Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
238/17.1PKSNT.L1-5
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
VÍCIOS DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PENA
PENA UNITÁRIA
PENAS ACESSÓRIAS
INDEMNIZAÇÃO OFICIOSA
RECORRIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: – A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes, tendo presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso.

– Com a Lei n.º 129/2015, de 3 de Setembro, o que o Código Penal estabelece como pena acessória surge, também, configurado como imposição de regras de conduta para protecção da vítima no âmbito da pena (de substituição) de suspensão da execução da pena de prisão.

– O regime-regra nos casos de condenação de um agente pela prática do crime de violência doméstica, em pena de prisão suspensa na sua execução, será o da sua subordinação à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, mas sempre se incluindo regras de conduta de protecção da vítima.

– Mesmo que não fosse no âmbito da pena acessória, sempre se impunha a subordinação da suspensão à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, mas sempre se incluindo regras de conduta de protecção da vítima, revestidas de real eficácia, surgindo, no caso, a pena acessória imposta ( proibição de contacto com a vitima, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância e de proibição de uso e porte de armas) surge como um adjuvante da pena principal, na realização das finalidades de prevenção especial, numa lógica de prevenção do conflito e de prevenção/intimidação que efectivamente proteja a vítima do risco de reincidência, como meio indispensável/imprescindível para a proteção dos seus direitos.

– Não resultando a condenação de um pedido de indemnização civil de demandante, mas da fixação oficiosa de indemnização a vítima de violência doméstica, nos termos da mencionada Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, entendemos que, da conjugação com o n.º2 do artigo 400.º do C.P.P., não existindo “enxerto cível”, o tribunal a quo não se encontrava limitado pelo valor do pedidoe, por conseguinte, poderia ter fixado uma indemnização superior ao valor da sua alçada. Por isso, entende-se à luz da "ratio legis" do disposto artigo 400º, nº 2, do C.P.P., que será de atender, apenas, à circunstância de a decisão impugnada ser desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal da primeira instância – como acontece no caso em apreço -, em ordem a aferir da sua recorribilidade.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–Relatório


1.No processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 238/17.1PKSNT.L1, B., melhor identificado nos autos, foi acusado pelo Ministério Público por factos que se considerou integrarem a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punível, pelo artigo 152.°- A, n.ºs 1 a 5, do Código Penal, e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível, pelos artigos 86.°, n.° 1, al. c), 2.°, n.° 4, alínea a), e 3.° n.° 4, alínea a), da Lei n.° 5/2006, de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 50/2013, de 24/07.

No despacho de designação de dia para julgamento foi determinada a notificação do arguido para, querendo, exercer o contraditório, por poder vir a ser ponderado o arbitramento de quantia à vítima, atento o crime de violência doméstica imputado, nos termos do disposto no artigo 82.°-A, do C.P.P. ex vi do artigo 21.º, da Lei n.º112/2009, de 16/09.

Em sede de audiência de julgamento foram comunicadas alterações não substanciais dos factos descritos na acusação, nos termos do artigo 358.°, n.° 1, do C.P.P., e bem assim alterações da qualificação jurídica, relativamente aos crimes imputados, para melhor precisão dos normativos aplicáveis, com vista a análise e eventual subsunção a um crime de violência doméstica agravado, previsto e punível pelo artigo 152.°, n.° 1, alíneas b) e c), n.° 2, alínea a) e n.°s 4 e 5, do Código Penal, e a um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86.°, n.° 1, alínea c), por referência aos artigos 2.°, n.° 3, alínea p) e n.° 4, alínea c) e 3.°, n.° 4, alínea a), todos da Lei n.° 5/2006, de 23/02.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
« Tudo visto e ponderado decido:
a)- Condenar o arguido B. , pela prática de:
Um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido, pelo artigo 152.°, n.° 1, alíneas b) e c) e n.° 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; e
Um crime de detenção de arma proibida, por consunção, previsto e punido, pelo artigo 86.°, n.° 1, alíneas c), por referência aos artigos 2.°, n.° 3, alínea p) e n.° 4, alínea c) e 3.°, n.° 4, alínea a), todos da Lei n.° 5/2006, de 23/02, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
b)- Operando o cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.°, ns.° I e 2, do Código Penal, condenar o arguido, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão;
c)- Suspender a pena de prisão aplicada, pelo período de 4 (quatro) anos, a contar do trânsito em julgado da decisão, sujeita a regime de prova, tudo nos termos do disposto nos artigos 50.°, 53.° e 54.°, todos do Código Penal;
d)- Condenar o arguido nas penas acessórias de proibição de contacto com a vitima, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 3 (três) anos, nos termos do disposto no artigo 152.°, n.° 4 e 5, do Código Penal;
e)- Condenar o arguido B., a pagar à ofendida CS, a quantia de € 3.000 (três mil) euros, a título de arbitramento da indemnização, nos termos do disposto no artigo 82.°-A, do Código de Processo Penal ex vi do artigo 21.°, da Lei n.° 112/2009, de 16/09;
f)- Tendo em conta a gravidade do crime cometido pelo arguido B.  e a pena em que foi condenado, ordenar a recolha de amostra de ADN ao arguido para criação de base de dados de perfis de ADN, nos termos do disposto no artigo 8.°, n.° 2, da Lei n.° 5/2008 de 12/02;
g)- Declarar perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos e examinados - fls. 404 e 405 determinando a sua remessa ao Comando Geral da P.S.P., nos termos do artigo 78.°, da Lei n.° 5/2006, de 23/02, na redacção dada pela Lei n.° 50/2013, de 24/07;
(…)»

2. O arguido recorreu da sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

I.O Arguido veio acusado e condenado na prática, em autoria material de:
a)- um crime de violência doméstica agravado, p.p. pelo art. 152.° n.°l al. b) e c) e do n.°2 al. a), do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, sob regime de prova.
b)- um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelas disposições conjugadas dos arts.s 86.°, n.°1, al.c); 2.° n.°3 al. p) e n.° 4 al. c) e 3.°, n.°4, al. a), todos da Lei n.°5/2006 , de 23 de Fevereiro, na pena de multa de 1 ano e 6 meses de prisão.
c)-nas penas acessórias de proibição de contacto com a vitima, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 3 anos, nos termos do art. 152.° n.°s 4 e 5 do Código Penal.
d)- a pagar à Ofendida a quantia de € 3.000,00, nos termos do art. 21.° da Lei n.° 112/09.
II.Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, em que se fez a produção de prova, sendo proferida a sentença objecto de recurso, a mesma contem erradamente provado os seguintes factos (2, 3, 4, 5, 7, 9, 16, 1 7, 27, 28, 30 e 31).
III.–O Arguido em sede de declarações, em audiência de julgamento, explicou a razão dos seus desentendimentos com a alegada Ofendida, que centram-se no facto de discórdias quanto aos direitos do pai para com o filho, o que foi atestado unanimemente por todas as testemunhas!!!
IV.–Enquanto não ficou fixado o regime do exercício das responsabilidades parentais e mesmo quando ficou fixado de inicio, a Ofendida não permitia que o pai estivesse livremente com o seu filho, chegando ao culminar de mentir, diversas vezes, ao Arguido, para que este não visse e estivesse com o filho, e a mais gritante foi a Ofendida ter decidido unilateralmente ir morar para Moimenta da Beira com o menor e o pai somente soube de tal, através do colégio que o menor frequentava, à data, quando o ia buscar, sendo de lamentar toda esta situação principalmente para a criança, que estava integralmente inserida no agregado familiar do pai, com quem estava todas as terças e quintas-feiras e fins-de-semana quinzenais, desde tal data os convívios são escassos, em virtude do Arguido não ter meios económicos e para se deslocar geograficamente para estar com o filho com a assiduidade que seria ideal, bem como actualmente está dependente de terceiros para poder ir buscar e entregar o menor, enfim... estão-se a cortar os laços entre pai e filho...
V.–As situações de discussões existentes foi um retorquir, em que ambos discutiam, falavam alto e injuriavam-se mutuamente, pois temos de perceber que somos seres humanos e ninguém é de ferro!
VI.–Sendo que o Arguido nunca referiu que mataria a Ofendida nem que acabaria com a nossa vida, no entanto admitiu que no calor das discussões perpetuadas mutuamente acabou por referir puta, otária, vaca, bruxa, vagabunda e mentirosa.
VII.–O Arguido admitiu que a única vez que desferiu um pontapé à Ofendida foi numa situação que estaria a passear um canídeo na rua e que repentinamente alguém por trás lhe aperta fortemente os testículos, o que o levou a que impulsivamente tivesse desferido um pontapé, não se tendo apercebido de imediato que seria a Ofendida, tendo nesta situação concreta, apenas reagido a um comportamento da Ofendida.
VIII.–O Arguido também explicou que de facto ligou para a Ofendida, pois pretendia saber do seu filho e estava preocupado e jamais referiu à Ofendida que esta teria que fazer o que este dizia, pois se assim fosse o Arguido não tinha necessidade de sujeitar-se a ver e estar com o seu filho quando CS  o permitia.
IX.–O Arguido nunca assumiu uma postura agressiva para com a Ofendida, e entrava na casa desta apenas para ver o seu filho, pois de outra forma não conseguia estar com o seu filho, pelo facto da Ofendida não lhe permitir, havendo inclusive relatório social efectuado no âmbito do processo do exercício das responsabilidades parentais, junto ao processo, cujo atesta que várias vezes o arguido acabou por pernoitar na casa da Ofendida para estar com o seu filho.
X.–Todas as vezes que o Arguido se deslocou à residência da Ofendida foi para ver e estar com o seu filho, nunca para controlar a Ofendida e/ou a sua vida diária.
XI.–No dia 1 7 de Novembro de 2017, o Arguido manifestou vontade de estar com o seu filho, ao que a Ofendida o informou que nesse dia não seria possível porque estaria com dores de cabeça e que queria ir-se deitar, e como o Arguido residia a escassos metros da Ofendida, facilmente se cruzava com esta, o que levou a que seguidamente a essa justificação dada pela Ofendida, o mesmo a avistasse a seguir no seu veículo com o filho de ambos, ora o Arguido não percebeu o que estar-se-ia a passar, bem como ficou preocupado se esta necessitaria de auxílio médico e da razão de levar o filho de ambos, pelo que foi ao seu encontro de forma a tentar perceber o que se estaria a passar, sendo que compreendeu depois que afinal esta ter-lhe-ia mentido e que ia para um jantar com amigos com o filho de ambos.
XII.–O Arguido de facto abordou a Ofendida no sentido de a questionar da razão de por outro homem na cama com o filho, pois o menor tinha estado no fim de semana com o pai e queixou-se de tal, ora o Arguido apenas pretenderia salvaguardar o bem estar do filho e nada mais, não tendo qualquer tipo de comportamento agressivo verbal ou fisicamente.
XIII.–Já após a Ofendida, unilateralmente, com o exercício das responsabilidades parentais regulado pelo Tribunal de Família de Sintra, em que o aqui Arguido estava com o seu filho todas as terças e quintas-feiras e fins-de-semana quinzenais, ter ido com o menor viver para Moimenta da Beira, e estando o aqui Arguido desde o termo de Dezembro de 2018 sem estar com o seu filho, ora a Ofendida, numa conversa telefónica com o Arguido, referiu que viria a casa da mãe a Lisboa e disponibilizou-se a trazer o menor no dia 01/03/2019, entregando-o ao final do dia, permitindo que o mesmo estivesse com o pai, ora o Arguido cheio de saudades do seu filho, bem como toda a sua família, preparam tudo para receber o menino no referido dia, nomeadamente até a realização da festa de aniversário do primo, sendo que apenas perto da hora de almoço do dia 01/03/2019 é que a Ofendida comunicou que afinal o filho de ambos iria ter um desfile escolar de carnaval e que não viria, ora muito se estranha que apenas tenha sabido do referido desfile no mesmo dia, pois é do conhecimento geral que um desfile de carnaval importará uma organização no que concerne a vestuário, disfarces e até com o auxílio dos pais, muitas vezes...Esta comunicação da Ofendida deixou o aqui Arguido bastante triste e desanimado, pois já ia no terceiro mês sem estar com o seu filho, mas nunca referiu a CS  que ia raptar o menino e muito menos que é até ao último cartucho.
XIV.–É falso que o comportamento do Arguido tenha vindo a continuar e com frequência, agravando-se, pois o último facto elencado na douta acusação e sentença é de 01/03/2019, ou seja já se volveram dois anos.
XV.–Somente poderá ter existido uma errada interpretação dos factos constantes na acusação.
XVI.–Nem toda a ofensa representa maus tratos, pois estes pressupõem que o agente ofenda a integridade física ou psíquica de um modo especialmente desvalioso e, por isso, particularmente censurável.
XVII.–A ocorrência deste crime pressupõe uma agressão capaz de afectar a dignidade pessoal do cônjuge/namorada enquanto tal e que revista de uma certa gravidade, traduzida em crueldade ou insensibilidade, ou até vingança, desnecessária, da parte do agente.
XVIII.–É uma relação de domínio ou de poder que está aqui em causa.
XIX.–De igual modo se os insultos eram mútuos, e assim reveladores do clima de conflitualidade existente, mas não de qualquer submissão da Ofendida ao Arguido ou de domínio que este exercesse sobre aquela, os mesmos não integram o crime de violência doméstica.

