Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ARMANDO CORDEIRO | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO DECISÃO ADMINISTRATIVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/09/2025 | ||
Votação: | MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | Sumário (elaborado pelo relator): I. Os vícios apontados à decisão administrativa e não imputados à decisão judicial, em impugnação judicial, não são conhecidos por este tribunal de recurso que visa unicamente apreciar a decisão judicial. II. Não se verifica a infração por falta de demonstração de um dos elementos do tipo respeitante aos prazos de resposta previstos nos artigos 18.º e 35.º do do Regulamento n.º 303/2019, de 1.4.2019 (Regulamento relativo à segurança e à integridade das redes e serviços de comunicações eletrónicas). III. O início da atividade marca, como o referido regulamento 303/2019 impõe, o momento a partir do qual a empresa dispõe dos prazos previstos nos arts. 18.º ou 35.º, do Regulamento 303/2019, para proceder às comunicações aqui em causa, obrigações previstas no art. 54.º-D. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que compõem esta Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa: * I. RELATÓRIO. 1. Viasat lnc. impugnou judicialmente a decisão administrativa proferida pela AUTORIDADE NACIONAL COMUNICAÇÕES (ANACOM) que a condenou numa coima de € 18 000,00. * Por sentença proferida a 6/11/2024, foi a referida impugnação judicial julgada parcialmente procedente, nos seguintes termos: i. Absolvo a Arguida pela prática dolosa de uma contraordenação muito grave prevista na alínea z) do n.º 3 do artigo 113.º da LCE, por não ter respondido, até 04.05.2021, ao pedido de informação que lhe foi remetido pela ANACOM em 19.03.2021; ii. Condeno a Recorrente pela prática, a título negligente de uma contraordenação grave prevista na alínea ff) do n.º 2 do artigo 113.º da Lei das Comunicações Eletrónicas em vigor à data dos factos, por não ter enviado à ANACOM, até 31.05.2019, a informação sobre a sua política de segurança, em violação do artigo 54.º-D da Lei das Comunicações Eletrónicas, em uma coima no montante de dois mil euros (€ 2.000,00); iii. Condeno a Recorrente pela prática negligente de uma contraordenação grave prevista na alínea ff) do n.º 2 do artigo 113.º da Lei das Comunicações Eletrónicas em vigor à data dos factos, por não ter enviado à ANACOM, até 31.05.2019, a informação relativa aos colaboradores designados para as funções de responsável de segurança, e sendo o caso, de adjunto do responsável da segurança, em violação do artigo 54.º-D da Lei das Comunicações Eletrónicas, em uma coima no montante de dois mil euros (€ 2.000,00); iv. Condeno a Recorrente pela prática a título negligente de uma contraordenação grave prevista na alínea ff) do n.º 2 do artigo 113.º da Lei das Comunicações Eletrónicas em vigor à data dos factos, por não ter enviado à ANACOM, até 30.07.2019, a informação relativa ao ponto de contacto permanente, em violação do artigo 54.º-D da Lei das Comunicações Eletrónicas, em uma coima no montante de dois mil euros (€ 2.000,00); v. Condeno a Recorrente pela prática negligente de uma contraordenação grave prevista na alínea ff) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, por não ter enviado à ANACOM, até 29.01.2021, o seu primeiro relatório anual de segurança, em violação do artigo 54.º-D da Lei das Comunicações Eletrónicas, em uma coima no montante de dois mil euros (€ 2.000,00); vi. Em cúmulo jurídico, condeno a Recorrente na coima única de cinco mil e quinhentos euros (€ 5.500,00); vii. Mais ordeno que a Arguida remeta, no prazo máximo de 10 (dez) dias úteis, contados da notificação a enviar para o efeito após a presente sentença se tornar definitiva ou transitada em julgado, a informação relativa à sua política de segurança, ficando a Arguida sujeita ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 2 000,00 euros por cada dia de atraso no cumprimento da referida obrigação de prestação de informação, a qual, porém, nunca ultrapassará os 60 000,00 euros correspondentes a um período máximo de 30 dias de atraso. b. Determino a devolução à Arguida da multa que pagou relativa ao requerimento com a ref.ª 84856. *** IX. CUSTAS: 2. Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em duas e meia unidades de conta– cf. artigos 93.º, n.º 3 e 94.º, n.º 3, ambos do Regulamento das Custas Processuais (RCP).” Inconformada com tal decisão, veio Viasat lnc. interpor recurso da mesma para este Tribunal da Relação, pedindo que: “Termos em que, deve ser dado provimento ao presente Recurso, com absolvição da Recorrente”. Formulou as seguintes Conclusões a) A decisão recorrida, apesar de reconhecer a violação do direito de defesa da Recorrente (Ponto 11), condenou a Recorrente pela prática de 4 (quatro) contraordenações na forma negligente, por considerar que se prevaleceu da faculdade de fazer uma defesa de mérito; b) Ficou, porém, provado que por não ter tido acesso ao processo administrativo, a Recorrente ficou privada de saber que dele não constava a comunicação prévia que enviou à ANACOM ao abrigo do artigo 21.º da Lei das Comunicações Eletrónicas (LCE) e, por conseguinte, privada ficou da possibilidade de demonstrar, em tempo útil, a natureza técnica da atividade que pretende oferecer em Portugal e sua repercussão quanto à sua não sujeição a obrigações regulatórias adicionais; c) Ficou ainda provado (Pontos 45 e 49 da sentença) que do processo sancionatório não consta a existência de qualquer parecer sobre a matéria dos autos, cujo conteúdo não lhe foi dado a conhecer até hoje, nem quem terá sido o seu autor, não constando o mesmo dos autos; d) A recusa de facultar à Arguida o acesso ao processo sancionatório, privou-a portanto do exercício do contraditório em tempo útil e de fazer uma defesa de mérito; e) Deve assim, com fundamento no artigo 123.º, n.º 1, do CPP, ser declarada a nulidade do processo administrativo por violação das garantias constitucionais de audiência e defesa asseguradas pelo artigo 32.º, n.º 10, da CRP, a nulidade da decisão final da ANACOM que lhe pôs termo, e a nulidade da sentença recorrida, uma vez que a Recorrente alegou expressamente a nulidade do processo no ato da apresentação da sua defesa administrativa, ou seja, no primeiro momento em que teve oportunidade para se manifestar no processo administrativo; f) Como consequência deve a decisão recorrida ser substituída por uma decisão que julgando nulo o ato que negou o exercício do direito de defesa da Arguida, e de todos os atos subsequentes; g) Caso ainda não viesse a ser entendido, deve ser confirmada a atipicidade da conduta da Recorrente reconhecida no Ponto 48 da sentença, uma vez que ficou provado (Factos j e k) que a mesma não oferece redes de comunicações eletrónicas nem serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público em Portugal, não estando, portanto, preenchidos os elementos objetivo e subjetivo do tipo contraordenacional do artigo 54.