Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FLORBELA SANTOS A. L. S. SILVA | ||
Descritores: | PORNOGRAFIA DE MENORES DARKWEB | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/17/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I. A u-Torrent, que é uma aplicação (e não um mero programa) pode ser definida como: “uma extensão de ficheiros compatíveis com o protocolo de partilha bittorrent cujo funcionamento cria uma rede peer to peer[1](P2P) entre todos os utilizadores do protocolo com a finalidade de distribuir ficheiros entre todos os utilizadores da rede”.[2] II. Ou seja, quem utiliza a u-Torrent sabe, à partida, que se trata de uma aplicação cuja finalidade ou razão de ser é precisamente permitir a partilha entre todos os respectivos utilizadores. III. O facto da u-Torrent, uma vez instalada no computador, actuar automaticamente não retira ao facto do arguido, primeiro, conhecer essa característica, e, segundo, até a abraçar pois que lhe poupa imenso trabalho na partilha de ficheiros. IV. Quem instala um programa ou aplicação informática no seu computador sabendo que o mesmo tem por finalidade efectuar a partilha de ficheiros, e até de o efectuar de forma automática, aceita e quer essa função. V. No que tange ao crime de pornografia de menores, a polémica que se suscita é a de saber se o bem tutelado, ou pelo menos um desses bens, se considerarmos que o crime em apreço confere tutela jurídica a um complexo ou universo de bens, é de natureza iminentemente pessoal ou não, e consoante essa determinação, saber se estamos perante a prática de um crime continuado ou perante um concurso real de crimes por cada ficheiro encontrado e partilhado. VI. De uma simples análise da letra do preceito legal se retira que todas as quatro alíneas do nº 1 do artº 176º do CPP têm a mesma moldura penal (prisão de um a cinco anos), sendo que o legislador não as distinguiu na sua essência, agrupando-as num mesmo número, pelo que considera, por exemplo, que utilizar um menor em fotografia (al. b) é censurável na mesma forma que divulgar essa fotografia (al. c). VII. Ou seja, é a própria lei que equipara e agrupa numa mesma unidade punitiva a utilização de menor (als. a) e b) do nº 1 do artº 176º) com a produção, aquisição, distribuição etc. do material proveniente da actuação prevista nas primeiras duas alíneas (als. c) e d) do nº 1 do artº 176º). É tão grave quem utiliza o menor na produção pornográfica como aquele que adquire esse material. VIII. O artº 176º encontra-se inserido na secção II do Código Penal dedicado aos crimes contra a autodeterminação sexual, o que significa que o bem jurídico a tutelar em todos os crimes que integram essa secção são a autodeterminação sexual, que é um bem jurídico iminentemente pessoal. IX. Quem produz, divulga, importa ou exporta pornografia infantil contribui para a proliferação de material cuja génese é a violação de um dos direitos mais fundamentais das crianças. X. Na realidade a pornografia infantil não implica somente a coacção sobre um menor, limitando a sua liberdade e autodeterminação sexual através da imposição de práticas de actos sexuais (muitas vezes de toda a espécie e aberração) para as quais o mesmo não esteja preparado e que para as quais não tenha sequer o discernimento e consciência de compreender, ela implica, na esmagadora maioria dos casos, especialmente quando está em causa a pornografia industrial que prolifera na darkweb, o tráfico de crianças, o seu mau-trato físico para além de psicológico, a sua violação repetida, muitas vezes filmada como objecto do próprio espectáculo pornográfico, o seu desenraizamento familiar, a sua venda e escravização. XI. Por isso é que o legislador português, seguindo directrizes internacionais no campo de defesa dos menores, classificou e agrupou vários actos como integrando o conceito de pornografia de menores e previu a mesma moldura penal. XII. A pornografia infantil é uma indústria suja que se alimenta da vida de milhares de crianças, muitas delas de países sub-desenvolvidos em que são “lançadas aos lobos” para as suas famílias, altamente empobrecidas, ganhar uns tostões com a venda dos seus corpos a fim de poderem ter comida no final do dia. XIII. Crianças que não tiveram o direito de brincar livremente, de ir à escola e aprender para crescerem bem e singrarem na vida. Crianças que são tornadas em objectos sexuais para satisfazer todo o tipo de tara e disfunção de adultos que as violam, humilham e lhes tiram toda a dignidade humana, reduzindo-as as escravas do prazer. XIV. É isto que a pornografia infantil promove e propaga e portanto, qualquer pessoa que alimenta essa indústria contribui para a sua perpetuação e para que mais e mais crianças sejam levadas para um mundo infernal, sem esperança, sem alegria, sem qualquer tipo de dignidade humana. XV. Não há, assim, a menor dúvida que o bem jurídico tutelado em todas as alíneas do nº 1 do artº 176º do Código Penal é um bem jurídico iminentemente pessoal, sendo a tutela directa a liberdade e autodeterminação sexual do menor, recaindo a tutela indirecta sobre os restantes bens jurídicos, também eles pessoais, como o direito à integridade física e moral da criança, e que também é violado quando a mesma é utilizada em filmes pornográficos, pelo que, perante uma multiplicidade de ficheiros encontrados no computador do arguido, não se pode considerar a existência de um único crime de pornografia de menor, na forma continuada, mas, antes, a prática pelo arguido, em concurso real e efectivo, do número de crimes correspondente ao número de ficheiros e partilhas encontrados, pelo que, tendo o arguido um total de 75 179 ficheiros no seu computador cometeu o mesmo 75 179 crimes de pornografia de menores. (Sumário elaborado pela relatora ) [1] Literalmente “de par para par”. [2] Technoblog.net/285777/o-que-é-torrent/ | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. No âmbito de Inquérito (Actos Jurisdicionais) que corre termos pelo Juiz 4 do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o nº 644/19.7JGLSB, no âmbito do primeiro interrogatório judicial, foi proferido despacho em 20-11-2020, com a refª 400753988, cuja cópia faz fls. 32 e ss da certidão que instrui o presente recurso, relativamente ao arguido LM__ , através do qual ao mesmo foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva com vista a acautelar os perigos de continuação da actividade criminosa e perturbação do decurso do inquérito. II. Inconformado com o despacho que lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva veio o arguido interpor recurso em 21-12-2020, com a refª 28033427, junto a fls. 37 e ss da certidão que instrui os presentes autos, através do qual oferece as seguintes conclusões: “I. O direito à liberdade, é um direito constitucionalmente consagrado, estabelecido no artigo 27° da Constituição da República Portuguesa (CRP). II. Trata-se, portanto, de um direito fundamental do ser humano, reconhecido na nossa Constituição e moldado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, devendo, por isso, de acordo com o n.° 2 do artigo 16° da CRP, ser interpretado em conformidade com aquela. III. O arguido foi alvo de uma busca na sua residência, em 19 de Novembro de 2020, na qual lhe foram apreendidos todos os equipamentos informáticos. IV. Do material apreendido e da pesquisa preliminar realizada aos conteúdos do computador e discos externos, conclui-se que o arguido detinha um total de 75 179 (setenta e cinco mil cento e setenta e nove) ficheiros, contendo imagens e vídeos com vários conteúdos de abuso sexual de crianças, sendo que 20 354 desses ficheiros se encontravam a ser partilhados através do programa u Torrent aquando da busca domiciliária. V. Pelo que foi o arguido indiciado pela prática de 75 179 (setenta e cinco mil cento e setenta e nove) crimes de pornografia de menores agravados, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 176°, n.° 1, alíneas c) e d) e ainda n.° 5 do Código Penal (doravante CP) por referência ao artigo 177°, n.