Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | MICAELA SOUSA | ||
| Descritores: | TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL APLICAÇÃO PRESSUPOSTOS GRADUAÇÃO BENEFÍCIO DO APOIO JUDICIÁRIO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 02/18/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Sumário: | 1 – A taxa sancionatória excepcional prevista no artigo 531º do Código de Processo Civil visa evitar a prática de actos inúteis, impedindo que o tribunal se debruce sobre questões que se sabe de antemão serem insusceptíveis de produzir qualquer efeito processual útil, sancionando o uso desviante e abusivo do processo. 2 – Trata-se de uma sanção com a natureza de penalidade, próxima da que decorre da litigância de má fé, onde sobressai a censurabilidade da actuação processual da parte. 3 - A aplicação da taxa sancionatória excepcional depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: ser a pretensão manifestamente improcedente e não ter a parte agido com a prudência ou diligência devidas. 4 - Na análise da censurabilidade dirigida à parte, o juiz deve atender ao quadro factual que os autos fornecem, às normas jurídicas aplicáveis e às várias soluções plausíveis das questões de direito, distinguindo aquilo que constitui uma «defesa enérgica» dos interesses das partes e o uso desviante e perverso dos meios processuais. 5 – Na graduação da taxa a aplicar deve ser considerado o grau de convicção normal da manifesta improcedência da pretensão formulada pela parte, conforme as circunstâncias do caso. 6 – Por aplicação do disposto no artigo 28º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais, a taxa sancionatória excepcional é devida ainda que a parte goze do benefício do apoio judiciário, por as multas e penalidades consistirem em sanções pecuniárias decorrentes da prática de ilícitos processuais, que são situações distintas da estrutura e do fim das custas processuais. (Elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade – cf. artigo 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil.) | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO A requereu, em 14 de Maio de 1996, contra B acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo sumaríssimo, tendo por base título executivo constituído por sentença proferida, em 18 de Março de 1996, em acção de condenação, com processo sumaríssimo, com o número 3504/94, do extinto 2º Juízo, 2ª Secção do Tribunal Judicial de Sintra, que condenou o executado no pagamento da quantia de 110.000$00 (cento e dez mil escudos)[1], acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, tendo os primeiros, à data, o valor de 31 166$70[2] e indicando à penhora os bens móveis existentes na residência do executado, sita na Rua .., Lote ……… cave, …, Loures. A penhora foi tentada, mas não se concretizou, por não terem sido encontrados bens penhoráveis (cf. auto de 20-10-2009, Ref. Elect. 1158035). Em 11 de Abril de 2011, na sequência de informação de depósito de valores (823,02 €), os autos foram remetidos à conta e em 15 de Junho de 2011 foi efectuada a liquidação do julgado, apurando-se que permanecia em dívida a quantia de 57,36 € (cf. Ref. Elect. 14321373). Por requerimento de 13 de Março de 2012, o exequente solicitou o prosseguimento da tramitação da execução, com realização de diligências junto da Segurança Social e Ministério das Finanças para apurar bens penhoráveis (pensão), sendo obtida informação de que o executado auferia uma pensão de velhice no valor mensal líquido de 181,65 € (cf. Ref. Elect. 3346337 e 3582858). Em 26 de Julho de 2012, o exequente requereu a notificação de entidade bancária para penhora de todas as importâncias em produtos e aplicações financeiras em nome do executado, o que reiterou em 25 de Setembro de 2012 (cf. Ref. Elect. 4017035 e 4270709). Em 3 de Julho de 2015, o exequente requereu que fosse ordenada a penhora dos subsídios de férias e de Natal que o executado auferisse e ainda eventual reembolso de IRS e reiterou o pedido de penhoras de quantias depositadas em conta bancárias, o que foi cumprido por notificações e ofícios de 8 de Julho de 2015, obtendo-se respostas negativas, em Julho e Agosto de 2015, quanto à existência de depósitos bancários ou valores devidos a título de reembolsos pela Autoridade Tributária (cf. Ref. Elect. 3459778, 913334335, 91335069, 91334040, 3567974 e 3811767). Em 29 de Outubro de 2015 o exequente requereu a penhora dos subsídios de férias e de Natal, dado o valor da pensão não poder ser penhorado, tendo sido notificado de que, atento o seu valor no ano de 2012, ainda que somando o valor do subsídio de férias ou Natal, continuaria a ser impenhorável (cf. Ref. Elect. 4600968 e 94133562). Por requerimento de 20 de Novembro de 2015, o exequente requereu a identificação do cônjuge do executado à data da emissão do cheque, para efeitos do disposto no art.º 726º, n.º 7 do Código de Processo Civil, o que foi indeferido por despacho de 26 de Novembro de 2015, por não ter sido alegada a comunicabilidade da dívida no requerimento executivo (cf. Ref. Elect. 4852779 e 94549436). Em 30 de Dezembro de 2015, o Centro Nacional de Pensões comunicou aos autos que o executado auferia, nessa data, uma pensão mensal no valor líquido de 384,13 €, acrescida de 32,01 € de duodécimo de subsídio de Natal (cf. Ref. Elect. 5269507). Por requerimento de 23 de Fevereiro de 2016, o exequente solicitou a notificação dos ex-cônjuges do executado para informar sobre a divisão do acervo patrimonial e qual desse acervo teria sido adjudicado ao executado, o que foi indeferido por despacho de 14 de Março de 2016 (cf. Ref. Elect. 5863362 e 97272362). O exequente formulou nova pretensão nesse sentido, em 26 de Abril de 2016, indeferida por decisão de 11 de Outubro de 2016, tendo ainda sido notificado para se pronunciar sobre a respectiva conduta processual, ponderando uma eventual sua condenação como litigante de má-fé (cf. Ref. Elect. 6576498 e 102287604). Notificado dessa decisão, o exequente formulou novo requerimento, em 19 de Outubro de 2016, insistindo na notificação da ex-mulher do executado, para apurar sobre o destino do imóvel que pertencia ao casal e pronunciou-se no sentido da sua não condenação como litigante de má-fé, tendo sido proferido despacho, em 5 de Fevereiro de 2018, que manteve o indeferimento de 11 de Outubro de 2016, nada consignando quanto à litigância de má fé (cf. Ref. Elect. 