º-D da LCE; h) Caso assim não se entenda, deve ser declarada a atipicidade da conduta da Recorrente porquanto os elementos objetivo e subjetivo do referido tipo contraordenacional não podem ser delimitados a partir do conceito de “oferecer”, retirado do dicionário Priberam, disponível na Internet (Ponto 100); i) Ao adotar como pressuposto hierárquico e incondicional da subsequente interpretação que faz do tipo contraordecional, os significados populares da palavra “oferecer” fornecidos por aquele dicionário de português, absorvendo-os num conceito global de “disponibilização”, independente do estabelecimento de qualquer relação jurídica contratual ou da prestação concreta de qualquer atividade, e ao concluir que basta a comunicação prévia da pretensão de início de atividade para se considerar que há disponiblização em Portugal de redes ou serviços, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 54.º-A da LCE; j) Com efeito, integrando este preceito o regime de autorização geral estabelecido pelos artigos 21.º e seguintes da LCE, deve o mesmo ser sistematicamente interpretado à luz do artigo 21.º, n.ºs 1, 4, 6 e 7, da LCE, na redação vigente à data dos factos imputados à Recorrente, porquanto se trata de norma quadro que establece a distinção entre (i) comunicação prévia da pretensão de oferta, com descrição sucinta da rede ou serviço cuja oferta uma empresa pretende iniciar; (ii) comunicação prévia da data prevista para o início da atividade; (iii) efetivo início da oferta; e (iv) comunicação da cessação da oferta de redes e ou serviços; k) Da leitura conjugada dos n.ºs 1 e 4 do artigo 21.º, resulta que a LCE não impõe às empresas a obrigação de iniciar efetivamente a(s) sua(s) atividade(s), mas tão somente a obrigação de comunicar previamente a sua pretensão e a data prevista para o efeito (n.º 1); l) Isto é claramente explicitado pelo n.º 4, que faculta às empresas – mas não obriga – o início imediato após obtenção de prova da comunicação prévia, e não estabelece qualquer prazo para tal início, nem qualquer regime de caducidade por falta de início efetivo da prestação dos serviços de rede ou de comunicações correspondentes à atividade comunicada; m) Assim, se a lei tivesse querido que as empresas que apenas pretendem oferecer redes e serviços de comunicações electrónicas ficassem adstritas à obrigação de cumprir previamente requisitos adicionais mais exigentes, tê-lo-ia determinado em conformidade com a sistemática estabelecida pelo artigo 21.º da LCE; n) Isto porque, assim como o intérprete não pode distinguir onde o legislador não distinguiu, também não pode o intérprete assimilar aquilo que o legislador diferenciou em categorias distintas; o) Ao assimilar decidir de forma diversa, a sentença recorrida violou o duplo direito da Recorrente à igualdade de tratamento perante a lei, consagrado no artigo 13.º, n.º 1, da CRP, como também o direito à igualdade material de tratamento previsto no artigo 54.º-D da LCE em obediência ao artigo 7.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 10 de dezembro de 1948, segundo o qual todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei; p) Do mesmo, violou a sentença recorrida o artigo 16.º, n.º 2, da CRP que consigna que os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem; q) Estando assente que, ressalvados os limites inerentes à natureza das coisas, os direitos e garantias fundamentais e, em particular, o direito à igualdade na lei, estão garantidos a pessoas singulares e a pessoas coletivas, por força do artigo 12.º da CRP, a douta sentença recorrida, ao assimilar a Recorrente, que não oferece redes nem serviços (facto provados j e k e Ponto 45 da sentença) às empresas que oferecem redes ou serviços, suprimiu o tratamento diferenciado assegurado pelo artigo 54.º-D da LCE, em obediência ao imperativo constitucional da igualdade na lei; r) Com isso, a sentença recorrida violou as referidas garantias constitucionais, estando ferida de nulidade; s) Deve, por conseguinte, ser substituída por uma decisão que reconheça a atipicidade da conduta da Recorrente em face do tipo contraordenacional previsto no artigo 54.º-D da LCE; t) Subsidiariamente, o facto de a Arguida discordar da interpretação da ANACOM quanto ao âmbito de aplicação do artigo 54.º-D da LCE, cuja decisão impugnou administrativa e judicialmente, no exercício dos seus direitos de defesa e recurso aos tribunais, constitucionalmente assegurados, não legitima a sentença recorrida a afastar o sentido crítico da Arguida e a considerar que tal exercício configura uma não conformação da conduta da Recorrente com a lei; u) Incorreu, assim, a sentença recorrida em violação frontal dos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP; v) Ficando demonstrado que o exercício do seu legítimo interesse de ver definido por quem de direito e de forma definitiva, o direito que é aplicável ao seu caso concreto, para com ele conformar a sua conduta, demonstrado fica o sentido crítico da Recorrente, e a sua intenção de conformação; w) Além disso, tendo a Recorrente enviado à ANACOM, nesta data, todas as informações exigidas pelo Regulamento n.º 303/2019, e com isso cessado o incumprimento das obrigações regulatórias a que a ANACOM e a sentença recorrida a consideram adstrita, verificam-se todos os pressupostos para a suspensão da sanção, o que se quer com fundamento no artigo 31.º da lei n.º 99/2009. x) Do mesmo modo, mostrando-se já cumpridas as obrigações regulatórias a que a ANACOM e a sentença recorrida consideram a Recorrente adstrita, deve ser afastada a sanção pecuniária compulsória de EUR 2.