° 7 do CP. VI. Em sede de Primeiro Interrogatório, foi ao arguido aplicada prisão preventiva, encontrando-se o mesmo, desde então, no estabelecimento prisional do Linhó. VII. No despacho que fundamenta a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, e do qual ora se recorre, pode ler-se, de forma sintética, o que se transcreve: VIII. "TIPOS DE CRIME: setenta e cinco mil cento e setenta e nove crimes de pornografia de menores agravados, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 176°, n° 1, alíneas c) e d) do C. Penal por referência ao artigo 177°, n° 7 do mesmo diploma. PERIGOS: - Perigo de continuação de actidade criminosa; - Perigo de perturbação do decurso do inquérito; MEDIDA DE COACÇÃO: -Termo de identidade e residência que já prestou; - Prisão preventiva cfr art°s 191° a 194°, 196°, 202°, n° 1, al a) e 204° al.s b) e c), todos do Código de Processo Penal." IX. Nas palavras de Germano Marques da Silva, as medidas de coação consistem em “meios processuais de limitação da Uberdade pessoal ou patrimonial dos arguidos e outros responsáveis por prestações patrimoniais, que têm por fim acautelar a eficácia do procedimento, quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias”. X. Quanto às condições gerais para aplicação de medidas de coação estas encontram-se previstas no Código de Processo Penal (doravante CPP), no seu artigo 192°, conjugado com o artigo 204° do referido Diploma legal. XI. Para além das condições anteriormente referidas, para que haja lugar à aplicação de uma qualquer medida de coação terão de verificar-se determinados pressupostos, que se passam a enunciar. XII. O primeiro corresponde à verificação de indícios da prática de um crime, isto é, através da verificação de determinados sinais, factos, é possível atribuir à pessoa a alegada prática de um crime. XIII. O segundo, que só não se aplica ao termo de identidade e residência previsto no artigo 196° do CPP, se se encontrar preenchido um ou mais dos requisitos previstos no artigo 204° do mesmo Diploma, a saber: "a) fuga ou perigo de fuga; b) perigo de perturbação do inquérito ou da instrução do processo; ou c) perigo de continuação da atividade criminosa ou de perturbação da ordem e tranquilidade públicas. " XIV. Sobre a fuga, refere Germano Marques da Silva que "A ocorrência de fuga do arguido será por si só motivo para aplicação ao arguido de uma medida de coação". XV. Já no que respeita ao dito perigo de fuga, esse perigo terá de se fundamentar sobre elementos de facto que indiciem concretamente aquele perigo, nomeadamente porque revelam a preparação para a fuga. XVI. Prosseguindo, quanto ao segundo requisito, também aqui se exige que se concretize num perigo concreto, ou seja, que no momento da aplicação de uma medida de coação se verifique, através de determinadas circunstâncias, que aquele perigo existe efetivamente. XVII. Por fim, o último requisito previsto na lei consiste no "perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e tranquilidade públicas" XVIII. A este propósito, veja-se que a fundamentação de aplicação de uma medida de coação com base neste requisito não pode ter em vista prevenir que o arguido pratique algum crime, mas sim que este não continue a atividade criminosa ou perturbe a ordem e tranquilidade pública. XIX. A aplicação do instituto da prisão preventiva consiste, como o próprio nome indica, na restrição do direito à liberdade de uma pessoa, em nome daquilo que se crê serem os interesses da comunidade. XX. A lei admite que se aplique ao arguido a medida cautelar de prisão preventiva ponderando-se, contudo, a necessidade, adequação e proporcionalidade da sua aplicação (cfr. artigo 193° CPP). XXI. Não esquecendo a necessidade, em concreto, para acautelar os fins que importa prosseguir, de harmonia com o artigo 204° do CPP. XXII. Afinal, não basta que a prisão preventiva se mostre admissível em abstrato, importa essencialmente, que se mostre necessária no caso concreto (objetiva e subjetivamente). XXIII. Olhando para o processo penal como via de proteção da comunidade, não poderá jamais este ser usado para sacrificar direitos que a lei a todos reconhece. XXIV. O equilíbrio que se espera, entre as exigências do processo e a salvaguarda dos direitos fundamentais dos indivíduos obtém-se condicionando, precisamente, a aplicação das medidas cautelares e, sobretudo, da prisão preventiva, a rigorosos princípios orientadores. XXV. Saliente-se, desde logo, o princípio da necessidade, refletido nos n.° s 1 e 2 do artigo 193° do CPP. XXVI. Este princípio procura condicionar a aplicação da prisão preventiva à indispensabilidade da sua realização para satisfação de exigências processuais de natureza cautelar. XXVII. Segundo este princípio, quer as medidas de coação em geral, quer a prisão preventiva em particular, apenas devem ser utilizadas quando absolutamente necessário, e sempre no quadro do legalmente estabelecido como prioridade para medidas menos gravosas que a prisão preventiva. XXVIII. Exige-se, aqui, um juízo prévio, no sentido de equacionar se, no caso concreto, a prisão preventiva é absolutamente necessária ou, optando por outra medida menos gravosa, pensar se a medida satisfaz e responde às exigências cautelares do processo. XXIX. Outro princípio a considerar é o da adequação, na medida em que visa fornecer o critério de seleção da medida a aplicar ao arguido que melhor se ajusta às exigências processuais do caso concreto, conforme preceituam os artigos a 191 ° e 193° do CPP. XXX. Aqui deve procurar-se aplicar a medida de coação que melhor se ajusta à situação em análise, tendo presente que a escolha de uma medida desajustada, acabará por não servir os objetivos cautelares que as medidas criadas pressupõem. XXXI. Ou seja, recorremos à prisão preventiva quando se concluir que as restantes medidas se revelam inadequadas ou insuficientes. Sempre subjacente uma ideia de subsidiariedade. XXXII. No contexto supra, importa ainda salientar o princípio da proporcionalidade, o qual traduz a ideia de que a medida a aplicar deve jogar com a gravidade do crime que se persegue e atender às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas ao arguido. XXXIII. Nas palavras de Germano Marques da Silva "não pode ser aplicada uma medida que, ainda que justificada pelas exigências cautelares do caso concreto, não seja proporcional à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente será aplicada na sentença condenatória." XXXIV. Discorridos os princípios basilares subjacentes à aplicação de medidas de coação, em particular da prisão preventiva, por ser a mais gravosa, passemos à aplicação propriamente dita desta figura. XXXV. Constituem condições de aplicação da prisão preventiva dois tipos de pressupostos: fumus comissi delicti e periculum libertatis. XXXVI. Estas duas ordens de pressupostos exigem a verificação de indícios do cometimento de crime, a sua imputação a um determinado indivíduo (probabilidade de alguém ter cometido o crime) e que a sua liberdade possa oferecer perigo. XXXVII. No caso da prisão preventiva, a lei exige a verificação de "fortes indícios" (cfr. artigo 202° do CPP), o que significa que a exigência é naturalmente maior. XXXVIII. Porém, para que se recorra à aplicação desta medida de coação, não basta apenas que se verifiquem os ditos "fortes indícios" da prática de crime, é ainda necessário que se verifiquem os pericula libertatis, conforme apresentados nas várias alíneas do artigo 204° XXXIX. Ou seja, é absolutamente essencial que se verifique o preenchimento de uma das alíneas do artigo 204° do CPP para que se torne admissível a aplicação de uma medida de coação. XL. Em bom rigor, a aplicabilidade da prisão preventiva restringe-se aos casos em que, verificados quaisquer dos requisitos gerais do artigo 204° do CPP e algum dos requisitos especiais do artigo 202° do CPP, as restantes medidas de coação se mostram inadequadas ou insuficientes. XLI. No caso concreto, e com base na promoção do MP a qual, por sua vez, fez fé na perícia formulada pela PJ aos equipamentos eletrónicos na posse do arguido, o Tribunal Instrução Criminal considerou que a prisão preventiva era a medida de coação adequada, o que fundamentou nos artigos 191° a 194°, 196°, 202°, n° 1, alínea a) e 204° alíneas b) e c), todos do CPP. XLII. Para o que nos move, estão em causa, designadamente, os fundamentos de aplicação da medida de coação de prisão preventiva que decorrem da alínea a) do n° 1 do artigo 202° e alíneas b) e c) do artigo 204°, ambos do CPP. XLIII. De acordo com a alínea a) do n° 1 do artigo 202° do CPP. XLIV. "1 - Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando: XLV. Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos". XLVI. Determinando, por sua vez, as alíneas b) e c) do artigo 204° do CPP que nenhuma medida de coação, à exceção da prevista no artigo 196°, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida: XLVII. "b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou XLVIII. c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas." XLIX. O arguido, conforme resulta já acima transcrito está indiciado pela prática de 75 179 (setenta e cinco mil cento e setenta e nove) crimes de pornografia de menores agravados, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 176°, n° 1, alíneas c) e d) e ainda n° 5 do CP por referência ao artigo 177° n° 7 do CP. L. Os mesmos, isto é, os 75 159 (setenta e cinco mil cento e cinquenta e nove) crimes de cuja prática se encontra indiciado o arguido, terão sido, alegadamente, praticados entre o dia 1 de outubro de 2019 a 19 de novembro de 2020, datas que enquadram o início da investigação e a busca domiciliária, com apreensão dos equipamentos eletrónicos que foram, oportunamente, objeto de um exame informático forense, que constitui o apenso C dos autos principais. LI. Da análise ao exame forense, cumpre realçar e transcrever, o seguinte, que na modesta opinião do arguido é importante para o propósito que versa este recurso. LII. Fls 6|33 do exame informático forense, relativamente ao equipamento computador ASUS, modelo UX430U, com o SN H6N0WU05403225F, pode ler-se o seguinte, com relevância para a inconsistência dos indícios verificados: "Ao iniciar o equipamento, verificou-se que o mesmo apresentava inconsistência no grupo data/hora, o que indicia uma deficiência na pilha do CMOS: Tal deficiência impede que, quando o computador é desligado da corrente, possa manter actualizada a data/hora do equipamento. (..:). Para efeitos da recolha de elementos efectuada, os dados temporais dos relatórios poderão encontrar-se enviesados por esta situação, no entanto, os registos do sistema operativo e de criação, modificação, acesso dos ficheiros pressupõem-se estarem correctos uma vez que que são registados pelo sistema operativo e nesse momento o equipamento encontra-se alimentado e se ligado presumivelmente com a data/hora actualizada. " LIII. Desta pequena transcrição, decorre de imediato, que a PJ, no seu exame forense não assegura o momento exato em que os ficheiros, que posteriormente são descritos e que fundamentam os indícios apontados pelo MP, para a alegada prática de alguns dos 75 159 (setenta e cinco mil cento e cinquenta e nove) crimes pelo arguido, foram importados. LIV. Prosseguindo, da página 10|33 do relatório que vem sendo analisado, transcreve-se ainda o seguinte: LV. "PROGRAMAS QUE INICIAM AUTOMATICAMENTE COM O SISTEMA OPERATIVO Apenas a informação relevante (a totalidade pode ser consultada em relatório anexo: RegistryReport(Users - Borges02).txt) AUTORUN Starded on the local Computer as application: (Last modified: 11/11/2020 00:00:28 UTC) Description: u turrent Command:"C:\Users\Borges02\AppData\Roaming|u Turrent\uturrent.exe"/MINIMIZED. LVI. Do que anteriormente fica descrito, há a realçar o seguinte: LVII. "Para a informática, minimizar (MINIMIZED) é uma das opções que oferecem os programas informáticos (software) que apresentam janelas no seu ambiente gráfico, como o sistema operativo Windows. Minimizar é fazer com que a janela se reduza até desaparecer da vista do utilizador, ficando reduzida a um botão na barra de tarefas. O contrário consiste em maximizar (ampliar) a janela para ocupar mais espaço no ecrã. (https://conceito.de/minimizar)". LVIII. Ao encontrar-se minimizado, o programa arranca por defeito (default, na linguagem informática), isto é, sempre que o sistema operativo (WINDOWS 10 HOME, identificado na página 8|33 do relatório que vem sendo verificado) arranca, o que ocorre sempre que se liga o computador, o programa u Torrent, embora minimizado, arranca automaticamente, sem intervenção humana. LIX. Por outras palavras, desde o dia em que o arguido terá descarregado o programa u Torrent para o seu computador, que o mesmo é iniciado por defeito, e a par do arranque do sistema operativo instalado no computador, ou seja, em simultâneo com este. LX. Aqui chegados, importa agora descrever, em traços gerais, o funcionamento do programa u Torrent, uma vez que é partir do referido programa informático que terão sido, alegadamente, praticados pelo arguido 75 159 (setenta e cinco mil cento e cinquenta e nove) crimes. LXI. O uTorrent é um programa de acesso gratuito e lícito. LXII. Por sua vez, o sistema de acesso aos ficheiros não se faz através de um servidor geral que os armazena, mas antes mediante cada um dos computadores individuais que fazem download e simultânea e automaticamente permitem que outros, que se encontrem em qualquer parte do mundo, acedam ao seu computador individual e façam através deste um download para os seus computadores. LXIII. Sempre que uma determinada pessoa faz download de um ficheiro está, automática e instantaneamente, a partilhar ou melhor, a semear (fazer upload) esse mesmo ficheiro, permitindo que várias pessoas desconhecidas que se encontram dispersas pelo mundo fora tenham acesso ao dito ficheiro. LXIV. Saliente-se, para os devidos efeitos, que este upload, a que o MP chama de partilha de ficheiros, é, na verdade, um ato involuntário, uma vez que a dita partilha não corresponde a uma expressa e consciente vontade de partilhar com terceiros, o ficheiro que se importou. LXV. Ao invés, a partilha acontece de forma automática, ou seja, a partir do momento que se inicia a importação de um ficheiro, à medida que progride o download do mesmo, este vai ficando disponível para terceiros interessados em fazerem upload do mesmo. LXVI. Dúvidas houvesse quanto à forma automática de partilha subjacente ao programa u Torrent, saliente-se que a possibilidade de upload por parte de terceiros dá-se a partir do momento em que um utilizador importa um ficheiro (inicia o download) para o seu computador, não sendo, sequer, necessário que essa importação esteja concluída para que terceiros possam proceder ao upload de tais conteúdos. LXVII. Este sistema de partilha é designado de P2P ou Peerto Peer, o qual consiste na ligação em rede de computadores que, para o efeito, têm de ter instalado um sistema/programa - uTorrent ou outro programa de características similares -, através do qual compartilham arquivos pela internet (em torrent, portanto). LXVIII. Este sistema é muitas vezes utilizado para partilha de ficheiros, de forma ilícita, ou seja, de ficheiros pirateados. LXIX. O que, por si, explica o facto de alguns dos ficheiros disponíveis para download estarem incorretamente identificados, nomeadamente com títulos que não correspondem ao seu conteúdo, tudo com vista, claro está, à disseminação da ilicitude da partilha desses ficheiros. LXX. Face ao exposto, resulta evidente que nem sempre os ficheiros importados por um utilizador correspondem ao conteúdo que esse mesmo utilizador tinha intenções de obter. LXXI. Esclarecido que fica o funcionamento do programa utilizado pelo arguido, importa retomar a análise do relatório forense efetuado pela PJ, que constitui o apenso C, dos autos e dos autos principais. LXXII. Conforme resulta de fls. 84 e 84 verso dos autos, nas imagens fotográficas captadas no momento da busca à residência do arguido, mormente as imagens com os números 14, 15, 16 e 17, que identificam o equipamento informático utilizado pelo visado (imagem 16), o ecrã do computador encontra-se desligado ou em hibernação (imagem negra do ecrã do computador). LXXIII. Nas imagens 18 e 19, constante de fls 84 verso e 85 frente, porém, o ecrã do computador já se encontra ligado. LXXIV. Sendo que, com base nas fotografias melhor supra identificadas, concluiu a PJ no mandado de condução à cadeia que o arguido foi detido em flagrante delito. LXXV. Ora, do que vem sendo dito e do registo fotográfico que a própria PJ elaborou, resulta falso o alegado flagrante delito, e isto porquanto: LXXVI. Se é visível que o ecrã do computador não estava ligado, no momento em que são efectuadas as primeiras fotografias pela PJ; se o programa u Torrent inicia a sua execução por defeito, isto é, sempre que o motor de arranque WINDOWS se inicia, aquele outro programa também se inicia; se é verdade que o u Torrent semeia (partilha) os ficheiros automaticamente, no já descrito sistema de partilha