Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CAPACETE | ||
Descritores: | CONTRATO DE SEGURO DE GRUPO SEGURO RAMO VIDA RELAÇÃO TRIANGULAR CLÁUSULA CONTRATUAL INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/18/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | (Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade - art.º 663.º, n.º 7, do C.P.C.) 1. O contrato de seguro de grupo do ramo vida é uma das categorias dos chamados seguros de grupo ou seguros coletivos, onde se incluem os contratos-quadro seguidos da celebração de contratos individuais. 2. Trata-se de uma subespécie em que o banco mutuante contrata com o segurador os parâmetros dentro dos quais irão celebrar-se os contratos individuais de seguro sobre a vida dos seus clientes, que estes últimos celebrarão com o propósito de os dar em garantia ao próprio banco. 3. É, assim, um contrato que, do ponto de vista estrutural, tem duas fases: - uma fase estática, correspondente a um primeiro momento, em que a seguradora e o tomador do seguro (o banco mutuante contrata) estabelecem, entre si as condições de inclusão no grupo e as condições de seguro para os aderentes, designadamente o âmbito da cobertura dos riscos; - uma fase dinâmica, correspondente a um segundo momento em que o tomador de seguro promove a adesão ao contrato junto dos segurados, destinatários do empréstimo. 4. É após a concretização desta adesão que se constitui a chamada relação triangular, entre a seguradora, o tomador do seguro e os segurados aderentes, a qual encontra a sua disciplina fundamental precisamente no contrato de seguro de grupo celebrado entre o tomador e a seguradora, encontrando-se as relações entre os aderentes e a seguradora perante este contrato numa relação de dependência genética e funcional. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO: VR[1] e mulher, AR[2], intentaram a presente ação declarativa contra Companhia de Seguros F, S.A.[3] e Banco C, S.A.[4], pedindo o seguinte: a) que seja declarada «(...) parcialmente nula a cláusula referida nas condições [gerais] da apólice n.º ____ em que se refere que a invalidez absoluta e definitiva é “a limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria que incapacite a Pessoa Segura para o exercício de qualquer atividade remunerada, necessitando de assistência de uma terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária” - tão só quanto às partes afectadas devidamente identificadas nesta petição inicial (artigo 1.º a 117.º), nos termos e com os fundamentos supra expostos e para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, mantendo-se o demais clausulado, nomeadamente as coberturas por morte ou invalidez por doença ou acidente»; b) que a 1.ª ré seja condenada «a pagar ao Banco C, S.A., aqui 2.ª R., os montantes que ainda estiverem em dívida à data em que ocorrer o trânsito em julgado, referente aos contratos intitulados de "Mútuo com Hipoteca" outorgados entre os AA. e o Banco C, S.A., aqui 2.ª R., em 17/10/2005, acrescido dos juros devidos e imposto de selo e demais despesas/montantes que tenham sido pagas pelos AA. ao referido Banco C, S.A., aqui 2.ª R. em consequência dos supracitados mútuos»; c) que a 1.ª ré seja condenada «a pagar aos AA. as quantias que estes, por força dos referidos contratos de mútuos, entretanto liquidaram ao Banco C, SA, aqui 2.º R. e que se venceram desde Janeiro de 2018 (inclusive) em diante, bem como as quantias que os AA. liquidarão até efectivo e integral cumprimento por parte da 1.ª R. do determinado em b) supra»; d) que a 1.ª ré seja condenada «a devolver aos AA. as quantias que estes, a título de prémios de seguro do contrato de seguro em causa nos autos, entretanto lhe pagaram e demais despesas, e que se venceram desde Janeiro de 2018 (Inclusive) em diante, bem como as quantias que os AA. liquidarão até efectivo e integral cumprimento por parte da 1.ª R. do determinado em b) supra; e) Condenar a 1.ª R. a pagar aos AA. juros de mora sobre os montantes pedidos em c) e d), contabilizados à taxa legal, desde a data em que estes as desembolsaram e desembolsarão tais quantias até efectivo e integral pagamento». Para o efeito, alegam, em síntese, que: - celebraram com a 2.ª ré dois contratos de mútuo com hipoteca, na sequência dos quais, por exigência desta, subscreveram, em 17.10.2005, uma proposta de adesão a um seguro de grupo da 1.ª ré; - a referida subscrição ocorreu nas instalações da 2.ª ré, sem ter havido qualquer contacto dos autores com a 1.ª ré, sendo que as cláusulas do contrato de seguro estavam previamente estabelecidas, limitando-se os autores a aceitá-las; - o funcionário da 2.ª ré, no que respeita à cobertura de invalidez por doença, explicou apenas aos autores que a 1.ª ré assumiria junto daquela o pagamento da dívida relativa aos créditos mencionados, desde que qualquer um dos segurados apresentasse um grau de invalidez igual ou superior a 50%; - o 1.º autor acionou o referido seguro em janeiro de 2018, por ser portador de deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 60% e que o impede de exercer qualquer atividade profissional ou lucrativa; - a 1.ª ré recusou o pagamento das indemnizações solicitadas, por entender não estarem reunidas as condições exigidas, nomeadamente, a necessidade de auxílio de terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária; - a 2.ª ré continuou a debitar na conta dos autores as prestações mensais relativas à amortização dos empréstimos e aos prémios do seguro em causa. - a cláusula contratual, na parte em que exige, para efeitos de qualificação da incapacidade permanente, a dependência do segurado da assistência de terceira pessoa para os atos normais da vida diária, é nula nos termos dos arts. 12.º, 15.º, 16.º e 21.º, n. 1 al. a), do DL n.º 446/85, de 25.10, por reduzir de forma substancial e desproporcionada os casos de verificação do risco de invalidez, fazendo uma exigência que nada tem que ver com a afetação da capacidade de trabalho e de obtenção de rendimentos, indo para além deste conceito e da razão de ser do contrato, ou por aplicação analógica do art.º 146.º, n.ºs 3 e 5 do RJCS. Por isso, a 1.ª ré está obrigada a cumprir o contrato de seguro, devendo pagar à 2.ª ré o valor em dívida no âmbito dos mútuos, e a devolver aos autores os montantes que, desde a data do acionamento da apólice do seguro, já pagaram e continuarão a pagar a título de prestações dos créditos e prémios de seguro. Alegam ainda que as rés não podem prevalecer-se da cláusula contratual geral de coberturas, por violação dos deveres de comunicação e informação, pelo que o negócio deverá ser mantido com a cobertura de invalidez absoluta e definitiva por doença nos termos em que a mesma foi comunicada aos autores. * As rés contestaram separadamente, ambas pugnando pela improcedência da ação, com a sua consequente absolvição dos pedidos, alegando a 1.ª ré, resumidamente, que: - a situação de invalidez participada pelo autor não está coberta pelo contrato de seguro, porquanto este não carece de assistência de terceira pessoa para efetuar os atos ordinários da vida corrente; - a cláusula contratual que define e delimita a cobertura de invalidez absoluta e definitiva não é nula nem abusiva, uma vez que a 1.ª ré cobra pela assunção desse risco um valor de prémio mais baixo; - nos boletins de adesão constavam várias situações de invalidez que a 1.ª ré garante, tendo os autores optado por cobrir situações de invalidez absoluta e definitiva e pago, em contrapartida, um prémio mais baixo. * Realizou-se a audiência prévia, na qual, além do mais, se fixou o objeto do litígio e se enunciaram os temas da prova, após o que, na subsequente tramitação dos autos, se realizou a audiência final, após o que foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte: «Tudo ponderado e em face do exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência: a) declaro nula a cláusula do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ____, que define e delimita a cobertura de “Invalidez Absoluta e Definitiva”, na parte em que exige que o segurado necessite da assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária; b) absolvo os RR. dos demais pedidos contra si formulados.» * Inconformados com tal decisão, os autores interpuseram o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações: «3. Vêm os recorrentes impugnar, pois, a decisão proferida pelo tribunal “a quo”, no que respeita à matéria de facto e de direito e à aplicação da lei processual, designadamente, quando faz errada aplicação do direito violando a lei substantiva e processual. 5. Ora com o devido respeito a matéria dada como provada no artigo 27) não plasma, correctamente, o conteúdo dessa missiva expedida pela Recorrida F pois que a mesma na sua redação original, pela interpretação dada à mesma por qualquer cidadão comum, diz, salvo melhor entendimento, coisa diversa daquela que foi dada como provada pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”. 7) (...) tal artigo da matéria de facto dada como provada deverá ser alterada passando na mesma a constar o que efectivamente e textualmente resulta do próprio teor da referida missiva, isto é o artigo 27 da matéria de facto provado deverá ter a seguinte redação: “A 1.ª R. remeteu ao A. a carta datada de 15.11.2018, cuja cópia consta de fs. 91 e se dá por reproduzida, pela qual informa o seguinte: “ (…) que não nos é possível proceder ao pagamento das indemnizações solicitadas, uma vez que não estão reunidas as condições de accionamento do seguro de vida. De facto, nos termos das condições contratuais, considera-se Invalidez Absoluta e Definitiva “a limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria que incapacite a Pessoa Segura para o exercício de qualquer actividade remunerada, necessitando de assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária”, o que no seu caso, não se verifica (…)” ao invés da redacção dada pelo tribunal “a quo”. 11) (...) deverá ser aditado à matéria de facto dada como provada como artigo 54) que: “54. O A. VR apresenta sequelas incompatíveis com o exercício da actividade habitual de técnico industrial de decapagem e pintura.” 