos Eastpak pelo Continente e o Jumbo, por via de providências cautelares e ações judiciais – documento n.º 9 da contestação e certidão judicial do requerimento de 30.10.2017. o) Não corresponde à verdade a alegada presença do gerente da autora na reunião anual de vendas de 2013, organizada pela 1.ª ré com os distribuidores europeus, sendo que o gerente da ré declarou em audiência de julgamento – e ao contrário do que consta no item n.º 136 da PI – ter sido aí, onde não esteve, que soube que a 1.ª ré estava por detrás das vendas paralelas – vide documento com a lista de presenças nesse meeting, junto em 29.01.2020 e que não foi objeto de qualquer impugnação pela ré. p) Não houve violação da relação contratual com a autora, pela 1.ª ré. q) Quanto à responsabilização da 2.ª ré, esta nunca teve qualquer relação contratual direta ou indireta com a autora, sendo completamente alheia às vicissitudes da relação entre a autora e a 1.ª ré. r) A responsabilidade civil extracontratual exige a verificação dos requisitos da (i) ação ou omissão, (ii) ilicitude, (iii) culpa, (iv) dano e (v) nexo de causalidade, não existindo nos autos qualquer alegação ou elemento probatório que impute a prática de factos relativos ao preenchimento destes pressupostos. s) A autora sustenta que a 2.ª ré é responsável a título de enriquecimento sem causa, mais defendendo que a inexistência de causa se verificou com a cessação do contrato vigente entre a autora e a 1.ª ré. t) Trata-se de uma interpretação sem qualquer apoio literal, sistemático ou teleológico do que está consagrado no art.º 473.º, n.º 2 do CC. u) A causa justificativa da valorização da marca da 2.ª ré resulta do acordo de licenciamento que esta efetuou com a 1.ª ré e dos atos que esta praticou, ao nível nacional, com os distribuidores europeus. v) A causa existe e não deixou de existir, mesmo que a relação contratual entre autora e 1.ª ré tenha cessado, sendo por isso de manter a absolvição da 2.ª ré, Jansport Apparel Corp. w) Devendo, por isso, manter-se o dispositivo da decisão do tribunal da 1.ª instância. x) Caso o tribunal entenda alterar a decisão da matéria de facto ou convocar razões de direito que possam, em teoria, reverter o sentido decisório do tribunal a quo, desde já se suscita nos termos do art.º 636.º, n.º 1 e 2 a necessidade de reapreciação da decisão da matéria de facto e de direito. y) Devendo, pelas razões de facto e elementos supra identificados – suporte na transcrição das concretas passagens e documentos aí indicados – a decisão da matéria de facto ser alterada nos seguintes termos: A) Para não provados: factos P, V, CC, FFF, JJJ, OOO, FFFF, GGGG, HHHH, IIII, LLLL, TTTT e NNNNN. B) Para provados os factos considerados não provados sob os n.º 41, 42 e 43; e C) Alterados os factos: – no sentido de retirar a menção a distribuição exclusiva nos factos F, K, KK, MM, PP, VVV e todos aqueles que possam conter essa referência; e – no sentido de constar do facto DDDDDDDDD que a autora continuou a vender a mercadoria que a 1.9 ré lhe forneceu pelo menos até março de 2014, data do arresto. z) No que tange à decisão de direito do tribunal, as rés, pese embora o desfecho favorável, consideram que, caso proceda, nalgum ponto, o recurso da autora, subsistem diversas razões de direito (além das razões de facto que resultam da alteração subsidiária propugnada na decisão de facto) que obstam à procedência do petitório da autora e manutenção da procedência do petitório do apenso A praticamente na íntegra. aa) Em primeiro lugar, a não existência de uma relação contratual de concessão comercial, na modalidade de contrato de distribuição: não existiam obrigações de compra de valores mínimos, não existiam obrigações de report, obrigações de informação sobre os retalhistas e respetiva faturação ou outras, elementos habituais num contrato de distribuição. bb) Estaremos sim perante um contrato atípico, não enquadrável como contrato de concessão comercial, sendo, em rigor, sucessivos contratos de compra e venda grossita, no âmbito de uma colaboração comercial, mas sem que a mesma tenha feito eclodir quaisquer vínculos legais para ambas as partes. cc) Conclusão que, por si só, afasta qualquer responsabilidade da 1.ª ré nos pedidos indemnizatórios da autora. dd) Ainda que se considere existir um contrato de distribuição, o tribunal a quo não podia ter concluído pela existência de uma obrigação legal de exclusividade, uma vez que esta não foi estabelecida por acordo escrito, como impõe a aplicação do regime do contrato de agência. ee) Não podendo ser apenas aplicadas as normas favoráveis à autora e ignorado o restante bloco normativo, sob pena de se violar a unidade do sistema jurídico e a sua interpretação sistemática. ff) Ora, na ausência de um acordo escrito, não há lugar à atribuição de qualquer indemnização por clientela ou quaisquer outros prejuízos decorrentes da relação contratual com a 1.ª ré. gg) Por fim, sempre importa notar que a resolução contratual operada pela 1.ª ré foi lícita e fundamentada, sustentada precisamente (i) no não pagamento de faturas no valor de quase € 700.000 e (ii) na imputação de factos falsos ao afirmar-se que a 1.ª ré estaria por detrás das vendas paralelas nos hipermercados, como resultou provado nos autos. hh) As rés atuaram sempre com o grau de diligência necessário ou mesmo superior, procurando colaborar com a autora na luta contra as vendas paralelas, inclusive avançando para tribunal contra o Jumbo e o Continente, como fizeram. ii) Não se verificam os requisitos da responsabilidade contratual porque as rés não praticaram qualquer ato violador das regras contratuais e legais, nem se mostram reunidos os pressupostos do direito de indemnização por clientela. jj) Cumprindo ainda notar que os autos revelem, em pormenor, os contornos ilícitos da atuação da autora em ter aberto conta bancário em nome pessoal dos sócios no início de 2013 (informação documental prestada pelo contabilista da autora em 21.02.2021) e ter colocado nessa conta todo o produto da venda da mercadoria fornecida pela ré, com a qual faturaram cerca de € 1.500.000 (milhão e meio de euros), como decorre da soma das faturas juntas pela autora no seu requerimento de 30.10.2017 (documentos n.º 5 a 9). kk) Não só está afastada a prática de qualquer ato lesivo ou culpa da 1.ª ré ou 2.ª ré perante a autora, como está documentado em detalhe nos autos o elevado grau de culpa da autora e dos seus gerentes nos factos que motivaram a lícita e bem fundamentada resolução contratual operada pela 1.ª ré. ll) Mesmo considerando existir exclusividade, sempre têm de ser cumpridos cumulativamente os três requisitos do art.º 33.º, n.º 1 do Regime do Contrato de Agência: – a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente; b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente; c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a). mm) Quanto à alínea b), não houve qualquer prova em julgamento que a 1.ª ré tenha beneficiado consideravelmente, após a cessação do contrato, da atividade desenvolvida pelo agente. nn) A autora até pareceu não se preocupar com isso, não trazendo a pleito qualquer prova ou requerimento probatório relevante nesse sentido. oo) Não se verificando a alínea c) porque ficou claro da parte do legal representante da autora que os negócios de venda de produtos Eastpak prosseguiram para lá de dezembro de 2013, quando a relação comercial cessou. pp) Afirmou em tribunal o gerente da autora e a sua filha: vendemos até ao arresto, que ocorreu em março de 2014, o que mostra que a A. Morais não deixou de receber o dinheiro das vendas aos retalhistas após a “suspensão” que disse efetuar e após a cessação do contrato em dezembro de 2013. qq) Em suma: (i) Não há exclusividade; (ii) Mesmo que se considere existir, não houve violação dessa exclusividade porque as rés não estão por detrás das vendas dos hipermercados em Portugal; (iii) E não há lugar à indemnização de clientela por não estarem verificados, desde logo, dois dos três requisitos exigidos pelo art.º 33.º, n.º 1 do Regime do Contrato de Agência. (iv) Não é devida qualquer outro tipo de indemnização pelas rés, uma vez que a resolução do contrato entre autora e 1.ª ré foi totalmente lícita. rr) Devendo por isso ser improcedente o petitório da autora contra as rés e confirmada a sentença do Tribunal de 1.ª Instância. A Autora / Apelante veio responder à ampliação do âmbito do recurso, defendendo a improcedência da ampliação do objeto do recurso, concluindo nos seguintes termos: 1. Peticionam as Recorridas a ampliação do objeto do recurso em matéria de facto e de Direito. 2. Quanto à matéria de facto, pretendem as Recorridas a alteração da resposta dada pelo Tribunal a quo aos factos P, V, CC, FFF, JJJ, OOO, FFFF, GGGG, HHHH, IIII, LLLL, TTTT e NNNNN para não provados, aos factos n.º 41, 42 e 43 para provados. 3. Pretendem ainda fazer constar do facto DDDDDDDDD. que a Recorrente continuou a vender a mercadoria que a Recorrida VF lhe forneceu pelo menos até março de 2014, data do arresto. 4. Da prova documental, testemunhal e por declarações de parte existente nos autos resulta que as respostas dadas à matéria de facto em causa pelo douto Tribunal recorrido são as corretas, devendo manter-se. 5. Quanto aos factos OOO., 41.º, 42.º e 43.º da Sentença recorrida, referentes às obrigações da Recorrente no âmbito do contrato celebrado com a Recorrida VF, as Recorridas apresentam prova testemunhal contraditória, que não pode fundar a sua tese da inexistência de quaisquer obrigações da Recorrente perante a Recorrida VF. 6. Diversamente do que pugnam as Recorridas, do depoimento das testemunhas SN, GG, MF resulta que a Recorrente: a. Preparava, em conjunto com a Recorrida VF, um plano de negócio, cujo cumprimento era verificado por esta última com base em relatórios enviados regularmente pela Recorrente; b. Estava obrigada a apresentar à Recorrida VF um plano estratégico anual, com indicação de clientes, responsáveis de loja, vendas realizadas, previsão de vendas para os 5 anos seguintes; c. Apresentava à Recorrida VF relatórios mensais de marketing e reportava tudo o que fazia nesta área; d. Apresentava relatórios semestrais das reparações realizadas em produtos Eastpak e a sua justificação; e. Participava em meetings organizados pela Recorrida VF e estava continuamente em contacto com esta no reporte de atividades realizadas e na definição da estratégia de marketing. f. Adquiria os produtos das Recorridas por meio de encomendas; g. Cumpria os preços de venda ao público (“PVP”) para retalhistas e para clientes finais fixados pela Recorrida VF para os produtos Eastpak. 7. O que a Recorrente de facto não tinha, não resultando de prova documental, testemunhal ou por declarações ou depoimento de parte, era uma obrigação de não concorrência ou de não comercialização de produtos iguais ou similares aos produtos Eastpak. 8. Sendo certo que, apesar disso, durante todo o período de duração do contrato de concessão comercial com a Recorrida VF, a Recorrente apenas promoveu e distribuiu produtos da marca Eastpak, como atesta a testemunha JC. 9. Deve por isso manter-se a resposta dada pelo douto Tribunal a quo aos factos OOO. (provado) e aos factos 41., 42. e 43. (não provados). 10. Quanto aos custos de implementação e divulgação da marca Eastpak incorridos pela Recorrente, pretendem as Recorridas a alteração da resposta dada pelo Tribunal a quo aos factos P., V., CC., FFF., JJJ., TTTT., NNNNN. da Sentença recorrida (dados como provados). 11. Para tanto, alegam que tal valor não decorre dos documentos juntos aos autos pela Recorrente – nomeadamente faturas de gastos incorridos e prestações de contas relativas aos exercícios de 2009 a 2012 – por se referirem a gastos não relacionados com a divulgação da marca Eastpak ou por não se encontrarem registados nas referidas prestações de contas. 12. Da documentação constante dos autos (documentos 23. a 1572. juntos com a Petição Inicial) e das declarações das testemunhas GG, JC, ES, FR e EG resulta que todas as despesas postas em dúvida pelas Recorridas nos pontos 92. a 104. das suas contra-alegações correspondem efetivamente a despesas de marketing e publicidade. 13. Não procedendo a alteração peticionada pelas Recorridas 14. Sem conceder, o somatório das despesas da Recorrente que as Recorridas rejeitam estarem relacionadas com marketing e publicidade dos produtos Eastpak ascende apenas ao valor de €161.902,04 (cento e sessenta e um mil, novecentos e dois euros e quatro cêntimos). 15. O que significa que, mesmo na tese das Recorridas sempre permaneceriam justificadas despesas com marketing e publicidade no montante de €1.302.779,53 (um milhão, trezentos e vinte mil, novecentos e setenta e nove euros e cinquenta e três cêntimos). 16. Relativamente ao facto CC. da Sentença recorrida, do depoimento de AMPs resulta que pese embora a obrigação de reparação dos produtos Eastpak vendidos em hipermercados não estivesse contratualmente estabelecida, a Recorrente A. Morais nunca se escudou a realizar essas reparações, tendo efetivamente assumido esse serviço em prol da boa imagem da marca Eastpak junto do cliente final. 17. Ademais, a Recorrente tinha obrigação de enviar à Recorrida VF relatórios semestrais de todas as reparações de produtos Eastpak que realizava, o que não se compagina com a afirmação de que a Recorrente não era, de facto e aos olhos da própria Recorrida VF, a responsável pelas reparações, fossem de produtos revendidos pela própria Recorrente A. Morais, fossem de produtos revendidos por hipermercados. 18. Resultando tal obrigação do depoimento da testemunha GG. 19. A Recorrente efetivamente assumiu a responsabilidade pela reparação dos produtos Eastpak vendidos em regime de outsourcing, em benefício da marca, nisso tendo empregue o seu tempo e trabalho e com isso tendo incorrido num custo total de €57.111,04 (cinquenta e sete mil, cento e onze euros e quatro cêntimos), conforme o facto EE. dado como provado na douta Sentença recorrida e não impugnado pelas Recorridas. 20. Tratando-se de um custo efetivamente incorrido pela Recorrente em benefício da imagem da marca Eastpak, deve integrar o valor devido pelas Recorridas a título de indemnização de clientela, à luz da aplicação analógica do artigo 33.º do Regime do Contrato de Agência. 21. Assim, deve manter-se a resposta dada ao facto CC. da Sentença recorrida. 22. Quanto aos factos FFFF. a IIII. da Sentença recorrida, defendem as Recorridas que os contactos estabelecidos entre a Recorrida VF e o Grupo SONAE (Continente) se destinaram unicamente a resolver o litígio judicial entre si existente, e não a estabelecer uma ponte entre a SONAE e a Recorrente A. Morais, para venda dos produtos Eastpak por esta àquela, com intermédio de uma trader. 23. Não lhes assiste qualquer razão, em face da prova documental constante dos autos e dos testemunhos de PM e de SN, donde resulta que existiram contactos entre a Recorrida VF e a SONAE para uma colaboração entre o Continente e a Recorrente AF para o fornecimento de produtos Eastpak por esta àquele, por intermédio de uma empresa de trading. 24. Devem assim manter-se as respostas dadas pela Primeira Instância aos factos FFFF. a IIII. – provados. 25. Quanto à participação ou conivência das Recorridas em matéria de vendas paralelas em Território Português, em violação do direito de exclusivo da Recorrente, pretendem as Recorridas a alteração da resposta ao facto LLLL. da Sentença recorrida para não provado. 26. Contudo, as Recorridas parecem pretender ignorar o testemunho de SN, já chamado à colação em sede de alegações de recurso da aqui Recorrente. 27. Desse depoimento resulta precisamente que a Recorrida VF: (i) promoveu a aproximação do Modelo/Continente junto da Recorrente para comercialização de produtos Eastpak, contrariando as condições até então sempre impostas pela VF Europa aos seus distribuidores locais em matéria de comercialização dos produtos Eastpak; (ii) aplicava técnicas de escoamento de produtos Eastpak para artificialmente aumentar o valor das vendas, para tanto utilizando um Trader; (iii) tinha como política elevar os seus lucros a todo o custo, ainda que tal implicasse prejudicar os seus distribuidores oficiais e o incumprir os Contratos com estes celebrados. 28. Em consideração da prova ora indicada e analisada, deve manter-se a resposta dada pelo douto Tribunal a quo ao facto LLLL. – provado. 29. Relativamente ao facto DDDDDDDDD., pretendem as Recorridas a sua alteração para provado que a Ré continuava a vender as mercadorias que a Autora lhe forneceu, para a autora (A. Morais) continuou a vender a mercadoria que a 1.ª ré (VF) lhe forneceu pelo menos até março de 2014, data do arresto. 30. Contudo, nas passagens transcritas pelas Recorridas nas suas contra-alegações de recurso para sustentar tal alteração nem o representante AMP nem a testemunha GMs afirmam que as vendas de material Eastpak após a comunicação de outubro de 2013 tenham ocorrido até à exata data do arresto. 31. Sem embargo, ainda que a Recorrente houvesse vendido produtos Eastpak até à data do arresto, nunca tal circunstância seria apta a produzir os efeitos pretendidos pelas Recorridas – sustentar a ilicitude dessas vendas e a não verificação afasta a verificação da alínea c) do n.º 1 do artigo 33.º do Regime do Contrato de Agência, analogicamente aplicável – já que a Recorrente apenas se limitou a, legitimamente, escoar os produtos Eastpak cuja propriedade adquiriu ainda na vigência do contrato de concessão comercial. 32. Quanto à ampliação do objeto do recurso em matéria de Direito, defendem as Recorridas – sem razão – a alteração da Sentença recorrida no seguinte sentido: (i) A inexistência de um contrato de contrato de concessão comercial entre a Recorrente e a Recorrida VF, mas sim de simples e sucessivos contratos de compra e venda; (ii) A exigência legal de uma cláusula escrita de exclusividade a favor da Recorrente para a atribuição uma indemnização de clientela por violação do direito de exclusivo e, consequentemente, a insuficiência de uma exclusividade de facto para a sua atribuição; (iii) A suficiência da atuação das Recorridas na proteção do exclusivo conferido à Recorrente, em face do princípio do esgotamento do direito de marca (artigo 253.º do CPI) e do princípio da livre circulação de mercadorias (artigo 258.º do TFUE). 33. Contrariamente ao que pugnam as Recorridas, o contrato constante dos autos reúne todos os elementos essenciais à sua qualificação como contrato de concessão comercial: (i) A obrigação do concessionário de comprar bens do concedente para revenda num determinado território; (ii) A atuação do concessionário em seu nome e por sua conta; (iii) A existência de uma relação de colaboração estável e duradoura de conteúdo múltiplo, incluindo certas obrigações relativamente à organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes. 34. Não há dúvida de que a Recorrente assumiu a obrigação de compra dos produtos Eastpak à Recorrida VF para revenda no território português, adquirindo a propriedade desses produtos e revendendo em seu nome e por contra própria, assumindo os riscos da comercialização – factos B., H., PP., OOO., VVV., SSSSS., TTTTT., QQQQQQQ., ZZZZZZZ. e AAAAAAAA. dados como provados na douta Sentença recorrida. 35. Não há ainda dúvida de que no âmbito da sua relação contratual, que durou entre 1995 e outubro de 2013, a Recorrente assumiu perante a Recorrida VF um conjunto de obrigações que eram objeto de fiscalização por aquela última, como resulta da prova analisada na alínea a) do ponto II. da presente resposta: (i) Preparação, em conjunto com a Recorrida VF, um plano de negócio, cujo cumprimento era verificado por esta última com base em relatórios enviados regularmente pela Recorrente; (ii) Apresentação à Recorrida VF de um plano estratégico anual, com indicação de clientes, responsáveis de loja, vendas realizadas, previsão de vendas para os 5 anos seguintes; (iii)Apresentação à Recorrida VF de relatórios mensais de marketing e reporte de tudo o que fazia nesta área; (iv) Apresentação de relatórios semestrais das reparações realizadas em produtos Eastpak e sua justificação; (v) Aplicação dos PVPs para retalhistas e para clientes finais fixados pela Recorrida VF para os produtos Eastpak. 36. Mais resulta da prova dos autos que a Recorrente A. Morais colaborava com a Recorrida VF numa lógica contínua e de proximidade, porquanto participava em meetings organizados pela Recorrida VF e estava continuamente em contacto com esta no reporte de atividades realizadas e na definição da estratégia de marketing. 37. Estão em causa os factos K., L., CC., OOO., QQQ., RRR., SSS., TTT., UUUU., EEEEEE. dados como provados na douta Sentença recorrida. 38. Face ao exposto, deve manter-se a qualificação dada pelo Tribunal a quo ao contrato dos autos como contrato de concessão comercial. 39. Pretendem as Recorridas que a Recorrente não tem direito a uma indemnização de clientela por alegadamente ser peticionada com fundamento em violação de uma obrigação de exclusividade, já que para tanto – na teoria das Recorridas e apenas na sua – a cláusula de exclusividade teria de estar reduzida a escrito, o que não sucede nos autos, pese embora a norma constante do artigo 4.º, 1.ª parte do Regime do Contrato de Agência não ser analogicamente aplicável a outros contratos de distribuição comercial. 40. Na teoria das Recorridas a atribuição de uma indemnização de clientela por violação do direito de exclusivo do concessionário só pode ter lugar quando a cláusula de exclusividade haja sido firmada por escrito. 41. As Recorridas confundem o direito à atribuição de uma indemnização de clientela – previsto no artigo 33.º do Regime do Contrato de Agência – com o direito a uma indemnização pelo não cumprimento do contrato de agência ou de concessão comercial – previsto no artigo 32.º, n.º 1, do Regime do Contrato de Agência. 42. A ratio da atribuição de um direito à indemnização de clientela é compensar o agente da atividade por si desenvolvida e de que o principal veio a beneficiar; é o ressarcimento de uma mais valia acrescida colocada ao serviço do principal, criada ou incrementada pelo esforço do agente. 43. Portanto, a indemnização de clientela tem natureza compensatória e não ressarcitória, não pressupondo a ocorrência de danos na esfera jurídica da Recorrente (embora estes efetivamente hajam ocorrido, como decorre da prova constante dos autos) nem uma conduta ilícita por banda das Recorridas. 44. Evidentemente, a violação da obrigação da Recorrida VF de assegurar a exclusividade da Recorrente (ou de qualquer outra obrigação contratual) pode fundar um pedido indemnizatório à luz do artigo 32.º, n.º 1, do Regime do Contrato de Agência, a título de responsabilidade civil contratual. 45. Essa violação da obrigação de assegurar a exclusividade não é, contudo, fundamento da indemnização de clientela, à luz do artigo 33.º, n.º 1, do mesmo diploma. 46. Ou seja: por um lado, a indemnização de clientela prevista no artigo 33.º do Regime do Contrato de Agência é atribuída independentemente da existência de qualquer violação do contrato por banda do principal/concedente; por outro lado, existindo violação contratual (quanto ao exclusivo ou a qualquer outra cláusula), esta poderá fundar apenas uma indemnização a título de responsabilidade civil contratual, à luz do artigo 32.º, n.º 1, do Regime do Contrato de Agência. 47. Assim sendo, se o direito à indemnização de clientela da Recorrente não depende da violação do direito de exclusivo pela Recorrida VF (ou de qualquer outro direito), ainda que esse direito de exclusivo devesse ser consagrado por escrito por imposição legal – o que não se concede e apenas se equaciona a benefício de patrocínio – e não o fosse, tal em nada impediria a atribuição da indemnização de clientela, mas apenas de uma indemnização a título de responsabilidade civil contratual, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, do Regime do Contrato de Agência. 48. São materialmente excecionais as normas jurídicas que impõem uma forma particular como pressuposto de validade de determinadas declarações negociais, o que inclui a norma constante da 1.ª parte do artigo 4.º do Regime do Contrato de Agência, ao fazer depender de acordo escrito a concessão do direito de exclusivo a favor do agente. 49. Por imposição do artigo 11.º do CC, as normas materialmente excecionais não comportam aplicação analógica. 50. Por isso, a exigência de forma imposta pelo artigo 4.º, 1.ª parte, do Regime do Contrato de Agência é aplicável apenas para o estabelecimento de um direito de exclusivo a favor do agente, em sede de contrato de agência, não podendo ser analogicamente exigida no caso de outros contratos de distribuição comercial, incluindo o contrato de concessão comercial dos autos. 51. Sem conceder, que ainda que se equacionasse uma aplicação analógica da norma que exige a forma escrita para a cláusula de exclusividade do distribuidor, sempre a ratio dessa exigência legal funcionaria em favor do distribuidor e não da contraparte. 52. No caso do contrato de agência ou de qualquer outro contrato de distribuição comercial, uma redução do direito de exclusivo a escrito não tutela o interesse público, nem pretende proteger terceiros que interajam com as partes do contrato de agência. 53. As razões justificativas da exigência legal de forma constante do artigo 4.º, 1.ª parte, do Regime do Contrato de Agência prendem-se exclusivamente com interesses particulares: a proteção do contraente mais fraco – o agente/ distribuidor –, pela facilitação da prova da existência da exclusividade a seu favor, evitando assim que o principal, tipicamente numa situação de superioridade económica e informativa, possa facilmente violar o direito de exclusivo. 54. Assim, destinando-se a exigência de redução a escrito do direito de exclusivo a proteger o agente, não poderia funcionar contra ele e a favor do principal, sob pena de incoerência do sistema. 55. Como tal, mesmo que o artigo 11.º do CC não vedasse uma aplicação analógica da norma constante do artigo 4.º, 1.ª parte, do Regime do Contrato de Agência a outros contratos de distribuição comercial – o que não se concede – nunca essa analogia teria o efeito pretendido pelas Recorridas. 56. Já que a analogia pressupõe uma identidade de facto e de Direito entre o caso regulado e o caso previsto (artigo 10.º, n.º 2, do CC), a aplicação do artigo 4.º, 1.ª parte do Regime do Contrato de Agência apenas beneficiaria o Recorrente, enquanto parte contratual mais fraca, não podendo a falta de forma ser invocada pelas Recorridas em seu favor. 57. Quanto ao acórdão do STJ citado pelas Recorridas na p. 59 das suas contra-alegações de recurso (acórdão do STJ de 05 de março de 2009, processo n.º 09B0297, Alberto Sobrinho) é de salientar que dele não consta o texto escrito pelas Recorridas no ponto 160. das suas contra-alegações, nem foi tal texto parece constar de qualquer outro acórdão do STJ, de acordo com a pesquisa exaustiva realizada pela Recorrente. 58. Muito diversamente do afirmado pelas Recorridas e do próprio caso concreto em apreço nos presentes autos, o dito acórdão do STJ de 05 de março de 2009, processo n.º 09B0297, Alberto Sobrinho, decide um caso em que o contrato de concessão comercial e a atribuição do direito de exclusivo a favor do concessionário estão reduzidos a escrito. 59. Mais, o acórdão em questão vai em sentido divergente ao pugnado pelas Recorridas, já que explicita que a atribuição da indemnização de clientela não depende da produção de quaisquer danos na esfera jurídica do concessionário. 60. Em lado algum do acórdão em apreço (ou de outro, aparentemente) é feita uma ligação entre a atribuição de uma indemnização de clientela e a violação de uma obrigação de concessão de exclusividade – antes pelo contrário – e, em continuidade, entre a concessão da indemnização de clientela e a redução do direito de exclusivo do agente/concessionário a escrito. 61. O que se encontra na jurisprudência é a distinção entre a indemnização de clientela (de natureza compensatória) e a indemnização pelo incumprimento do contrato de distribuição comercial (de natureza ressarcitória) e a defesa da validade da atribuição de um direito de exclusivo ao concessionário através de contrato verbal, sem aplicação analógica do artigo 4.º, 1.ª parte do Regime do Contrato de Agência a outros contratos de distribuição comercial. 62. Em conclusão, deve a pretensão das Recorridas ser julgada improcedente, mantendo-se a douta Sentença recorrida na parte em que decide pela validade da atribuição verbal do direito de exclusivo a favor da Recorrente. 63. Consideram as Recorridas que, contrariamente ao afirmado pelo Tribunal a quo, nada mais poderiam ter feito para assegurar o direito de exclusivo que concederam à Recorrente, para além das ações que intentaram contra os hipermercados Continente e Jumbo. 64. Contudo, a invocação do princípio do esgotamento da marca e da livre circulação de mercadorias na União Europeia não tem o efeito pretendido pelas Recorridas. 65. À luz do referido artigo 253.º, n.º 1, do CPI, a marca só pode ser usada pelo próprio titular ou com o seu consentimento. Se as Recorridas, enquanto titulares da marca Eastpak, consentiram, sem mais, a comercialização indistinta dos produtos no Espaço Europeu por terceiros, então não salvaguardaram a exclusividade do seu distribuidor exclusivo em Portugal – a Recorrente A. Morais. 66. Das duas uma: (i) ou as Recorridas concediam exclusividade à Recorrente e asseguravam-na nos contratos que realizassem com outras empresas para venda ou distribuição dos produtos da marca Eastpak, maxime através de cláusulas de exclusividade em relação a determinados territórios ou de exclusividade seletiva, impedindo essas empresas de distribuírem ou revenderem os produtos Eastpak em Portugal; (ii) ou as Recorridas assumiam não pretender convencionar tais restrições e, não podendo assim controlar as empresas de distribuição ou revenda, não concediam o direito de exclusivo à Recorrente para o Território Português. 67. Evidentemente, o princípio da liberdade de circulação de mercadorias não obsta a que os agentes económicos que operam no Espaço Europeu celebrem, no puro âmbito da sua autonomia privada, contratos de distribuição ou venda de produtos com exclusividade seletiva ou territorial. 68. Se as Recorridas efetivamente tivessem convencionado com terceiros distribuidores ou revendedores cláusula destinadas a assegurar a exclusividade da Recorrente A. Morais em Território Português e essas cláusulas fossem incumpridas, incumbiria apenas às Recorridas responsabilizar contratualmente as empresas inadimplentes. 69. Contudo, não constam dos autos quaisquer contratos celebrados entre as Recorridas e terceiros distribuidores ou revendedores que demonstrem que aquelas protegeram contratualmente a exclusividade da Recorrente A. Morais, neles inserindo cláusulas que obstassem à distribuição ou revenda dos produtos Eastpak em Portugal. 