XX.–No caso em apreço haverá que considerar:
- a reduzida gravidade das lesões sofridas;
-que, os episódios existentes o recorrente também sofreu agressões recíprocas de cariz verbal e físico, respetivamente;
-o motivo determinante das condutas, conexionadas com a degradação da relação familiar, num contexto de fim de relação entre o arguido e a ofendida e discórdia quanto ao exercício das responsabilidades parentais do filho de ambos;
-a ausência de antecedentes pessoais do arguido;
-a condição pessoal do arguido e a situação económica.

XXI.–Os episódios revestirão a gravidade suficiente para serem taxados de violência doméstica, se possuem aquele plus em termos de perversidade ou crueldade que a sua tutela já não possa ser assegurada pelo tipo de ilícito parcelar.
XXII.–Conforme se resume no Ac. RP de 28-09-2011, Proc. 170/10.0GAVLC.P1 (inwww.dgsi.pt), o objectivo da  lei é, neste caso, assegurar um“tutela especial [e] reforçada" da vítima perante situações de violência desenvolvida no seio da vida familiar ou doméstica que, pela sua caracterização e motivação [geralmente associada a comportamentos obsessivos e manipuladores] constituam uma situação de maus tratos, que é por si mesma indiciadora do perigo e da “ameaça de prejuízo sério frequentemente irreversível"[Nuno Brandão, pág. 18] para a saúde e para o bem-estar físico e psíquico da vítima, mesmo que não se chegue a produzir um resultado lesivo [crime de perigo abstrato contra a saúde - solução também defendida em Espanha, por Garcia Martin e García Alvarez Delgado]... Não é por o agente ter atingido uma ou várias vezes o outro elemento do casal que, necessariamente, se configura uma situação de maus tratos que leve a condenação peio crime de Violência doméstica do art. 152.°, do CP. ... Nem toda a ofensa representa maus tratos, pois estes pressupõem que o agente ofenda a integridade física ou psíquica de um modo especialmente des valioso e, porisso, particularmente censurável. A ocorrência deste crime pressupõe uma agressão capaz de afectar a dignidade pessoal do cônjuge enquanto tal. (...) Como se refere no Ac. RC de 21/10/2009, Proc. 302/06.2GAFZZ.C1 (in www.dgsi.pt), não são todas as ofensas corporais entre cônjuges que cabem na previsão criminal do art. 152°, mas aquelas que se revistam de uma certa gravidade, isto é, que traduzam crueldade ou insensibilidade, ou até vingança, desnecessária, da parte do agente. É uma relação de domínio ou de poder que está aqui em causa. Plácido Fernandes, em interessante artigo publicado na Revista do CEJ, n. ° 8, sobre as Jornadas sobre a Revisão do Código Penal (p. 308), opina, e nós com e/e, que, «pese embora a supressão da distinção entre maus-tratos reiterados e intensos operada em processo legislativo, entende-se que um único acto ofensivo - sem reiteração - para poder ser considerado maus-tratos e, assim, preencher o tipo objectivo, continua, na redacção vigente, a reclamar uma intensidade do desvaior, da acção e do resultado, que seja apta e bastante a molestar o bem jurídico protegido - mediante ofensa da saúde física, psíquica, emocional ou moral, de modo incompatível com a dignidade da pessoa humana».
XXII.–Ora no caso dos autos, somente poder-se-á concluir que a conduta do arguido, surge num contexto de mau estar entre ele e a Ofendida, que roça a agressividade e de grande conflitualidade entre ambos, mas que não representa um potencial de agressão que, em abstrato, supere ou transcenda a protecção oferecida pelos crime ofensa à integridade física, de injuria ou mesmo de ameaça na medida em que não espelham uma situação de maus tratos da qual resulte ou seja susceptível de resultar sérios riscos para a integridade psíquica da vítima.
XXIII.–Veja-se que os insultos eram mútuos, e assim reveladores do clima de conflitualidade existente, mas não de qualquer submissão da assistente ao arguido ou de domínio que este exercesse sobre aquela, pelo que arredada está, assim, a punição da conduta do arguido como integrante de um crime de violência doméstica.
XXIV.–Porém, resulta que quer as agressões foram mútuas, quer inexiste ascendente de qualquer um dos conjugues sobre o outro, o que importa o afastamento do tipo legal de violência doméstica:
Entre outros: Acórdão do T.R.P., Proc.31/09.5GCVLP.P1, Relatora Manuela Paupério, datado de 09-01-2013, disponível em www.dgsi.pt: "1- O bem jurídico tutelado pelo art. 1 52.° do CP, é plural e complexo, visando, essencialmente, a defesa da integridade pessoal (física e psíquica) e a proteção da dignidade humana no âmbito de uma particular relação interpessoal.11 — Este tipo legal de crime previne e pune condutas perpetradas por quem afirme e atue, dos mais diversos modos, um domínio ou uma subjugação sobre a pessoa da vítima, sobre a sua vida ou (e) sobre a sua honra ou (e) sobre a sua liberdade e a reconduz a uma vivência de medo, de tensão e de subjugação.III - O crime de violência doméstica não pode ser cometido em reciprocidade.".
XXV.–Tendo em conta a definição do tipo legal do crime de violência doméstica, verifica-se que o mesmo não exige a prática reiterada dos actos objectivos previstos no mesmo por parte do agente, mas exige que os mesmos se traduzam na humilhação da vítima ou numa especial desconsideração pela mesma.
XXVI.–O crime de violência doméstica, autonomizado pela primeira vez pelo legislador, através da Lei n.° 59/2007, de 04 de Setembro, que alterou o Código Penal, visa proteger, em nossa opinião, não apenas a saúde, seja ela física, psíquica e mental, mas, antes, ao nível do bem jurídico, a integridade pessoal, prevista no artigo 25° da Constituição da República Portuguesa, ligado à defesa da dignidade da pessoa humana, em todas as suas dimensões, em que se funda o Estado Português.
XXVII.–Neste sentido, o artigo 152° do Código Penal, visa punir condutas violentas quer no plano físico, psíquico, moral, verbal ou sexual, quer a liberdade, nas suas várias dimensões, tendo como sujeito passivo as pessoas identificadas na norma, que se apresentam, aos olhos do legislador, como especialmente vulneráveis, em razão de uma relação familiar ou equiparada.
XXVIII.–As condutas integradoras do ilícito manifestam-se através de um exercício ilegítimo de poder ou domínio sobre a vida, a integridade física e sexual, a liberdade e a honra, do outro, caracterizado, as mais das vezes, por um estado de tensão, de medo, ou de sujeição da vítima, a qual chega a não ter vida própria e ser um mero objecto e sendo o bem jurídico protegido pela norma a dignidade da pessoa humana, nas suas várias dimensões e as condutas violadoras da mesma as referidas, tendo em conta os factos dados como provados, não se percebe como podem os mesmos integrar os elementos objectivos ou subjectivos do referido crime.
XXIX.– Na verdade, não podendo o crime de violência doméstica ser cometido em reciprocidade por ambos os cônjuges, não nos parece que a circunstância de o arguido após mais uma discussão na sua residência e troca de palavras junto a um estabelecimento ou à porta da casa da Ofendida, ter ido no encalce desta e se ter aproximado do veículo em que ela se encontrava, possa se traduzir numa sujeição da mesma a "humilhação pública ou desonra" , pois a não prova da "humilhação pública ou desonra" é, desde logo, desmontada pela circunstância de a Ofendida ao ver o arguido junto ao seu veículo, sair do mesmo e começarem-se a discutir.
XXX.–A "humilhação pública" a existir, resulta dos comportamentos inadequados e anti-sociais que ambos, o Arguido e a Ofendida, demonstram no seu relacionamento conjugal, sendo que inexiste uma supremacia de um sobre o outro, de modo a poder considerar-se, no caso concreto, que é vítima do referido crime de violência doméstica.
XXXI.–Não estão, pois, preenchidos, em relação ao arguido, os elementos objectivos e subjectivos do crime de violência doméstica, devendo o Arguido ser absolvido.
XXXII.–O recorrente não tem antecedentes criminais, é economicamente débil, visto actualmente até se encontrar desempregado.
XXXIII.–Os alegados insultos e proferidos contra a Ofendida, são quase costumeiros em discussões do género, não podem ser levados “à letra” e foram ditos debaixo dum ambiente familiar terrível, duradouro, em que ambos foram ‘ obrigados a coabitar forçosamente”, por nascer um filho, durante um período temporal, e depois a Ofendida não permitia o Arguido livremente estar com o filho... um autêntico barril de pólvora... para nós, e para o cidadão comum. Ainda hoje totalmente incompreensível... mais perplexidade na causa, o facto de ainda ser atribuído à Ofendida, uma valiosa indemnização de 3.000,00 (três mil Euros).
XXXIV.–Estas e as demais e fortes razões de sobra, antes articuladas, mostram bem, salvo mais douto entendimento, a HUMANIDADE, ESPÍRITO E JUSTIÇA E SENSATEZ, que se revela crucial, de modo a DIMINUIR SUBSTANCIALMENTE A MEDIDA DA PENA APLICADA ATENUAR OS SEUS EFEITOS DESVASTADORES (art. 72° n° 2 a) do CP), tendo sempre presente que o RECORRENTE, por toda esta situação constante de sofrimento continuado, CONTRAIU UMA PROFUNDA DEPRESSÃO, SEM CURA PREVISÍVEL ASSEGURADA... mas continua corajosamente à procura de um trabalho ..., para acudir à subsistência e do seu filho (pensão de alimentos).
XXXV.–As medidas acessórias impostas ao Arguido são manifestamente excessivas e desproporcionais ao caso concreto, pois estando o arguido desempregado não concebe como conseguirá pagar uma elevada indemnização de € 3.000,00 à Ofendida, bem como a proibição de contactos com a vitima, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância durante 3 anos, o que levará a que seja forçado de necessitar de terceiros para conseguir estar com o seu filho, que se reduziu a uma vez por mês e por causa de contingência, actualmente já são dois meses que não está com o seu filho, sendo que com tal condenação leva o Arguido a pensar se não terá que desistir de ser pai!?
XXXVI.–Atendendo a que a Ofendida discute com o Arguido, mente-lhe sobre o paradeiro do filho, faz com o filho de ambos o que bem quer, unilateralmente, inclusive alterando a residência deste para mais de 350 km do Pai, em suma como se o menor fosse somente filho desta e o Arguido que tudo tem feito para conseguir ser pai efectivo e presente do seu filho, é que é alvo de uma condenação numa pena de prisão suspensa na sua execução por 4 anos, proibido de contactar com a Ofendida durante mais 3 anos, mesmo tendo um filho em comum, sendo que daqui a 3 anos o filho já terá 9 anos, e ainda é condenado a pagar à Ofendida a quantia, para este muito elevada, de € 3.000,00! O que leva o Arguido a sentir-se muito revoltado e a questionar-se se é esta a justiça em Portugal? Queremos que não, motivo esse que leva o Recorrente a recorrer da douta sentença proferida.
XXXVII.–Ora o crime de violência doméstica agravado é punível com pena de prisão de 2 até 5 anos e o crime de detenção de arma proibida é punível na pena de multa até 600 dias ou de prisão de 1 a 5 anos e tratando-se de um pena compósita alternativa o crime de detenção de arma proibida coloca-se a questão de saber se a pena de multa realiza de forma adequada e suficiente a protecção dos bens jurídicos em causa e a reintegração do agente na sociedade.
XXXVIII.–Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art° 70°) e a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art° 40°, n° 1).
XXXIX.–Salvo melhor avaliação, ainda sem prescindir, a pena aplicada ao recorrente é excessiva e desproporcionada em ambos os crimes, atendendo que o tribunal a quo não valorou devida e suficientemente a circunstância de o recorrente se encontrar inserido a nível familiar, social e profissionalmente e que os factos ocorreram há 2 anos, não praticando o arguido desde tal data qualquer facto doloso.
XL.–O arguido beneficia de uma imagem positiva no meio residencial, familiar e societário em que se insere, bem como o agregado de origem, sendo descrito como uma pessoa cordial na interacção com os seus pares, sem registo de comportamentos de inadequação social.
XLI.–A decisão recorrida não aplicou assim correctamente os critérios legais adequados, previstos os artigos 70°, 71°, 40°, n° 1,47°, n° 2 do CP.
XLII.–Atendendo ao bem jurídico em causa e à situação concreta em que se desenrolou o comportamento do arguido, as exigências de protecção e a sua reintegração parece satisfeita apenas com a aplicação da pena de multa quanto ao crime de detenção de arma proibida e a ser condenado peio crime de violência doméstica, numa pena suspensa na sua execucão peio período de 2 (dois) anos, sem suieicão a regime de prova, nomeadamente o pagamento à Ofendida de indemnização.
XLIII.–Quando no caso concreto do Arguido vive com parcos rendimentos, do auxílio de familiares e não tem capacidade actual para pagar a referida quantia, pois até se encontra desempregado, pelo que o Tribunal de 1.ª instância terá decidido de forma exagerada com a pena aplicada ao arguido.
XLIV.–Ora um período de suspensão de 4 anos é manifestamente limitadora da sua liberdade por excessiva, tendo em conta os factos dados como provados e a fundamentação da sentença, a suspensão da pena deveria ter sido mais ligeira, sendo que ao aplicar um período de suspensão da pena de prisão tão severa ao arguido o Tribunal de 1.ª instância violou o disposto no artigo 40.°, números 1 e 2 do C.P.
XLV.–Termos em que deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra de duração inferior ao arguido.
Nestes termos e nos melhores de direito que V.Exa doutamente suprirá deverá o presente recurso ter provimento por provado e, consequentemente ser a sentença proferida em primeira instância substituída por outra, que absolva o Arguido do crime de violência doméstica que é condenado, caso assim não se entenda que as punições aplicadas sejam reduzidas para os mínimos legais.
ASSIM SE FARÁ A JUSTIFICADA E COSTUMADA JUSTIÇA!

