Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | NELSON BORGES CARNEIRO | ||
Descritores: | CASA DE MORADA DE FAMÍLIA HOMOLOGAÇÃO DO ACORDO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/07/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – Quanto ao destino da casa de morada de família há que distinguir a situação em que a casa de morada de família pertence a um dos cônjuges ou a ambos (como bem comum ou em compropriedade) daquela situação em que a casa está arrendada. II – Para ser homologado um acordo sobre o destino da casa de morada de família, a sua utilização terá que ser atribuída a um dos cônjuges em exclusivo e em termos definitivos, para deste modo haver transmissão do arrendamento para um deles, o que não acontece quando ambos continuam a usufruir o arrendado, o que inviabiliza qualquer transmissão da titularidade do arrendatário. III – O tribunal ao homologar um acordo sobre o destino da casa de morada de família, embora não conhecendo do mérito, deverá atentar na situação patrimonial dos cônjuges e no interesse dos filhos. IV – O processo (judicial) de atribuição de casa de morada da família, é um processo de jurisdição voluntária, do que resulta, nomeadamente, que o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita (art. 987º, do CPCivil). | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. RELATÓRIO AS, intentou ação de atribuição da casa de morada de família contra AMS pedindo que lhe seja atribuída a casa de morada de família, com transmissão do contrato de arrendamento. Foi proferida sentença que homologou o acordo das partes quanto à atribuição da casa de morada de família. Inconformada, veio a requerente apelar da sentença, tendo extraído das alegações[1],[2] que apresentou as seguintes CONCLUSÕES[3]: 1). Ouvido o menor em sede de regulação das responsabilidades parentais, decidiu o Tribunal que o menor ficaria à guarda da mãe, porque a conversa revelara episódios de violência a que o menor assistira e que o levaram a dizer que embora gostasse do pai não queria dormir em casa deste; 2). Também em sede de responsabilidades parentais o Tribunal que uma pensão de alimentos de 150,00€ era o adequando atendendo a que o progenitor aufere (declarados) como taxista 650,00€, e a progenitora, como empregada de limpeza, a quantia de 300,00€. 3). Mais considerou o Tribunal que esta quantia era a adequada porque o progenitor se ficasse sem a casa de morada de família teria de arranjar uma outra; 4). Porém, uma vez chegados à conferência sobre a atribuição da casa de família, e já na ausência da Senhora Magistrada do Ministério Publico, mercê da intervenção da mandatária do progenitor que o Tribunal entendeu por boas, sem qualquer indagação oficial junto da CML ou da GEBALIS as declarações daquela segundo as quais a Recorrente tinha melhores condições para obter uma nova casa junto da GEBALIS. 5). Exatamente com o argumento de que a Recorrente com dois filhos e com 300,00€ fixos de rendimento teria mais facilidade do que o Requerido. 6). Porém, segundo informação colhida junto da GEBALIS, esta entidade apenas gere os imóveis que são atribuídos por concurso junta da Câmara Municipal, os quais são incertos, e que para o concurso é necessário que os candidatos tenham pelo menos um rendimento de 7.000,00€. 7). Ora quem tem um rendimento anual de 7000,00€ euros é o Recorrido, porque a Recorrente aufere certos 300,00€ como empregada de limpeza. 8). Segundo a GEBALIS ali só tratam da transmissão dos contratos por divórcio não da atribuição de novas casas pelo que as Técnicas ficaram muito surpreendidas com a insólita decisão. 9). Acresce que o argumento de que o contrato estava em nome do Recorrido (mas constando o agregado familiar), como resulta da lei, não obsta que se transmita pelo divorcio. 10). Segundo informação prestada pela CML e pela GEBALIS, a diminuta renda que atualmente é paga resulta do facto de existirem dois filhos no agregado familiar. 11). O Tribunal, repete-se, sem qualquer indagação oficial ou documento, determinou (o acordo foi imposto de forma inusitada) que a Recorrente ficasse a residir com os dois filhos na mesma casa que o Recorrido, até esta obter uma casa da GEBALIS. 12). Não obstante a GEBALIS, ser instituição apenas gere as casas atribuídas por concurso na Câmara Municipal de Lisboa, não tendo poderes para atribuir casas, apenas trata dos contratos de arrendamento, nomeadamente, quando há transmissão da titularidade por divórcio. 13). O Tribunal aliás, fez questão de ignorar e até mandar calar a Recorrente quando esta tentou explicar que já se informara junto da GEBALIS. 