70. Pelo que se mantém a presunção de culpa das Recorridas na violação do direito de exclusivo da Recorrente A. Morais. 71. Nem se diga, como fazem as Recorridas en passant nas suas contra-alegações de recurso, que a haver exclusividade, ela terá de ser recíproca e não apenas unilateral (ponto 35. das contra-alegações). 72. Desde logo, tal interpretação não decorre da letra da lei, já que o artigo 4.º do Regime do Contrato de Agência se refere apenas à concessão do direito de exclusivo a favor do agente, e já não do principal (ou do concedente, por analogia). Em nada obriga a que haja uma exclusividade recíproca. 73. Depois, a tal interpretação se opõe frontalmente o princípio da autonomia privada (artigo 405.º do CC): as partes são livres de fixar livremente o conteúdo dos contratos, salvo se a isso se opuser norma injuntiva. 74. Em razão do exposto, a douta Sentença recorrida deve nesta questão ser alterada, mas não no sentido pugnado pelas Recorridas: opostamente, deve ficar estabelecido que as Recorridas podiam e deviam ter tido uma política ativa na proteção do direito de exclusivo da Recorrente, sendo-lhes exigível a proteção contratual desse exclusivo no âmbito de contratos celebrados com empresas terceiras de distribuição ou revenda, obstando a que estas distribuíssem os produtos Eastpak em Portugal. 75. A propósito da matéria da (insuficiência da) atuação das Recorridas na proteção do direito de exclusivo da Recorrente, vêm aquelas dizer, en passant, que dos autos não constaria qualquer prova de que as Recorridas hajam beneficiado consideravelmente da atividade desenvolvida pela Recorrente, não se encontrando preenchida a alínea b) do n.º 1 do artigo 33.º do Regime do Contrato de Agência (ponto 185. das contra-alegações). 76. Salvo o devido respeito, esta afirmação só pode ser reputada de absurda, face aos factos dados como provados na douta Sentença recorrida. 77. Nomeadamente, vejam-se os factos dados como provados: G., M., N., FF., NN., OO., FFF., YYY., CCCC., DDDD., EEEE., TTTT., UUUU., BBBBB. e HHHHH. 78. Da factualidade elencada resulta que foi o trabalho da Recorrente A. Morais – e o seu trabalho exclusivamente – que Levou a Eastpak a entrar no mercado português e a tornar-se uma marca líder, de reputação e referência em Portugal. 79. Antes da Recorrente, a Eastpak havia já realizado tentativas infrutíferas de entrada em Portugal, permanecendo absolutamente desconhecida em território nacional. 80. A Recorrente construiu o mercado Eastpak em Portugal, mercado esse que integralmente se mantém, até à data de hoje. Como aliás é facto público e notório... 81. O que resulta ainda de prova testemunhal vária. 82. É assim clara a presença de factualidade e prova suficiente, nos presentes autos, para se considerar preenchida a alínea b) do n.º 1 do artigo 33.º do Regime do Contrato de Agência, analogicamente aplicável ao caso sub judice. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II - FUNDAMENTAÇÃO Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal e sem prejuízo da ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC). Assim, identificamos as seguintes questões a decidir: 1.ª) Se deve ser modificada a decisão da matéria de facto, designadamente no tocante aos factos vertidos nos pontos 18., 19. e 20., no sentido de serem considerados provados, e aos factos constantes das alíneas WWW. e XXX., no sentido de serem considerados não provados; 2.ª) Se a 1.ª Ré incorreu em responsabilidade obrigacional, por violação da sua obrigação contratual de exclusividade e deveres acessórios de lealdade e cooperação, bem como por resolução ilícita do contrato, estando obrigada a indemnizar a Autora pelos danos assim causados; na afirmativa, fixar o valor da respetiva indemnização; 3.ª) Se as Rés estão obrigadas a pagar à Autora uma “indemnização pela clientela” no montante peticionado, sendo a 1.ª Ré em consequência da cessação do contrato de distribuição, por analogia com o regime jurídico do contrato de agência, e a 2.ª Ré com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa. (Da ampliação do âmbito do recurso subsidiariamente requerida) 4.ª) Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto, designadamente no sentido de serem considerados não provados os factos vertidos nas alíneas P., V., CC., FFF., JJJ., OOO., FFFF., GGGG., HHHH., IIII., LLLL., TTTT. e NNNNN., e provados os factos constantes dos pontos 41., 42. e 43., e ainda alterados os factos “no sentido de retirar a menção a distribuição exclusiva nos factos F, K, KK, MM, PP, VVV e todos aqueles que possam conter essa referência” e “no sentido de constar do facto DDDDDDDDD que a autora continuou a vender a mercadoria que a 1.ª ré lhe forneceu pelo menos até março de 2014, data do arresto”; 5.ª) Da não verificação dos requisitos da responsabilidade contratual, face à qualificação jurídica do contrato, aferindo designadamente se as Rés não praticaram qualquer ato violador das obrigações contratuais e das regras legais, bem como da licitude da resolução do contrato por parte da 1.ª Ré; 6.ª) Da não verificação dos pressupostos do direito de indemnização por clientela, incluindo da (in)admissibilidade da aplicação analógica do regime jurídico do contrato de agência em virtude da (in)existência de obrigação de exclusividade por parte da 1.ª Ré face à qualificação jurídica do contrato e à falta de redução a escrito do mesmo. Factos provados Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (assinalámos com asterisco os pontos objeto de impugnação e alterámos a redação em conformidade com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990; acrescentámos, para melhor compreensão, o que consta entre parenteses retos): A. A Autora dedica-se à atividade de importação, comercialização e exportação de equipamentos. B. A 1.ª Ré dedica-se à comercialização na Europa de produtos Eastpak, sendo distribuidora exclusiva dos produtos cuja marca pertence à 2.ª Ré. C. A sociedade 2.ª Ré desenvolve, fabrica e comercializa as mochilas, estojos e artigos conexos (doravante designados como produtos Eastpak), a nível mundial. D. Para o efeito, e por regra, a 2.ª Ré serve-se de redes comerciais (distribuidores e concessionários) nos mercados dos países onde coloca os produtos Eastpak. E. A 1.ª Ré comercializa para a empresa 2.ª Ré várias marcas no mercado internacional, nomeadamente, Eastpak, Reef, Lee, Wrangler. F. Em 1995, o Sr. AMP contactou a Eastpak nos E.U.A., marca que pertencia na altura ao Grupo Coleman, e nessa sequência foi contactado, para a comercialização em exclusivo das mochilas Eastpak em Portugal dando-se início ao acordo de distribuição exclusivo com a Autora para o Território Nacional. G. Na referida data, a marca Eastpak era completamente desconhecida no mercado Português e muito pouco conhecida no mercado Europeu. H. O Sr. AMP, aceitou em nome e representação da Autora o desafio de representar a marca Eastpak em exclusividade em Portugal, sendo que à data quem fornecia os produtos era a sociedade Coleman, S.A. I. A primeira fatura emitida pela Coleman à Autora relativa a produtos Eastpak, nomeadamente, mochilas aconteceu em 28 de novembro de 1995. J. Tendo a relação comercial com a Coleman, S.A. sido mantida com a Autora até 2000. K. A Autora desde 1995 até à presente data manteve-se com carácter permanente distribuidora exclusiva em Portugal dos produtos Eastpak. L. Desde 1995 que a Autora comercializa produtos Eastpak em Portugal, promovendo neste mercado, a marca de diversas formas visando a sua expansão, implementação e divulgação junto da camada jovem. M. Desde 1995/1996 que a Autora promoveu e divulgou a marca Eastpak de tal forma, que hoje em dia, é uma marca de reputação e referência no mercado nacional, sendo que, praticamente, todos os jovens e adolescentes são conhecedores da marca. N. O início da relação comercial inicia-se em 1995, quando o representante da Autora conhece o Sr. EG, que intermediou o contacto entre a Autora e a sociedade Coleman, S.A. para a comercialização da Eastpak em Portugal, face a uma anterior tentativa (não conseguida) de entrada da Eastpak em Portugal, infrutífera e sem qualquer êxito. O. O referido Sr. EG conhecia o anterior distribuidor da marca Eastpak em Portugal, o Sr. Rico, que desistiu de comercializar a mesma (antes de 1995) pois não conseguia introduzir a marca em Portugal, sendo por isso, até 1995 a marca Eastpak, praticamente, desconhecida no mercado Português. P. Desde 1995 que a Autora tem suportado custos de implementação e divulgação da marca Eastpak, com vista a alcançar o objectivo a que se tinha proposto, como distribuidora da marca e que se veio a traduzir na ampla divulgação da marca e notoriedade da mesma. Q. A Autora tendo em vista a divulgação e implementação da marca Eastpak no mercado Português, realizou operações de publicidade e marketing, entre outras: - Participação, com patrocínio, em vários eventos desportivos, nomeadamente, campeonatos de surf, de música e de arte, entre outros, - Volta a Portugal em SK8, entre outras e inúmeras actividades de promoção e divulgação. R. A título exemplificativo referem-se os “Highlights” durante os anos desenvolvida pela Autora entre outros: - Optimus Alive – Em 2008/2009/2010 e 2011; - Patrocínios de Artistas de Rua; - BMX Séries; - Parceria com a Multinacional Apple; - Em 2009 parceria com Art Expression que foi uma ideia desenvolvida pela Autora que consistia na customização de mochilas por artistas de renome, a referida ideia foi seguida por outros países; - Abertura de uma Conception Store no Chiado, sendo a 4.ª Loja a nível mundial; - Patrocínios em inúmeros espetáculos de música; - Parceira com a Nissan para o lançamento da edição limitada da Eastpak; - Criação da Eastpak Photo Studio; - Patrocínios de Campeonatos de Surf; - Patrocínios a Skaters, RA e MN; - Patrocínios em Campeonatos de Surf; - Patrocínios em séries televisivas, como “Lua Vermelha” na SIC, e os Morangos com Açúcar” na TVI. S. E ainda a Autora promoveu a criação de web sites, onde eram publicadas várias notícias de eventos e patrocínios, tudo sob a orientação e a custo da Autora. T. Participou em vários sites e outros meios de comunicação, jornais, revistas, onde se constata a publicidade em várias revistas entre outras: Onfire, Surf Portugal, Surge, Flash, Girl Z, VIP, TV 7 Dias, Arts, Blitz, LX, Maxmen, Onsky, Casa, Actur, Woman, Gadget, entre outras. U. A Autora ofereceu produtos a clientes VIP. V. O que levou a que a Autora tivesse (desde a entrada da 1.ª Ré) suportado durante os últimos 12 anos um valor de 1.482.681,57 € (um milhão quatrocentos e oitenta e dois mil, seiscentos e oitenta e um euros e cinquenta e sete cêntimos) em custos de publicidade com promoção e divulgação (não contabilizando o ano de 2013 em sede de fecho e apuramento de contas). W. Desde o ano de 2000/2001 que a 1.ª Ré passou a comercializar, como distribuidor exclusivo na Europa, os produtos Eastpak para Portugal vendendo os mesmos à Autora, sendo esta a responsável pela sua comercialização e distribuição pelos retalhistas que os revenderiam ao consumidor final. X. A partir de 2008 a 1.ª Ré acedeu a conceder alguns descontos de 5% em compras efetuadas pela Autora, a título de contribuição para os custos e despesas de publicidade, promoção, divulgação, etc. Y. O que levou a Autora a enviar um email ao Diretor de Exportação onde refere que despendeu muito dinheiro em publicidade e que o valor comparticipado era deveras insuficiente pela 1.ª Ré, sendo que os benefícios desta atuação e forma de trabalhar revertiam a favor das Rés, em detrimento da Autora, em face dos custos de operação da Autora quando comparados com as margens que dispunha (35%). Z. Na verdade, desde o ano de 1996 o representante da Autora, raramente, passa fins de semana com a sua família, antes deslocando-se de Norte a Sul do País e multiplicando-se em diversos eventos desportivos. AA. Deslocando-se pelo País e estando presente em vários eventos desportivos que acontecem aos fins-de-semana de Norte a Sul do País. BB. Na verdade, o representante da Autora, o Sr. AM, “abraçou” a marca Eastpak durante os últimos 18 anos. CC. Para além destes eventos a Autora, desde 2000 é a responsável pela reparação de todas as mochilas e produtos Eastpak em regime de outsourcing. DD. Na verdade, o lema da Eastpak é “built to resist” – construída para resistir, sendo que a garantia dada aos clientes é de 30 anos. EE. O total destes dos custos com reparação das mochilas foi de 2000 a 2011 de 57.111,04 € (cinquenta e sete mil, cento e onze euros e quatro cêntimos), com um valor de reparação de cada mochila de 4 €+3 € de portes +1 € de logística, somando um total de 8 €, para o qual a 1.ª Ré decidiu após reclamações da Autora em comparticipar, face aos elevados custos e ao facto da Autora ter de reparar mochilas que não tinha vendido, num montante de 4 €. FF. Todos os esforços, trabalho, dedicação e representação da Autora relativamente à marca Eastpak, tornou apetecível, desde 2005, com a notoriedade conseguida para a marca, o surgimento de produtos contrafeitos da Eastpak, em Portugal. GG. Na verdade, só existe contrafação, relativamente, a marcas, notoriamente, conhecidas e representadas e foi o que aconteceu em Portugal com a Eastpak desde 2005. HH. Analisando o volume de vendas da Autora de produtos Eastpak desde 2001 verifica-se que: - Em 2001 o valor da venda de produtos foi de 1.675.807,73 €. - Em 2002 o volume de vendas foi de 1.573.634,86 €. - Em 2003 o volume de vendas foi de 1.502.446,79 €. - Em 2004 o volume de vendas foi de 1.886.128,21 €. - Em 2005 o volume de vendas foi de 2.477.133,90 €. - Em 2006, o volume de vendas foi de 2.359.264,07 €. - Em 2007, o volume de vendas foi de 2.485.245,24 €. - Em 2008, o volume de vendas foi de 1.607.083,84 €. - Em 2009, o volume de vendas foi de 1.316.496,00 €. - Em 2010, o volume de vendas foi de 1.454.499,26 €. - Em 2011, o volume de vendas foi de 1.469.552,50 €. - Em 2012, o volume de vendas foi de 1.296.666,75 €. II. Desde 2008, as grandes superfícies iniciaram-se na comercialização de mochilas e de artigos Eastpak totalmente à revelia da Autora. JJ. E com o conhecimento das Rés. KK. Tal acordo de distribuição exclusiva para o território Português sempre foi reconhecido entre V.F. Europa e a Autora sendo que ainda, recentemente, ao abrigo de campanhas de marketing, como aconteceu com Raf Simon’s Fall Winter, 2013, era solicitado à Autora pela 1.ª Ré declaração de autorização para essa venda, uma vez que a Autora era pela 1.ª Ré reconhecida como distribuidora exclusiva. LL. Depois de introduzida pela Autora, no mercado nacional, a marca Eastpak, deu origem à sua contrafação e, inclusive, à instauração pela 2.ª Ré de processo crime, como foi exemplo o ocorrido no Tribunal de Marco de Canavezes no Proc. de Inquérito 4/06.0TBPRT. MM. Verificou-se a sua vulgarização e a sua comercialização nas grandes superfícies, situação que a 1.ª Ré afirmava não pretender que fosse assegurada pela Autora, uma vez que a entrada nas grandes superfícies “popularizava” a marca, razão pela qual os clientes e espaços para a comercialização de mochilas eram, criteriosamente, analisados e estudados, pela Autora, isto porque, assim era imposto pela 1.ª Ré. NN. Hoje em dia, a marca Eastpak é líder em Portugal no segmento de mochilas e malas. OO. É uma marca “premium” ligada a um estilo de vida jovem, desportista e irreverente. PP. A referida marca é distribuída na Europa desde 2000 pela 1.ª Ré, e é distribuída em Portugal desde 1995 pela Autora em regime de exclusividade. QQ. Acontece que desde 2008 que as grandes superfícies, nomeadamente, Jumbo, Pão de Açúcar e Continente, e agora também o Intermarché, começaram a comercializar em Portugal os produtos Eastpak. RR. Sendo que vendem tais produtos a um preço inferior ao preço normal do mercado e com enormes descontos. SS. O preço normal da mochila Eastpak modelo Ek620 Paddea Pack’in situava-se nos 45 €, preço recomendado pela 1.ª Ré à Autora, de venda ao público. TT. O preço oficial de revenda por parte da Autora era de 22,50 €. UU. As mochilas do referido modelo estavam a ser vendidas em 12-09-2009 no Jumbo pelo preço de 12,45 €, incluindo o IVA. VV. E em 2009, com a introdução no hipermercado Continente a 29,99 €. WW. Quando no mesmo ano a Autora revendia aos seus clientes retalhistas a 22,50 € exatamente o mesmo modelo que se vendia nos hipermercados, com aquele preço ao público. XX. De entre os muitos clientes da Autora, que apresentaram as suas legítimas reclamações, citam-se, entre outros: RM; MS; IL; ES; OR; EA; RC. YY. Os clientes da Autora revendedores autorizados Eastpak, sentiam-se defraudados, porquanto, adquiriam à Autora produtos Eastpak, marca que pugnava pelo seu “DNA”, i.é., teria de ser vendida em locais apropriados e que revendiam outras marcas de referência a nível desportivo, sendo a localização e a imagem da loja um elemento diferenciador, e estava a ser banalizada, vulgarizada em grandes superfícies amontoadamente exposta. ZZ. Em contrário às diretrizes europeias e internacionais, preconizadas pela Eastpak à Autora quanto à escolha dos retalhistas e da localização das suas lojas. AAA. Razão pela qual os clientes da Autora eram escolhidos a dedo, visitando esta os locais de venda e impondo certas regras na mostra dos produtos e sempre invocando a notoriedade e reputação da marca, pelo que seria uma mais valia para o cliente a sua revenda no seu estabelecimento. BBB. Certo é que desde 2008, as grandes superfícies foram inundadas de produtos Eastpack, sendo os mesmos vendidos sem qualquer “dignidade”, estando amontoadamente expostos. CCC. Situação que sempre foi pela 1.ª Ré interdita à Autora e aos seus clientes. DDD. Desde 2008 até agora as vendas decresceram em relação aos anos anteriores, sendo que os custos da Autora se elevaram, com a comercialização, promoção e divulgação. EEE. Não só os custos com pessoal aumentaram, em face da crescente necessidade de penetração e organização, de 181.804,39 € em 2001 para 295.442,74 € em 2012, ascendendo a um custo total ao longo dos anos de 3.282.855,41 €. FFF. Os custos de publicidade suportados pela Autora para a criação de mercado e notoriedade da marca Eastpak foram muito significativos, ascendendo no seu todo a quase 1.500.000 €. GGG. Como aumentou, também, o número de reparações gratuitas para os clientes a expensas da Autora, que em 2007 cifravam-se em 2.168,13 € e em 2012 em 4.837,67 €, isto é, os custos de reparação subiam em razão inversa do volume de vendas, que descia. HHH. E a despesa com reparações de mochilas era maior, pois a Autora passou a ter de reparar a suas expensas as mochilas que não eram por si revendidas, mas também as das grandes superfícies, conforme indicação da 1.ª Ré. III. Na verdade, os clientes das grandes superfícies, reclamavam das mochilas adquiridas ao vendedor (Continente, Jumbo, Pão de Açúcar, Etc.) e estes diziam que a garantia dos 30 anos seria da responsabilidade do distribuidor oficial, i. é da Autora. JJJ. A Autora nos 18 anos de relação comercial suportou 1.482.681,57 €. KKK. Em reparações de mochilas a Autora teve, um aumento de custo exponencial de 2007 a 2012 derivado a ter de reparar mochilas que eram vendidas nas grandes superfícies. LLL. De tal facto deu a Autora conhecimento à 1ª Ré através de inúmeros emails. MMM. Desde 2001 até 2013 (janeiro a setembro) os custos da Autora com patrocínios, ascenderam a 892.260,72 €. NNN. Os custos com pessoal também têm vindo a aumentar somando desde 2001 até 2013 o valor de 3.282.855,47 €. OOO. A aquisição dos produtos das Rés era feita mediante uma encomenda, dos produtos pretendidos, colocada pela Autora à 1.ª Ré, conforme exigência desta, sob ajustadas regras em matéria de comercialização e preço, que por sua vez a Autora se encontrava adstrita a idêntica exigência perante a rede (por si criada) de revendedores autorizados Eastpak. PPP. Como contrapartida da atividade desenvolvida, a Autora recebia a diferença entre o preço de compra e o preço de revenda dos produtos, destinando-a a cobrir os seus custos com a comercialização, promoção e publicidade e pugnando para aumentar a sua quota no mercado nacional. QQQ. A 1.ª Ré, recomendava os preços de revenda que deveriam ser praticados pela Autora. RRR. A Autora na sequência da atividade de revenda, prestava também a assistência técnica pós-venda. SSS. Esta assistência técnica era prestada pela Autora por imposição da 1.ª Ré. TTT. Com efeito, dada a garantia da marca Eastpak a 1.ª Ré exigia da Autora a prestação da assistência técnica, a título gratuito, aos clientes dos seus produtos, contudo, essa assistência era prestada não só às mochilas e artigos Eastpak pela Autora revendidos em Portugal, mas a outras mochilas e artigos introduzidas no mercado nacional através das grandes superfícies, e que assumiram um elevado volume a partir de 2008. UUU. Sempre que se revelava necessário a Autora subcontratava (a suas custas) pessoal especializado para junto dos clientes resolver os problemas técnicos, que se suscitavam com os produtos Eastpak. VVV. A atividade desenvolvida pela Autora desde 1995 era feita em regime de exclusividade, ou seja, os produtos das Rés deveriam ser distribuídos e comercializados em Portugal apenas pela Autora junto dos retalhistas autorizados por esta para a rede de revendedores autorizados Eastpak. * WWW. Sendo que, a comercialização em Portugal pela Autora de produtos iguais ou similares aos produzidos pelas Rés, bem como o exercício de atividades concorrentes com referência àqueles produtos não eram permitidas pelas Rés. * XXX. À Autora estava, desta forma, vedada a possibilidade de comercializar em Portugal produtos de empresas concorrentes das Rés. YYY. A relação comercial entre a Autora e a 1.ª Ré previa a promoção por parte da Autora dos produtos das Rés, em Portugal, o que foi atingido, largamente, face aos esforços e dedicação da Autora. ZZZ. A Autora fez a promoção dos produtos por meio de várias ações de divulgação dos produtos junto da rede de revenda. AAAA. Com o mesmo objetivo foi feita publicidade aos produtos Eastpak em jornais, revistas, e noutros meios de comunicação, expositores, feiras, ações de apresentação. BBBB. A divulgação dos produtos foi feita, também, diretamente através dos funcionários e colaboradores da Autora junto dos respetivos clientes. CCCC. Angariou-se uma vasta clientela para os produtos das Rés em consequência do trabalho de promoção e divulgação daqueles funcionários e colaboradores. DDDD. Como resultado desta publicidade, promoção e divulgação, bem como de toda a atividade desenvolvida pela Autora, os produtos Eastpak que eram, totalmente, desconhecidos em Portugal, em 1995 passaram a gozar de enorme reputação no mercado Português entre a população jovem. EEEE. Com efeito, foi a Autora quem construiu o mercado dos produtos Eastpak em Portugal e a rede de revendedores autorizados Eastpak, segundo as instruções das Rés em matéria de enquadramento dos produtos e sustentando os preços recomendados pela 1.ª Ré junto daqueles revendedores conforme indicação desta. FFFF. E foi debaixo das sucessivas reclamações que a Autora fez à 1.ª Ré sobre o número crescente de vendas nos hipermercados que contrariava todas as garantias e política comercial transmitida à rede de revendedores Eastpak, que esta lhe veio a propor a venda ao Modelo/Continente de produtos, através de uma outra sociedade ou entidade, que camuflasse a sua identidade como distribuidora de produtos Eastpak. GGGG. A reação da Autora foi negativa, apesar de receosa quanto à reação da 1.ª Ré em face das múltiplas pressões desta, através do seu responsável comercial, que sugeria a comercialização para o Modelo/Continente, primeiro, através de Espanha e depois através de uma Trading em Portugal, que escoava para aquele hipermercado. HHHH. Na sequência de troca de emails a 1.ª Ré através do seu Diretor pretendia que fosse “arranjada” uma intermediária para vender produtos à SONAE. IIII. Tendo a 1.ª Ré fornecido, inclusivamente à Autora, o contacto do Diretor de Unidade de Negócio da SONAE para que este indicasse o canal alternativo para o fornecimento dos produtos (através de uma Trading). JJJJ. A 1.ª Ré pressionava, ainda, com a necessidade de a Autora assinar um novo contrato, com diferentes condições das vigentes, decorrentes da prática e dos acordos comerciais estabelecidos ao longo dos anos, que a Autora procurava não assinar. KKKK. A Autora dirigiu uma comunicação à 1.ª Ré, onde relatou as vendas nos supermercados no paralelo. LLLL. É uma prática da 1.ª Ré para promover o volume de vendas na Europa, procurando através da venda às Trading internacionais escoar grandes quantidades de produtos de Países como a Itália, a Alemanha, e a Grã-Bretanha (por exemplo) com o objetivo de procurar aumentar o volume de vendas – através do seguimento dos produtos Eastpak para países terceiros, como Portugal, onde a presença dos Hipermercados garantia aquele escoamento e volume das vendas, casos em que a rede autorizada Eastpak do comércio tradicional e o seu distribuidor local, pouco ou nada podem fazer (contra esta venda dissimulada, e para além fronteiras da V.F Europa). MMMM. A Autora dirigiu à 1.ª Ré uma comunicação em 11-10-2013 dizendo que suspendia as relações comerciais [trata-se da comunicação referida em RRRR. e cujo original, em língua inglesa, foi junta com a Contestação como doc. 6]. NNNN. Após a comunicação enviada pela Autora, os Advogados da 1.ª Ré vieram invocar a resolução do contrato de distribuição através de carta [trata-se da carta referida em QQQQQ]. OOOO. Não concretizando os mesmos qual a violação contratual apenas se referindo a valores em dívida. PPPP. Contudo, refira-se que ainda mesmo anteriormente ao envio da referida carta e da data nela constante, teve a Autora conhecimento em 20 de novembro de 2013, que a 1.ª Ré tinha informado a Terceiros com quem a Autora mantinha relações comerciais na qualidade de distribuidora Eastpak, que a esta já não tinha qualquer relação comercial com a Autora. QQQQ. O que é demonstrado pela leitura de uma mensagem no Facebook enviada à Artista Susana Martins, que com o consentimento da mesma aqui se reproduz. RRRR. A Autora enviou à 1.ª Ré uma carta, registada com aviso de receção: “Exmo. Senhor, Após sucessivas queixas e reclamações que temos recebido dos nossos clientes nos últimos anos, reclamações essas que se intensificaram ultimamente, em face da distribuição generalizada de produtos Eastpack em várias superfícies comerciais, cuidámos de verificar essa realidade, que vem ao encontro do por nós reclamado perante a VF ao longo do tempo. Com efeito da VF recebemos sistematicamente a informação sobre o desconhecimento da proveniência desses artigos quando por nós confrontada perante essas reclamações na qualidade de distribuidores exclusivos Eastpack para Portugal, conforme por vós é reconhecido. Comprovámos agora, contudo, que esses produtos são colocados por empresas do Grupo VF, localizadas quer no reino Unido, quer na Alemanha, conforme confirmação obtida de fonte ligada à VF, que nos explicou a estratégia da mesma para aumentar as vendas visando a venda da Companhia. Estes factos para além de constituírem uma violação gravíssima do acordo de distribuição exclusivo que detemos durante todos este anos, constitui um facto gerador de ilícito criminal que pretendemos apurar até às últimas circunstâncias, pelo que entregámos já todos os elementos que recolhemos aos nossos advogados para que instaurem o competente processo criminal junto da Procuradoria Geral da República em Portugal, no sentido de apurar as responsabilidades pelos factos. Estes comportamentos conduzem irremediavelmente esta empresa para o descrédito no mercado e para a inviabilização da sua actividade, colocando em definitivo em causa os acordos comerciais que até esta data vinha mantendo. Decorrente dos procedimentos judiciais de natureza civil e criminal, conduzidos pelos nossos advogados, vimos pela presente comunicar a suspensão de todas as relações comerciais com essa empresa e com a marca Eastpack. Esta medida manter-se-á em vigor até ao apuramento de todas as responsabilidades e quantificação das indemnizações e penas criminais que venham a ser decididas pelos Tribunais.” SSSS. Ora, nos anos de 2009 a 2013 a Autora obteve respetivamente as seguintes remunerações brutas decorrentes da venda dos produtos da Ré VENDA DE PRODUTOS EASTPACK 2008 - 576.479,34 € (35%) 2009 - 460.773,60 € (35%) 2010 - 509.074,74 € (35%) 2011 - 514.332,87 € (35%) 2012 - 450.333,34 € (35%) Pelo que a média anual das remunerações obtidas cifrou-se em 502.198,77 €. TTTT. Desde 1995, a Autora fez investimentos na divulgação da marca Eastpak em expositores, publicidade e apoio a postos de venda (nomeadamente, feiras, etc.), impostos pelo tipo de marca e por exigências das Rés no valor total de 1.482.681,57 € (um milhão quatrocentos e oitenta e dois mil, seiscentos e oitenta e um euros e cinquenta e sete cêntimos) de que só as Rés colheram benefícios, e vão continuar a colher benefícios uma vez assegurada a notoriedade pública da marca Eastpak em Portugal promovida pela Autora. UUUU. Aliás, era a Autora obrigada a enviar à 1.ª Ré a lista dos seus principais clientes identificando os mesmos e indicando o volume de vendas – Os 10 Principais Clientes de 2008: Valor Anual DESPOMAR, LDA. 176.877,91 BUZIOS - IND. COM. E REPRES. DE VESTUÁRIO, LDA. 74.774,00 EL CORTE INGLÉS - GRANDES ARMAZÉNS S.A. 46.317,96 COIMBRA DESPORTO, COM.DE ART.DE DESPORTO, LDA. 34.226,28 DREAM BEACH, SA 30.761,89 BANCADA CENTRAL - COM. DE ART. DESPORTO, LDA. 29.982,30 BIG SPORT, ART. DE DESPORTO, LDA. 29.957,95 THE BESTSPORT - COMERCIO DE ART. DESPORTIVOS, LDA. 25.673,73 MARIA HELENA GOMES 22.942,45 FUTURSPORT.COM.DE ART.DE DESPORTO, LDA. 19.357,08 VVVV. Os 10 Principais Clientes de 2009 Valor Anual DESPOMAR, LDA. 70.633,10 IBERVOICE TELECOMUNICAÇÕES, S.A. 68.245,67 BESTBOX, SA 60.202,93 THE BESTSPORT - COMERCIO DE ART. DESPORTIVOS, LDA. 35.880,81 BANCADA CENTRAL - COM. DE ART. DESPORTO, LDA. 35.544,40 EL CORTE INGLÉS - GRANDES ARMAZÉNS S.A. 27.280,53 SIMPLE RED, LDA. 26.474,66 MARIA ANDRADE & RAUL SILVA, LDA. 20.532,15 ANÍBAL MANUEL N. DE ALMEIDA & FILHOS, LDA. 20.228,44 FUTURSPORT.COM.DE ART.DE DESPORTO, LDA. 20.107,90 WWWW. Os 10 Principais Clientes de 2010 Valor Anual IBERVOICE TELECOMUNICAÇÕES, S.A. 145.453,48 DESPOMAR, LDA. 90.837,60 BESTBOX, SA 72.207,31 EL CORTE INGLÉS - GRANDES ARMAZÉNS S.A. 46.796,82 FÁBRICA DE CALÇADO CAMPEÃO PORTUGUÊS, SA 36.095,20 BANCADA CENTRAL - COM. DE ART. DESPORTO, LDA. 32.135,22 THE BESTSPORT - COMERCIO DE ART. DESPORTIVOS, LDA. 30.125,80 MARIA ANDRADE & RAUL SILVA, LDA. 26.270,95 SIMPLE RED, LDA. 25.320,05 PLANETA D - ARTIGOS DE DESPORTO 21.582,12 XXXX. Os 10 Principais Clientes de 2011 Valor Anual IBERVOICE TELECOMUNICAÇÕES, S.A. 196.329,25 DESPOMAR, LDA. 106.817,61 BESTBOX, SA 44.252,89 BANCADA CENTRAL - COM. DE ART. DESPORTO, LDA. 39.050,83 PLANETA D -ARTIGOS DE DESPORTO, LDA 27.201,46 SIMPLE RED, LDA. 24.611,54 LIMITE RADICAL, UNIPESSOAL, LDA 23.820,15 MARIA ANDRADE & RAUL SILVA, LDA. 22.862,91 FUTURSPORT.COM.DE ART.DE DESPORTO, LDA. 19.279,65 AMERICANA-PAPELARIAS LIV. EQUIPAMENTOS - S.A. 18.690,54 YYYY. Os 10 Principais Clientes de 2012 Valor Anual IBERVOICE TELECOMUNICAÇÕES, S.A. 141.851,60 SDSR-SPORT DIVISION SR S.A. 108.723,24 DESPOMAR, LDA. 91.063,35 BESTBOX, SA 53.504,05 EL CORTE INGLÉS - GRANDES ARMAZÉNS S.A. 31.762,38 SIMPLE RED, LDA. 23.269,00 BANCADA CENTRAL - COM. DE ART. DESPORTO, LDA. 23.136,21 PLANETA D -ARTIGOS DE DESPORTO, LDA 21.459,32 AMERICANA - PAPELARIA S.A. 20.180,55 LIMITE RADICAL, UNIPESSOAL, LDA 19.099,40 ZZZZ. Provado apenas que ficará ainda a Autora com um valor de existências – produtos Eastpak decorrente do stock que se traduz contabilisticamente em 996.520,96 €, e que a 1.