3.–O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pelo seu não provimento.

I–Para que se verifique insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, os factos recolhidos pela investigação do tribunal se teriam que ter ficado aquém do necessário para concluir pela procedência ou improcedência da acusação, o que não é manifestamente o caso, em que a matéria de facto provada (...), se apresenta manifestamente suficiente à decisão de direito proferida.
II–Também não se vislumbra na sentença recorrida qualquer contradição, nos termos atrás definidos, não relevando para o efeito a invocada contradição entre a decisão e aquilo que pretensamente disseram as testemunhas, segundo a convicção formada pelo recorrente, já que a falta de prova que sustente aquela decisão, ou melhor, a desconformidade da matéria de facto provada relativamente à prova produzida e gravada, poderá consubstanciar um eventual erro na apreciação da prova, mas nunca a aludida contradição e nem mesmo erro notório.
III–No caso dos autos, não se detecta, na matéria de facto considerada provada na decisão recorrida, nenhuma irrazoabilidade patente aos olhos de qualquer observador comum, por se opor à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum.
IV–Da conjugação e valoração de todos os meios de prova chega-se à conclusão que a decisão recorrida está devidamente fundamentada em sede de decisão da matéria de facto - as testemunhas disseram o que se encontra resumido na sentença -, apresentando-se a versão declarada provada suficientemente consistente e apoiada naquela prova, não se vislumbrando qualquer infracção às aludidas regras ou princípios atinentes à prova, eventuais infracções que os próprios recorrentes não logram demonstrar e acabam por confundir com os vícios da decisão que invocaram ao abrigo do art. 410.°, n.° 2, do CPP.
V–O recorrente pretende a reapreciação da prova gravada considerando que nada se provou no sentido de o tribunal a quo puder dar como assente a factualidade provada, invocando o erro notório.
VI–De facto, considerar uma testemunha credível ou não credível, é uma questão de convicção. Fundamental é que a explicação do tribunal aventada quanto à credibilidade ou não de uma testemunha seja racional e tenha lógica.
VII–Naturalmente que o tribunal da 1.ª instância, beneficiando da oralidade e da imediação na produção da prova, se encontra numa posição privilegiada para avaliar tal credibilidade.
VIII–Assim, há que ter sempre em atenção que o juiz do tribunal a quo, na valoração que conferirá aos depoimentos diante si prestados, há-de atender a uma multiplicidade de factores, insusceptíveis, pela sua natureza, de serem apreendidos e transpostos para uma gravação magnetofónica, ficando dessa forma, irremediavelmente afastados da cognoscibilidade e sindicabilidade dos juízes do tribunal ad quem.
IX–Efectivamente, o que o recorrente pretende atacar não é uma eventual divergência ou contradição existente entre a prova produzida e a factualidade dada como provada, mas sim a valoração que o juiz a quo fez relativamente aos diversos depoimentos diante si prestados.
X–No entender do Ministério Público na fundamentação da sua convicção, o Tribunal a quo foi lógico e congruente, consistente e suficiente, explicando, a partir da prova produzida, as razões pelas quais se convenceu de que os factos haviam decorrido tal como havia dado como provado, pelo que não assiste razão ao mesmo.
XI–Ora, no caso sub judice, a motivação expressa na douta sentença, é suficiente para habilitar os sujeitos processuais, a concluir que as provas a que o Tribunal atendeu são todas permitidas por lei de acordo com o preceituado no art. 335° do Código de Processo Penal, e que este seguiu um processo lógico e racional na formação da sua convicção, desta não resultando uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova.
XII–O recorrente insurge-se, ainda, com a sua condenação na pena acessória de proibição de contacto com a ofendida e afastamento da residência e do local de trabalho da mesma, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, nos termos do disposto no artigo 152.°, n.° 4 e 5, do Código Penal.
XIII–A pena acessória aplicada ao arguido nestes autos resulta da matéria de facto dada como provada, da reiteração de condutas do arguido, sendo possível o afastamento ainda que ambos tenham a mesma entidade patronal, atenta a dispersão geográfica da linha do Metro de Lisboa, não se vislumbra que a sentença recorrido mereça qualquer reparo nesta parte.
XIV–Dispõe o artigo 21.°, n.° 2 do regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e assistência às vítimas, aprovado pela Lei n.° 112/2009, de 16/09, que “para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82. °-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser”.
XV–Face à factualidade provada conclui-se que a conduta do arguido preenche todos os requisitos da responsabilidade civil a que alude o artigo 483° do Código Civil.
XVI–Ora, tal arbitramento, tendo em conta as regras enunciadas e os factos dados como provados na sentença, não merece qualquer reparo, quer na sua decisão, quer no seu quantum.
XVII–Fixada definitivamente a matéria de facto dada como provado forçoso é concluir que o arguido cometeu o crime de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punível pelo artigo 152.°, n.° 1, alíneas b) e c) e n.° 2, alínea a), do Código Penal, pelo qual foi condenado.
XVIII–Quanto à medida concreta da pena aplicada ao arguido, de três anos de prisão, esta não merece qualquer reparo, atendendo às necessidades de prevenção geral e especial que o caso reveste, à culpa do arguido, ao grau de ilicitude da sua conduta.
XIX–A Mma. Juiz a quo, ponderou todas as normas legais e as condições pessoais do arguido que depõem contra e a favor do mesmo, ponderando, ainda, as necessidades de prevenção quer geral, quer especial a fim de escolher e pena, fixar o seu quantitativo e o prazo de suspensão da aludida pena.
XX–O recorrente não concorda com a ponderação realizada, crendo que o prazo de suspensão é exagerado. Porém, a Mma. Juiz de forma devidamente fundamentada, que não merece qualquer reparo, ponderou todas as circunstâncias que resultaram provadas e, bem, concluiu que o prazo em causa é o adequado.
XXI–A decisão recorrida não merece, pois, qualquer reparo.

4.–Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

5.–Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P., procedeu-se a exame preliminar. Colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

II–Fundamentação

1.–Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
Atentas as conclusões apresentadas – a que se censura a extensão , as questões indicadas no recurso são:
- Erro de julgamento da matéria de facto;
- Determinação e medida das penas, principais e acessórias;
- Indemnização fixada.
           
2.–Da sentença recorrida
2.1.- O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1.-A ofendida CS e o arguido, em data não concretamente apurada, no ano de 2012, iniciaram um relacionamento amoroso, passando a viver em condições análogas à dos cônjuges, partilhando mesa, leito e habitação, após o nascimento do filho de ambos DM, ocorrido a 17/07/2014, tendo-se separado no dia 31/12/2014.
2.-Durante o período de convivência do casal o arguido, por diversas vezes, no interior da residência comum, em datas não concretamente apuradas, sem motivo aparente, apresentou um temperamento violento e implicativo para com a sua companheira e mãe do seu filho, sendo que, a frequência e intensidade de tais condutas passou a acentuar-se nos últimos anos.
3.-Designadamente, durante esse período, o arguido dizia-lhe com frequência semanal e na sequência de discussões: "ptla, otária, vaca, bruxa, vagabunda mentirosa, acabo com a nossa vida, mato-te" (sic), o que repetia constantemente.
4.-O arguido proferia tais expressões de cariz injurioso, em tom de voz elevado e sério, sem qualquer motivo aparente e de forma repentina.
5.-Em data não concretamente apurada, no período em que viveram juntos e na sequência de uma discussão, pelo facto do arguido ter adormecido no seu carro e divergirem quanto a prioridades na vida do mesmo, cerca das 3 horas, na rua, junto à porta da residência de ambos, o arguido agarrou CS, com força, pelo braço esquerdo e desferiu-lhe um pontapé na perna esquerda, eausando-lhe dores e incómodos.
6.-Após a separação do arguido, CS  passou a residir apenas com o filho, na Avenida …, Casal de Cambra.
7.-Em data não concretamente apurada, mas por volta de Abril de 2017, o arguido efetuou cerca de 80 chamadas para o telemóvel de CS, sendo que, numa dessas ocasiões CS atendeu uma chamada ao que o arguido nesse instante disse-lhe em tom de voz elevado e sério: “ó minha grande otária, estás a ouvir caralho, a partir de agora fazes o que eu te digo, estás a ouvir”.
8.-No dia no dia 14/09/2017, o arguido telefonou a CS, alegando que se iria deslocar à sua residência, a fim de dar um beijo ao filho.
9.-Ali chegado, o arguido tocou à campainha e CS  abriu a porta, sendo que, de súbito e sem que nada o fizesse prever, o arguido assumiu uma postura agressiva, forçando ali a entrada e assim logrou de se introduzir no interior da habitação.
10.-Durante uns momentos, o arguido esteve com o filho até que CS  lhe solicitou que se retirasse, uma vez que já era tarde e pretendia ir descansar, bem como colocar o seu filho na cama.
11.-Perante isto, e revoltado, o arguido recusou-se a sair do interior da habitação de CS  e em tom de voz elevado e sério exigiu que aquela marcasse um dia, para o filho ir passar a noite com o pai, ao que CS  não lhe respondeu, insistindo para que ele se fosse embora, o que originou uma discussão.
12.-Entretanto, contactada pela filha e por uma vizinha, ali compareceu MCS , mãe de CS .
13.-O arguido, sem que nada o fizesse esperar, começou a filmar com o telemóvel CS  e o seu filho, sem autorização daquela, sendo que, ao se aperceber CS  tentou agarrar o telemóvel, no intuito de eliminar essa gravação.
14.-Nesse instante, o arguido agarrou o braço direito de CS, passando o mesmo à volta do pescoço da própria, agarrando simultaneamente o braço esquerdo daquela e colocando-o atrás das costas da mesma, tendo a mesma logrado libertar-se, acabando por cair ao chão.
15.- Nesta altura, MCS gritou por auxílio, chamando a vizinha e, perante isto, o arguido abandonou a habitação.
16.- Desde que se separaram o arguido por diversas vezes desloca-se junto à residência de CS e ali permanece a vigiar CS, controlando assim quando esta sai e entra em casa.
17.-No dia 17/11/2017, quando CS  saiu de casa da sua mãe, que fica relativamente próxima da sua, ao passar junto do prédio onde reside, avistou o arguido no interior da viatura dele, à sua espera.
18.-Perante isto, e temendo pela sua integridade física, CS permaneceu no interior da viatura onde circulava.
19.-Acto continuo, o arguido saiu do interior da viatura, demonstrando um comportamento agressivo, inclusivamente, fechou a porta do carro que conduzia com bastante violência.
20.-Perante isto, e receosa, CS  iniciou a marcha da sua viatura e retirou-se de imediato do local, com destino à zona de Odivelas, como já estava destinado.
21.-O arguido encetou perseguição a CS, sendo que ao chegar junto a uns sinais luminosos existentes na Rua P... ..., em F..., CS teve de imobilizar a sua viatura, pelo facto dos sinais luminosos se encontrarem vermelhos.
22.-Nessa altura, o arguido, também parou na faixa destinada ao trânsito em sentido contrario, e em tom de voz elevado e sério disse-lhe: “és uma aldrabona, uma mentirosa”.
23.-Após o sinal ter ficado verde, CS  iniciou a marcha da sua viatura, e seguiu o seu destino, sendo que o arguido continuou a segui-la e quando estava junto aos seus amigos, já nas Colinas do Cruzeiro, em Odivelas, CS estacionou junto a eles e o arguido também ali parou.
24.-De seguida, CS arrancou novamente na sua viatura, juntamente com os seus amigos e no parque de estacionamento do Continente da A..., em O..., CS  trocou a cadeira do seu fílho, para a viatura de um casal seu amigo, com os quais ia seguir viagem.
25.-De seguida, o arguido, dirigindo-se a CS  disse-lhe: “estás a cometer um crime, ir jantar fora com o meu filho; mentirosa; puta; falsa, otária (sic).
26.-Quando ali se encontravam o arguido recebeu uma chamada telefónica tendo referido “ela está no Continente da A.., assim que perceber para onde ela vai, já vos digo” (sic).
27.-No dia 13/04/2018, pelas 9 horas e 5 minutos, quando CS  se encontrava na via pública, junto à sua residência e a colocar o seu filho no interior da cadeirinha da viatura pelo lado do pendura, foi abordada pelo arguido que em tom de voz elevado e sério disse-lhe “quem te mandou por outro homem dentro de casa, puta, vaca, otária, és um nojo de pessoa”.
28.-CS  não respondeu e quando se preparava para entrar na viatura foi abordada pelo arguido que a puxou pelo braço esquerdo com força, todavia, CS  conseguiu libertar-se e fechar a porta da viatura. Perante isto, o arguido dirigiu-se ao lugar do pendura da viatura de CS  e agarrou-a pelo cachecol e pelos cabelos.
29.-Por altura de dezembro de 2018. CS passou a residir com o filho em Bairro …, São J... P..., - V....
30.-No dia 01/03/2019, CS  ficou de se deslocar a Lisboa, sendo que levaria o fílho para que o arguido passasse algum tempo com o menor. Todavia, nesse mesmo dia, foi informada, de que, no estabelecimento de ensino do fílho, no período da tarde iria decorrer o desfile de Carnaval, em que o menor iria participar, pelo que, não pôde deslocar-se à cidade de Lisboa. Por esse motivo, CS  contactou via telefónica o arguido, dando-lhe conta da situação, ao que este lhe disse: “não vens pois não?” (sic), “das duas uma, se não vens, vou aí e vou raptar o menino, e deixo de pagar a pensão de alimentos” (sic).
31.-Nesse mesmo dia, no decurso do telefonema, o arguido, dirigindo-se a CS , ainda lhe disse: “CS é até ao último cartucho”.
32.-Perante isto, CS  retorquiu que “que a sua intenção era ir no dia seguinte pela manhã de autocarro” (sic) e com receio, desligou de imediato o telefone.
33.-No dia 07/02/2020, pelas 7 horas, o arguido tinha, no interior da residência sita no interior do seu quarto, em cima de uma estante, dentro de uma caixa de cartão, 1 (uma) pistola, calibre 6.35 mm, da marca Browning, municiada com quatro munições do mesmo calibre, no carregador e respetivo coldre em pele de cor castanha, encontrando-se todos em bom estado de conservação, sendo que, em relação à pistola, a corrediça não efectuava a armação do cão.
34.-O comportamento do arguido acima descrito, em termos de agressividade e violência bem como em termos de continuidade e frequência, agravou-se, persistindo na conduta de agredir a ofendida, o que fez no interior da residência comum e na presença do menor, fílho de ambos.
35.-As actuações descritas são fortemente ofensivas da dignidade pessoal de CS, provocando na mesma dores físicas, estados de nervos, angústia, ansiedade, receio e sentimentos de sujeição ao arguido, que se faz prevalecer a sua superioridade física.
36.-Ao agir da forma descrita, o arguido quis e conseguiu maltratar CS, em data altura sua companheira e mãe do seu filho, sobretudo a sua saúde física.
37.- Com o seu comportamento, conseguiu o arguido diminui-la no respeito que lhe era devido, mostrando-se indiferente pelo estado em que a deixava e, assim, levando-a a suportar as agressões físicas que lhe desferiu, no interior da residência e na presença do filho menor.
38.-Com o comportamento descrito, dirigindo as expressões supra mencionadas a CS, foi a mesma atingida na honra e consideração pelo arguido que lhe dirigiu nomes e expressões em desrespeito pelo sentido de consideração e pudor inato a qualquer ser humano.
39.-Mais actuou o arguido no propósito, por si conseguido, de causar medo e inquietação a CS, levando-a a temer pela sua integridade física e pela sua própria vida.
40.-Agiu o arguido livre e conscientemente, com a intenção de ofender enquanto mulher, mãe do seu filho e sua companheira, bem sabendo que tal conduta era punida por lei.
41.-Mais sabia o arguido que não podia deter as armas e as munições que lhe foram apreendidas, cujas características era conhecedor, e ainda assim não se coibiu de as deter, actuando de forma livre, voluntária e consciente.
Outros factos, com relevo para a decisão da causa:
42.-O arguido encontra-se desempregado desde Setembro de 2020, recebendo cerca de €300/400, mensais, realizando trabalhos ocasionais como motorista de obras e mudanças. 
43.-Vive com uma companheira, a qual se encontra desempregada e com duas filhas da mesma, de 6 e 5 anos de idade, cujo pai não contribui para o sustento.
44.-Relativamente ao filho comum com a ofendida, entrega cerca de € 125, mensais de pensão, acrescendo despesas extraordinárias.
45.- Vive em casa arrendada, suportando renda no valor de € 150, mensais, com ajuda de familiares.
46.- Suporta um encargo de € 50, mensais relativamente ao ISS.
47.- Tem o 9.° ano de escolaridade.
48.- Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.