14). Contactada a Câmara Municipal de Lisboa foram a Recorrente e a sua mandatária informadas de que a atribuição de casa é realizada através de inscrição nos vários concursos que vão abrindo, podendo demorar anos. 15). Ora, por clara imposição do Tribunal, que acedeu sem mais aos argumentos da mandatária do Recorrido, ficou no “acordo”, que a Recorrente na verdade não quis nem podia aceitar, que a casa de morada de família ficou atribuída ao progenitor 16). Ficando todos a residir na mesma casa até a Recorrente obter uma casa da GEBALIS, por alegadamente, no entender do Tribunal, sem se informar, que esta teria melhores condições para obter uma nova casa!!!! 17). Mais, o Tribunal o quo entendeu por bem ignorar os relatos que ouviu do menor sobre o ambiente familiar, e que determinaram que este ficasse a residir com a Recorrente; 18). Bem como o facto de quer o menor, a irmã, e ainda a Recorrente, terem Estatuto de Vitimas num processo de Violência Domestica que se encontra em recurso; 19). O Tribunal no âmbito do processo de atribuição da casa de família violou claramente o interesse do menor, em benefício do adulto progenitor, obrigando todos a continuar a viver na mesma casa, quiçá por tempo indefinido, num ambiente de provocação insustentável, como ainda ontem, (dia da conferencia) se verificou frente a testemunhas. 20). O Recorrente no seu estilo habitual e incontrolável, dirigiu provocações ao filho menor e à Recorrente relacionadas com o carro, com a casa e com os horários que o menor tinha de cumprir, sem qualquer sentimento de proteção ou cuidado para com o filho. 21). O acordo é nulo por violar expressamente os direitos do menor consagrados na Convenção dos Direitos da Criança e no Regime Tutelar Cível. 22). Os quais se encontram explanados nos diversos diplomas relativos que, de alguma forma, afetem o seu bem-estar, saúde, crescimento. 23). Como é o caso do artigo 1105º do Código Civil nos termos do qual na falta de acordo (e diria que no caso de acordo também) o Tribunal deve decidir tendo em conta os interesses de cada um, os interesses dos filhos e outros fatores relevantes. 24). Acontece que para além do interesse do menor, e da filha maior estudante, são fatores relevantes o de Recorrente não ter um emprego certo que lhe permite arrendar uma casa onde residir com os dois filhos, ou mesmo candidatar-se a uma casa da Câmara Municipal de Lisboa com facilidade, uma vez que os outros concursos têm burocracias e prazos intermináveis.; 25). Passando a receber do Recorrido uma pensão de alimentos para os dois filhos no montante de 150,00€, valor esse tomando em consideração que o progenitor teria de fazer face a mais despesas para organizar a vida. 26). Em toda esta matéria o Tribunal assumiu como seus os argumentos da Mandatária do Requerido, sem efetuar qualquer diligencia para tomar conhecimento da possibilidade de candidaturas a casas da CML. 27). E com os mesmos, ordenou a atribuição da casa de morada de família ao Recorrido, e que até à obtenção de uma casa da CML a Recorrente e os filhos ficam todos a residir na mesma habitação, com o impacto que podia prever uma vez que ouvira o menor e, com base no descrito atribuiu a residência à mãe! 28). Na verdade, o Tribunal podia prever o ambiente que nesse mesmo dia se instalou e que era previsível para todos, o qual causou uma crise de choro convulsivo no menor por constatar que o ambiente em que esta a viver “nunca mais vai acabar”. 29). O sentimento quer do menor quer da filha de 18 anos é o de que as suas vidas e bem-estar não são protegidos pelo Tribunal, com total descrença na justiça, até porque só ouvem expressões de estupefação de quem tem conhecimento da sua situação. 30). O Tribunal deveria em cumprimento dos artigos 990.º do CPC e do artigo 1793º do Código Civil atribuir a casa de morada de família à Recorrente para esta habitar com os filhos, não só no interesse destes, mas também, pelas circunstancias pessoais e económicas da Recorrente. Termos em que se requer a V. Exas, Senhores Desembargadores, que com o vosso douto suprimento, seja a sentença proferida revogada e substituída por outra que atribua a casa de morada de família à Recorrente, ou, caso assim se não entenda, prossigam os autos para a produção de prova no processo de atribuição de casa de morada de família. O requerido não contra-alegou. Colhidos os vistos[4], cumpre decidir. OBJETO DO RECURSO[5],[6] Emerge das conclusões de recurso apresentadas por AS, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão: 1.) Saber se o tribunal a quo previamente à homologação do acordo deveria averiguar se a parte estaria em condições de obter uma nova casa. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. FACTOS 1.) As partes acordam, em tentativa de conciliação, que a casa de morada de família ficava atribuída provisoriamente ao Réu, AMS, sob condição da Autora, AS obter por parte da Gebalis uma casa para residir com os seus dois filhos (sendo um menor e a outra filha apesar de maior encontra-se a estudar), sendo apenas nessa data que sairá da casa de morada de família. 2.) Acordo esse que foi logo homologado por sentença. 2.2. O DIREITO Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso[7] (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto). 1.) SABER SE O TRIBUNAL A QUO PREVIAMENTE À HOMOLOGAÇÃO DO ACORDO DEVERIA AVERIGUAR SE A PARTE ESTARIA EM CONDIÇÕES DE OBTER UMA NOVA CASA. A apelante alegou que “o Tribunal entendeu por boa, sem qualquer indagação oficial junto da CML ou da GEBALIS (senhoria da casa de morada de família) que a Recorrente tinha melhores condições para obter uma nova casa junto da GEBALIS”. Mais alegou que “por clara imposição do Tribunal, que acedeu sem mais aos argumentos da mandatária do Recorrido, ficou no “acordo”, que a Recorrente na verdade não quis nem podia aceitar, que a casa de morada de família ficou atribuída ao progenitor”. Alegou ainda que “O acordo é nulo por violar expressamente os direitos do menor consagrados na Convenção dos Direitos da Criança e no Regime Tutelar Cível, os quais se encontram explanados nos diversos diplomas relativos que, de alguma forma, afetem o seu bem-estar, saúde, crescimento”. Vejamos as questões. Aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do artigo 1793.º do Código Civil, ou a transmissão do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 1105.º do mesmo Código, deduz o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito – art. 990º, nº 1, do CPCivil. Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal – art. 1793º, nº 1, do CPCivil. O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem – art. 1793º, nº 2, do CPCivil. O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária – art. 1793º, nº 3, do CPCivil. Incidindo o arrendamento sobre casa de morada de família, o seu destino é, em caso de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, decidido por acordo dos cônjuges, podendo estes optar pela transmissão ou pela concentração a favor de um deles – art. 1105º, nº 1, do CPCivil. Na falta de acordo, cabe ao tribunal decidir, tendo em conta a necessidade de cada um, os interesses dos filhos e outros fatores relevantes – art. 1105º, nº 2, do CPCivil. A transferência ou a concentração acordadas e homologadas pelo juiz ou pelo conservador do registo civil ou a decisão judicial a elas relativa são notificadas oficiosamente ao senhorio – art. 1105º, nº 3, do CPCivil. Nos autos, em tentativa de conciliação, as partes acordaram que “A casa de morada de família ficava atribuída provisoriamente ao Réu, AMS, sob condição da Autora, AS obter por parte da Gebalis uma casa para residir com os seus dois filhos (sendo um menor e a outra filha apesar de maior encontra-se a estudar), sendo apenas nessa data que sairá da casa de morada de família”, acordo este, que foi homologado por sentença. Porém, a apelante alegou que “o Tribunal entendeu por boa, sem qualquer indagação oficial junto da CML ou da GEBALIS (senhoria da casa de morada de família) que tinha melhores condições para obter uma nova casa junto da GEBALIS, mas ali só tratam da transmissão dos contratos por divórcio e não da atribuição de novas casas”. A celebração de uma transação (acordo), exarada em ata, entre os litigantes no âmbito de um processo judicial, pondo termo a este, equivale à celebração entre esses mesmos litigantes de um “contrato de transação”, previsto nos artºs 1248º a 1250º do CCivil[8]. Ao homologar tal acordo o juiz, nos termos do disposto no art. 290.º, nºs 3 e 4 do CPCivil, limita-se a fiscalizar a legalidade e a verificar a qualidade do objeto desse contrato e a averiguar a qualidade das pessoas que contrataram[9],[10]. Em relação ao destino da casa de morada de família há que distinguir a situação em que a casa de morada de família pertence a um dos cônjuges ou a ambos (como bem comum ou em compropriedade) daquela situação em que a casa está arrendada, sendo esta situação a dos autos. O acordo consistirá em atribuir a casa a um deles ou a transmissão ou concentração do direito ao arrendamento[11]. O art. 1105º, nº 2, confere ao tribunal o poder para decidir quanto ao destino da casa arrendada, mas socorre-se de uma enumeração exemplificativa menos pormenorizada. Na falta de acordo, tem-se em conta a necessidade de cada um dos cônjuges, os interesses dos filhos e outros fatores relevantes[12]. O direito ao arrendamento da casa de morada de família, em caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, deve ser atribuído ao cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela. Na verdade, o objetivo da lei, ao permitir ao juiz manter o arrendamento na titularidade do cônjuge arrendatário na titularidade do cônjuge arrendatário ou transferi-lo para o outro cônjuge, não é o de castigar o culpado ou premiar o inocente, como não é de manter na casa de morada da família, em qualquer caso, o cônjuge ou ex-cônjuge que aí tenha permanecido após a separação de facto, mas o de proteger o cônjuge ou ex-cônjuge que mais seria atingido pelo divórcio ou pela separação quanto à estabilidade da habitação familiar, cônjuge ou ex-cônjuge ao qual, porventura, os filhos tiverem ficado confiados[13]. No caso, quanto ao destino da casa de morada de família, o tribunal a quo homologou o acordo em que “A casa de morada de família ficava atribuída provisoriamente ao Réu, sob condição da Autora, AS obter por parte da Gebalis uma casa para residir com os seus dois filhos”. Primeiro, nem se pode dizer que haja um acordo, pois este implica concessões e cedências reciprocas, o que não se verifica no caso, pois não houve qualquer concessão ou cedência das partes, pois continuam ambas a residir na da casa de morada de família. Só se poderia, pois, falar de acordo, caso houvesse concessões ou cedências reciprocas de parte a parte, no caso, que a utilização do bem fosse atribuída a um deles, pois a sua utilização não pode estar ao serviço da satisfação integral do interesse de ambas. No caso, como a utilização do arrendado não podia estar ao serviço da satisfação integral de ambas as partes, uma delas teria que ceder a sua utilização ao outro, para deste modo, se poder falar em acordo, o que não acontece, pois continuam ambas a usufruir em simultâneo do mesmo. Assim, tal acordo ao não atribuir a um dos cônjuges o destino da casa de morada de família para nela virem a habitar, frustra o fim do processo, isto é, que a habitação seja atribuída a um deles, e não aos dois em simultâneo, ainda que de uma forma condicional, mas que pelos seus termos, se pode eternizar. Por outro lado, sendo arrendada a casa de morada de família, com tal acordo, como se disse, não há transmissão do arrendamento, pois a sua utilização continua atribuída simultaneamente a ambos os cônjuges e, mais grave, sem se saber por quanto tempo, até podendo eternizar-se essa utilização por não estar limitada temporalmente (até a Autora, obter por parte da Gebalis uma casa para residir, isto é, uma utilização condicional). Ora, caso a autora não conseguisse obter uma casa para residir, tal acordo eternizava-se e, deste modo, o destino da casa de morada de família não era atribuído a nenhum dos cônjuges, o que não se pode verificar neste tipo de processos, em que a casa de morada de família tem que ser atribuída em exclusivo a um dos cônjuges, e nunca, simultaneamente, aos dois. Temos, pois, que para o acordo ser homologado, a utilização do arrendado teria que ser atribuída a um dos cônjuges em exclusivo e em definitivo, para deste modo haver transmissão do arrendamento para um deles, o que não acontece, pois ambos continuam a usufruir simultaneamente do arrendado, o que inviabiliza qualquer transmissão da titularidade do arrendatário. Além do mais, o processo de atribuição da casa de morada de família depois do divórcio não se compadece com uma sua atribuição simultânea e condicional (que só poderá acontecer durante a pendência do processo de divórcio), pelo que, o tribunal a quo só poderia homologar o acordo caso este regulasse com carácter definito e exclusivo a sua utilização, o que não se verificou. Por outro lado, nos termos do artigo 1793.º do CCivil, os fatores a ponderar pelo julgador são as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal. O propósito da lei será o de assegurar que, decretado o divórcio ou a separação, a casa de morada de família possa ser utilizada pelo cônjuge ou ex-cônjuge a quem for mais justo atribuí-la tendo em conta as necessidades de um e de outro. Quanto ao interesse dos filhos, atender-se-á se é importante para aqueles viverem na casa que foi do casal com o progenitor guardião e, quando a lei fala do interesse dos filhos do casal, não se refere só aos filhos daqueles mas aos menores que habitam ou habitavam com aqueles[14]. No que se refere ao interesse dos filhos, há que saber qual dos cônjuges ou ex-cônjuges ficou a pertencer a guarda dos filhos menores no processo de regulação do exercício do poder paternal, e se é do interesse dos filhos viverem na casa que foi do casal com o progenitor a quem ficaram confiados[15]. Cabe ao juiz apreciar as questões sobre