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento da referida obrigação de prestação de informação, a qual, porém, nunca ultrapassará os EUR 60 000,00 correspondentes a um período máximo de 30 dias de atraso. * Admitido o recurso, a recorrida AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES (ANACOM) apresentou Resposta ao Recurso, formulando as seguintes Conclusões I. A decisão ora recorrida não é nula, ainda que corresponda à verdade que, por manifesto lapso da instrutora do processo, não foi apresentada resposta ao pedido de consulta apresentado em sede de defesa administrativa. II. Mas, a ora Recorrente prevaleceu-se do direito que, de facto, foi preterido, porquanto, através da presente impugnação judicial, a Recorrente se pronunciou sobre todos os elementos relevantes da matéria de facto de Direito que constavam do presente processo contraordenacional. III. O processo é simples e, à data da notificação da acusação era constituído apenas por 39 folhas, com a imputação de 5 contraordenações facilmente compreendidas e que foram constatadas com a ausência de comunicação de elementos que deviam ter sido prestados à ANACOM, nos prazos legalmente fixados. IV. Não detendo o processo físico quaisquer elementos adicionais aos referidos na acusação deduzida, bem como na decisão ora recorrida. V. Não é pelo facto de no processo administrativo não constar a documentação que instruiu o registo da atividade junto da ANACOM que a Arguida não pode contestar o exercício da atividade. VI. O que é relevante para a decisão da causa e que constava do processo administrativo tal como decorre do facto provado n.º 1 da decisão final administrativa, é que, a arguida (como e de conhecimento próprio) exerce a atividade de prestadora de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público. VII. Não corresponde à verdade que da ausência da disponibilização do processo administrativo para consulta tenha resultado, em sede de audiência e julgamento no TCRS, a alteração do elemento subjetivo das contraordenações imputadas à ora Recorrente. VIII. Mesmo que se entendesse que em termos gerais e abstratos a ora Recorrente não se teria prevalecido do direito preterido, sempre seria inevitável que, no presente processo de contraordenação, a nulidade em causa se encontraria sanada e não deveria ser declarada, tal como entendeu o douto Tribunal a quo. IX. Não subsiste qualquer dúvida sobre o facto da Recorrente se encontrar ou não em atividade, uma vez que, a Recorrente não comunicou apenas à ANACOM a pretensão de iniciar a oferta supra referida, como também comunicou à ANACOM, através do preenchimento do Questionário Anual de Comunicações Eletrónicas (2013) que tinha iniciado o efetivo exercício da sua atividade em 05.04.2011. X. A disponibilização da oferta de um serviço de comunicações eletrónicas acessíveis ao público - do tipo ESV – implica o exercício da atividade. XI. Durante a audiência de discussão e julgamento foi apreciada a ausência de sentido crítico e a não conformação da sua conduta com a lei, o que, logicamente, não se confunde com o seu direito de recurso que lhe assiste nos termos da lei. XII. Não subsistem quaisquer razões válidas que permitam a aplicação da suspensão total das coimas aplicadas. XIII. A ora Recorrente juntou ao processo a informação relativa à sua política de segurança. Termina pedindo que é de “conceder provimento parcial ao recurso apresentado pelo Viasat, Inc.: · confirmando as coimas parcelares e a coima única aplicadas pelo Tribunal a quo; · não determinando a aplicação da injunção fixada no ponto vii. do dispositivo da sentença ora recorrida pelos motivos melhor explicitados na MOTIVAÇÃO que antecede, mantendo-se a Sentença ora recorrida na ordem jurídica, assim se fazendo JUSTIÇA!” Também o Magistrado do Ministério Público na 1ª instância apresentou Resposta ao Recurso e formulou as seguintes Conclusões A – No que toca às pretendidas nulidades do processo administrativo e da decisão final da ANACOM o meio processual utilizado pela Recorrente conforma um meio processual impróprio, uma vez que nos termos do disposto nos artigos 74.º e segs. do RGCO o objeto do recurso de sentença contraordenacional, é, a sentença e não a decisão administrativa, que já teve o seu momento próprio de censura em sede de impugnação judicial, B - Sendo que as invocadas nulidades foram objeto de decisão pelo TCRS no capítulo II da sentençaa propósito do conhecimentoe decisãosobre as questões prévias, onde o douto TCRS, reconhecendo a violação do direito de defesa da Recorrente, mas, conformando-a como irregularidade, veio a julgá-la improcedente, por a Recorrente ter apresentado no seu recurso uma defesa de mérito, impugnando os factos provados da decisão da ANACOM e contrariando a matéria de direito, assim se prevalecendo do vício invocado, e demonstrando que o seu direito de defesa em nada foi afetado pelo não acesso ao processo. C – Também com o contributo da Recorrente, que sempre compreendeu oque lhe era imputado, o douto Tribunal deu por provado nos factos provados da sentença 18.f a 18.l a atividade da Recorrente e a natureza técnica da mesma: f. A Arguida fornece um serviço de acesso à Internet via satélite, que é transmitido diretamente para as embarcações. g. Estas, por sua vez, disponibilizam a rede, dentro das embarcações, aos passageiros e tripulantes, durante a viagem. h. Tal serviço é entregue via rede de satélite Eutelsat Ku Band numa tipologia estrela, consistindo num ponto central situado fora de Portugal, em Itália, nos arredores de Turim, com ligação ao suporte principal de internet e à estação terrena remota a bordo das embarcações (Earth Station on Vessel – ESV) localizada nos navios dos clientes. i. A estação central, em Itália, controla o acesso à rede através dos terminais remotos. j. A rede que a Arguida atualmente utiliza e transmite via satélite é captada pelo equipamento instalado em embarcações não registadas em Portugal, não fazendo uso ou interferindo na rede local, em território português. k. Tais embarcações têm passagem pelas águas nacionais portuguesas. D - Inexiste tabela legal de nulidades para o processo de contraordenação – o não acesso aos autos conforma mera irregularidade processual – a Recorrente sanou a irregularidade apresentando uma defesa de mérito, assim se prevalecendo do vício processual que invocou – o meio processual é impróprio para censurar a decisão da ANACOM, uma vez que se está no âmbito de recurso de sentença contraordenacional - a douta sentença decidiu a questão prévia – a Recorrente não contraria este segmento decisório da douta sentença recorrida – pretende uma impossibilidade legal que é a da irregularidade sanada contaminar a sentença e de em sede de recurso de sentença contraordenacional voltar a censurar a decisão final da ANACOM. E – Não é verdade que na douta sentença no ponto 48 seja reconhecida a atipicidade da conduta como diz a Recorrente: O ponto 48 insere-se na motivação de facto da sentença e está na sequência dos pontos 41 e seguintes que dizem respeito ao tipo subjetivo da infração. E, o que aí se diz, é que perante a atipicidade da