em rede pear to pear ou ponto por ponto, certo é que poderemos concluir, que no momento da busca, quando o Inspetor da PJ, ou outrem a quem este terá ordenado, premiu o botão "iniciar" do computador, foi despoletado, ao mesmo tempo, o arranque do programa u Torrent. LXXVII. Donde, concluir-se, com firme segurança, que a partilha dos ficheiros ( upload) se inicia com a ação do Inspetor da PJ e não por qualquer ato imputável ao arguido o qual, relembre-se, naquele momento, encontrava-se a trabalhar, frente a outro computador e em outra assoalhada da casa buscada. LXXVIII. Ora, resulta do artigo 256° do CPP, designadamente no seu n° 1,que o flagrante delito se caracteriza como sendo "todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer", sendo que nos termos do artigo 255° do CPP, é a verificação do flagrante delito que legitima a detenção de uma pessoa. LXXIX. Relembre-se, que para além das situações que configuram um flagrante delito, uma determinada pessoa só pode ser detida, quando verificadas as circunstâncias definidas no artigo 257° do CPP, e desde que estas sejam expressamente invocadas no mandado de detenção do arguido. LXXX. No caso agora objeto de análise, o mandado de detenção diz o seguinte: "Pedro Vicente, Coordenador de Investigação Criminal, da UNC3T, da Polícia Judiciária, manda que seja conduzido à zona Prisional anexa a esta polícia o arguido abaixo identificado, por ter sido detido, em flagrante delito, nos termos do art° 255° e 256° do CPP; hoje, dia 19/11/2020, às 10.00, pela prática do(s) crime(s) de Pornografia de menores, p.p. pelos art°s 14°, n° 1, 26°, 30°, 176°, n°s 1, al. c) e d) e n° 5, agravados os previstos no n° 1 pelo art° 177°, n° 6 e 7, todos do CP." LXXXI. Como será bom de ver, não há, no caso em apreço, o mínimo respeito pelo princípio vertido no artigo 191° do CPP, pelo que sempre se deverá considerar NULO o mandado de detenção, bem como nulos todos os atos praticados depois desta data, designadamente o despacho que determinou a prisão preventiva do arguido. LXXXII. De facto, e sem prejuízo de tal nulidade não constar especificamente do CPP, resulta da aplicação do artigo 21°, n° 3, alínea a) e 18°, n° 1, ambos da Constituição da República Portuguesa, que a detenção de uma pessoa fora do flagrante delito é inconstitucional, inconstitucionalidade que se argui e cujo efeito jurídico, não poderá deixar de ser a nulidade. LXXXIII. Acresce que, o arguido encontra-se indiciado pela prática de 75 159 crimes (setenta e cinco mil cento e cinquenta e novel previstos e punidos ao abrigo do artigo 176°, n° 1, alíneas c) e d) do CP, por referência ao artigo 111°, n° 7 do mesmo Diploma. LXXXIV. Decorre das alíneas c) e d) do n° 1, do artigo 176° do CP, sob a epígrafe Pornografia de Menores que é punido com pena até 5 (cinco) anos, o agente que preencher um dos comportamentos aí tipificados. LXXXV. Por sua vez, prevê o artigo 177°, n° 7, do CP que "As penas previstas nos artigos 163.° a i65.°, 168° e 175° e no n.° 1 do artigo 176.° são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos". LXXXVI. Ora aquilo que o Digníssimo Procurador do MP (doravante MP) fez e o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal (doravante JIC) aceitou, sem mais, foi o de dar como demonstrados os indícios de que o arguido terá praticado, alegadamente, 75 159 (setenta e cinco mil cento e cinquenta e nove) crimes de pornografia infantil. LXXXVII. Isto é, com base no número de ficheiros que o arguido, alegadamente, detinha nos seus equipamentos eletrónicos, bem como os ficheiros que o mesmo, alegadamente, semearia (partilharia), o MP e o JIC individualizaram cada um dos ficheiros transferidos e semeados, fazendo corresponder a cada um desses ficheiros a prática de um crime de pornografia de menores. LXXXVIII. É comummente aceite na Jurisprudência, e aliás, todas as condenações em Portugal são disso demonstração, que o arguido, a final, a ser condenado, sê-lo-á pela prática de um crime de pornografia de menores, ao abrigo do disposto no artigo 30° do Código Penal. LXXXIX. O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do processo 28/16.9PAACB.C1 resulta que "O bem jurídico protegido pelo tipo de crime do artigo 176. ° do CP é a Uberdade, ao nível da sexualidade, de pessoas que, situadas abaixo de determinado patamar etário, ainda não são suficientemente maduras para se autodeterminarem ao referido nível, ou, por outras palavras, procura aquela norma acautelar a autodeterminação sexual, face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade." XC. Neste sentido, transcreva-se ainda a seguinte passagem integrada no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, relativamente a um artigo escrito por: XCI. Ana Paula Rodrigues, in Revista do CEJ, 1.° Semestre 2011, Número 15, Pornografia de menores: novos desafios na investigação e recolha de prova digital, considera: No que respeita à problemática do concurso de crimes, cumpre ainda referir que não se partilha o entendimento de que haverá tantos crimes como o número de vítimas. Este tipo legal de crime visa tutelar bens jurídicos traduzidos no interesse da comunidade em proibir a circulação, venda, comercialização, a simples transmissão de registos audiovisuais de carácter pornográfico envolvendo crianças com idade inferior a 18 anos. O legislador, através deste preceito visou, também, resolver o problema da criminalização do tráfico de fotografias, filmes e gravações pornográficas com crianças, baseado num bem jurídico supra individual diverso do da Uberdade e autodeterminação sexual de uma criança. Assim, não se aceita que a norma proteja interesses exclusivamente pessoais, com a consequente multiplicação de ilícitos, nos termos do art. 30.°do Código Penal. Pelo exposto e em nosso entender, não obstante as imagens, na generalidade, conterem várias vítimas, comete um único crime quem as detém, exibe ou cede.» XCII. Atento o exposto, dúvidas não restam de que aquilo que se pretende criminalizar através da alínea c) do n.° 1 do artigo 176° do CP é toda e qualquer transmissão de material pornográfico através de todos os meios de comunicação disponíveis. XCIII. Todavia, importa salientar que estas condutas não violam diretamente nenhum bem jurídico do menor, razão pela qual a única justificação para esta incriminação parece ser, com efeito, o controlo do problema do tráfico, exploração e comércio dos fluxos de conteúdos pornográficos envolvendo crianças, assim se evitando que continuem a ser levadas a cabo condutas verdadeiramente violadoras da liberdade de autodeterminação sexual das crianças. XCIV. Face ao exposto, ao contrário daquilo que o MP quis demonstrar, e que, de certo modo justificaria o número absurdo de crimes de que o arguido vem indiciado, partilhamos do entendimento de que, atento o bem jurídico que efetivamente quis o legislador salvaguardar com o artigo 176° do CP, não é possível, in casu, afirmar que o número de vítimas seja a medida para o número de crimes imputados ao agente, conforme já aqui referido. XCV. Tudo visto, parece resultar inelutável, para os Tribunais e para o arguido também, que o mesmo só poderá vir a ser condenado, a final, pela prática de um crime de pornografia de menores, tudo, sempre, com o enquadramento da alínea c) do n° 3, do artigo 176° do CP e tudo porquanto, para preenchimento da alínea d), do n° 3, do artigo 176° do CP seria necessário demonstrar que o arguido importaria ficheiros com intenção - dolo - de partilhar os mesmos. XCVI. O que, desde já se esclareça, não ocorre, atento os argumentos já invocados da disseminação em rede - pear to pear - dos ficheiros importados por determinada pessoa. XCVII. Relembre-se que esta utilização do programa através da opção - pear to pear- é automática, isto é. sempre que uma determinada pessoa instala no seu computador o uTorrenta regra subjacente à utilização do referido programa é. precisamente, a da partilha de ficheiros em rede, no sistema pear to pear ou ponto para ponto. XCVIII. Sendo certo que, para que a partilha em rede não ocorra é necessário que tal opção seja desativada o que, por sua vez, implica que o utilizar conheça e domine o programa em si. XCIX. Acresce ao exposto que o facto de o arguido ser consultor informático não permite, de todo, concluir que o mesmo conhece todas as características do programa e que aceitou utilizar as mesmas, com as