8290020 e 111291423). Em 19 de Maio de 2017, o exequente solicitou novamente a penhora do reembolso do IRS do exequente, o que foi ordenado por ofício de 4 de Julho de 2017, não tendo sido identificado nenhum valor penhorável (cf. Ref. Elect. 9884557, 107778689 e 10385249). Em 6 de Março de 2018, foi o patrono nomeado ao exequente informado, nos termos do disposto no art.º 754º do CPC, das diligências efectuadas e do motivo para a frustração da penhora e para requerer o que tivesse por conveniente, sem prejuízo do disposto no art.º 281º do CPC (cf. Ref. Elect. 111867172). Em 5 de Junho de 2018, o exequente informou que o executado se encontrava a trabalhar e solicitou a notificação da entidade patronal para indicar a remuneração e proceder à sua penhora e ainda a penhora de eventual reembolso de IRS, tendo sido informado, em 12 de Julho de 2018, que o executado nunca fez parte dos quadros da empresa indicada e, bem assim, que não aufere rendimentos desde 2015, sendo indicados pela Autoridade Tributária a existência de dois imóveis de sua titularidade (cf. Ref. Elect. 12513526, 12755751 e 12822195). Por requerimento de 19 de Outubro de 2018, o exequente requereu a penhora dos bens imóveis, o que reiterou em 5 de Fevereiro de 2019 (cf. Ref. Elect. 13336395 e 14060336). Em 2 de Abril de 2019 foi prestada informação ao exequente, dando conta das pesquisas atinentes aos imóveis e veículos automóveis, consignando que a conta de liquidação elaborada em 15 de Novembro de 2011 apurou um valor em dívida de 57,36 €, que os veículos identificados eram muito velhos, sem pagamento de IUC, estando o mais recente onerado com reserva de propriedade; e quanto aos imóveis, atenta a desproporcionalidade entre o seu valor e o valor da dívida, que não seria viável a sua penhora, pelo que deveria requerer o que tivesse por conveniente, nos termos do art.º 281º do CPC (cf. Ref. Elect. 118656241). Por requerimento de 27 de Maio de 2019, o exequente referiu que ao valor em dívida acrescem juros de mora e pediu a realização da penhora dos bens móveis pertença do executado, existentes no interior da residência (cf. Ref. Elect. 14798531). Em 11 de Junho de 2019, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de atento o princípio da proporcionalidade da penhora, não ser de deferir a pretensão do exequente, tendo sido proferida decisão que, atenta a manifesta desproporção, não admitiu a penhora requerida (cf. Ref. Elect. 119857773 e 120094343). O exequente foi notificado do teor dessa decisão e de que os autos ficavam a aguardar, sem prejuízo do disposto no art.º 281º do CPC, por expediente com certificação Citius de 25 de Junho de 2019 (cf. Ref. Elect. 120105034). Em 15 de Janeiro de 2020 a oficial de Justiça consignou a extinção da execução, nos seguintes termos (cf. Ref. Elect. 123267139): “Decorrido que se mostra o período de mais de 6 meses sem que qualquer impulso tenha sido dado ao processo e atento o disposto no artigo 281º e 277.º, alínea c), do CPC, julgo extinta a presente instância por deserção.” Notificado, o exequente, por requerimento de 28 de Janeiro de 2020, apresentou reclamação do acto do agente de execução, que foi julgada improcedente, por decisão de 7 de Fevereiro de 2020 (cf. Ref. Elect. 16251604 e 123751118). Em 9 de Abril de 2020, o exequente apresentou recurso da decisão de indeferimento da reclamação, que não foi admitido, conforme despacho de 26 de Julho de 2020, tendo reclamado para o Tribunal da Relação de Lisboa, que manteve a decisão de não admissão do recurso, por decisão singular, depois confirmada por acórdão de 8 de Outubro de 2020 (cf. Ref. Elect. 16687421 e 126134069 dos autos de execução e apenso A). Em 18 de Abril de 2021, o exequente dirigiu aos autos um requerimento para renovação dos autos de execução, por ter apurado que o executado possui bens imóveis (cf. Ref. Elect. 18628822). Em 5 de Julho de 2021 foi aposto nos autos o visto em correição (cf. Ref. Elect. 131811205). Em 1 de Dezembro de 2022 o exequente formulou novo requerimento para renovação da execução por ter tomado conhecimento da existência de bens imóveis (cf. Ref. Elect. 22288174). Em 12 de Dezembro de 2022, o exequente foi notificado de que os autos se encontravam extintos, por deserção, o que não permitia a renovação da instância, nada havendo a determinar quanto ao requerido (cf. Ref. Elect. 141356376). Em 4 de Julho de 2024 formulou novo requerimento em que afirmou não abdicar do valor em dívida e solicitou a renovação da instância, com a realização de novas pesquisas junto das bases de dados da Segurança Social, Autoridade Tributária, Conservatória do Registo Predial e Banco de Portugal para apurar a existência de bens em nome do executado, tendo sido notificado, novamente, de que a execução se encontrava extinta (cf. Ref. Elect. 25961148). Em 6 de Setembro de 2024 deduziu reclamação quanto ao teor dessa notificação, porquanto a decisão de deserção da instância não continha qualquer fundamentação, pedindo o prosseguimento dos autos (cf. Ref. Elect. 26271993). Em 11 de Setembro de 2024 foi proferido o seguinte despacho (cf. Ref. Elect. 142816816): “Os presentes autos estão extintos, atento o disposto no artigo 281º, nº5 do CPC, assim, nada tenho a ordenar. Arquive-se. DN” O exequente foi notificado desse despacho e em 25 de Outubro de 2024 apresentou novo requerimento a solicitar a penhora de um veículo automóvel, sendo novamente notificado de que a execução se encontrava extinta (cf. Ref. Elect. 26608063 e 153862800). Novamente, em 13 de Novembro de 2024, deduziu reclamação relativamente a esta notificação, requerendo o prosseguimento dos autos com a realização das diligências pertinentes (cf. Ref. Elect. 26728774). Em 21 de Novembro de 2024 foi proferida a seguinte decisão (cf. Ref. Elect. 154312330): “Compulsados os autos verifica-se que por ato praticado em 15.01.2020 foi declarada extinta a presente execução, nos termos do artigo 281º, nº5 do CPC- ref. 123267139. Apresentada reclamação do referido acto, foi a mesma julgada improcedente, cfr. Despacho datado 7.02.2020-ref. 123751118. Apesar do exequente ter interposto recurso, o mesmo foi indeferido, cfr. Ref. 12614069. O exequente reclamou de tal indeferimento, nos termos d artigo 643, do CPC, tendo o tribunal da Relação de Lisboa, mantido o decidido-apenso A. Contudo, e estando os presentes autos extintos, o exequente a praticar actos, cfr. Ref. 18628822, 22288174, 22515453, 25961148, 26271993, 26728774, 26608063. Tal atuação e pretensão, após, extinção da presente execução, e despacho a referir que os autos estão extintos, que o exequente afirma ter conhecimento, para além de extemporânea, é manifestamente improcedente, pelo que, nas circunstâncias de tempo em que foi deduzida, não pode ter tido outra finalidade que não praticar actos inúteis, que a lei proíbe, com intuitos manifestamente dilatórios, sem liquidar as custas devidas pelos incidentes que origina, uma vez que beneficia de apoio judiciário. Note-se que a presente execução está extinta desde o ano 2020 e o exequente continua a praticar actos tendo esse conhecimento e estando representado por advogado (patrono oficioso). A taxa sancionatória excecional prevista no art.