Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LEOPOLDO SOARES | ||
Descritores: | GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS CRÉDITO LABORAL PENHOR DEPÓSITO BANCÁRIO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/11/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I–O penhor de conta bancária consubstancia uma garantia pessoal típica pelo que não lhe logra aplicação o regime previsto para o penhor nos arts 666º e segs do Código Civil. II– Consequentemente, o correspectivo crédito não é graduado antes dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador que, nos termos do artigo 333º do CT/2009, gozam de privilégio mobiliário geral e ainda privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa Por apenso ao processo de execução , respeitante a créditos de emergentes de contrato de trabalho[1], que A move contra a “Sublimedestino, Lda.”, o “BANCO BPI, S.A.”, reclamou a quantia de € 39.265,84.[2] Alegou, em síntese, que, em 02/12/2016, celebrou com a executada/reclamada “Sublimedestino, Lda.”, contrato de crédito em conta corrente até ao limite de € 50.000,00. Em face do incumprimento das obrigações emergentes desse contrato, nomeadamente o não pagamento atempado dos valores disponibilizados pela reclamante na conta corrente na respectiva data de vencimento, interpelou-a, em 08/06/2021, para proceder ao pagamento dos valores em mora. Apesar disso a reclamada não procedeu ao pagamento desses valores. Para garantia das obrigações emergentes desse contrato de crédito em conta corrente, acordaram a aqui reclamante e “Sublimedestino, Lda, ” na celebração de um Contrato de Penhor a que foi atribuído o n.º 2169645; Por via da respectiva celebração, foi constituído penhor sobre depósito a prazo no montante de € 25.000,00, depositado na conta Depósito a Prazo MN Residentes n.º …001 do Banco BPI, S.A., titulada pela executada, “Sublimedestino, Lda.”, que subsistirá até integral liquidação das responsabilidades que cauciona. Na execução foi penhorado o saldo existente na conta de Depósito a Prazo MN Residentes n.º …001, titulado pela executada/reclamada. O crédito da reclamante, de natureza garantida, emergente do incumprimento do contrato de conta corrente supra indicado e considerando os pagamentos realizados até à presente data afectos à obrigação antecipadamente vencida, ascende ao montante € 30.958,50, liquidado à data de 30/06/2022. Ordenou-se a observância do disposto no nº 2 do art. 792º do CPC.[3] A executada veio reconhecer a existência do crédito reclamado.[4] Em 1/12/2022, considerou-se formado o título executivo e reclamado o crédito, ao abrigo do disposto no artigo 789º, nºs 1 e 2 do CPC, [5] nos termos do requerimento do reclamante. Operadas as notificações, nos termos e para os efeitos do art. 789º, nº 2, do CPC, não foi deduzida oposição. Na execução foi penhorado, além do mais, o saldo existente na conta de Depósito a Prazo MN Residentes n.º …001, titulado pela executada. Em 20 de Março de 2023, foi proferida a seguinte sentença [que aqui se reproduz na parte mais relevante para o caso][6]: « Cumpre apreciar e decidir. * Considerando que o crédito foi reclamado dentro do prazo legal, está devidamente documentado e não foi impugnado, julgo-o verificado, nos termos do art. 791º, nº 4, do CPC. * O crédito reclamado e respectivos juros gozam, nos termos dos arts 666º, nº 1, e 675º, nº 1, ambos do Cód. Civil, de privilégio mobiliário geral, ou seja, de um direito de preferência no pagamento sobre os demais credores, relativamente ao saldo da conta penhorado na execução. * O crédito EXEQUENDO goza de privilégio mobiliário geral, sendo graduado antes dos referidos no nº 1 do art. 747º do Código Civil – art. 333º, nº 1, al. a) e nº 2, al. a), do CT. * DECISÃO Pelo que se deixou exposto e nos termos das disposições legais citadas, graduo os créditos pela seguinte forma: 1º - O crédito EXEQUENDO, e respectivos juros de mora. 2º - O crédito reclamado pelo “BANCO BPI, S.A.”, e respectivos juros de mora. * As custas da execução sairão precípuas do produto dos bens penhorados (art. 541º do CPC). * Registe e notifique. * D.N.» - fim de transcrição. As notificações dessa decisão foram expedidas em 23 de Março de 2023 , sendo que o MºPº foi notificado no dia seguinte. Em 4 de Maio de 2023, o Banco BPI , S.A. Credor Reclamante , recorreu.