Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | NUNO LOPES RIBEIRO | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO RENOVAÇÃO POR UM ANO CADUCIDADE NORMAS TRANSITÓRIAS COVID | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/21/2023 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. A oposição entre os fundamentos e a decisão que determina a nulidade da decisão consubstancia um vício real de raciocínio do julgador, que se traduz no facto de a fundamentação se mostrar incongruente com a decisão, que dela deve logicamente decorrer. II. A limitação temporal mínima de três anos, do período de duração do contrato de arrendamento, após a sua renovação (constante do artigo 1096º, nº 1 do Código Civil, na redacção resultante da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro), não assume natureza imperativa, podendo, por isso, ser reduzido esse período até um ano, por acordo das partes. III. O artigo 8º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março (na versão resultante da Lei n.º 75-A/2020, de 30 de Dezembro de 2020), determinou que a produção de efeitos da oposição à renovação de contratos de arrendamento por parte do senhorio ficaria suspensa até 30/06/2021, pelo que apenas a partir dessa data se verifica a caducidade do contrato de arrendamento. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa I. O relatório E, Lda. interpôs a presente acção comum, contra M, peticionando: NESTES TERMOS e nos demais de direito, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência, que o contrato de arrendamento sob o imóvel sito urbano sito na …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o Artigo …, correspondente à fração "C", a que se referem os autos, seja resolvido e a Ré condenada a despejar, de imediato, o referido imóvel e entrega-lo à Autora completamente livre e devoluto de pessoas e bens, com custas a cargo da Ré. Alegando, em síntese, ser dona e legítima proprietária do imóvel identificado, dado arrendamento à Ré através de contrato de arrendamento com prazo certo, com início a 1/2/2014, e que comunicou à Ré, em 15/5/2019 a oposição à renovação automática, tendo o contrato terminado os seus efeitos em 1 de Fevereiro de 2020 sem que a Ré tenha entregue o locado. A Ré, citada, veio aceitar o alegado nos três primeiros artigos da petição inicial, impugnando a restante factualidade e excepcionando que, por desconhecimento da língua portuguesa, julgava que o contrato de arrendamento tinha a duração de cinco anos, o incumprimento da forma legal para a dedução da oposição à renovação e a imperatividade da renovação do contrato por 3 anos, concluindo no sentido da absolvição do pedido. Mais invocou a ré diversa legislação, relativa à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, de que resultará a suspensão da presente acção e dos efeitos da oposição à renovação do contrato invocada. Convidada a tanto, a autora respondeu, propugnando pela improcedência das excepções deduzidas. Por despacho de 2/7/2021, foi indeferida a pretendida suspensão dos autos. Realizada audiência final, foi proferida sentença, em 16/9/2023, com o seguinte dispositivo: Em razão do exposto julgo a acção improcedente e em consequência: a) Absolvo a Ré do pedido formulado pela Autora; b) Condeno a Autora no pagamento das custas. * Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso de apelação interposto da sentença que julgou improcedente a acção de despejo interposta pela Recorrente e absolveu a Requerida. 2. A sentença recorrida é nula: ocorre ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível (vide alínea c) do n.º 1 do artigo 61 5.º do Código de Processo Civil. 3. Estão assentes e provados os seguintes factos, absolutamente essenciais, para a boa decisão da causa: a. O contrato de arrendamento iniciou-se a 1 de Fevereiro de 2014. b. O contrato de arrendamento tinha um prazo de 1 (um) ano, renovável automaticamente pelo mesmo período. c. A 15 de Maio de 2019 a Autora comunicou à Ré a oposição à renovação do contrato. d. Assim, o contrato não se renovaria a partir de 1 de Fevereiro de 2020. 4. O tribunal a quo, no que à fundamentação de Direito diz respeito, limita-se a alegar e transcrever o disposto nos artigos 1096.º e 1097.º do Código Civil. 5. Mas, na subsumpção da matéria de Direito aos factos, acaba por concluir o seguinte: “O contrato teve início em 1 Fevereiro de 2014 e foi-se sucessivamente renovando por iguais períodos. O citado artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na sua actual redacção, norma invocada peia Ré na contestação e com aplicação ao contrato em lide, e salvo nas situações que as partes convencionaram a não renovação, é norma imperativa quanto ao período mínimo de renovação automática de três anos, e assim aplicável no caso contrato, cujo prazo inicial era de um ano. Com esta nova redacção da lei aplicável ao contrato, este, no momento da comunicação da oposição à renovação, estaria em vigor até 1 de Fevereiro de 2022. peio que desta forma a citada comunicação de oposição à renovação não produziu os efeitos pretendidos peia Autora, que comunicava que essa oposição produziria efeitos em 1 de Fevereiro de 2020. Sendo assim a comunicação de oposição ineficaz, inexistia obrigação de entrega do locado peia Ré na referida data de 1 de Fevereiro de 2020." 6. Entende a Recorrente que tal conclusão só pode advir de um erro de cálculo ou estamos perante uma errada aplicação da norma ao caso concreto. 