º 531º do C.P.Civil destina-se a sancionar condutas da parte que, correspondem a pretensões infundadas e abusivas que não teriam sido formuladas e/ou praticados caso aquela tivesse atuado com a prudência e diligência que lhe são exigíveis, nessa medida se revelando excecionalmente censuráveis. Em face do exposto, decide-se condenar o exequente na taxa sancionatória excepcional que se fixa em 8UC. Notifique e proceda de imediato à liquidação da taxa sancionatória. DN” Inconformado com esta decisão, veio o exequente interpor o presente recurso cuja motivação conclui do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 26893895): A) O douto despacho de fls. mal andou ao indeferir as pretensões do Exequente e, mais ainda, condená-lo em taxa sancionatória; B) Reiterando-se a falta de verificação de negligência da parte; C) Que a cada momento vem requerendo as diligências e indicando os bens susceptíveis de penhora para que a mesma seja efectivada; D) A existência de uma decisão/despacho surpresa não foi precedido da audição prévia da exequente, tal como prevista no artigo 3.º, n.º 3, do CPC. - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16/05/2019 E) Além do que não bastará, pois, a fim de se justificar a aplicação de taxa sancionatória especial, concluir-se pela falta de diligência ou de negligência na prática de um acto processual manifestamente improcedente, sendo ainda necessário, perante o quadro factual existente, concluir-se pela obstaculização da realização dos fins do processo, nomeadamente a obtenção, em prazo razoável, da justa composição do litígio F) Só se justificando no caso de o acto praticado poder ser qualificado como inusitado, abusivo ou imprudente, o que manifestamente não sucede pois, independentemente da valia dos argumentos aí condensados, o que não está em causa neste recurso , o requerimento de arguição de nulidades do acórdão proferido, apresenta-se como um meio que a lei contempla e adequado de reagir à decisão proferida, não constituindo, perante o seu texto e contexto, nenhuma anomalia, nem uma atitude perversa ou abusiva. Consequentemente, não tem justificação a condenação da recorrente em taxa sancionatória excepcional, procedendo, pois, o recurso interposto. G) Decisão que periga o gozo pela parte de não poder plenamente exercer o seu direito de acesso à justiça – art.º 20º CRP H) Qual seja o de através da acção judicial fazer valer os seus direitos; I) E através da presente execução obter a satisfação do seu crédito; J) Sendo-lhe vedado lançar mão de mecanismo legal à sua disposição; K) Situação que pelo presente se pretende reverter. Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que ordene a prossecução dos autos. Não foram apresentadas contra-alegações. * II – OBJECTO DO RECURSO Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 135 Assim, perante as conclusões da alegação do exequente/recorrente há que apreciar as seguintes questões: a) A admissibilidade do recurso na parte atinente à extinção da execução; b) A nulidade da decisão recorrida; c) Os pressupostos da aplicação da taxa sancionatória excepcional. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. * III - FUNDAMENTAÇÃO 3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra. * 3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO Da aplicação da lei no tempo Conforme se retira do acima expendido, a execução a que se reportam os presentes autos foi intentada em 14 de Maio de 1996. Em 1 de Setembro de 2013 entrou em vigor o Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (cf. art.º 8º deste diploma legal). Dispõe o art.º 6º, n.º 1 da Lei 41/2013, de 26-06 que o disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo a tal lei, se aplica, com as necessárias adaptações, a todas as execuções pendentes à data da sua entrada em vigor. Tendo presente a pendência da presente execução à data da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2013 e considerando que a extinção da instância por deserção ocorreu em 15 de Janeiro de 2020 e a decisão impugnada foi proferida em 21 de Novembro de 2024, atender-se-á ao disposto naquele Código para apreciação das questões suscitadas a esse propósito. Por outro lado, atento o estatuído no art.º 7º, n.º 1 da Lei 41/2013, de 26-06, aos trâmites do recurso aplicam-se também as normas vertidas no novo Código de Processo Civil. * 3.2.1. Da admissibilidade do recurso quanto à extinção da execução O exequente/apelante veio deduzir o presente recurso relativamente à decisão proferida em 21 de Novembro de 2024 que o condenou no pagamento de uma taxa sancionatória excepcional, fixada em 8 UC, conforme decisão acima transcrita. O apelante anuncia na motivação das suas alegações de recurso que vem recorrer dessa condenação, colocando em crise os fundamentos aduzidos pelo tribunal recorrido para a fundamentar, sustentando que todos os requerimentos e diligências que solicitou eram úteis e visavam a satisfação do seu crédito, mediante a penhora de bens da titularidade do executado. No entanto, para além disso, o apelante discorre sobre os fundamentos da deserção da instância executiva determinada em 15 de Janeiro de 2020, argumentando que não basta o mero decurso de seis meses para se considerar verificada a negligência das partes e que justifica a aplicação do disposto no art.