2.2.Quanto a factos não provados ficou consignado na sentença recorrida (transcrição):

Com relevo para a decisão da causa, não se logrou apurar que:
a)-O relacionamento descrito em 1., dos factos provados, tenha terminado em outra data que não a provada, designadamente, a 01/01/2015.
b)-No circunstancialismo descrito em 5., dos factos provados, por várias ocasiões e sempre no interior da residência comum do casal, o arguido agrediu CS, desferindo-lhe murros nas costas.
c)-No circunstancialismo descrito em 12. dos factos provados, a mãe da ofendida tenha ajudado a deitar o menor.
d)-O circunstancialismo descrito em 14., dos factos provados, tenha ocorrido de outra forma que não a provada, designadamente, o arguido tenha agarrado o pulso de CS  e agarrado a mesma pela parte de trás do pescoço empurrando-a para o interior da sala. De seguida, o arguido tenha empurrado CS para o chão, levando-a a ali cair desamparada.
e)-Na sequência do circunstancialismo descrito em 18. dos factos provados, CS parou a viatura junto à viatura do arguido e questionou-o acerca da questão de saber porque ali se encontrava, o qual, em tom de voz jocoso e às gargalhadas disse-lhe: “és mentirosa”. 
f)-No circunstancialismo descrito em 25., dos factos provados, o arguido filmava toda a situação.
g)-No circunstancialismo descrito em 30., dos factos provados, o arguido tenha apodado a ofendida de filha da puta.
h)-A expressão descrita em 31., dos factos provados, tenha sido proferida a 09/03/2019, cerca das 12 horas, tendo o arguido efetuado um telefonema a CS  dizendo-lhe que no dia seguinte ali se deslocaria a fim de ir buscar o filho, ao que aquela negou.
i)-No dia 03/04/2019, pelas 20 horas e 45 minutos, o arguido efetuou uma videochamada para o telemóvel de CS  a fim de falar com o filho. Passados uns instantes após o menor atender a chamada, verificando CS que o menor não estava a falar perguntou-lhe se já tinha desligado a chamada ao que o arguido apercebeu-se e, dirigindo-se a CS  e perante o menor, disse-lhe: “Oh caralho não tens nada a ver com isso, se eu quiser ficamos aqui só a olhar um para o outro”, “sua filha da puta” (sic).