12. (...) deverá ser aditado à matéria de facto dada como provada como artigo 55) que: “ 55. O A. sofre de doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) com enfisema pulmonar grave e com insuficiência respiratória parcial, patologia osteoarticular com atingimento preferencial da coluna cervical, sendo que o A. não pode exercer a sua profissão em virtude do ambiente profissional ser prejudicial para a sua saúde e agravar as queixas respiratórias. Apenas pode exercer uma profissão que não exija o exercício de actividade física, pois não tem capacidade para esforços mesmo ligeiros”. 13. (...) dá o Meritíssima juiz do Tribunal “a quo” como não provado as alíneas g), h) i), j), k), l) m), n), o) e q) da matéria de facto não provada quando na realidade tal matéria está provada (...). 37. (...) existe uma clara contradição entre a matéria de facto dada como provada (15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25) e a matéria de facto dado como não provada na al. g) e o). 41. (...) existe uma clara contradição entre a matéria de facto dada como provada (15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25) e a matéria de facto dado como não provada nas alíneas h), i), j), k), l), m), n) e q). 48. (...) deve assim resultar da matéria de facto provada como artigo 58), 59), 60) 61), 62), 63), 64) e 65) ao invés de na matéria de facto não provada, o conteúdo das alíneas h), i), j), k), l), m), n) e q) (...). 52. DO RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO: (...) 59. (...) tendo sido declarado nulo o último segmento da cláusula ora em causa[5] e estando provado (...)que o A. preenche todas as condições referidas no 1.º segmento da referida cláusula, padecendo assim, nos termos definidos no contrato de uma situação de Invalidez Absoluta e Definitiva, resta senão concluir que está verificado o risco que o contrato de seguro celebrado entre as partes visou acautelar, pelo que está a 1.ª R. obrigada a pagar o valor do capital seguro, devendo assim proceder os pedidos formulados sob as als. b) a e) do petitório do A. 60. Pelo que ao decidir como decidiu violou a Meritíssima Juiz do tribunal “a quo” o disposto nas condições gerais e particulares do contrato de seguro em causa e referido no artigo 3.º da matéria de facto provada e o artigo 615.º al. b), c) d), e e) todos do C.P.C. devendo ser revogada a sentença proferida e substituída por uma outra que considere a acção totalmente procedente por provada e condene as RR. nos moldes peticionados. 63. (...) as cláusulas de um contrato de seguro deste tipo, negociadas entre a Seguradora e o Banco tomador do seguro, ao qual o segurado se limita a aderir, estão sujeitas ao Regime das Cláusulas Contratuais Gerais (RCCG) – DL 446/85, de 25 de Outubro – nomeadamente às regras relativas ao cumprimento dos deveres de informação e de comunicação (arts. 5.º e 6.º), e às que proíbem a inserção de cláusulas contratuais gerais contrárias ao princípio da boa-fé (arts. 15.º e 16.º), devendo ser ponderados os valores fundamentais do direito relevantes na situação considerada, assim como a confiança suscitada pelo sentido global das cláusulas, e o objectivo visado pelas partes e outros elementos atendíveis. 66. Ora ainda que se admita que uma IPP de 60 % não corresponde, apenas por si, a uma incapacidade absoluta (embora seja definitiva como resulta dos documentos juntos aos autos), deveremos recordar que o A. foi considerada incapaz para o exercício da sua profissão habitual de técnico industrial de decapagem e pintura, com a consequente impossibilidade de exercício da actividade profissional que desenvolvia antes daquelas doenças terem assumido a gravidade descrita nos autos, e determinado a correspetiva perda de remunerações. 71. (...) ao decidir como decidiu violou a Meritíssima Juiz do tribunal “a quo” o disposto nas condições gerais e particulares do contrato de seguro em causa e referido no artigo 3.º da matéria de facto provada, artigo 5.º, 6.º, 15.º, 16.º do DL 446785 de 25/10, artigo 236.º e 238.º do Código Civil e o artigo 615.º al. b), c) d), e e) todos do C.P.C. devendo ser revogada a sentença proferida e substituída por uma outra que considere a acção totalmente procedente por provada e condene as RR. nos moldes peticionados». Conforme refere Rui Pinto, «depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial.»[6]. No presente recurso, após a formulação das conclusões as apelantes deduzem o seguinte pedido revogatório: «Termos em que deverá, com o douto suprimento de V. Ex.ª ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se consequentemente a sentença ora recorrida substituindo-a por outra (nos moldes supra citados para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos pra os devido efeitos legais) condenando as Recorridas nos pedidos formulados pelos Recorrentes, na Petição Inicial». * Apenas a 1.ª ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da decisão recorrida. *** II - ÂMBITO DO RECURSO: Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1, do CPC) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem. Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art.º 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º, do CPC). Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, do mesmo diploma). No caso concreto, importa ter presente o seguinte: No dia 2 de junho de 2020 foi proferido acórdão por este coletivo, que julgou a apelação improcedente e manteve a sentença recorrida. Nesse acórdão: i) Foi desatendida, na sua totalidade, a arguição de nulidade da sentença recorrida: ii) Quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto: a) foi julgada improcedente a impugnação da decisão sobre enunciado descrito em 3.1.1.27 dos factos provados; b) quanto ao requerido aditamento de dois enunciados à matéria de facto provada, com os n.ºs 54 e 55, foi decidido considerar provado o seguinte: «3.1.1.16 - «O 1º autor sofre, desde 21 de agosto de 2012, de doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) com enfisema pulmonar grave e com insuficiência respiratória parcial, patologia osteoarticular com atingimento preferencial da coluna cervical»; 3.1.1.16-A - «Em consequência dessa doença: a) O autor não pode exercer a sua atividade profissional de técnico industrial de decapagem e pintura; b) O autor apenas pode exercer uma profissão que não exija o exercício de atividade física, por não ter capacidade para fazer esforços, mesmo ligeiros». iii) Foi desatendida a impugnação da decisão sobre a matéria de facto quanto aos enunciados descritos em 3.1.2. g) e o); iv) Foi decidido, à luz dos princípios da utilidade, economia e celeridade processuais, rejeitar a impugnação da decisão sobre os enunciados descritos em 3.1.2. h), i), j), k), l), m), n) e q), por os considerar insuscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, assumirem relevância jurídica. v) Julgar improcedente a apelação e manter a sentença recorrida. O autor/apelante recorreu de revista para o S.T.J., que por douto acórdão de 18 de abril de 2024: i) Julgou improcedente, em todos os seus segmentos, a arguição de nulidade do acórdão da Relação; ii) Decidiu que o enunciado descrito em 3.1.2. g) não deve «figurar na lista de factos, seja nos provados, seja nos não provados, pelo que deve o seu conteúdo ser eliminado da lista dos factos não provados, sem que transite para a lista dos factos provados como pretendiam os Autores»; iii) Julgou improcedente o recurso quanto à decisão sobre enunciado descrito em 3.1.2. o), e determinou a sua eliminação «da lista dos factos não provados»; iv) Anulou aquele acórdão, determinando que a Relação: - «conheça da impugnação da decisão relativa à matéria de facto que consta da lista dos factos não provados sob as alíneas h), i), j), k), I), m), n) e q)», por os considerar relevantes para a decisão da causa; - profira nova decisão sobre as questões que ficaram por decidir no acórdão do S.T.J., ou seja: «a incapacidade que afeta o Autor encontra-se coberta pelo contrato de seguro a que este aderiu?» Por conseguinte, as questões a decidir neste acórdão, são agora, as seguintes: 2.1 – Há lugar à alteração da decisão sobre os enunciados descritos sob as als. h), i), j), k), I), m), n) e q) da lista dos factos não provados (3.1.2. h), i), j), k), l), m), n) e q)? 2.2 – A incapacidade que afeta o Autor encontra-se coberta pelo contrato de seguro a que este aderiu? *** III - FUNDAMENTOS: 3.1 - Fundamentação de facto: 3.1.1 – Vem provado que: «1. Por escritura pública de “MÚTUO COM HIPOTECA”, celebrada no dia 17.10.2005, no Cartório Notarial a cargo de AMM, exarada de fls. 79 a 80 verso, do Livro de notas para Escrituras Diversas n.º 17-A, a ora 2.ª R. declarou conceder aos ora AA. o empréstimo da quantia de € 63.396,37, da qual os AA. se confessaram devedores, tendo a A. mulher, em garantia do capital emprestado, juros e despesas, constituído hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “A”, destinada a habitação, que faz a parte integrante do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Travessa ____, lote __, freguesia Vila Nova da Rainha, concelho de Azambuja, descrita na Conservatória do Registo Predial de Azambuja sob o n.º ____, e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo __.º; 2. Por escritura pública de “MÚTUO COM HIPOTECA”, do mesmo dia e do mesmo Cartório, exarada de fls. 81 a 82 verso do referido livro de notas para escrituras diversas n.º 17-A, a ora 2.ª R. declarou conceder aos ora AA. o empréstimo da quantia de € 67.500,00, da qual os AA. se confessaram devedores, tendo a A. mulher, em garantia do capital emprestado, juros e despesas, constituído hipoteca sobre a mesma fracção autónoma; 3. Entre a 2.ª R., na qualidade de tomadora do seguro, e a 1.ª R., na qualidade de seguradora, foi celebrado o contrato de seguro de grupo do ramo vida, titulado pela apólice n.º ____, sujeito às condições gerais; 4. Na sequência do referido nos n.ºs 1 e 2, e por exigência da 2.ª R., os AA. subscreveram, na qualidade de pessoas a segurar, as propostas/boletins de adesão ao seguro do “Ramo Vida Grupo” titulado pela apólice n.º ____, datadas de 16.09.2005; 5. A referida exigência resulta das cláusulas 13.ª e 11.ª dos documentos complementares às escrituras públicas a que se alude nos n.