º 281º do CPC, não tendo aquele acto sido fundamentado. Já em sede de conclusões, o recorrente torna a sustentar que não ocorreu negligência da parte (conclusões B) e C)) e conclui no sentido da prossecução dos autos. Não sendo precisamente claro que o recorrente pretenda impugnar a extinção ocorrida em 15 de Janeiro de 2020 ou apenas que os autos prossigam independentemente daquela, importa rejeitar, desde já, a admissibilidade do recurso na parte em que aquele pretenda colocar em crise a extinção da execução por deserção, seja porque de tal decisão não caberia recurso, seja porque sempre seria extemporâneo. É sabido que a possibilidade de um Tribunal superior se debruçar sobre o objecto do recurso depende da verificação de determinados requisitos formais, designadamente, o que decorre do valor do processo ou valor da sucumbência e a alçada dos tribunais de 1ª instância e da Relação. Em princípio a parte vencida apenas poderá recorrer da decisão se o valor do respectivo processo exceder a alçada do tribunal que a proferiu e, além disso, se o seu decaimento for em medida que exceda metade dessa alçada – cf. art.º 629º, n.º 1 do CPC. Como decorre do relatório supra, o valor da presente execução estava fixado em 706,63 € e após o depósito realizado e liquidação do julgado, ficou em dívida, em 11 de Abril de 2011, apenas, a quantia de 57,36 €, pelo que, mesmo admitindo o vencimento de juros de mora[3], o valor quer da execução, quer da sucumbência do recorrente seria sempre inferior a metade da alçada do tribunal da 1ª instância, que é de 5 000,00 € – cf. art.º 44º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário). Porque a recorribilidade da decisão de extinção não encontra acolhimento em qualquer uma das excepções que contemplam a admissibilidade de recursos fora da regra geral mencionada, previstas nos n.ºs 2 e 3 do art.º 629 do CPC, sempre se teria de concluir, pela irrecorribilidade da decisão, ocorrendo, como tal, uma circunstância obstativa do conhecimento do mérito do recurso. Além disso, tendo o recorrente sido notificado desse acto do oficial de justiça, tendo dele reclamado, reclamação que foi indeferida e sustentada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, é evidente que um eventual recurso seria extemporâneo - cf. art.ºs 853º e 638º do CPC. * 3.2.2. Da nulidade da decisão recorrida – decisão surpresa O apelante vem sustentar que a decisão ora colocada em crise constitui uma decisão surpresa, pois que não foi precedida da sua audição prévia, conforme impunha o art.º 3º, n.º 3 do CPC, o que constitui causa de nulidade. Aquando da admissão do recurso, em 12 de Dezembro de 2024, a senhora juíza a quo consignou não vislumbrar a existência de nulidades[4]. Na sequência dos múltiplos requerimentos dirigidos pelo exequente aos autos quer posteriormente à liquidação do julgado, ocorrida em Junho de 2011, quer já depois da extinção da execução por deserção, constatada em 15 de Janeiro de 2020 e perante a sua insistência em obter a realização de diligências de penhora, reiteradamente indeferidas (designadamente no que concerne aos bens imóveis, relativamente aos quais foi decidido, por decisão transitada em julgado, de Janeiro de 2019, que uma tal penhora não era admissível por manifestamente desproporcional ao valor da quantia em dívida), em 21 de Novembro de 2024 veio a ser proferida a decisão ora sob recurso, que condenou o recorrente no pagamento de taxa sancionatória excepcional. Não obstante as diversas notificações que foram dirigidas ao exequente na sequência dos seus requerimentos para realização de penhora, sobremaneira as que ocorreram após a extinção da execução, que, apesar desta, continuaram a existir, certo é que em nenhuma delas[5] o exequente foi convidado a se pronunciar sobre uma eventual aplicação de taxa sancionatória excepcional. A arguição da nulidade processual deve ter lugar na própria instância em que é cometida e no prazo geral do art.º 149º, n.º 1 do CPC. É sabido que “a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou a autorizar a prática ou a omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente.” – cf. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, Coimbra 1945, pág. 507. No caso em apreço, o recorrente insurge-se contra a decisão proferida em 21 de Novembro de 2024, que aplicou a mencionada taxa, por entender que não foi observado o princípio do contraditório, dado que não lhe foi concedida a oportunidade de se pronunciar sobre essa questão antes da pronúncia do tribunal recorrido, pelo que considera ter sido violado o exercício do contraditório. O art.º 3º, n.º 3 do CPC consagra de modo amplo o princípio do contraditório, enquanto princípio geral enformador do processo civil, que se impõe em todas as fases processuais, impedindo que sejam tomadas decisões à revelia de algum dos interessados ou que as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas ou surpreendentes, por não terem sido objecto de qualquer discussão. Na verdade, o princípio do contraditório, que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, implica, nos termos do estipulado pelo artigo 3º, n.º 1 do CPC, que “o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”, por não lhe ser lícito, tal com expressamente consignado no n.º 3 desse normativo legal, “salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. Do princípio do contraditório decorre a regra fundamental da proibição da indefesa, em função da qual nenhuma decisão, mesmo interlocutória, deve ser tomada, pelo tribunal, sem que, previamente, tenha sido dada às partes ampla e efectiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar. Assim, “antes de decidir, o juiz deve facultar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a matéria, o que poderá evitar decisões precipitadas ou, no mínimo, decisões que surjam contra a corrente do processo ou contra as expectativas que legitimamente foram criadas pelas partes quanto à sua evolução no sentido da prolação de uma decisão de mérito […] Confrontado com uma decisão que tenha sido proferida com desrespeito pelo princípio do contraditório (v. g. quando se trate de uma verdadeira decisão-surpresa[6]), a sua impugnação deve ser feita através da interposição de recurso, se e quando este for admissível, ou mediante a arguição da nulidade da decisão, nos demais casos” – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, pp. 20-21. Ora, a argumentação do recorrente assenta, precisamente, na falta de observância do princípio do contraditório por via da não concessão de oportunidade para se pronunciar sobre a aplicabilidade da taxa sancionatória excepcional. A decisão proferida pelo Tribunal recorrido, ao apreciar a aplicação de tal sanção, similar à decorrente da verificação de litigância de má-fé e que afecta os direitos processuais da parte e os ulteriores termos do processo, fê-lo sem ter, previamente à sua prolação, permitido ao exequente o exercício de eventual pronúncia sobre a questão suscitada pelo Tribunal, pelo que, por essa razão, tal decisão, não precedida de qualquer anúncio às partes sobre o conhecimento da questão, consubstancia uma “decisão-surpresa”. O exercício do contraditório está abrangido pelo direito à tutela jurisdicional efectiva, enquanto direito fundamental, constitucionalmente consagrado no art.