atividade (económica) da Recorrente, ou seja, escapandoo caso às situações mais comuns, o que se reconduz a saber se o serviço prestado pela mesma, ESV, está abrangido pela legislação nacional, o que também criou dúvidas à ANACOM – cfr. ponto 45 – encontra-se afastado o dolo do tipo, mas, não a negligência, como se pode ler no ponto 49 da motivação. F - Ficou provado, tal como o douto Tribunal esclarece nos pontos 67 a 74, 88 a 97 da fundamentação de direito que o conceito de comunicação eletrónica abrange as redes de satélites e o de serviços de comunicações eletrónicas o mero envio de sinais através das redes de comunicações eletrónicas, pelo que, e uma vez que os equipamentos que a Recorrente utiliza, consistindo numa rede de satélites que permite o envio de sinais a partir de Turim (ponto central da rede) para as embarcações por meios eletromagnéticos, é de concluir que esta disponibiliza e tem intenção de disponibilizar um rede de comunicações eletrónicas através dessa rede acessíveis ao público. G - O que resulta da mera leitura do texto da sentença é precisamente o contrário do que a Recorrente indica na conclusão g), porque não corresponde à verdade processual que o Tribunal tenha reconhecido a atipicidade da conduta, ou que tenha dado como provado que a Recorrente não oferece redes ou serviços de comunicações eletrónicas. H – Não é só no Dicionário Priberam que oferecer significa disponibilizar: Também no DICIONÁRIO da LÍNGUA PORTUGUESA, Porto Editora, 2013, oferecer significa, entre outros, propor para que seja aceite, proporcionar, e, oferta, aquilo que se oferece, em ECONOMIA, quantidade de bens ou serviços postos à disposição dos consumidores, e, disponibilizar, colocar à disposição, às ordens de, à vontade de …, pronto para … E, no no DICIONÁRIO HOUAISS da LÍNGUA PORTUGUESA oferecer significa pôr à disposição, expor, proporcionar, tornar disponível e disponibilizar significa o mesmo que pôr (algo) à disposição de … I - O Tribunal demonstrou que oferecer/oferta tem sempre o mesmosentido que disponibilizar na legislação competente, designadamente, no âmbito da LCE e que o tipo infracional tratando-se de uma estrutura legal de violação de dever, que tutela preventivamente interesses coletivos, reconduzidos à preservação da integridade e segurança das redes de comunicações eletrónicas, delimita essa tutela,antecipando-aparaumestádiode risco presumidoemque àmeraoferta, ou mera disponibilização ao público do serviço de comunicações eletrónicas, antes e fora de um concreto contrato de prestação do serviço a clientes determinados, é associado um risco de afetação do bem jurídico tutelado que justifica para a Comunidade uma reação sancionatória se incumpridos planos de segurança que visam o interesse na preservação e integridade das redes de comunicações eletrónicas. J - Com referência aos factos provados da douta sentença, não ficam dúvidas de que a Recorrente na sequência de ter efetuado a comunicação legal prevista no artigo 21.º da LCE, oferecia redes de comunicações eletrónicas acessíveis ao públicosujeitas legislaçãoportuguesa,porquetinhaintençãodedisponibilizar a rede e o serviço a embarcações registadas em Portugal que quisessem contratar os seus serviços, não tendo apresentando à ANACOM os planos de segurança impostos – cfr. pontos 141, 142 a 147 da douta sentença, pelo que a sua conduta preencheu o tipo infracional. K - No que respeita ao facto provado x onde o Tribunal enuncia que a A Arguida não revela sentido crítico da sua conduta, confrontando-o com a sua motivação de facto,logose compreende,que nãoé olegitimoexercícioàdefesa e aorecurso que está em causa, mas, sim a forma como é exercido. L - E se dúvidas restassem, bastaria para melhor consolidar tal facto a persistência neste recurso em alegar contra o sentido comum das palavras, em propor interpretações manifestamente contrárias ao que flui da mera leitura do texto da decisão recorrida, como é o caso das conclusões g, h, i, o, q, r. M - O convencimento do Tribunal quanto ao facto provado x, está dentro da margem da livre convicção do julgador, que se encontra objetivada na respetiva motivação. N – A coima não deveráser suspensa na sua execução, conforme dito pelo douto Tribunal no ponto 174 da sentença, uma vez que olhando os factos provados da doutasentença,nãose ncontrabasefactualquesustenteumjuízodeprognose favorável no sentido de bastar a ameaça da execução da coima para levar a Recorrente a não reiterar tais condutas no futuro. O-Afigurando-se que, entretanto, e nos autosaRecorrentejuntouainformação relativa à sua politica de segurança, a pretensão da mesma em ver revogada a sanção pecuniária compulsória poderá ser procedente. P – A douta sentença recorrida não enferma de qualquer vício, nulidade, erro de julgamento ou de direito, ou, violação de lei, não contendo violação alguma de direitos processuais da Recorrente ou ofensa de princípios constitucionais.” Termina pedindo que “(…) , o recurso de VIASAT INC. deverá ser julgado improcedente, devendo ser mantida a douta sentença condenatória do TCRS.”. * Neste Tribunal da Relação, o Exm. Senhor Procurador Geral Adjunto, é de parecer “que o recurso interposto pela Recorrente VIASAT, INC. deve ser julgado improcedente e, consequentemente, a Sentença recorrida deve ser mantida. * Foram colhidos os Vistos. *** II. Fundamentação de Facto. Com interesse para a boa decisão da causa, foram considerados provados e não provados pelo tribunal de 1ª instância, os seguintes factos: a. A Arguida em data anterior a 03.01.2011 comunicou à ANACOM, para efeitos de registo, que pretendia iniciar a prestação do seguinte serviço: “A ArcLight Earth Station on Vessel (ESV) irá fornecer regionalmente, ligação de banda larga bidirecional para utilizadores marítimos, acesso completo à internet de alta velocidade, para aplicações como email, acesso à web e tráfego de voz. O serviço será oferecido a navios de porte pequeno e médio, com mais de 15 metros de comprimento, tanto no setor público como privado. O serviço será fornecido através da rede de satélite Eutelsat Ku Band numa tipologia de estrela, consistindo num ponto central situado fora do país, com ligação à ligação principal (backbone) de internet e aos ESVs remotos localizados nos navios dos clientes. A estação central irá controlar o acesso à rede através dos terminais remotos. O serviço está de acordo com os limites de emissões especificados na RESOLUÇÃO 902 (WRC-03) “Provisões relacionadas com as estações terrestres a bordo dos navios que operam em redes de serviço fixo por satélite nas bandas de envio (uplink) 5.925-6.425 MHz e 14-14,5 GHz” e Decisão ECC de 24 de Junho de 2005 sobre livre circulação e utilização de Estações Terrestres a bordo de Navios que operam em redes de serviço fixo por satélite nas bandas de frequência 14-14,5 GHz (Terra-para-espaço), 10,7-11.7 GHz (espaço-para-Terra) e 12,5-12,75 GHz (espaço-para-Terra) (ECC(DEC/(05)10). O sistema é considerado como sendo uma rede de comunicações privada”. b. Com base nesta comunicação a ANACOM emitiu a Declaração n.