ª Ré impede a Autora de comercializar junto dos revendedores autorizados Eastpak. AAAAA. A Autora é devedora à Ré relativamente a faturas (entretanto) vencidas no montante de 679.227,46 € (seiscentos e setenta e nove mil duzentos e vinte e sete euros e quarenta e seis cêntimos). BBBBB. De entre todos os clientes angariados pela Autora para as Rés, destacam-se, pelo volume de negócios realizados, os seguintes estabelecimentos comerciais: SDSR-SPORT DIVISION SR S.A. IBERVOICE TELECOMUNICAÇÕES, S.A. DESPOMAR, LDA. EL CORTE INGLÉS - GRANDES ARMAZÉNS S.A. PLANETA D -ARTIGOS DE DESPORTO, LDA BESTBOX, SA BANCADA CENTRAL - COM. DE ART. DESPORTO, LDA. EMOTIONSPORT, COMÉRCIO DE ARTIGOS DESPORTIVOS, LDA LIMITE RADICAL, UNIPESSOAL, LDA SIMPLE RED, LDA. CCCCC. Todos os clientes angariados são clientes dos artigos produzidos e comercializados pelas Rés e não clientes da Autora. DDDDD. Muitos contratos já estão a ser negociados atualmente e serão negociados no futuro. EEEEE. Em todos estes anos de duração do contrato entre as partes, as Rés nunca se mostraram insatisfeitas com os resultados obtidos pela Autora. FFFFF. Bem pelo contrário, não raras vezes congratularam a Autora pela sua capacidade de trabalho, de eficácia, dinâmica e profissionalismo no desenvolvimento das relações comerciais com os clientes. GGGGG. A média anual das remunerações obtidas nos últimos 5 anos, pela Autora cifrou-se em 502.198,77 € (quinhentos e dois mil euros, cento e noventa e oito mil e setenta e sete cêntimos) conforme resulta do quadro discriminativo seguinte: Ano Venda de Produtos Eastpak Margem 2008 1.647.083,84 € 576.479,34 € 2009 1.316.496,00 € 460.773,67 € 2010 1.454.499,26 € 509.074,74 € 2011 1.469.522,50 € 514.332,87 € 2012 1.286.666,75 € 450.333,36 € Média Anual 502.198,77 € HHHHH. Devido ao empenho e dedicação da Autora na angariação de clientes para os produtos Eastpak foi criada no mercado português uma associação muito grande entre a Autora e esses produtos, o que é conhecido por várias personalidades ligadas ao desporto entre elas o conhecido alpinista João Garcia. IIIII. Todas as ações de publicitação que a Autora realizou faziam referência aos produtos Eastpak. JJJJJ. Desde logo, no papel timbrado usado pela Autora, figurava o logótipo da Eastpak e a menção da Autora como representante das Rés. KKKKK. No sítio de apresentação da Autora era também, feita publicidade aos produtos Eastpak à excelência dos mesmos era a Autora que geria a página do facebook da Eastpak, com movimentação diária. LLLLL. Para dar a conhecer e difundir os produtos no mercado português, a Autora realizou, ainda, diversas ações específicas de publicidade. MMMMM. A Autora fez investimentos em expositores e em feiras. NNNNN. As despesas de publicidade e as outras supra referidas que a Autora suportou nos 18 anos que durou a relação comercial com as Rés, cifram-se em valor não inferior a 1.314.315,57 €, resultante da diferença entre o custo de 1.482.681,57 € e a comparticipação de 168.366 €. * OOOOO. A 2.ª Ré uma sociedade norte americana titular dos registos das marcas comunitárias n.ºs 000037077 EASTPAK e 000397984 EASTPAK onde se incluem todos os produtos EASTPAK – sacos de desporto, malas de bagagem, mochilas, pastas escolares, bolsas de cintura, sacos para criança. PPPPP. Nunca celebrou, direta ou indiretamente, qualquer contrato ou acordo de qualquer natureza com a Autora. QQQQQ. Por carta [cuja cópia foi junta com a Contestação como doc. 3] registada com aviso de receção datada de 23-12-2013, a 1.ª Ré comunicou à Autora a resolução do acordo de distribuição invocando o incumprimento definitivo por culpa exclusiva da Autora. RRRRR. A referida carta foi rececionada pela Autora no dia 27-12-2013. SSSSS. No ano 2000 a 1.ª Ré na qualidade de distribuidora europeia dos produtos da marca EASTPAK, optou pela Autora como sendo a distribuidora daquela marca para o território nacional. TTTTT. Passando a Autora a adquirir aqueles produtos à 1.ª Ré e a revendê-los, em seu nome e por sua conta e risco. UUUUU. O referido contrato nunca foi, porém, reduzido a escrito. VVVVV. A 1.ª Ré por várias vezes, ao longo dos anos, remeteu à Autora uma proposta do clausulado do contrato, ficando a aguardar da parte desta eventuais propostas de alterações. WWWWW. Contudo, a Autora sempre se negou a reduzi-lo à forma escrita. XXXXX. A partir do início do ano 2000 a 1.ª Ré passou a assumir a distribuição e comercialização dos produtos da marca EASTPAK na Europa, com base numa licença concedida pela 2.ª Ré, tendo sido nessa data que se iniciou a relação comercial com a Autora. YYYYY. A Autora era já a representante da marca EASTPAK em Portugal desde 1996. ZZZZZ. Provado apenas que a 1.ª Ré propôs à Autora para discussão, em várias ocasiões a redução a escrito de um “acordo de distribuição” pelo qual ficassem determinados os direitos e deveres das partes. AAAAAA. A Autora nunca aceitou. BBBBBB. Durante a última década a 1.ª Ré assumiu o compromisso com os seus distribuidores de lhes conceder um “distributor discount” de 30% no preço de aquisição de cada produto. CCCCCC. Com esse valor de margem era dever dos distribuidores investirem 10% em marketing, promoção e publicidade. DDDDDD. Excecionalmente à Autora a 1.ª Ré concedeu ainda, um desconto adicional de 5% como comparticipação extra, na condição daquela demonstrar ter investido 10% em marketing, promoção e publicidade. EEEEEE. Desde 2000 a Autora se manteve responsável pela reparação de todas as mochilas e produtos EASTPAK em regime outsourcing. FFFFFF. O que lhe foi proposto pela 1.ª Ré e a Autora aceitou. GGGGGG. A 1.ª Ré sempre lhe forneceu gratuitamente toda a espécie de peças sobressalentes para uso nas reparações, como fechos, cintas, puxadores etc., que aquela não se coibia de pedir. HHHHHH. A imputação da alegada violação foi comunicada à 1.ª Ré em 16-10-2013. IIIIII. Foi essa comunicação remetida na sequência de interpelação pela 1.ª Ré para pagamento do montante de 679.435,91 € (seiscentos e setenta e nove mil quatrocentos e trinta e cinco euros e noventa e um cêntimos) de faturas vencidas, arrogando o direito de as não pagar. JJJJJJ. Refere a Autora na dita missiva, e ao longo da petição inicial, que a alegada violação da exclusividade, advinha de “confirmação obtida de fonte ligada à VF” de que a 1.ª Ré se encontrava desde 2008, através de empresas do Grupo localizadas no Reino Unido e na Alemanha, a colocar produtos EASTPAK em várias superfícies comerciais. KKKKKK. A 1.ª Ré com os dados que lhe eram fornecidos pela Autora prontificou-se a acionar judicialmente as empresas detentoras da cadeia de hipermercados Modelo/Continente e do Jumbo. LLLLLL. Deu entrada de procedimentos cautelares contra a sociedade Modelo Continente Hipermercados, S.A., e a Companhia Portuguesa de Hipermercados, SA, pedindo: a) a apreensão de todos os produtos encontrados em todas as lojas da Requerida que contivessem a reprodução da marca, b) a intimação para que se abstivessem imediatamente de usar a marca; c) a destruição de todos os produtos apreendidos nas instalações; d) a condenação em sanção pecuniária compulsória de sociedade Modelo Continente Hipermercados, S.A., cada dia de incumprimento; e) a notificação para apresentar ao Tribunal todos os documentos contabilísticos relativos à aquisição, importação, armazenamento, venda de todos os produtos assinalados com a marca EASTPAK. MMMMMM. Já em 2003 a Autora relata à 1.ª Ré que o mercado está a ser bombardeado com as vendas paralelas. NNNNNN. Apesar da Autora ter registado uma descida na rubrica de proveitos e ganhos do exercício de 2007 para 2008, este movimento foi interrompido logo em 2009 para 2010. OOOOOO. Na prestação de contas do exercício de 2009 na rubrica “publicidade e propaganda” a Autora registou um gasto de 6.045,00 € muito inferior ao alegado gasto de 103.842,17 €. PPPPPP. Na prestação de contas do exercício de 2010 na rubrica “publicidade e propaganda” a Autora registou um gasto de 39.020,73 € muito inferior ao alegado gasto de 81.551.42 €. QQQQQQ. O mesmo sucede no exercício de 2011: foi registado um valor anual em publicidade de 24.185,19 €. RRRRRR. E ainda no exercício de 2012, onde foi registado um valor anual em publicidade de 22.799,38. SSSSSS. Não obstante a Autora ter comunicado à 1.ª Ré em 16-10-2013 que a relação comercial estava suspensa, manteve-se no mercado a revender produtos EASTPAK. TTTTTT. E precisamente produtos que a 1.ª Ré lhe forneceu e que aquela não pagou. * UUUUUU. Foi apresentado ao representante legal da Autora, para assinar, uma minuta de contrato de distribuição. VVVVVV. Acresce que, ao contrário do contrato que a Autora vinha executando, aquele que a V.F. Europe B.V.B.A. propunha tinha uma duração de apenas 4 anos, desde janeiro de 2013 até 31 de dezembro de 2017. WWWWWW. No âmbito do contrato proposto, a V.F. Europe B.V.B.A. tinha o direito de, uma vez chegado o termo do contrato ou de qualquer renovação, terminar o contrato, sem prejuízo de poder reivindicar qualquer direito contra o distribuidor. XXXXXX. Mas este, através da mesma cláusula renunciaria a reclamar qualquer direito à V.F. Europe B.V.B.A., incluindo de indemnização de clientela. * YYYYYY. Em 21-09-2012, ao mesmo tempo que se encontrava em vigor o contrato celebrado com a 1.ª Ré de comercialização da marca EASTPAK, o mesmo legal representante dava entrada no INPI de um pedido de registo de marca nacional para venda de mochilas. ZZZZZZ. Pedido esse que, em 10-12-2012, AM viu ser ser-lhe concedido passando a ser titular da marca nacional 9BAG para venda de mochilas. AAAAAAA. Sob a marca 9BAG veio a ser desenhado, fabricado e colocado à venda no mercado português um modelo de mochilas, o qual se apresentava, nada mais nada menos como uma imitação fiel do modelo mais famoso de mochilas EASTPAK – o modelo PADDED. BBBBBBB. Os modelos das mochilas 9BAG de imitação da marca EASTPAK viriam a ser encontradas à venda, on-line, no site com o endereço https://www.ibagyou.pt/. CCCCCCC. As mochilas 9BAG foram colocadas à venda no mercado pelo preço de 29,90 € (vinte e nove euros e noventa cêntimos). DDDDDDD. Em 22-03-2013, o sócio gerente da Autora transmite a marca 9BAG para uma sociedade denominada “Pedestal Mágico - Unipessoal Lda.”. EEEEEEE. Trata-se de uma sociedade em tudo idêntica à sociedade Autora, A. Morais e Gonçalves, Lda., os mesmos familiares, as mesmas instalações, idêntico objeto social. FFFFFFF. A sociedade Pedestal Mágico foi constituída em 08-03-2013, com objeto social idêntico ao da Autora, concretamente, “Comércio, importação, exportação, distribuição e representação de equipamentos, artigos e produtos de moda e desportivos, nomeadamente calçado, vestuário, acessórios desportivos e de moda”, incluindo a venda de mochilas. GGGGGGG. A Pedestal Mágico tem como titular desde o início da constituição, a nora de AM, RC, casada com o filho CM. HHHHHHH. Na sociedade Pedestal Mágico surge também como colaboradora desde o início da constituição, a filha de AM, GM. IIIIIII. A sede da sociedade Pedestal Mágico foi inicialmente estabelecida na Rua …, n.º 351-E, Edifício 5, 9.º-A, … Lisboa. JJJJJJJ. Enquanto casado sob o regime de comunhão de adquiridos com Rita …, sócia única da sociedade Pedestal Mágico. KKKKKKK. No entanto, no site de vendas on-line - https://www.ibagyou.pt/ -, sempre se indicou como contacto a morada sita na Rua … - Armazém "B" (Traseiras do n.º 29 da Avenida …), … Rio de Mouro. LLLLLLL. A atividade da empresa Pedestal Mágico sempre esteve centralizada nesta morada da Rua … - Armazém "B" (Traseiras do n.º 29 da Avenida …), Rio de Mouro. MMMMMMM. A sede da Autora desta ação é a Avenida D. …, n.º 29, traseiras, armazém Esquerdo, letra C. NNNNNNN. Quer o armazém B, quer o armazém C são propriedade têm o mesmo proprietário: AM. * OOOOOOO. A Pedestal Mágico efetuou a sua primeira venda comercial em maio de 2015. * Proc. 945/14.0T2SNT-A: PPPPPPP. A Ré [A. MORAIS & GONÇALVES, Lda.] é uma sociedade comercial por quotas constituída em 1989 que se dedica, como atividade principal, ao comércio por grosso não especializado. QQQQQQQ. No prosseguimento dessa sua atividade a Ré passou a dedicar-se desde 1996 à comercialização e distribuição dos produtos da marca EASTPAK em Portugal. RRRRRRR. Tais produtos são fabricados e comercializados a nível mundial pela sociedade comercial norte americana JANSPORT APPAREL CORP. sendo esta a titular dos registos da marca EASTPAK. SSSSSSS. Os produtos da marca EASTPAK são, nomeadamente, os seguintes: sacos desportivos multiusos, mochilas com e sem armação, bagagem mole, estojos de bagagem, pastas escolares, bolsas de cintura, malas de fim-de semana, sacos alpinos, sacos de bagagem, sacos de equipamentos, sacos para roupa, malas de viagem. TTTTTTT. A partir do início do ano 2000 a Autora [VF EUROPE B.V.B.A.] passou a assumir a distribuição e comercialização dos produtos da marca EASTPAK na Europa, com base numa licença concedida pela sociedade norte americana JANSPORT APPAREL CORP. UUUUUUU. Em 2008, no seguimento da implementação de uma política de uniformização de procedimentos com os parceiros comerciais, a Autora, através de uma carta subscrita pelo seu consultor jurídico, contactou vários distribuidores europeus, informando da essencialidade de reduzir a escrito os acordos de distribuição que até então se mantinham verbais, o que era o caso da Ré. VVVVVVV. Na carta, que especificamente dirigiu à Ré, a Autora esclareceu, que a formalização do acordo era indispensável para a concreta definição dos direitos e deveres das partes, no seguimento daquela política de uniformizar todas as relações comerciais de distribuição. WWWWWWW. Tendo, nessa carta, anexado uma minuta com a proposta de “contrato de distribuição padrão” a qual submeteu à apreciação da Ré ficando a aguardar os respetivos comentários. XXXXXXX. Sucede que a Ré nunca se mostrou disponível à assinatura do acordo proposto, nem efetuou quaisquer contrapropostas, pese embora os vários contactos e insistências da Autora para esse efeito que se perpetuaram ao longo dos vários anos da relação comercial. YYYYYYY. A Autora, em meados de 2012, remeteu à Ré, nova minuta de contrato, sem que esta merecesse da parte da Ré a discussão de eventuais contrapropostas. ZZZZZZZ. Por essa razão o acordo de distribuição entre Autora e a Ré sempre permaneceu verbal mantendo-se a Ré como a distribuidora da Autora, a título exclusivo, dos produtos EASTPAK em todo o território português. AAAAAAAA. No âmbito desse acordo verbal, a Ré obrigava-se a adquirir produtos EASTPAK à Autora para, posteriormente, os distribuir e revender em Portugal em seu nome e por sua conta própria. BBBBBBBB. Em simultâneo com os incumprimentos quanto ao pagamento das faturas, a Ré começou a dirigir várias comunicações à Autora, acusando-a de violar a exclusividade do acordo de distribuição e de utilizar expedientes paralelos para colocar os produtos no mercado português, destinando-os aos hipermercados que os vendiam abaixo do preço de custo. CCCCCCCC. A JANSPORT APPAREL CORP. e a Autora têm vindo a despender desde 2009 junto das várias instâncias dos tribunais portugueses, com o objetivo, precisamente, de apurar a origem de produtos da marca EASTPAK vendidos pelos hipermercados portugueses e eventual contrafação desses produtos. DDDDDDDD. Tais batalhas judiciais foram iniciadas pela Autora mediante informações transmitidas pela Ré em 2008 de que as grandes superfícies estariam a comercializar em Portugal mochilas com a marca EASTPAK a um preço bastante inferior ao preço normal do mercado e com grandes descontos. EEEEEEEE. Com base nessas informações a Autora deu entrada de procedimentos cautelares para apreensão desses bens e das respetivas ações principais, não se coibindo de continuar os pleitos nas várias instâncias de recurso. FFFFFFFF. Em outubro de 2012, a Ré registava já uma dívida para com a Autora no montante de 565.798,19 €, e o departamento comercial da Autora colocava em causa um novo fornecimento de mercadorias. GGGGGGGG. Já em 2013, a Ré solicitou uma nova encomenda de mercadorias de volume substancial. HHHHHHHH. Tal encomenda originou a emissão das faturas datadas de 11-07-2013 e 26-07-2013 no montante total de 555.867,91 €, todas com um prazo de vencimento de 90 dias, devendo o pagamento ocorrer entre 9 e 24 de outubro. IIIIIIII. E ainda a emissão das faturas datadas de agosto num montante de 101.754,06 € e outubro no montante de 22.206,10 €. JJJJJJJJ. Invocando impossibilidade no cumprimento daquela proposta mas reiterando a urgência na obtenção da mercadoria, a Ré solicitou, no dia 5 de julho de 2013 a dilação das prestações para os meses de outubro, novembro e dezembro. KKKKKKKK. A Autora, por sua vez, disponibilizou-se a aceitar o pedido da Ré com a condição desta se comprometer a liquidar as faturas emitidas em agosto dentro do prazo do respetivo vencimento de 90 dias. LLLLLLLL. Tal compromisso foi expressamente assumido pelo sócio gerente da Ré por e-mail datado do dia 8 de julho de 2013, o que lhe possibilitou conseguir dilatar ainda mais o pagamento das faturas. MMMMMMMM. Desta forma a Autora anuiu em que o pagamento das faturas de julho só se vencesse nos seguintes prazos: 14 de outubro - 159.030,82 €; 15 de novembro - 159.030,82 €; e 13 de dezembro - 159.030,82 €. NNNNNNNN. A aceitação da proposta por parte da Ré levou a Autora a autorizar a entrega total das mercadorias, o que ocorreu no dia 10 de julho 2013. OOOOOOOO. Tendo as mesmas sido integralmente recebidas pela Ré. PPPPPPPP. Porém, no dia 14 de outubro, a Ré não procedeu ao pagamento da primeira prestação que nessa data se vencia, tal como se havia comprometido. QQQQQQQQ. Durante os três meses após lhe ter sido entregue a mercadoria, a Ré não se dignou a contactar a Autora dando-lhe a conhecer qualquer causa válida que justificasse uma nova impossibilidade de pagamento. RRRRRRRR. No dia 15 de outubro, a Autora interpelou a Ré ao pagamento do montante de todas as prestações em dívida. SSSSSSSS. Recebeu da Ré a resposta de que o pagamento de todas as faturas num montante total de 679.435,91 € não iria ser efetuado. TTTTTTTT. Mais informando, que a partir daquela data, todas as relações comerciais com a Autora se encontravam suspensas, invocando para o efeito as suspeitas de violação da exclusividade. UUUUUUUU. Em 24 de outubro de 2013 a Autora enviou à Ré uma carta, na qual não só condenava a postura por aquela assumida, como interpelava ao pagamento de todas as faturas em dívida, caso, nos 10 dias contados da receção dessa carta, a Ré não honrasse o pagamento da primeira prestação de 159.030,82 €. VVVVVVVV. Em resposta veio a Ré, representada por advogado, manter as acusações anteriormente dirigidas à Autora e com base nelas a legitimidade da suspensão do contrato mas nada adiantando quanto ao cumprimento das dívidas à Autora. WWWWWWWW. Em 1 de dezembro de 2013, a Autora, também representada por advogados, enviou uma carta registada com aviso de receção à Ré, pela qual invocou, nomeadamente, a ilegitimidade da suspensão do contrato e ainda interpelou a Ré para que, no prazo de 15 dias, retomasse a execução do contrato e apresentasse um novo plano para o cumprimento dos valores em dívida e respetivos juros e mora, sob pena de, não o fazendo, a Autora considerar o contrato como definitivamente incumprido. XXXXXXXX. A Ré persistiu na suspensão. YYYYYYYY. Por carta registada com aviso de receção datada de 23 de dezembro de 2013, a Autora comunicou à Ré, por via dos mandatários desta, a resolução do acordo de distribuição, considerando o contrato definitivamente incumprido por culpa exclusiva da Ré. ZZZZZZZZ. A referida carta foi rececionada no dia 27 de dezembro de 2013. AAAAAAAAA. Nessa carta, a Autora imputa à Ré a existência de danos, conhecidos à data, decorrentes daquele incumprimento tendo logo adiantado a reclamação do seu direito de crédito no montante de 679.435,91 € e respetivos juros vencidos e vincendos. BBBBBBBBB. Tendo ainda interpelado a Ré, como consequência da resolução do contrato, a abster-se de imediato de assumir a representação dos produtos EASTPAK; não anunciar, revender, vender ou fazer com que seja anunciado ou revendido qualquer produto EASTPAK; não utilizar, sob qualquer forma, os nomes e as marcas relacionadas com os produtos EASTPAK; devolver todos os materiais referentes aos produtos EASTPAK, nomeadamente, transparências, negativos, containers, telas, caixas, sacos, etiquetas, embalagens, materiais promocionais e de publicidade. CCCCCCCCC. A Ré nunca respondeu ao conteúdo da carta e não procedeu a qualquer contacto com a Autora. DDDDDDDDD. A Ré continuava a vender as mercadorias que a Autora lhe forneceu. EEEEEEEEE. Qualquer interessado que se dirigisse ao armazém da Ré situado em Sintra, na localidade de Penaferrim poderia adquirir produtos EASTPAK onde se incluíam produtos referenciados nas faturas relativas ao último fornecimento não pago. FFFFFFFFF. A única loja que a Ré dispunha para venda direta ao público, situada em Lisboa, no Bairro Alto, tinha encerrado. GGGGGGGGG. E que o site que a Ré mantinha para as vendas on-line em www.atuamochila.com passou a estar indisponível, no final de dezembro de 2013. HHHHHHHHH. Por sua vez com as diligências relativas à recuperação do seu crédito a Autora já despendeu em honorários de advogados, taxas de justiça, honorários de agente de execução, transporte e armazenamento dos produtos arrestados um montante total de 23.330,77 €. IIIIIIIII. A manutenção do armazenamento dos produtos arrestados custa à Autora um valor mensal de 770,00 €. Na sentença foram considerados não provados os seguintes factos (assinalámos com asterisco os pontos objeto de impugnação e alterámos a redação em conformidade com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990): 1. No ano de 2001 a Autora suportou em custos de marketing e publicidade o valor total de 193.460 €. 2. No ano de 2002 a Autora suportou um custo em marketing e publicidade no valor total de 111.028,67 € (cento e onze mil, vinte e oito euros e sessenta e sete cêntimos). 3. No ano de 2003 a Autora suportou um custo de marketing e publicidade no valor total de 151.753,73 € (cento e cinquenta e um mil euros setecentos e cinquenta e três e setenta e três cêntimos). 4. No ano de 2004 a Autora suportou em custos de marketing e publicidade o valor total de 95.670,70 € (noventa e cinco mil, seiscentos e setenta euros e setenta cêntimos). 5. No ano de 2005 a Autora suportou em custo de marketing e publicidade o valor total de 148.301,20 € (cento e quarenta e oito mil, trezentos e um euros e vinte cêntimos). 6. No ano de 2006 a Autora suportou um custo de marketing e publicidade no valor total de 146.872,54 € (cento e quarenta e seis mil, oitocentos e setenta e dois euros e cinquenta e quatro cêntimos). 7. No ano de 2007 os custos em publicidade e marketing atingiram o valor de 192.031,62 € (cento e noventa e dois mil e trinta e um euros e sessenta e dois cêntimos). 8. No ano de 2008 os custos em publicidade e marketing atingiram o valor de 141.694,68 € (cento e quarenta e um mil, seiscentos e noventa e quatro euros e sessenta e oito cêntimos). 9. No ano de 2009 os custos em publicidade e marketing atingiram o valor de 103.842,17 € (cento e três mil, oitocentos e quarenta e dois euros e dezassete cêntimos). 10. No ano de 2010 os custos em publicidade e marketing atingiram o valor de 81.551,42 € (oitenta e um mil quinhentos e cinquenta e um euros e quarenta e dois cêntimos). 11. No ano de 2011 os custos em publicidade e marketing atingiram o valor de 65.511,08 € (sessenta e cinco mil quinhentos e onze euros e oito cêntimos). 12. No ano de 2012 os custos em publicidade e marketing atingiram o valor de 50.963,76 € (cinquenta mil, novecentos e sessenta e três euros e setenta e seis cêntimos). 13. Desde 2008 até 2011, a contribuição da 1.ª Ré foi de apenas 168.3662 € (cento e sessenta e oito mil, trezentos e sessenta e seis euros), o que é manifestamente insuficiente quando comparada com custos da Autora, que se traduziram em 1.482.681,57 € (um milhão quatrocentos e oitenta e dois mil, seiscentos e oitenta e um euros e cinquenta e sete cêntimos). 14. Negligenciando as suas relações familiares e de amizade que muito sofreram com as ausências do gerente desta. 15. Nomeadamente, a sua mulher, queixava-se várias vezes da ausência do marido aos fins-de-semana e férias. 16. Pois o mesmo dedicava todo o seu tempo à marca Eastpak. 17. Desde o ano de 2000 que a Autora procede à reparação de mochilas, através de outsourcing, sendo que: - Em 2000 reparou 425 mochilas correspondente a um custo de 4.250 €; - Em 2001 reparou 490 mochilas correspondente a um custo de 2.663,83 €; - Em 2002 reparou 482 mochilas correspondente a um custo de 2.629,28 €; - Em 2003 reparou 537 mochilas correspondente a um custo de 4.098,99 €; - Em 2004 reparou 574 mochilas correspondente a um custo de 4.541,05 €; - Em 2005 reparou 631 mochilas correspondente a um custo de 4.483,60 €; - Em 2006 reparou 612 mochilas correspondente a um custo de 5.365,69 €; - Em 2007 reparou 764 mochilas correspondente a um custo de 4.596,71 €; - Em 2008 reparou 994 mochilas correspondente a um custo de 4.980,83 €; - Em 2009 reparou 1186 mochilas correspondente a um custo de 4.547,40 €; - Em 2010 reparou 2282 mochilas correspondente a um custo de 3.625,18 €; - Em 2011 reparou 1586 mochilas correspondente a um custo de 5.594,80 €; - Em 2012 reparou mochilas correspondente a um custo de 5.471,68 €. * 18. Perante a contínua negação da Autora, procurando com subtileza remeter para a 1.ª Ré essa incumbência direta, por considerar contrária às garantias e à posição comercial praticada perante a rede de distribuidores por si criada, a 1.ª Ré não desistiu e promoveu a aproximação do Modelo/Continente junto da Autora para comercialização de uma encomenda que o Modelo/Continente pretendia de produtos Eastpak, contrariando as condições até então sempre impostas pela VF Europa em matéria de comercialização dos produtos Eastpak. * 19. E como resultado da resistência da Autora, a VF Europa veio a conceder condições de comercialização, nunca antes vistas ou conhecidas pela Autora, nomeadamente, as que vieram a ser concedidas à Autora pelo seu Responsável/Diretor Geral (SN) através das quais a VF Europa assumia, (afinal) todo o risco do crédito e pagamento da encomenda pela Trading. * 20. Tal política visava a valorização imediata da Eastpak e da V.F. Europa em prejuízo de médio prazo, uma vez que o objetivo do Presidente/CEO da V.F. Europa era a venda (imediata) da empresa, ludibriando, e derrubando o estabelecido com a Autora e com os revendedores Eastpak nacionais, pouco importando o amanhã, o seu desastre no mercado e menos ainda um distribuidor português, quando em causa estão os números alcançados pela Eastpak em volume de vendas, com a venda dos produtos nos hipermercados nacionais. 21. Terá a Autora de suportar o Leasing da Pick Up Nissan Navarra até final do contrato que se verifica em 15 de maio de 2014 no valor de 1.083,48 €. * 22. Contrariamente aos demais distribuidores europeus que assinaram acordos escritos de distribuição. 23. A Autora teve sempre à disposição um saldo de conta corrente com fornecimento adiantado de 500.000,00 € (quinhentos mil euros). 24. Que em muito se deveu ao contínuo comportamento relapso da Autora no que respeita ao pagamento das faturas devidas à 1.ª Ré. 25. Investimento que a Autora nunca justificou perante a 1.ª Ré. 26. A Autora era livre de revender os produtos aos preços que bem entendesse. 27. Tal como acontece, aliás, com todos os distribuidores da marca. 28. Sucede que a Autora sempre enviou à 1.ª Ré todas as faturas relativas às reparações que efetuava sendo para o efeito sempre reembolsada com uma comparticipação acordada de 4,00 € por peça reparada em mochilas vendidas por terceiros e 8,00 € por cada peça por si vendida. 29. Não obstante a Autora se ter mantido como a única representante da marca EASTPAK em Portugal, a verdade é que a 1.ª Ré não estava impedida de utilizar outros distribuidores para a marca EASTPAK em Portugal. 30. Tal como a Autora também não se encontrava impossibilitada de comercializar em Portugal produtos de empresas concorrentes aos da 1.ª Ré. 31. Nem nunca foi proibida de o fazer por parte da 1.ª Ré. 32. Tais batalhas judiciais foram iniciadas em 2009 pela 2.ª Ré após insistência da 1.ª Ré mediante informações transmitidas pela Autora em 2008 de que as grandes superfícies estariam a comercializar em Portugal mochilas com a marca EASTPAK a um preço bastante inferior ao preço normal do mercado e com grandes descontos. 33. Antes de dar entrada das referidas ações judiciais as Rés propuseram à Autora que esta com elas se coligasse, de forma a poder reclamar os prejuízos que tanto alegava sofrer mas a Autora recusou. 34. Nem mesmo perante a proposta da 1.ª Ré de que assumiria todas as despesas judiciais e com advogados, a Autora aceitou demandar as grandes superfícies em coligação com as Rés. 35. Sabe hoje a 1.ª Ré que, afinal, a Autora se recusou porque, afinal mantinha relações comerciais com a Sportzone que pertence à sociedade Modelo Continente Hipermercados, S.A. 36. Aliás, em 2013 a própria Autora, demonstrou interesse em comercializar a marca EASTPAK no Continente e no Jumbo mediante determinadas condições a negociar. 37. A 1.ª Ré, mantendo as suas reservas na venda dos produtos nas grandes superfícies, estabeleceu contactos comerciais. 38. A 1.ª Ré na sequência desses contactos forneceu à Autora o contacto direto do Diretor de Negócios da SONAE para que fosse agilizada uma reunião indo ao encontro do desejo manifestado pela Autora. 39. Acresce que a partir de 2006 a Autora deixou de investir em publicidade e propaganda. 40. A Autora não tinha obrigação de exclusividade. 41. Não tinha obrigação de aquisição de quantidades mínimas. 