ºs 20.º da Constituição da República Portuguesa e pelo direito a um processo equitativo (cf. n.º 4), o que implica um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras – cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Volume I, 2ª edição revista, pp. 322-324. Constata-se, pois, que, no caso em apreço, a decisão recorrida preteriu o contraditório exigível decorrente do disposto nos n.ºs. 3 e 4 do art.º 3.º do CPC. O exequente – afectado com a decisão proferida –, tinha o direito de pronúncia prévia sobre a aplicação visada pelo Tribunal recorrido, o que não lhe foi proporcionado previamente à decisão. O Tribunal Constitucional já teve ocasião de, sobre a aplicação da sanção prevista no art.º 531º do CPC, julgar inconstitucional a norma contida em tal normativo legal, na interpretação segundo a qual a decisão que condene uma parte em taxa sancionatória excepcional não tem de ser precedida da audição da parte interessada, conforme acórdão 652/2017, proferido no processo n.º 251/2017, em 11-10-2017[7], referindo: “Nesta matéria – e recordando que as regras atinentes à aplicação de uma taxa sancionatória excecional têm natureza análoga à das normas que regulam a litigância de má fé –, é possível convocar jurisprudência do Tribunal que, concretizando o direito de defesa e de contraditório contidos no direito a um processo equitativo consagrado no artigo 20.º da CRP, tem concluído de um modo uniforme que a decisão que aplica aquela sanção processual pressupõe a prévia audição do interessado em termos de este poder alegar o que tiver por conveniente quanto à condenação prevista como possível. […] A este propósito, sintetizou-se no Acórdão n.º 357/98 o seguinte: “[…]‘Definido, assim, o conteúdo genérico do direito fundamental de acesso aos tribunais, que leva implicada a proibição da indefesa, tem-se por seguro que o regime instituído nas normas do artigo 456º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, quando interpretadas no sentido de a condenação em multa por litigância de má fé não pressupor a prévia audição do interessado em termos de este poder alegar o que tiver por conveniente sobre uma anunciada e previsível condenação, padecerá de inconstitucionalidade, por ofensa daquele princípio constitucional. Com efeito, semelhante interpretação priva por completo o interessado de poder apresentar perante o tribunal qualquer tipo de defesa, acabando por ser confrontado com uma decisão condenatória cujos fundamentos de facto e de direito não teve oportunidade de contraditar. [..] mostra-se possível e adequada uma interpretação de conformidade constitucional daquelas normas, em termos de condicionar o juízo de condenação ali previsto à prévia notificação do litigante suspeitado de má fé processual, concedendo-lhe um prazo para nos autos responder o que tiver por conveniente. […] A argumentação acabada de expor transpõe-se, sem dificuldade, para o regime da condenação em taxa sancionatória excecional, cuja natureza é – para efeitos de garantia do contraditório – equiparável à da sanção prevista em caso de litigância de má fé. Ali, como aqui, não é constitucionalmente aceitável que uma decisão prejudicial para a parte, que consiste na aplicação de uma sanção prevista como consequência de uma conduta processual censurável, possa ser tomada sem que o seu destinatário tenha a possibilidade de ser ouvido quanto à mesma, direito processual que corresponde à esfera última e irredutível do contraditório, garantia inscrita no direito a um processo equitativo consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da CRP.” Estando em causa uma decisão que pressupõe o conhecimento do vício – falta de notificação à parte para se pronunciar sobre a aplicação da taxa sancionatória excepcional -, a questão suscitada pelo recorrente deixa de ser regulada pelo regime das nulidades processuais para seguir o regime do erro de julgamento, por a infracção praticada passar a estar coberta pela decisão, ao menos de modo implícito – cf. neste sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, pp. 384-385. Trata-se de uma situação em que o acto proibido é praticado ou o acto obrigatório é omitido e, depois dessa prática, é proferida uma decisão. Nesta situação, há uma nulidade processual e uma decisão judicial. Nesses casos, como refere o Professor Miguel Teixeira de Sousa[8], o que importa considerar é a consequência da nulidade processual na decisão posterior. O objecto do recurso é sempre uma decisão impugnada. “Portanto, ou há vícios da própria decisão recorrida -- hipótese em que o recurso é procedente -- ou não há vícios da decisão impugnada -- situação em que o recurso é improcedente. O tribunal de recurso não pode conhecer isoladamente de nulidades processuais, mas apenas de decisões que dispensam actos obrigatórios ou que impõem a realização de actos proibidos e das consequências noutras decisões da eventual ilegalidade da dispensa ou da realização do acto. É, aliás, porque o objecto do recurso é sempre a decisão impugnada e porque o tribunal ad quem só pode conhecer desse objecto que se deve entender que uma decisão-surpresa é nula por excesso de pronúncia.” Nesses casos, a nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve comunica-se ao despacho ou decisão proferidos, pelo que a reacção da parte vencida passa pela interposição de recurso dessa decisão em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615º, n.º 1, al. d), in fine, do CPC – cf. neste sentido, Professor Miguel Teixeira de Sousa, Blog do IPPC, 29-11-2016, Jurisprudência (496) Decisão-surpresa; nulidade; investigação da paternidade; caducidade[9] cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-2021, 4260/15.4T8FNC-E.L1.S1; de 13-10-2020, 392/14.4.T8CHV-A.G1.S1; 23-06-2016, 1937/15.8T8BCL.S1; de 6-12-2016, processo n.º 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2 e de 22-02-2017, processo n.º 5384/15.3T8GMR.G1.S1[10]. Em conformidade com o expendido, há que reconhecer a nulidade da decisão proferida. A confirmação da nulidade da decisão arguida pelo recorrente não determina, de modo imediato, o reenvio do processo para o tribunal recorrido. Com efeito, do art.