º 01/2011, na qual ficou a constar, entre o mais, o seguinte: “Comunicou ao ICP-ANACOM pretender iniciar a oferta de serviços de comunicações móveis a bordo de embarcações”. c. Mais ficou a constar na referida Declaração, na parte relativa às Condições, o seguinte: “2. Condições Na oferta dos serviços objeto da presente declaração, a ViaSat, Inc., está sujeita, nos termos do artigo 27.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, ao cumprimento das seguintes obrigações: (…) f) Cumprir as condições técnicas, constantes no anexo da Decisão 2010/166/UE, de 19 de Março de 2010, nomeadamente: (i) As estações terrenas ESV (Earth Solutions on-board Vessels) deverão operar, numa base de não proteção e não interferência, de acordo com as seguintes restrições técnicas constantes na Resolução 902 (WRC-03): (…)”. d. Mais ficou a constar na referida Declaração, na parte relativa às Condições, o seguinte: “(…) h) Fornecer ao ICP-ANACOM os dados relevantes relativamente às embarcações registadas em Portugal em que o sistema MCV esteja em funcionamento;”. e. O serviço comunicado pela Arguida não corresponde à descrição referida na alínea b), nem é um sistema MCV, mas o serviço descrito na alínea c). f. A Arguida fornece um serviço de acesso à Internet via satélite, que é transmitido diretamente para as embarcações. g. Estas, por sua vez, disponibilizam a rede, dentro das embarcações, aos passageiros e tripulantes, durante a viagem. h. Tal serviço é entregue via rede de satélite Eutelsat Ku Band numa tipologia estrela, consistindo num ponto central situado fora de Portugal, em Itália, nos arredores de Turim, com ligação ao suporte principal de internet e à estação terrena remota a bordo das embarcações (Earth Station on Vessel – ESV) localizada nos navios dos clientes. i. A estação central, em Itália, controla o acesso à rede através dos terminais remotos. j. A rede que a Arguida atualmente utiliza e transmite via satélite é captada pelo equipamento instalado em embarcações não registadas em Portugal, não fazendo uso ou interferindo na rede local, em território português. k. Tais embarcações têm passagem pelas águas nacionais portuguesas. l. A declaração que a Arguida comunicou à ANACOM e que conduziu à emissão da declaração n.º 01/2011 reporta-se ao serviço que a Arguida pretende prestar que se integra num sistema de rede de comunicações via satélite a bordo de embarcações registadas em Portugal. m. A Arguida tem a expectativa de vir a iniciar a prestação do referido serviço de comunicações via satélite a embarcações, em Portugal, o que ainda não se concretizou por falta de clientes em Portugal, não tendo a Recorrente logrado formalizar, até ao momento, nenhum contrato com empresas de embarcações em Portugal, nem mesmo com as operadoras autorizadas em Portugal. n. A Arguida não comunicou à ANACOM até 31 de maio de 2019 a política de segurança e a informação relativa aos colaboradores designados para as funções de responsáveis de segurança e, sendo o caso, de adjunto do responsável da segurança. o. A Arguida não comunicou à ANACOM até 30 de julho de 2019 a informação relativa ao ponto de contacto permanente. p. A Arguida não enviou à ANACOM até 29 de julho 2021 o primeiro relatório anual de segurança. q. Em 19.03.2021 a ANACOM remeteu à Arguida um pedido a solicitar o envio de informação sobre os elementos que se encontravam em falta no prazo de 10 dias úteis. r. Até 04 de maio de 2021 a Arguida não enviou à ANACOM os elementos e a informação indicada na referida mensagem. s. A Arguida não comunicou à ANACOM as informações relativas à sua política de segurança, aos colaboradores designados para as funções de responsável de segurança e de ponto de contacto permanente, bem como não apresentou, a esta Autoridade, o seu primeiro relatório anual de segurança, dentro dos prazos fixados para o efeito, porque não teve o cuidado de conhecer as obrigações legais a que estava sujeita, cuidado de que era capaz, não tendo representado como possível a ocorrência dos factos. t. A falta de comunicação dos elementos supra indicados à ANACOM, nos prazos fixados no Regulamento de Segurança, prejudicou o exercício das competências de supervisão cometidas à ANACOM, impedindo a avaliação da preparação e do planeamento da Arguida em matéria de segurança das comunicações, bem como a verificação do cumprimento das medidas técnicas e organizacionais impostas para garantia da segurança e integridade das redes e serviços de comunicações eletrónicas. u. A falta de comunicação daquelas informações pode comprometer a eficácia e eficiência da atuação da Arguida, com vista a impedir e/ou prevenir a ocorrência de incidentes de segurança, ou a minimizar o impacto destes incidentes de modo a assegurar a continuidade da prestação de serviços relevantes à sociedade e aos cidadãos e o acesso aos serviços de emergência, e a promover a melhoria da fiabilidade das redes e serviços. v. A não comunicação à ANACOM da informação relativa aos colaboradores designado para as funções de responsável de segurança e de ponto de contacto permanente pode também dificultar a comunicação e articulação entre a ANACOM e a Arguida, e obsta à otimização dos fluxos de informação, nomeadamente ao nível do reporte de incidentes de segurança e da informação disponibilizada ao público. w. Não são conhecidos antecedentes contraordenacionais da Arguida quanto à atividade sancionatória da ANACOM. x. A Arguida não revela sentido crítico da sua conduta. y. A Arguida ainda não remeteu à ANACOM a informação sobre a sua política de segurança, a informação relativa às funções de responsável de segurança, nem a informação relativa ao ponto de contacto permanente. * III.2. Factos não provados: Não se provou que: a. As embarcações referidas na alínea j) dos factos provados atraquem em portos ou outras instalações costeiras situadas em território nacional. b. A Arguida recebeu e leu o pedido referido na alínea q) dos factos provados e ao não dar resposta, até 04.05.2021, ao pedido de informação que lhe foi remetido pela ANACOM em 19.03.2021, agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que tal lhe era legalmente exigido e que com as sua conduta incorria em incumprimentos e na prática de contraordenações, tendo, mesmo assim, optado por não cumprir as obrigações que sobre ela recaíam.” III. Fundamentação Jurídica. O âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. os artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2 e 410º, n.