inerentes consequências. C. De facto, e num exemplo mais percetível, dizer que um consultor informático sabe e conhece todos os programas informáticos equivale a dizer que um qualquer Juiz sabe e conhece toda a legislação aplicável em território nacional, o que não é de todo verdade, como se sabe. CI. Mais, este arguido em concreto, esteve durante mais de dez anos praticamente cego, por sofrer de uma doença nas córneas, que obrigaram ao seu transplante. - documento n° 1. CII. Assim, a sua experiência informática é residual e, aliás, especificamente aplicada a uma área da actividade bancária, pelo que nada se pode concluir do facto do mesmo ser identificado profissionalmente como Consultor Informático, senão que o mesmo, na exígua experiência que tem, é competente na área que aprendeu a fazer. CIII. Deste modo, e tratando-se o crime em causa - artigo 176° do CP- um crime passível de ser cometido apenas por dolo, nunca poderá subsumir-se o indiciado comportamento do arguido à previsão contida na alínea d), do n° 1, do artigo 176° do CP. CIV. Aqui chegados, conclui o arguido o seguinte: CV. A existir indícios da prática de crimes, tais indícios subsumem-se à prática continuada de um único crime de pornografia de menores, p.p. no artigo 176° do CP; CVI. Os indícios demonstrados pelo MP assentam num relatório forense elaborado pela PJ que é, segundo esta Polícia confessa, enviesado. CVII. Mais, ficou explicitamente demonstrado, que a partilha em rede pear to pear, se executa automaticamente, desde que o motor de arranque do computador se inicia, o que aliás permitiu à PJ "colocar o arguido em flagrante delito" através de uma atuação imputável à própria PJ, o que estes conhecem, sabem e não podem desconhecer, uma vez que se dedicam à investigação de crimes informáticos ou cometidos por meios informáticos. CVIII. Todavia, e sem prejuízo de tudo o que aqui foi escrito, entende o arguido que a medida de coação aplicável, ainda que objetivamente possível, não deveria tê-lo sido no caso concreto, tanto mais que assentou em pressupostos incorrectos, designadamente, na alegada prática pelo Arguido de cerca de 75 179 (setenta e cinco mil cento e cinquenta e nove) crimes. CIX. Ora, vejamos, CX. Não podemos ignorar a evidente dificuldade em encontrar um nexo causal justo entre a posse de materiais pedo pornográficos e a concreta prática de crimes contra menores. CXI. Afinal, aceitar que é o perigo que a detenção representa, que legitima a incriminação, é admitir a criminalização com base num nexo que é, no máximo eventual. Pune-se o possuidor por eventuais condutas lesivas de terceiros (produtores). CXII. Parece haver uma lógica, no nosso entender errada, de responsabilização mediata do detentor pelos abusos cometidos pelos produtores de pornografia. CXIII. A confirmar o entendimento supra, nomeadamente a dificuldade inerente à criminalização da mera detenção de pedo pornografia, relembremos o que vem estabelecido no artigo 9o da Convenção do Cibercrime em Budapeste. CXIV. O legislador internacional quis deixar na disponibilidade de cada Estado a possibilidade de não aplicarem as disposições que criminalizam as condutas de obtenção e mera posse de pornografia infantil. CXV. Vislumbramos que a própria Convenção foi sensível a algumas dificuldades que, tal como já referido, estas criminalizações levantam, configurando a suscetibilidade de aplicação das disposições conferida pelo legislador internacional a falta de um entendimento comum quanto à subsunção moral/ética daqueles comportamentos. CXVI. Importa ainda trazer à "discussão" o Framework Decision 2004/68/JHA sobre o combate à exploração infantil e à pornografia infantil, apresentado a 22 de dezembro de 2003 pelo Conselho Europeu. CXVII. Resulta do supra referido Framework a proposta de equiparação da legislação dos Estados Membros, designadamente pela adoção das medidas necessárias para assegurar que são punidas as seguintes condutas, tenham ou não sido cometidas através do uso de um sistema de computador, sem direito para tal: produção de pornografia infantil; distribuição, disseminação ou transmissão de pornografia infantil; fornecimento ou disponibilização de pornografia infantil; aquisição ou posse de pornografia infantil. CXVIII. Ainda segundo o mesmo Framework, relativamente a penas e a circunstâncias agravantes, os Estados Membros deverão tomar as medidas necessárias para assegurar que as ofensas referidas anteriormente sejam puníveis com pena de prisão de, pelo menos, 1 (um) a 3 (três) anos. CXIX. O que se invoca serve, acima de tudo, para demonstrar que a fronteira, nos casos espedficadamente mencionados, entre a ética e o crime é ténue. CXX. Aliás, se analisarmos os autos principais, designadamente a fls. 72, bem compreendemos que neste processo também se confundem os conceitos de pornografia de menores, com um qualquer outro conceito, apenas assim compreendido, pelos condicionalismos e preconceitos morais e éticos de cada um. CXXI. Com efeito, a fotografia aí registada, apresenta um corpo feminino, de idade incerta. CXXII. Voltando agora à Convenção do Cibercrime de Budapeste, designadamente ao artigo 9o, n° 2, bem compreendemos que tal fotografia não pode ser identificada como pornografia infantil, o que permite compreender como tão facilmente se confundem conceitos e deturpam indícios neste processo de inquérito. CXXIII. Todavia, temos ainda de ponderar, no caso em apreço o seguinte: CXXIV. O artigo 2° da CRP define o Estado Português como um Estado de Direito Democrático. CXXV. No âmbito do direito penal e. designadamente, no âmbito do direito penal português vigora, quanto ao fim a que a acção punitiva do Estado se destina, a teoria da prevenção geral positiva ou da integração, plasmada, entre outros, nos artigos 44°, n° 1, 58°, n° 1, 50°, n° 1, artigo 74°, n° 1, c), todos do CP. CXXVI. No caso concreto, a demonstrar-se e considerar-se provado, em sede de Audiência de Discussão Julgamento, a prática pelo arguido do crime de que vem indiciado, facilmente se conclui que a visualização de filmes de cariz pornográfico, em que os seus intervenientes são menores de idade, configura um desequilíbrio do foro psiquiátrico. CXXVII. Estamos claramente perante uma forma de parafilia que, por sua vez, é considerada um transtorno que merece ser entendido como tal e, em particular, tratado como tal. CXXVIII. Como documento n° 2, junta-se a este recurso, um parecer elaborado pelo Professor Doutor Ricardo Gusmão, Médico Psiquiatra, através do qual procuramos estabelecer o enquadramento médico da pedofilia e demonstrar a justeza do que adiante será dito e pedido, para cujo teor integral se remete, por economia processual. CXXIX. Face à teoria da prevenção geral positiva ou da integração e do que fica dito em termos médicos psiquiátricos, parece-nos, salvo melhor entendimento, que a aplicação da medida de prisão preventiva não traz qualquer benefício ao Estado onde o indivíduo que é indiciado pela prática de um crime de pornografia infantil, se integra e insere. CXXX. De facto, o Estado tem interesse, na verdade, em obter e garantir a eliminação da prática destes crimes, só possível, se houver intervenção médica junto de pessoas que sofrem deste tipo de transtorno psiquiátrico e que alimentam a produção e difusão destes registos de pornografia infantil, pois que são os seus consumidores finais. CXXXI. A verdade, é que colocar em prisão preventiva uma pessoa que sofre deste tipo de distúrbio, em nada muda os seus desejos ou fantasias, assim como em nada contribui para o bem-estar físico e emocional do arguido, impedindo que o mesmo seja reintegrado na sociedade. CXXXII. Denote-se que o nosso CPP, aliás, promove essa possibilidade, isto é, admite como medida de coação aplicada isolada ou conjuntamente com outra, o tratamento de uma dependência que tenha contribuído para a alegada prática de um crime. conforme alínea f), do n° 1, do artigo 200° do CPP. CXXXIII. Neste contexto, saliente-se que o arguido aceita, desde já, submeter-se a um exame psiquiátrico e. sendo caso disso, ao tratamento do desvio de personalidade verificado. CXXXIV. Conjuntamente com a aplicação desta medida de coação, a qual obrigará o arguido a deslocações a consultas médicas, será necessária e suficiente a aplicação de uma medida de coação de apresentação periódica, se não apenas à já determinada de termo de identidade e