7. Entendeu o tribunal a quo que “O citado artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, (...) e salvo nas situações que as partes convencionaram a não renovação, é norma imperativa quanto ao período mínimo de renovação automática de três anos, e assim aplicável no caso contrato, cujo prazo iniciai era de um ano.’’ 8. O n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil dispõe o seguinte: “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.’’ 9. Não estamos perante uma norma imperativa: a mesma pode ser afastada pelas partes se existir estipulação em sentido contrário. 10. E dúvidas não há de que tal foi a vontade das partes - é o segundo facto dado como provado na sentença recorrida. 11. Atente-se, a propósito. ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 17-03-2022 (processo n.º 8851/21.6T8LRS.L1-6): “A limitação temporal mínima de três anos, do período de duração do contrato de arrendamento, após a sua renovação (constante do artigo 1096.º, nº 1 do Código Civil, na redacção resultante da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro), não assume natureza imperativa, podendo, por isso, ser reduzido esse período até um ano, por acordo das partes.” 12. É, assim, ponto assente que o contrato em apreço tem o prazo de 1 (um) ano, automaticamente renovável pelo mesmo período. 13. Também não há lugar à aplicação do n.º 3 do artigo 1097.º do Código Civil, que determina que: “A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.” 14. Não estamos perante a primeira renovação do contrato (que ocorreu a 01-02-2015), e, à data da comunicação de oposição à renovação do contrato, o contrato já decorria há cinco anos. 15. propósito do legislador é garantir ao arrendatário com fins habitacionais a segurança da manutenção do contrato pelo período mínimo de três anos - período que já tinha decorrido. 16. que manifestamente se traduz num erro de cálculo é o facto de o tribunal a quo concluir que “(...) no momento da comunicação da oposição à renovação, estaria (o contrato) em vigor até 1 de Fevereiro de 2022, peio que desta forma a citada comunicação de oposição à renovação não produziu os efeitos pretendidos peia Autora, que comunicava que essa oposição produziria efeitos em 1 de Fevereiro de 2020." 17. O julgador baseou-se na noção da imperatividade do prazo de 3 (três) anos do contrato de arrendamento. 18. Não concordando com este entendimento - como supra já exposto - ainda que assim fosse, o que por mera exposição se alvitra, a comunicação de oposição à renovação seria sempre atempada, produzindo os seus efeitos na data pretendida pela Autora. 19. Seguindo o entendimento do tribunal a quo, o contrato de arrendamento renovar-se-ia sempre por períodos de três anos. 20. É facto dado como provado que o contrato de arrendamento foi celebrado a 1 de Fevereiro de 2014. 21. Assim o contrato ter-se-ia renovando sucessivamente, por períodos de três anos, a saber: a. 1.a renovação: 1 de Fevereiro de 2017; b. 2.a renovação: 1 de Fevereiro de 2020; c. 3.a renovação: 1 de Fevereiro de 2023. 22. Está dado como provado que em 15 de Maio de 2019 a Autora comunicou à Ré que o contrato não se renovaria a 1 de Fevereiro de 2020 - o que foi feito com uma antecedência de mais de 8 meses - ou seja, superior a 240 dias da data pretendida para a entrega do locado. 23. Não se compreende como conclui a sentença proferida que, a 15-05-2019 (data da comunicação de oposição à renovação) o contrato estaria em vigor até 1 de Fevereiro de 2022. 24. Quer se aplique um prazo de renovação de um ano, quer um prazo de renovação de três anos, o contrato seria sempre renovado a 1 de Fevereiro de 2020, porque teve início em 2014. 25. Na sentença, certamente por lapso, calculou-se o prazo de renovação a partir da data da comunicação, e não a partir da data da celebração do contrato. 26. Temos, assim, uma aplicação errada do Direito, nomeadamente na interpretação das normas previstas nos artigos 1096.º e 1097.º do Código Civil. 27. Considerando os factos provados, por força do disposto no n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, concluir-se-ia que o contrato de arrendamento celebrado entre as partes tem um prazo de 1 (um) ano, sucessivamente renovável pelo mesmo período. 28. O contrato de arrendamento renovou-se, assim, 5 (cinco) vezes, a saber: a. 01-02-2015 - 1.a renovação; b. 01-02-2016 - 2.a renovação; c. 01-02-2017 - 3.a renovação; d. 01-02-2018 - 4.a renovação; e. 01-02-2019 - 5.a renovação. 29. Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 1097.º do Código Civil, “O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte: (...) 120 dias, se o prazo de duração iniciai do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos" 30. É facto dado como provado que a comunicação de oposição à renovação teve lugar a 15-05-2019, visando impedir a renovação do contrato a 0102-2020: uma antecedência superior a 8 (oito) meses - mais de 240 dias de aviso prévio. 31. Conclui-se, assim, pela validade da comunicação de oposição, bem como pela inerente obrigação da Recorrida em entregar o locado na data indicada: 01-02-2020. 32. A sentença proferida está, assim, em contradição com os factos dados como provados: a data de início do contrato; o prazo estipulado para o contrato; a data de comunicação da oposição à renovação do contrato. 33. Ao subsumir estes factos às normas legais aplicáveis - artigos 1096.º e 1097.º do Código Civil - é notória a ininteligibilidade da sentença proferida. 