ºs 1 e 2, que têm o seguinte teor: «a parte devedora obriga-se: (…) al. c) a tê-los seguros à vontade da credora e a só por intermédio desta e com o seu acordo alterar o referido seguro»; 6. De acordo com as cláusulas 14.ª e 12.ª dos documentos complementares às escrituras públicas a que se alude nos n.ºs 1 e 2: «À credora fica reconhecido o direito de: a) alterar o seguro referido (…) e pagar por conta da parte devedora os respectivos encargos; b) receber a indemnização em caso de sinistro e averbar para tal fim as apólices a seu favor; c) debitar na conta do empréstimo quaisquer despesas relativas ao mesmo e a cujo reembolso tenha direito»; 7. A 1.ª R. aceitou as propostas de adesão referidas, tendo o seguro em causa entrado em vigor nas datas indicadas nos n.ºs 1 e 2 (17.10.2005); 8. Os AA. nunca contactaram directamente com a 1.ª R. para efeitos de adesão ao contrato de seguro referido, não tendo, por isso, a 1.ª R. comunicado ou explicado aos AA. as condições e cláusulas desse contrato; 9. Aquando da subscrição referida no n.º 4, que ocorreu no balcão da 2.ª R. da Azambuja, um funcionário desta explicou aos AA., pelo menos, muito sumariamente, o conteúdo geral do seguro que iriam contratar, o valor dos prémios mensais, as coberturas de morte ou invalidez por acidente ou doença; 10. As cláusulas do contrato de seguro referido nos n.ºs 3 e 4 estavam previamente estabelecidas, limitando-se os AA. a aceitá-las mediante a subscrição das propostas mencionadas; 11. Em dia não apurado do mês de Janeiro de 2018, o A. marido, por forma também não apurada, procedeu ao accionamento da apólice referida nos n.ºs 3 e 4; 12. Em consequência, foi aberto pela 1.ª R. dois processos de sinistro com os n.ºs 84/42595 e 84/42596; 13. Por carta de 02.03.2018, a 1.ª R. solicitou ao A. a documentação aí referida, para efeitos de instrução e decisão do processo; 14. Nessa sequência, o A. procedeu à entrega à 1.ª R. do “atestado médico de incapacidade multiuso”, datado de 27.09.2018, cuja cópia consta de fls. 88, e do “relatório de avaliação de incapacidade”, datado de 27.03.2018; 15. O referido “atestado médico de incapacidade multiuso” atesta que o A. é, de acordo com a TNI, portador de deficiência que, naquela data, lhe confere uma incapacidade permanente global de 60 % e que essa incapacidade é definitiva desde Julho de 2018, sendo que, de acordo com a TNI aprovada pelo DL n.º 352/2007 de 23 de Outubro, a patologia do A. insere-se no capítulo VII, grau III, coeficiente 0,6000, capacidade restante 1,0000 e 0,40000, desvalorização 0,6000 e 0,0000; 16 - O 1º autor sofre, desde 21 de agosto de 2012, de doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) com enfisema pulmonar grave e com insuficiência respiratória parcial, patologia osteoarticular com atingimento preferencial da coluna cervical; 16-A - Em consequência dessa doença: a) O autor não pode exercer a sua atividade profissional de técnico industrial de decapagem e pintura; b) O autor apenas pode exercer uma profissão que não exija o exercício de atividade física, por não ter capacidade para fazer esforços, mesmo ligeiros[7]; 17. O A. fica cansado com muita facilidade e o simples facto de andar alguns metros gera-lhe dificuldades respiratórias; 18. O A. não consegue realizar percursos a pé em passo acelerado ou caminhadas com alguma duração; 19. Dada a doença respiratória do A., o acto de falar cansa-o e gera-lhe dificuldades respiratórias; 20. O A. desempenha com esforço, as actividades de se vestir, calçar e tomar banho e muitas vezes tem de pedir ajuda à A., sua mulher; 21. O A. passa dias seguidos sem sair de casa em pijama para evitar esforços; 22. O A. tem dificuldades em subir e descer escadas e, por isso, evita fazê-lo; 23. O A. evita sair de casa desacompanhado, com receio de que lhe falte o ar; 24. O A., actualmente, vive a sua vida de forma muito compassada, passando a maior parte do tempo recostado ou deitado no sofá; 25. O A. nasceu no dia 18.08.1959; 26. O A. exercia a actividade profissional de técnico industrial de decapagem e pintura; 27. A 1.ª R. remeteu ao A. a carta datada de 15.11.2018, cuja cópia consta de fs. 91 e se dá por reproduzida, pela qual informa que não procede ao pagamento das indemnizações solicitadas, uma vez que não estão reunidas as condições para o accionamento do seguro de vida, por não se verificar uma situação de Invalidez Absoluta e Definitiva, enquanto “limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria que incapacite a Pessoa Segura para o exercício de qualquer actividade remunerada, necessitando de assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária”; 28. A1.ª R. não procedeu ao pagamento de qualquer quantia, quer aos AA. quer à 2.ª R.; 29. Pelo que, a 2.ª R. continuou e continua a debitar na conta à ordem do A. as prestações mensais relativas à amortização dos empréstimos (capital e juros) referidos nos n.ºs 1 e 2, bem como os sucessivos prémios do seguro referido no n.º 3 e 4, que a 1.ª R. continua a cobrar; 30. À data de 31.01.2018, o capital em dívida à 2.ª R., relativamente aos dois empréstimos referidos nos n.ºs 1 e 2, era de € 84.526,50 (43.588,28 + 40.938,22), conforme documentos de fls. 129 e 130, que se dão por reproduzidos; 31. De acordo com a cláusula 2.ª, n.º 1 das Condições Gerais do Contrato referido no n.º 3, «Os direitos e as obrigações emergentes das coberturas contratadas e as suas demais características específicas constam das Condições Especiais. As identificações do Tomador de Seguro e das Pessoas Seguras, os montantes e/ou a forma de cálculo dos benefícios e dos correspondentes prémios, bem como outros elementos que integram o contrato constam das Condições Particulares»; 32. De acordo com a cláusula 4.ª das mesmas Condições Gerais, «O contrato abrangerá, conforme o estipulado nas Condições Especiais e Particulares: 1. A cobertura principal; garantindo, isolada ou conjuntamente, os riscos de vida e morte e podendo ser integrada ou complementada por uma operação financeira; 2. Coberturas complementares, garantindo em conjunto com a cobertura principal, riscos de danos corporais como a invalidez ou outros que possam afectar a vida humana»; 33. De acordo com a cláusula 1.ª das Condições Especiais do contrato referido no n.º 3, «relativamente a cada Pessoa Segura, a Seguradora garante, em caso de Invalidez Absoluta e Definitiva, causada por doença ou acidente, o pagamento do capital (…), de valor indicado nas Condições Particulares»; 34. De acordo com a cláusula 2.ª das Condições Especiais do mesmo contrato «a Pessoa Segura e considerada no estado de Invalidez Absoluta e Definitiva, quando, em consequência de acidente ou doença, susceptível de constatação médica objectiva, fique total e definitivamente incapacitada de exercer qualquer actividade remunerável e necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária, não sendo possível prever qualquer melhoria, com base nos conhecimentos médicos actuais»; 35. De acordo com a cláusula 4.ª das Condições Particulares do contrato referido no n.º 3, «o valor seguro para cada cobertura incluída neste contrato (…) é o seguinte: (…) Cobertura Complementar de Invalidez Absoluta e Definitiva por Doença – valor máximo do capital em dívida durante o ano a que se refere o cálculo do prémio»; 36. O beneficiário das garantias cobertas pelo contrato de seguro referido no n.º 3 é a 2.ª R.; 37. Nas propostas/boletins de adesão referidos no n.º 4, constam as seguintes “modalidades de seguro a contratar”: a) Caixa Seguro Vida – Proteção Base (carência de 3 anos) – apólice 5 000 906 (RVB); b) Caixa Seguro Vida – Proteção Mais (sem carência) – apólice 5 001 500 (RVC); c) Deficientes – apólice 5 000 248 (RVD); d) Especial habitação Grupo - apólice 5 000 816 (RVG); 38. Os AA. optaram pela modalidade referida na al. a), tendo o A. marido aposto a cruz na quadrícula à frente dessa modalidade; 39. Nas referidas propostas/boletins de adesão, logo acima da aposição das assinaturas dos AA., consta o seguinte: «Declaro que tomei conhecimento das informações pré-contratuais que constam da Nota Informativa que me foi entregue»; 40. Aquando da subscrição dessas propostas/boletins, foi entregue aos AA. uma “Nota Informativa” com as informações pré-contratuais, por cada uma das quatro propostas, de exemplar igual ao que consta de fls. 269 a 271 e que se dá por reproduzida, Nota essa que foi separada por picotado dos boletins; 41. Os AA. tiveram oportunidade de ler essa “Nota Informativa” antes de assinar as propostas de adesão ao seguro; 42. Os AA. não revelaram nem manifestaram, nem nessa altura, nem, pelo menos, até à data da participação referida no n.º 11, qualquer dificuldade de interpretação do seu texto; 43. Foi exclusivamente a 1.ª R. quem redigiu os termos das Informações Pré-Contratuais constantes da “Nota Informativa” referida no n.º 40, bem como o impresso designado por boletim de adesão referido no n.º 4, que compreende e abarca como anexo a aludida “Nota Informativa”; 44. Tais impressos foram disponibilizados aos balcões das agências da 2.ª R. pela 1.ª R., para que a 2.ª R. pudesse usá-los e apresentá-los aos candidatos a seguro de vida que se apresentam aos seus balcões na fase da negociação de crédito à habitação; 45. As Condições Gerais do contrato referido no n.º 3 passaram, na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de Abril, a ser as que constam de fls. 157 a 166, que se dão por reproduzidas; 46. De acordo com o artigo 1.º dessas Condições Gerais, Invalidez Absoluta e Definitiva é definida como a «limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria, que incapacite a pessoa segura para o exercício de qualquer atividade remunerada, necessitando de assistência de uma terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária»; 47. Do relatório médico referido no n.º 14, à pergunta “A assistência de uma terceira pessoa é indispensável para efetuar os atos ordinários da vida corrente, nomeadamente: alimentar-se, vestir-se, higiene pessoal, mobilidade” o médico respondeu “não”; 48. O subscritor do referido relatório é médico assistente do A. desde Dezembro de 2015; 49. Até, pelo menos, à participação referida no n.º 11, os AA. nunca solicitaram à 1.ª R., quaisquer esclarecimentos sobre o conteúdo das cláusulas contratuais, nem um exemplar escrito das mesmas; 50. A 1.