º 2, als. a), b) e c) do Código de Processo Penal) e atento o disposto no artigo 75º n.º 1 do DL n.º 433/82, de 27/10 (RGCO) este Tribunal apenas conhece de matéria de direito. Assim, atentas as conclusões da recorrente Viasat, Inc., há as seguintes questões a decidir: 1. Ocorreu violação do direito de defesa da Recorrente por não ter tido acesso ao processo administrativo em tempo útil? 2. Ocorreu erro de julgamento ao condenar a recorrente atipicidade da conduta da Recorrente? 3. Deve ser afastada a sanção pecuniária compulsória? Primeira questão Ocorreu violação do direito de defesa da Recorrente (conclusões a) a f)) Alega a recorrente que a 1ª instância, embora reconhecendo tais vícios, não retirou daí a consequência de que tal decisão era nula (conclusão a)). Como resulta evidente da alegação da recorrente, os vícios são apontados à decisão da autoridade administrativa e não à sentença em recurso. Embora se afirme que a sentença em recurso não retirou as consequências devidas, nada é pedido a esse respeito. Isto é, não é apontada qualquer nulidade ou irregularidade da sentença, mas unicamente da decisão administrativa. A eventual existência de vícios da decisão da autoridade administrativa mostra-se decidida pela sentença em recurso. E o presente recurso tem como objeto a decisão judicial e não a decisão da autoridade administrativa. Como exemplarmente se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, uniformizador de jurisprudência, n. 3/2019[1], de 23 maio de 2019: “Em sede de 1.ª instância, o Tribunal conhece de toda questão em discussão - "o objecto da sua apreciação não é a decisão administrativa, mas a questão sobre a qual incidiu a decisão administrativa". (…) De tudo podemos concluir que a fase judicial não constitui uma reapreciação da questão, mas uma primeira apreciação judicial da questão contraordenacional sem limite dos poderes de cognição do juiz, que abarcam todo o objeto do processo. A impugnação judicial não constitui "um recurso em sentido próprio, mas de uma fase judicial do processo de contra-ordenação em que o tribunal julga do objecto de uma acusação consistente na decisão administrativa de aplicação da sanção na fase administrativa, com ampla discussão e julgamento da matéria de facto e de direito e de decisão final". (são nossos os destaques) No caso, como vimos e resulta das conclusões – e das alegações – da recorrente, esses vícios já não são imputados à decisão em recurso. A qual, de resto, e bem, considerou sanada a eventual nulidade ou irregularidade. A matéria, respeitante à decisão administrativa e novamente invocada, não é sequer passível de impugnação autónoma para este tribunal da Relação (cf. art. 73.º do RGCO, aplicável). As nulidades, objeto de recurso, são unicamente aquelas que, segundo a recorrente, persistem na decisão judicial e não as, unicamente, apontadas à decisão administrativa. Concorda-se, pois, com o Ministério público quendo alega que “o meio processual utilizado pela Recorrente conforma um meio processual impróprio, uma vez que nos termos do disposto nos artigos 74.º e segs. do RGCO o objeto do recurso de sentença contraordenacional, é, a sentença e não a decisão administrativa, que já teve o seu momento próprio de censura em sede de impugnação judicial” (conclusão A) Pelo exposto, não sendo matéria imputada à decisão judicial, não se conhece da arguição dos alegados vícios da decisão administrativa. segunda questão Ocorreu erro de julgamento ao condenar a recorrente? Entende a recorrente, na conclusão “g” que “(…) ainda não viesse a ser entendido, deve ser confirmada a atipicidade da conduta da Recorrente reconhecida no Ponto 48 da sentença, uma vez que ficou provado (Factos j e k) que a mesma não oferece redes de comunicações eletrónicas nem serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público em Portugal, não estando, portanto, preenchidos os elementos objetivo e subjetivo do tipo contraordenacional do artigo 54.º-D da LCE”. Sem necessidade de apreciar tudo o que consta da fundamentação da sentença proferida em 1ª instância, a questão resume-se a apurar se a recorrente oferece (oferecia à data) redes de comunicações eletrónicas e/ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público em Portugal. Na sentença em recurso, após apreciação das normas relevante, entendeu-se que havia necessidade de se determinar o conceito de “oferecer” bem como o âmbito territorial de aplicação do artigo 54.º-D e da alínea ff) do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, da Lei das Comunicações. Quanto ao primeiro, a sentença conclui que “estão sujeitas aos deveres previstos no artigo 54.º-D da Lei das Comunicações Eletrónicas todas as empresas que simplesmente disponibilizam redes de comunicações eletrónicas e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, mesmo que não tenham nenhum cliente.” E, ainda, que “conclui-se que a Arguida oferecia rede de comunicações eletrónicas e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público tanto a embarcações não registadas em Portugal, com passagem pelas águas nacionais portuguesas, como a embarcações registadas em Portugal”. Quanto ao segundo (o âmbito territorial de aplicação da alínea ff) do n.º 2 do artigo 113.º e do artigo 54.º-D ambos da Lei das Comunicações Eletrónicas) a sentença conclui “que as referidas normas são aplicáveis a duas situações: aos navios e embarcações registados em Portugal; e aos navios e embarcações que se encontrem num porto português ou num terminal ao largo da costa nacional”. E que em “contrapartida, não estão sujeitos aos deveres previstos no artigo 54.º-D, da Lei das Comunicações Eletrónicas, os navios ou embarcações não registados em Portugal que naveguem no mar territorial, na zona contígua, na zona económica exclusiva ou sobre a plataforma continental”. Termina, concluindo que “incorrem na prática das infrações imputadas à Recorrente todas as empresas que oferecerem redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público a navios ou embarcações registadas em Portugal e a navios ou embarcações não registados em Portugal que se encontrem num porto ou num terminal ao largo da costa do nosso país e que não cumpram os deveres previstos no referido artigo 54.