34. Motivo pelo qual a sentença cai em nulidade - vide alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil. 35. Temos uma errada aplicação das normas previstas nos artigos 1096.º e 1097.º do Código Civil e, desta forma, uma errada aplicação do Direito ao caso concreto. 36. Pelo que a decisão a proferir, atendendo às normas aplicáveis e aos factos provados, não poderia ser outra que não a procedência da acção e a condenação da Recorrida no pedido. Nestes termos, E nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso proceder, por provado, e, em consequência, ser revogada a sentença proferida, por padecer de nulidade, sendo a mesma substituída por outra que condene a Ré, fazendo-se assim a Costumada JUSTIÇA! * A ré contra-alegou, rematando com as seguintes conclusões: 1. A recorrente não recorreu de facto; 2. Está definitivamente fixada a matéria de facto dada como provada pela 1.a instância; 3. Inexiste qualquer contradição entre a decisão e a fundamentação de facto e de direito; 4. Mesmo com a comunicação da oposição à renovação em 15/05/2019, estava em vigor a Lei 13/19, que tem aplicação geral e abstrata e tendo o prazo do contrato um ano e ocorrendo a renovação após a entrada em vigor de tal lei, a renovação automática do contrato de arrendamento (a ocorrer no termo do contrato) ocorrerá por períodos mínimos de 3 anos, se a duração do contrato for inferior, o que era o caso do contrato dos autos; 4. Em consequência, a oposição à renovação do contrato por parte da senhoria não tem qualquer validade legal e não constitui fundamento válido para operar a cessação do contrato de arrendamento e despejo; 5. Não merece censura a conclusão do tribunal em decidir pela invalidade da comunicação de oposição, bem como pela inerente falta de obrigação da Recorrida em entregar o locado na data de 01/02/2020; 6. A sentença recorrida não está em contradição com os factos dados como provados, não existe qualquer ininteligibilidade da sentença, nem padece de qualquer nulidade, nem fez qualquer errada aplicação dos artigos 1096.º e 1097.º do Código Civil, nem fez uma errada aplicação do Direito ao caso concreto; 7. Da matéria de facto provada, conjugada com a fundamentação de direito plasmada na decisão recorrida, resulta inequívoco que a ação só pode ser julgada improcedente, nos termos em que o foi. Termos em que deve ser julgado improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida, como é de JUSTIÇA! * O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, nos autos e efeito suspensivo. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. * II. O objecto e a delimitação do recurso Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio. De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso. Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal: i) A nulidade da decisão recorrida. ii) A natureza supletiva do art.º 1096º do Código Civil, na redacção resultante da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro. iii) A suspensão dos efeitos da caducidade, no contexto epidemiológico. iv) O desconhecimento dos termos do contrato e da oposição à renovação. v) A inobservância da forma legal da comunicação da oposição à renovação. * III. Os factos Receberam-se da 1ª instância os seguintes factos provados: 1. A Autora é dona e legítima proprietária do primeiro andar direito do prédio urbano sito na …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, correspondente à fracção “C”. 2. Por contrato de arrendamento para habitação com prazo certo, celebrado em 1 de Fevereiro de 2014, foi dado de arrendamento à Ré e esta tomou de arrendamento o imóvel referido em 1), pelo prazo de 1 (um) ano, renovável por períodos idênticos, caso não fosse denunciado por qualquer uma das partes. 3. O contrato teve início em 1 de Fevereiro de 2014 e tem vindo a ser renovado, automaticamente. 4. Em 15 de Maio de 2019, por carta entregue em mão, a Autora comunicou à Ré a oposição à renovação automática do contrato, tendo a Ré assinado a missiva, com efeitos a 1 de Fevereiro de 2020. 5. A referida comunicação foi efectuada à Ré, em tal data, tendo a Ré assinado como a tinha recebido, em reunião ocorrida no escritório da Mandatária da Autora, na presença desta, do gerente da Autora A…, e da filha deste G…. 6. Na mesma reunião a Ré assinou o documento “Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento” que consta sob a referência electrónica 37872947, dando-se por integralmente reproduzido o seu teor. 7. No dia 1 de Fevereiro de 2020 a Ré não entrou em contacto com a Autora, nem manifestou a intenção de entregar o locado. 8. No momento referido em 2 a Ré falava pouco português, e nem sabia ler ou escrever em português. 9. No momento referido em 4 a Ré falava português, e não sabia ler ou escrever em português. * Foram ainda considerados não provados, os seguintes factos: a) Que a Ré julgava que o contrato de arrendamento era por cinco anos por lhe ter sido dito por pessoas conhecidas que era de cinco anos o prazo normal para arrendamentos de habitação em Portugal. b) Que a Ré não teve conhecimento da oposição à renovação do contrato. * IV. O Direito Da nulidade da sentença recorrida Invoca a recorrente, em primeiro lugar, a nulidade, por ininteligibilidade e contradição entre a decisão e os factos provados, da sentença recorrida. * Dispõe o artigo 615º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Causas de nulidade da sentença»: “1. É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.” As nulidades previstas nas alíneas b) e c) reconduzem-se a vícios formais que respeitam à estrutura da sentença e as previstas nas alíneas d) e e) referem-se aos seus limites. Quanto à contradição entre os factos e a decisão, veja-se, pela sua clareza, o Acórdão da Relação de Guimarães, de 30/3/2017 (José Amaral), disponível em www.dgsi.pt: I) As nulidades da sentença estão típica e taxativamente previstas no art.