residência, e isto porquanto, além do que já ficou dito, se entende que face a tudo quanto já ficou escrito, se devem considerar totalmente esvaziados os pressupostos de que partiu o TIC para a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, designadamente, as alíneas b) e c), do artigo 204° do CPP, e isto, porquanto: CXXXV. A alínea b), do n° 1, do artigo 204° do CPP, determina que a aplicação da prisão preventiva verificar-se-á se houver "Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova/'. CXXXVI. Conforme decorre do apenso C a estes autos, a PJ apreendeu, na busca efetuada, todo o equipamento informático na posse do arguido e que se encontrava na sua residência. CXXXVII. Pelo que não se compreende, pois, quer à data da prolação do despacho que determinou a sua condução a Estabelecimento Prisional, para aplicação da medida de coação de prisão preventiva, quer actualmente, em que medida pode o arguido perturbar o decurso do inquérito, a sua instrução ou fazer perigar a conservação da prova. CXXXVIII. Aliás, o despacho que determinou a prisão preventiva, também não expõe, ou sequer fundamenta, em que medida tal verificação é possível. CXXXIX. Apelamos, aqui, ao bom senso de V.Exas., Venerandos Desembargadores, para concluírem, de acordo com a experiência e o saber, da impossibilidade de uma pessoa intervir, alterar, modificar ou fazer perigar a prova, quando a mesma é de raiz informática e todos os equipamentos informáticos se encontram apreendidos pela PJ, o arguido não tem acesso às instalações da PJ e, consequentemente não tem como, através de um qualquer seu comportamento preencher a previsão contida na alínea b) do n° 1, do artigo 204° do CPP. CXL. Relativamente ao preenchimento da alínea c), do n° 1, do artigo 204°, o qual prevê a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, quando haja "perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.", dir-se-á o seguinte: CXLI. No caso concreto, estaríamos, quando muito, perante a suscetibilidade do arguido prosseguir a atividade criminosa. CXLII. Mas esta é, no entendimento do aqui arguido, uma falsa questão. CXLIII. Se se demonstrar que a visualização de filmes pornográficos de menores tem origem num desvio de personalidade, conforme é, pelo menos, o entendimento do Professor Dr. Ricardo Gusmão, não é, conforme já referido, a aplicação de uma prisão preventiva que pode obstar à prática desse crime. CXLIV. Pode, na verdade, evitar que durante um determinado período, uma pessoa não visione ficheiros com essa natureza; mas só um tratamento o libertará do desejo sexual que o assombra. CXLV. Todavia, e paralelamente, o Estado Português sabe, ou tem obrigação de saber, que as pessoas indiciadas pela prática de crimes sexuais contra menores, detidos em prisão preventiva, são abusados sexualmente e de forma violenta, por outros cidadãos detidos, atentos os códigos de conduta implícitos entre a população prisional. CXLVI. Já não basta o horror de conhecer-se esta prática reiterada e nada se fazer, como, tendo consciência da mesma, enviar uma pessoa, que nunca abusou sexualmente de uma criança, para o meio de outros, que desconhecendo a diferença entre os indícios da verificação de um crime de abuso sexual de menor e da verificação de um crime de pornografia de menores, abusarão do arguido impiedosamente. CXLVII. Mas se este argumento, por si só, não é válido para desconstruir a aplicabilidade da alínea c), do n° 1, do artigo 204° do CPP ao caso concreto, dir-se-á que, sempre que há uma perturbação de cariz psiquiátrico ou psicológico que determina a prática de um crime por um determinado agente, a intervenção do Estado não pode reconduzir-se à privação da liberdade, toutcourt. CXLVIII. Argumento este que encontra correspondência no nosso CP, designadamente na figura da inimputabilidade por anomalia psíquica. CXLIX. Com efeito, nestas situações particulares, sabe-se que a eventual condenação e cumprimento da pena por parte de um agente, evitará apenas que nesse ínterim o agente não pratique crimes; daí a necessidade de, ao invés da aplicação de medidas privativas da liberdade, seja aconselhável, prudente e mais ajustada a obrigação de sujeição do agente a tratamento, que elimine a tendência daquele para a prática do crime. FACE AO EXPOSTO, Tudo com o mui douto suprimento de V.exas. , requer-se a prolação de acórdão que declare: 1) Ilícito, por violação dos artigos 27°, n° 3, alínea a) e 18°, n° 1, ambos da Constituição da República Portuguesa o alegado flagrante delito; 2) A substituição da medida de coação aplicada - prisão preventiva - pela medida de coação de obrigação de tratamento de dependência que tenha contribuído para a alegada prática de um crime, conforme alínea f), do n° 1, do artigo 200° do CPP, a qual, independentemente da já aplicada medida de coação de termo de identidade e residência, poderá ser aplicada isoladamente, ou conjuntamente com outra. Assim decidindo, contribuirão V.Exas. para a justa aplicação do Direito, designadamente para o cumprimento do princípio de prevenção positiva e reintegração do indivíduo.” III. O recurso foi admitido por despacho de 31-12-2020 com a refª 401674108, constante de fls. 84 da certidão que instrui o presente recurso, tendo sido fixado efeito devolutivo. IV. Respondeu o MºPº através das contra-alegações juntas em 02-02-2021, com a refª 28394288, juntas a fls. 87 e ss da certidão que instrui os presentes autos, através das quais pugna pela improcedência do recurso e confirmação da prisão preventiva decretada, tendo oferecido as seguintes conclusões: “I. O arguido ora recorrente vem alegar que o relatório forense elaborado pelos peritos da Polícia Judiciária se mostra enviesado e que a perícia efectuada ao computador ASUS, modelo UX430U, apreendido ao arguido apenas evidenciou a partilha de ficheiros de abusos sexuais de crianças por uma acção do Inspector da Polícia Judiciária e não por qualquer acto imputável ao arguido. II. O arguido coloca em causa a actuação da Polícia judiciária aquando da realização das buscas domiciliárias à sua residência, lançando um manto de suspeição no que respeita aos procedimentos deste órgão de polícia criminal na perícia efectuada a tal computador, com um intuito de colocar o arguido, deliberadamente, numa situação de flagrante delito. III. Contudo, o relatório pericial ao computador de marca ASUS é lapidar no que concerne à evidente prova de que o arguido se encontrava a efectuar o upload e a partilhar ficheiros de pornografia de menores enquanto trabalhava num outro computador. IV. Com efeito, conforme se afere do auto de busca e apreensão, o computador de marca ASUS encontrava-se numa secretária no quarto do arguido, com o ecrã desligado. V. Todavia, a acção do inspector da Polícia judiciária limitou-se no mero deslizar o dedo pelo touchpad (dispositivo sensível ao toque e movimento semelhante ao de um rato convencional de um computador) a fim de verificar se esse computador se encontrava ligado, o que fez com que o ecrã se iluminasse apresentando logo o ambiente de trabalho no programa uTorrent, não sendo necessária a introdução de qualquer palavra passe associada ao utilizador. VI. Assim, o Inspector da Polícia Judiciária limitou-se a verificar se tal computador se encontrava ligado, o que constatou, sendo que não foi por tal gesto (toque no touchpad) que ligou o computador. VII. Deste modo, em nenhum momento, os inspectores da Polícia judiciária premiram o botão “iniciar” do computador e despoletaram o arranque do programa uTorrent, como, erroneamente alega o arguido/recorrente no ponto 101 do referido recurso. VIII. É notório que o programa uTorrent encontrava-se a funcionar e o arguido disso tinha conhecimento, apesar do ecrã se encontrar escuro, ou seja, em modo de poupança de energia. IX. Saliente-se que a perícia permitiu apurar que o sistema operativo se encontrava em funcionamento ininterrupto pelo menos desde as OOhOO do dia 19 de Novembro de 2020. X. Acresce que, com a activação do ecrã, surgiu de imediato uma imagem do programa uTorrent que não se encontrava em modo minimizado, mas sim maximizado no ecrã principal, como se afere das capturas de ecrã juntas no apenso C e que os inspectores da Polícia Judiciária, desde logo, cristalizaram juntando aos autos as capturas de ecrã nas quais é visível o programa uTorrent a funcionar, sendo igualmente visível a