[7] Concluiu que: «I. O tribunal a quo proferiu sentença, julgando verificado o crédito reclamado pelo Credor Banco BPI S.A., no entanto, aquando sua qualificação e graduação, não obstante a garantia de que dispõe, graduou o mesmo atrás do crédito exequendo. II. Ora, o Reclamante não se conforma com tal graduação. III. O crédito do reclamante emerge do incumprimento de um contrato de crédito em conta corrente. IV. Crédito esse que considerando os pagamentos realizados e afetos à obrigação antecipadamente vencida, ascende ao montante € 30.958,50, liquidado à data de 30/06/2022. V. Sendo que em garantia do bom e integral cumprimento do referido contrato foi constituído um penhor de depósito a prazo, constituição essa reduzida a escrito, por documento particular, donde se mostra claramente identificada a operação a garantir, ou seja, contrato de crédito em conta corrente, identifica a conta em causa, a saber, …001 e respetivo ativo, depósito a prazo MN – Residentes, no valor de € 25.000,00. VI. O referido saldo da conta em questão foi penhorado à ordem dos presentes autos o que motivou a reclamação de créditos do aqui Credor. VII. Ora, não obstante, quantitativamente o crédito haver sido reconhecido tal como reclamado, qualitativamente foi o mesmo objeto de uma análise e decisão diversa do factual e legalmente exigido. VIII. O penhor é uma garantia real completa, que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito com preferência sobre os demais credores. IX. Daqui decorre que o penhor prevalece contra e em relação aos privilégios mobiliários gerais de que goza o crédito exequendo, por derivado de crédito laboral. X. O penhor é assim oponível erga omnes, preferindo aos privilégios mobiliários gerais, os quais, não constituindo verdadeiros direitos reais de garantia (de gozo, de aquisição ou de preferência) sobre coisa certa e determinada, devem ceder perante os direitos reais de garantia de terceiros, individualizados sobre bens concretos. XI. Sendo graduados depois daquele quanto aos bens empenhados. XII. Na verdade, nenhuma das disposições legais invocadas na sentença recorrida para excecionar a preferência absoluta conferida ao credor pignoratício pelo art.º 666.º do Código Civil alude expressamente ao penhor. XIII. Pelo que, no concurso entre o crédito laboral (crédito exequendo) garantido por privilégio mobiliário geral e entre o crédito garantido por penhor (crédito reclamado), este prefere no pagamento por força do disposto no art.º 666.º do CC., ao estatuir a satisfação do crédito por ele garantido com preferência sobre os demais credores. XIV. Assim, constituído validamente, o penhor é oponível erga omnes e prefere ao privilégio geral, pelo que o crédito exequendo de sua natureza laboral não pode ser, quanto ao bem empenhado e nestes autos penhorado, graduado antes do crédito pignoratício. XV. Nesta medida, a preferência caberá ao penhor. XVI. Pelo exposto, violou a douta sentença o disposto nos artigos 666.º, n.º 1, 735.º, n.º 2, segunda parte e 747.º, n.º 1 do Código Civil.» - fim de transcrição. Sustenta que o recurso deve ser julgado procedente por provado e, em consequência, a sentença recorrida ser substituída por outra que gradue o crédito do Banco BPI, S.A., à frente do crédito exequendo, relativamente ao bem móvel sobre que incide o penhor, com todas as consequências legais. Em 5 de Maio de 2023, também a SUBLIMEDESTINO, LDA, recorreu.[8] Concluiu que: «I. O crédito exequendo goza de privilégio mobiliário geral nos termos do artigo 333.º n.º 1 alínea a) do Código do Trabalho. II. O crédito do Credor Reclamante Banco BPI é um crédito garantido por um penhor constituindo anteriormente sobre um depósito a prazo de € 25.000,00. III. Sendo assim, tendo sido constituido anteriormente à penhora, o penhor constituido a favor do Banco reclamante prevalece sobre o privilégio mobiliário geral de que goza o crédito laboral do Exequente, sendo-lhe, pois, oponível, nos termos do disposto nos artigos 666.º n.º 1, 675.º n.º 1[9] e 749.º n.