º R. disponibilizou tais cláusulas à Il. mandatária dos AA., na sequência do recebimento da participação referida no n.º 11; 51. Para cada uma das várias coberturas referidas no n.º 37, há um prémio de seguro próprio, que é calculado tendo em conta o grau de risco transferido; 52. A denominada modalidade RVG impunha o pagamento de um prémio mais elevado; 53. Pela modalidade escolhida (RVB), os AA. pagaram, desde o início do contrato, e continuam a pagar um prémio de seguro mais baixo». 3.1.2 – (...) e não provado que: «a) não tenha sido facultado aos AA., quer pela 1.ª R. quer pela 2.ª R., cópia da apólice referida nos n.ºs 3 e 4 dos factos provados e que os AA. apenas tenham tido acesso à mesma recentemente quando a peticionaram à 2.ª R.; b) para além do que consta do n.º 9 dos factos provados, o funcionário da 2.ª R. apenas tenha comunicado e explicado aos AA., no que respeita à cobertura de invalidez por acidente ou doença, que desde que qualquer um dos segurados apresentasse um grau de invalidez igual ou superior a 50 %, a seguradora, aqui 1.ª R., assumiria junto do banco, aqui 2.ª R., o pagamento da dívida relativa aos créditos referidos nos n.ºs 1 e 2 dos factos provados, e que o demais constante da referida cláusula não tenha sido comunicado pela 2.ª R.; c) os AA. tenham sido “forçados” a celebrar o seguro referido nos factos provados; d) os AA. tenham feito questão de celebrar o contrato de seguro referido nos factos provados, por terem ficado convictos que, no caso de falecerem ou passarem à invalidez, ficava o 1.º A. ou a 2.ª A. ou os herdeiros desobrigados do pagamento dos mútuos concedidos pela 2.ª R.; e) os AA. se tenham dirigido a um representante da 1.ª R. (mediador de seguros) para proceder ao accionamento referido no n.º 11 dos factos provados; f) a entrega referida no n.º 14 dos factos provados tenha ocorrido em 27/09/2018 e que o A. não tenha ficado com cópia nem comprovativo de entrega dos documentos; g) (...)[8]; h) o A. não consiga falar por médios ou longos períodos de tempo; i) que, no desempenho das actividades referidas no n.º 20, o A. peça ajuda a alguém que se encontre em sua casa; j) para além do que consta do n.º 22 dos factos provados, o A. evite subir ou descer qualquer pavimento com inclinação e que o simples facto de o fazer lhe cause também sérias dificuldades respiratórias; k) o A. não consiga estar muito tempo junto de um computador a escrever ou a fazer pesquisas e que o acto da escrita, face ao teor das suas mazelas, nomeadamente os problemas respiratórios sérios associados à patologia ostioarticular com atingimento preferencial da coluna cervical, lhe provoque dificuldades respiratórias e dores insuportáveis; l) o A., quando se desloca ao supermercado, tenha de ser auxiliado a transportar um simples saco de compras pois não consegue nem pode o transportar; m) para além do que consta do n.º 23 dos factos provados, o A. evite sair de casa desacompanhado, com receio de que ocorra um episódio respiratório grave que lhe provoque inclusivamente a morte; n) a posição referida no n.º 24 dos factos provados seja a única posição de conforto em que o A. pode estar e que só essa posição lhe permita respirar razoavelmente, por forma a evitar esforços físicos desnecessários; o) (...)[9]; p) o A. tenha o antigo curso industrial geral de eletricidade; q) desde os 17 anos, o A. sempre tenha exercido a mesma actividade de técnico industrial de decapagem e pintura, que nos últimos 11/12 anos tão só tenha exercido tais funções na área da indústria naval, que esta seja a única actividade que o A. sabe desempenhar e que o A. não tenha quaisquer conhecimentos ou experiência para desempenhar quaisquer outras; r) em Janeiro de 2018, o capital em dívida à 2.ª R. fosse de € 84.939,01 (€ 41.138,01 + 43.801,00); s) a 2.ª R. tenha explicado aos AA. as diversas modalidades de seguro de vida pelas quais poderiam optar; t) no momento referido no n.º 38 e para além do que consta do n.º 9, tenham sido explicadas aos AA. as diversas modalidades de seguro pelas quais os AA. poderiam optar e as situações de exclusão da cobertura da modalidade pela qual optaram, concretamente a situação de invalidez admitida na apólice e respetivo grau de desvalorização contemplado nessa mesma apólice; u) os AA. tenham lido a “Nota Informativa” referida no n.º 40 antes de assinarem as propostas de adesão ao seguro; v) os documentos de fls. 148 a 153, 154 a 156 e 157 a 167 nunca tenham sido facultados, até à data de hoje, quer pela 1.ª R. quer pela 2.ª R. aos aqui AA. e que estes desconheçam em absoluto se estas são efectivamente as condições que pertencem ao seguro por si subscrito; w) nunca a 1.ª R. ou a 2.ª R. alguma vez tenham referido a existência e conteúdo dos documentos de fls. 148 a 153 e 154 a 156, que os AA. desconhecessem até à presente data a existência desses documentos e do seu conteúdo e que esse conteúdo nunca lhes tenha sido mostrado ou explicado; x) os documentos referidos no n.º 4 dos factos provados tenham sido tão só parcialmente preenchidos pelo A. muito antes da celebração do contrato de crédito; y) tais documentos tenham sido preenchidos e assinados conjuntamente com um conjunto de documentos relacionado com a proposta para os créditos bancários; z) nem nessa data, nem em data posterior, tenham sido entregues aos AA. quaisquer documentos, fossem estes de que natureza fossem; aa) os AA. não tenham estranhado tal facto, dado estarem a assinar documentos que tinham por finalidade instruir os pedidos de créditos e aquela data nem sequer deferidos estavam e que a aprovação dos créditos em questão se tenha dado muito depois daquela data; bb) aquando da assinatura de tais documentos (em conjunto com muito outros), não tenham sido facultados quaisquer documentos aos AA. e que a 2.ª R. não tenha dado conhecimento aos AA. de quaisquer informações pré-contratuais, nem lhes tenha entregado qualquer nota informativa; cc) os AA., de boa fé, se tenham bastado com a palavra da 2.ª R. e, por isso, assinaram esses documentos (e muitos outros); dd) os AA. não se tenham apercebido da declaração constante desses documentos onde se refere que entregaram uma qualquer nota informativa. * 3.2 - Mérito do recurso: 3.2.1 – Uma nota prévia quanto às conclusões do apelante: A apelante desenvolve a sua alegação de recurso ao longo de extensos 98 pontos. Trata-se, tanto no que que respeita à motivação, como no que tange às conclusões, de um manifesto exercício de prolixidade. Tal como refere Abrantes Geraldes, «a lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão. Com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial. Rigorosamente, as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com argumentos de ordem jurisprudencial que não devem ultrapassar o sector da motivação. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso como clara e inequivocamente resulta do art. 635.º, n.º 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, o resultado procurado, as conclusões devem respeitar na sua essência cada uma das alíneas do n.º 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida. Se para atingir o resultado declarado o tribunal a quo assentou em determinada motivação, dando respostas às diversas questões, as conclusões devem elencar os passos fundamentais que, na perspetiva do recorrente, deveriam ter sido dados para atingir um resultado diverso. Todavia, com inusitada frequência se verificam situações irregulares: alegações deficientes, obscuras, complexas ou sem as especificações referidas no n.º 2. Apesar de a lei adjetiva impor o patrocínio judiciário, são triviais as situações em que as conclusões acabam por ser mera reprodução dos argumentos anteriormente apresentados, sem qualquer preocupação de síntese, como se o volume das conclusões fosse sinal da sua qualidade ou como se houvesse necessidade de assegurar, por essa via, a delimitação do objeto do processo e a apreciação pelo tribunal ad quem de todas as questões suscitadas. Ainda que algumas das situações exemplificadas justificassem efeitos mais gravosos, foi adotada uma solução paliativa que possibilita a supressão das deficiências através de despacho de convite ao aperfeiçoamento. Ao invés do que ocorre quando faltam pura e simplesmente as conclusões, em que o juiz a quo profere despacho de rejeição imediata do recurso, qualquer intervenção no sentido do aperfeiçoamento das irregularidades passíveis de superação foi guardada para o relator no tribunal ad quem, como se extrai, com toda a clareza, do n.º 3 do art.º 639.º e da al. a) do n.º 3 do art.º 652.º. O relator a quem o recurso seja distribuído deve atuar por iniciativa própria, mediante sugestão de algum dos adjuntos ou, em último caso, em resultado do deliberado em conferência, nos termos do art. 658.º. Por isso, tal como se verifica na fase do saneamento do processo, no despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões o relator deve identificar todos os vícios que, no seu entender, se verificam, por forma a permitir que, sem margem para dúvidas, o recorrente fique ciente dos mesmos e das consequências que podem decorrer da sua inércia ou do deficiente acatamento do convite[10].» Tal como se decidiu no Ac. do S.T.J. de 06-04.2017, Proc. n.º 297/13.6TTTMR.E1.S1 (Gonçalves Rocha), in www.dgsi.pt, dispõe o n.º 1 do art.º 639º do CPC que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação de decisão. Assim, e conforme sustentava o Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, pág. 299, as conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas por que se pretende obter o provimento do recurso. Por outro lado, as conclusões exercem a importante função de delimitação do objeto do recurso, conforme resulta do art.º 635º, nº 3, do mencionado compêndio legal, devendo conter a identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Por isso, devem as conclusões integrar as razões invocadas para esse efeito e que constituirão as premissas essenciais do encadeamento lógico que conduzirá à decisão pretendida. Nem sempre as conclusões satisfazem o imperativo legal de síntese dos argumentos do recorrente, conforme impõe o n.º 1 do artigo 639.º. Ciente desta realidade, estabeleceu o legislador no n.º 3 do artigo 639.