as quais os cônjuges tenham apresentado acordo e convidar a alterações se os acordos não acautelarem os interesses de algum deles ou dos filhos[16]. Assim, na avaliação da necessidade da casa, deve o tribunal ter em conta, em particular, a situação patrimonial dos cônjuges ou ex-cônjuges e o interesse dos filhos. Ora, no caso, o tribunal a quo ao homologar o acordo, embora não conhecendo do mérito, não atentou no pressuposto, por nada em contrário resultar dos autos, de ter tido em atenção a situação patrimonial dos cônjuges e o interesse do filho (v.g., remuneração auferida pela autora e réu e a convivência com este na mesma casa com o cônjuge e filhos do casal). Assim, não se mostra que o tribunal a quo ao homologar o acordo tenha tido em atenção que acautelasse o interesse do cônjuge e filhos (até pelo estatuto de vitimas especialmente vulneráveis), além de que, nem o Ministério Público se pronunciou sobre a legalidade do acordo (da ata de tentativa de conciliação não consta que o tenha feito). Concluindo, por um lado, o tribunal a quo homologou um acordo em que a atribuição da casa de morada de família era atribuída simultaneamente a ambos os cônjuges e de forma condicional e, por outro lado, não resulta que estejam acautelados o interesse do cônjuge e filhos. O processo (judicial) de atribuição de casa de morada da família, é um processo de jurisdição voluntária, do que resulta, nomeadamente, que o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita (art. 987º, do CPCivil), que as resoluções podem ser alteradas com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração (art. 988º, do CPCivil). Assim sendo, não estando este tribunal sujeito a critérios de legalidade estrita, deverá ser revogada a sentença que homologou o acordo, determinando-se o prosseguimento dos autos, devendo para tal, ser o réu notificado para contestar, nos termos do art. 990º, nº 2, do CPCivil. Destarte, procedendo o recurso, há que revogar a decisão proferida pelo tribunal a quo e, determinar o prosseguimento dos autos. 3. DISPOSITIVO 3.1. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso e, consequentemente, em revogar-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos, devendo o réu ser notificado para contestar. 3.2. REGIME DE CUSTAS Custas pelo apelado (na vertente de custas de parte, por outras não haver[17]), porquanto a elas deu causa por ter ficado vencido (no recurso de apelação, tenha ou não acompanhado o recurso, é o recorrido vencido responsável pelo pagamento das custas[18])[19]. Lisboa, 2022-04-07[20],[21] Nelson Borges Carneiro Paulo Fernandes da Silva Pedro Martins (com declaração de voto) Declaração de voto[22],[23]: Voto a decisão, mas apenas com base nos seguintes fundamentos: A sentença recorrida homologa um acordo que não acautela os interesses da requerente nem dos filhos (as normas aplicáveis, dos arts. 1105 e 1778-A do CC, 931 e 990 do CPC, têm sempre como pressuposto que o acordo a homologar tem de acautelar aqueles interesses: art. 1778-A/2 do CC); sendo que entregar ao progenitor, que ganha 650€/mês, a casa de morada de família, ficando a progenitora, que apenas ganha 350€/mês, e com quem o filho e a filha vão ficar a residir, obrigada a arranjar uma nova casa, não acautela aqueles interesses. O juiz não tem nem deve homologar acordo em que aqueles interesses não estejam acautelados – de perspectivas diferentes mas com o mesmo resultado, e apenas por exemplo, veja-se Eva Dias Costa, pág. 537 do CC anotado, coord. de Clara Sottomayor, Almedina, 2020, e Cristina Dias, RGPTC anotado por vários autores, Almedina, 2021, págs. 291-292, anotação 6 ao art. 34. E tal é uma questão oficiosa – pelo que, mesmo que a recorrente não possa recorrer da homologação com o fundamento em causa, pode invocá-lo (como o fez) para que o tribunal de recurso o conheça oficiosamente. Para além disso, a sentença recorrida homologa o acordo provisório definitivamente, julgando extinta a instância, o que é um contra-senso e mais uma razão para revogar a sentença. Mas não vejo razão para que o acórdão se esteja pronunciar sobre outras questões (implicando a necessidade de mais estudo), como por exemplo aquela a que se faz referência no ponto I do sumário do acórdão (que não tem relevo), nem para estar a falar na impossibilidade da atribuição simultânea da casa, porque poderá haver hipóteses em que os ex-cônjuges possam continuar a viver na mesma casa (matéria reflectida no ponto II do sumário), nem para estar a dizer que o tribunal “não conhece do mérito, mas deverá atentar na situação patrimonial dos cônjuges e no interesse dos filhos”, pois que o que importa é que se faça referência ao poder que o