º 1 do Código Civil. IV. Na verdade, o privilégio mobiliário geral, não recaindo sobre coisa certa e determinada, mas sobre o património do devedor, não é um direito real e não prevalece sobre terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente, o que é, manifestamente, o caso dos autos. V. Com efeito, o privilégio mobiliário geral do crédito exequendo, não incidindo sobre bens determinados e não gozando da sequela própria dos direitos reais de garantia, em caso de conflito bilateral com o direito real de gozo ou de garantia dum terceiro anteriormente constituido, deve ceder perante este. VI. Por isso, sendo oponível ao exequente, como é o caso do penhor constituído a favor do Banco reclamante, chegamos, pois, à conclusão que este crédito prevalece sobre o crédito exequendo, por força do disposto no artigo 749.º n.º 1 do Código Civil. VII. Tudo sopesado, o Banco reclamante tem um verdadeiro direito de garantia real que lhe é conferido pela constituição do penhor a seu favor, devendo o seu crédito ser graduado em primeiro lugar e à frente do crédito exequendo, o que se requer no presente recurso, pois, só assim se fará a tão acostumada….» - fim de transcrição. Em 26 de Junho de 2023 , foi proferido o seguinte despacho:[10] «Por legal e tempestivo, admito o recurso interposto pelo reclamante a fls. 26 vº, o qual é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo – arts. 79º-A, nº 1, al. a), 80º, nº 1, 81º, nº 1, 83º, nº 1 e 83º-A, nº 1, todos do CPT. * Por legal e tempestivo, admito o recurso interposto pela ré a fls. 31 vº, o qual é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo – arts. 79º- A, nº 1, al. a), 80º, nº 1, 81º, nº 1, 83º, nº 1 e 83º-A, nº 1, todos do CPT. * Notifique. * Cumpridas que se mostrem as formalidades legais, subam os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa. * D.N. » - fim de transcrição. O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer: « Dado que o penhor sobre o depósito a prazo incide sobre bem determinado, o saldo bancário penhorado, o crédito do banco recorrente prevalece na graduação sobre o crédito laboral que goza de privilégio mobiliário geral, por força do disposto no n.º 1 do art.º 666.º e do n-º 1 do art.º 749.º, ambos do Código Civil. Como se escreve no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-01-2023 (p. 671/13.8TYLSB-I.L1-1), “(…) como os privilégios (mobiliários ou imobiliários) gerais não são oponíveis a terceiros, segundo o nº 1 do artigo 749º do Código Civil prevalecem sobre os créditos que beneficiem de privilégio geral os que estejam garantidos por hipoteca, penhor ou consignação de rendimentos.” Pelo que, assiste razão aos recorrentes. O Ministério Público é, assim, de parecer que os recursos das apelantes merecem provimento, devendo ser os mesmos julgados procedentes e ser alterada a decisão recorrida em conformidade.» - fim de transcrição. Não foram deduzidas respostas. Foram colhidos os vistos. Nada obsta ao conhecimento. **** Na elaboração do presente acórdão será levada em conta a matéria resultante do supra elaborado relatório. *** É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 635º e 639º ambos do Novo CPC ex vi do artigo 87º do CPT aplicável). Mostram-se interpostos dois recursos. Um pelo reclamante Banco BPI , S.A. Um outro pela executada / reclamada Sublimedestino, Lda, A nosso ver, em ambos os recursos apenas se suscita uma questão que consiste em saber se o crédito da reclamante BPI, que tem um penhor de crédito bancário associado, atinente ao depósito a prazo no montante de € 25.000,00, depositado na conta Depósito a Prazo MN Residentes n.º …001 do Banco BPI, S.A., titulada pela executada, “Sublimedestino, Lda.”, que subsistirá até integral liquidação das responsabilidades que cauciona, deve ser graduado antes do crédito do exequente o qual tem natureza laboral. Este último, nos termos do disposto no artigo 333º do CT/2009 [11][12], goza de um privilégio mobiliário geral[13] , o que não se mostra controvertido. Tal norma corresponde ao artigo 377º do CT/2003[14], aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, sendo que para Diogo Vaz Marecos[15] os privilégios creditórios previstos nessa norma « resultam de uma evolução legislativa desde há vários anos realizada , com vista a evitar as sucessivas situações de salários em atraso »,[16] sendo certo que a protecção de gozam , através do privilégio de creditório justifica-se pela função alimentar da retribuição.