º que, quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas, o relator deve convidá-lo a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada. E estaremos perante conclusões deficientes quando, nomeadamente, elas não refletem todas as questões abordadas na motivação, sofrendo por isso do vício da insuficiência; quando revelam incompatibilidade com o teor da motivação e sejam por isso contraditórias; quando não encontram apoio na motivação, sendo por isso excessivas; e quando sejam incongruentes por não corresponderem às premissas que logicamente conduzem ao resultado pretendido. E serão obscuras quando são ininteligíveis, ou de difícil inteligibilidade, por não permitirem ao recorrido ou ao tribunal percecionar as razões invocadas para atingir o resultado que o recorrente pretende. Por último, as conclusões serão complexas, nomeadamente, quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 do supramencionado artigo 639.º. Neste recurso, estamos, manifestamente, perante conclusões complexas, prolixas, que de modo algum cumprem o dever de síntese advindo do mencionado n.º 1 do art.º 639.º. Em caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, compete ao recorrente: a) em sede de motivação do recurso: - especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); - indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda; - tomar posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação; b) em sede de conclusões: - concretizar que pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto; - especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados[11]. Assim, versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, nas conclusões apenas importa que o apelante proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados[12]. Em caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, as conclusões não têm, obviamente, que reproduzir todos os elementos do corpo das alegações, nem delas deve constar a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e nem mesmo as respostas pretendidas. Nas conclusões, por evidentes razões de objetividade e de certeza, apenas devem ser indicados os concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação. Os apelantes dedica inúmeros pontos das conclusões, sem que se perceba com que objetivo ou utilidade, a indicarem meios de prova gravados e a especificarem as passagens das respetivas gravações, antecedidos de afirmações absolutamente irrelevantes, tendo em conta os concretos pontos da matéria facto cuja decisão, em sede de motivação, impugnou com respeito pelos ónus que lhe são impostos pelo art.º 640.º do C.P.C. No Ac. do S.T.J. de 19.02.2015, Proc. n.º 299/05.6T8MGD.P2.S1 (Tomé Gomes), in www.dgsi.pt, «enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objecto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória». No Ac. do mesmo Alto Tribunal, datado 16.12.2020, Proc. n.º 2817/18.0T8PNF.P1.S1 (Tomé Gomes), in www.dgsi.pt, decidiu-se que «o ónus de formulação de conclusões recursórias tem em vista uma clara delimitação do objeto do recurso mediante enunciação concisa das questões suscitadas e dos seus fundamentos, expurgadas da respetiva argumentação discursiva que deve constar do corpo das alegações, em ordem a melhor pautar o exercício do contraditório, por banda da parte recorrida, e a permitir ao tribunal de recurso uma adequada e enxuta enunciação das questões a resolver». No caso concreto, as conclusões apresentadas pelo apelante, em vez de proposições claras, curtas, sintéticas, concisas, constituem um exemplo acabado de prolixidade e complexidade. Conforme pertinentemente salienta Abrantes Geraldes, «(...) a experiência confirma que se entranhou na prática judiciária um verdadeiro círculo vicioso: em face do número de situações em que se mostra deficientemente cumprido o ónus de formulação de conclusões, os Tribunais Superiores acabam por deixá-las passar em claro, preferindo, por razões de celeridade (e também para que a parte recorrente não seja prejudicada), avançar para a decisão, na qual é feita a triagem do que verdadeiramente interessa em face das alegações e da sentença recorrida. Agindo deste modo, os Tribunais Superiores colocam os valores da justiça, da celeridade e da eficácia acima de aspetos de natureza formal»[13]. É exatamente por esta razão que, também neste caso não se determina o aperfeiçoamento das conclusões da alegação de recurso dos apelantes, antes se expurgando as mesmas daquilo que não é essencial, deixando-se, no entanto, claro, que constituem um texto complexo, prolixo e repetitivo, cuja extensão de forma alguma se justifica e que desvirtua o sentido da lei quando impõe que o recorrente conclua a sua alegação de forma sintética, indicando os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 3.2.2 – Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto descrita em (3.1.2. h), i), j), k), l), m), n) e q): Os referidos enunciados têm o seguinte teor: «h) o A. não cons[egue] falar por médios ou longos períodos de tempo; i) no desempenho das actividades referidas no n.º 20, o A. pe[de] ajuda a alguém que se encontre em sua casa; j) para além do que consta do n.º 22 dos factos provados, o A. evit[a] subir ou descer qualquer pavimento com inclinação e (...) o simples facto de o fazer (...) caus[a-lhe] também sérias dificuldades respiratórias; k) o A. não cons[egue] estar muito tempo junto de um computador a escrever ou a fazer pesquisas e (...) o acto da escrita, face ao teor das suas mazelas, nomeadamente os problemas respiratórios sérios associados à patologia ostioarticular com atingimento preferencial da coluna cervical, (...) provo[ca-lhe] dificuldades respiratórias e dores insuportáveis; l) o A., quando se desloca ao supermercado, te[m] de ser auxiliado a transportar um simples saco de compras pois não consegue nem pode o transportar; m) para além do que consta do n.º 23 dos factos provados, o A. evit[a] sair de casa desacompanhado, com receio de que ocorra um episódio respiratório grave que lhe provoque inclusivamente a morte; n) a posição referida no n.º 24 dos factos provados [é] a única posição de conforto em que o A. pode estar e (...) só essa posição lhe permit[e] respirar razoavelmente, por forma a evitar esforços físicos desnecessários; q) desde os 17 anos: - o A. sempre [exerceu] a mesma actividade de técnico industrial de decapagem e pintura; - (...) nos últimos 11/12 anos tão só [exerceu] tais funções na área da indústria naval; - esta [é] a única actividade que o A. sabe desempenhar; - (...) o A. não [tem] quaisquer conhecimentos ou experiência para desempenhar quaisquer outras». Os apelantes consideram que tais enunciados devem transitar para o elenco dos factos provados. Devolvidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa na sequência do citado acórdão do S.T.J., foi ordenada a remessa dos autos ao tribunal de 1.ª instância para motivação da decisão ali proferida sobre aqueles pontos de facto não provados. Por despacho de 4 de outubro de 2024, o tribunal de 1.ª instância motivou assim a decisão quanto àqueles enunciados de facto: «h) que o A. não consiga falar por médios ou longos períodos de tempo; Os AA., ouvidos em declarações de parte, nada referiram quanto a este facto concreto. As testemunhas JM, VR e JR (únicas inquiridas a esta matéria) limitaram-se a confirmar o que consta do n.º 19 dos factos provados (isto é, que o A. fala de devagar e que o acto de falar o cansa e gera-lhe dificuldades respiratórias). Do relatório médico de fls. 89 e 90 (documento n.º 7 junto com a petição inicial), nada se retira, também, sobre o concreto facto em causa (incapacidade do A. falar por “médios ou longos períodos de tempo”). Nenhuma outra prova foi produzida. Assim, por falta de prova do facto em causa, foi o mesmo considerado não provado. i) que, no desempenho das actividades referidas no n.º 20, o A. peça ajuda a alguém que se encontre em sua casa; Ouvido em depoimento de parte, o A. foi peremptório em afirmar que quem o ajuda para se vestir, calçar e tomar banho é a A., sua mulher, nunca referindo outras pessoas que se encontrem em sua casa. A A., ouvida em declarações de parte, nada referiu sobre este facto concreto. Dos depoimentos das testemunhas JM, VR e JR (únicas inquiridas a esta matéria) resultou, apenas, que o A. tem a ajuda da mulher para se vestir, calçar e tomar banho e não de outras pessoas. É certo que a testemunha VR referiu que, numa ou noutra ocasião, chegou a dar assistência ao A. para tomar banho e apoio para se vestir, mas do seu depoimento decorreu, também, que essa assistência não foi pedida pelo A. (como vinha alegado), pois este até consegue tomar banho sozinho, antes tendo sido prestada, espontaneamente, pela testemunha por precaução e devido ao receio de que o A. caia ou desmaie. Nenhuma outra prova foi produzida. Desta forma, por falta de prova do facto em causa, foi o mesmo considerado não provado. j) que, para além do que consta do n.º 22 dos factos provados, o A. evite subir ou descer qualquer pavimento com inclinação e que o simples facto de o fazer lhe cause também sérias dificuldades respiratórias; Os AA., ouvidos em declarações de parte, nada referiram quanto a este facto. As testemunhas JM e VR, também, nada referiram sobre a capacidade de o A. subir ou descer pavimentos com inclinação e suas consequências para a função respiratória. As referidas testemunhas limitaram-se a confirmar tais dificuldades no que concerne à subida e descida de escadas, de onde, salvo melhor opinião, não pode extrapolar-se que o mesmo suceda com “pavimentos com inclinação”. Apenas a testemunha JR afirmou que o A. “se tiver uma rampa então não vai a lado nenhum”, mas sem desenvolver o sentido dessa afirmação e, sobretudo, sem explicitar as razões subjacentes, sendo, por isso, o seu depoimento insuficiente para formar uma convicção segura sobre a veracidade desta factualidade. Nenhuma outra prova foi sido produzida. Destarte, por falta de prova do facto em causa, foi o mesmo considerado não provado. k) que o A. não consiga estar muito tempo junto de um computador a escrever ou a fazer pesquisas e que o acto da escrita, face ao teor das suas mazelas, nomeadamente os problemas respiratórios sérios associados à patologia ostioarticular com atingimento preferencial da coluna cervical, lhe provoque dificuldades respiratórias e dores insuportáveis; Os AA., ouvidos em declarações de parte, nada referiram quanto a estes factos. Do relatório médico de fls. 89 e 90 (documento n.