º-D”. Em apreciação final, a sentença declara que “a Arguida oferecia redes de comunicações e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público sujeitas à legislação portuguesa porque tinha intenção de disponibilizar a rede e o serviço referidos a embarcações registadas em Portugal que quisessem contratar os seus serviços. E por esta razão – e somente por esta – estava abrangida pelos deveres legais previstos no artigo 54.º-D da Lei das Comunicações Eletrónicas em vigor à data dos factos e consequentemente pelo âmbito de competência de supervisão da ANACOM.” (são nossos os destaques) Sendo que, na lógica da sentença, “o termo oferecer não tem o sentido restritivo pretendido pela Recorrente, significando a simples disponibilização, mesmo que não haja cedência efetiva da rede ou prestação efetiva do serviço a clientes”. Ainda antes de apreciar todos estes fundamento, há que recordar que o art. 18.º (Deveres específicos de comunicação à ANACOM) do Regulamento n.º 303/2019, de 1.4.2019 (Regulamento relativo à segurança e à integridade das redes e serviços de comunicações eletrónicas[2]) estabelece, expressamente, que: 1 — As empresas devem comunicar à ANACOM, no prazo de 20 dias úteis a contar do início da sua atividade: a) A política de segurança, nos termos previstos no artigo anterior; b) A informação relativa aos colaboradores designados para as funções de responsável da segurança e, sendo o caso, de adjunto do responsável da segurança, nos termos previstos no artigo 14.º; c) A informação relativa ao ponto de contacto permanente, nos termos previstos no artigo 15.º Mais prevê esse regulamento, no art. 35.º (Entrada em vigor e disposições transitórias), que: 1 — O presente regulamento entra em vigor no dia seguinte à data da respetiva publicação no Diário da República, sem prejuízo do disposto nos números seguintes 2 — Sem prejuízo do cumprimento do disposto nos artigos 54.º -A a 54.º -G da LCE, as empresas em atividade à data de entrada em vigor do presente regulamento devem: a) No prazo de 40 dias úteis a contar da data de entrada em vigor do presente regulamento: i) Aprovar a política de segurança, comunicando-a à ANACOM, dentro do mesmo prazo, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º, e dar início à elaboração do plano de segurança, nos termos previstos no artigo 17.º; ii) Estabelecer a função de responsável da segurança, nos termos previstos no artigo 14.º, comunicando à ANACOM, dentro do mesmo prazo, os elementos previstos na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 18.º; b) No prazo de 60 dias úteis a contar da data de entrada em vigor do presente regulamento, classificar os ativos previstos nas alíneas a), b) e d) do n.º 4 do artigo 8.º; c) No prazo de 80 dias úteis a contar da data de entrada em vigor do presente regulamento, estabelecer a função de ponto de contacto permanente, nos termos previstos no artigo 15.º, comunicando à ANACOM, dentro do mesmo prazo, os elementos previstos na alínea c) do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 18.º; d) No prazo de um ano a contar da data de entrada em vigor do presente regulamento: i) Caso aplicável, adotar os procedimentos de controlo da gestão excecional de tráfego de acesso à Internet, nos termos previstos no artigo 11.º; ii) Concluir a classificação dos ativos e o inventário de ativos, nos termos previstos, respetivamente, nos artigos 8.º e 9.º, e enviar a versão inicial da lista prevista no n.º 4 do artigo 9.º; iii) Adotar todas as medidas de segurança incluídas no nível de sofisticação 1 e aplicáveis nos termos previstos no Título II e no Anexo ao presente regulamento, sem prejuízo do disposto nos n.os 3 e 5 do presente artigo; e) No prazo de dezoito meses a contar da data de entrada em vigor do presente regulamento e caso aplicável, concluir a constituição da equipa de resposta a incidentes de segurança, nos termos previstos no artigo 16.º; f) No prazo de dois anos a contar da data de entrada em vigor do presente regulamento: i) Adotar todas as restantes medidas de segurança aplicáveis nos termos previstos no Título II e no Anexo ao presente regulamento, sem prejuízo do disposto nos n.os 3 e 5 do presente artigo; ii) Concluir a elaboração do plano de segurança, nos termos previstos no artigo 17.º 3 — Sem prejuízo do cumprimento do disposto nos artigos 54.º -A a 54.º -G da LCE, as empresas em atividade à data de entrada em vigor do presente regulamento devem ainda: a) Elaborar o primeiro relatório anual de segurança, nos termos previstos no artigo 19.º, a reportar ao 1.º ano civil seguinte ao ano civil da data de entrada em vigor do presente regulamento; b) Elaborar e executar o primeiro programa de exercícios, nos termos previstos no artigo 12.º, no 2.º ano civil seguinte ao ano civil da data de entrada em vigor do presente regulamento; c) Caso se encontrem abrangidas pelo dever de realização de auditoria, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, apresentar à ANACOM a primeira proposta de auditoria, nos termos previstos no artigo 31.º, no prazo de dois anos a contar da data de entrada em vigor do presente regulamento. O art. 54.º-D, da LCE, aplicável e que motivou a condenação, estipulava o seguinte: Para além das medidas técnicas de execução previstas no artigo anterior, a ARN, para efeitos do disposto no artigo 54.º-A, pode fixar às empresas que oferecem redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público requisitos adicionais mais exigentes, nomeadamente, determinando o seguinte: a) A indicação de um ponto de contacto permanente, para efeitos do disposto no presente capítulo; b) A elaboração de um plano actualizado que contemple todas as medidas técnicas e organizacionais adoptadas; c) A realização de exercícios de avaliação e melhoria das medidas técnicas e organizacionais adoptadas, bem como a participação em exercícios conjuntos; d) A elaboração e apresentação à ARN de relatório anual nos termos a fixar, incluindo, nomeadamente, a experiência recolhida com incidentes de segurança. Da conjugação destas normas pode concluir-se que as obrigações de comunicação que motivaram a condenação apenas surgem “no prazo de 20 dias úteis a contar do início da sua atividade” ou nos prazos previstos no art. 35.º, ns. 2 e 3, do Regulamento 303/2019. Ora, dos factos provados não resulta, pelo menos claramente, quando ocorreu o início da atividade, por forma a que se possam contar os referidos prazos (para cumprimento das referidas obrigações). Os factos descritos em “l” e “m”, apontam, de resto, para a conclusão de que a recorrente ainda não iniciou a sua atividade: “l. A declaração que a Arguida comunicou à ANACOM e que conduziu à emissão da declaração n.