42. A conformação com as diretrizes fixadas pela 1.ª Ré sobre a promoção e distribuição dos produtos sempre foram flexíveis. 43. A Autora nunca prestou à 1.ª Ré qualquer informação relativa aos resultados da sua atividade e aos clientes angariados. 44. São produtos de coleção sazonal, cuja desvalorização anual é de 65% do respetivo valor. 45. O contrato deveria ser celebrado entre a V.F. Europe B.V.B.A. e AM, ou seja, sem a intervenção da Autora. 46. Em primeiro lugar, as relações entre a Autora e a Sportzone eram do conhecimento das Rés. * 47. Aquando do registo da marca 9BAG não existia qualquer desenho, fabrico ou comercialização de qualquer mochila relacionada com esse nome. * Proc. 945/14.0T2SNT-A: 48. Durante o ano de 2012 a conduta da Ré [A. MORAIS & GONÇALVES, Lda.] (agravou-se quanto aos atrasos no pagamento dos fornecimentos que adquiria à Autora [VF EUROPE B.V.B.A.]. 49. Sendo o prazo para o pagamento das faturas, em regra, de 90 dias após a respetiva emissão, o cumprimento por parte da Ré passou a ocorrer com atrasos superiores a 200 dias. 50. Os constantes atrasos no pagamento dos produtos, forçaram a Autora à constante negociação de planos prestacionais que a Ré também não cumpria. 51. Aliás, importa realçar que antes de dar entrada dessas ações a Autora e a JANSPORT APPAREL CORP, propuseram à Ré que esta com eles se coligasse, de forma a poder reclamar prejuízos, e que assumiriam todas as despesas judiciais e com advogados. 52. Tendo a Ré recusado tal proposta. 53. Invocando incapacidade para proceder à liquidação daquele valor a Ré submeteu à apreciação da Autora um plano de pagamento prestacional, dividindo o pagamento daquele valor em 5 prestações a realizar entre outubro de 2012 e janeiro de 2013. 54. Apesar do constrangimento financeiro que lhe causava a dilação do pagamento de uma quantia tão elevada, a Autora, uma vez mais, acabou por aceder ao pedido da Ré que acabou por cumprir o pagamento prestacional. 55. A Ré comunicou à Autora a sua indisponibilidade para o pagamento da totalidade das faturas de julho dentro do prazo, insistindo, contudo, na urgente necessidade em ter os produtos na sua posse dada a pressão de um cliente a quem iria revender. 56. A Autora, na sua boa-fé, confiando na urgência alegada pela Ré e com o intuito colaborante, através do seu departamento de crédito, propôs fasear o pagamento das faturas datadas de 11.07.2013, nos seguintes termos: em 16 de setembro - 159.030,82 €; em 14 de outubro - 159.030,82 € e em 18 de novembro - 159.030,82 €. 57. Ainda nesse dia ficou a Autora a saber que a Ré já vinha a preparar o encerramento da sua atividade, tendo a funcionária que lá se encontrava referido que “todos os trabalhadores se preparam para ir para o desemprego já em abril”. 58. Sendo previsível que a necessidade de manter os bens em armazém venha a perdurar até final do presente litígio e respetiva ação executiva, estima-se que o prejuízo da Autora com as despesas de armazenamento não venha a ser inferior a pelo menos 50.000,00 €. 1.ª questão – Da modificação da decisão da matéria de facto Antes de nos pronunciarmos sobre a impugnação da decisão da matéria de facto em apreço, importa que façamos algumas considerações prévias, tendo presente que, conforme previsto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, dispondo o art. 640.º do CPC sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto. É conhecida a divergência jurisprudencial que existiu a respeito da aplicação deste normativo e da sua conjugação com o disposto no n.º 1 do art. 639.º do CPC, atinente ao ónus de alegar e formular conclusões, vindo o STJ a firmar jurisprudência no sentido do “conteúdo minimalista” das conclusões da alegação, conforme espelhado no acórdão do STJ de 06-12-2016 - Revista n.º 2373/11.0TBFAR.E1.S1 - 1.ª Secção, sumário citado na compilação de acórdãos do STJ, “Ónus de Impugnação da Matéria de Facto, Jurisprudência do STJ”, disponível em www.stj.pt, bem como o acórdão do STJ de 01-10-2015, no processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt. Nesta linha, conclui-se resultar da conjugação do disposto nos artigos 635.º, 639.º e 640.º do CPC que, como emerge claramente do n.º 1 deste último artigo, o ónus principal a cargo do recorrente exige que, pelo menos, sejam indicados nas conclusões da alegação do recurso, com precisão, os concretos pontos de facto da sentença que são objeto de impugnação, sem o que não é possível ao tribunal de recurso sindicar eventuais erros no julgamento da matéria de facto. Já a alínea a) do n.º 2 do citado art. 640.º do CPC consagra um ónus secundário, cujo cumprimento, quanto aos invocados erros de julgamento das concretas questões de facto, não tendo de estar refletido nas conclusões da alegação recursória, deverá igualmente ser observado, sob pena de rejeição do recurso, na parte respetiva (veja-se, a título exemplificativo, o acórdão do STJ de 16-12-2020, no processo n.º 8640/18.5YIPRT.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt). Ademais, importa ter presente que, na decisão da matéria de facto, o Tribunal apenas pode considerar os factos essenciais que integram a causa de pedir (ou as exceções) alegados pelas partes, bem como os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, e os factos de que tem conhecimento por via do exercício das suas funções (art. 5.º do CPC), estando-lhe vedado, por força do princípio da limitação dos atos consagrado no art. 130.º do CPC, conhecer de matéria que, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, se mostra irrelevante para a decisão de mérito. São manifestações do princípio dispositivo e do princípio da economia processual que se impõem ao juiz da 1.ª instância aquando da seleção da matéria de facto provada/não provada na sentença, mas também na 2.ª instância, no tocante à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Assim, conforme referido no acórdão da Relação de Lisboa de 27-11-2018, proferido no proc. n.º 1660/14.0T8OER-E.L1, a jurisprudência dos Tribunais superiores vem reconhecendo que “a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, pelo que sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil – seja porque a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância já permite sustentar a interpretação do direito aplicável ao caso nos termos sustentados pelo recorrente, seja porque ainda que proceda a impugnação da matéria de facto, nos termos requeridos, a decisão da causa não deixará de ser a mesma – a reapreciação sobre matéria de facto não deve ter lugar, por constituir um ato absolutamente inútil, contrariando os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º, e 138.º do CPC).” Neste sentido, além dos acórdãos aí citados - acórdãos da Relação de Guimarães de 10-09-2015, no proc. 639/13.4TTBRG.G1, e 11-07-2017, no proc. n.º 5527/16.0T8GMR.G1, da Relação do Porto de 01-06-2017, no proc. n.º 35/16.1T8AMT-A.P1, e do STJ de 13-07-2017, no proc. 442/15.7T8PVZ.P1.S1) -, destacamos ainda os acórdãos (todos disponíveis em www.dgsi.pt, embora com omissão de algumas passagens): da Relação do Porto de 07-05-2012, no proc. n.º 2317/09.0TBVLG.P1: “É um acto manifestamente inútil analisar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se os factos impugnados não tiverem qualquer relevância para a decisão da causa.”; da Relação de Coimbra de 12-06- 2012, no proc. 4541/08.3TBLRA.C1, conforme resulta do ponto II do respetivo sumário: “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.”; do STJ de 17-05-2017, no proc. n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1: “III - O princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo. IV - Nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir”; da Relação de Lisboa de 24-09-2020, no proc. n.º 35708/19.8YIPRT.L1, em cujo coletivo também interveio a ora Relatora. Analisemos então os concretos pontos de factos impugnados. Pontos 18., 19. e 20. Na sentença foram considerados não provados os seguintes factos (acrescentámos a menção ao correspondente artigo da Petição Inicial): 18. Perante a contínua negação da Autora, procurando com subtileza remeter para a 1.ª Ré essa incumbência direta, por considerar contrária às garantias e à posição comercial praticada perante a rede de distribuidores por si criada, a 1.ª Ré não desistiu e promoveu a aproximação do Modelo/Continente junto da Autora para comercialização de uma encomenda que o Modelo/Continente pretendia de produtos Eastpak, contrariando as condições até então sempre impostas pela VF Europa em matéria de comercialização dos produtos Eastpak. – cf. art. 132.º da PI. 19. E como resultado da resistência da Autora, a VF Europa veio a conceder condições de comercialização, nunca antes vistas ou conhecidas pela Autora, nomeadamente, as que vieram a ser concedidas à Autora pelo seu Responsável/Diretor Geral (SN) através das quais a VF Europa assumia, (afinal) todo o risco do crédito e pagamento da encomenda pela Trading. – cf. art. 133.º da PI 20. Tal política visava a valorização imediata da Eastpak e da V.F. Europa em prejuízo de médio prazo, uma vez que o objetivo do Presidente/CEO da V.F. Europa era a venda (imediata) da empresa, ludibriando, e derrubando o estabelecido com a Autora e com os revendedores Eastpak nacionais, pouco importando o amanhã, o seu desastre no mercado e menos ainda um distribuidor português, quando em causa estão os números alcançados pela Eastpak em volume de vendas, com a venda dos produtos nos hipermercados nacionais. – art. 137.º da PI Resulta da motivação da sentença que tais factos foram considerados não provados, por falta de prova, afirmando-se designadamente que: “Por fim, é de referir que a restante decisão do Tribunal sobre a matéria de facto considerada como não provada se deveu essencialmente à completa ausência de prova sobre os factos em questão, quer a nível testemunhal, documental ou de qualquer outra sede.” A Autora / Apelante defende, em síntese, que a sentença está errada ao considerar não provado o facto vertido no ponto 18., existindo mesmo uma contradição com os factos considerados provados nas alíneas FFFF., GGGG., HHHH., IIII. e LLLL. Defende ainda que os factos descritos nos pontos 18., 19. e 20. devem ser considerados provados, tendo em conta: - A prova documental, mais concretamente o documento 4-A (junto com o Requerimento de 30-10- 2017, ref. Citius 27194343), que diz ser uma etiquetagem feita pela 1.ª Ré (e não pelas “cadeias de supermercados”, por ser facto notório que estas não colocam esse tipo de etiquetas), em Língua Portuguesa, com a sua própria denominação, de harmonia com o disposto no art. 15.º do Regulamento (UE) n.º 1007/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de setembro de 2011; - O depoimento da testemunha SN, do qual, no entender da Autora, resulta que a 1.ª Ré VF: (i) promoveu a aproximação do Modelo/Continente junto da Autora para comercialização de produtos Eastpak, contrariando as condições até então sempre impostas pela VF Europa aos seus distribuidores locais em matéria de comercialização dos produtos Eastpak; (ii) aplicava técnicas de escoamento de produtos Eastpak para artificialmente aumentar o valor das vendas, para tanto utilizando um Trader; (iii) tinha como política elevar os seus lucros a todo o custo, ainda que tal implicasse prejudicar os seus distribuidores oficiais e o incumprir os Contratos com estes celebrados; - As declarações de parte do legal representante da Ré VF, PM, afirmando a Autora resultar das mesmas que: (i) a 1.ª Ré VF promoveu a aproximação do Modelo/Continente à Autora; (ii) a VF Germany Services GmbH, distribuidora oficial na Alemanha e subsidiária do Grupo VF, vende produtos Eastpak a cadeias de distribuição. Por sua vez, as Rés / Apeladas discordam, argumentando, em síntese, que: - Abundam nos autos documentos que atestam que a 1.ª Ré não forneceu os Hipermercados, tendo estes identificados as empresas em questão, as quais não têm qualquer relação com a 1.ª Ré (ofícios recebidos do Intermarché com data de 14-03-2019, do grupo SONAE (Continente) em 15-03-2019, do grupo Auchan (Jumbo) em 06-09-2019 e até da sociedade Kstationery, Lda. de 30-10-2019); - O documento invocado pela Autora – rótulo de uma mochila – não demonstra que foi a 1.ª Ré (i) quem produziu esse rótulo, (ii) quem fabricou a mochila, (iii) quem a importou da China para a União Europeia e (iv) quem a vendeu ao hipermercado em questão, apenas convocando a problemática das vendas paralelas e contra a qual valem as regras europeias relativas à livre circulação e comercialização de bens, bem como o princípio do esgotamento dos direitos de propriedade industrial (art. 253.º, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial), factos bem conhecidos pela Autora que já desde 2003 os abordava perante a Ré, conforme documento n.º 10 da Contestação; - Não houve qualquer prova que demonstre a violação pela 1.ª Ré de obrigações contratuais, tendo ao invés sido produzida prova em contrário (destacando os depoimentos do legal representante da Autora, AMP, e da 1.ª Ré, PM, e os depoimentos das testemunhas MF, GG e GS), isto é, no sentido de as Rés não terem qualquer ligação ou intervenção no fornecimento dos Hipermercados em Portugal. Apreciando. No tocante à invocada contradição, começamos por relembrar terem sido considerados provados os seguintes factos (acrescentámos menção ao correspondente artigo da Petição Inicial): FFFF. E foi debaixo das sucessivas reclamações que a Autora fez à 1.ª Ré sobre o número crescente de vendas nos hipermercados que contrariava todas as garantias e política comercial transmitida à rede de revendedores Eastpak, que esta lhe veio a propor a venda ao Modelo/Continente de produtos, através de uma outra sociedade ou entidade, que camuflasse a sua identidade como distribuidora de produtos Eastpak. – cf. art. 128.º da PI GGGG. A reação da Autora foi negativa, apesar de receosa quanto à reação da 1.ª Ré em face das múltiplas pressões desta, através do seu responsável comercial, que sugeria a comercialização para o Modelo/Continente, primeiro, através de Espanha e depois através de uma Trading em Portugal, que escoava para aquele hipermercado. – cf. art. 129.º da PI HHHH. Na sequência de troca de emails a 1.ª Ré através do seu Diretor pretendia que fosse “arranjada” uma intermediária para vender produtos à SONAE. – cf. art. 130.º da PI IIII. Tendo a 1.ª Ré fornecido, inclusivamente à Autora, o contacto do Diretor de Unidade de Negócio da SONAE para que este indicasse o canal alternativo para o fornecimento dos produtos (através de uma Trading). – cf. art. 131.º da PI LLLL. É uma prática da 1.ª Ré para promover o volume de vendas na Europa, procurando através da venda às Trading internacionais escoar grandes quantidades de produtos de Países como a Itália, a Alemanha, e a Grã-Bretanha (por exemplo) com o objetivo de procurar aumentar o volume de vendas – através do seguimento dos produtos Eastpak para países terceiros, como Portugal, onde a presença dos Hipermercados garantia aquele escoamento e volume das vendas, casos em que a rede autorizada Eastpak do comércio tradicional e o seu distribuidor local, pouco ou nada podem fazer (contra esta venda dissimulada, e para além fronteiras da V.F Europa). – cf. art. 136.º da PI Atentando em toda a factualidade ora descrita, é fácil concluir que os factos estão relacionados, sendo também evidente que os pontos 18. e 19. não estão relacionados com o ponto 17., que o antecede (o qual corresponde ao art. 60.º da PI), nem, aliás, com o ponto 20., não tendo o elenco dos factos provados e não provados sido elaborado com a devida ordem lógica e cronológica, como teria sido mais adequado. Na verdade, o ponto 18. versa sobre matéria de facto alegada no art. 132.º da Petição Inicial, o qual é antecedido do art. 131.º cujo teor veio a ficar vertido precisamente na alínea IIII. [Tendo a 1.ª Ré fornecido, inclusivamente à Autora, o contacto do Diretor de Unidade de Negócio da SONAE para que este indicasse o canal alternativo para o fornecimento dos produtos (através de uma Trading)], conforme resulta do documento 1881 junto com a Petição Inicial (melhor dizendo, com o requerimento de 13-01-2014, Ref.ª Citius 15574984). Apesar disso, não nos parece que se verifique a invocada contradição, já que no ponto 18. se alude a uma tentativa de aproximação, por iniciativa da 1.ª Ré, entre o “Modelo / Continente” e a própria Autora, enquanto a alínea FFFF. se reporta à possibilidade de negociação entre o “Modelo / Continente” e uma intermediária, uma sociedade de Trading em Portugal. Mais nos parece que os pontos 18. a 20. em apreço se reportam a factos a latere, que não se revestem de relevância substantiva, no contexto da presente ação (em rigor, ações, face à apensação que foi determinada). Em particular, não se alcança como possa consubstanciar uma suposta violação contratual por parte da 1.ª Ré o facto de (alegadamente) ter promovido a aproximação junto da Autora por parte da sociedade dona dos Hipermercados “Modelo/Continente” tendo em vista a (mera) possibilidade de fornecimento de uma encomenda que esta última empresa pretendia de produtos Eastpak, facultando assim àquela a comercialização destes produtos junto de um novo cliente; ou que a 1.ª Ré tenha proposto à Autora a concessão de condições para esta, querendo, fornecer os produtos Eastpak a uma sociedade de trading, que seria intermediária, no fornecimento à “Modelo / Continente”, sendo (alegadamente) o risco do crédito / pagamento da encomenda assumido pela 1.ª Ré. No fundo, trata-se de uma proposta de desenvolvimento do modelo de negócio, pelo que o suposto objetivo do Presidente/CEO da VF referido em 20. acaba por ser indiferente, já que estava nas mãos da Autora aceitar ou não o negócio, como não aceitou, porventura por considerar que os impactos no mercado nacional não seriam positivos. Nem se vê que interesse possa ter o suposto objetivo visado com uma nova orientação da “política da empresa”, pois tal modelo alternativo de negócio não chegou a ser viabilizado pela Autora, pelos vistos por o considerar nefasto. De qualquer maneira, para que dúvidas não restem, admitindo como plausível que tais factos possam ser vistos como indicadores de que, a dado passo, a vontade da 1.ª Ré possa ter sido a de alterar o “modelo de negócio”, com reflexos na economia do contrato que vigorou entre as partes, não deixaremos de tomar posição a este respeito, desde já adiantando que, contrariamente ao que a Autora-Apelante defende, os meios de prova que indica não nos levam a considerar que se tenham verificados tais factos, mormente que tivesse existido uma nova linha de orientação da estratégia comercial da VF Europa, no sentido da promoção das vendas em Hipermercados, muito menos com o aludido propósito. O documento 4-A invocado pela Autora consiste, na verdade, em dois documentos distintos: por um lado, uma etiqueta com dizeres em língua inglesa (“Buit to resist” e “Authentic Collection”) e também em língua portuguesa, designadamente “Mochila Eastpak Rosa / Lar”, “Fabricado na China” e, na lateral, “VF Europe”; por outro lado, uma fatura do “Continente Cascais”, datada de 25-08-2009, relativa à venda de nove mochilas Eastpak (duas das quais com o que parece ser o n.º de código do artigo, igual ao n.º que consta da dita etiqueta) e o desconto de 20%, pelo preço unitário de 29,99 €. Porém, o certo é que se desconhece a autoria do primeiro documento, não estando demonstrado que tenha sido a 1.ª Ré a proceder a tal etiquetagem, apenas porque aí consta a indicação “VF Europe” ou porque a lei prevê que o distribuidor proceda à mesma, tanto mais sabendo-se que as Rés desenvolveram várias diligências nos tribunais portugueses, com o objetivo, precisamente, de apurar a origem de produtos da marca EASTPAK vendidos pelos Hipermercados portugueses e eventual contrafação desses produtos. Por outro lado, é descabido ver nos referidos documentos a prova de que tenha sido a 1.ª Ré a fornecer diretamente ao aludido Hipermercado o produto em causa, já que nada impede que não tenha sido outra empresa a fazê-lo, considerando o problema das falsificações/contrafação, mas também, mais significativo ainda, o fenómeno das vendas/importações paralelas, realidades que, face à prova produzida, em que avultam precisamente as declarações do referido legal representante da 1.ª Ré, constituem a explicação mais plausível para a venda da mochila a que se refere a aludida etiqueta. Aliás, a motivação da sentença refere-se a este circunstancialismo de facto em moldes que acompanhamos inteiramente, citando-se a respetiva passagem, por ser particularmente elucidativa: «De reter igualmente que resultou evidente, em audiência de julgamento, que a dado momento temporal a Autora viu-se a braços com a concorrência por parte das grandes superfícies, nomeadamente os hipermercados identificados nos autos, os quais vendiam os produtos de marca Eastpack a preços muito inferiores àqueles que eram recomendados pela Autora aos lojistas que adquiriam os seus produtos. E tais produtos vendidos pelos supermercados, de acordo com a documentação junta aos autos conjugada pelos depoimentos de todas as testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, não correspondia na sua grande maioria, a mercadoria contrafeita mas sim a produtos originais Eastpack o que permite a este Tribunal concluir que o fornecedor inicial (sem prejuízo de outros elementos da cadeia) dos mesmos seria a Ré VF. É que, para que diversos supermercados consigam vender quantidades consideráveis de material Eastpack, em momentos chave tais como o regresso às aulas, por diversos anos consecutivos, a preços tão baixos, é necessário que exista uma cadeia de fornecimento constante e minimamente sólido que forneça tais bens. E tal não se coaduna com um caso isolado, ou com casos de contrafacção que empresas como o Modelo Continente ou o Grupo Auchan não costumam, como é do conhecimento público, compactuar. Não se conseguiu nos autos identificar toda a cadeia de fornecimento desses bens às grandes superfícies mas, assumindo esta premissa é-nos possível concluir que os mesmos são fornecidos por empresas de “Trading”, sedeadas em países que não Portugal, e que as mesmas, directa ou indirectamente, adquiriram esses bens à Ré VF. O recurso às presunções judiciais não está excluído da prova em processo civil, tal como exposto no art. 350.º e 351.º do Código Civil sendo que, e como tal, o Tribunal considerou como provado o facto referente ao fornecimento indirecto, pela Ré VF dos materiais e marca Eastpack às grandes superfícies. Porém, questão diferente é a demonstração dos factos referentes ao conhecimento ou intenção da Ré VF no que a essa matéria diz respeito. É que o Tribunal não pode ser alheio à prova documental junta aos autos e referente à decisão proferida no âmbito de um procedimento cautelar intentado pela Ré VF contra uma grande superfície, e na qual peticionou ao Tribunal que impedisse esta de vender produtos de marca Eastpack, e fê-lo incidir sobretudo sobre produtos genuínos e só apenas em modo secundário, sobre produtos eventualmente contrafeitos. Ou seja, do que se retira deste elemento de prova é que a Ré VF procurou agir judicialmente contra uma empresa que é titular de uma grande superfície, com vista a combater as vendas paralelas (enquanto vendas efectuadas por um distribuidor não exclusivo, como é o caso da Autora), e não apenas combater a contrafacção e tal não se coaduna com uma intenção dolosa por parte da Ré VF no sentido de, através das vendas paralelas, infringir a exclusividade que, verbalmente ou de modo tácito, tinha atribuído à aqui Autora. Somos a crer, pela prova produzida em audiência e já mencionada supra, que a Ré VF vende produtos seus a terceiros com sede em países que não em Portugal, mas que não os controla da mesma forma que não controla as vendas que essas empresas de “Trading” fazem na Europa, nomeadamente às grandes superfícies pois, se assim fosse, não seria de todo possível explicar qual a razão de ser de procedimentos judiciais como o mencionado supra. E não somos a crer que tal procedimento cautelar tenha resultado de um esquema montado pelas Rés no sentido de demonstrar que, ao contrário das acusações que lhe eram imputadas pela Autora, agia e combatia, afinal, as vendas paralelas dos produtos de marca Eastpack. É que tal tese roça a teoria da conspiração a qual não é admissível nos autos, em que as Rés para além de venderem a hipermercados e os acionar por essas mesmas vendas por si efectuadas, teriam de obter a tolerância destes a um processo judicial contra estes intentado, sem que estes reclamassem no dito processo, correndo o risco de serem condenada numa avultada indemnização por danos de imagem ou por litigância de má fé. (…) Reitere-se que a prova nos autos das diligências processuais tomadas pelas Rés contra as vendas paralelas não permite a este Tribunal, com a segurança que as decisões em processo civil merecem, considerar como provado que a Ré em questão tem um plano de venda paralela enquanto autora do mesmo ou, pelo menos, enquanto co-autora deste, pois tal consideração resultaria num contrassenso. Ou, por outras palavras, considerar tal tese seria o mesmo que assumir que as Rés intentariam acções judiciais contra empresas às quais tinham vendido legitimamente certos bens para obstar a que estas os comercializassem, sem temer represálias comerciais ou judiciais contra si mesmo.» Ouvidas na íntegra as declarações do legal representante da 1.ª Ré VF, PM (prestadas na sessão de 20-01-2020), que a própria Autora invoca, é de realçar que, contrariamente ao que esta refere ou sugere, aquele afirmou que nenhuma empresa ligada ao grupo VF vendeu produtos Eastpak a um hipermercado português (Continente ou Jumbo); justificou a existência de tais mercadorias à venda em Hipermercados com uma das implicações do princípio da livre circulação de mercadorias na União Europeia, face à atividade de “empresas de trading” (não identificadas) que compram produtos a empresas que vão à falência ou com stocks antigos, colocando-os depois no chamado mercado paralelo, designadamente dos Hipermercados; acrescentou que a VF sempre pretendeu evitar essa situação, em prol da imagem da marca, em Portugal e nos demais países da UE, tendo nesse contexto e com esse propósito diligenciado, incluindo por vias judiciais, pela defesa da marca, fazendo o que estava ao seu alcance para contrariar ou mitigar o fenómeno das importações paralelas; disse, é verdade, que a VF Germany, distribuidora oficial na Alemanha do Grupo VF, vende produtos Eastpak a cadeias europeias (o que nos pareceu ser uma alusão a centrais de compras), mas acrescentou não ser de todo possível, após a realização dessas vendas, acompanhar o ulterior destino das mercadorias até ao consumidor final; mais afirmou, de forma categórica e que nos mereceu inteira credibilidade, ter sido a Autora quem manifestou interesse e insistiu no sentido de lhe ser facultado vender (diretamente) os produtos ao “Continente”; vindo a 1.ª Ré a obter informação junto de advogados sobre as implicações legais a esse respeito, apurando que daí resultaria que não pudesse ser recusada a venda a outro hipermercado (concretamente ao Jumbo, dando a entender que se tratava de averiguar do respeito por normas do Direito da Concorrência), pelo que foram equacionadas possibilidades alternativas de fornecimento, designadamente através da Sport Zone, que já era cliente da Autora, tanto mais que o Continente parecia estar disposto a colaborar na promoção da imagem da marca, designadamente com um espaço dedicado à mesma; PM rejeitou terminantemente que fosse política da VF a estratégia comercial de venda massificada dos artigos em Hipermercados, referindo inclusivamente que, na sua perspetiva e da empresa, embora pudesse levar ao aumento de vendas durante 2 anos, acabaria por se vir a revelar prejudicial; insistiu que tudo foi feito para ajudar a Autora a superar os problemas resultantes da existência de contrafação e importações paralelas e as dificuldades em proceder ao pagamento pontual das faturas. Assim, de modo algum as passagens citadas pela Autora / Apelante têm o alcance que esta pretende, antes confirmam, devidamente enquadradas, que a VF não promoveu a comercialização das mochilas em Hipermercados, que não considerava ser uma boa estratégia comercial, tendo apenas admitido essa possibilidade perante o interesse manifestado pela Autora, tanto assim que à pergunta do Sr. Juiz sobre se, sendo a política da empresa não vender a supermercados, por que motivo é que em 2013 ponderaram alterar a mesma, nomeadamente vendendo-os através da empresa A. Morais e Gonçalves Lda., PM respondeu ter sido a Autora que insistia no sentido de poder vender estes produtos nos Hipermercados Continente; indagando o Sr. Juiz se a Autora queria aceder ao mercado do Continente, PM respondeu afirmativamente e descreveu, de forma bem esclarecedora, uma reunião mantida com advogados do Continente, onde também esteve presente um funcionário do Continente, cujo nome indicou como sendo (se bem percebemos, pois não foi fácil perceber o sotaque do depoente) “JM”, na qual, depois de alcançarem o acordo sobre o problema das falsificações (que havia motivado a reunião), este último funcionário “que era o responsável pelo departamento de vendas do Continente”, mostrou interesse no fornecimento de produtos Eastpak; referiu o depoente que, em face da solicitação por parte deste funcionário, cujo cartão de visita recebeu na altura, na VF não contrataram diretamente com o Continente, antes sempre disseram para contatar o Sr. Morais. Esta descrição é consentânea com o que resulta dos documentos 1881 (fls. 4804) e 1882 (fls. 4805-4806) juntos pela Autora com a Petição Inicial (melhor dizendo, com o requerimento de 13-01-2014, Ref.