º 615º, do CPC. Nenhuma destas se refere à decisão da matéria de facto naquela contida. II) A possibilidade de anulação da decisão da matéria de facto decorre da alínea c), do nº 2, e da alínea b), do nº 3, do art.º 662º, CPC. III) Nenhuma delas respeita a erros de julgamento, sejam da matéria de facto, sejam da de direito. IV) As possibilidades de modificação da decisão da matéria de facto decorrem em geral do art.º 662º, nºs 1 e 2, e, particularmente, da impugnação prevista no art.º 640º, CPC. V) Nesta norma se estabelecem diversos ónus, precisos e rigorosos, cuja inobservância pela parte impugnante é penalizada com a rejeição imediata do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto. VI) Tendo as conclusões a que se refere o art.º 639º, nº 1, CPC, por função determinar as questões objecto do recurso e, assim, definir o âmbito dos poderes de cognição do tribunal superior, no caso da impugnação da decisão da matéria de facto, servindo a especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, bem como a da decisão que, no seu entender, sobre eles, deve ser proferida, para delimitar precisamente a reapreciação daquela, então, pelo menos, esses dois requisitos (das alíneas a) e c), do nº 1, do art.º 640º), têm obrigatoriamente de constar nelas (conclusões). VII) Limitando-se os apelantes, nas conclusões, para efeitos de impugnação ora a referirem, repetidamente, que o tribunal deveria ter julgado provado certos segmentos, supostamente fácticos que entendem relevantes, mas sem os relacionarem com qualquer ponto concreto dos elencados na decisão da matéria de facto (como provados ou não provados) ou sequer os identificarem com os articulados, isto de permeio com considerações de diversa natureza a seu ver justificativas de tal dever, ora a referir que há factos que foram omitidos, factos contraditórios entre si e, ainda, contradição entre factos provados e a decisão de mérito, omissões e contradições que equivocamente qualificam como nulidades da sentença, resulta claro que não cumpriram, como deviam ter feito nessas conclusões, os ónus obrigatórios previstos nas alíneas a) e c), do nº 1, do art.º 640º, de especificar os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados e de, quanto a cada um deles, especificarem a decisão que os apelantes entendem deveria ter sido e deve ser no recurso ser proferida. VIII) A omissão da decisão de factos (de pronúncia sobre factos) que porventura fossem relevantes para a boa decisão da causa, segundo as suas possíveis soluções, poderia implicar uma necessidade de ampliação e, caso nos autos não existissem elementos capazes de a permitir, uma anulação da decisão da matéria de facto e repetição do julgamento, como decorre dos nºs 2, alínea c), e 3, alínea c), do art.º 662º. Tal omissão, contudo, nada tem a ver com pronúncia sobre questões que devam ser resolvidas nem, portanto, com a invalidade da sentença nos termos dos art.ºs 608º e 615º, nº 1, alínea d), CPC. IX) A contradição entre factos declarados provados e/ou declarados não provados e entre factos provados e a decisão de mérito não integra a oposição entre os fundamentos e a decisão estabelecida como causa de nulidade da sentença na alínea c), do nº 1, do art.º 615º. Aquela poderia eventualmente suscitar a aplicação da alínea c), do nº 2, do art.º 662º. Esta, constitui um caso exemplar de erro de julgamento. Como decidiu o STJ, em Acórdão de 9/4/2019 (Helena Moniz), disponível em www.dgsi.pt: A oposição entre os fundamentos e a decisão que determina a nulidade da decisão [cf. art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC] consubstancia um vício real de raciocínio do julgador que se traduz no facto de a fundamentação (i.e. as premissas do silogismo judiciário) se mostrar incongruente com a decisão (conclusão) que dela deve logicamente decorrer. Assim, deparamo-nos com este vício sempre que as premissas apontem inexoravelmente para um determinado sentido decisório, vindo, porém, a decisão a revelar-se em antinomia ou, pelo menos, em dissonância com esse sentido. Ou, ainda, da Relação de Guimarães, de 14/5/2015 (Manuel Bargado), disponível na mesma base de dados: (…) a nulidade em apreço, resulta apenas dos fundamentos invocados pelo juiz conduzirem logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto[3], e não da eventual circunstância de o conteúdo decisório da sentença revelar que o seu autor não teve em consideração determinados factos – que poderão ser notórios - ou que não teve em consideração circunstâncias factuais a que fez menção no despacho de fundamentação das respostas à matéria de facto. Tais deficiências poderão, quando muito, implicar erro de julgamento, o qual, porém, se mostra sanável, não por via da arguição de nulidade da sentença, mas apenas pela via do recurso de mérito. É jurisprudência uniforme que esta nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão apenas se verifica quando a decisão proferida padeça de erro lógico na conclusão do raciocínio jurídico, por a argumentação desenvolvida no acórdão apontar num determinado sentido e, apesar disso, a decisão ser em sentido contrário ou oposto. Contradição lógica, esta, que não se confunde com erro