2.3.–O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

O Tribunal firmou a sua convicção na ponderação, à luz das regras da experiência comum e na livre convicção do julgador, da análise crítica e conjugada do conjunto da prova produzida, nos termos do disposto no artigo 127.° do Código de Processo Penal (neste ponto, cumpre esclarecer que, pese embora tenha sido elaborado relatório pericial nos autos, a fls. 114 e 115, o mesmo respeita a ofendida cuja factualidade, em termos subjectivos e de consciência de ilicitude, não foi subsumida, razão pela qual foi promovida e determinada a extracção de certidão, não relevando assim o referido relatório pericial, para apreciação da conduta do arguido, quanto aos factos imputados).
A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova, pois que tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Sendo que a convicção do tribunal é formada, através dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, cias certezas e, ainda, das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, ansiedade, embaraço, desamparo, serenidade, olhares para alguns dos presentes, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e ínverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, de tais declarações e depoimentos.
Com efeito, é ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras mas também pelo tom de voz e postura corporal dos interlocutores e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram.
Trata-se de um acervo de informação não-verbal e difícilmente documentável face aos meios disponíveis, mas imprescindível e incindível para a valoração da prova produzida e  apreciada, segundo as regras de experiência comum.
Foi assim, à luz de tais princípios, que se formou a convicção deste Tribunal e consequentemente se procedeu à selecção da matéria de facto positiva e negativa relevante.
Assim, quanto aos factos que se consideraram provados e constantes da acusação e às circunstâncias em que os mesmos ocorreram, foram considerados, em concreto, auto de notícia de fls. 3-4 (quanto aos factos elencados em 8. a 14.), auto de denúncia de fls. 81-82 (quanto aos factos elencados em 17. a 26.), auto de denúncia de fls. 158-160 (quanto aos factos elencados em 27. e 28.), aditamentos de fls. 5, 8, 9, 173, 177, 249, documentação clínica de fls. 174-176, documentos de fls. 153-156, 384-385, certidões de fls. 218, 332-333, auto de notícia por detenção, de fls. 381 (relativamente às armas apreendidas), auto de busca e de apreensão de fls. 380, autos de exame e de avaliação de fls. 404-405 (relevante para a alteração não substancial comunicada quanto ao estado dos objectos comunicados e seu funcionamento), documentos juntos pelo arguido em sede de contestação apresentada e em audiência de julgamento e CRC actualizado do arguido.
O arguido remeteu-se ao silêncio, no início do julgamento, relegando para ulterior momento a prestação de declarações.
Encontrando-se presentes as testemunhas, iniciou-se a audiência pela inquirição de:
MCS, mãe da ofendida, a qual revelou, quer conhecimento directo dos factos, por ter presenciado, pelo menos, parte dos mesmos, no que diz respeito à factualidade descrita em 8. a 15., bem como, através de telefone, ter ouvido expressões que aquele dirigia à sua filha, bem como indirecto, quando se apercebeu de reacções e comportamentos da filha, nomeadamente sonegando-lhe informações, mas apercebendo-se de marcas ostentadas pela mesma e que aquela, derradeiramente, acabava por assumir, decorrerem de actuações do arguido, acabando por confrontar a mesma, pressionada por amigas da própria ofendida que a alertavam para tal. Descreveu e circunstanciou a forma como na data em causa - 14/09/2017 - chegou a casa da ofendida, tendo relevado para a comunicação da alteração não circunstancial comunicada e constante em 12. e, não obstante a actuação do arguido na sua própria pessoa (nao relevante in casu), mereceu a mesma credibilidade, não deixando de se anotar, conforme infra se referirá, que a animosidade existente entre a família da vítima por um lado e a família do arguido, por outro, foi por demais evidente;
Inquirida PL, conhecida da ofendida, como cliente não habitual da testemunha, descreveu um episódio a que assistiu como podendo ser a factualidade constante em 27. e 28., no entanto, por não lograr esclarecer concretamente a data em que tal poderá ter ocorrido - por aludir a um ano de diferença o que se percebe perfeitamente, por não serem episódios da vida pessoal da mesma ou que reclamassem que a mesma os recordasse, apesar de inexistir qualquer outro episódio semelhante descrito, não pode o depoimento da mesma relevar, posto que, conforme se referirá, todas as testemunhas inquiridas (mesmo as testemunhas de defesa) foram prolixas na descrição de várias outras situações e episódios ocorridos entre os arguido e ofendida, que extravasavam a factualidade em apreço.
Prosseguiu a inquirição de RF e SO, amigas da ofendida e que presenciaram os factos descritos em 17. a 26., as quais os confirmaram, a partir do momento em que a vítima chegou junto das mesmas, descrevendo o que presenciaram, recordando os passos dados, mas diferentemente, a testemunha RF não recordando as expressões injuriosas que o arguido dirigia à CS e a testemunha SO, recordando parte das mesmas, para além de outros episódios que descreveu, uns não elencados nos presentes autos, outro, como sendo a factualidade descrita em 7., por terem estado juntas num jantar de amigas.
Após, procedeu-se à reprodução das declarações para memória futura, prestadas pela ofendida/assistente CS . No decurso das mesmas, foi bastante pormenorizada nas descrições efectuadas, datas ou por referência, em que tais actuações do arguido, na sua pessoa, ocorriam, relevando tais declarações, na sua esmagadora maioria, quer para confirmar a factualidade imputada, quer para as comunicações efectuadas, designadamente, a data de início do relacionamento referida em 1., sendo que em relação ao terminus nada foi comunicado por serem coincidentes as declarações de arguido e ofendida/assistente, em 3, e 14., quanto à frequência, em 5., quanto a descrição da actuação, em 27., quanto as expressões e em 31., quanto à data em que a expressão foi proferida. Por seu turno, foi pelo facto da mesma, ter infirmado ou melhor circunstanciado, que a factualidade dada como não provada, assim se seleccionou. Também a mesma aludiu a situações não concretamente descritas na factualidade imputada.
Em sede de defesa apresentada, foram arroladas e ouvidas as testemunhas:
AV, actual companheira do arguido, com o mesmo residente desde Fevereiro de 2020, a qual descreveu o arguido, aludindo a um episódio (não descrito na acusação) relativamente à forma como o relacionamento - conflituoso - entre arguido e ofendida decorre/decorria, sendo que descreve a ofendida como exigente e não respeitadora do fim do relacionamento;
SA, amiga da família do arguido, há cerca de 30 anos, a qual, igualmente descreveu um episódio em que a ofendida agrediu o arguido, na sequência de discutir com o mesmo, tendo-se aquele mantido “impávido e sereno com o filho ao colo”;
FA, amigo do arguido há cerca de 20 anos, o qual apenas viu a ofendida cerca de duas vezes, não tendo presenciado quaisquer factos, nomeadamente os descritos, quanto a agressões do arguido à ofendida, sendo que chegou a acompanhar o arguido, em 2015/2016, quando o mesmo ia ver o filho, acompanhando essa descrição com a expressão “para ele não fazer asneira, ia ter com ele”, terminando a descrição quanto ao mesmo como “o melhor amigo que se pode ter”;
EC, mãe de um amigo do arguido, esse falecido, que desde logo descreveu o relacionamento do arguido com a ofendida como um mau relacionamento “infelizmente” tido pelo mesmo, descrevendo uma vez mais, um episódio de discussão entre ambos, em que a ofendida revelava ciúmes, chamando nomes ao arguido, terminou a descrição quanto ao mesmo como “um rapaz que tem um coração de ouro e uma jóia de rapaz”;
MM, mãe do arguido, a qual por ser presença assídua na casa do casal, nega ter presenciado qualquer facto semelhante aos imputados, qualificando de possessiva e ameaçadoras algumas das expressões empregues pela ofendida, comportamento esse relativamente ao qual chegou a alertar o arguido. Também referiu ter conhecimento das tentativas do filho em ver o respectivo filho, seu neto, acompanhando a descrição com “pedi a Deus para que o meu filho não perdesse a cabeça”. Descreveu o episódio, coincidente com a factualidade descrita em 17. e ss. como tendo o fílho/arguido ido atrás da ofendida por aquela lhe ter dito que estava deitada e afinal viu a mesma sair, tendo-se mantido ao telefone com a testemunha. Em relação aos acontecimentos descritos em 30. e ss., refere ter presenciado um telefonema mas em nada coincidente com o descrito, sendo que, pela descrição efectuada se afigura não se tratar sequer do mesmo telefonema tido entre ambos. Confirmou a apreensão efectuada, esclarecendo desconhecer que a arma lá se encontrava, infirmando assim as declarações da ofendida/assistente que a alertou para tal, mais referindo, em relação ao filho que: “se o souberem levar... têm o melhor...” e, confrontada com a inversa, esclareceu: “se não souberem... é complicado” explicando que apenas o diz porque o filho vira as costas e abandona a pessoa, o que pode irritar, designadamente à própria testemunha. Na sua descrição referiu ter conhecimento, por uma vizinha da ofendida, das vezes que o mesmo passava à sua porta, até mesmo batendo aos estores, à porta e tocando;
TL, amigo do arguido desde os 10 anos, o qual nunca conheceu a ofendida, embora descreva um episódio ocorrido por altura em que conheceu o filho do arguido, há cerca de 5/6 anos, presenciando um telefonema tido entre arguido e ofendida, como tendo sido até perturbador face a acusações que a mesma fazia, quando o arguido apenas pretendia explicar onde se encontrava, descrevendo o arguido como sendo pessoa merecedora da sua confiança e muito boa pessoa;
PM, avó do arguido, a qual qualificou o neto como trabalhador, honesto e muito boa pessoa e, na inversa, a ofendida que acaba por deixar o neto desgastado por não poder ver o filho, sendo a mesma uma pessoa cuja mãe lhe faz a cabeça; e
VG, ex-namorada do arguido, no período decorrido entre o fim de 2016 e 2018, a qual apenas presenciou episodios em que a ofendida a quis atingir, verbalmente ou mesmo fisicamente, quando acompanhava o arguido, descrevendo o arguido, na inversa, como uma pessoa meiga e pronta a ajudar.
Seguidamente, o arguido quis prestar declarações, descrevendo o relacionamento do mesmo com a ofendida e o facto da gravidez ter sido algo inesperado na sua vida, sendo que acaba por confirmar que as discussões entre os mesmos sucediam-se semanalmente e que, apesar de reconhecer algumas das expressões imputadas, o eram sempre após a mesma também empregar outras quanto ao mesmo, como filho da puta e cabrão. Também o mesmo descreveu episódios de agressões em que o mesmo era a vítima, nunca as tendo denunciado, por vergonha. Assumiu determinados factos, como o ter agarrado a ofendida aquando da deslocação à casa da mesma, descrita em 8. e diante, mas nada mais, designadamente do modo descrito. Assumiu igualmente o facto descrito em 16., com a ressalva que apenas pretendia saber do seu filho. O que caba por suceder igualmente quanto à factualidade parcialmente assumida e descrita em 17. e diante, relativamente a ter ido atrás da mesma, para a confrontar com o facto da mesma referir que estaria deitada e depois a viu na rua. Acaba por assumir ter confrontado a ofendida, em termos semelhantes aos descritos em 27. e 28., negando, no entanto, ter actuado do modo descrito, sendo que apenas a confrontou porque o filho descreveu a presença de um homem na mesma cama que o próprio, o que quis esclarecer. Igualmente, quanto ao episódio ocorrido no Carnaval, descrito em 30. e diante, embora reconheça a existência de contactos, nega as expressões imputadas. Já em relação às armas apreendidas, admitiu, como tendo sido pedido para as guardar por um amigo, há cerca de 10 anos e, ainda que soubesse não as poder ter consigo “não discorreu...”. Confrontado com a permanência à porta da ofendida, que reconheceu, acrescenta “nunca fiz mal a ninguém, estava na via pública e estava no meu carro”, aludindo igualmente a um episódio referido pela testemunha Sara, mas não constante da factualidade imputada, sendo que em relação a tais permanências, como já referido, o que pretendia era saber sempre onde se encontrava o filho. Mais descreveu a situação da regulação das responsabilidades parentais e estado dessas mesmas visitas, negando que a ofendida tenha ido para o Norte por recear o mesmo, mas antes por vontade sua, sendo que foi essa mesma sua vontade que contrariada – porque a mesma pretendia reatar o relacionamento com o arguido o que este não queria - é que gerou toda a situação descrita, pois que a mesma chegou a dizer que ou o arguido a matava ou lhe faria a vida num inferno.
Ora, começando por estas últimas declarações do arguido, produzida que foi a prova e, escalpelizando as mesmas, o que se constata é que a factualidade descrita pela ofendida, acaba, invariavelmente por ser confirmada pelo arguido, não quanto a pormenores de actuação e móbil, mas em relação a presenças, a interacção e até mesmo a parte das expressões.
Assim, todas as testemunhas de defesa, que se percebe perfeitamente o claro antagonismo com a ofendida e respectiva família (designadamente a mãe e avó do arguido), quando descrevem actuações da ofendida, na pessoa do arguido, pretendendo descrever o arguido como a vítima do comportamento da ofendida, cedem perante estas declarações, pois que o mesmo acaba por reconhecer quer expressões dirigidas, quer actuações de espera à porta da ofendida e mesmo de a seguir/ir no seu encalço, acabando apenas por infirmar as actuações físicas na pessoa da mesma, ainda que não negue que haja interagido fisicamente com a mesma, mas apenas para se defender, o que não mereceu credibilidade.
Note-se que, apesar das testemunhas de defesa descreverem o arguido como uma boa pessoa, do que não se duvida em relação a cada uma delas, pelo menos por duas - FA e MM - foram empregues expressões em relação ao mesmo que deixam antever quer esse seu comportamento impulsivo e reactivo, quer a fraca resistência do mesmo à contrariedade, o que desde logo, resultou da descrição efectuada quanto à “perseguição” movida pelo mesmo à ofendida, quando aquela - por motivos não explorados, ainda que não se deixem de antever face ao demais descrito lhe omite que iria jantar com amigos, levando o filho de ambos e, mesmo com o filho no carro da ofendida, o arguido decide ir atrás dos mesmos.
Assim, atenta a forma, bastante pormenorizada e até acompanhada por gestos (conforme descrito em sede de declarações para memória futura), com que a ofendida/assistente prestou depoimento, mereceu credibilidade ao Tribunal, para além do mais, face à conjugação do que referia, com o demais confirmado pelas testemunhas arroladas em sede de acusação - MCS, RF e SO - sendo que, resultou à saciedade, como já referido, a manifesta desavença entre as famílias de ambos arguido e ofendida, que acaba confirmada pelos documentos apresentados pelo próprio arguido, mas que qualquer deles soube/sabe enquadrar, sendo que, ainda que não se duvide que, dada a descrição feita pelo arguido e a persistência e frequência com que o mesmo tinha os comportamentos descritos, a própria ofendida, a dado momento possa retorquir, não se logrou este Tribunal convencer que fosse a actuação da mesma - provocatória - que desencadeava tais comportamentos do arguido, sem mais.
Esta prova foi assim suficiente para que o Tribunal considerasse os factos como provados, posto que, não obstante as declarações do arguido, o qual acabou apenas acabou por admitir o já referido e que não teve correspondência com o demais apurado, convenceu o depoimento das testemunhas - arroladas na acusação já referidas e ofendida/assistente - pela sua forma de depor e conhecimento, sendo que, mesmo em relação às testemunhas de defesa inquiridas, não lograram abalar a convicção firmada em relação à credibilidade merecida.
Relativamente ao dolo e consciência da ilicitude o Tribunal conjugou os meios de prova valorados positivamente nos termos supra expostos, com as regras da experiência comum e ainda com o depoimento da ofendida/assistente e mesmo declarações do arguido ao aludir à sua actuação, na parte confirmada pelo mesmo.
Na verdade, sendo o dolo um elemento de índole subjectiva que pertence ao foro íntimo do sujeito, o seu apuramento (com exclusão de uma situação em que o agente admite a intenção directa) ter-se-á de apreender do contexto da acção desenvolvida, cabendo ao julgador - socorrendo-se, nomeadamente, de indícios objectivos, das regras de experiência comum e daquilo que constitui o princípio da normalidade - retirar desse contexto a intenção por ele revelada.
Quanto aos antecedentes criminais registados, teve o Tribunal em consideração o conteúdo do C.R.C. junto aos autos.
Quanto aos factos considerados como não provados, tal juízo probatório estribou-se na circunstância de, da prova produzida em audiência de julgamento, pelas declarações do arguido e depoimento da testemunha/ofendida, resultar afastada ou não confirmada.
Sendo que, em processo penal, no que se reporta a factos desfavoráveis ao arguido, sempre se imporia consignar que, na dúvida, temos de ter sempre presente o princípio in dubio pro reo. Trata-se de um princípio que pretende garantir a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos do facto típico e ilícito que a suporta, assim como o dolo e negligência do seu autor. Isto é, à insuficiência da prova - que equivale à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência de determinado facto - deve dar-se como não provado o facto desfavorável ao arguido. Ou seja, é indicado ao juiz que valore a favor do acusado a prova dúbia (neste sentido, Cristina Líbano Monteiro, em Perigosidade de Inimputáveis e In Dúbio Pro Reo, Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra Editora, Stvdia Iuridica 24, pág. 11).
Este princípio traduz, assim, a convicção de que o Estado, através dos Tribunais, não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente, conforme esclarecedoramente defende Cristina Líbano Monteiro, ob. cií., pág. 166, e isto porque, são mais gravosas as consequências que podem decorrer de uma incorrecta fixação de factos em processo penal.
O arguido esclareceu ainda as suas condições pessoais, não sendo contrariado por qualquer outro meio de prova, dando-se assim como provadas, dado serem atinentes a factos sem relevo criminal.

***

3.– Apreciando

3.1.-Alega o recorrente que o tribunal recorrido decidiu mal em sede de fixação da matéria de facto provada quanto aos pontos de facto 2, 3, 4, 5, 7, 9, 16, 1 7, 27, 28, 30 e 31.
Dispõe o artigo 428.º, n.º 1, do C.P.P., que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16. ª ed., p. 873; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., p. 339; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, pp. 77 e ss.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121).

No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do C.P. Penal.
Quer isto dizer que enquanto os vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, são vícios da decisão, evidenciados pelo próprio texto, por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, na impugnação ampla temos a alegação de erros de julgamento por invocação de provas produzidas e erroneamente apreciadas pelo tribunal recorrido, que imponham diversa apreciação. Neste caso, o recorrente pretende que o tribunal de recurso se debruce não apenas sobre o texto da decisão recorrida, mas sobre a prova produzida em 1.ª instância, alegadamente mal apreciada.
O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de Julho de 2008, Processo 08P1312, de 29 de Outubro de 2008, Processo 07P1016 e de 20 de Novembro de 2008, Processo 08P3269, in www.dgsi.pt., como todos os que venham a ser indicados sem outra indicação).
Impõe-se, assim, ao recorrente, na impugnação ampla, o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do C.P. Penal:
«3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a)-Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)-As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c)-As provas que devem ser renovadas.»

A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do C.P.P.).
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do C.P.P.), salientando-se que o S.T.J, no seu acórdão N.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012, fixou jurisprudência no seguinte sentido:
«Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».

Assim, o ónus processual de indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida, previsto na alínea b), do n.º 3, do artigo 412.º, do C.P.P., apresenta uma configuração alternativa, conforme a acta da audiência de julgamento contenha ou não a referência do início e do termo de cada declaração gravada, nos seguintes termos:
- se a acta contiver essa referência, a indicação das concretas passagens em que se funda a impugnação faz-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º (n.º 4 do artigo 412.º do C.P.P.);
- se a acta não contiver essa referência, basta a identificação e transcrição nas motivações de recurso das ditas “passagens/excertos” dos meios de prova oral gravados  (acórdão da Relação de Évora, de 28/05/2013, processo 94/08.0GGODM.E1).
Na reapreciação da prova importa articular os poderes de conhecimento do tribunal de recurso com os princípios relativos à produção e à valoração da prova no tribunal de 1.ª instância, especialmente com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do C.P.P., princípio que vale também para o tribunal de recurso. Essa articulação há-de necessariamente ter em conta que as condições de que beneficia a 1.ª instância – em particular, a oralidade e a imediação – para avaliar os depoimentos prestados, no contexto de toda a prova produzida, se não verificam (pelo menos em toda a extensão) quando o tribunal de recurso vai julgar.
Traduzindo-se a livre apreciação das provas numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, a falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, a não vivência do julgamento, sede do contraditório, com privação da possibilidade de intervir na produção da prova pessoal, serão, por assim dizer, limites epistemológicos a que a Relação deverá atender na sua apreciação, ainda que não barreiras intransponíveis a que faça a ponderação, em concreto e autónoma, das provas identificadas pelo recorrente, que pode conduzir à conclusão de que tais elementos de prova impõem um juízo diverso do da decisão recorrida.