º 665º do CPC resulta que se deve prosseguir com a apreciação das demais questões que tenham sido suscitadas, conhecendo-se do mérito da apelação, salvo se não dispuser dos elementos necessários (cf. n.º 2). Uma vez que a decisão recorrida afecta, nos seus efeitos, apenas o exequente/recorrente e porque este teve já oportunidade de expender toda a sua argumentação e razões para concluir pela não verificação dos pressupostos de que depende a aplicação da taxa sancionatória excepcional, mostra-se cumprido o dever de audição da parte, não se justificando, em concreto, o cumprimento do disposto no n.º 3 do art.º 665º do CPC, pelo que se passa a apreciar o mérito do recurso. * 3.2.3. Os pressupostos da aplicação da taxa sancionatória excepcional A decisão recorrida condenou o exequente numa taxa sancionatória excepcional de 8 UC com a seguinte ordem de fundamentos: i. A execução foi declarada extinta em 15 de Janeiro de 2020; ii. O exequente reclamou desse acto, que foi confirmado pela 1ª instância e pelo Tribunal da Relação de Lisboa; iii. Apesar disso, continua a praticar actos na execução extinta, mesmo após a prolação e notificação de despachos que referem estarem os autos extintos, pelo que o pedido de realização de penhoras é inútil, dilatório, infundado e abusivo e trata-se de actuação que não teria lugar se agisse com a prudência e diligência que lhe são exigíveis. Nas suas alegações, o apelante contrapõe: -> Não praticou actos dilatórios porque apenas quer ver assegurado o seu direito de modo célere; -> Todas as diligências requeridas visam alcançar um meio de satisfazer o seu crédito, mediante a penhora de bens do executado; -> A deserção da instância não obsta a que o exequente requeira a realização de pesquisas actualizadas; -> O exequente beneficia de isenção do pagamento de taxa de justiça, pelo que a condenação naquela taxa sancionatória é arbitrária; -> A decisão atenta contra o princípio de acesso ao direito, previsto no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa. Em primeiro lugar, como várias vezes foi comunicado ao exequente desde o acto praticado em 15 de Janeiro de 2020, a presente execução foi declarada extinta por deserção. O acto do agente de execução (cargo desempenhado pelo oficial de justiça) foi objecto de reclamação, que foi indeferida, sendo interposto recurso, também não admitido, tendo-se formado caso julgado formal no processo – cf. art.º 620º, n.º 1 do CPC - o caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material (que se constitui sobre uma sentença ou despacho saneador que aprecie o mérito da causa), restringe-se às decisões que apreciem unicamente matéria de direito adjectivo ou processual (como aquelas que se pronunciam sobre excepções dilatórias), não dispondo sobre os bens ou direitos litigados. Pressupondo também a preclusão dos recursos ordinários ou da reclamação (o trânsito em julgado da decisão), o critério da distinção do caso julgado formal face ao material assenta no âmbito da sua eficácia ou valor: o caso julgado formal só tem força obrigatória dentro do próprio processo em que a decisão é proferida, obstando a que o juiz possa, na mesma acção, alterá-la, mas não impedindo que, noutra acção, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo tribunal, ou por outro, entretanto, chamado a apreciar a causa. Estabilizada a declaração de extinção da instância executiva por deserção, esta passa a ter força obrigatória dentro do processo, não podendo ser desvirtuada ou contrariada por decisão ulterior sobre a mesma questão, o que, a suceder, determina a desconsideração da segunda decisão. Tal como foi sendo transmitido ao autor perante os sucessivos indeferimentos dos seus requerimentos para realização de diligência de penhora, posteriores ao trânsito em julgado da decisão que não admitiu a reclamação incidente sobre o acto de extinção da execução, esta está extinta. Em segundo lugar, ao contrário do que parece sustentar o exequente, a extinção por deserção – ou seja, por ocorrência de uma causa geral de extinção da instância (cf. art.ºs 277º e 281º, n.º 5 do CPC) - não viabiliza a renovação da instância prevista no art.º 850º do CPC. Com efeito, depois de extinta, a instância executiva pode renovar-se por uma de quatro causas: 1) Por iniciativa do exequente, para cobrança coerciva de prestações vincendas (com base em título de trato sucessivo) – cf. n.º 1; 2) Ou para efectivação de nova penhora (logo, em princípio, não para a mesma penhora já frustrada[11]), nas situações referenciadas nas alíneas c), d) e e) do n.º 1 d art.º 849º – cf. n.º 5; 3) Por iniciativa de um credor, que pretenda prosseguir com a execução (n.ºs 2 a 4); 4) Por iniciativa do executado revel, que requeira a anulação da execução, por algum dos fundamentos previstos no art.º 696º, e) do CPC (n.ºs 1 e 3). Como resulta claramente do relatório supra, não se configura nos autos nenhuma das mencionadas situações. Na verdade, após a extinção da instância, o exequente veio solicitar a renovação dos autos de execução em quatro ocasiões – 18 de Abril de 2021, 1 de Dezembro de 2022, 4 de Julho e 25 de Outubro de 2024 – indicando ter apurado a existência de bens imóveis, solicitando a realização de novas pesquisas e, por fim, requerendo a penhora de um veículo automóvel, sendo certo que já fora constatada nos autos a inexistência de bens móveis penhoráveis, a antiguidade e ausência de valor dos veículos automóveis identificados e a desproporcionalidade das diligências de penhora, designadamente sobre bens imóveis, face ao valor da quantia ainda em dívida, tudo vertido em despacho de Junho de 2019, notificado ao exequente e transitado em julgado. Assim, contrariamente ao que o apelante pretende sustentar, nenhum dos requerimentos que dirigiu aos autos após a extinção da instância executiva se traduziu na identificação concreta de bens do executado, diversos daqueles sobre os quais recaiu decisão judicial quanto à penhora já anteriormente requerida, pelo que nenhuma utilidade revestem tais requerimentos para alcançar a renovação da instância executiva (aliás, extinta por deserção e não por inutilidade ou falta de indicação de bens à penhora, conforme decorre do n.º 5 do art.º 850º do CPC, que remete para as alíneas c), d) e e) do n.º 1 do art.º 849º do mesmo diploma legal). Em terceiro lugar, a insistência do exequente na formulação de requerimentos, após a extinção da instância por deserção, num quadro factual em que não colhe aplicação o disposto no art.