de julgamento, isto é, a errada interpretação ou aplicação do direito. No caso, não encontramos na decisão sob recurso qualquer dos vícios invocados, pois que a mesma não está em oposição com os respectivos fundamentos, não apresentando qualquer erro lógico. Para além do que a mesma não se mostra ininteligível. Como decidiu o STJ, em Acórdão de 11/4/2002 (Simas Santos), disponível em www.dgsi.pt: Uma sentença é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado, traduzindo-se a obscuridade na ininteligibilidade e a ambiguidade na possibilidade de à decisão serem razoavelmente atribuídos dois ou mais sentidos diferentes. A decisão de absolvição da ré do pedido mostra-se clara e de inequívoco conteúdo, sendo que a recorrente apenas apresenta discordância para com o sentido da decisão, por errada aplicação do direito – o que jnfra se analisará. Improcede, pois, a arguida nulidade da sentença. * Natureza supletiva do art.º 1096º do Código Civil, na redacção resultante da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro. Fundamentou o Exmo. Juiz a quo a sua decisão, com base na imperatividade da referida norma. Define o art.º 1096º, nº 1 do Código Civil, na redacção actual resultante da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro, sob a epígrafe Renovação automática: 1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. A redacção anterior da norma, resultante da Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, era a seguinte: 1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte. Da comparação entre as duas versões, conclui-se que a Lei 13/2019 limitou-se a aditar a expressão ou de três anos se esta for inferior à versão anterior, mantendo todo o restante preceito. Ou seja, e escalpelizando, em ambas as versões sucessivas, a regra é: a) O contrato de arrendamento celebrado com prazo certo, renova-se automaticamente no seu termo; b) Por períodos sucessivos de igual duração; c) Constituem impedimento às duas regras anteriores, a estipulação distinta das partes d) ou a circunstância de se enquadrarem os contratos celebrados em qualquer das situações previstas no art.º 1095º, nº 3 do mesmo diploma (contratos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios, designadamente por motivos profissionais, de educação e formação ou turísticos, neles exarados). Estas quatro conclusões são válidas perante qualquer uma das versões sucessivas do art.º 1096º, nº1, de modo pacífico. Ou seja, e para o que agora releva, quer numa quer noutra das versões, se admite que as partes afastem a renovação automática do contrato celebrado ou prevejam período distinto (superior ou inferior) do inicial, após essa renovação. A diferença encontra-se apenas no aditamento de uma limitação temporal à duração desse período de duração do contrato, após a renovação: não pode ser inferior a três anos, caso o período inicial de duração do contrato seja inferior a três anos. Da letra da alteração legislativa de 2019 apenas se retira um efeito: nos contratos de arrendamento de duração inicial inferior a 3 anos, a renovação automática dos mesmos (quando opera), verifica-se por um período sucessivo de três anos (necessariamente maior do que o período inicial). Trata-se de uma solução que «foge» à lógica da regra da renovação automática, fixando-se um período sucessivo extraordinário de três anos para um contrato de duração inicial inferior. Mas foi a opção do legislador. O passo seguinte constitui em apurar se a fixação por força de lei desse período sucessivo extraordinário de três anos constitui norma imperativa ou supletiva, ou seja, se as partes podem afastar tal regra, ao abrigo do princípio da liberdade de estipulação contratual. Debalde encontramos resposta no seio da Lei 13/2019, pois da mesma apenas se retira que o seu objecto é o seguinte: A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade. A solução, na ausência de letra expressa, encontra-se na ponderação dos fins pretendidos com a alteração legislativa: a limitação imperativa à estipulação de períodos de renovação sucessiva inferiores a três anos corrige situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, reforça a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e protege arrendatários em situação de especial fragilidade? Ora, parece-nos que a resposta há-de ser negativa, pois nesse caso, o legislador «esqueceu-se» de proteger ou prosseguir tais fins com igual intensidade no período de duração inicial do contrato. Efectivamente, a mesma Lei 13/2019 estabeleceu, como limite mínimo dessa duração o período de um ano, na redação dada ao nº 2 do art.º 1095º do mesmo Código, sob a epígrafe Estipulação de prazo certo: 1 - O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato. 2 - O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a um nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respetivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo. E tal norma, pela sua própria natureza, assume força imperativa: a ampliação ou redução automática dos prazos mínimo e máximo de duração inicial para um e trinta anos, significa que esses limites mínimos e máximos não podem ser derrogados por estipulação das partes no contrato celebrado. Ou seja, e para o que agora releva imperativo é que o contrato de arrendamento tenha a duração mínima de um ano. Duração inicial ou sucessiva de um ano. Não se antevendo da Lei 13/2019 qualquer intenção de conferir maior protecção ao arrendatário no período sucessivo daquela concedida no período inicial. Desde logo, por não se demonstrar constituir o período sucessivo à renovação uma situação de maior desequilíbrio entre arrendatário e senhorio, de maior necessidade de segurança e estabilidade do arrendamento urbano e de maior fragilidade do arrendatário relativamente ao período inicial de duração do mesmo contrato de arrendamento. Por fim, refira-se que o processo legislativo (disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42542) pouco esclarece a intenção do legislador, pois a alteração do art.