º 01/2011 reporta-se ao serviço que a Arguida pretende prestar que se integra num sistema de rede de comunicações via satélite a bordo de embarcações registadas em Portugal. m. A Arguida tem a expectativa de vir a iniciar a prestação do referido serviço de comunicações via satélite a embarcações, em Portugal, o que ainda não se concretizou por falta de clientes em Portugal, não tendo a Recorrente logrado formalizar, até ao momento, nenhum contrato com empresas de embarcações em Portugal, nem mesmo com as operadoras autorizadas em Portugal.” (são nossos os destaques) O regime de autorização geral encontrava-se previsto nos arts. 21º e segs. da LCE, prevendo-se, aí, expressamente que “As empresas que pretendam oferecer redes e serviços de comunicações electrónicas estão obrigadas a enviar previamente à ARN uma descrição sucinta da rede ou serviço cuja oferta pretendem iniciar e a comunicar a data prevista para o início da atividade (…). (são nossos os destaques) O n. 4, estipula que “Após a comunicação, as empresas podem iniciar de imediato a sua atividade, com as limitações decorrentes da atribuição de direitos de utilização de frequências e números.” Podem, contudo, ser impostas condições, como resulta dos arts. 27.º e 28.º. E, atendendo ao teor dos factos descritos em “b” a “d”, a ANACOM impôs condições. Destas normas retira-se a conclusão de que até ao envio da comunicação referida em 21.º, as empresas são consideradas, para os efeitos da lei, apenas como empresas que pretendem oferecer redes e serviços de comunicações eletrónicas. E que, após a comunicação, tais empresam podem iniciar de imediato a sua atividade, ou seja, a oferecer redes e serviços de comunicações eletrónicas. Do facto “m” não resulta, como já referimos, que a recorrente já iniciou a sua atividade. O início da atividade marca, como o referido regulamento 303/2019 impõe, o momento a partir do qual a empresa dispõe dos prazos previstos nos arts. 18.º ou 35.º, do Regulamento 303/2019, para proceder às comunicações aqui em causa, obrigações previstas, designadamente, no art. 54.º-D, em apreciação. O que neste processo importava era que os factos refletissem o início da atividade e a nosso ver, ressalvado o devido respeito por outra opinião, não refletem. Acresce que a comunicação e declaração descritas em “a” e “l” ocorreram em 2011 e a notificação da ANACOM ocorreu, apenas, 8 anos depois. Independentemente dos motivos desta demora, quer parecer-nos que a intenção manifestada pela recorrente 8 anos antes e que não havia tido, ainda, qualquer efetividade, permite indiciar que a recorrente, de facto, não terá iniciado a sua atividade. Impõe-se, ainda, referir que a decisão administrativa da ANACOM teve como pressuposto de facto que “a arguida exerce a atividade de prestadora de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público (…) e que a empresa havia comunicado pretender iniciar a oferta de serviços de comunicações móveis a bordo de embarcações” (facto 1 da decisão administrativa). Este facto apenas tem correspondência parcial com os apurados em julgamento, para além da descrição errada, reconhecida pela sentença, de que “a empresa havia comunicado pretender iniciar a oferta de serviços de comunicações móveis a bordo de embarcações” (são nossos os destaques), visto que a recorrente apenas se referia a um serviço de acesso à Internet via satélite, que é transmitido diretamente para as embarcações, sendo estas que, por sua vez, disponibilizam a rede, dentro das embarcações, aos passageiros e tripulantes, durante a viagem. (factos “f” e “g”). Relevantemente, a ANACOM atribuía à recorrente a prestação de serviços de comunicações móveis a bordo de embarcações e a sujeição às obrigações decorrentes do regulamento, por estas se encontrarem “atracadas em portos ou outras instalações costeiras situadas em território nacional”. É o que consta expressamente do ponto 1 da motivação (2.3 da decisão administrativa). Estas circunstâncias de facto ainda assim seriam insuficientes para a condenação, por não se ter demonstrado a ultrapassagem dos prazos previstos nos arts. 18.º ou 35.º, do Regulamento 303/2019. E, de resto, tais factos não se provaram (facto não provado descrito em “a”). Os referidos prazos constituem elementos do tipo das infrações imputadas. Não se tendo demonstrado tais elementos do tipo, não se verifica a prática das infrações. Inexistindo as infrações torna-se desnecessário apreciar a restante questão. Por todo o exposto há que julgar procedente o recurso e absolver a recorrente, dando sem efeito a coima aplicada, bem como a sanção pecuniária compulsória. IV. Decisão. Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em dar total provimento ao recurso interposto pela Viasat lnc. e absolvê-la da prática das contraordenações que lhe eram imputadas pela ANACOM e, consequentemente, dar sem efeito a coima e a sanção pecuniária compulsória aplicadas. Sem custas. Lisboa, 9/04/2025 A.M. Luz Cordeiro Alexandre Au-Yong Oliveira José Paulo Abrantes Registo (com a seguinte declaração de voto) “Subscrevo a decisão, com excepção do segmento em que não conheceu da alegada nulidade da decisão administrativa, por ter entendido que a empresa recorrente pretendeu impugnar a decisão administrativa (e não a sentença proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão). Todavia, afigura-se, incontornável, das conclusões do recurso – máxime das conclusões a) a f) - que a empresa recorrente pretendeu, efectivamente, impugnar a sentença recorrida, na parte em que julgou improcedente a invocada nulidade da decisão administrativa, por alegada violação dos direitos de defesa. Deste modo, de acordo com o disposto no art. 73.º, n.º 1, do DL n.º 433/82 (este dispositivo permite, sem quaisquer restrições, que o sujeito processual recorra para a relação da “sentença”), teria conhecido o recurso interposto pela empresa recorrente, na sua totalidade, muito em particular do segmento da decisão recorrida que se pronunciou sobre a questão jurídica acima mencionada.” _______________________________________________________ [1] disponível in www.dgsi.pt e https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/3-2019-122857882 e que uniformizou a seguinte jurisprudência: “Em processo contraordenacional, no recurso da decisão proferida em 1.ª instância o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa” [2] https://files.diariodarepublica.pt/2s/2019/04/064000000/1021410231.pdf |