º 850º do CPC, têm de se considerar manifestamente infundados, pela singela razão de se estar perante uma execução extinta, pelo que tal comportamento processual não pode deixar de ser considerado imprudente, negligente, abusivo, visando uma pretensão manifesta e flagrantemente improcedente, quando é certo que a parte está representada por advogado e, por essa razão, não pode invocar desconhecimento das regras processuais aplicáveis e menos ainda do estado dos autos, onde, inclusive, foi aposto visto em correição em 5 de Julho de 2021. Estatui o art.º 531º do CPC que “Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.” A taxa sancionatória é fixada pelo juiz entre 2 UC e 15 UC, conforme o disposto no art.º 10º do Regulamento das Custas Processuais[12]. A finalidade desta taxa sancionatória excepcional é a de contribuir para a economia processual e celeridade da justiça, instituindo “um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, «bloqueiam» os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados. Para estes casos, o juiz do processo poderá fixar uma taxa sancionatória especial, com carácter penalizador” – cf. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro. Com este instituto visa-se sobretudo evitar a prática de actos inúteis, impedindo que o tribunal se debruce sobre questões que se sabe de antemão serem insusceptíveis de conduzir ao resultado pretendido ou, por serem jurídico-processualmente infrutíferas, não poderem produzir qualquer efeito processual útil, para além do exacto facto de desencadearem o mecanismo da taxa sancionatória excepcional. Pretende-se combater os abusos e a litigância frívola que não constituam má-fé processual ou, como refere Salvador da Costa, “penalizar o uso manifestamente desnecessário do processo, pelas partes, em quadro de falta de prudência ou diligência, censurável do ponto de vista ético-jurídico” – cf. As Custas Processuais – Análise e Comentário, 7ª Edição, pág. 25. Apesar das divergências sobre a natureza jurídica desta taxa, tem-se considerado, atenta a sua estrutura e fim, tratar-se de uma sanção com a natureza de penalidade, próxima da que decorre da litigância de má fé, onde sobressai a censurabilidade da actuação processual da parte. A aplicação da taxa sancionatória excepcional depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: - ser a pretensão manifestamente improcedente; e - não ter a parte agido com a prudência ou diligência devidas – cf. Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Volume I – “A letra da lei não faz depender a estatuição da norma de qualquer outro elemento, pelo que a excepcionalidade referida se resolve na verificação destes dois pressupostos.” Esta tributação excepcional abrange incidentes, no seu sentido lato, bem como a própria propositura da acção, contestação, entre outros, ou seja, qualquer requerimento, ainda que não origine uma tramitação incidental – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pág. 431. É necessário que se verifique uma manifesta imprudência, que o acto seja resultado exclusivo de falta de prudência ou diligência, pretendendo-se penalizar o uso indevido do processo, nomeadamente, com expedientes meramente dilatórios. Na análise da censurabilidade das partes na formulação das pretensões, o juiz deve atender ao quadro factual que os autos fornecem, às normas jurídicas aplicáveis e às várias soluções plausíveis das questões de direito, tendo em conta que importa sempre distinguir aquilo que constitui uma «defesa enérgica» dos interesses das partes e o uso desviante e perverso dos meios processuais, de modo a evitar o coarctar das partes do exercício do seu direito de defesa – cf. neste sentido, Salvador da Costa, op. cit., pág. 27; acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6-06-2024, 68/23.1PFMTS.P1.S1, de 26-06-2019, 566/12.2PCCBR.C2.S1, de 22-02-2022, 103/06.8TBMNC-E.G1.S1 e de 18-12-2019, 136/13.8JDLSB.L2-A.S1 – “[…] somente em situações excepcionais em que o sujeito aja de forma patológica no desenrolar normal da instância, ao tentar contrariar ostensivamente a legalidade da sua marcha ou a eficácia da decisão praticando acto processual manifestamente improcedente é que se justifica a aplicação da taxa sancionatória – por isso chamada – excepcional. O sujeito processual que não tenha agido com a prudência ou diligência devida é o que agiu contra disposição de lei expressa ou sem fundamento legal de forma imperceptível na sua pretensão, ou actuando com fins meramente dilatórios”; do Tribunal da Relação de Lisboa de 9-09-2022, 1356/12.8TBPDL-O.L1-1. Acresce que à criação desta sanção não estranhas razões de celeridade processual e bem assim de gestão útil dos fundos postos ao serviço da justiça e suportados por todos os cidadãos contribuintes para as receitas fiscais. Por essa razão, a utilização e gestão desses recursos não se compatibiliza com uma patente falta de prudência na prática de actos processuais cuja falta de utilidade é manifesta, o que incrementa o custo do serviço prestado e o atraso na aplicação da justiça. A leitura do relatório supra não deixa margem para dúvidas que o exequente agiu sem a prudência ou diligência devidas, dirigindo ao processo sucessivos requerimentos para obtenção de penhora sobre bens relativamente aos quais já havia sido emitida pronúncia judicial, tendo, aliás, sido reconhecida a desproporcionalidade na sua efectivação face à quantia exequenda e, mais do que isso, após a extinção da instância executiva, já transitada em julgado. Os autos espelham, à evidência, o descomedimento processual a que o recorrente se tem dedicado sem cessar, respaldado no apoio judiciário que lhe foi concedido e pela intervenção activa do patrono oficioso que lhe foi nomeado, sendo múltiplos os requerimentos e pretensões apresentados, todos com o mesmo denominador comum: a total e absoluta falta de cabimento e suporte legal para cada um deles, face a anteriores decisões que os já haviam indeferido e, sobremaneira, perante a extinção da execução, ocorrida em 15 de Janeiro de 2020. Trata-se de evidente abuso do direito de acção, exercido à revelia e contra as regras processuais que deveria observar, sendo exactamente para obstar a este tipo de litigância anómala que se encontra prevista a taxa de justiça sancionatória excepcional, “que visa desincentivar a utilização de expedientes processuais sem nenhum tipo de critério, nem razoabilidade mínima, obrigando o sistema judicial a gastar inutilmente o seu tempo e os seus meios com uma actividade completamente