3.1.1.–Analisado o recurso, verificamos que o arguido recorrente não invoca expressamenge qualquer dos vícíos decisórios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., apesar de, no intróito da motivação, referir esse artigo – como refere, aliás, o artigo 119.º, al. c), do C.P.P., sem qualquer razão que se alcance.
Por outro lado, é manifesto que as conclusões do recurso não satisfazem, nem sequer num patamar mínimo, a exigência de tríplice especificação legalmente imposta nos casos de impugnação ampla.
E, por outro lado, visto o corpo da motivação, temos como evidente que também não consentia tal especificação, sendo que, a nosso ver, dizendo-se que as conclusões resumem as razões do pedido, nada pode ser resumido que não se contenha no arrazoado da motivação, de que as conclusões devem constituir uma síntese essencial.
Por outras palavras: as conclusões, para serem legítimas e razoáveis – como dizia o prof. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, volume V, Coimbra Editora, 1984, reimpressão, p. 359), - devem emergir logicamente do arrazoado feito no corpo da motivação.
Quando um recorrente pretende impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, não pode deixar de enunciar na motivação, de forma argumentada, os fundamentos por que entende que determinadas provas concretas impõem decisão diversa quanto aos concretos pontos de facto questionados.
No caso em apreço, o arguido / recorrente refere-se às declarações que prestou em audiência de julgamento, mas não faz qualquer menção a segmentos da prova pessoal – declarações e depoimentos - gravada que suportem a sua pretensão, manifestando, essencialmente, a divergência entre a sua convicção pessoal sobre a prova produzida em audiência e aquela que o tribunal firmou sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da mesma consagrado no artigo 127.º, do C.P.P.
O que o arguido/recorrente não faz, nas conclusões, nem no corpo da motivação, é qualquer menção à prova gravada, nos termos legalmente impostos, ou seja, com a indicação de concretas passagens por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, já que a acta contém a referência do início e do termo de cada declaração gravada, com a explicitação da razão por que essas concretas «provas» impõem decisão diversa da recorrida quanto aos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados. Depreende-se que, no entender do arguido, o tribunal tinha, forçosamente, de crer na sua versão dos factos e desvalorizar toda a restante prova.
Não tendo cumprido o recorrente (nas conclusões ou sequer na motivação) o ónus de impugnação especificada a que estava vinculado, não pode este Tribunal da Relação conhecer do recurso como impugnação ampla, sendo que também não podia fazer-lhe convite para aperfeiçoamento, pois trata-se de uma deficiência da estrutura da motivação, equivalente a uma falta de motivação na plenitude dos seus fundamentos, que coloca até em crise a delimitação do âmbito do recurso e esse procedimento equivaleria, na verdade, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso (neste sentido, Ac. do STJ de 07/10/2004, Proc. nº 3286/04, 5ª Secção, disponível em www.dgsi.pt e Acs. do Tribunal Constitucional nºs 259/2002, de 18/06/2002 e 140/2004, de 10/03/2004, ambos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos).
Não obstante, o que realmente resulta, como já se disse, é a divergência entre a convicção pessoal do arguido sobre a prova produzida em audiência e aquela que o tribunal firmou sobre os factos, o que se prende com a livre apreciação da prova, cumprindo não olvidar constituir jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores que o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum. Se a decisão sobre a matéria de facto do julgador, devidamente fundamentada, for plausível segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.
Analisada a sentença recorrida, quanto à decisão de facto e motivação que a sustenta, não se extrai a existência de vício que a inquine.

O tribunal de 1.ª instância dá a conhecer como formou a sua convicção quanto à factualidade provada e, também, as razões da valoração que fez relativamente à prova, assinalando:
« (…) começando por estas últimas declarações do arguido, produzida que foi a prova e, escalpelizando as mesmas, o que se constata é que a factualidade descrita pela ofendida, acaba, invariavelmente por ser confirmada pelo arguido, não quanto a pormenores de actuação e móbil, mas em relação a presenças, a interacção e até mesmo a parte das expressões.
Assim, todas as testemunhas de defesa, que se percebe perfeitamente o claro antagonismo com a ofendida e respectiva família (designadamente a mãe e avó do arguido), quando descrevem actuações da ofendida, na pessoa do arguido, pretendendo descrever o arguido como a vítima do comportamento da ofendida, cedem perante estas declarações, pois que o mesmo acaba por reconhecer quer expressões dirigidas, quer actuações de espera à porta da ofendida e mesmo de a seguir/ir no seu encalço, acabando apenas por infirmar as actuações físicas na pessoa da mesma, ainda que não negue que haja interagido fisicamente com a mesma, mas apenas para se defender, o que não mereceu credibilidade.
Note-se que, apesar das testemunhas de defesa descreverem o arguido como uma boa pessoa, do que não se duvida em relação a cada uma delas, pelo menos por duas - FA e MM - foram empregues expressões em relação ao mesmo que deixam antever quer esse seu comportamento impulsivo e reactivo, quer a fraca resistência do mesmo à contrariedade, o que desde logo, resultou da descrição efectuada quanto à “perseguição” movida pelo mesmo à ofendida, quando aquela - por motivos não explorados, ainda que não se deixem de antever face ao demais descrito lhe omite que iria jantar com amigos, levando o filho de ambos e, mesmo com o filho no carro da ofendida, o arguido decide ir atrás dos mesmos.
Assim, atenta a forma, bastante pormenorizada e até acompanhada por gestos (conforme descrito em sede de declarações para memória futura), com que a ofendida/assistente prestou depoimento, mereceu credibilidade ao Tribunal, para além do mais, face à conjugação do que referia, com o demais confirmado pelas testemunhas arroladas em sede de acusação – MCS, RF e SO - sendo que, resultou à saciedade, como já referido, a manifesta desavença entre as famílias de ambos arguido e ofendida, que acaba confirmada pelos documentos apresentados pelo próprio arguido, mas que qualquer deles soube/sabe enquadrar, sendo que, ainda que não se duvide que, dada a descrição feita pelo arguido e a persistência e frequência com que o mesmo tinha os comportamentos descritos, a própria ofendida, a dado momento possa retorquir, não se logrou este Tribunal convencer que fosse a actuação da mesma - provocatória - que desencadeava tais comportamentos do arguido, sem mais.
Esta prova foi assim suficiente para que o Tribunal considerasse os factos como provados, posto que, não obstante as declarações do arguido, o qual acabou apenas acabou por admitir o já referido e que não teve correspondência com o demais apurado, convenceu o depoimento das testemunhas - arroladas na acusação já referidas e ofendida/assistente - pela sua forma de depor e conhecimento, sendo que, mesmo em relação às testemunhas de defesa inquiridas, não lograram abalar a convicção firmada em relação à credibilidade merecida.»

Como lhe cabia, o tribunal distingiu os factos que se provaram para além de qualquer dúvida daqueles que, não tendo atingido esse standard de prova, foram remetidos para a factualidade não provada, não hesitando em invocar, nessa parte, o princípio in dubio.
Saliente-de que a imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como «a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão» (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe. É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
Quer isto dizer que a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador que, enquanto fundada na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cfr. acórdão da Relação do Porto, de 21/04/2004, Processo: 0314013; acórdãos da Relação de Coimbra, de 18/02/2009, Proc. 1019/05.0OGCVIS.C1, de 10/11/2010, Proc. 2354/08.1PBCBR.C2, e de 09/01/2012, Proc. 102/10.5 TAANS.C1).
No caso sub judice, o tribunal recorrido explicita as razões da valoração que fez – incluindo quanto às declarações para memória futura - e não se vislumbra esta inadmissibilidade, pois o juízo efectuado não conflitua, de modo algum, com a boa lógica e a experiência comum.
O artigo 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação a prova, a entender como uma apreciação racional e crítica, de acordo com as regras da lógica, da razão e da experiência comum.
Na tarefa de valoração da prova e de reconstituição dos factos, tendo em vista alcançar a verdade – não a verdade absoluta e ontológica, mas uma verdade histórico-prática ou prático-jurídica e processualmente válida (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1984, p. 194 2 204; Castanheira Neves, Sumários de Processo Penal, 1968, Coimbra, p. 48-50) –, o julgador não está sujeito a uma “contabilidade das provas”. Não será a circunstância, normal nas lides judiciais, de se contraporem, pela prova pessoal (declarações e testemunhos), versões contraditórias, a impor que o julgador seja conduzido, irremediavelmente, a uma situação de dúvida insuperável.
A função do julgador não é a de encontrar o máximo denominador comum entre os depoimentos prestados e não lhe é imposto ter de aceitar ou recusar cada um deles na globalidade, cumprindo-lhe antes a missão, certamente difícil, de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece ou não crédito e em que termos. E contrapondo-se versões diferentes, tal não significa que o tribunal tivesse de ficar, forçosamente, numa situação de dúvida insolúvel e que não lhe fosse legítimo, no quadro da livre apreciação da prova, dentro de parâmetros de racionalidade e experiência comum, determinar como os factos se passaram (acórdão da Relação de Coimbra, de 18/02/2009, Proc. 1019/05.0OGCVIS.C1, do mesmo relator do presente).
Aliás, o tribunal “pode formar a sua convicção com base num único depoimento, mesmo que do ofendido, desde que tal depoimento se lhe afigure credível, importando apenas que, de forma clara e completa, ainda que concisa, explicite as razões do seu convencimento, pois há muito deixou de vigorar a velha regra unus testis, testis nullius, ultrapassado que está o regime da prova legal ou tarifada, substituído pelo princípio da livre apreciação da prova – artigo 127.º” (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, p. 207; acórdão da Relação de Coimbra, de 27/05/2015, Processo 11/10.8GASJP.C1). De outro modo: o livre convencimento do tribunal, desde que lógico e motivado, pode assentar num único depoimento (mesmo do ofendido), posto que o tribunal o tenha, de forma motivada, conforme com a realidade.
Destarte, razão alguma existe para colocar em crise o juízo do tribunal recorrido sobre as provas, conforme explanado na motivação, concluindo-se da análise daa sentença recorrida que a factualidade considerada provada se apresenta sustentada por prova suficiente, adequada e legalmente permitida, não se registando qualquer desvio das regras da experiência comum, sem margem para dúvidas razoáveis, não havendo, por isso, fundamento para qualquer alteração da matéria de facto quanto aos pontos de facto 2, 3, 4, 5, 7, 9, 16, 17, 27, 28, 30 e 31, não podendo proceder a pretensão do recorrente, que não deduziu, como podia ter feito, impugnação ampla da decisão de facto, de impor a sua convicção pessoal face à prova produzida em audiência em detrimento da do tribunal, pois a decisão sobre esta está devidamente fundamentada, tendo sido proferida em obediência à lei que impõe que se julgue de acordo com a livre convicção – artigo 127.º, do C.P.P.
No que concerne aos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, os mesmos, sendo de conhecimento oficioso, são de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei, cuja verificação há-de necessariamente, como resulta do preceito, ser evidenciada pelo próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo que constem do processo, sendo os referidos vícios intrínsecos à decisão como peça autónoma.
Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal, podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto relevante, acarretando a normal consequência de uma decisão de direito viciada por falta de suficiente base factual, ou seja, os factos dados como provados não permitem, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador. Dito de outra forma, este vício ocorre quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto contida no objecto do processo e com relevo para a decisão, cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos …, 6.ª ed., 2007, p. 69; acórdão da Relação de Lisboa, de 11.11.2009).
Não se deve confundir este vício decisório com a errada subsunção dos factos (devida e totalmente apurados) ao direito, o que consubstancia um caso de erro de julgamento, nem, por outro lado, tal vício se reconduz à discordância sobre a factualidade que o tribunal, apreciando a prova com base nas “regras da experiência” e a sua “livre convicção”, nos termos do artigo 127.º do C.P.P., entendeu dar como provada. A insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão que pertence ao âmbito do princípio de livre apreciação da prova, não é sindicável caso não seja suscitada a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto.
Quanto à contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação da convicção conduz a uma decisão sobre a matéria de facto provada e não provada contrária àquela que foi tomada – e assim é porque, como já se disse, todos os vícios elencados no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., reportam-se à decisão de facto e consubstanciam anomalias decisórias, ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., pp. 71 a 73).
Finalmente, o vício do erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do n.º2 do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal, na análise da prova, violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, verificando-se, igualmente, este vício quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis. O requisito da notoriedade afere-se, como se referiu, pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio - ou, talvez melhor dito (se partirmos de um critério menos restritivo, na senda do entendimento do Conselheiro José de Sousa Brito, na declaração de voto no Acórdão n.º 322/93, in www.tribunalconstitucional.pt, ou do entendimento do Acórdão do S.T.J. de 30 de Janeiro de 2002, Proc. n.º 3264/01 - 3.ª Secção, sumariado em SASTJ), ao juiz “normal”, dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, desde que seja segura a verificação da sua existência -, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente, consistindo, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., p. 74; Acórdão da R. do Porto de 12/11/2003, Processo 0342994).
Vista a sentença na perspectiva desses vícios decisórios, constata-se que os factos provados são suficientes para suportar a decisão de direito a que se chegou, nas suas diversas vertentes; visionando toda a matéria factual, não se verifica qualquer inconciliabilidade na fundamentação ou entre esta e a decisão; também não se patenteia a existência de erro notório na apreciação da prova, na definição que deixamos supra exposta.
Percorrendo-se a sentença recorrida, desta não resulta que tenha ficado instalada no espírito da Mm.ª Juíza, muito pelo contrário, a mais pequena incerteza quanto a qualquer um dos factos que na decisão considerou provados, ou seja, não se alcança que o tribunal a quo tenha valorado contra o arguido qualquer estado de dúvida sobre a existência dos factos, do mesmo modo que também não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, as devesse ter.
Assim, carecendo de razão o recorrente no que tange à alteração da matéria de facto, tem de se considerar esta definitivamente fixada nos termos mencionados.