º 7 junto com a petição inicial), nada se retira, também, sobre tais concretos factos, que, salvo melhor opinião, não podem extrapolar-se do facto de o A. passar a maior parte do tempo recostado ou deitado no sofá (n.º 24 dos factos provados). Assim, por falta de prova dos factos em causa, foram os mesmos considerados não provados. l) que o A., quando se desloca ao supermercado, tenha de ser auxiliado a transportar um simples saco de compras pois não consegue nem pode o transportar; Os AA., ouvidos em declarações de parte, nada referiram quanto a este facto. As testemunhas JM, VR e JR referiram, de forma coincidente, que o A. não vai às compras, nada tendo mencionado sobre a sua capacidade de transportar ou não sacos de compras. Do relatório médico de fls. 89 e 90 (documento n.º 7 junto com a petição inicial), nada se retira, também, sobre a factualidade em apreço. Nenhuma outra prova foi produzida. Desta forma, por falta de prova dos factos em causa, foram os mesmos considerados não provados. m) que, para além do que consta do n.º 23 dos factos provados, o A. evite sair de casa desacompanhado, com receio de que ocorra um episódio respiratório grave que lhe provoque inclusivamente a morte; Os AA., ouvidos em declarações de parte, nada referiram quanto a este facto. A testemunha JM afirmou que, quando visita o A., por vezes, ele sai por meia hora, mas com bomba de oxigénio, por ter medo de ter falta de ar ou “ficar com problemas”, e que o mesmo não quis ir a um casamento para não estar em pé, mas que acabou por ir. Também a testemunha VR limitou-se a confirmar que o A. raramente sai de casa e quando sai é acompanhado, geralmente, pela A, porque “temos medo que lhe falte o ar e que desmaie”. Finalmente, a testemunha JR confirmou que o A. não quer sair de casa e que se sente mal e tem medo de cair. Da conjugação dos referidos depoimentos, apenas. pode ter-se por demonstrado o que consta do n.º 23 dos factos provados (“o A. evita sair de casa desacompanhado, com receio de que lhe falte o ar”) e não já que o A. tenha receio que “ocorra um episódio respiratório grave que lhe provoque inclusivamente a morte”. Nenhuma outra prova foi produzida. Pelo que, aqui também, por falta de prova dos factos em causa, foram os mesmos considerados não provados. n) que a posição referida no n.º 24 dos factos provados seja a única posição de conforto em que o A. pode estar e que só essa posição lhe permita respirar razoavelmente, por forma a evitar esforços físicos desnecessários; Os AA., ouvidos em declarações de parte, nada referiram quanto a este facto. A testemunha JM limitou-se a referir que o A., normalmente, fica “sentado para trás”, em situação de descanso, mas que para falar “se inclina para a frente”. A testemunha VR afirmou que, geralmente, o A. está recostado ou deitado no sofá, poucas vezes estando de pé. A testemunha JR nada referiu, em concreto, sobre este facto. Temos, pois, que da prova testemunhal produzida, apenas, resultou demonstrado que o A. passa a maior parte do tempo recostado ou deitado no sofá, e não já que essa “seja a única posição de conforto em que o A. pode estar” e, sobretudo, que “só essa posição lhe permita respirar razoavelmente, por forma a evitar esforços físicos desnecessários”. Do relatório médico de fls. 89 e 90 (documento n.º 7 junto com a petição inicial), nada se retira, também, sobre tal factualidade. Nenhuma outra prova foi produzida. Por conseguinte, por falta de prova dos factos em causa, foram os mesmos considerados não provados. q) que, desde os 17 anos, o A. sempre tenha exercido a mesma actividade de técnico industrial de decapagem e pintura, que nos últimos 11/12 anos tão só tenha exercido tais funções na área da indústria naval, que esta seja a única actividade que o A. sabe desempenhar e que o A. não tenha quaisquer conhecimentos ou experiência para desempenhar quaisquer outras; Os AA., ouvidos em declarações de parte, nada referiram quanto a estes factos. A testemunha JM afirmou ser impossível o A. exercer qualquer profissão, o que constitui uma opinião sua retirada do facto de o A. ter dificuldade em andar, vestir-se e comer. De resto, esta testemunha referiu que “a única coisa que ele tem boa é a cabeça: Inteligente ele é”, o que não permite excluir que ao A. falte capacidade para o exercício de funções, exclusiva ou essencialmente, intelectuais. Também a testemunha VR disse “achar” que o A., neste momento, não tem capacidade para desempenhar qualquer outra função e que “não está a ver” o A. a fazer outra coisa, mas trata-se, novamente, de uma opinião sem qualquer valor científico. Do depoimento da testemunha JR nada se extraiu de relevante para esta factualidade. Ora, do relatório médico de fls. 89 e 90 (documento n.º 7 junto com a petição inicial), que não foi impugnado e que foi subscrito pelo Dr. JV, médico assistente do 1.º autor desde Dezembro de 2015, consta que o A. «…pode exercer uma profissão que não exija o exercício de actividade física, pois não tem capacidade para esforços mesmo ligeiros», devendo tal afirmação, advinda de alguém com os necessários conhecimentos técnico-científicos, prevalecer sobre a opinião das testemunhas referidas. As testemunhas mencionadas confirmaram a profissão do A., mas nenhuma testemunha referiu que o A. “desde os 17 anos, sempre tenha exercido a mesma actividade de técnico industrial de decapagem e pintura”, nem que “nos últimos 11/12 anos tão só tenha exercido tais funções na área da indústria naval”». O referido despacho proferido em 1.ª instância, datado de 4 de outubro de 2024, foi notificado às partes no dia 10 de outubro de 2024, que nada disseram, pelo que os autos foram novamente remetidos a este Tribunal da Relação de Lisboa no dia 23 de janeiro de 2025. Dispõe o art. 640.º: «1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) (...) 3 – (...)». No Ac. do S.T.J. de 08.06.2021, Proc. n.º 2737/16.3T8VFX.L1.S1 (Chambel Mourisco), in www.dgsi.pt, escreveu-se o seguinte: «No que diz respeito à exigência prevista na alínea b), do n.º 1, do art.º 640.º do Código de Processo Civil, o acórdão de 20-12-2017, proferido no processo n.º 299/13.2TTVRL.C1.S2 (Revista) - 4ª Secção, afirma com muita clareza que quando se exige que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe-se que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. Quanto ao caso em análise no aludido acórdão referiu-se que não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna. (...) A alínea b), do n.º 1, do art.º 640.º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. (...) Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna. (Acórdão de 19-12-2018, proferido no Proc. n.º 271/14.5TTMTS.P1.S1 e Acórdão de 05-09-2018, proferido no Proc. n.º 15787/15.8T8PRT.P1.S2.) (...) A exigência, imposta pelo art.º 640.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso. (...) Não cumprem o ónus imposto pelo art.º 640.º, n.º 1, alíneas b) e c) e n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil os recorrentes que não concretizaram, por referência a cada um dos mencionados factos que impugnaram, quais os meios probatórios que, no seu entender, imporiam decisão diversa daquela que foi dada pelo Tribunal de 1.ª Instância(...)(Acórdão do STJ de 6/11/2019, Processo n.º 1092/08.0TTBRG.G1.S1). (...) podemos concluir que o recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, deve: – Concretizar cada um dos pontos de facto que considera incorretamente julgados; – Especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, sendo que essa concretização deve ser feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.» No caso concreto, os apelantes não cumprem tal ónus! Escrevem o seguinte: I - «Agora quanto a alínea h), i), j), k), l), m), n) e q) da matéria de facto dado como não provada cumpre referir: Face à matéria de facto dada provada, nomeadamente os factos 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25, suportados pela prova documental a eles adjacentes, e à prova testemunhal produzida resulta obvio que existe uma clara contradição entre a matéria de facto dada como provada (15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25) e a matéria de facto dado como não provada nas alínea h), i), j), k), l), m), n) e q). De facto resulta do depoimento do recorrente VR e das testemunhas, quanto as factos referidos nas alínea h), i), j), k), l), m), n) e q) da matéria de facto não provada o seguinte: O Depoente VR, depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, de 00:01:47 horas e seguintes, quanto a esta matéria resulta que: (...)[14]. II - «Do depoimento da testemunha JM, depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, de 00:49:33 horas a 1:58:00, quanto a estas matérias (alínea h), i), j), k), l), m), n) e q) da matéria de facto não provada) resulta que: (...)[15]. III - «No depoimento da testemunha VR, depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, de 01:04:48 horas a 1:11:17, quanto a essas matérias (alínea h), i), j), k), l), m), n) e q) da matéria de facto não provada) resulta que: (...)[16]. IV - «No depoimento da testemunha JR, depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, de 01:11:28 horas a 1:18:31, quanto a essas matérias (alínea h), i), j), k), l), m), n) e q) da matéria de facto não provada) resulta que: (...)[17]. Conforme já referido, transcrever, de forma genérica, trechos dos depoimentos prestados por referência a um conjunto de factos, sem os ponderar, facto a facto, com a argumentação da sentença recorrida, por forma a que se possa chegar a uma outra solução, não se assume como uma análise crítica da prova. Por outras palavras, a transcrição parcial: - do depoimento de parte do 1.º autor; - dos depoimentos das três testemunhas acima identificadas, com indicação das passagens da gravação, desacompanhada de uma análise crítica, não cumpre o ónus constante do art.º 640º[18]. No Ac. do STJ de 03.12.2015, Proc. n.