contraproducente e adversa ao respeito pelos comandos legais a que seria suposto encontrar-se estritamente vinculada” – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-02-2022, 103/06.8TBMNC-E.G1.S1. O recorrente, mesmo pretendendo obter o pagamento da quantia em dívida (que, ainda que contabilizados os juros moratórios « entretanto vencidos, nunca ultrapassaria os cem euros), obrigou à mobilização de meios materiais e humanos que agravaram, escusadamente, os custos do processo, agindo consciente de que tais custos não lhe serão imputados, pois goza de benefício de apoio judiciário. É, assim, absolutamente justificada a aplicação da taxa sancionatória excepcional que a decisão recorrida determinou. No que diz respeito ao montante da taxa fixado pela 1º instância, cumpre notar que, face à moldura da taxa sancionatória (2 a 15 UC), há que ponderar na sua graduação o grau de convicção normal da manifesta improcedência da pretensão formulada pela parte, conforme as circunstâncias do caso. Perante o anteriormente expendido, ocorrido o término dos autos em Janeiro de 2020, prosseguindo o exequente com sucessivos requerimentos para penhora de bens, já anteriormente indicados nos autos e relativamente aos quais se considerou desproporcional a sua efectivação e considerando que na aplicação de penalidades se deve ter em atenção a situação económica do agente e a repercussão da condenação no seu património - que, porém, no caso concreto, não é conhecida -, mas atendendo ao que se extrai dos autos quanto à alegada justificação para continuar a pretender cobrar 57,36 €, justifica-se a sua fixação ligeiramente abaixo do meio da moldura sancionatória, pelo que, alterando nesta parte a decisão recorrida, se fixa a taxa sancionatória excepcional em 6 UC. Atenta a conduta processual do recorrente, que não se deveu, seguramente, a ignorância da lei, estando, como está, patrocinado por patrono oficioso, obrigado a conhecer que se verificara a extinção da execução e a inutilidade da insistência na realização de actos de penhora já anteriormente apreciados, é manifesto que não se mostra violado o direito ao acesso aos tribunais, consagrado no art.º 20º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Por fim, cabe apenas referir que, atento o estatuído no art.º 28º, n.º 4 do RCP, a taxa sancionatória excepcional é devida pelo recorrente, ainda que este goze do benefício do apoio judiciário, por as multas e penalidades consistirem em sanções pecuniárias decorrentes da prática de ilícitos processuais, logo, situações distintas da estrutura e do fim das custas processuais – cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça 6-06-2024, 68/23.1PFMTS.P1.S1; do Tribunal Constitucional de 7-12-2023, Nº 856/2023 (processo n.º 1007/2023) e do Tribunal Central Administrativo Sul de 28-05-2020, 2073/16.5BELSB-A. Procede parcialmente a apelação. * Das Custas De acordo com o disposto no art.º 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do RCP, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria. A pretensão que o apelante trouxe a juízo merece parcial provimento. Dado que o executado não influenciou a decisão recorrida nem a decisão deste recurso, não pode ser considerado vencido para os efeitos previstos no art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC. Por sua vez, quem do recurso tirou proveito e, por isso, seria responsável pelo pagamento das respectivas custas, seria o recorrente. No entanto, o apelante litiga com benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo. Nestas circunstâncias, não há sequer lugar a elaboração de conta de custas, nos termos do art.º 29º, n.º 1, a) do RCP, o que sucede pelo facto de a parte vencida beneficiária do apoio judiciário na mencionada modalidade não poder ser condenada no pagamento de custas (taxa de justiça, encargos e custas de parte). Como tal, não há lugar ao pagamento de custas. * IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência: a) Alterar a decisão recorrida e condenar o exequente/apelante no pagamento de taxa sancionatória excepcional, que se fixa no montante equivalente a 6 (seis) UC. Sem custas. * Lisboa, 18 de Fevereiro de 2025[13] Micaela Marisa da Silva Sousa Ana Rodrigues da Silva Ana Mónica Mendonça Pavão _______________________________________________________ [1] Equivalente a 548,68 € (1 euro é igual a 200,482 escudos portugueses) – cf. DL n.º 323/2001, de 17 de Dezembro e Regulamento (CE) N.º 2866/98 do Conselho, de 31 de Dezembro de 1998. [2] 157,95 euros. [3] Que ascenderiam actualmente a 31,75 €, conforme cálculo efectuado com auxílio de ferramenta disponível em https://www.calculodejuros.pt/juros-civis.aspx. [4] Cf. Ref. Elect. 154737138. [5] Apenas com a notificação do indeferimento, pela segunda vez, da sua pretensão para obter a notificação dos ex-cônjuges do executado com vista a informarem sobre os termos em que teria sido realizada a divisão do património comum, foi o exequente convidado a se pronunciar sobre a sua conduta processual e eventual condenação como litigante de má-fé, o que este fez, por requerimento de 19 de Outubro de 2016, vindo a ser proferida nova decisão de indeferimento, mas sem qualquer pronúncia sobre a litigância de má-fé. [6] A decisão-surpresa que a lei pretende afastar é aquela que revela uma solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, ou seja, não podem ser confrontadas com decisões com que não poderiam contar, o que não abrange os fundamentos utilizados pelo tribunal para fundamentar decisões que eram previsíveis ou que as partes devessem esperar ou admitir como possíveis. Assim, a decisão-surpresa não se confunde com “a suposição que as partes possam ter concebido quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter realizado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ter ou tiveram em conta” – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2018, processo n.º 177/15.0T8CPV-A.P1.S1. [7] Acessível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20170652.html. [8] Blog do IPPC, 28/01/2019 Jurisprudência 2018 (163) acessível em https://blogippc.blogspot.com/2019/01/jurisprudencia-2018-163.html. [9] Acessível em https://blogippc.blogspot.com/2016/11/jurisprudencia-496_29.html. [10] Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem. [11] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-11-2020, 559/10.4TBCSC.L2-2. [12] Adiante designado pela sigla RCP. [13] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página. |