velocidade de recepção e a velocidade de envio de ficheiros e pastas que estavam a ser descarregadas e partilhadas, sendo as denominações compatíveis com ficheiros com conteúdos de abusos sexuais de crianças, (vide fls. 17 a 19 do Apenso C). XI. Do mesmo modo, outras capturas de ecrã sinalizam de forma evidente as estatísticas de partilhas e descargas referentes aos últimos 31 dias- estatística realizada pelo próprio programa uTorrent- verificando-se que o arguido, nesse período de tempo recebeu 63.4GB e partilhou 1.1 TB de informação. XII. Ora, é patente que atenta a elevadíssima quantidade de informação partilhada indicia-se fortemente que o arguido utilizava, exclusivamente, o computador ASUS, ao qual tinha ligado um disco externo de Marca Toshiba no interior do qual foram encontrados 4.284 ficheiros de abusos sexuais de crianças, para receber e partilhar ficheiros desta natureza. XIII. Mais se refira que o arguido detinha noutros suportes de armazenamento, pastas e subpastas organizadas com designações compatíveis com pornografia de menores (ex. preteen nude; Home Lolita Set 05 Tasi”) -( vide fls. 91 verso, 93 verso , 94, 95 e 96). XIV. Dúvidas não restam que, no momento da busca domiciliária, o arguido se encontrava a descarregar e partilhar ficheiros de abusos sexuais de crianças, o que determinou, e bem, a respectiva emissão dos mandados em flagrante delito, nos termos do disposto no artigo 254.°, 255.°e 256.° do Código de Processo Penal. XV. Aliás, perante uma situação dara de flagrante delito, como é a dos autos impunha-se o dever funcional do órgão de polícia criminal determinar, por iniciativa própria, e de acordo com as atribuições da Lei Orgânica da Polícia Judiciária, a detenção do arguido para submissão a interrogatório judicial e aplicação da respectiva medida de coacção. XVI. A decisão que determinou a detenção em flagrante delito do arguido obedeceu aos princípios da necessidade, da adequação e proporcionalidade, não se vislumbrando qualquer ilegalidade. XVII. Mais se refira que contra a detenção ilegal, tal como o arguido ora recorrente alega ter sido vítima, seria possível reagir por meio de habeas corpus, dirigido ao juiz de Instrução criminal, nos termos do artigo 220.° e 221.° do C.P.P., o que não fez. XVIII. Destarte, entendemos que a detenção foi legal, não existindo pois, qualquer violação do artigo 27.°, n.° 3, alíneas a) b) f) e g) da Constituição da República Portuguesa. XIX. A prisão preventiva constitui no nosso sistema a ultima ratío apenas devendo ser aplicada quando as demais medidas de coacção não se mostrarem suficientes, adequadas e suficientes, no entanto, há casos em que a mesma pode ser aplicada, por se verificarem os seus legais requisitos. XX. Na verdade, o direito à liberdade é um direito fundamental e tem assento constitucional, maxime no art.° 27.° n.° 1 da Constituição da República Portuguesa. XXI. Todavia, uma das excepções a este princípio, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, foi estabelecida pela Constituição: a prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos - cfr. art.° 27.° n 0 3 alínea b) da Constituição. XXII. Esta restrição tem por fim acautelar o normal desenvolvimento do procedimento penal e uma boa administração da justiça, interesse potencialmente conflituante com o direito à liberdade. XXIII. Pese embora a prisão preventiva tenha natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei - cfr. art. 28.° n.° 2 da Constituição, importa não confundir o conceito de excepcionalidade com o de inaplicabilidade. XXIV. O arguido coloca em causa a existência dos requisitos gerais estabelecidos no artigo 204.° do Código de Processo Penal e que determinaram a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva designadamente o perigo de em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continua a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade pública. XXV. Ora, da audição atenta da decisão da Mm.° Juíza de Instrução Criminal, verifica-se que a mesma fundamenta, de forma cabal, os perigos enunciados no artigo 204.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, com base nos fortes indícios recolhidos em sede de inquérito, relativamente às circunstâncias como ocorreram os factos e ao número de ficheiros encontrados à data na posse do arguido e que este se encontrava a partilhar. XXVI. No que respeita ao perigo de continuação da actividade criminosa também a Mm.a Juiz de Instrução criminal o sustentou e fundamentou de forma coerente e consistente como se afere do seu douto despacho para fundamentar a aplicação da medida de coacção mais gravosa. XXVII. Com efeito, é inegável que o Arguido se encontrava munido de um vasto arsenal de imagens e filmes com conteúdos de abuso sexual de crianças menores de idade, muitas de tenra idade e que foram partilhadas através de programas especificos para o efeito. XXVIII. Também é indiscutível que os factos pelos quais o Arguido se mostra fortemente indiciado são objectivamente muito graves e causadores de instabilidade social considerando que este tipo de ilícito é praticado através da internet, meio amplamente difusor por uma multiplicidade de cibernautas de imagens e vídeos, que assim se propagam e se tornam difícil de retirar da internet, tanto mais que ao serem partilhadas por programas P2P, ficam residentes e disponíveis, por cada um dos utilizadores, em centenas ou milhares de computadores. XXIX. É clara e manifesta a propensão, o gosto e a predilecção do arguido para a detenção e partilha de conteúdos relacionados com abusos sexuais de crianças, o que acentua ainda mais o perigo de continuação da actividade criminosa, pois mesmo sem o computador o arguido através dos dispositivos móveis poderia continuar a aceder e partilhar estes conteúdos. XXX. Destarte, a manutenção do arguido em liberdade ou a aplicação da medida de coacção de permanência na habitação, mesmo que com a utilização de controlo electrónico, não tem qualquer virtualidade de, eficazmente a evitar de forma significativa o perigo de continuação da actividade criminosa. XXXI. O arguido pugna pela aplicação a medida de coacção de obrigação de tratamento de dependência que tenha contribuído para a alegada prática de um crime. XXXII. Ora, in casu, em sede interrogatório judicial, o arguido, no uso do direito legal e constitucionalmente consagrado remeteu-se ao silêncio, sendo que em nenhum momento referiu ser adicto de conteúdos de abusos sexuais de crianças, pelo que não se compreende a alegação de que padecerá de um desequilíbrio do foro psiquiátrico, ou parafilia como vem agora alegar que contribuiu para a prática do crime. XXXIII. Tal alegação apenas se compreenderá pelo facto de ser inegável e dificilmente rebatível que o arguido tinha na sua posse inúmeros ficheiros com conteúdos de abuso sexuais de menores e que detinha um f computador na sua posse exclusivamente a partilha de tais conteúdos. XXXIV. Todavia, o que está em causa não é a mera posse de conteúdos/ficheiros de abusos sexuais de crianças, mas a partilha destes ficheiros. XXXV. Foi a partilha (e não posse) destes ficheiros- que o arguido evidentemente colecionava) que se logrou indiciar fortemente, através do exame pericial ao computador que o arguido mantinha ligado -e a partilhar ficheiros de abuso sexual de crianças- que determinou a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva. XXXVI. Em Portugal apesar do crime de pornografia de menores ter sido introduzido com a reforma de 2007, só muito recentemente foi concretizado o conceito de “material pornográfico” para efeitos do artigo 176° do Código Penal, de certo modo, seguindo de perto a definição dos instrumentos internacionais e, procurando esclarecer dúvidas que, por vezes, surgem afloradas na jurisprudência e na doutrina portuguesas quanto ao mencionado conceito. XXXVII. Nessa senda com a Lei n.° 40/2020, de 18.8, foi introduzido um n.° 8 ao artigo 176° do CP, com a seguinte redacção: «Paro efeitos do presente artigo, considera-se pornográfico todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo.» XXXVIII. Pode ler-se na Exposição de Motivos do Projecto de Lei n.° 187/XIV/1a, que esteve na origem da citada Lei n.