3.2.–O arguido / recorrente foi condenado, além do mais, pela prática de um  crime de violência doméstica agravado, p. e p., pelo artigo 152.°, n.° 1, alíneas b) e c) e n.° 2, alínea a), 4 e 5, do Código Penal.
O  tipo de crime em causa integra, como elemento objectivo, a prática de maus-tratos físicos ou psíquicos cometidos dentro de determinadas relações familiares ou análogas, porém, a sua verificação não exige a repetição das condutas ofensivas da integridade física ou moral como se extrai do segmento “(…) de modo reiterado ou não (…)”, podendo assim preencher-se com uma única conduta, desde que a sua gravidade intrínseca permita o enquadramento na figura dos aludidos maus-tratos.
O bem jurídico protegido é plural e complexo, visando essencialmente a saúde  (abrangendo a saúde física, psíquica, emocional e moral), enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, sendo que este bem jurídico, como materialização da tutela dessa dignidade, projectada numa relação de afectividade ou coabitação, implica que a norma incriminadora preveja as condutas efectivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa humana, conduzindo à sua degradação pelos maus tratos – assim, Plácido Conde Fernandes, Violência doméstica – novo quadro penal e processual penal, Revista do CEJ, nº 8, 1º semestre de 2008, pág. 305.
O âmbito punitivo deste tipo de crime abarca, assim, todos os comportamentos que, de forma reiterada ou não, lesam a referida dignidade, quer no âmbito dos maus tratos físicos, quer no dos maus tratos psíquicos, abrangendo ainda situações como as ameaças, as humilhações, as provocações, as privações de liberdade e de movimentos e as ofensas.

Lê-se na sentença recorrida:

«Em termos sistemáticos, o referido preceito encontra-se integrado na parte especial do Código Penal, no Título I, dedicado aos “crimes contra as pessoas” e, dentro deste, no Capítulo III, reportado aos “crimes contra a integridade física”.
Daqui decorre, que a ratio deste tipo de ilícito não está na protecção da comunidade familiar, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana.
Mas a incriminação não se reduz a uma mera qualificação de outros ilícitos típicos em razão da qualidade da vítima. Com efeito, visam-se punir condutas violentas (de violência ou agressividade física, psicológica, verbal e sexual) dirigidas a uma pessoa especialmente vulnerável, em razão de uma certa relação conjugal ou equiparada, ou de uma relação que a deixam em posição de desequilíbrio, que redundam num exercício ilegítimo de poder, de domínio sobre a vida, e da integridade física, da liberdade, da expressão e da honra do outro, caracterizadas as mais das vezes por um estado de tensão, de medo, ou de sujeição da vítima (sendo esta muitas vezes reduzida ao estado de mera “coisa”) (Neste sentido Maria Manuel Valadão e Silveira, In Sobre o Crime de Maus Tratos Conjugais, Revista de Direito Penal, Vol. I, n.° 2, ano 2002, UAL, p. 32 a 12).
A distinção deste tipo de ilícito dos demais, mormente do crime de ofensas à integridade física, de injúria ou de ameaça, não se funda na qualidade da vítima, mas na autonomia do bem jurídico tutelado - a integridade pessoal e física das pessoas inseridas numa certa relação (família ou equiparada) protegida pela lei.
Assim, é indispensável que a actuação ilícita única ou reiterada atinjam, pela sua intensidade, circunstâncias ou modo como foi praticada, a integridade pessoal da vítima, a sua dignidade ou o livre desenvolvimento da sua personalidade.
São sempre as circunstâncias de facto que demonstrarão, havendo ou não reiteração, que à luz da relação existente entre o agente e a vítima, a actuação daquele colocou esta última numa situação que se deva considerar incompatível com a sua dignidade e liberdade, dentro do ambiente conjugal ou equiparado.
Américo Taipa de Carvalho, afirma, no que se reporta à anotação ao tipo de maus tratos, correspondente ao tipo ora em apreço na anterior versão do Código Penal que, em última instância, o bem jurídico protegido por este crime é a saúde, bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, o qual pode ser prejudicado por toda uma multiplicidade de comportamentos que afectem a dignidade pessoal do cônjuge (Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo 1, Coimbra Editora, 1999, pág. 332).
No entanto, como acima se pugnou, quando nos factos em apreciação está em causa a pessoa com quem se conviva em condições análogas à dos cônjuges, tal como se deixou escrito no Acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Julho de 2005 (In CJ, XXX, tomo 4, p. 43), associa-se-lhe toda a especificidade decorrente da circunstância da ofensa ocorrer no âmbito do casamento ou dentro da sociedade familiar. Nesta vertente, o crime protege não só a autonomia e a dignidade da pessoa humana, mas ainda a igualdade entre o homem e a mulher, a própria família e o direito dos filhos a um ambiente familiar sadio (neste sentido Catarina Sá Gomes, O crime de maus tratos físicos e psíquicos infligidos ao cônjuge ou ao que conviver em condições análogas, AAFDL, Lisboa, 2004 e Teresa Beleza, Maus-Tratos Conjugais: o artigo 153°, n.°3, do Código Penal, A.A.F.D.L., 1989, P. 49).
A criminalização destas condutas, com a consequente responsabilização jurídico-penal dos seus agentes, resultou da progressiva consciencialização ético-social da gravidade individual e social de tais comportamentos ocorridos no seio da família que, nas palavras de Américo Taipa de Carvalho, (ob. cit., p. 330), “(...) não mais podiam constituir feudos sagrados, onde o direito penal se tinha de abster de intervir.
Com efeito, a função deste artigo é prevenir as frequentes e, por vezes, tão subtis e perniciosas formas de violência na família, cuja dinâmica, habitualmente, se caracteriza por ciclos de violência conjugal que, ao longo do tempo, vão sendo caracterizados por um aumento de frequência, intensidade e perigosidade, dos quais, muitas vezes, a família (alargada ou os filhos) é testemunha silenciosa e, consequentemente, vítima indirecta.
Por isso, se exige, desde logo, que o agente se encontre numa determinada relação com o sujeito passivo, designadamente, se encontre numa relação de coabitação conjugal ou análoga, ou seja, que o agente e vítima sejam cônjuges ou ex-cônjuges ou se encontrem a viver em condições análogas às dos cônjuges ou, que a vítima seja filho, ou pessoa particularmente indefesa que coabite com o agente.
A criminalização deste tipo legal reflecte, em boa medida, o relevo do especial dever de respeito entre os cônjuges e dentro da família, dever também conjugal que, ao lado dos deveres de fidelidade, coabitação, cooperação e assistência, se impõe na comunhão marital.
As condutas previstas e punidas por tal tipo legal, para o que in casu importa, podem revestir a natureza de maus tratos físicos e psíquicos, onde se incluem as ofensas corporais, e de maus tratos psíquicos, onde se incluem as injúrias e as ameaças.
No que se refere ao elemento subjectivo, este tipo de crime exige o dolo por parte do agente que o executa, sendo o respectivo conteúdo variável em função da espécie de comportamento do agente.
No caso vertente, da matéria de facto dada como provada para o que a este tipo penal importa, não restam dúvidas de que conduta do arguido preenche o normativo em referência em relação à pessoa da ofendida, na qualidade de companheira e ex-companheira e progenitora de descendente comum, na forma agravada, atenta a descrição de factos ocorridos, quer na residência comum, enquanto a partilhavam, quer na residência da vítima, quando ali se dirigia, quer na presença do filho comum e esta presença não significa que o mesmo tenha de ter percepcionado a ocorrência dos seus factos na sua integralidade, quer pela idade - que pode ser impeditiva da real noção dos factos – quer pela maior ou menor proximidade física, bastando que a presença dos mesmos funcione como inibidora de qualquer outro tipo de actuação/reacção, por parte da vítima, nomeadamente para proteger esse mesmo filho.
Não restam pois dúvidas, que se impõe a condenação do arguido pela prática do crime de violência doméstica agravado imputado, posto que se mostram reunidos os elementos objectivos e subjectivos deste tipo de ilícito e não existem causas que excluam a sua ilicitude ou culpa ou o isentem de responsabilidade penai, dada a multiplicidade de actuações do arguido - quer em termos de agressões físicas, verbais e mesmo perseguições efectuadas.
Não emergindo da factualidade provada qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, já que o arguido não agiu no exercício de um direito ou no cumprimento de um dever, e muito menos coagido por uma situação apta a desculpar a sua conduta, terá o mesmo de ser condenado nos termos expostos.»

Concordando com o entendimento perfilhado pelo tribunal recorrido, também nós entendemos que comportamento do arguido, no quadro da relação com a ofendida, que foi sua companheira e é mãe de um seu filho, integra a prática de actos atentatórios da integridade física e psíquica da mesma, que pela reiteração, intensidade e repercussão não podem deixar de se considerar como incompatíveis, em termos valorativos, com a sua dignidade enquanto pessoa humana, justificando tratamento diferente do que corresponderia a cada um dos factos isoladamente considerados.
Destarte, verifica-se, no caso sub judice, a violação do bem jurídico protegido pela norma, estando verificados os elementos típicos, objectivos e subjectivos, do crime de violência doméstica por que o arguido foi condenado e, inexistindo circunstâncias excludentes da ilicitude ou da culpa, não pode deixar de ser o recurso não provido nesta parte.

3.3.–Lê-se na sentença recorrida, em sede de determinação da pena:
«O crime de violência doméstica agravado, previsto pelo artigo 152.°, n.° 1, alíneas b) e c) e n.° 2, alínea a), do Código Penal, é punível com pena de prisão de 2 a 5 anos.
O crime de detenção de arma proibida cometido pelo arguido é punido, em abstracto, com uma pena de multa até 600 dias ou de prisão de 1 a 5 anos.
À luz do preceituado no artigo 70.° do Código Penal, sempre que sejam, em alternativa, aplicáveis pena privativa e pena não privativa da liberdade, deve o Tribunal dar preferência à segunda, quando entenda que esta realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Este preceito espelha o princípio da subsidiariedade do direito penal e o carácter nocivo das penas detentivas da liberdade, como uma das ideias fundamentais subjacente ao sistema punitivo do nosso Código Penal: a «reacção contra as penas institucionalizadas ou detentivas, por sua própria natureza lesivas do sentido ressocializador que deve presidir à execução das reacções penais» (Robalo Cordeiro, in «Escolha e Medida da Pena», Jornadas de Direito Criminal, CEJ, p. 238).
Em face do que ficou exposto há que atender, no caso concreto, que o arguido não averba quaisquer antecedentes criminais, contando com 32 anos de idade, encontrando-se social e familiarmente inserido, realizando trabalhos ocasionais.
Assim, em sede de prevenção especial, a conduta do arguido terá de ser levada em conta, tendo presente a desmotivação para a prática futura de idênticos factos.
Como tal, mesmo em relação ao crime cuja pena é alternativa, entendo não ser de aplicar pena não privativa da liberdade, porquanto o circunstancialismo da ocorrência dos factos é um e o mesmo, decorrente do primeiro e já o crime cuja moldura se analisará seguidamente, é unicamente punido com pena de prisão, pelo que deve o arguido ser punido com pena privativa da liberdade única, repercutindo-se na sua dosimetria a forma de actuação.
Delimitada que está assim, pela lei, a modalidade de pena a aplicar ao arguido, em relação ao crime de violência doméstica agravado, importa aferir da medida concreta da mesma e bem assim quanto ao demais crime, face à opção supra realizada e que, em caso algum, pode ultrapassar a medida da culpa, devendo fazer-se intervir nesta sede a ponderação dos fins de prevenção geral e especial a que se submetem as penas e as medidas de segurança, nos termos do disposto no artigo 40.°, n°s 1 e 2 do Código Penal.
Pois que, a lei «através do requisito que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime - ligada ao mandamento incondicional de respeito pela iminente dignidade da pessoa do agente - limita de forma inultrapassável as exigências de prevenção» (Figueiredo Dias, In Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, p. 281).
Na ponderação da pena concretamente aplicável cumpre atender também aos critérios estabelecidos no artigo 71.° do Código Penal, sendo que a pena deve ser determinada em função da culpa de cada um dos agentes e das exigências de prevenção especial de socialização e geral de integração que ao caso se imponham, tendo-se em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o arguido.
Pode apelar~se nesta parte ao que se escreveu no Acórdão do STJ de 2 de Março de 1994 que, “Na prevenção geral visa-se proteger as expectativas da comunidade na manutenção ou reforço da validade da norma infringida e reforçar a consciência jurídica da comunidade. Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral devem actuar os pontos de vista de prevenção especial ou de socialização, decisivos para a determinação da medida da pena: esta deve, dentro do possível, servir a reintegração do agente na comunidade ” (In BMJ, 435°, p. 499).
Assim, em cada uma das penas a aplicar, há que ponderar as exigências de prevenção geral, que constituirão o limiar da punição, sob pena de ser posta em risco a função tutelar do direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada. Ainda há que atender, às exigências de culpa, limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio político-criminal da necessidade da pena e ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (artigos Io e 18° n.° 2 da Constituição da República Portuguesa).
Por último, cumpre considerar as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar, em último termo, e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena.
As finalidades de prevenção e de reprovação dos crimes em apreço são muito elevadas e é por demais conhecida a sua danosidade social, desde logo em termos de alarme social e de sentimento de insegurança na comunidade que cada um destes crimes acarreta necessariamente, quer face aos bens jurídicos protegidos quer, face ao perigo e consciência social de perigo atento a que tais crimes ocorrem normaímente no seio da família e de que esta é vítima silenciosa.
Quanto às exigências de prevenção especial importa considerar:
- O grau de ilicitude das condutas do arguido que se revelou elevado, face à reiteração e aumento de violência nas condutas do arguido, sendo que este adoptava tais comportamentos quer na casa de morada de família, quer na residência da vítima, quer na presença do filho menor, que desde logo, paralisa qualquer actuação da vítima, face a uma agressão/actuação do arguido;
- A intensidade do dolo que foi directo (cf. al. b) do n°2 do art° 71 do CP); -- As circunstâncias em que os factos ocorreram e as suas consequências, atendendo-se aqui às consequências psicológicas que a vítima necessariamente sofreu, para além do medo a vivenciado, os quais resultam das regras da experiência comum e dos factos provados, são ainda mais prementes e perduram na consciência por muito mais tempo;
- A ausência de antecedentes criminais e ainda a circunstância do arguido e a ofendida já não viverem juntos.
Assim sendo, atenta a moldura penal aplicável ponderando, então, todo o circunstancialismo descrito, sopesando globalmente, a culpa do arguido, sendo esta reconduzíve! a um juízo valorativo que atende a todos os elementos aduzidos e conjugando-os com regras de experiência comum e com apelo, ainda, a elementos relativos à lógica, à moral e ao direito, entende o Tribunal (sem olvidar a jurisprudência dos tribunais superiores nesta matéria e alguma necessidade de encontrar parâmetros igualizadores das penas aplicadas em circunstâncias semelhantes).
Ponderando todas estas circunstâncias, entende-se adequada e proporcionada a condenação do arguido, relativamente:
Ao crime de violência doméstica agravado, no primeiro terço da moldura, em 3 anos de prisão; e
Ao crime de detenção de arma proibida, próxima do mínimo da moldura, em 1 ano e 6 meses de prisão, atento o número em apreço – arma e munições.
Cúmulo
Conforme dispõe o artigo 77.°, ns.° 1 e 2, do Código Penal: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única.
O agente será, então, condenado numa única pena, resultante de uma avaliação conjunta dos factos e da sua personalidade, num quadro de combinação das penas parcelares à luz do princípio do cúmulo jurídico.
A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas aplicadas aos crimes, isto é, in casu, 4 anos e 6 meses de prisão e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas, ou seja, 3 anos de prisão.
É de atender, ao facto de, por um lado, os crimes praticados serem graves, ao decurso do tempo desde a data dos factos, à postura do mesmo e aos antecedentes criminais, nos termos acima explanados.
Tudo ponderado, afígura-se-nos ajustado, por adequado e suficiente, a condenação do arguido na pena única de 4 anos de prisão