º 1096º tem origem em proposta de alteração do Grupo Parlamentar do Partido Socialista à Proposta de Lei nº 129/XIII/3, no seio da discussão na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação – sendo que a Proposta inicial do Governo em nada se referia a este preceito em concreto. Ou seja, a alteração ao preceito surge no decurso da discussão parlamentar da Proposta de Lei, sem lograrmos apurar o fio condutor ou a intenção do legislador, no caso. Não concordamos, pois, com Elsa Sequeira Santos, quando esta refere: Com a introdução, pela Lei n. º 13/2019, de 12 de fevereiro, dos n.ºs 3 e 4 do art.º 1097.º, a liberdade de estipulação quanto à renovação automática parece ter ficado comprometida. A ratio daquela introdução é a de garantir ao arrendatário a duração efetiva do contrato pelo prazo mínimo de três anos, ao não permitir ao senhorio provocar a caducidade do contrato nesse período, por via da oposição à renovação., disponível em anotação ao artigo 1096.º do Código Civil, Código Civil Anotado, Vol. I, 2.a Edição Revista e Atualizada, Coord. Ana Prata, abril de 2019, Coimbra: Almedina, p. 1390. Salvo melhor opinião, retira-se a conclusão de uma única premissa indemonstrada: a ratio da alteração não é garantir a duração efectiva do contrato pelo prazo mínimo de três anos, na medida em que se admite a estipulação pelas partes de uma duração inicial de um ano. Concluir que a lei pretendeu garantir uma duração sucessiva à renovação de três anos, porque estabeleceu como imperativo esse limite mínimo terá tanto valor argumentativo como concluir que a lei estabeleceu como imperativo esse limite mínimo porque pretendeu garantir uma duração sucessiva à renovação de três anos. Uma e outra acepção, encontrando-se por demonstrar. Não se desconhecem decisões contrárias, no sentido da imperatividade da alteração legislativa da Lei nº 13/2019, nomeadamente do Tribunal da Relação de Guimarães, de 8/4/2021 (Rosália Cunha) e de 11/2/2021 (Raquel Tavares), ambos disponíveis em www.dgsi.pt, a que aderiu a decisão recorrida. Contudo, não concordamos com tal posição, com o maior respeito pela mesma, na medida em que a argumentação que as sustenta é construída sempre desta forma: a norma é imperativa, porque a lei pretendeu definir um limite mínimo de três anos ao contrato de arrendamento. Ora, como se viu, nem a lei foi expressa nessa imperatividade nem a sua intenção terá sido constante, pois apenas se constata a imperatividade da duração do período inicial de um ano. Não se demonstrando essa imperatividade, quer pela letra quer pelo espírito da Lei, vigora o princípio da liberdade contratual, estabelecido no art.º 405º do Código Civil, no sentido de que as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver, podendo inclusivamente reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei. Vejam-se, a este respeito, as palavras de Fernando Baptista de Oliveira, in A Resolução do Contrato no Novo Regime do Arrendamento Urbano, Almedina. página 21 e 22: “E por esta disposição (a do art.º 1080º) se fica sabendo que as normas contidas nessas bolsas mais resguardadas, facilmente localizáveis no percurso do regime da relação negocial locatícia, se impõem ao próprio acordo das partes em sentido contrário. Mas como, por outro lado, a intenção do legislador ao proclamar solene e abertamente a natureza imperativa destes pequenos condados normativos, não é positivamente a de criar tabus da lei ou de implementar dogmas em certas ilhas do instituto, antes é apenas, por via de regra, a de proteger de modo especial os interesses de uma ou outra das partes mais dignos de tutela, caberá naturalmente ao intérprete inquirir, junto de cada norma compreendida nesses pequenos santuários, qual o interesse que o legislador pretendeu salvaguardar (não se excluindo obviamente a possibilidade de uma ou outra norma proteger de modo especial interesses de terceiros ou até interesses gerais de contratação). E, uma vez feito esse levantamento, poder-se-á algumas vezes concluir com segurança pela nulidade das cláusulas contratuais que não respeitem a tutela mínima que a lei pretendeu conceder ao interesse visado, (…). No caso da norma em análise, a sua letra permite – mais, apoia - a interpretação do seu carácter supletivo e o carácter imperativo não resulta dos interesses tutelados pela alteração legislativa, como se viu. Desse modo, continua válida a estipulação aposta no contrato, de renovação automática por um ano. No sentido ora proposto, veja-se Jéssica Rodrigues Ferreira, in Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, Revista Eletrónica de Direito, fevereiro 2020, página 82, in https://ciie.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-iessica-ferreira 1584.pdf: Parece-nos que o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes - e menores - dos supletivamente fixados pela lei, e não, conforme poderia também interpretar-se da letra do preceito em análise - cuja redação pouco precisa gera estas dúvidas - um pacote de "pegar ou largar" (...). Também Edgar Alexandre Martins Valente (Arrendamento Urbano - Comentários às Alterações Legislativas introduzidas ao regime vigente - Almedina - 2019, página 31, em anotação ao artigo 1096.