[17] Mais refere que no preceito em causa o legislador « adoptou uma concepção ampla do conceito de créditos laborais , neles se incluindo todos os direitos de crédito que resultem da celebração e da execução do contrato de trabalho (e por isso abrangendo os créditos remuneratórios) e ainda os resultantes da violação do contrato de trabalho e da própria cessação do contrato ».[18] Acerca do artigo 377º do CT/2003 , sendo que esses considerandos continuam a lograr aplicação à luz do CT/2009, Joana Vasconcelos referia [19] que aqueles créditos “são graduados antes dos referidos no artigo 747º, nº 1 do Código Civil. Significa isto que tais créditos prevalecem , não apenas sobre os demais créditos com privilégio mobiliário geral, como, ainda, sobre os créditos com privilégio mobiliário especial enunciados naquele preceito, cedendo unicamente perante os privilégios por despesas de justiça, previstos no artigo 746º do Código Civil». Por sua vez, o crédito da reclamante Banco BPI é garantido por um penhor de conta bancária. É conhecida a discussão à volta da qualificação do penhor de conta bancária. Segundo Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte [20] a sua regulamentação mostra-se dispersa, o que, aliás, sempre decorre do disposto nos artigos 666 º e seguintes do Código Civil, artigos 397º e seguintes do Código Comercial, respeitantes ao penhor mercantil, e ainda ao Decreto Lei nº 29.833, de 17 de Agosto de 1939, que promologou várias disposições sobre o contrato de penhor constituído em garantia de créditos de estabelecimentos bancários autorizados, bem como o Decreto Lei nº 32. 032 , de 22 de Maio de 1942, que simplifica as formalidades do penhor constituído em favor de estabelecimentos bancários. Esses autores[21] referem que se põe o problema de saber se o penhor de aplicações financeiras, nomeadamente de um depósito bancário, é oponível em relação a terceiros, em especial os outros credores do autor do penhor, sendo que na nota de rodapé nº 187 citam autores estrangeiros que admitem a eficácia erga omnes do penhor de depósito bancário até por motivos de celeridade na concessão de empréstimo, de segurança do banco mutuante e como modo de evitar o encarecimento do crédito. Recorde-se, agora, que os direitos reais de garantia, contemplados no Livro das Obrigações, são direitos reais que existem não para permitir o gozo de bens directamente, mas para obter uma situação creditícia especial . Para o Professor Oliveira Ascensão os direitos reais de garantia têm por função garantir uma prestação.[22] Ora há quem entenda que o penhor sobre crédito bancário é uma garantia real [vide artigo 666º do Código Civil [23]]. Nesse sentido parece apontar Manuel Januário da Costa Gomes.[24] Sob essa perspectiva tal garantia confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores. Goza, pois, de causa legítima de preferência tal como decorre do nº 2 do artigo 604º do Código Civil.[25] Se assim for o crédito do Banco deve ser graduado antes do crédito do trabalhador[26] Recorde-se que sobre o penhor Manuel Augusto Gama Prazeres [27]refere « o penhor tem, em primeiro lugar, a preferência do artigo 666º. O detentor goza de preferência sobre os demais credores ; sucedendo que haja alguém com privilégio sobre os mesmos bens , teremos de ter em linha de conta o preceituado no artigo 750º - prevalecerá a garantia que primeiro tiver sido constituída». – fim de transcrição. Porém, há quem sustente que o penhor de conta bancária é uma garantia especial sobre direitos . No fundo trata-se de um caso especial de penhor de direitos/ créditos tal como entende Luís Manuel Teles de Menezes Leitão.[28] Ainda assim, tal qualificação, nosso ver, também acarreta a aplicação do disposto no nº 2 do artigo 604º do Código Civil à graduação em causa. O mesmo se passa caso se qualifique o penhor de conta bancária como um penhor irregular, um contrato inominado com garantia real, tal como faz Hugo Ramos Alves, [29] distinto do penhor de coisas e de direitos. Contudo, tal como referem o Professor Menezes Cordeiro e A. Barreto Menezes Cordeiro [30] o penhor de crédito não pode por definição considerar-se um direito real de garantia uma vez que não recai sobre coisa corpórea. Assim, sustentam que [31] o penhor de conta bancária é uma garantia pessoal atípica dobrada pela autorização de debitar na conta garante determinadas