ª Citius 15574984): o primeiro trata-se de email enviado a 28-02-2013 pela VF (do endereço “…@....com”) para GM, contendo o “business card” de JM, Diretor de Unidade de Negócio da Sonae; o segundo é a cópia de dois emails posteriores: um enviado em 06-03-2013, com a resposta de GM, em que esta diz que, apesar dos esforços, não tinham recebido resposta do Sr. JM, pelo que solicitava ao SN que o contactasse no sentido de agendar uma reunião entre este último, a Sonae e a Autora; e o outro, enviado na mesma data, em que o Sr. SN responde que irá então contactar o Sr. José Marçal. Ora, devidamente contextualizados estes documentos, parece-nos que se impõe uma visão dos acontecimentos completamente diferente da que a Autora faz, não se podendo ver nos mesmos, em especial, no primeiro, uma iniciativa por parte da VF promover vendas em Hipermercados Modelo / Continente, mas a mera reação a solicitações com que foi sendo confrontada, em especial por parte da Autora. Do mesmo modo as declarações da testemunha SN, ouvidas na íntegra, não nos convencem quanto à verificação dos factos em apreço. Relatou que a dada altura surgiu um pedido de fornecimento por parte da “Continente”, que já comprava produtos (e tinha interesse em continuar a fazê-lo) no mercado paralelo, mas pretendia que o fornecimento fosse feito diretamente pelo canal “oficial”; segundo a testemunha, embora a política da VF fosse no sentido da rejeição da venda em Hipermercados, a realidade era que essas vendas existiam, tanto no Continente como no Jumbo, tendo inclusivamente, face aos baixos preços praticados pelos mesmos, sido intentado um processo em tribunal, em 2009/2010, no sentido de apurar se estavam em causa fornecimentos de produtos provenientes do “mercado paralelo” ou mesmo contrafeitos, concluindo-se que os produtos vendidos nos estabelecimentos dessas empresas haviam sido adquiridos em compras no “mercado paralelo” da União Europeia; foi apenas face àquela solicitação por parte do Continente que a VF equacionou a possibilidade de autorizar -excecionalmente - a Autora a fazer esse fornecimento, o qual, “aparentemente”, não se concretizou, porque os valores de revenda seriam tão baixos que a Autora não tinha interesse em aceitar o negócio, além de que seria abrir um precedente, que se podia vir a revelar negativo; a testemunha disse ainda que cessou a sua relação laboral com a VF por não partilhar da visão estratégica do Sr. MF para a VF, mas nada indicou no sentido de o Presidente/CEO da VF Europa pretender a venda (imediata) da empresa e, para isso, aumentar as vendas através da comercialização dos produtos em Hipermercados. De tudo o que a testemunha disse ficou claro que não existiram quaisquer vendas da VF a Hipermercados nacionais ou pressões da VF para que a Autora fornecesse os mesmos, e que a razão pela qual o relacionamento da VF com a Autora se começou a deteriorar foi a falta de pagamento pontual pela Autora das mercadorias fornecidas, situação que coincidiu com a crise económica de 2012-2013, pois a Autora não estava a conseguir escoar os produtos. Parece-nos evidente que se, em algum momento, tivesse sido intenção da VF promover a venda ou vender a Hipermercados nacionais certamente teria sido possível nos presentes autos, face às muitas diligências que foram desenvolvidas, obter indicadores claros nesse sentido, mormente junto das empresas que exploram esses Hipermercados, as quais foram contactadas para prestarem informação a esse respeito (com vários ofícios efetuados para o efeito). Ora, o certo é que as informações obtidas indicam que o fornecimento tinha proveniência diversa, não existindo nenhuma ligação direta ou indireta com a VF, antes pelo contrário, como resulta das informações juntas aos autos, designadamente: - a 30-05-2017, da qual consta que “a empresa Unilever Jerónimo Martins não comercializa, nem nunca comercializou os produtos Eastpaks referidos”; - a 08-06-2017, 03-11-2017 e 28-06-2018, por parte da “Jumbo Auchan Portugal Hipermercados”, indicando que os produtos Eastpak são vendidos em Portugal desde 2009 nos estabelecimentos com as insígnias Jumbo e Pão de Açúcar, sendo fornecedores “Pelham Sport SL”, “Coba GMBH”, “Úvea, Lda.”, “Kstationery – Design e Pr.”, “Sport Bossi Bl”; - a 24-04-2019, em que a Auchan Retail Portugal, S.A. refere desconhecer “a existência de produtos Eastpak Portugal”, e a 06-09-2019, em que aquela, por referência à listagem enviada, indica como fornecedores de produtos EastPak, a “Pelham Sport SL”, a “Coba GMBH”, a “Úvea Lda”, a “Kstationery Design e Pr”, e a “Sport Boss BL”; - em 21-06-2018, 15-03-2019 e 16-09-2019, por parte do Grupo “Os Mosqueteiros Serviços Jurídicos”, da qual consta que a ITPM Alimentar, S.A., que é uma das sociedades de aprovisionamento das lojas que operam sob a insígnia «Intermarché», “Vendeu produtos Eastpak em Portugal no ano de 2013 a 34 lojas «Intermarché»” e “Adquiriu os produtos em causa ao fornecedor Kstationery – Design e Produção Gráfica, Lda.”, vindo inclusivamente a juntar o denominado “acordo de parceria comercial” celebrado entre a ITMP Alimentar, S.A. e o fornecedor “K-Stationary”; - a 31-10-2019, em que “Kstationery Design e Produção Gráfica, Lda.” remeteu fatura da compra de produtos Eastpak (fornecidos à ITPM Alimentar) emitida por “Kool Sport Material SL” (sociedade com sede em Madrid); - a 15-03-2019 e também a 04-09-2019 (face às solicitações primeiramente dirigidas à “Sonae”, e depois ao “Modelo Continente Hipermercados, S.A.” e “Continente Hipermercados, S.A.”), em que consta que a VF Europe não é fornecedor da “Modelo Continente” e “da Continente Hipermercados, SA”, nem o foi entre 2008 e 2013, sendo atualmente fornecedor da Note, mas apenas desde 2018. O próprio legal representante da Autora, AMP, no depoimento e declarações que prestou (na sessão de 27-11-2019, que ouvimos na íntegra) não chegou verdadeiramente a imputar às Rés a responsabilidade pelas vendas das mochilas nos Hipermercados; disse que, na sua perspetiva, sempre afirmada por emails e nos meetings, o “paralelo” (com a venda das mochilas nos Hipermercados) prejudicava a marca Eastpak, sobretudo a partir da altura (que situou em 2008) em que as mochilas começaram a ser vendidas nas lojas do Continente; considerava que a solução do problema (que estava a afetar as vendas da sua empresa) podia passar por lhe darem (isto é a VF lhe dar) a possibilidade de ser ele (isto é, a Autora) a vender diretamente aos Hipermercados, controlando esse mercado, tendo sido esse o seu objetivo, com a carta enviada, em 11-10-2013, à Ré VF (referida em RRRR.), ou seja, levar a VF a inverter a sua “política” a respeito das vendas em Hipermercados, abrindo-lhe esse mercado; disse que chegou a ser sondado pela VF sobre a possibilidade de um concreto fornecimento ao Continente, mas considerou que o negócio não era interessante face às margens de lucro muito baixas; mais afirmou que num meeting (em data que não recorda) um dos funcionários da VF (que “lá estava”, mas “já não está” e cujo nome desconhece) lhe disse que empresas do grupo VF na Alemanha vendiam produtos Eastpak “para outros países” (depreendemos que não se estava a referir aos distribuidores oficiais dos mesmos, pois isso nada teria de anómalo), que assim chegavam a Portugal; disse que, na altura, acreditou nisso porque havia mochilas à venda nos Hipermercados em Portugal; porém, além de não nos merecer credibilidade esta afirmação, pela forma vaga como foi feita, o certo é que o próprio legal representante da Autora já nem acreditava na veracidade da informação que disse ter-lhe sido assim prestada; em momento algum das suas declarações afirmou ou deu a entender, de forma convicta, serem as próprias Rés que vendiam as mochilas ao Continente, antes pelo contrário, disse que existia um “trader” que fornecia esta empresa. A testemunha GG, filha do legal representante da Autora e que também trabalhava nesta empresa, referiu, no seu depoimento (igualmente ouvido na íntegra, prestado na sessão de 29-11-2019), que a VF chegou a sugerir-lhes que vendessem produtos a uma “trader” para esta fornecer aos Hipermercados, o que não foi aceite pela Autora, a qual, na pessoa do seu pai, propôs, ao invés, vender diretamente aos Hipermercados, na lógica de “se não podes vencê-los, junta-te a eles”; confrontada com os documentos de fls. 4804 a 4806 (emails acima referidos), reconheceu terem recebido um email da VF, com um cartão de funcionário da Sonae; mas não foi capaz de explicar de forma cabal e convincente o propósito do envio desse cartão, rejeitando que fosse para a Autora tomar a iniciativa de contactar o Continente no sentido de passar a vender diretamente aos Hipermercados, insistindo que, do que se recordava, existiria uma trader “pelo meio”; explicou que o motivo do envio da carta pela qual “suspenderam a relação comercial” com a VF (continuando, todavia, a Autora a vender os produtos que tinham em stock) era a situação difícil em que a Autora se encontrava em virtude da concorrência dos Hipermercados; acrescentou que diversos clientes (da Autora) diziam que eram abordados por empresas de fornecedores de outros países, designadamente da Espanha; aludiu, mas de forma pouco credível, a “fontes” (que não soube identificar) que deram a informação ao seu pai, num meeting (em ocasião e lugar que não soube precisar), de que havia uma empresa alemã que estava a comprar à VF e a fornecer os Hipermercados. Ora, como é evidente, uma informação desta relevância, não deixaria de ser devidamente anotada e “explorada” por parte do legal representante da Autora e da sua filha, não fazendo sentido que nem sequer tivesse sido registada a identidade do dito “informador”; note-se que não foi dito por aqueles que não podiam revelar a identidade daquela fonte, mas apenas que não sabiam de quem se tratava. A testemunha MF (no seu depoimento prestado na sessão de 27-05-2020 e que foi também ouvido na íntegra) afirmou que a acusação feita pela Autora na carta pela qual pretendeu cessar as relações com a VF é descabida, pois sempre foi sua preocupação (da VF e da testemunha em particular) combater o fenómeno das vendas paralelas aos Hipermercados, apesar de não ser propriamente ilegal, bem como a contrafação, sendo o propósito da VF oferecer um produto diferenciado, num segmento de mercado distinto e contrariando a sazonalidade (caraterística das vendas nos Hipermercados, que adquirem produtos destinados à escola). Finalmente, a testemunha GS (cujo depoimento, prestado na sessão de 05-03-2020, também foi ouvido na íntegra), responsável de vendas da VF para a Europa do Sul, assegurou, de forma convicta, que nunca venderam a empresas portuguesas, nem a “vendedores paralelos” (incluindo as empresas indicadas nas informações acima referidas, cujas denominações lhe foram referidas no decurso da inquirição), sendo preocupação da VF contrariar esse fenómeno e fomentar as vendas em lojas (e não nos Hipermercados). Tudo ponderado, não nos é de todo possível formar uma convicção segura a respeito da verificação dos factos em apreço, pelo que improcedem as conclusões da alegação de recurso a este respeito, mantendo-se inalterada a decisão da matéria de facto que os considerou não provados. Alíneas WWW. e XXX. Na sentença foram considerados provados os seguintes factos: WWW. Sendo que, a comercialização em Portugal pela Autora de produtos iguais ou similares aos produzidos pelas Rés, bem como o exercício de atividades concorrentes com referência àqueles produtos não eram permitidas pelas Rés. XXX. À Autora estava, desta forma, vedada a possibilidade de comercializar em Portugal produtos de empresas concorrentes das Rés. A motivação da sentença a respeito destes factos apenas foi feita em moldes genéricos, referindo-se designadamente que “O Tribunal teve em consideração, para a prova da matéria de facto mencionada supra, a prova globalmente produzida e analisada em audiência de julgamento, a saber, não apenas a prova documental junta aos autos como também o teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas naquela sede e as declarações de parte e depoimentos de parte efectuados pelos legais representantes de cada uma das partes aqui em litígio.” E acrescentou-se, quanto à caraterização da relação entre Autora e 1.ª Ré que “(…) pelo depoimento de parte do legal representante da Autora, devidamente comprovado pelas testemunhas por esta arroladas, foi possível ao Tribunal extrair qual a génese da sua ligação para com a marca Eastpack, desde os seus primórdios, assim como quais as actividades que foram desenvolvidas pela Autora no sentido de promover a marca em questão no território nacional, desde os eventos desportivos até às actividades conjuntas com os lojistas que constituíam o seu alvo, festivais e eventos culturais e desportivos, revistas, jornais, séries televisivas de elevada popularidade junto do público jovem, entre muitos outros, não restando quaisquer dúvidas quanto ao mérito que a Autora teve no lançamento e promoção da marca Eastpack em Portugal, em moldes quase exclusivos. Por outro lado, a extensa documentação junta aos autos confirma, sem margem de dúvida, qual o esforço realizado pela Autora nesse sentido, desde capas de revistas artigos sobre festivais, eventos desportivos, entre muitíssimos outros, assim como o depoimento das testemunhas AA, EG, JV e FR. Dúvidas também não existem quanto ao facto de o contrato celebrado entre a Autora e a Ré VF, puramente verbal, conter termos e condições quanto à exclusividade da Autora enquanto distribuidora dos produtos de marca Eastpack, assim como condições quanto aos valores a auferir pela Autora, a título de desconto comercial pelas aquisições que efectuava, com objectivos de compra e de vendas, valores a atribuir à publicidade, público alvo assim como outras directrizes impostas pela Ré VF no âmbito das reuniões anuais que efectuavam a nível internacional, como também a nível da supervisão dos resultados por parte da testemunha SN, a qual à data trabalhava para a Ré VF. E, na realidade, tais condições contratuais resultaram demonstradas e confirmadas também pelo legal representante da Ré VF, a saber, PM, o qual reconheceu, de modo inequívoco, a existência de uma “exclusividade de facto” no que respeita à distribuição pela Autora dos seus produtos de marca Eastpack. Tais declarações aliadas aos restantes testemunhos efectuados em audiência de julgamento, quer pelas testemunhas já mencionadas supra, quer pelas testemunhas arroladas pela Ré VF, nomeadamente MF, GS, entre outros, os quais confirmaram que a Autora foi, sem qualquer margem de dúvida, o único distribuidor em Portugal dos produtos de marca Eastpack, situação ainda confirmada pelo pedido de autorização que a Ré VF, a dada altura, solicitou ao artista Raff Simons para publicitar as mochilas personalizadas da marca Eastpack, autorização que deveria ser pedida junto da Autora, e cuja documentação se encontra junta aos autos. Aliás, nenhuma testemunha ou outro elemento de prova documental, ou de qualquer outra natureza surgiu nos autos a desmentir esta narrativa aliada à promoção da marca pela Autora e por fim, às condições contratuais que regiam as relações entre ambas as partes. De salientar ainda que, resultou claro e inequívoco, de todas as testemunhas inquiridas, partes cujas declarações foram tomadas e documentação junta aos autos, que a Autora não devia fornecer as mercadorias em questão a hipermercados uma vez que tal iria, de acordo com a política da marca, desvalorizar a mesma.” A Autora / Apelante defende que os factos vertidos nestas alíneas deveriam ter sido dados como não provados, considerando o depoimento de MF, General Manager da 1.ª Ré, o qual, segundo a Autora, quando questionado acerca das obrigações desta para com a 1.ª Ré ao abrigo do Contrato, respondeu que a Autora só tinha a obrigação de pagar as faturas e nada mais, acrescentando, ainda, que uma das razões para a 1.ª Ré querer reduzir a escrito e alterar o Contrato de distribuição era precisamente a circunstância de o atual Contrato não prever quaisquer obrigações para a Autora (portanto, obrigações de não concorrência ou de não comercialização de produtos iguais ou similares aos produtos Eastpak) além do pagamento dos produtos Eastpak. As Rés discordam, sustentando, em suma, que: - Quanto à inexistência de obrigação da Autora de não concorrência ou de não comercialização de produtos iguais ou similares aos produtos Eastpak, a invocação deste argumentário é um renovado corolário da conduta processual da Autora nos autos, tendo sido esta quem alegou, no art. 119.º da Petição Inicial, que estava sujeita ao dever de não concorrência, sendo, pois, “ousado” que, em sede de recurso, pretenda alterar tais factos, visando evitar consequências negativas pelo facto de ter concorrido (ou contribuído) para a prática de atos diretos de concorrência com a venda das mochilas Eastpak, aquando da constituição e desenrolar da atividade da sociedade Pedestal Mágico, conforme factos provados sob as alíneas AAAAAAA. e BBBBBBB., entre outros; - A Autora invocou nesta ação uma relação de distribuição com exclusividade no território nacional, pelo que a exclusividade terá de ser recíproca e não apenas unilateral, devendo, por isso, improceder a pretendida alteração destes pontos da decisão de facto. Vejamos. Efetivamente, foram alegados pela Autora nos artigos 119.º e 120.º da Petição Inicial os factos em questão, muito se estranhando que venha em sede de recurso defender que os factos que alegou não estão provados. Seja como for, não se nos suscitam dúvidas sobre os mesmos, os quais se inferem claramente do conjunto da prova produzida, evidenciando que existia uma situação de “exclusividade de facto”, até pela “natureza das coisas”. Ou seja, embora nunca tivesse sido reduzido a escrito o contrato entre as partes, existia um acordo verbal, que se foi consolidando com a prática comercial ao longo dos anos, sempre tendo a 1.ª Ré respeitado essa exclusividade, o mesmo tendo a Autora feito durante vários, naturalmente em prol da promoção da marca no território nacional. Seria completamente avesso a essa assumida obrigação de promoção da marca e às contrapartidas dadas pela 1.ª Ré para o efeito, designadamente ao desconto de 35% (cf. ponto Y) - isto quando o normal, segundo disse o legal representante da 1.ª Ré PM, era 30% (referindo ainda que 10% desse desconto devia ser investido em publicidade) - que fazia nas vendas à Autora, que esta tivesse liberdade para negociar com empresas concorrentes, adquirindo-lhes e revendendo produtos iguais ou similares. A tese da Autora não se mostra alinhada com os factos descritos nas alíneas YYYYYY. a NNNNNNN., os quais sugerem que o sócio gerente da Autora sabia que esta sociedade, como distribuidora exclusiva da marca Eastpak em Portugal, não podia comercializar em Portugal produtos iguais ou similares suscetíveis de entrarem em concorrência com os produtos fornecidos pela 1.ª Ré, razão pela qual o procurou fazer de forma encapotada, de outro modo não se explicando por que motivo não foi desenvolvida a atividade aí descrita pela própria Autora. O depoimento de MF em nada releva para o propósito visado pela Autora. É certo que a testemunha referiu, quando questionado acerca das obrigações da Autora para com a 1.ª Ré, que, no fundo, tinha a obrigação de pagar as faturas, acrescentando ser por isso era fundamental, na perspetiva da 1.ª Ré, reduzir a escrito o contrato. No entanto, parece-nos absurdo retirar desta afirmação, assim descontextualizada, que o Contrato não previa quaisquer outras obrigações para a Autora além do pagamento dos produtos Eastpak adquiridos. Na verdade, o que a testemunha deu a entender, ao longo do seu depoimento, foi que havia um conjunto de obrigações assumidas no quadro de um contrato que vinculava as partes, mormente quando deu conta do interesse da VF na redução a escrito do contrato, explicando que se tratava de formalizar o contrato que já existia, em ordem a prever expressamente, à semelhança do que existia noutros países, condições/cláusulas que garantissem adequadamente os interesses de ambas as partes, e quando afirmou que na VF consideravam que, no caso de cessação do contrato, a Autora poderia ter direito a indemnização. Na verdade, se não existissem obrigações recíprocas assumidas num quadro negocial, mas apenas sucessivos fornecimentos que a Autora tinha de pagar, nem sequer faria sentido que tivesse sido discutida a redução a escrito de um contrato que, como se percebe, as partes já consideravam que existiam, outra coisa não se podendo retirar do depoimento desta testemunha, nem do da testemunha SN. Tão pouco se compreenderia, a nosso ver, que a Autora tivesse encetado ações de promoção da marca nos termos em que o fez, muito menos que as partes tivessem a dada altura manifestado a sua vontade de “suspensão” / cessação da sua relação negocial da forma como que o fizeram, pois bastaria à Autora não fazer mais encomendas e/ou à 1.ª Ré recusar mais fornecimentos dado o valor em dívida. Também as declarações do legal representante da 1.ª Ré PM foram esclarecedoras, evidenciando ser a Autora que não queria ver reduzido a escrito o contrato nos moldes habituais, em que a exclusividade está explicitamente prevista, matéria que, segundo disse, não era negociável, mas um dado adquirido (pois, nesta área de negócio, não seria compreensível que não existisse), incluindo com a assunção pela Autora da obrigação de compra de certas quantidades e investimento em publicidade; acrescentou que a Autora não queria deveres, só queria direitos, o que não significa, obviamente, na visão que nos parece normal, que tais deveres não estivessem a ser observados, de facto, no quadro negocial então existente, até porque, se assim não fosse, a 1.ª Ré por certo não teria interesse algum em manter a relação comercial nos moldes em vigor durante tanto anos. O legal representante da Autora, AMP, referiu-se ao acordo de distribuição não reduzido a escrito (dando conta da existência de negociações, mormente em 2008 e 2013, para a sua redução a escrito, com propostas de clausulado contratual por parte da VF que a Autora não aceitou), explicando que a sua empresa sempre foi distribuidora exclusiva para Portugal, que “eles só me vendiam a mim e eu só vendia para os meus clientes” e que, após ter cessado o contrato com a VF e sido efetuado o arresto “a empresa praticamente morreu”, já que a Autora não tinha outra “fonte de receitas”, quanto a “compras e vendas ficou praticamente zero”, o que, a nosso ver, indicia claramente que existia uma relação de exclusividade recíproca. Além disso, merece destaque o facto de, segundo também referiu, aquela sociedade ter desenvolvido a sua atividade em moldes alinhados com a “política” da VP, fornecendo fundamentalmente grossistas (sobretudo lojas de desporto vocacionadas para jovens, bem como, algumas vezes, a Sport Zone do Grupo do Continente), sendo o retalho residual, embora existisse venda a retalho através do site (a partir de 2010-2011) e na loja do Bairro Alto, que abriram em 2006 e fecharam em janeiro de 2012, loja onde a Autora apenas vendia produtos Eastpak e que disse ter sido aberta por exigência da VF; mais afirmou que, em regra, a Autora atendia os pedidos de reparação das mochilas (salvo em casos de estragos por mau uso), mas fazia-o por considerar que tal era benéfico para a marca, não porque estivesse (contratualmente) obrigado a fazê-lo; e que desde o início ficou acordado ser à Autora que cabia fazer a promoção da marca em Portugal. A testemunha GG (depoimento prestado na sessão de 29-11-2019) referiu que, sendo filha do legal representante da Autora e também funcionária desta empresa, acompanhou o crescimento do negócio, incluindo a abertura da loja ao público (pela qual era responsável), que funcionava como montra de publicidade onde faziam eventos e apresentavam as coleções, vendendo os produtos com respeito pelo preço de venda ao público recomendado; confirmou que também vendiam os produtos no site, sempre ao preço normal; referiu que a Autora era a distribuidora exclusiva e tinha obrigações de promoção da marca, devendo retirar, da sua margem de 35%, retirar 5% para esse efeito; faziam toda a promoção de acordo com as “guidelines” que a VF mandava; também deu conta do acordo que tinham com a VF para a reparação das mochilas, descrevendo como se processava. Deste depoimento e das declarações do legal representante da Autora resultou inequivocamente que a atividade comercial da Autora se cingia à comercialização em exclusivo de produtos da marca Eastpak, em moldes que não se compadeciam com uma situação de venda de produtos concorrentes. Tudo sugere, pois, que a relação comercial existente entre a Autora e a 1.ª Ré se pautava pela exclusividade, não podendo a Autora desenvolver uma atividade que pudesse afetar a imagem da marca e as vendas dos produtos Eastpak como sucederia se fosse livre para promover e comercializar produtos concorrentes. Assim, improcedem as conclusões da alegação de recurso a este respeito, mantendo-se inalterada a decisão da matéria de facto que considerou provados os factos vertidos nas alíneas WWW. e XXX. 2.ª questão - Da indemnização fundada em responsabilidade contratual: Violação da obrigação contratual de exclusividade e deveres acessórios - Resolução ilícita do contrato Na sentença recorrida, depois de se referir que a Autora qualifica a relação contratual entre esta e a Ré VF como um contrato de concessão comercial e de se citar um acórdão da Relação de Lisboa de 01-10-2013 (quanto à definição e regime aplicável ao contrato de concessão comercial), teceram-se as seguintes considerações de direito (sublinhado nosso): «Dúvidas não existem quanto ao facto de a Ré se ter obrigado a vender os produtos por si produzidos (da marca Eastpack) à Autora, tendo-se esta obrigado a comprar os mesmos e a vendê-los a terceiros, por sua conta, em território português, com perpetuação no tempo (desde 1995 até 2013). É que resultou provado que as relações entre a Autora e a Ré VF foram herdadas por esta quando sucedeu à empresa “Coleman”, sendo que já nessa época as relações entre ambas vigorava nos exactos termos em que é definido o contrato de concessão comercial. De modo algum, quer pela constância das relações entre a Autora e a Ré, quer pelo volume de negócios entre estas, quer pelas práticas comerciais entre ambas que se pautavam por aquisições anuais de mercadoria, todos os anos, com reuniões em território nacional, com congressos no estrangeiro, com definição de objectivos pela Ré VF, com a definição de um público alvo, com a obrigação de reparação da mercadoria vendida e por fim, com a obrigação de promoção da marca (publicidade) em território nacional por parte da Autora não se coaduna com a qualificação da relação contratual entra a Autora e a Ré VF como um outro contrato atípico, nomeadamente o correspondente a uma sequência de compras e vendas de mercadorias entre as partes. Porém, também há que reter que dos autos resultou claro e evidente a inexistência de qualquer relação contratual entre a Autora e a Ré Jansport, seja comercial, seja de qualquer outra espécie. Quanto muito poder-se-ia dizer que a Ré Jansport beneficiou com o trabalho de promoção da marca Eastpack por si gerida em território nacional e que, como tal e em abstrato, face à inexistência de qualquer contrato, haveria lugar a um enriquecimento sem causa nos termos do art. 473.º do Código Civil. (…) Inexiste assim qualquer fundamento, de qualquer espécie, para responsabilizar a Ré Jansport por qualquer dano decorrente da cessação contratual existente entre a Autora e a Ré VF pelo que nada mais restará a este Tribunal senão absolver a Ré Jansport de todos os pedidos contra esta efectuados. Uma vez efectuada a qualificação do contrato que vinculou a Autora e a Ré VF enquanto contrato de concessão comercial, haverá agora que reter que a exclusividade da venda dos produtos da Ré VF pela Autora resultou cabalmente provada, tal como mencionado supra. Na realidade, até o legal representante da Ré VF chegou a reconhecer, em audiência de julgamento, que existia uma “exclusividade de facto”, sendo notório que a Autora, desde 1995 até 2013, foi tratada pela Ré VF como a única distribuidora em Portugal dos seus produtos. Na realidade, outra constatação não era possível de retirar face à intervenção da Ré VF na supervisão das vendas e dos gastos com publicidade da Autora, face às reuniões tidas entre ambas e face à duração da relação contratual entre estas. Não existiu qualquer contrato escrito entre as partes, mas tal não significa que não exista contrato nem que não exista uma cláusula de exclusividade pois a nossa lei consagra a consensualidade, o princípio da liberdade de forma no art. 219.º do Código Civil e a qual vale tanto para os contratos típicos como para os atípicos, já que nenhuma razão ou exigência legal impõe o contrário. É certo que a identidade de situações geradas pelo contrato de agência, o qual se encontra regulado pelo DL n.º 178/86 de 03 de Julho com as alterações introduzidas por DL n.º 118/93 de 13 de Abril, impõe a aplicação do seu regime por analogia, conforme dispõe o art. 10.º do Código Civil o qual prescreve que os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos sendo que há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei. Agora, também é certo que o princípio da liberdade de forma vigora no regime jurídico português comporta certas excepções tais como aquela a que se refere o art. 4.º do DL n.º 178/86 de 03 de Julho o qual prescreve que depende de acordo escrito das partes a concessão do direito de exclusivo a favor do agente, nos termos do qual a outra parte fique impedida de utilizar, dentro da mesma zona ou do mesmo círculo de clientes, outros agentes para o exercício de actividades que estejam em concorrência com as do agente exclusivo. Sendo esta norma excepcional, está vedada a sua aplicação por analogia, nomeadamente por imposição do exposto no art. 11.º do Código Civil o qual prescreve que as normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva pelo que, a exclusividade derivada das relações comerciais entre a Autora e a Ré VF não fica prejudicada pela ausência de acordo escrito neste sentido. Agora, não demonstrou provado que a Ré VF tenha violado a exclusividade de que a Autora beneficiava a título contratual, nomeadamente vendendo aos hipermercados em Portugal os produtos que se obrigou, em contrato verbal, a vender apenas à Autora. É que, para que exista incumprimento contratual por parte da Ré VF é necessário a demonstração de factos que sustentem um dolo ou pelo menos uma negligência na sua actuação, quando a mesma se reporta à venda a empresas de “trading” sedeadas fora do espaço nacional pois, nos termos do art. 798.º do Código Civil o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor. E, não se pode confundir dolo ou negligência numa actuação, em que neste caso, a Ré VF venderia propositadamente a uma empresa de “trading” com vista a que esta vendesse o seu produto em Portugal, a hipermercados aos quais a Autora não o poderia fazer, ou ainda no caso em que assumiria essa venda como possível mas conformando-se com a sua realização, com o risco de tal situação acontecer pois o risco de certas condutas durante a execução ou após a execução de um negócio é parte integrante do negócio. Dúvidas não existem quanto ao facto de a Ré VF saber que as vendas existiam por parte das empresas de “trading” aos supermercados e hipermercados pois, se assim não fosse não teria intentado acções judiciais contra as empresas titulares desses estabelecimentos comerciais com vista a impedi-los de transacionar os produtos com a marca Eastpack, para além de procurar impedir a venda de eventuais produtos contrafeitos. Mas daí até se extrair que vende propositadamente a essas empresas com esse propósito vai um grande passo. Não se demonstrou que o faça com dolo pois a sua conduta judicial contra a venda paralela demonstra o contrário, sendo também de não crer que assuma que as empresas de “trading” o façam, identificando-as especificadamente mas conformando-se com essa situação para depois, em momento posterior, agir judicialmente contra os clientes destas. Reitere-se que a conduta judicial da Ré VF demonstrada nos autos através de procedimento cautelar cuja certidão se encontra junta aos mesmos não se coaduna com a culpa a que se refere o art. 798.