º do Código Civil) entende que ...as partes, à semelhança do que já sucedia na redacção anterior da norma, podem definir regras distintas, designadamente estabelecendo a não renovação do contrato, ou a sua renovação por períodos diferentes dos referidos, atenta a natureza supletiva da norma em questão (...). Procedendo, pois, a este respeito, a argumentação da recorrente nas seguintes conclusões: 27. Considerando os factos provados, por força do disposto no n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, concluir-se-ia que o contrato de arrendamento celebrado entre as partes tem um prazo de 1 (um) ano, sucessivamente renovável pelo mesmo período. 28. O contrato de arrendamento renovou-se, assim, 5 (cinco) vezes, a saber: a. 01-02-2015 - 1.a renovação; b. 01-02-2016 - 2.a renovação; c. 01-02-2017 - 3.a renovação; d. 01-02-2018 - 4.a renovação; e. 01-02-2019 – 5.a renovação. 29. Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 1097.º do Código Civil, “O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte: (...) 120 dias, se o prazo de duração iniciai do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos" 30. É facto dado como provado que a comunicação de oposição à renovação teve lugar a 15-05-2019, visando impedir a renovação do contrato a 01-02-2020: uma antecedência superior a 8 (oito) meses - mais de 240 dias de aviso prévio. Admitindo a natureza supletiva da nova redação do artigo 1096.º do Código Civil, mostra-se assim válida a oposição à renovação do contrato. Bem como tempestiva, pois foi efectuada com a antecedência exigida pelo art.º 1097º, nº 1, b) do Código Civil. * Procedendo assim a apelação, quanto a este ponto e cumprindo agora a esta Relação conhecer das restantes questões suscitadas na oposição da ré, ao abrigo do disposto no art.º 665º, nº 2 do Código de Processo Civil, cujo conhecimento foi prejudicado pelos termos da decisão recorrida; quais sejam: iii) A suspensão dos efeitos da caducidade, no contexto epidemiológico. iv) O desconhecimento dos termos do contrato e da oposição à renovação. v) A inobservância da forma legal da comunicação da oposição à renovação. Nada obsta à apreciação dessas questões, pois possui esta Relação os elementos necessários para tanto, tendo as mesmas sido discutidas nos articulados. * A suspensão dos efeitos da caducidade, no contexto epidemiológico. Em causa está a legislação aprovada no contexto epidemiológico, nomeadamente ao disposto no artigo 8.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março. A Lei n.º 75-A/2020 de 30 de Dezembro de 2020, veio proceder à alteração desse artigo 8.º da Lei n.º 1-A/2020, determinando que a produção de efeitos da oposição à renovação de contratos de arrendamento por parte do senhorio ficaria suspensa até 30/06/2021. Define o referido preceito, nessa versão, o seguinte: Artigo 8.º Regime extraordinário e transitório de proteção dos arrendatários 1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4, ficam suspensos até 30 de junho de 2021: b) A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação; (…). Desse modo, os efeitos da oposição à renovação do contrato de arrendamento por parte da autora e consequente caducidade do mesmo, apenas se verificaram a 30 de Junho de 2021. Dado que o pedido formulado apenas se reconduz à restituição do locado, não abrangendo qualquer pretensão indemnizatória por eventual atraso na mesma, essa suspensão dos efeitos até à data referida – que já foi ultrapassada – não prejudica a procedência da demanda. * Do desconhecimento dos termos do contrato e da oposição à renovação Invoca a ré que, por desconhecimento da língua portuguesa, estaria convicta de que o contrato em causa teria a duração de cinco anos, não lhe tendo sido comunicada por qualquer forma a oposição à renovação. Repare-se que, a este respeito, a ré não invocou não ter alcançado o conteúdo da carta em que a autora declarava a oposição à renovação; compulsada a oposição, constata-se que a ré declarou o seguinte nesse articulado: 12- É falso o alegado pela Autora no ponto 4 da P.I., a Ré não assinou qualquer carta enviada ou entregue pela senhoria em 15/05/2019 e não teve conhecimento da oposição à renovação automática do contrato de arrendamento pela Autora, nem por qualquer via legal foi comunicado pela Autora à Ré que o contrato cessou os seus efeitos em 1/02/2020. 13- A Ré não recebeu qualquer carta registada que lhe tenha sido enviada pela senhoria, dando-lhe conhecimento da oposição da senhoria à renovação automática do contrato de arrendamento relativo à habitação sita na …, em Lisboa, pelo que o fundamento de despejo desta ação – o da cessação por oposição à renovação pelo senhorio – não tem qualquer validade legal e não constitui fundamento válido para operar a cessação do contrato de arrendamento e despejo. 14- Foi junto aos autos pela Autora como doc. 4, uma alegada carta datada de 15/05/2019, onde consta em baixo os seguintes dizeres: "Tomei conhecimento", uma assinatura, que não é a assinatura da Ré e uma "Data: 15-5-219". 15- A assinatura da Ré não corresponde à constante desse doc. 4, como é verificável para assinatura da Ré constante da autorização de residência da Ré, que se junta como doc. 1. 16- O documento 4 da Autora não tem qualquer validade legal! 