importâncias. Referem que tal « solução tem, implícita, uma cláusula de principal pagador, perfeitamente viável, perante o artigo 640º, alínea c) do Código Civil . Além disso, limita a responsabilidade do garante ao montante da conta jogo, não é, pois, uma garantia de conteúdo indeterminável ». Desta forma, não logra aplicação ao penhor de conta bancária o regime previsto para o penhor [arts 666º e segs do CC]. No fundo trata-se de uma situação que não sendo uma fiança é assimilável a tal figura em que um terceiro assume o compromisso da obrigação. Nesse sentido , afigura-se-nos que aponta aresto do Tribunal da Relação do Porto de 03-10-1996, 9531254, Nº do Documento, RP199610039531254, Nº Convencional: JTRP00019374, Relator Cesário de Matos, acessível em www.dgsi, segundo o qual: «I- No depósito bancário a propriedade do dinheiro depositado transfere-se para o banco, ficando o depositante com o direito de crédito sobre o montante respectivo. II- A garantia de cumprimento, no incumprimento de sociedade de que é sócio o depositante, constituida sobre um depósito bancário, não permite que ele exerça o direito da sua restituição, sem mais. III- Corporizando um documento particular eficaz contrato de fiança, a autorização dada pelo fiador ao banco credor para debitar determinadas dívidas na sua conta bancária à ordem, impõe que a execução dessa autorização se inicie com somas depositadas na conta de juros. IV- Tanto o credor como o devedor estão vinculados pelo princípio da boa-fé. V- A condenação por litigância de má fé implica a verificação de dolo.». Perfilha-se tal opinião, atentos os traços distintivos do penhor da conta bancária, isto é : - os depósitos bancários em causa ficarem afectos ao pagamento de determinadas dívidas: - os depositantes obrigaram-se a não as movimentar enquanto subsistirem as dívidas de que são garante; - os depositantes autorizarem a entidade bancária a debitar na conta em apreço as dívidas garantidas vencidas. Daí a natureza que se deve conferir ao penhor sobre conta bancária de garantia pessoal atípica pelo que, com respeito por opinião diversa, se discorda do decidido no aresto da Relação de Coimbra, de 18-05-2010, proferido no processo nº 54/04.1TBTMR-D.C1, Nº Convencional:JTRC, Relator Carlos Moreira, acessível em www.dgsi.pt, segundo o qual: I- O penhor é uma verdadeira garantia de cumprimento das obrigações, especial e de cariz real, logo com sequela e oponível erga omnes, versus o privilégio mobiliário geral que se consubstancia como uma mera prioridade de pagamento perante os credores comuns. II- Destarte, se constituído validamente o penhor, o crédito assim garantido prefere aos que apenas estejam acobertados por aquele privilégio vg. os créditos laborais em processo de insolvência, devendo pois ele ser graduado antes destes – artºs 666º e 749º do CC[32].» - fim de transcrição. Assim, uma vez que o penhor em causa não consubstancia uma garantia real a graduação mostra-se correctamente efectuada. Desta forma, afigura-se-nos que os recursos improcedem. *** Em face exposto, acorda-se em confirmar a graduação recorrida. Custas pelos recorrentes. Notifique. Lisboa,11-10-2023 Leopoldo Soares Albertina Pereira Alda Martins [1]O título executivo é constituído por aresto transitado da Relação de Lisboa, de 30.1.2019, que condenou a executada a pagar ao exequente salários intercalares, indemnização por despedimento ilícito e juros de mora .. [2]Fls. 1 a 4. [3]Fls. 16. [4]Fls. 18. [5]Fls. 21.. [6]Vide fls. 22 - 23.. [7]Fls. 26 a 30 v. [8]Fls. 31 a 33 v . [9]Norma que comanda: Artigo 675.º (Execução do penhor) 1- Vencida a obrigação, adquire o credor o direito de se pagar pelo produto da venda executiva da coisa empenhada, podendo a venda ser feita extraprocessualmente, se as partes assim o tiverem convencionado. 2.- É lícito aos interessados convencionar que a coisa empenhada seja adjudicada ao credor pelo valor que o tribunal fixar. [10]Fls. 35. [11]Diploma aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. [12]Norma que regula: Privilégios creditórios 1- Os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios: a) Privilégio mobiliário geral; b) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade. 2- A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte: a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes de crédito referido no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil; b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes de crédito referido no artigo 748.