º do Código Civil, pelo que não há assim violação do dever de exclusividade por parte da Autora. Assumindo esta premissa sempre teremos que citar o Professor Pedro Romano Martinez quando afirma que “A declaração de resolução, ainda que fora dos parâmetros em que é admitida não é inválida, pelo que mesmo se injustificada determina a cessação do vínculo. Todavia, a contraparte pode contestar (judicialmente) os motivos da resolução, cabendo ao tribunal apreciar a justificação invocada. Sendo a resolução injustificada, e portanto ilícita, o autor da declaração responde pelo prejuízo causado à contraparte; como o princípio geral obrigação de indemnizar determina que deve ser reconstituída a situação que existiria (artº 562º); não se verificando nenhuma das hipóteses previstas no artº 566º, nº 1 (p.ex., impossibilidade), com a declaração de ilicitude resulta a subsistência do vínculo, que, afinal, não cessou.” (Vide Pedro Romano Martinez in Direito das Obrigações, Apontamentos, 2ª edição da AAFDL (reimpressão 2008), pág. 233) (sublinhado nosso). Dos autos resulta que a Ré VF resolveu o contrato que a vinculava com a Autora após recepcionar uma carta da mesma a suspender as relações comerciais entre ambas até que a questão das vendas paralelas estivesse solucionada, sendo de reter igualmente, com relevo para os autos, a existência de uma dívida que ascendia a mais de €600.000,00 de mercadoria entregue e não paga pela Ré em questão à Autora. Assumindo que nada se provou quanto à participação da Ré VF nas vendas paralelas aos hipermercados, conjugando com a suspensão das relações comerciais operada pela Autora mediante carta remetida para o efeito e ainda com o crédito que a Ré VF detinha sobre esta, dificilmente se pode considerar que a resolução efectuada nos termos do art. 436.º n.º 1 do Código Civil, pela Ré VF, foi ilícita por não justificada com um incumprimento da contraparte. No mais, há ainda que atender ao exposto no art. 33.º n.º 1 do DL n.º 178/86 de 03 de Julho o qual prescreve que o direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente, certos requisitos. Porém, não podemos olvidar o n.º 3 da referida disposição legal a qual refere que não é devida indemnização de clientela se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente (neste caso Concessionário) ou se este, por acordo com a outra parte, houver cedido a terceiro a sua posição contratual. Da matéria de facto considerada como provada retira-se que a cessação do contrato resultou de razões imputáveis à Autora nomeadamente da suspensão das relações comerciais por si comunicada à Ré VF devido a motivos que não se lograram demonstrar, assim como da existência de uma dívida vencida e não paga a esta, pelo que perante o exposto, improcedem os pedidos de indemnização formulados pela Autora contra a mesma.» A Autora-Apelante, nas conclusões da sua alegação recursória, defende que as Rés estão obrigadas a indemnizá-la, em razão do incumprimento contratual - consubstanciado na violação da obrigação de exclusividade e deveres acessórios de lealdade e cooperação -, bem como, somente quanto à 1.ª Ré, por resolução ilícita do contrato, argumentando, em síntese, que: - A presunção legal constante do art. 799.º, n.º 1, do CC dispensa a Autora da prova da culpa da Rés na violação da obrigação de exclusividade e dos deveres acessórios de lealdade, em conformidade com o art. 350.º, n.º 1, do CC, não tendo sido realizada a prova do contrário, de acordo com os artigos 347.º e 350.º, n.º 2, do CC; - Resulta dos Factos provados em FFFF., GGGG., HHHH., IIII. e LLLL. e da alteração da qualificação dos Factos 18., 19. e 20. para provados que a Ré VF praticou vários factos ilícitos que consubstanciam violação contratual da obrigação de exclusividade; - A Recorrida VF vendeu diretamente aos Supermercados Continente, em Portugal, produtos Eastpak e não desenvolveu ações eficazes destinadas a fazer cessar as vendas paralelas (de que beneficiavam direta e indiretamente as Rés VF e Jansport), o que implicava deixarem de ser realizadas pela própria VF e pela sociedade do seu Grupo VF Germany e de fornecerem produtos aos distribuidores identificados como sendo fornecedores das cadeias de supermercados; se a VF é distribuidora-mãe dos produtos Eastpak na Europa e vende inclusivamente para uma empresa redistribuidora do mesmo Grupo – a VF Germany – bastar-lhe-ia contactar os seus distribuidores europeus oficiais e saber a quem redistribuem/ revendem, comparando depois com a informação prestada pelos supermercados; - A RÉ VF violou a sua obrigação de exclusividade e os seus deveres acessórios de lealdade e cooperação perante a Autora (art. 762.º, n.º 2, do CC), ao informar terceiros que já não mantinha relações comerciais com a Autora, mesmo antes de proceder à resolução do Contrato (Factos MMMM. e NNN.); - Em consequência da violação da obrigação de exclusividade e dos referidos deveres acessórios por parte das Rés, a Autora teve danos patrimoniais e não patrimoniais descritos em DDD., EEE., GGG. a LLL., TTT., UUU., ZZZ., YY., XX., face aos custos que suportou com a comercialização, promoção e divulgação daqueles produtos aumentaram, ascendendo a um total de 3.282.855,41 € (alíneas DDD. e EEE. da Sentença), com as reparações gratuitas de mochilas Eastpak, que nem eram por si revendidas, chegando ao valor de 1.482.681,57 € (alíneas GGG. a LLL., TTT. e UUU.), com o stock de produtos não escoados no valor total de 996.520,96 € (Facto ZZZZ.) e a afetação da imagem e nome da Autora no mercado que se traduz em danos estimados no valor de 100.000,00 € (conforme factos descritos nas YY. e XX.), tudo nos termos dos artigos 562.º, 563.º e 564.º, n.º 1, e 762.º, n.º 2, do CC, bem como do art. 32.º, n.º 1, do Regime do Contrato de Agência, analogicamente aplicável; - Tendo a Ré VF violado a sua obrigação de exclusividade, estava legitimada a retenção de valores realizada pela Autora, bem como a suspensão das relações comerciais em razão da conduta daquela e enquanto esta durasse, à luz do art. 35.º do Regime do Contrato de Agência, analogicamente aplicável, sendo ilícita a resolução do Contrato operada pela Ré VF em reação à conduta legítima da Autora, nos termos dos artigos 432.º, n.º 1 e 436.º, n.º 1, do CC e ainda do art. 30.º a contrario do Regime do Contrato de Agência, analogicamente aplicável; - Tal resolução ilícita do Contrato originou na esfera jurídica da Autora os seguintes danos emergentes e lucros cessantes: (i) 996.520,96 € a título de stock inventariado e não escoado de produtos Eastpak (Facto ZZZZ.), já que foi arrestado no processo n.º 945/14.0T2SNT-B, a pedido da Ré VF e para garantir uma alegada dívida da Autora que no presente processo esta pretende compensar; (ii) margem de lucro de 35% que a Autora deixou de auferir sobre os produtos não vendidos, no montante de 348.782,33 € (Factos Y., SSSS.), tendo assim a Autora direito a uma indemnização pelos danos causados pela resolução ilícita do Contrato pela Recorrida VF, à luz dos artigos 562.º, 563.º e 564.º, do CC. As Rés discordam, argumentando, em síntese, que: não estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, considerando que não existe qualquer ligação entre as empresas que terão fornecidos os Hipermercados e as Rés, tendo estas inclusivamente recorrido aos tribunais para obstar à comercialização de produtos Eastpak pelo Continente e o Jumbo; não existe, pois, qualquer violação contratual por parte da 1.ª Ré; e a 2.ª Ré não tem qualquer relação contratual direta ou indireta com a Autora. Apreciando. Não se discute no presente recurso que entre a Autora e a 1.ª Ré (mas já não com a 2.ª Ré) vigorou um “contrato quadro” atípico, nunca reduzido a escrito - que a 1.ª instância qualificou como de concessão comercial - que consistia num “acordo de distribuição exclusivo”, para o Território Nacional, dos produtos da marca EASTPAK, pelo qual a 1.ª Ré (distribuidora exclusiva na Europa) os vendia em Portugal exclusivamente à Autora, sendo esta a responsável pela sua comercialização no nosso país - incluindo no site que tinha para vendas online e na sua loja para venda direta ao público no Bairro Alto - e distribuição pelos retalhistas (revendedores autorizados) que os revenderiam ao consumidor final (cf. designadamente alíneas OOOOO., PPPPPPP., A., F., H., QQQQQQQ., RRRRRRR., J., TTTTTTT., XXXXX., YYYYY., SSSSS., TTTTT., PP., W., K., UUUUU., ZZZZZZZ., AAAAAAAA., L., P.). Trata-se, sem dúvida, de um contrato de distribuição comercial, embora nos pareça, ante os factos provados, que mais se aproxima do contrato de distribuição seletiva, atenta a obrigação de exclusividade de fornecimento assumida pela Ré VF (sobre estes contratos, apontando as suas caraterísticas distintivas e fronteiras algo fluídas, veja-se a lição de José A. Engrácia Antunes, “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, setembro 2009, págs. 435-466). Já foi decidido que esse contrato cessou em virtude da resolução comunicada pela 1.ª Ré, comunicação que foi rececionada pela Autora em 27 de dezembro de 2013 (cf. factos vertidos nas alíneas YYYYYYYY. E ZZZZZZZZ. e acórdãos da Relação e do STJ acima referidos no relatório). Resultou igualmente provado que a 2.ª Ré nunca celebrou, direta ou indiretamente, qualquer contrato ou acordo de qualquer natureza com a Autora (alíneas OOOOO. e PPPPP.). Por essa razão, é completamente descabido que a Autora pretenda imputar à 2.ª Ré responsabilidade contratual pela suposta violação de uma obrigação contratual de exclusividade e/ou deveres acessórios emergentes de um contrato em que esta Ré não é parte. Aliás, a própria Autora-Apelante na sua alegação recursória reconhece expressamente que a Ré Jansport não é parte no contrato e, por isso mesmo, defende que o instituto do enriquecimento sem causa é o único meio legal à disposição daquela para obter a indemnização a que se julga com direito (cf. designadamente as conclusões 78 e 79). É, assim, completamente contraditório e ilógico que venha defender a responsabilidade contratual da 2.ª Ré. A sua pretensão não tem suporte fáctico, nem cabimento legal, face às mais elementares regras e princípios do Direito das Obrigações, mormente ao disposto nos artigos 406.º e 762.º do CC, pelo que, sem necessidade de mais considerações, consideramos que improcedem, neste particular, as conclusões da alegação de recurso. Quanto à invocada responsabilidade da Ré VF fundada na resolução ilícita do contrato, não podemos deixar de chamar a atenção para o que já foi decidido a este respeito, tendo a Relação e o STJ decidido que o contrato em apreço cessou por via de resolução. Não se desconhece a polémica doutrinal (que não chegou a ser discutida nesses arestos) a respeito da questão de saber se a declaração de resolução sem fundamento do contrato faz cessar o vínculo contratual, bem condensada no artigo de Adriano Squilacce e Alexandre Mota Pinto “A resolução ilícita: Uma contradição nos Termos?”, disponível online, em que os autores, adotando uma “solução híbrida”, concluem que “a «resolução ilícita» só fará cessar automaticamente o contrato quando seja admissível a denúncia discricionária, cujo âmbito de aplicação está restrito aos contratos de execução continuada ou duradoura (v.g. contrato de agência) em que as partes não estipularam um prazo de vigência (ou na hipótese de um período mínimo de vigência legalmente previsto já ter decorrido — cfr., a este propósito, o artigo 30.º, n.º 3, do Decreto-lei n.º 231/81, de 28 de Julho, sobre o contrato de associação em participação). Em rigor conceitual, esta solução suscita a discussão relativa à forma de cessação do contrato: por efeito de uma «verdadeira» denúncia ou por força de uma resolução ilícita? Questão mais académica, de formulação, e que como tal não interessa a estas nossas cogitações de cariz eminentemente prático. De facto, à semelhança da denúncia, a resolução de contratos duradouros ou de execução continuada apenas produz, em regra, efeitos para o futuro —cfr. artigo 434.º, n.º 2, do Código Civil.” Seja qual a qualificação jurídica que se faça à forma pela qual cessou o contrato em apreço, torna-se inevitável constatar que a Autora procura agora, mais uma vez, afrontar o princípio dispositivo, consagrado designadamente nos artigos 5.º e 608.º do CPC, distorcendo a causa de pedir do seu pedido indemnizatório, já que, em parte alguma da Petição Inicial, o estribou na (suposta) resolução ilícita do contrato por parte da Ré VF, não tendo aí alegado factos e formulado o pedido em termos tais que se suscitassem as questões de saber se a Ré VF resolveu ilicitamente o contrato e se daí advieram os (supostos) danos a cujo ressarcimento considera ter direito. Aliás, se o tivesse feito, seria inepta a Petição Inicial, pois o primeiro pedido que a Autora formulou (que fosse declarada a resolução do contrato, por violação contratual da 1.ª Ré) estaria em contradição com uma tal causa de pedir ou, noutra perspetiva, estariam a ser cumuladas causas de pedir substancialmente incompatíveis - cf. art. 186.º, n.º 2, alíneas b) e c), do CPC. Na verdade, a Autora nunca alegou que o contrato foi resolvido pela Ré VF e até chegou, quando confrontada com a alegação desse facto (matéria de exceção perentória) na Contestação, a vir ampliar o seu pedido (ampliação que não foi admitida) no sentido de ser considerada “sem efeito a resolução pela 1ª Ré à Autora, por falta de fundamento legal, nomeadamente por incumprimento desta última”. O acórdão do STJ é particularmente esclarecedor a este respeito, afirmando-se aí, além do mais, que “não tem o menor fundamento pretender que, no âmbito da causa de pedir e pedido subsistentes, se aprecie e julgue a questão, que lhes é absolutamente estranha, de saber se é ilícita, por falta de verificação dos pressupostos legais, aquela resolução” (comunicada pela Ré VF em dezembro de 2013). Convém lembrar que, no mesmo acórdão, depois de uma breve resenha dos 290 artigos que a petição inicial, se concluiu “não ser correta a afirmação feita no acórdão recorrido, segundo a qual os demais pedidos formulados pela autora estariam dependentes da prévia declaração judicial de resolução do contrato por violação contratual cometida pela 1ª ré, no seguimento do que se julgou prejudicado o respetivo conhecimento. Desde logo, a indemnização de clientela, se for devida por verificação dos respetivos pressupostos, terá a sua génese, não na pretendida e já negada declaração de resolução do contrato por violação contratual perpetrada pela 1ª ré, mas na cessação daquele por qualquer causa. É o que resulta do disposto no nº 1 do art. 33º do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de julho, apenas não sendo devida se a cessação do contrato tiver ocorrido por razões imputáveis ao agente ou se este, por acordo com a outra parte, houver cedido a terceiro a sua posição contratual – nº 3 do mesmo preceito. Também a indemnização aludida em h) e i), nada tem a ver com a dita resolução, antes provindo, se for devida, do investimento na angariação de clientela da qual apenas beneficiarão, após a cessação do contrato, as rés. No tocante à pedida indemnização pelos danos causados ao bom nome da autora, esta tanto reconduz a sua proveniência à resolução do contrato – f) -, como ao comportamento da 1ª ré violador das obrigações contratuais – g) -, pelo que, ao menos nesta última perspetiva, se tem de afirmar a sua absoluta autonomia em relação à negada declaração de resolução contratual pedida pela autora, sendo tal pretensão de apreciar nos termos gerais, enquanto invocado dano pelo não cumprimento, pela 1ª ré, das obrigações que sobre ela impenderiam. Diga-se, ainda, que mesmo no caso, não verificado, de os demais pedidos estarem dependentes da declaração de resolução do contrato por violação contratual da 1ª ré, a improcedência desta pretensão, podendo levar a que os primeiros tivessem igual sorte, não prejudicaria o seu conhecimento.” Portanto, a questão da (i)licitude da resolução deverá ser apreciada enquanto facto impeditivo do direito à indemnização de clientela, na medida em que haverá que sindicar o acerto da decisão recorrida a este propósito, mas não como fundamento da invocada obrigação de indemnização. Todavia, como melhor veremos adiante (e por economia, para aí remetemos), ainda que assim não se entenda e se admita que, sem embargo da forma como a Autora configurou a sua pretensão indemnizatória e respetiva causa de pedir na Petição Inicial, poderia, na presente ação, ver reconhecido o direito a indemnização por danos decorrentes da resolução injustificada ou sem justa causa do contrato por parte da Ré VF, desde já se adianta que os factos provados não permitem qualificar como ilícita tal resolução, improcedendo, neste particular, as conclusões da alegação de recurso. Resta saber se a Ré VF incumpriu a sua reconhecida obrigação contratual de exclusividade e inerentes deveres acessórios, incorrendo em responsabilidade civil obrigacional. A este propósito, mais importante do que a qualificação jurídica do contrato em apreço, é que, face à inequívoca atipicidade do mesmo, atentemos nos factos provados - não inteiramente coincidentes com os que a Autora considera provados - em ordem a determinar se deles resulta (ou não) o incumprimento por parte da 1.ª Ré da obrigação de exclusividade e/ou dos inerentes deveres acessórios de conduta à luz do princípio da boa fé consagrado designadamente no art. 762.º do CC (para uma síntese da doutrina em torno destes deveres acessórios, veja-se o artigo de Gil Valente Maia, “Boa fé e responsabilidade civil decorrente da violação de deveres acessórios de conduta: o critério do «perímetro contratual» na delimitação do regime de responsabilidade aplicável”, publicado na Julgar Online, janeiro de 2020 | 1). Naturalmente, antes de mais, importa perceber em que se traduzia essa obrigação de exclusividade. Apesar da fastidiosa repetição e dispersão de factos no elenco dos factos provados (em que avultam os constantes das alíneas F., H. QQQQQQQ., RRRRRRR., TTTTTTT., XXXXX., YYYYY. SSSSS., TTTTT., PP., W., K., ZZZZZZZ., AAAAAAAA., L. e VVV.), o ponto fulcral é que a Autora e a 1.ª Ré tinham um acordo (verbal) de distribuição, sendo aquela a distribuidora desta Ré, a título exclusivo, dos produtos EASTPAK em todo o território português, obrigando-se a adquiri-los para, posteriormente, os distribuir e revender em Portugal em seu nome e por sua conta própria, junto dos revendedores autorizados. Lembramos, num esforço de síntese (considerando, em particular, os factos vertidos nas alíneas QQ., RR., YY., FFFF., GGGG., CCCCCCCC., DDDDDDDD. e EEEEEEEE.), ter resultado provado que, a partir de 2008, as grandes superfícies - nomeadamente, Jumbo, Pão de Açúcar e Continente, e depois também o Intermarché - começaram a comercializar em Portugal, com “descontos”, os produtos Eastpak, o que foi atribuído pela própria Autora ao “mercado paralelo” e a levou a fazer sucessivas reclamações à 1.ª Ré, perante o que esta (i) lhe veio propor a venda à Sonae/Modelo/Continente de produtos, através de uma outra sociedade ou entidade (uma intermediária) e (ii) encetou processos nos tribunais portugueses com o objetivo de apurar a origem de tais produtos da marca EASTPAK (vendidos pelos hipermercados portugueses) e sua eventual contrafação. Mais se tendo provado o seguinte: KKKK. A Autora dirigiu uma comunicação à 1.ª Ré, onde relatou as vendas nos supermercados no paralelo. LLLL. É uma prática da 1.ª Ré para promover o volume de vendas na Europa, procurando através da venda às Trading internacionais escoar grandes quantidades de produtos de Países como a Itália, a Alemanha, e a Grã-Bretanha (por exemplo) com o objetivo de procurar aumentar o volume de vendas – através do seguimento dos produtos Eastpak para países terceiros, como Portugal, onde a presença dos Hipermercados garantia aquele escoamento e volume das vendas, casos em que a rede autorizada Eastpak do comércio tradicional e o seu distribuidor local, pouco ou nada podem fazer (contra esta venda dissimulada, e para além fronteiras da V.F Europa). Este último facto, alegado no art. 136.º da Petição Inicial, além de genérico, surge “desgarrado” no elenco dos factos provados, podendo suscitar algumas dúvidas sobre o seu alcance, pelo que importa enquadrá-lo devidamente, tendo em conta o teor da Petição Inicial, que passamos a reproduzir, na parte que ora importa (sublinhado nosso): “135º Logo depois, a A. verificou estar a ocorrer aquilo que já suspeitava, i.é, que a distribuição e comercialização em massa nos hipermercados, nesta data (e desde há alguns anos) era de tal dimensão e feita com produtos comercializados directamente pela VF Europa e pelo Grupo VF, em outros Países Europeus, que seria manifestamente impossível de acreditar que tal pudesse ocorrer através dos canais das Trading (como a sugerida pela VF Europa à A.) sem que a 1ª Ré, comungasse no resultado dessa venda às grandes superfícies nacionais e, no mínimo, se conformasse com tal realidade tendo, inclusivamente, e uma vez mais a A. reagido perante tal realidade, dirigido uma comunicação à 1º Ré, onde relatou as vendas nos supermercados no paralelo. 136º Tal constatação veio rapidamente a ser confirmada, quando o Director Geral (Business Development & Distributors Management Eastpak Europa, Médio Oriente e África) que conduziu o processo Eastpak com a A. – SN, entretanto convidado a sair pela 1ª Ré, veio confirmar ser uma pratica da 1ª Ré para promover o volume de vendas na Europa, procurando através da venda às Trading internacionais escoar grandes quantidades de produtos de Países como a Itália, a Alemanhã, e a Grã-Bretanha (por exemplo) com o objectivo de procurar aumentar o volume de vendas – através do seguimento dos produtos Eastpak para países terceiros, como Portugal, onde a presença dos Hipermercados garantia aquele escoamento e volume das vendas, casos em que a rede autorizada Eatpak do comércio tradicional e o seu distribuidor local, pouco ou nada podem fazer (contra esta venda dissimulada, e para além fronteiras da V.F Europa). 137º Aliás, veio o mesmo a confirmar que tal politica visava a valorização imediata da Eastpak e da V.F. Europa em prejuízo de médio prazo, uma vez que o objectivo do Presidente/CEO da V.F. Europa era a venda (imediata) da empresa, ludibriando, e derrubando o estabelecido com a A. e com os revendedores Eastpak nacionais, pouco importando o amanhã, o seu desastre no mercado e menos ainda um distribuidor português, quando em causa estão os números alcançados pela Eastpak em volume de vendas, com a venda dos produtos nos hipermercados nacionais. 138º Perante a informação e o aviso dado pelo Sr. SN, e de que tais eram práticas definidas pelo mais alto responsável da V.F. Europa, a A. cuidou de fazer um levantamento nos vários locais de venda dos produtos Eastpak, nos hipermercados portugueses (Pingo Doce, Intermarché, Jumbo e Modelo/Continente) e recolheu produtos, etiquetas e referências que demonstravam a realidade dos factos, i.é, que a V.F. Europa introduziu indirectamente produtos por si comercializados, através de empresas Trading, com quem tem relações comerciais através de várias empresas do Grupo VF, tendo os mesmos como destino final, nomeadamente, o mercado Português, (sem que tal se verifique pela via da A. como distribuidor exclusivo e contra os interesses desta). 139º Assim, procurando destinar, a mercados como o nosso, os produtos que não foram ou não têm condições de ser escoados noutros mercados europeus por si já trabalhados, através de empresas do Grupo V.F. ou com quem a V.F. (directa ou indirectamente) tem relações comerciais, destinando-os às grandes superfícies e as redes paralelas de distribuidores e revendedores autorizados.” Ora, a principal constatação a retirar da análise da decisão da matéria de facto é a de que não resultaram provados os factos substantivamente relevantes alegados nos artigos 135.º, 138.º e 139.º da Petição Inicial. De salientar ainda que o vertido no art. 137.º também não resultou provado (cf. ponto 20. do elenco dos factos provados). Importa também atentar, para melhor compreensão, na motivação da decisão da matéria de facto a este respeito, aí se referindo, além do mais, o seguinte: «Não se conseguiu nos autos identificar toda a cadeia de fornecimento desses bens às grandes superfícies mas, assumindo esta premissa é-nos possível concluir que os mesmos são fornecidos por empresas de “Trading”, sedeadas em países que não Portugal, e que as mesmas, directa ou indirectamente, adquiriram esses bens à Ré VF. (…) Somos a crer, pela prova produzida em audiência e já mencionada supra, que a Ré VF vende produtos seus a terceiros com sede em países que não em Portugal, mas que não os controla da mesma forma que não controla as vendas que essas empresas de “Trading” fazem na Europa, nomeadamente às grandes superfícies pois, se assim fosse, não seria de todo possível explicar qual a razão de ser de procedimentos judiciais como o mencionado supra. E não somos a crer que tal procedimento cautelar tenha resultado de um esquema montado pelas Rés no sentido de demonstrar que, ao contrário das acusações que lhe eram imputadas pela Autora, agia e combatia, afinal, as vendas paralelas dos produtos de marca Eastpack. É que tal tese roça a teoria da conspiração a qual não é admissível nos autos, em que as Rés para além de venderem a hipermercados e os acionar por essas mesmas vendas por si efectuadas, teriam de obter a tolerância destes a um processo judicial contra estes intentado, sem que estes reclamassem no dito processo, correndo o risco de serem condenada numa avultada indemnização por danos de imagem ou por litigância de má fé. É certo que as Rés poderiam ter uma política mais activa de prevenção de situações como aquela a que se reportam os autos, nomeadamente de prevenção de vendas paralelas, deixando simplesmente de vender a empresas que provavelmente iriam escoar os seus produtos em supermercados, ou impondo condições contratuais (preços) que o impediam de facto de o fazer, ao invés de promover processos judiciais com vista à resolução do problema das vendas paralelas. Porém, exigir isso seria o mesmo que exigir que as Rés deixassem de comercializar os seus produtos com todas as empresas que suspeitasse de tais práticas futuras, ou seja, após a venda a estas, o que não é exigível, ou então que as sancionasse com um embargo de vendas. Reitere-se que a prova nos autos das diligências processuais tomadas pelas Rés contra as vendas paralelas não permite a este Tribunal, com a segurança que as decisões em processo civil merecem, considerar como provado que a Ré em questão tem um plano de venda paralela enquanto autora do mesmo ou, pelo menos, enquanto co-autora deste, pois tal consideração resultaria num contrassenso. Ou, por outras palavras, considerar tal tese seria o mesmo que assumir que as Rés intentariam acções judiciais contra empresas às quais tinham vendido legitimamente certos bens para obstar a que estas os comercializassem, sem temer represálias comerciais ou judiciais contra si mesmo.» Nesta medida, e tendo ainda em atenção o conjunto dos factos que foram considerados provados (em particular nas alíneas JJJJJJ., BBBBBBBB., RRRRRRRR., SSSSSSSS., TTTTTTTT., UUUUUUUU. e VVVVVVVV.) e não provados (em particular no ponto 20.), impõe-se concluir que o descrito em LLLL. deve ser enquadrado como reportando-se à circunstância de a Autora ter dirigido à Ré VF uma comunicação a respeito do que considerava serem as vendas paralelas, imputando-lhe de forma genérica a prática aí descrita, na linha do que consta designadamente das alíneas: BBBBBBBB. Em simultâneo com os incumprimentos quanto ao pagamento das faturas, a Ré [A. Morais] começou a dirigir várias comunicações à Autora [V.F.], acusando-a de violar a exclusividade do acordo de distribuição e de utilizar expedientes paralelos para colocar os produtos no mercado português, destinando-os aos hipermercados que os vendiam abaixo do preço de custo. JJJJJJ. Refere a Autora na dita missiva [de 16-10-2013], e ao longo da petição inicial, que a alegada violação da exclusividade, advinha de “confirmação obtida de fonte ligada à VF” de que a 1.ª Ré se encontrava desde 2008, através de empresas do Grupo localizadas no Reino Unido e na Alemanha, a colocar produtos EASTPAK em várias superfícies comerciais. Ainda que se veja no descrito em LLLL. algo mais, ou seja, a alusão a uma efetiva prática da 1.ª Ré para promover o volume de vendas na Europa, o certo é que daí não resulta nada de concreto e substantivamente relevante para o caso sub judice, sendo inócuo o facto de estarem à “venda grandes quantidades de produtos de Países como a Itália, a Alemanha, e a Grã-Bretanha (por exemplo)”, considerando que a Ré VF é, com base numa licença concedida pela 2.ª Ré, a responsável pela comercialização de produtos Eastpak para a Europa, sendo a “distribuidora-mãe” exclusiva dos mesmos nos diferentes país da Europa; logo, como é natural e lógico, não pode comercializar produtos que já vendeu em países como a Itália, Alemanha e Grã-Bretanha, apenas se podendo, quanto muito, considerar que as vendas às Trading internacionais tenham sido efetuadas pelas distribuidoras oficiais desses mesmos países, se é que o foram, para empresas de outros países, como Portugal. De salientar que a alusão a “esta venda dissimulada, e para além fronteiras da V.F Europa”, além de não se reportar a nenhuma venda concreta, nem sequer pode ser considerada como descrevendo um facto propriamente dito. Na verdade, uma alegação de facto não poderá deixar de ser uma realidade objetiva passível de ser apreendida por um qualquer meio de prova, distinguindo-se das questões jurídicas, cuja resposta é dada por via da interpretação e aplicação das regras de direito aos factos considerados como provados. Daí que, quanto a estas, independentemente de impugnação da decisão da matéria de facto no recurso (que no caso até existiu, na ampliação do âmbito do recurso subsidiariamente requerida), o Tribunal superior não fique vinculado ao que foi decidido na sentença – cf. art. 5.º, n.º 3, do CPC. A jurisprudência tem vindo a entender que tudo se passa como se a resposta a tais questões (supostamente) de “facto” fosse de considerar não escrita. Nesta linha, veja-se o acórdão da Relação do Porto de 07-10-2013, no proc. n.