A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas reconduzem-se à protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
O juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para finalmente escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida, tendo em vista as penas de substituição que a lei prevê.
Estabelece o artigo 71.º, n.º1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Em termos doutrinais tem-se defendido que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, tanto quanto possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma sub-moldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção actuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993,, pp. 227 e segs.).
Na mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues, no seu texto O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º2, Abril-Junho de 2002, pp. 181 e 182), apresenta três proposições, em jeito de conclusões, da seguinte forma sintética:

«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.»

De acordo com o referido artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, há que considerar os factores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente os factores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjectivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) –, e os factores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os factores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – factores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de protecção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e de prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro e assim avaliar das necessidades de socialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e)], com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente, a que se referem as circunstâncias das alíneas e) e f), adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial.
Como refere o S.T.J., em acórdão de 17 de Abril de 2008, «as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente» (proc. 08P571; também relativamente à questão da determinação da medida da pena, cfr., entre outros, o acórdão do S.T.J. de 9 de Março do 2006, in CJSTJ, tomo I, pp. 212 e ss., e o acórdão do S.T.J., de 29 de Maio de 2008, proc. 08P1145).
Volvendo ao caso concreto em apreciação, o tribunal optou pela pena de prisão para o crime de detenção de arma proibida e fixou as penas parcelares em 3 anos de prisão e 1 ano e 6 meses de prisão.
A nosso ver, justifica-se a opção pela prisão no que toca ao crime de detenção de arma proibida, por exigências de prevenção, sendo certo que o crime de violência doméstica em concurso real com aquele não contempla pena compósita alternativa de prisão ou multa.
Tendo em vista os diversos factores relevantes que foram ponderados na sentença recorrida, afigura-se-nos que, pese embora a culpa do arguido e as relevantes exigências de prevenção, não só especial, mas também de prevenção geral no âmbito do crime de violência doméstica - pela frequência, na nossa sociedade, da ocorrência da prática deste tipo de crime, gerador de crescente reprovação social -, a pena principal imposta peca por excesso, devendo fixar-se antes em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, sendo ajustada a pena imposta ao crime de detenção de arma proibida.
Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
E nos termos do n.º 2, a moldura do concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
O que significa que no caso presente, a moldura de punição do concurso é de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses a 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão.
A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria, pois na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor determinante a personalidade do agente enquanto aglutinador da pena aplicável aos vários crimes.
Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.
Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.
Como se diz no Acórdão do S.T.J., de 31 de Março de 2011, Processo 169/09.9SYLSB.S1, a pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes, tendo presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso.                
A nosso ver, tendo em vista os critérios legais, afigura-se-nos ajustado e proporcional fixar a pena conjunta resultante do cúmulo jurídico em 3 (três) anos e 4 (quatro) meses.
Esta pena deverá ser suspensa na execução, pelo período de 4 (quatro) anos e nas condições constantes da sentença recorrida, ou seja, com regime de prova.

3.4.–O arguido foi condenado nas penas acessórias de proibição de contacto com a vitima, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 3 (três) anos, nos termos do disposto no artigo 152.°, n.° 4 e 5, do Código Penal.

Os n.ºs 4 e 5 do artigo 152.º do Código Penal estabelecem:
«4- Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5- A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.»

A Lei n.º 129/2015, de 3 de Setembro [entrada em vigor em 3 de Outubro, artigo 7.º], aditou ao regime da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro – que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas -, o artigo 34.º-B, que dispõe em matéria de suspensão da execução da pena de prisão:

«Suspensão da execução da pena de prisão
1-A suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio.
2-O disposto no número anterior sobre as medidas de proteção é aplicável aos menores, nos casos previstos no n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal

Com a Lei n.º 129/2015, de 3 de Setembro, o que o Código Penal estabelece como pena acessória surge, também, configurado como imposição de regras de conduta para protecção da vítima no âmbito da pena (de substituição) de suspensão da execução da pena de prisão.
O regime regra nos casos de condenação de um agente pela prática do crime em causa, em pena de prisão suspensa na sua execução, será o da sua subordinação à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, mas sempre se incluindo regras de conduta de protecção da vítima.
Considerando a factualidade provada, temos como evidente a necessidade de protecção da vítima, cuja liberdade individual de decisão e de acção é afectada pelos sentimentos de insegurança, intranquilidade e medo que lhe são incutidos pelo arguido.
Aliás, como já se disse, mesmo que não fosse no âmbito da pena acessória, sempre se impunha a subordinação da suspensão à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, mas sempre se incluindo regras de conduta de protecção da vítima, revestidas de real eficácia.
In casu, a pena acessória imposta surge como um adjuvante da pena principal, na realização das finalidades de prevenção especial, numa lógica de prevenção do conflito e de prevenção/intimidação que efectivamente proteja a vítima do risco de reincidência, como meio indispensável/imprescindível para a proteção dos seus direitos.
A decisão de suspensão da execução da prisão, constituindo sempre um risco ponderado, em nada contradiz a imperiosa necessidade dos meios de vigilância encarados, precisamente, como um adjuvante, dado o contexto, necessário à não frustração da fundada esperança de que, no futuro, o arguido não reincida nas condutas que justificaram a sua condenação por violência doméstica.
Na concreta configuração da pena acessória, importa não esquecer que arguido e ofendida têm um filho em comum.
Assim, justifica-se a condenação do arguido, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.ºs 4 e 5, do Código Penal, na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, pelo período de 3 (três) anos, conforme imposto, sem prejuízo de futuros e eventuais contactos que se vierem a revelar estritamente necessários para efeitos do exercício das responsabilidades parentais do filho menor de ambos, mas a realizar por advogado ou interposta pessoa da confiança de ambos, sendo tal pena acessória de proibição de contactos a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância.

3.5.–A Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, que instituiu o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das vítimas destes crimes, estabelece no artigo 21.º o direito da vítima à indemnização, nos seguintes termos:
«1- À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.
2- Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.
(…)»

Por sua vez, dispõe o artigo 82.º-A do C.P.P., com a epígrafe «Reparação da vítima em casos especiais»:
«1–Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.
2– No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.
3– A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.»

A nosso ver, da conjugação dos referidos preceitos legais resulta claro que, em caso de condenação pela prática de crime de violência doméstica, a lei impõe o arbitramento, respeitado o contraditório, de reparação/indemnização à vítima, presumindo a existência de particulares exigências da sua protecção, só assim não sendo quando a tal se oponha a vítima expressamente.
Enquanto o artigo 82.º A, n.º1, do C.P.P., diz que o tribunal, em caso de condenação “pode arbitrar uma quantia a título de reparação”, o citado artigo 21.º da Lei nº 112/09, estabelece que “há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal”, o que significa que não se limita a facultar ao julgador a possibilidade de arbitrar uma indemnização, antes lhe impondo que o faça, excepto quando a vítima do crime a tal expressamente se opuser (sublinhados nossos).
Poder-se-ia discutir a recorribilidade da sentença nesta parte, tendo em vista o valor da alçada em matéria civil do tribunal de 1.ª instância [fixado pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, em 5.000,00€ (cinco mil euros)] e o valor da condenação.
Porém, não resultando a condenação de um pedido de indemnização civil de demandante, mas da fixação oficiosa de indemnização a vítima de violência doméstica, nos termos da mencionada Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, entendemos que, da conjugação com o n.º2 do artigo 400.º do C.P.P., não existindo “enxerto cível”, o tribunal a quo não se encontrava limitado pelo valor do pedido e, por conseguinte, poderia ter fixado uma indemnização superior ao valor da sua alçada. Por isso, entende-se à luz da "ratio legis" do disposto artigo 400º, nº 2, do C.P.P., que será de atender, apenas, à circunstância de a decisão impugnada ser desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal da primeira instância – como acontece no caso em apreço -, em ordem a aferir da sua recorribilidade.
O recorrente, a propósito do valor da reparação oficiosa, limita-se a referir a sua condição económica.
Saliente-se que, diversamente do que o arguido /recorrente parece pressupor, a suspensão da execução da pena não foi condicionada ao pagamento de indemnização.
Nos termos do artigo 483.º do Código Civil, «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem...fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação». Os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito são, pois: a violação de um direito; a ilicitude do facto danoso; o nexo de imputação do facto ao agente; o dano; um nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado.
Face à factualidade provada, todos estes pressupostos estão inequivocamente reunidos.
Dentro da obrigação de indemnizar incluem-se, de acordo com o artigo 496.º, n.º1, do Código Civil, os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado «que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».
Estes danos – que tradicionalmente eram designados de danos morais - resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado (a integridade física, a saúde, a tranquilidade, o bem-estar físico e psíquico, a liberdade, a honra, a reputação,…), verificando-se quando são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de ordem psicológica, vexames, etc., em consequência de uma lesão de direitos, maxime, de personalidade (ver Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 85 e 86, edição de 1976).
No caso em apreço, não se suscitam dúvidas quanto a ter a ofendida sofrido danos de natureza não patrimonial, sendo igualmente inquestionável, a nosso ver, que estes últimos assumem gravidade suficiente para justificar a intervenção reparadora do direito.
O montante da reparação correspondente deve ser calculado, em qualquer caso, segundo critérios de equidade, devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.         
Não foi deduzido pedido de indemnização civil e a indemnização/reparação oficiosa está sujeita a critérios de equidade, sendo conformada pelos factos constantes da acusação, em relação aos quais incidiu a produção de prova na audiência de discussão e julgamento.
Assim, considerando a matéria de facto provada e relevante para a fixação do quantum, afigura-se-nos ajustado o valor de reparação de 3.000,00€ estabelecido pela 1.ª instância.

3.6.–Uma vez que o recorrente obteve o provimento, ainda que parcial, do recurso que interpôs, não é responsável pelo pagamento de taxa de justiça (artigos 513.º, n.º1 e 514.º do C.P.P., na redacção da Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais – R.C.P.).

***

III–Dispositivo

Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em conceder provimento parcial ao recurso e, em consequência, alteram a pena principal imposta ao arguido B., pelo crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.° 1, alíneas b) e c) e n.° 2, alínea a), 4 e 5, do Código Penal que se fixa em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão. Em cúmulo jurídico desta pena com a que foi imposta pelo crime de detenção de arma proibida, vai o mesmo arguido B.  condenado na pena conjunta de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por 4 (quatro) anos com regime de prova.
No mais confirma-se inteiramente a sentença recorrida, sendo que a pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, pelo período de 3 (três) anos, é sem prejuízo de futuros e eventuais contactos que se vierem a revelar estritamente necessários para efeitos do exercício das responsabilidades parentais do filho menor de ambos, mas a realizar por advogado ou interposta pessoa da confiança de ambos os progenitores.
Sem tributação.



Lisboa, 15 de Junho de 2021


(o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)


(Jorge Gonçalves)                            
(Maria José Machado)