17- A Ré não assinou pelo seu punho essa alegada missiva em 15/05/2019, desconhece quem foi a pessoa que o fez em seu nome, nem dela tomou conhecimento, pelo que nenhum efeito produziu. 18- A Ré não recebeu qualquer carta registada com aviso de recepção escrita e enviada pela Autora para a morada do locado, dando-lhe conhecimento de que a senhoria, nos termos do disposto no artigo 1097º, n.º1, alínea b) do CC, se opunha à renovação automática do contrato de arrendamento relativo à habitação. 19- A oposição à renovação deduzida pelo senhorio só pode produzir os seus efeitos a partir da data em que a inquilina for devidamente notificada. O que não sucedeu! Ora, a este respeito, apurou-se que: 4. Em 15 de Maio de 2019, por carta entregue em mão, a Autora comunicou à Ré a oposição à renovação automática do contrato, tendo a Ré assinado a missiva, com efeitos a 1 de Fevereiro de 2020. 5. A referida comunicação foi efectuada à Ré, em tal data, tendo a Ré assinado como a tinha recebido, em reunião ocorrida no escritório da Mandatária da Autora, na presença desta, do gerente da A…, e da filha deste G…. 8. No momento referido em 2 a Ré falava pouco português, e nem sabia ler ou escrever em português. 9. No momento referido em 4 a Ré falava português, e não sabia ler ou escrever em português. Foram ainda considerados não provados, os seguintes factos: a) Que a Ré julgava que o contrato de arrendamento era por cinco anos por lhe ter sido dito por pessoas conhecidas que era de cinco anos o prazo normal para arrendamentos de habitação em Portugal. b) Que a Ré não teve conhecimento da oposição à renovação do contrato. Ou seja, a autora cumpriu o seu ónus de prova, quanto aos factos alegados e relativos à comunicação efectuada à ré da sua oposição à renovação do contrato. Claudicou a ré, por seu turno, no cumprimento do respectivo ónus de prova do facto relativo à convicção da duração quinquenal do contrato de arrendamento – art.º 342º, nº2 do Código de Processo Civil. Improcede, pois, a defesa da ré a este respeito. * A inobservância da forma legal. Invocou a ré, na sua oposição, por fim, a inobservância da forma legal da comunicação da oposição à renovação do contrato, nos seguintes termos: 23- Ora, a forma da comunicação está prevista no artigo 9.º, nº 1 do NRAU que estipula que "Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes, relativas a cessação do contrato de arrendamento, actualização da renda e obras, são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção. 24- Assim sendo, sempre a Autora teria incumprido a forma de comunicação legalmente prevista na lei para proceder à cessação do contrato de arrendamento com a Ré, pois que não enviou para a Ré qualquer comunicação escrita remetida por carta registada com aviso de recepção. A esse respeito, apurou-se: 4. Em 15 de Maio de 2019, por carta entregue em mão, a Autora comunicou à Ré a oposição à renovação automática do contrato, tendo a Ré assinado a missiva, com efeitos a 1 de Fevereiro de 2020. 5. A referida comunicação foi efectuada à Ré, em tal data, tendo a Ré assinado como a tinha recebido, em reunião ocorrida no escritório da Mandatária da Autora, na presença desta, do gerente da Autora A…, e da filha deste G…. Em causa está, pois, o disposto no art.º 9º do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que define que: Forma da comunicação 1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção. 2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado. 3 - As cartas dirigidas ao senhorio devem ser remetidas para o endereço constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior. 4 - Não existindo contrato escrito nem comunicação anterior do senhorio, as cartas dirigidas a este devem ser remetidas para o seu domicílio ou sede. 5 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele. 6 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de receção. 7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante: a) Notificação avulsa; b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original; c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação. * Da simples leitura do preceito legal aplicável resulta a improcedência da defesa da ré, pois foi integralmente cumprida a formalidade exigida para a comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento, na alternativa (prevista no nº 6) de escrito entregue em mão, tendo a ré aposto a sua assinatura, com nota de recepção, na cópia do mesmo. Do que se conclui pela improcedência das excepções invocadas pela ré e, na procedência da apelação, pela revogação da decisão recorrida e substituição da mesma por decisão de procedência total da demanda. * V. A decisão Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na procedência da apelação: a) revogar a decisão recorrida e, em substituição do tribunal recorrido, b) julgar procedente a demanda e condenar a ré a despejar o imóvel locado e a entregá-lo à autora, livre e devoluto de pessoas e bens. Custas em ambas as instâncias, pela ré, ora recorrida. * Lisboa, 21 de Dezembro de 2023. Nuno Lopes Ribeiro João Manuel Brazão Eduardo Petersen Silva Vencido. Concordando que o artigo 1096º nº 1 do Código Civil, na versão introduzida pela Lei 13/2019 de 12 de Fevereiro, tem carácter supletivo, não considero todavia que no caso concreto - estipulação do prazo de duração do contrato de um ano, renovável por idênticos períodos, outorgada entre as partes em 1.2.2014 - possa ser considerada como estipulação em contrário à renovação por três anos introduzida na referida norma. |