º 488/08.1TBVPA.P1, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança do respetivo sumário: “Na vigência do Código de Processo Civil anterior, mas igualmente após 1.09.2013, ocasião em que passou a vigorar a Lei 41/2003, de 26 de junho (NCPC) a matéria de facto à qual há que aplicar o direito tem de cingir-se a verdadeiros factos e não a questões de direito ou a meros juízos conclusivos. Neste sentido, a revogação do artigo 646, n.º 4 do anterior CPC, não significa que o princípio nele estabelecido haja sido alterado.” E o acórdão do STJ de 07-05-2014, no proc. n.º 39/12.3T4AGD.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, citando-se parte do respetivo sumário: “I - Compete ao Supremo Tribunal de Justiça, por tal constituir matéria jurídica, apreciar se determinada asserção – tida como “facto” provado – consubstancia na realidade uma questão de direito ou um juízo de natureza conclusiva/valorativa, caso em que, sendo objeto de disputa das partes, deverá ser julgada não escrita.” Numa outra perspetiva, com resultado equivalente, veja-se de Paulo Ramos de Faria, no seu artigo “Escrito ou não escrito, eis a questão! (A inclusão de proposições de direito na pronúncia de facto)”, publicado na Revista JulgarOnline, novembro de 2017, em que o autor explica a razão de ser do preceito constante do art. 646.º, n.º 4, do anterior Código de Processo Civil, concluindo que “é manifestamente errada a inclusão de proposições de direito na pronúncia de facto. Sinalizado o erro, tais proposições devem ser tidas por imprestáveis, inúteis ou irrelevantes – vale qualquer predicação que evidencie a sua inidoneidade para, no lugar de um facto, servir de premissa ao silogismo judiciário –, mas nunca por inexistentes ou não escritas.” No caso dos autos, face ao objeto do litígio e ao objeto do recurso, é manifesto que tal alínea da decisão da matéria de facto, a não ser vista como acima indicámos, isto é, reportada à comunicação da Autora, descrevendo o que esta considerava ser uma prática da Ré VF, entra no domínio da questão de direito a decidir, redundando numa inadmissível conclusão, sem o suporte de factos concretos, incipientemente alegados na Petição Inicial, nos termos acima descritos. Assim, contrariamente ao que a Autora / Apelante afirma ou sugere, não está provado (nem, foi, aliás, alegado) que os produtos à venda nos Hipermercados nacionais foram vendidos pela Ré VF a empresas redistribuidoras do mesmo Grupo, designadamente à VF Germany. Mais, não está provado que a Ré tenha vendido os seus produtos no nosso País a outra empresa que não fosse a Autora. Atentando nos factos efetivamente provados, não se descortina nenhuma atuação por parte da Ré VF passível de configurar uma violação da sua obrigação de exclusividade, nada sugerindo sequer que tenha efetuado - diretamente ou “dissimuladamente” - quaisquer vendas concretas de produtos Eastpak a empresas nacionais, não estando demonstrado que tenha praticado factos concretos e danosos que se possam presumir de ilícitos ou culposos, sendo certo que a presunção legal de culpa consagrada no art. 799.º do CC não pode operar num “vazio fáctico”. É que uma tal presunção (de ilicitude e culpa) não tem, não pode ter, o alcance de funcionar como uma espécie de presunção de nexo causal, de modo a considerar-se que os produtos Eastpak à venda nas grandes superfícies nacionais haviam sido vendidos pela Ré às empresas proprietárias desses estabelecimentos comerciais. Questão diferente é a de saber se a Ré VF, confrontada com a realidade das vendas dos produtos Eastpak em Hipermercados, que as partes atribuíam à possível contrafação e, sobretudo, ao fenómeno das importações paralelas, tinha o dever, como defende a Autora, de ter “feito mais”, para contrariar essa situação. Ora, é a este propósito que importa convocar os deveres acessórios de conduta e avaliar se, como sustenta a Autora, à Ré VF não bastava o recurso às vias judiciais nos moldes em que o fez, mas haveria ainda de se ter abstido de fazer vendas que pudessem “desembocar” no mercado paralelo. Note-se que, a este respeito, na motivação da sentença recorrida constam as seguintes considerações “É certo que as Rés poderiam ter uma política mais activa de prevenção de situações como aquela a que se reportam os autos, nomeadamente de prevenção de vendas paralelas, deixando simplesmente de vender a empresas que provavelmente iriam escoar os seus produtos em supermercados, ou impondo condições contratuais (preços) que o impediam de facto de o fazer, ao invés de promover processos judiciais com vista à resolução do problema das vendas paralelas. Porém, exigir isso seria o mesmo que exigir que as Rés deixassem de comercializar os seus produtos com todas as empresas que suspeitasse de tais práticas futuras, ou seja, após a venda a estas, o que não é exigível, ou então que as sancionasse com um embargo de vendas.” Embora deslocadas, estas considerações têm a sua razão de ser, sendo também neste conspeto que nos parecem ter cabimento as afirmações feitas na sentença recorrida a respeito da falta de “dolo” ou pelo menos “negligência” na atuação da Ré no tocante às vendas a empresas de “trading” sedeadas fora do espaço nacional. Em bom rigor, o problema não é de culpa (em qualquer das suas modalidades), mas de boa fé, na medida em que, se estivessem provadas concretas vendas por parte da Ré VF (ainda que por “interposta pessoa”) a empresas de “trading” (de fora do território nacional), as quais, por sua vez, vendessem os seus produtos a Hipermercados em Portugal, poder-se-ia discutir, à luz do princípio da boa fé, se a Ré deveria ter-se abstido de efetuar essas vendas. Porém, um tal dever de abstenção, propalado pela Autora, apenas poderia ser convocado no caso de a Ré VF saber o destino que, por certo ou muito provavelmente, iria ser dado tais produtos. Ora, mesmo sendo os produtos à venda nas grandes superfícies nacionais provenientes das chamadas vendas paralelas (efetuadas por empresas de “trading”), o certo é que nada – rigorosamente nada – nos permite afirmar que a Ré tinha (ou devia ter) de antemão conhecimento do destino dos produtos que vendia aos distribuidores oficiais dos diferentes países da União Europeia, em particular que alguns desses produtos acabariam por certo nas grandes superfícies nacionais. Até nos parece que a atuação da Ré foi sendo contrária, na medida do possível, às importações/vendas paralelas. E dizemos “na medida do possível” porque esse fenómeno, contrariamente ao que a Autora parece sustentar, não pode ser perspetivado como uma espécie de “mercado negro” ilegal a combater a todo o custo, numa visão desligada do Direito da Concorrência (da União Europeia e do nosso País) e dos princípios fundamentais e regras aplicáveis nos países da União Europeia, em que avulta o direito à livre circulação de mercadorias originárias dos Estados-Membros e de produtos provenientes de países terceiros que se encontrem em livre prática nos Estados-Membro (cf. artigos 26.º e 28.º a 37.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia). Na verdade, a compatibilização dos contratos de distribuição comercial com as regras de Defesa da Concorrência constitui uma problemática complexa, bem ilustrada, por exemplo, no interessante artigo de Sónia de Carvalho, “Algumas notas sobre o contrato de distribuição seletiva” publicado na obra “Estudos de Homenagem a Fernando de Araújo Barros”, saudoso Juiz Conselheiro do STJ, que se encontra disponível online em http://repositorio.uportu.pt/jspui/handle/11328/1844. Nesse artigo, além de nos dar a noção e o conteúdo do contrato de distribuição seletiva, inserindo-o na categoria jurídica dos contratos de distribuição e confrontando-o com outros contratos da mesma categoria, bem como fazendo o seu enquadramento jurídico, a autora explica alguns efeitos na concorrência do contrato de distribuição seletiva. Pelo seu interesse, citamos algumas passagens esclarecedoras (cf. págs. 451-458; omitimos na citação as notas de rodapé, com exceção das que incluímos entre parenteses retos; sublinhado nosso): “Este contrato, apesar de apresentar várias vantagens para ambas as partes, suscita, como já fomos dando nota ao longo deste artigo, algumas preocupações relativamente aos efeitos na concorrência, muito embora sejam também reconhecidos os ganhos de eficiência. (…) No entanto, a recusa de venda a fornecedores não selecionados, inerente ao sistema de distribuição seletiva, tem suscitado algumas dúvidas, sob o ponto de vista jusconcorrencial, atendendo a que excluindo distribuidores do mercado, este sistema pode diminuir a concorrência intramarca e facilitar a colusão entre fornecedores e distribuidores. A recusa pelo produtor de vender aos distribuidores que não possuam as características qualitativas necessárias à venda dos produtos tem sido encarada com tolerância pelo Direito da Concorrência da União Europeia e pelos vários direitos dos Estados-membros, desde que a seleção dos distribuidores esteja alicerçada em critérios objetivos de natureza qualitativa que são estabelecidos uniformemente e disponibilizados a todos os revendedores potenciais, sem discriminação, e a natureza do produto justifique esta sistema de comercialização. [No entanto, como alertam Korah, Rothnie, Exdusive distribution, cit, 255, nota 6, pode, em lugar de ser ditada pelas necessidades de comercialização dos produtos encapotar um conluio para prevenir a importação paralela e os distribuidores que atuam com margens menores]. A distribuição seletiva pode também conduzir a distorções na concorrência intermarcas conduzindo a práticas anticoncorrenciais, mas também pode aumentar a concorrência intramarca, melhorando a distribuição, garantindo a venda de produtos de elevado valor acrescentado e complexidade técnica em boas condições e assegurando um bom serviço pós-venda. Nesse sentido, no que concerne à aplicação do art. 101.º do TFUE, os tribunais da União Europeia consideram que é inerente à distribuição seletiva uma restrição na concorrência, desde logo, porque restringindo os distribuidores que comercializam o produto, limita a distribuição dos produtos, referida no art. 101.º, n.º 1, al, b) do TFUE. No entanto, a jurisprudência da União Europeia tem entendido que esta pode ser justificada pela natureza especifica dos produtos e pelas exigências da sua distribuição, dado que contribui para melhorar a concorrência na parte em que esta não se exerce unicamente sobre os preços, um fator de concorrência em conformidade com o art. 101.º, n.º 1 do TFUE. [(…) A recusa em contratar subjacente a este sistema é uma conduta que, para além de desafiar o art. 101.º do TFUE, pode ser reconduzida a um abuso de posição dominante proibido no art. 102.º TFUE. (…) Não obstante a análise da recusa em contratar extravase o âmbito deste artigo, impõe-se referir que esta conduta, pelos efeitos concorrenciais que pode produzir, para além de ser sindicada pelo direito da concorrência da União Europeia, também tem merecido a atenção das normas de direito da concorrência dos Estados-membros.] O Regulamento n.º 330/2010 referente ao reconhecimento de uma Isenção por Categoria aos acordos de fornecimento e de distribuição traduz, de forma nítida, o balanço entre os efeitos anticoncorrenciais e os beneficios pró-competitivos, inerente ao tratamento jusconcorrencial da distribuição seletiva. A distribuição seletiva, independentemente da natureza do produto em causa e da natureza dos critérios de selecção, beneficia da isenção de categoria. Nesse sentido, a distribuição seletiva qualitativa e quantitativa está isenta, pelo Regulamento n.º 330/2010, desde que as quotas de mercado do fornecedor e do comprador não ultrapassem, cada uma delas, 30%, mesmo que combinadas com outras restrições verticais não graves, tais como uma obrigação de não concorrência ou a distribuição exclusiva, desde que as vendas ativas por parte de distribuidores autorizados, entre si e a utilizadores finais, não seja restringida. (…) A restrição de fornecimentos cruzados entre distribuidores designados no âmbito de um sistema de distribuição seletiva, independentemente de estarem em níveis distintos do processo económico, também é considerada uma restrição grave constante do artigo 4.º, alínea d), do Regulamento 330/2010. Deste modo, a distribuição seletiva não pode ser combinada com restrições grossistas nem com limitações à aquisição, como a compra exclusiva, que forcem os distribuidores a adquirirem os produtos contratuais apenas a uma única fonte. A possibilidade de aquisição dos produtos no interior da rede de distribuidores tem por finalidade assegurar um nível de concorrência mínimo no interior da própria marca, que quer a jurisprudência quer a Comissão reputam essencial ao processo concorrência. O trajeto da disciplina europeia da concorrência relativamente à distribuição seletiva traduz, igualmente, nos vários avanços e recuos, este efeito bipolar reconhecido à distribuição seletiva, nomeadamente, sempre que esta seja um obstáculo à realização de importações paralelas, matéria particularmente sensível para a União Europeia na construção do mercado interno. Na verdade, a distribuição seletiva surge associada à importação paralela, fenómeno normalmente correspondente à venda fora dos canais de distribuição utilizados pelo produtor. Pesem embora as vantagens inerentes à distribuição seletiva, a jurisprudência dos tribunais da União Europeia tem assumido, com algumas exceções apenas, uma posição hostil quando é alegado que este sistema de distribuição pretende prevenir as importações paralelas. A União Europeia, apesar de admitir a distribuição seletiva para certos produtos, assume perante a importação paralela uma postura complacente, com a convicção que esta facilita a integração dos mercados, um dos objetivos fundamentais da União Europeia (cfr. art. 3º, n.º 3 do TUE e arts. 26.º e ss do TFUE). Alguma doutrina considera que as importações paralelas tiveram um papel essencial na disciplina europeia da concorrência, enquanto forma dos consumidores terem acesso a outras formas alternativas de fornecimento dos produtos, bem como dos distribuidores se abastecerem junto dos distribuidores da marca fora do território abrangido pela exclusividade.” Tudo ponderado, face ao conjunto dos factos apurados e ao quadro normativo aplicável, concluímos que não se mostra verificado um incumprimento contratual por parte da 1.ª Ré, designadamente da obrigação de exclusividade e/ou quaisquer deveres acessórios, apenas se podendo imputar as vendas em Hipermercados nacionais ao fenómeno das chamadas vendas paralelas, potenciado pela livre circulação de mercadorias, no mercado interno dos países da União Europeia. E tanto basta para que não possa ser assacada à Ré VF a responsabilidade obrigacional pelos invocados danos, improcedendo, sem necessidade de mais considerações, as conclusões da alegação de recurso. 3.ª questão - Da indemnização “pela clientela” Na sentença recorrida fundamentou-se a decisão de absolvição das Rés do pedido de indemnização de clientela (parcela indemnizatória no valor de 502.188,77 €) designadamente com as seguintes considerações: «(…) também há que reter que dos autos resultou claro e evidente a inexistência de qualquer relação contratual entre a Autora e a Ré Jansport, seja comercial, seja de qualquer outra espécie. Quanto muito poder-se-ia dizer que a Ré Jansport beneficiou com o trabalho de promoção da marca Eastpack por si gerida em território nacional e que, como tal e em abstrato, face à inexistência de qualquer contrato, haveria lugar a um enriquecimento sem causa nos termos do art. 473.º do Código Civil. Porém, no caso dos autos, o trabalho desenvolvido pela Autora de promoção da marca Eastpack tem uma causa justificativa, a saber a relação comercial desta com a Ré VF, na sequência da qual a Autora lucrou ao longo de diversos anos. Inexiste assim qualquer fundamento, de qualquer espécie, para responsabilizar a Ré Jansport por qualquer dano decorrente da cessação contratual existente entre a Autora e a Ré VF pelo que nada mais restará a este Tribunal senão absolver a Ré Jansport de todos os pedidos contra esta efectuados. (…) No mais, há ainda que atender ao exposto no art. 33.º n.º 1 do DL n.º 178/86 de 03 de Julho o qual prescreve que o direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente, certos requisitos. Porém, não podemos olvidar o n.º 3 da referida disposição legal a qual refere que não é devida indemnização de clientela se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente (neste caso Concessionário) ou se este, por acordo com a outra parte, houver cedido a terceiro a sua posição contratual. Da matéria de facto considerada como provada retira-se que a cessação do contrato resultou de razões imputáveis à Autora nomeadamente da suspensão das relações comerciais por si comunicada à Ré VF devido a motivos que não se lograram demonstrar, assim como da existência de uma dívida vencida e não paga a esta, pelo que perante o exposto, improcedem os pedidos de indemnização formulados pela Autora contra a mesma”. A Autora diverge deste entendimento, sustentando ter direito a uma indemnização de clientela, com argumentos que são, em síntese, os seguintes: - A relação contratual das partes cessou com a ilícita resolução por parte da VF como reação às ações lícitas da Autora - atinentes à “suspensão das relações comerciais” com “retenção” dos valores devidos à VF, retenção que considera estar abrangida pelo disposto no art. 35.º do Decreto-Lei n.º 178/86 -, pelo que não se encontra preenchida a previsão do art. 33.º, n.º 3, do mesmo diploma, estando preenchidos, no que à Ré VF concerne, todos os pressupostos da atribuição de uma indemnização de clientela, à luz da aplicação analógica deste artigo, em face dos factos descritos em F., G., H., K., L., M., N., O., P., FFF. CCCC., DDDD., EEEE. e TTTT., a tanto não obstando a circunstância de aquela ter vendido, depois da resolução do Contrato, produtos Eastpak que a VF antes lhe havia vendido (Facto DDDDDDDDD. da Sentença), não tendo a resolução do Contrato a virtualidade de retirar à Autora a faculdade de disposição do stock de produtos Eastpak que é sua propriedade; - O trabalho realizado pela Autora no âmbito do Contrato implicou os seguintes custos: (i) 1.482.681,57 € em publicidade com promoção e divulgação da marca Eastpak em Portugal (Factos V. e FFF.); (ii) 892.260,72 € com patrocínios de 2001 até 2013 (Facto MMM.); (iii) 57.111,04 € com reparação das mochilas entre 2000 a 2011 (Facto EE. da Sentença); (iv) 3.282.855,41 € com pessoal (Facto EEE.); - Estão verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa da Ré Jansport nos termos do art. 473.º, n.º 1, do CC): (a) a existência de um enriquecimento; (b) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; (c) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento; e como a Ré Jansport não é parte no Contrato, o instituto do enriquecimento sem causa é o único meio legal à disposição da Autora para lograr uma compensação pelos benefícios da atividade por si desenvolvida que a Ré Jansport conservou após o desaparecimento de uma causa justificativa, devendo ser condenada, tal como a Ré VF, no pagamento solidário do montante de 502.188,77 €, correspondente à “ausência das retribuições que a Autora deixa de auferir por contratos negociados ou concluídos com clientes dos produtos Eastpak”. As Rés discordam argumentando, em síntese, não ser devida tal indemnização, não tendo qualquer apoio a interpretação da Autora no sentido de imputar à 2.ª Ré a obrigação de indemnizar a título de enriquecimento sem causa, pois a causa justificativa da valorização da marca da 2.ª Ré resulta do acordo de licenciamento desta com a 1.ª Ré e dos atos que esta última praticou, ao nível nacional, com os distribuidores europeus. Apreciando. Cumpre decidir se as Rés estão obrigadas a pagar à Autora uma indemnização “pela clientela”, sendo a 1.ª Ré em consequência da cessação do contrato de distribuição, por analogia com o regime do contrato de agência, e a 2.ª Ré com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa. É fora de dúvida que o contrato em apreço não pode ser qualificado como um contrato de agência, regulado pelo Decreto-Lei n.º 178/86, de 03-07, na redação introduzida Decreto-Lei n.º 118/93, de 13-04. Não obstante a qualificação jurídica feita na sentença recorrida, como contrato de concessão comercial, mais nos parece, sem certezas, até pela indefinição acrescida da falta de redução a escrito do mesmo, estarmos perante um contrato de distribuição seletiva e exclusiva ou, pelo menos, um contrato que combina elementos destes contratos. Seja qual a posição que se adote, tal não irá afetar, segundo cremos, a solução do caso concreto, dada a natureza comercial destes contratos de distribuição, atípicos e próximos do contrato de agência, propiciando um raciocínio análogo no que concerne ao problema da aplicabilidade, por analogia, do regime jurídico do contrato de agência (em particular das normas relativas à cessação do contrato). Com efeito, a doutrina tem vindo a reconhecer que o regime do contrato de agência contempla um conjunto de regras que são passíveis de aplicação analógica, dando resposta às questões que se suscitam nas situações omissas (não expressamente reguladas nos diferentes contratos de distribuição comercial), contanto de verdadeiras lacunas se tratem. Assim, como refere Sónia Carvalho, artigo citado, pág. 468, nota 58: “A comercialidade do contrato de concessão e da distribuição seletiva resulta da analogia legis com o contrato de compra e venda mercantil, atendendo a que, em ambos os contratos, há a venda e aquisição de coisas móveis para revenda, com a prossecução, não só, mas também, da atividade mercantil de intermediação de trocas. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, col. 1, 9.ª ed, Almedina, 2013, pp. 97-98, colocando ênfase nas muitas diferenças existentes entre a concessão e a compra e venda mercantil, fundamenta a comercialidade deste contrato, por analogia iuris, considerando que a concessão consubstancia um ato de intermediação nas trocas, integrado no comércio em sentido económico e jurídico. Entendemos que, apesar das diferenças existentes entre a compra e venda mercantil e estes contratos, é possível recorrer analogia legis para a respetiva qualificação, uma vez que subjacente a estes contratos, ainda que não seja de forma exclusiva, está a intermediação nas trocas, ou seja, a interposição entre oferta e a procura). (…)”. Também Engrácia Antunes, na obra citada, depois de discorrer sobre a noção e as caraterísticas do contrato de concessão comercial, caraterizando-o como “um contrato-quadro ("Rahmenvertrag", "contrat-quadre") no sentido em que visa criar e disciplinar uma relação jurídica de colaboração estável e duradoura entre as partes, cuja execução se traduz na celebração futura entre estas de sucessivos contratos de compra e venda” (cf. pág. 447), se pronuncia a respeito do respetivo regime jurídico (cf. págs. 450-451), referindo o seguinte (omitimos na citação as notas de rodapé; sublinhado nosso): “I. Em sede geral, tratando-se de um contrato (legalmente) atípico, o regime jurídico da concessão comercial será primordialmente fixado pelas próprias partes contratantes (concedente e concessionário), sem prejuízo da relevância das regras legais pertinentes, gerais (v.g., arts. 217.º e segs. do CCivil, LCCG) ou sectoriais (v.g., regras da concorrência: cf. arts. 4.º e segs. da LGC de 2003, Regulamento da Autoridade da Concorrência n.º 9/2005, de 3 de Fevereiro, Regulamento CE/2790/1999, de 22 de Dezembro). II. Relativamente às lacunas do regime jurídico-contratual predisposto pelas partes, a doutrina e a jurisprudência portuguesas - como, de resto, o próprio legislador (cf. n.º 4 do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho) - têm admitido o recurso à analogia com o regime legal do contrato de agência: quase escusado seria dizê-lo, este recurso não é automático mas casuístico, apenas sendo legítimo recorrer à aplicação de uma dada norma, injuntiva ou supletiva, daquele regime legal quando, à luz da respectiva "ratio", seja de concluir pela sua identidade ou analogia com o caso omisso. Particularmente relevantes são aqui as normas em matéria da cessação do contrato e da indemnização de clientela. IB. Naturalmente, nem sempre o recurso à extensão analógica da disciplina legal da agência constituirá panaceia para as eventuais lacunas contratuais. Basta assim pensar, por exemplo, no problema do destino dos produtos guardados em "stock" pelo concessionário em caso de cessação contratual — sendo discutida, na ausência de cláusula contratual expressa, a atribuição ao concedente de uma obrigação de retoma desses produtos e ao concessionário de um direito de indemnização”. Já sobre a distribuição seletiva, refere este autor (cf. págs. 465-466) o seguinte (omitimos, de novo, as notas de rodapé): “I. Designa-se por distribuição selectiva ("selektiven Vertrieb", "distribution sélective", "distribuzione selettiva") o contrato mediante o qual um empresário se vincula a fornecer os seus produtos, geralmente de marca, luxo ou qualidade, exclusivamente a um conjunto de revendedores especialmente seleccionados, que os revendem em nome e por conta própria. II. Negócio atípico e inominado, o contrato de distribuição selectiva, enquanto peça negocial básica de um sistema de distribuição comercial homónimo, representa fundamentalmente, à semelhança da concessão comercial e da franquia, um contrato-quadro criador e regulador de futuros contratos de compra e venda entre produtor e distribuidor selectivo. Entre as características distintivas deste contrato, destacam-se a obrigação de exclusividade de fornecimento assumida pelo produtor, importador ou fornecedor (que se vincula a vender os seus produtos a um lote fechado de revendedores por si seleccionados), a maior especialização ou exigência dos critérios de selecção dos distribuidores, e a acrescida autonomia por estes usufruída no âmbito da rede distributiva do produtor: trata-se, todavia, de traços meramente tendenciais, que a prática se encarrega frequentemente de esbater, tornando as fronteiras algo fluidas.” Ainda a respeito do enquadramento jurídico do contrato de distribuição seletiva, Sónia de Carvalho, no artigo citado, desenvolve algumas considerações, que, pela sua pertinência para o caso, passamos a citar (págs. 465-480; apesar de extensa, parece-nos útil esta citação, para melhor compreensão da problemática; omitimos, todavia, na citação as notas de rodapé): “O contrato de distribuição seletiva, tal como os restantes contratos de distribuição, é um tipo social, ou seja, um tipo que emerge da prática negocia1, sendo certo que, enquanto o contrato de agência foi objeto regulamentação jurídica, os outros permanecem atípicos, mas gozando de tipicidade social. Os contratos de distribuição, onde se inclui o contrato de distribuição seletiva, atenta a complexidade da causa não podem ser reconduzidos aos contratos típicos constantes dos códigos nem aos existentes na legislação mercantil avulsa. Estas figuras contratuais evidenciam, desde logo, uma certa contradição, pois, não obstante seja afirmada a autonomia e independência do distribuidor face ao produtor, tal não impede que a doutrina os considere contratos de dependência. As relações de interdependência que emergem da estreita e longa colaboração que caracteriza os contratos de distribuição leva a que alguma doutrina os insira nos relational contracts. Esta interdependência assume especial destaque no momento em que o contrato termina, já que, dada a subordinação do distribuidor à política comercial prosseguida pelo produtor, este, na maior parte das situações, fica economicamente dependente do produtor, em especial quando estão previstas obrigações de não concorrência. Nesse sentido, cedo a doutrina e os tribunais procuraram encontrar soluções no ordenamento jurídico que, impondo regras que disciplinassem a cessação do contrato e as respetivas consequências, nomeadamente, no que diz respeito a prazos de aviso prévio, à sindicância das causas subjacentes à cessação do contrato, ao montante da indemnização e à indemnização da clientela, colmatassem a debilidade do distribuidor. A disciplina do contrato de distribuição seletiva, à semelhança do que se verifica com o contrato de concessão comercial e de franquia, estará entregue, em primeiro lugar, ao clausulado previsto pelas partes, desde que este não contenha normas ilícitas, considerando que foi celebrado ao abrigo da liberdade contratual prevista no art. 405.º do CC. Não obstante a sua natureza jurídico-mercantil, estes contratos também estão sujeitos às regras gerais do Código Civil referentes ao direito dos contratos e aos negócios jurídicos. Enquanto contratos que, normalmente, são celebrados através de cláusulas contratuais gerais, também é aplicável o regime jurídico deste tipo de cláusulas, previsto no DL n.