º do Código Civil e de crédito relativo a contribuição para a segurança social. [13]Anote-se que os artigos 736º, 737º e 747.º do Código Civil estatuem: Artigo 736.º (Créditos do Estado e das autarquias locais) 1.- O Estado e as autarquias locais têm privilégio mobiliário geral para garantia dos créditos por impostos indirectos, e também pelos impostos directos inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores. 2.- Este privilégio não compreende a sisa ou o imposto sobre as sucessões e doações, nem quaisquer outros impostos que gozem de privilégio especial. Artigo 737.º (Outros créditos que gozam de privilégio mobiliário geral) 1.- Gozam de privilégio geral sobre os móveis: a) O crédito por despesas do funeral do devedor, conforme a sua condição e costume da terra; b) O crédito por despesas com doenças do devedor ou de pessoas a quem este deva prestar alimentos, relativo aos últimos seis meses; c) O crédito por despesas indispensáveis para o sustento do devedor e das pessoas a quem este tenha a obrigação de prestar alimentos, relativo aos últimos seis meses; d) Os créditos emergentes do contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato, pertencentes ao trabalhador e relativos aos últimos seis meses. 2.- O prazo de seis meses referido nas alíneas b), c) e d) do número anterior conta-se a partir da morte do devedor ou do pedido de pagamento. Artigo 747º (Ordem dos outros privilégios mobiliários) 1.- Os créditos com privilégio mobiliário graduam-se pela ordem seguinte: a) Os créditos por impostos, pagando-se em primeiro lugar o Estado e só depois as autarquias locais; b) Os créditos por fornecimentos destinados à produção agrícola; c) Os créditos por dívidas de foros; d) Os créditos da vítima de um facto que dê lugar a responsabilidade civil; e) Os créditos do autor de obra intelectual; f) Os créditos com privilégio mobiliário geral, pela ordem segundo a qual são enumerados no artigo 737.º 2.- O disposto no presente artigo é aplicável, ainda que os privilégios existam contra proprietários sucessivos da coisa.] . [14]De acordo com o qual: Privilégios creditórios 1- Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios: a) Privilégio mobiliário geral; b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade. 2 - A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte: a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil; b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social. [15]Código do Trabalho, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 764 [16]Vide artigo 4º da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto, segundo o qual: Créditos dos trabalhadores exceptuados da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho 1- Os créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, gozam dos seguintes privilégios: a) Privilégio mobiliário geral; b) Privilégio imobiliário geral. 2- Exceptuam-se do disposto no número anterior os créditos de carácter excepcional, nomeadamente as gratificações extraordinárias e a participação nos lucros das empresas. 3- Os privilégios dos créditos referidos no n.º 1, ainda que sejam preexistentes à entrada em vigor da presente lei, gozam de preferência nos termos do número seguinte, sem prejuízo, contudo, dos créditos emergentes da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, e dos privilégios anteriormente constituídos com direito a ser graduados antes da entrada em vigor da presente lei. 4- A graduação dos créditos far-se-á pela ordem seguinte: a) Quanto ao privilégio mobiliário geral, antes dos créditos referidos no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil, mas pela ordem dos créditos enunciados no artigo 737.º do mesmo Código; b) Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil e ainda dos créditos devidos à segurança social. [17]Vide Mara do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, , 6ª Edição, Almedina, pág 541. [18]Obra citada , pág. 764. [19]Sobre as garantias dos créditos laborais no Código do Trabalho , Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Maniel Alonso Olea, Almedina, Março de 2044, pág 325. [20]Garantias de Cumprimento, Almedina, 2ª edição, vide pág. 100. [21]Obra citada, página 112. [22]Direitos Reais, Almedina, Lisboa, 1978, pág . 