tribunal tem de poder recusar a homologação de um acordo que não acautele os interesses de um dos cônjuges nem os interesses dos filhos (e não só, porque o tribunal também poderia recusar a homologação de um acordo que respeite a ‘negócios jurídicos ilícitos’ – expressão utilizada por Lebre de Freitas, em anotação ao artigo 1249 do CC, pág. 1603, do CC anotado, coord. de Ana Prata, Almedina/Cedis, 2019) e sendo tudo isto assim, não se vê razão para se dizer que o tribunal não conhece de mérito (matéria reflectida no ponto III do sumário). E menos ainda concordo que se dê qualquer relevo à natureza do processo – de jurisdição voluntária – para efeitos de revogar a sentença recorrida. Esta deve ser revogada porque está errada, pelas razões assinaladas, e não porque este TRL a pudesse revogar devido ao facto de ela ter sido proferida num processo de jurisdição voluntária, isto é, porque este TRL não estivesse sujeito a critérios de legalidade estrita (matéria reflectida no ponto IV do sumário). Pedro Martins _______________________________________________________ [1] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º, nº 1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503. [2] As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º, nº 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795. [3] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º, nºs 1 e 2, do CPCivil. [4] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º, n.º 2, do CPCivil. [5] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso. [6] Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir. [7] Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, a Relação deve assegurar o contraditório, nos termos gerais do art. 3º, nº 3. A Relação não pode surpreender as partes com uma decisão que venha contra a corrente do processo, impondo-se que as ouça previamente – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829. [8] Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 2009-09-08, Relator: TELES PEREIRA, http://www.dgsi.pt/jtrc. [9] Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2004-11-03, Relator: ANTÓNIO GONÇALVES, http://www.dgsi.pt/jtrg. [10] A sentença judicial proferida em ata respeitante a uma conferência de pais sobre o acordo celebrado entre os progenitores quanto ao exercício das responsabilidade parentais dos seus filhos menores, tem natureza homologatória, pelo que a intervenção do juiz é de mera fiscalização sobre a legalidade do objeto do acordo e da qualidade das pessoas que o celebram, não conhecendo do mérito, antes sancionando, no pressuposto de o acordo corresponder aos superiores interesses das crianças, a solução que os respetivos progenitores encontraram e fixaram para o objeto do processo ou demanda, sendo a referida solução a verdadeira fonte da resolução do litígio – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2021-02-02, Relator: JOSÉ CAPACETE, http://www.dgsi.pt/jtrl. [11] SANDRA CRISTINA MARTINS MORGADO MARQUES, A transmissão da casa de morada da família pp. 17/18. [12] JORGE DUARTE PINHEIRO, O Direito de Família Contemporâneo, 5ª edição, p. 535. [13] FRANCISO PEREIRA COELHO – GUILHERME DE OLIVEIRA, Curso de Direito da Família, vol. I, 4ª ed., pp. 680/81. [14] SANDRA CRISTINA MARTINS MORGADO MARQUES, A transmissão da casa de morada da família, p. 32. [15] FRANCISO PEREIRA COELHO – GUILHERME DE OLIVEIRA, Curso de Direito da Família, vol. I, 4ª ed., pp. 681/82. [16] EVA DIAS COSTA, Código Civil Anotado, Livro IV, Direito da Família, Clara Sottomayor (Coord.), p. 537. [17] Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do nº 1 do artigo 529º, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8. [18] O princípio da causalidade também funciona em sede de recurso, devendo a parte vencida nele ser condenada no pagamento das custas, ainda que não tenha contra-alegado – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8. [19] A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º, nº 1, do CPCivil. [20] A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º, nº 2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09. [21] Acórdão assinado digitalmente. [22] O acórdão definitivo é lavrado de harmonia com a orientação que tenha prevalecido, devendo o vencido, quanto à decisão ou quanto aos simples fundamentos, assinar em último lugar, com a sucinta menção das razões de discordância – art. 663º, nº 1, do CPCivil [23] Funcionando em regime de colegialidade, se algum dos juízes discordar da decisão ou de algum dos seus fundamentos, expressá-lo-á mediante a apresentação de voto de vencido ou de declaração de voto – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829. |