º 446/85, de 25 de outubro. O contrato de distribuição seletiva, bem como os restantes contratos de distribuição, incluindo, em certas situações, o contrato de agência, são objeto, quer no plano interno quer no plano da União Europeia, das normas relativas à defesa da concorrência, enquanto acordos verticais restritivos da concorrência. Como já demonstrámos, o mínimo denominador comum entre os contratos de distribuição que analisámos coincide com a noção de contrato de agência, o que tem levado a doutrina e jurisprudência, no âmbito do enquadramento legal destes contratos de distribuição, a indagar se é possível aplicar, por analogia, o regime do contrato de agência, enquanto contrato típico mais próximo, a estes contratos, em especial no que diz respeito à cessação do contrato, A analogia, enquanto instrumento jurídico de integração de lacunas, exige, desde logo, que a norma ou normas suscetíveis de aplicação analógica regulem interesses e fins idênticos à situação onde se verifica a existência de uma lacuna. Assim, é necessário verificar se estes contratos tutelam interesses comuns e cumprem finalidades idênticas. O concessionário, o franquiado e o distribuidor seletivo, como já tivemos oportunidade de assinalar, distinguem-se do agente, na medida em que são comerciantes que compram para revenda, que atuam em nome e por conta própria, assumindo o risco da comercialização. Ora, pesem embora estas diferenças, a verdade é que estes contratos, como já referimos, destinam-se a cumprir a mesma função económico-social, ou seja, a distribuição de bens do produtor. Com efeito, em todos estes contratos recai sobre o distribuidor a obrigação de zelar pelos interesses do produtor e de promover a distribuição dos bens e da marca do produtor. Aliás, é com base nesta obrigação de promover os negócios da outra parte que é justificada a autonomia dos contratos de distribuição como categoria jurídica, como já referimos. Por outro lado, também é verdade que, no plano interno, a relação que se estabelece entre concedente, o franquiado e o distribuidor seletivo e a respetiva contraparte é muito semelhante à relação que se estabelece entre o agente e o principal. Como tivemos oportunidade de assinalar, todos estes contratos são marcados por uma relação duradoura de colaboração entre as partes, através da qual o distribuidor fica integrado na rede de distribuição do produtor. Esta integração é acompanhada pela sujeição do distribuidor às instruções e diretivas do produtor e ao respetivo poder de fiscalização. A existência destas características comuns, não obstante a diferente intensidade com que estão presentes em cada um destes contratos, justifica, por isso, a aplicação analógica do contrato de agência. No entanto, esta perspetiva macrojurídica não é suficiente para concluirmos pela aplicação analógica do regime da agência, sendo necessário verificar, numa perspetiva microjurídica, se a ratio legis da norma que vai ser aplicada analogamente é adequada ao caso concreto a regular. Esta questão assume particular relevo quando está em causa a aplicação de regras imperativas, como é o caso das atinentes à cessação do contrato, nomeadamente, a referente ao pagamento da indemnização de clientela ao agente. A proteção do distribuidor nos contratos de distribuição é um dos aspetos que têm merecido a preocupação da União Europeia, sendo considerada a preservação da independência do distribuidor relativamente ao produtor um meio para reprimir restrições à concorrência e preservar a situação concorrencial do distribuidor. A justificação para a integração de lacunas, através da aplicação analógica do regime jurídico da agência, em especial as referentes à cessação do contrato, reside no facto de esta fase do contrato ser o domínio no qual a ausência de regulamentação legal levanta maiores problemas e onde é mais notória a proximidade entre estes contratos. No entanto, a aplicação, por via da analogia, das regras atinentes à indemnização de clientela ao contrato de concessão e à franquia tem suscitado algumas dúvidas na doutrina e jurisprudência, não sendo sequer equacionada com autonomia, no caso do contrato de distribuição seletiva. Impõe-se, desde logo, verificar se as normas que atribuem ao agente o direito a uma indemnização de clientela, no nosso ordenamento, constantes dos arts. 33.º e 34.º do DL n.º 178/86, tutelam interesses semelhantes aos destes contratos, incluindo o contrato de distribuição seletiva, que se pretendem disciplinar legalmente e se a ratio legis das normas é compatível com a situação jurídica que se pretende regular. Tal significa, na esteira da posição propugnada por Pinto Monteiro, averiguar, em primeiro lugar, se a atividade do distribuidor seletivo pode ser equiparada à do agente, de forma a apurar a existência de interesses comuns e funções idênticas que justifiquem a aplicação analógica dos normativos em análise. Esta equiparação ao agente pressupõe que este distribuidor tenha zelado pelos interesses da contraparte, promovendo os seus bens e aumentando a clientela ou o volume de negócios, o que já demonstrámos que sucede. Num segundo momento, é necessário aferir se a ratio legis dos arts. 33.º e 34.º está de acordo com estes contratos. Estes artigos pretendem, como já analisámos, compensar o agente dos benefícios que o principal vai continuar a usufruir depois de cessado o contrato, exigindo-se, cumulativamente, que o agente tenha angariado clientela ou aumentado substancialmente o volume de negócios, critério que já terá de se mostrar preenchido na primeira fase do processo de aplicação analógica deste normativo, e que, no futuro, o principal continue a usufruir dessa clientela ou dessa atividade. A justificação da aplicação analógica destas normas exige, à semelhança do que acontece com o reconhecimento ao agente do direito à indemnização de clientela, o preenchimento dos requisitos legais: angariação de novos clientes ou aumento substancial do volume de negócios e o gozo pelo produtor, após a cessação do contrato, dos benefícios emergentes da atividade do distribuidor em causa. O preenchimento deste último requisito tem levantado maiores dificuldades, uma vez que, ao contrário da agência em que é o principal que contrata com os clientes, nos contratos de concessão, de franquia e de distribuição seletiva é o distribuidor que, atuando por conta própria, celebra os contratos com os clientes. Com efeito, nestes esquemas negociais é extremamente difícil à contra-parte beneficiar, depois da cessação do contrato, da clientela. Este requisito poderá, no entanto, considerar-se preenchido, se a contraparte, aquando da cessação do contrato, tiver efetivo acesso à clientela angariada pelo distribuidor. Este raciocínio, apesar de inicialmente limitado pela doutrina e jurisprudência ao contrato de concessão comercial, também pode ser estendido aos contratos de franquia e de distribuição seletiva. Com efeito, a unanimidade em torno do reconhecimento do direito do concessionário à indemnização de clientela na jurisprudência e doutrina nacional, permite-nos afirmar que, pelo mesmos motivos, também ao contrato de distribuição seletiva, verificados os requisitos da analogia, poderá ser aplicado o regime do contrato de agência, em especial na cessação do contrato, ainda que salvaguardadas as particularidades dos contratos em causa. (…) Aderimos assim à doutrina que reconhece o estatuto "matriz" ao contrato de agência relativamente aos contratos de distribuição, onde se inclui o contrato de distribuição seletiva, admitindo, desde que, verificados os pressupostos legais, a aplicação por analogia do respetivo regime jurídico, assumindo especial pertinência a indemnização da clientela. Esta solução vem de encontro a uma das inquietações do ordenamento jusconcorrencial da União Europeia, na medida em que a proteção do distribuidor é concebida como um meio de reduzir o risco de comportamentos restritivos da concorrência, ao reforçar a posição daquele em face do produtor.” Sobre a possibilidade de aplicação ao contrato de concessão comercial do disposto no citado n.º 1 do art. 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 (que regulamenta o contrato de agência ou representação comercial) já se pronunciou o STJ no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 6/2019 (publicado no DR Série I de 04-11-2019, também disponível em www.dgsi.pt), nos seguintes termos: “Na aplicação, por analogia, ao contrato de concessão comercial do n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril, inclui-se a respectiva alínea c), adaptada a esse contrato.” Por economia, remetemos para a abundante doutrina e jurisprudência aí citada, afigurando-se-nos despiciendos outros desenvolvimentos a este respeito, citando apenas, para finalizar, o que preceitua o referido art. 33.º, na redação introduzida pelo art. 1.º do Decreto-Lei n.º 118/93, sob a epígrafe “Indemnização de clientela”: “1 - Sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, nos termos das disposições anteriores, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos seguintes: a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente; b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente; c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a). 2 - Em caso de morte do agente, a indemnização de clientela pode ser exigida pelos herdeiros. 3 - Não é devida indemnização de clientela se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente ou se este, por acordo com a outra parte, houver cedido a terceiro a sua posição contratual. 4 - Extingue-se o direito à indemnização se o agente ou seus herdeiros não comunicarem ao principal, no prazo de um ano a contar da cessação do contrato, que pretendem recebê-la, devendo a acção judicial ser proposta dentro do ano subsequente a esta comunicação.” Transpondo estas considerações para o caso dos autos, parece-nos ser de concluir que, ante a cessação do contrato em apreço, se justifica aplicar analogicamente o disposto no citado art. 33.º, pelo que poderá ser devida uma indemnização de clientela, desde que não se verifiquem os factos impeditivos aí igualmente contemplados (cf. n.º 3). Naturalmente, se estes últimos, porque de matéria de exceção se trata, ocorrerem, torna-se inútil discutir o mais (isto é, da extensão da analogia às diferentes alíneas do n.º 1 do artigo e da verificação, no caso concreto, ante os factos provados, dos requisitos aí previstos). Como vimos, a 1.ª instância considerou que as razões pelas quais o contrato cessou se devem unicamente à atuação da Autora, na medida em que veio comunicar à Ré VF a suspensão das relações comerciais, invocando motivos que não logrou demonstrar, e não pagou a dívida relativa a faturas vencidas. Independentemente da qualificação jurídica da forma de cessação do contrato (e já foi decidido que se tratou de resolução por parte desta Ré), o que importa é perceber se as razões pelas quais tal cessação ocorreu (não) são imputáveis à Autora, como esta defende (afirmando estar errada a decisão recorrida a este respeito), sendo certo que, só na hipótese de considerarmos que tal não se verifica, é que cumprirá entrar na apreciação dos requisitos constitutivos do direito à indemnização de clientela. Ora, desde já adiantamos que, contrariamente ao que a Autora sustenta, não lhe era lícito recusar o pagamento de faturas vencidas, invocando uma “suspensão de relações comerciais” baseada em alegação de facto que não logrou comprovar (a de que, conforme confirmação obtida de fonte ligada à VF, as empresas do Grupo VF localizadas no Reino Unido e na Alemanha estavam a fornecer produtos Eastpak aos Hipermercados portugueses), muito menos depois de ter inclusivamente, com vista a obter novo fornecimento de mercadorias, vindo solicitar, no dia 5 de julho de 2013, a dilação do prazo de pagamento das faturas de julho para os meses de outubro, novembro e dezembro, ao que a VF anuiu (cf. alíneas JJJJJJJJ., KKKKKKKK., LLLLLLLL., MMMMMMMM., NNNNNNNN., OOOOOOOO., PPPPPPPP., QQQQQQQQ., RRRRRRRR., SSSSSSSS. e TTTTTTTT.). Com efeito, uma vez que se estava perante um “contrato quadro” - fosse de concessão comercial, fosse de distribuição seletiva - como “pano de fundo” de sucessivos contratos de compra e venda mercantil (cf. artigos 463.º a 476.º do Código Comercial), até poderíamos, em tese, admitir que a Autora, perante dúvidas (e não certezas, sublinhe-se) sobre quem estaria a fornecer mercadorias Eastpak aos Hipermercados nacionais, poderia suspender novas encomendas, para minimizar o risco de as não conseguir colocar no mercado dos distribuidores autorizados; o que, todavia, não podemos aceitar é que tal pudesse justificar a falta de pagamento de faturas já vencidas e que se comprometera a pagar, numa altura em que as vendas nos Hipermercados nacionais já eram, há muito, uma realidade do conhecimento de ambas as partes. Os contratos devem ser pontualmente cumpridos (cf. art. 406.º do CC) e foi a Autora / Apelante quem, sem qualquer dúvida, incumpriu a obrigação de pagar o preço das mercadorias vendidas pela Ré VF. Não tem qualquer cabimento a aplicação por analogia do disposto no art. 35.º do referido Decreto-Lei n.º 178/86, nos termos do qual “Pelos créditos resultantes da sua actividade, o agente goza do direito de retenção sobre os objectos e valores que detém em virtude do contrato”; é que as quantias por pagar nem sequer podem ser consideradas valores detidos pela Autora. De salientar que, não obstante essa tomada de posição, a 1.ª Ré não se precipitou a denunciar ou resolver o contrato, antes tentou ainda ultrapassar o “impasse” gerado pela conduta da Autora, enviando-lhe duas cartas, a primeira em 24-10-2013, interpelando-a ao pagamento de todas as faturas em dívida, caso, nos 10 dias contados da receção dessa carta, não honrasse o pagamento da primeira prestação de 159.030,82 €, e a segunda carta em 01-12-2013 (depois da resposta da Autora, em que continuou a pugnar pela legitimidade da “suspensão do contrato”), interpelando-a para que, no prazo de 15 dias, retomasse a execução do contrato e apresentasse um novo plano para o cumprimento dos valores em dívida e respetivos juros e mora, sob pena de, não o fazendo, considerar o contrato como definitivamente incumprido (alíneas UUUUUUUU., VVVVVVVV. e WWWWWWWW.), o que se mostra em linha com o disposto no art. 808.º do CC. Portanto, a Autora encontrava-se numa situação de mora no pagamento do preço das mercadorias fornecidas (incumprimento contratual que, esse sim, se presume culposo), não tendo ilidido essa presunção (cf. artigos 762.º e 799.º do CC), persistindo na recusa em pagar as faturas vencidas e retomar as relações comerciais, por motivos que não podemos deixar de considerar infundados, pois que tinha o ónus de provar os factos que alegou a esse respeito, e não o fez (cf. art. 342.º do CC). Por outro lado, perante o teor da carta de 11-10-2013 que a Autora enviou à Ré, na qual afirma terem existido comportamentos de “empresas do Grupo VF”, que constituem “uma violação gravíssima do acordo de distribuição exclusivo que detemos durante todos este anos”, bem como “um facto gerador de ilícito criminal”, os quais “conduzem irremediavelmente esta empresa para o descrédito no mercado e para a inviabilização da sua actividade, colocando em definitivo em causa os acordos comerciais que até esta data vinha mantendo”, e que nada pagaria “até ao apuramento de todas as responsabilidades e quantificação das indemnizações e penas criminais que venham a ser decididas pelos Tribunais”, mais nos parece que a Autora já não perspetivava vir a retomar quaisquer relações comerciais com a Ré VF, nem pagar as faturas em dívida, não se podendo ver na anunciada “suspensão de todas as relações comerciais” uma mera recusa temporária de pagamento como se de exceção dilatória de direito material se tratasse, antes se prenunciando a figura da compensação (que veio a ser invocada nos autos) e, sobretudo, uma recusa definitiva, inequívoca e concludente de não querer retomar o cumprimento do contrato que configura incumprimento definitivo. Assim, seja por ter persistido na sua posição após a interpelação admonitória feita pela Ré VF, seja pela recusa categórica em cumprir a obrigação contratual de pagamento do preço das mercadorias adquiridas e a obrigação de continuar a adquirir mercadorias à Ré VF para revenda aos distribuidores autorizados no mercado nacional, o certo é que se impõe concluir que a Autora incumpriu definitivamente o contrato em apreço. Por tudo isto, tendo sido a sua própria atuação que precipitou e ditou o fim do contrato, não é devida pela Ré VF uma indemnização de clientela, aplicando-se analogicamente ao caso o disposto no art. 33.º, n.º 3, 1.ª parte (que nos parece ser um afloramento do princípio da boa fé e da proibição do abuso do direito – cf. art. 334.º do CC). Finalmente, resta apreciar se a 2.ª Ré está obrigada a pagar a peticionada indemnização de clientela com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa. Como é sabido, este instituto encontra-se regulado nos artigos 473.º a 482.º do CC, estando o princípio geral consagrado no art. 473.º, com o seguinte teor: “1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. 2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.” O art. 474.º estabelece a natureza subsidiária da obrigação de restituir, preceituando que: “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.” Abundando a doutrina e jurisprudência a este respeito, destaca-se, pela sua clareza, a explicação de Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, págs. 454-456 (sublinhado nosso): “A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: a) É necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento. O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista. Umas vezes a vantagem traduzir-se-á num aumento do activo patrimonial (…); outras numa diminuição do passivo (…); outras, no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio, quando estes actos sejam susceptíveis de avaliação pecuniária (…); outras, ainda, na poupança de despesas (…); b) A obrigação de restituir pressupõe, em segundo lugar, que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa – ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido. (…) c) A obrigação de restituir pressupõe, finalmente, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição. A correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, em regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro. Ao enriquecimento injusto de uma pessoa corresponde o empobrecimento de outra.” Na jurisprudência, veja-se, por exemplo, o sumário do acórdão do STJ de 07-11-2017, na revista n.º 2140/12.4TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção, disponível em www.stj.pt (sublinhado nosso): “I - O enriquecimento sem causa pressupõe que ocorra um enriquecimento (i.e. a obtenção de uma vantagem de cariz patrimonial), que este seja desprovido de causa justificativa (porque nunca a teve, por não se ter verificado o escopo pretendido ou, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido, devido à supressão posterior desse fundamento) e que o mesmo haja sido obtido à custa de quem requer a restituição. O enriquecimento reputa-se sem causa quando o Direito não o aprove ou não consinta por inexistir uma relação ou um facto apto a justificar a deslocação patrimonial. II - A obrigação de restituir tem como objeto a medida do enriquecimento, a qual corresponderá à diferença entre a situação real e atual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria se não fosse a deslocação patrimonial operada.” De referir ainda a síntese constante do sumário do acórdão do STJ de 29-01-2014, proferido na Revista n.º 3354/05.9TBAGD.C2.S1 - 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt: “II - Pode formular-se para o caso de improcedência do pedido principal de restituição de uma quantia com fundamento na nulidade do mútuo o subsidiário de restituição de uma dada importância fundamentada no enriquecimento sem causa, instituto de cariz subsidiário. (…) IV - O requisito da «ausência de causa no enriquecimento» perfila-se como constitutivo do direito do autor que terá de o alegar e provar, a isto não obstando a circunstância de estarmos perante um facto negativo. V - O instituto do «enriquecimento sem causa» não visa reparar o dano sofrido pelo lesado (que é o escopo da responsabilidade civil) mas apenas o de eliminar o enriquecimento que o beneficiado obteve à custa deste; e tal enriquecimento corresponderá à diferença entre a situação real e actual do beneficiado e a situação hipotética em que ele se encontraria se não fosse a deslocação patrimonial operada.” E, por último, o acórdão do STJ de 28-06-2018, no proc. n.º 1567/11.3TVLSB.S2, de cujo sumário citamos as seguintes passagens: “II. Segundo o art.º 473.º, n.º 1, do CC, o enriquecimento sem causa tem como pressupostos fácticos essenciais: a) – a ocorrência de um enriquecimento na esfera patrimonial de alguém à custa de outrem; b) - a falta de causa jurídica justificativa para essa vicissitude. III. Além disso, o art.º 474.º do CC confere ao enriquecimento sem causa natureza subsidiária ou residual, consagrando assim o chamado princípio da subsidiariedade daquele instituto em relação a outros meios específicos de tutela. IV. O referido princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa deve ser interpretado na linha da sua articulação com um concorrente meio de tutela específico visto na sua funcionalidade em relação aos contornos do litígio em causa e não de forma absoluta ou meramente genérica.” Não se ignora a possível relação entre este instituto e o citado art. 33.º, nos moldes referidos, aliás, pela Sr.ª Juíza Conselheira Maria João Vaz Tomé na declaração de voto que fez no âmbito do referido acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ, com o seguinte teor (citação que, apesar da sua extensão, nos parece importante para a melhor compreensão do que está em causa; sublinhado nosso): «1 — Voto o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência na medida em que nele não está em causa a questão da (in)aplicação por analogia do regime da indemnização de clientela, previsto para o contrato de agência, ao contrato de concessão comercial. 2 — I. A indemnização de clientela encontra-se prevista e regulada nos arts. 33.º e 34.º do DL n.º 178/86, de 3 de julho (alterado pelo DL n.º 118/93, de 13 de abril) (doravante LCA). II. Na querela respeitante ao seu fundamento, têm prevalecido a tese da remuneração (complementar ou diferida) — considerando estar em causa o pagamento de uma retribuição suplementar pela atividade anteriormente exercida pelo agente — e a tese da compensação do enriquecimento sem causa — tendo em conta que, no termo do contrato, enquanto o principal beneficia injustamente das vantagens económicas associadas à fidelização dos clientes alcançada pelo agente, o agente fica, muitas vezes, empobrecido na medida das comissões que lhe caberia perceber se a relação contratual não houvesse cessado. III. Parece poder dizer-se, contudo, que nenhuma das teses referidas permite uma justificação inteiramente satisfatória da indemnização de clientela e da respetiva disciplina jurídica. IV. Assim, inter alia, nenhuma dessas teses se concilia com a circunstância de a indemnização de clientela não ser devida quando o contrato cessa pelo exercício discricionário da vontade do agente ou por motivo que lhe seja imputável. Não consentem, outrossim, compreender que esta indemnização seja calculada segundo juízos de equidade e que o seu quantum esteja sujeito a um limite máximo. V. A ideia que subjaz à disciplina jurídica da indemnização de clientela parece ser antes a da compensação do desequilíbrio que, uma vez extinta a relação contratual, se verifica muitas vezes entre as vantagens proporcionadas pelo contrato a cada uma das partes. Trata-se de um mecanismo de realização da justiça comutativa e de prevenção do abuso. VI. Muito diferentemente do agente — exposto, pelas características da sua atividade empresarial e pela estrutura típica da sua retribuição, a um risco anormal de aproveitamento injusto da situação de vantagem que a cessação do contrato pode proporcionar ao principal -, o concessionário não promove negócios e capta clientes para o principal; não atua no interesse e por conta do principal, e não se sujeita às suas instruções no que toca à política comercial a implementar; a sua remuneração não depende da obtenção de um resultado, cuja realização se afigura influenciada por uma multiplicidade de fatores; na sua empresa, o fator capital prevalece sobre o fator trabalho. VII. A onerosidade do contrato de concessão é muito diferente daquela do contrato de agência. O concessionário não é diretamente remunerado pelo concedente, antes realiza o seu proveito de forma independente. A sua contrapartida consiste na chance de obter rendimentos e lucros através da venda ou revenda dos produtos contratados, ou da prestação de serviços sob a marca do fornecedor, mas sempre no âmbito de uma atividade própria e independente. 3 — I. A ordem jurídica não consagra um princípio geral de compensação das vantagens que, de forma não direta, possam resultar para um sujeito do cumprimento, por outro sujeito, das obrigações típicas decorrentes de um contrato que ambos tenham celebrado. II. Via de regra, o ordenamento jurídico não sujeita o equilíbrio económico de cada negócio ao controlo — segundo critérios externos pré-definidos — por terceiros. III. Pode assim dizer-se que a indemnização de clientela se reveste de caráter excecional. IV. O contrato de concessão comercial coloca, como se disse, o concessionário numa posição diferente da do agente. As necessidades de tutela do concessionário podem ser satisfeitas mediante o recurso a outras figuras (v.g., a assim denominada indemnização por investimentos de confiança). Elas adequam-se suficientemente às características da atividade empresarial do concessionário. V. Pode dizer-se que se o sujeito que ocupava originariamente a posição de concessionário se vem ulteriormente a encontrar na posição de agente é porque o contrato se modificou, deixando de ser de concessão. VI. Não se descortina por isso, em regra, a existência de qualquer lacuna — da lei ou do direito — no que toca à proteção do concessionário; não há semelhança entre o conflito típico de interesses subsequente à cessação de um contrato de agência e o que surge aquando da cessação do contrato de concessão. Se a lei regula uma determinada situação de facto de uma maneira determinada, mas não contém nenhuma regra para outra situação de facto, que não é semelhante àquela no sentido da valoração encontrada, a falta de uma tal regulação não deve considerar-se uma lacuna da lei. VII. A analogia de situações suscetível de conduzir à aplicação do regime da agência não se verifica. Devido à falta de semelhança, ambas as situações não devem ser identicamente valoradas nos aspetos decisivos, porquanto as dissemelhanças prevalecem sobre as semelhanças. 4 — I. Em jeito de conclusão, creio que não deve ter lugar a equiparação pretendida. II. Para a hipótese de assim não se entender, de se considerar que, na cessação do contrato de concessão, pode haver uma parte da atividade do concessionário que não foi retribuída ou compensada — de acordo com a tese da remuneração ou da compensação do enriquecimento sem causa —, crê-se que a aplicação analógica da indemnização de clientela deve obedecer aos mesmos requisitos que se encontram legalmente previstos para o agente, não devendo amputar -se o respetivo regime da al. c), do n.º 1, do art. 33.º, da LCA. (Vide FERNANDO FERREIRA PINTO, “A indemnização de clientela no âmbito dos contratos de distribuição”, in Revista de Direito Comercial, 2019-01-02, pp.1 -30, disponível para consulta em www.revistadedireitocomercial.com; FERNANDO FERREIRA PINTO, Contratos de Distribuição — Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2013, pp.616 -735).» No caso dos autos, provou-se, é certo, que quando a Autora começou a comercializar os produtos da marca Eastpak, então fornecidos pela sociedade Coleman, S.A., tal marca era completamente desconhecida no mercado Português e muito pouco conhecida no mercado Europeu (alínea G.), sendo hoje em dia a marca líder em Portugal no segmento de mochilas e malas (cf. al. NN.). Pelo que não custa admitir que a 2.ª Ré terá beneficiado de um enriquecimento, obtendo uma vantagem de cariz patrimonial, com o aumento das vendas e o acréscimo de notoriedade da sua marca no mercado nacional. No entanto, de modo algum nos parece possível considerar verificada uma falta de causa jurídica justificativa para tal enriquecimento, tendo em conta os factos provados, em particular os vertidos nas alíneas RRRRRRR. (os produtos Eastpak são fabricados e comercializados a nível mundial pela sociedade comercial norte americana 2.ª Ré Jansport, sendo esta a titular dos registos da marca EASTPAK), TTTTTTT., XXXXX. e PP. (a partir do início do ano 2000 a Ré VF passou a assumir a distribuição e comercialização dos produtos da marca EASTPAK na Europa, com base numa licença concedida por aquela sociedade, tendo sido nessa data que se iniciou a relação comercial com a Autora, distribuidora em Portugal dos produtos dessa marca em regime de exclusividade), VVV. (a atividade desenvolvida pela Autora era feita em regime de exclusividade, pelo que os produtos das Rés deveriam ser distribuídos e comercializados em Portugal apenas pela Autora junto dos retalhistas autorizados por esta para a rede de revendedores autorizados Eastpak). É inequívoco que foi por causa do negócio, cuja legalidade não foi questionada, celebrado com a Ré VF, a sua distribuidora para a Europa, que a 2.ª Ré logrou obter o dito enriquecimento. Sempre se dirá que, além de um tal enriquecimento nada ter de “injusto” ou injustificado, a ser devida uma compensação segundo as regras do enriquecimento sem causa, haveria de ser fixada de harmonia com o disposto no art. 479.º do CC, sendo manifesto que a quantia peticionada de 502.188,77 € nada tem a ver com este normativo, considerando ter sido alegado pela própria Autora que tal verba corresponde à ausência das retribuições que deixou de auferir por contratos concluídos com clientes dos produtos Eastpak. O que evidencia bem que a Autora procura obter uma verdadeira indemnização por lucros cessantes, à qual, segundo o enquadramento fáctico e jurídico que defende (de ilícita resolução do contrato pela Ré VF), teria direito com fundamento em responsabilidade civil contratual por parte da Ré VF. Sendo certo que peticionou a condenação da Ré VF no pagamento dessa mesma quantia, a título de indemnização de clientela, direito que, como vimos, lhe foi negado, não se podendo, de modo algum considerar (como bem elucida a citada declaração de voto) que as regras do enriquecimento sem causa permitam obter uma solução igual à que resultaria da aplicação do citado art. 33.º. Portanto, estamos perante uma verba indemnizatória que foi exigida pela Autora / Apelante à Ré VF, com fundamento na aplicação analógica daquele preceito legal, o que se reconheceu ser a via legítima para obter a pretendida indemnização de clientela, tendo improcedido essa sua pretensão por razões imputáveis à atuação da própria Autora, por força de norma legal que expressamente vedava à atribuição de uma tal indemnização. Assim, sempre ficaria afastada, atenta a sua natureza subsidiária, a obrigação de restituir (cf. art. 474.º do CC). Destarte, improcedem inteiramente as conclusões da alegação de recurso, ao qual não pode deixar de ser negado provimento, ficando prejudicada a apreciação das questões suscitadas em sede de ampliação do âmbito do recurso requerida pelas Rés / Apeladas na sua alegação de resposta. Vencida a Autora / Apelante, é responsável pelo pagamento das custas do presente recurso (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC), dispensando-se, todavia, a mesma do pagamento de metade do valor remanescente da respetiva taxa de justiça, por tal se nos afigurar proporcionalmente mais adequado, considerando o valor do recurso (2.583.663,65 €) e uma vez que, sem embargo da sua relativa complexidade, não foi necessário, porque subsidiariamente requerida, apreciar a ampliação do âmbito do recurso, sendo a conduta processual das partes no que ao recurso concerne, refletida nas alegações que apresentaram, pautada pelo equilíbrio e alguma contenção (cf. artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC, e art. 6.º, n.º 7, do RCP). * III - DECISÃO Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. Mais se decide condenar a Autora / Apelante no pagamento das custas do recurso, dispensando-a do pagamento de metade do remanescente da respetiva taxa de justiça. D.N. Lisboa, 27-01-2022 Laurinda Gemas Arlindo Crua António Moreira |