º 1348/12.7TTBRG.G1.S1 (Melo Lima), in www.dgsi.pt, afirma-se que «(...) a recorrente ao dizer que determinado facto não devia ser dado como provado pelo confronto da prova testemunhal com a documental, fazendo uma transcrição da primeira, não está a fazer uma análise crítica da prova, nem sequer a fornecer os elementos necessários para permitir que o Tribunal a faça, deixando nas mãos do Tribunal uma atividade “recoletora” de todos os documentos e dos depoimentos identificados, não sendo assim possível ao Tribunal de recurso refazer o percurso/raciocínio lógico-jurídico que o próprio recorrente fez para concluir de forma diferente daquilo que a instância inferior decidiu. Uma correta impugnação, que cumpra o ónus previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, passaria por identificar que determinado facto provado foi incorretamente julgado, enunciando-o e apresentando o porquê de tal incorreção, isto é, dever-se-ia apresentar uma análise crítica do/s elemento/s de prova de que o julgador deveria retirar uma conclusão diferente da que retirou, e apresentar o facto tal como deveria ter sido dado como provado ou não provado». Tal como se assinala no Ac. do S.T.J. de 27.09.2018, Proc. n.º 2611/12.2TBSTS.L1.S1 (José Sousa Lameira), in www.dgsi.pt , para que o ónus impugnatório da decisão sobre a matéria de facto, que impende sobre o recorrente, e a que se reporta o art.º 640.º, seja cabalmente cumprido, impõe-se-lhe que faça, também ele, uma análise crítica da prova invocada, em confronto com o que consta da motivação da sentença, de modo a justificar a alteração da decisão proferida sobre os factos. Na verdade, tal como é imposto ao tribunal que faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise crítica dos respetivos meios probatórios. Ou seja, exige-se do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorretamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão aos meios de prova, no caso concreto, a documentos, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo tribunal recorrido foi declarado. Por outras palavras, ainda, exige-se que o recorrente faça o confronto dos elementos probatórios que indica, e que em seu entender impõem, relativamente a cada ponto de facto que impugna, com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do tribunal[19]. Por conseguinte, o recorrente deverá, em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si[20]. Além disso, como é sabido, a intervenção da Relação no tocante à impugnação da decisão da matéria de facto, rege-se pelos seguintes parâmetros: - só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente; - sobre a matéria de facto impugnada tem que realizar um novo julgamento; e, - no contexto desse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes). Contudo, uma vez que se mantêm vigentes e atuantes os princípios da imediação[21], da oralidade[22], da concentração[23] e da livre apreciação da prova[24], e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. De outra forma dizendo, a Relação só deve alterar a decisão sobre a matéria de facto proferida em 1.ª instância quando, depois de proceder à efetiva audição da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa ao decidido pelo tribunal recorrido, e impõem um entendimento diferente daquele que prevaleceu na 1ª Instância[25]. Tal como afirma Ana Luísa Geraldes, «em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1.ª instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte»[26]. Retornando ao caso concreto, delimitado que está, pelos apelantes, o objeto da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, e orientados pelos antecedentes considerandos, conclui-se que nada há a alterar, nesta sede, relativamente ao que foi decidido na 1.ª instância. Como é igualmente sabido, a motivação da decisão de facto visa, desde logo, tornar eficaz o sistema de justiça, através do convencimento dos destinatários, da comunidade jurídica em geral e da própria sociedade. O acima transcrito despacho datado de 4 de outubro de 2024, permite, sem margem para qualquer dúvida, alcançar tal desiderato. A motivação da decisão de facto tem em vista, ainda, permitir que as partes e os tribunais de recurso procedam ao reexame lógico e racional acerca das razões pelas quais o juiz decidiu num sentido e não noutro, assim se possibilitando a reconstituição do percurso lógico seguido pelo julgador, apoiado nos elementos de prova previamente indicados e devidamente explicados no texto da sentença; em suma, o juiz deve mostrar às partes, aos tribunais de recurso e, sobretudo, aos cidadãos, o raciocínio lógico em que apoiou a decisão sobre a matéria de facto. Também quanto a este aspeto, o referido despacho permite alcançar tal desiderato. Nele, o tribunal a quo deixou, como se viu, bem especificadas as razões que teve como decisivas para a formação da sua convicção, de modo a considerar não provados os enunciados descritos em 3.1.2. h), i), j), k), l), m), n) e q). Socorrendo-se de provas produzidas nos autos e sujeitas à sua livre apreciação, o tribunal a quo indicou com toda a clareza os fundamentos para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência comum, se possa agora controlar a razoabilidade da sua convicção quanto ao julgamento, como não provados, daqueles enunciados. Na apreciação de cada um dos meios de prova de que se socorreu para considerar não provado cada um daqueles enunciados de facto, o tribunal a quo demonstrou ter perfeito conhecimento do respetivo conteúdo, determinou a sua relevância e procedeu à respetiva valoração. O tribunal a quo esclareceu, naquele despacho, de forma clara, lógica e razoável, a razão pela qual não relevou, para a decisão relativamente a cada um daqueles enunciados, nem o depoimento de parte do autor, nem os depoimentos das testemunhas que ali identifica (as mesmas que neste recurso são indicadas pelos apelantes), que analisou conjugada e criticamente com os demais meios de prova. Os recorrentes, por sua vez, além de transcreverem de forma genérica excertos de depoimentos, de parte e testemunhais, limitam-se a acrescentar que «Resulta igualmente da prova documental junta aos autos como Doc. n.º 7 da P.I. que o Recorrente sofre de doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) com enfisema pulmonar grave e com insuficiência respiratória parcial, patologia osteoarticular com atingimento preferencial da coluna cervical e que em consequência o Recorrente não pode exercer a sua profissão em virtude do ambiente profissional ser prejudicial para a sua saúde e agravar as queixas respiratórias, apenas podendo exercer uma profissão que não exija o exercício de actividade física, pois não tem capacidade para esforços mesmo ligeiros. Resulta igualmente da matéria de facto dada como provada, de 17 a 26 que o A. fica cansado com muita facilidade e o simples facto de andar alguns metros gera-lhe dificuldades respiratórias; que não consegue realizar percursos a pé em passo acelerado ou caminhadas com alguma duração; que dada a doença respiratória do A., o acto de falar cansa-o e gera-lhe dificuldades respiratórias; que desempenha com esforço, as actividades de se vestir, calçar e tomar banho e muitas vezes tem de pedir ajuda à A., sua mulher; que passa dias seguidos sem sair de casa em pijama para evitar esforços; que tem dificuldades em subir e descer escadas e, por isso, evita fazê-lo; que evita sair de casa desacompanhado, com receio de que lhe falte o ar; que vive a sua vida de forma muito compassada, passando a maior parte do tempo recostado ou deitado no sofá; que nasceu no dia 18.08.1959 e que exercia a actividade profissional de técnico industrial de decapagem e pintura». Os recorrentes não fazem, como que se constata, qualquer análise critica dessa prova em confronto com o que consta da motivação da sentença quanto à decisão sobre os enunciados descritos em 3.1.2. h), i), j), k), l), m), n) e q). Reitera-se que, tal como é imposto ao tribunal que faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), também os recorrentes, ao enunciarem os concretos meios de prova que, em seu entender, impõem uma decisão diversa, devem fundar tal pretensão numa análise crítica dos respetivos meios probatórios. Na situação sub judice, os apelantes não indicam uma concreta insuficiência, discrepância ou deficiência de apreciação, pelo tribunal senhor juiz a quo, da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo tribunal recorrido foi declarado. Mais não seria necessário para julgar improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Sucede que: a) a audição das gravações: - do depoimento de parte do 1.ª autor; - dos depoimentos das testemunhas JM, VR e JR; b) analisados conjugada e criticamente com o relatório médico de fls. 89 e 90 (documento n.º 7 junto com a petição inicial), só revelaram, à luz das regras da experiência da vida, da lógica, da normalidade das coisas, o acerto do raciocínio seguido pelo tribunal a quo para considerar não provados os enunciados descritos em 3.1.2. h), i), j), k), l), m), n) e q). Pelo exposto, improcede a impugnação da decisão de considerar não provados tais enunciados. * 3.2.3 - Do enquadramento jurídico: Está provado que: «a) Entre a 2.ª R., na qualidade de tomadora do seguro, e a 1.ª R., na qualidade de seguradora, foi celebrado o contrato de seguro de grupo do ramo vida, titulado pela apólice n.º ____, sujeito às condições gerais, cuja cópia consta de fls. 81 a 86, às condições especiais, cuja cópia constam de fls. 148 a 153, e às condições particulares, cuja cópia consta de fls. 154 a 156, que se dão por reproduzidas; b) Na sequência do referido nos n.ºs 1 e 2 [dos factos provados], e por exigência da 2.ª R., os AA. subscreveram, na qualidade de pessoas a segurar, as propostas/boletins de adesão ao seguro do “Ramo Vida Grupo” titulado pela apólice n.º ____, datadas de 16.09.2005, cujas cópias constam de fls. 121 a 128, que aqui se dão por reproduzidas; c) De acordo com as cláusulas 14.ª e 12.ª dos documentos complementares às escrituras públicas a que se alude nos n.ºs 1 e 2: «À credora fica reconhecido o direito de: a) alterar o seguro referido (…) e pagar por conta da parte devedora os respectivos encargos; b) receber a indemnização em caso de sinistro e averbar para tal fim as apólices a seu favor; c) debitar na conta do empréstimo quaisquer despesas relativas ao mesmo e a cujo reembolso tenha direito»; d) A 1.