317. [23]Segundo o qual: (Noção) 1.- O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro. 2.- É havido como penhor o depósito a que se refere o n.º 1 do artigo 623.º 3.-A obrigação garantida pelo penhor pode ser futura ou condicional [24]Vide Assunção fidejussória, de dívida, Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Colecção Teses, Almedina, 2000, págs. 48 a 52,nomeadamente quando refere a pág 50/51 « o que se contesta é que se “salte” para a caracterização duma garantia como sendo pessoa e fidejussória, quando o prestador da garantia colocou já à disposição do credor o objecto de satisfação. Tal garantia tem a função económico – social típica do penhor, não sendo em vão ,por um lado ,o disposto no art. 666º/2 e, por outro a regulamentação do penhor de direitos (arts. 679 e ss». E ainda : « Ora, independentemente das polémicas suscitadas pelo chamado penhor de depósito bancário, não nos parece possível, sem mais, partir de uma garantia formal e substancialmente desenhada como penhor, para – sem outras demonstrações que não seja a genérica afirmação de que “a função de garantia prestada no caso sujeito é a de assegurar o cumprimento da obrigação principal” – concluir num salto ilógico, que se trata de fiança. Pensamos que as garantias constituídas por “pôr à disposição “ do banco um depósito bancário em termos de se poder satisfazer preferencial ou privilegiadamente pelas forças de tal depósito não só não se podem presumir garantias pessoais, máxime fianças, como deverão antes ser presumidas como correspondendo ao figurino desenhado pelo banco e aceite pelos prestadores da garantia». [25]Norma que regula: Artigo 604.º (Concurso de credores) 1. Não existindo causas legítimas de preferência, os credores têm o direito de ser pagos proporcionalmente pelo preço dos bens do devedor, quando ele não chegue para integral satisfação dos débitos. 2. São causas legítimas de preferência, além de outras admitidas na lei, a consignação de rendimentos, o penhor, a hipoteca, o privilégio e o direito de retenção. fica subtraído ao principio consignado no nº 1 do artigo 604º do Código Civil. [26]Vide Marco Carvalho Gonçalves, Das Lições de Direito Executivo, 5ª edição, Almedina, pág .498. [27]Do concurso de credores e da verificação e graduação de créditos nos actuais Códigos Civil e de Processo Civil, 2ª edição (actualizada), Livraria Cruz, Braga, 1978, pág. 19 . [28]Vide Garantia das Obrigações, 5ª edição, 2016, pág. 286, segundo o qual « ...trata-se de um penhor de créditos, e portanto de uma garantia especial sobre direitos,uma vez que o penhor não incide sobre o dinheiro depositado, que é propriedade do Banco ,mas antes sobre o crédito que o depositário é titular sobre o mesmo Banco , e que ele se vincula a manter subsistente através do provisionamento da conta . O penhor tem no entanto um regime específico de funcionamento, uma vez que é executado através da cativação do saldo da conta. Esse regime específico de funcionamento justifica-se pelo facto de a conta bancária implicar uma representação do crédito do depositante». [29]Do penhor, Junho de 2010, Almedina, pág. 227,onde o aludido autor refere: « ..o penhor de conta bancária é um penhor irregular, na medida em que o depositário é proprietário da quantia entregue, assumindo este último a obrigação de restituir qualidade igual do mesmo género ». [30]Vide Direito Bancário, I, Direito Material, Dogmática Bancária, Negócios Bancários em Geral, Contratos Bancários em Especial e Garantias Bancárias e Derivados, 7ª edição, remodelada e atualizada, Almedina, pág. 773, bem como o Professor Menezes Cordeiro em Manuel de Direito Bancário,pág. 728 referido por Luís Menezes Leitão na nota nº 695, a pág. 286 da obra já citada. [31]Obra citada., pág. 773., [32]Segundo o qual: Artigo 749.º (Privilégio geral e direitos de terceiro) 1- O privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente. 2-As leis de processo estabelecem os limites ao objecto e à oponibilidade do privilégio geral ao exequente e à massa falida, bem como os casos em que ele não é invocável ou se extingue na execução ou perante a declaração da falência. |