ª R. aceitou as propostas de adesão referidas, tendo o seguro em causa entrado em vigor nas datas indicadas nos n.ºs 1 e 2 (17.10.2005). Estamos perante um contrato de seguro do ramo vida, associado a dois contratos de mútuo com hipoteca, celebrados entre os autores e a 2.ª ré. Uma vez que o contrato de seguro foi celebrado em 2005, é-lhe aplicável, tal como referido na sentença recorrida, o regime legal que vigorava antes da entrada em vigor da Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, ou seja, o Dec. Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, por força da parte final do n.º 1 do artigo 3º, daquele diploma. Trata-se de um contrato de seguro que configura uma relação triangular, nele sendo intervenientes: - a 1.ª ré, na qualidade de seguradora; - a 2.ª ré, enquanto banco mutuante, como tomadora e beneficiária irrevogável do seguro, a entidade a favor de quem reverte a prestação da segura em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva dos segurados; - como pessoas seguras: os autores; - como tomadora ou beneficiária: a 2.ª ré, o banco mutuante - como seguradora: a 1.ª ré. Conforme refere Margarida Lima Rego estamos perante uma das categorias dos chamados seguros de grupo ou seguros coletivos e que abrangem: a) os seguros de grupo em sentido próprio; b) os seguros de grupo em sentido impróprio; e c) os contratos-quadro seguidos da celebração de contratos individuais. Na situação sub judice está presente esta última subcategoria, hoje em dia, como salienta a referida Autora, a mais frequente no conjunto dos quadros coletivos. Trata-se de uma subespécie em que o banco mutuante contrata com o segurador os parâmetros dentro dos quais irão celebrar-se os contratos individuais de seguro sobre a vida dos seus clientes, que estes últimos celebrarão com o propósito de os dar em garantia ao próprio banco. É, assim, um contrato que, do ponto de vista estrutural, tem duas fases: - uma fase estática, correspondente a um primeiro momento, em que a seguradora e o tomador do seguro (o banco mutuante contrata) estabelecem, entre si as condições de inclusão no grupo e as condições de seguro para os aderentes, designadamente o âmbito da cobertura dos riscos; - uma fase dinâmica, correspondente a um segundo momento em que o tomador de seguro promove a adesão ao contrato junto dos segurados, destinatários do empréstimo[27]. É após a concretização desta adesão que se constitui a tal relação triangular, entre a seguradora, o tomador do seguro e os segurados aderentes, a qual encontra a sua disciplina fundamental precisamente no contrato de seguro de grupo celebrado entre o tomador e a seguradora, encontrando-se as relações entre os aderentes e a seguradora perante este contrato numa relação de dependência genética e funcional. Está também provado que: i) De acordo com a cláusula 2.ª, n.º 1 das Condições Gerais do Contrato (...) «Os direitos e as obrigações emergentes das coberturas contratadas e as suas demais características específicas constam das Condições Especiais. As identificações do Tomador de Seguro e das Pessoas Seguras, os montantes e/ou a forma de cálculo dos benefícios e dos correspondentes prémios, bem como outros elementos que integram o contrato constam das Condições Particulares»; ii) De acordo com a cláusula 4.ª das mesmas Condições Gerais, «O contrato abrangerá, conforme o estipulado nas Condições Especiais e Particulares: 1. A cobertura principal; garantindo, isolada ou conjuntamente, os riscos de vida e morte e podendo ser integrada ou complementada por uma operação financeira; 2. Coberturas complementares, garantindo em conjunto com a cobertura principal, riscos de danos corporais como a invalidez ou outros que possam afectar a vida humana»; iii) De acordo com a cláusula 1.ª das Condições Especiais do contrato referido no n.º 3, «relativamente a cada Pessoa Segura, a Seguradora garante, em caso de Invalidez Absoluta e Definitiva, causada por doença ou acidente, o pagamento do capital (…), de valor indicado nas Condições Particulares»; iv) De acordo com a cláusula 2.ª das Condições Especiais do mesmo contrato «a Pessoa Segura e considerada no estado de Invalidez Absoluta e Definitiva, quando, em consequência de acidente ou doença, susceptível de constatação médica objectiva, fique total e definitivamente incapacitada de exercer qualquer actividade remunerável e necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária, não sendo possível prever qualquer melhoria, com base nos conhecimentos médicos actuais». Está ainda provado que: a) o 1.º autor sofre, desde 21 de agosto de 2012, de doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) com enfisema pulmonar grave e com insuficiência respiratória parcial, patologia osteoarticular com atingimento preferencial da coluna cervical; b) que em consequência dessa doença: - lhe foi atribuída uma incapacidade permanente global de 60%; - não pode exercer a sua atividade profissional de técnico industrial de decapagem e pintura, c) pode, no entanto, exercer uma profissão que não exija o exercício de atividade física, por não ter capacidade para fazer esforços, mesmo ligeiros. Temos, assim, tal como, aliás, decorre da sentença recorrida, que o sinistro sofrido pelo 1.º autor não está abrangido pelo contrato de seguro de grupo do ramo vida a que se reportam os presentes autos. Tal apenas sucederia caso o 1.º autor, em consequência do sinistro, ou seja, da doença referida em a) supra, tivesse ficado total e definitivamente incapacitado de exercer qualquer atividade remunerável. Sucede que está demonstrado, ele próprio o afirma, poder exercer uma profissão que não exija o exercício de atividade física, por não ter capacidade para fazer esforços, mesmo ligeiros. Por isso, é de manter a sentença recorrida. *** IV - DECISÃO: Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a sentença recorrida. Custas pelos apelantes - art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C. Lisboa, 18 de fevereiro de 2025 José Capacete Carlos Oliveira Diogo Ravara _______________________________________________________ [1] Doravante identificado apenas por 1.º autor. [2] Doravante identificada apenas por 2.ª autora. [3] Doravante identificada apenas por 1.ª ré. [4] Doravante identificada apenas por 2.ª ré. [5] «(...) declaro nula a cláusula do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 5.000.906, que define e delimita a cobertura de “Invalidez Absoluta e Definitiva”, na parte em que exige que o segurado necessite da assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária». [6] Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293. [7] Os enunciados descritos em 16 e 16-A resultaram da alteração à matéria de facto operada pelo referido acórdão desta Relação, datado de 2 de junho de 2020. [8] Eliminado de acordo com o decidido pelo S.T.J.. [9] Eliminado de acordo com o decidido pelo S.T.J.. [10] Recursos em Processo Civil, 7.ª Ed., Almedina, 2022, pp. 185-188. [11] Cfr. ABRANTES GERALDES, Recursos cit., pp. 158-159. [12] Cfr. Ac. de 03.12.2015, Proc. n.º 3217/12.1TTLSB.L1.S1 (Melo Lima), in www.dgsi.pt. [13] Recursos em Processo Civil, 7.ª Ed., Almedina, 2022, pp. 185-188. [14] Os recorrentes transcrevem um pequeno excerto do depoimento do 1.º autor. [15] Em seguida transcrevem um extenso excerto do depoimento da testemunha JM. [16] Em seguida transcrevem um extenso excerto do depoimento da testemunha VR. [17] Em seguida transcrevem um excerto de partes do depoimento da testemunha JR. [18] Cfr. Ac. da RG de 15.03.2016, Proc. n.º 726/11.0TTVCT.G1 (Alda Martins), in www.dgsi.pt. [19] Cfr. Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto, in http://www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf [20] Cfr. o Ac. da RP de 17.03.2014, Proc. n.º 3785/11.5TBVFR.P1 (Alberto Ruço), in www.dgsi.pt. [21] É o princípio segundo o qual o julgador deve ter: - por um lado, o contacto mais próximo e direto possível com as pessoas ou com as coisas que servem de meios de prova; e, - por outro lado, as pessoas (testemunhas, partes, peritos) devem situar-se na relação mais direta possível com os factos a prova, uma vez que são os veículos ou os instrumentos entre o julgador e a fonte da prova (a pessoa ou a coisa), só este contacto direto permitindo captar um acervo de sinais significativos sobre a realidade dos factos (por exemplo, a mímica da testemunha ou da parte, o tom de voz, o titubear, o ruborizar da face, a frieza do depoimento ou das declarações, etc.) – Cfr. Remédio Marques, A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2009. p. 587. [22] Constituindo um postulado do princípio da imediação, o princípio da oralidade não significa apenas que no processo civil, em particular na audiência final, se verifiquem atos que se processam sob a formal entre as partes e o tribunal. O que essencialmente releva quanto a este princípio é o estabelecimento de uma ligação psicológica entre a impressão criada no espírito do julgador pelos elementos probatórios (por exemplo, depoimentos orais das testemunhas prenhes de gestos, colocações de voz, etc.) e o julgamento dessa prova (por exemplo, considerar-se provado um facto controvertido). Ainda que os depoimentos sejam objeto de gravação, isso não afeta a expressão pura do princípio da oralidade. A oralidade, funda-se em critérios pragmáticos da comunicação e na possibilidade do esclarecimento rápido de dúvidas – Cfr. Remédio Marques, Acção Declarativa cit., pp. 209-201. [23] Constituindo outro postulado do princípio da imediação, o princípio da imediação veicula a ideia segundo a qual a atividade instrutória, a discussão da matéria de facto e o julgamento da matéria de facto devem ser, do ponto de vista temporal, o mais concentrados possível (art. 606.º, n.º 2), sem que haja hiatos de tempo significativos - Cfr. Remédio Marques, Acção Declarativa cit., p. 588. [24] Segundo este princípio, os meios de prova são, em regra, apreciados livremente pelo tribunal, sem qualquer escala de hierarquização ou vinculação para o tribunal - Cfr. Remédio Marques, Acção Declarativa cit., p. 569. [25] Cfr. Ac. da R.G. de 02.11.2017, Proc. n.º 501/12.8TBCBC.g1 (Maria João Matos), in www.dgsi.pt. [26] Impugnação cit., p 17. [27] Cfr. Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudo de Direito Civil, Coimbra Editora, 2010, pp. 811-824. |