° 40/2020: “A exploração sexual de crianças, nomeadamente para finalidades ligadas à pornografia e outras formas de abuso sexual, incluindo os actos praticados através de sistema informático ou cometidos de forma dispersa por diferentes jurisdições, colocam gravemente em perigo a saúde e o desenvolvimento psicossocial dos menores abusados, comprometendo a sua vida futura. Trata-se de violações de direitos particularmente graves e que abalam valores fundamentais inerentes à protecção do ser humano e da própria sociedade, nomeadamente a confiança no Estado e nas instituições públicas, sobre os quais recai um dever geral de protecção.” XXXIX. Como decidiu o STJ, no acórdão de 22-2-2018, proc. n.° 351/16.2JAPRT.S1, in www.dgsi.pt : “A pornografia supõe uma representação grosseira da sexualidade, que faz das pessoas mero objecto despersonalizado para fins predominantemente sexuais, ou um desempenho de actividades sexuais explícitas, reais e simuladas, ou ainda a representação dos órgãos sexuais para fins predominantemente sexuais. ” XL. Assim, a pornografia infantil é uma actividade criminosa que visa a produção, comercialização, consumo e permuta de materiais (fotografias e/ou filme, imagens digitais, em CD, ficheiros de imagem que circulam em rede) nos quais a criança aparece como objecto de prazer sexual, exposta ou sendo vítima de relações sexuais, efectivas ou simuladas, com a participação de adultos ou não. XLI. É consabido que o material pornográfico infantil é para o agente do crime de pornografia de menores um acervo de grande valor, sendo que a tendência é a de ir adquirindo cada vez mais, por compra ou troca, aumentando um acervo secreto. XLII. Quem consome, produz ou partilha material de pornografia infantil tende a ser um colecionador, visando aumentar tal colecção de imagens/vídeos de ano para ano, pois a vontade é acumular imagens novas para a sua satisfação sexual. Por outro lado, verifica-se uma tendência em organizar detalhadamente a sua colecção em ficheiros ordenados por temas específicos, trabalho que os computadores facilitam, pela possibilidade que proporcionam para o armazenamento e arquivamento de documentos. XLIII. No caso concreto foi encontrado na posse do arguido um extenso número de ficheiros com conteúdo pornográfico envolvendo menores de idade, ficheiros que se encontravam em pastas e subpastas organizadas por temas e cujas nomenclaturas são alusivas a abusos sexuais de crianças - o seu acervo secreto!. XLIV. In casu, mais não está em causa a mera visualização ou posse de pornografia infantil à qual se refere, o arguido no douto recurso. XLV. O que está em causa e é susceptível de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva é a partilha destes ficheiros e não a mera visualização ou posse, pois neste último caso, a moldura penal abstracta não o admite. XLVI. Independentemente da sujeição do arguido a perícia de personalidade a fim de aferir a existência de qualquer parafília, a mesma não poderá ser considerada como uma “dependência” que contribuiu para a prática do crime de pornografia de menores. A existir tal parafília, a mesma só poderá agravar as exigências cautelares que ao caso se impõe. XLVII. A medida coacção prevista no artigo 200.° n.° 1, alínea f) do C.P.P. aplica-se a dependências químicas, mormente à dependência do álcool ou de produtos estupefacientes e não a características de personalidade. XLVIII. A considerar que tal medida de coacção se aplicaria a parafilias desta natureza, significaria que se encontraria justificada a prática de qualquer crime contra a auto-determinação sexual de crianças, máxime, o abuso sexual de crianças. XLIX. Na verdade, as parafilias não são ipso facto doenças psiquiátricas, isto é, a parafília, por si só, não justifica um diagnóstico nem uma intervenção terapêutica, pelo que se impõe entender o que deve ser deixado no âmbito do crime e não ser desculpabilizado nem beneficiar com os efeitos dos ganhos secundários do estatuto de doença e as situações patológicas que beneficiam de uma intervenção terapêutica adequada. L. Assim, no nosso entendimento subsiste, no caso concreto, um intenso perigo de continuação da actividade criminosa ao que acresce a confessada perturbação de personalidade ou parafilia por parte do arguido, o que revela que apenas uma medida de coacção limitativa da liberdade é adequada e suficiente a satisfazer as necessidades cautelares que se impõem. LI. No douto recurso, o arguido ora recorrente insurge-se contra o facto de o Ministério Público ter indiciado o arguido da prática de 75.159 crimes de pornografia de menores, apenas com base no número de ficheiros que o arguido detinha no seu computador e demais equipamentos informáticos, alegando que a Jurisprudência apenas condena os arguidos pela prática de um só crime de pornografia de menores, referindo que “ a existir indícios da prática de crimes, tais indícios subsumem-se à prática continuada de um único crime de pornografia de menores p.p. no artigo 176.° do C.P. ” ( vide ponto 137 e CV das conclusões) LII. Ora, não podemos deixar de discordar com a posição defendida pelo arguido, ora recorrente de que os factos indiciados são subsumiveis à prática continuada de um crime de pornografia de menores, aplicando-se o vertido no artigo 30.° do C.P.P., sedimentando essa posição no Acórdão do STJ de 17/05/2017 LIII. Na verdade, quando está em causa a contagem do número de crimes que são praticados durante um longo período de tempo, a prática jurisprudenciat maioritária tem aplicado não o crime continuado, mas a figura do trato sucessivo, que não se encontra legalmente previsto e é uma mera criação jurisprudencial LIV. O crime de pornografia de menores visa defender a autodeterminação sexual de crianças e jovens ou o seu livre desenvolvimento, ou seja, bens jurídicos de carácter eminentemente pessoal. LV. O chamado crime de trato sucessivo mais não é do que uma tentativa de ampliar a construção jurídica do crime continuado, despojando-o da marca essencial que assume no nosso ordenamento jurídico-penal, que é a realização plúrima da acção típica no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente (art.° 30.°, n.° 2 do Código Penal). LVI. A ideia de que o elemento diferenciador entre crime continuado e crime de trato sucessivo é de que, ao contrário do que sucede no crime continuado (em que existe uma diminuição da culpa pela repetição de condutas, afastando-se os casos em que estão em causa bens jurídicos eminentemente pessoais) nos crimes de trato sucessivo não há uma diminuição considerável da culpa, mas, sim, um seu agravamento crescente à medida que a conduta se vai repetindo”. No crime de trato sucessivo há um só crime - que se desdobra em várias condutas que, se isoladas, constituiriam um crime- que é tanto mais grave na sua moldura penal quantas vezes seja mais repetido. Nos crimes de trato sucessivo a acção criminosa envolve a pratica de vários actos homogéneos. Veja-se neste sentido o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/02/2019, disponível em www.dgsi.pt LVII. Ora, in casu, estamos meramente numa fase meramente indiciária, cumprindo ainda proceder aos demais exames periciais que permitirão aferir, mais concretamente as resoluções criminosas que estão em causa e a conexão temporal (individualizando cada um dos downloads e cada uma das partilhas) para a subsequente imputação no libelo acusatório. LVIII. O que é certo é que não é defensável a aplicação da figura do crime continuado nos presentes autos, considerando o bem jurídico que o legislador quis salvaguardar por um lado - liberdade e autodeterminação sexual de crianças - e o facto de não se vislumbrar uma qualquer diminuição da culpa apta a preencher a previsão do disposto no artigo 30°, n.° 2 do Código Penal. LIX. Pelo contrário, analisadas as imagens e vídeos constantes nestes autos, chocantes para qualquer comum homem médio, apenas será defensável que por cada visualização o arguido fosse compelido a cessar a prática criminosa, e não o contrário. Verifica-se, sim, um aumento do grau de culpa e não uma diminuição, como pretende o recorrente. LX. Nesta decorrência, entendemos que as exigências cautelares que ao caso se impõem se mantêm e apenas serão erradicadas com a aplicação da prisão preventiva, não constituindo as razões aduzidas pelo arguido, ora recorrente, motivo suficiente forte para determinar a alteração da medida de coacção em vigor, mormente para a medida de coacção de obrigação de tratamento de dependência que tenha contribuído para a alegada prática de um crime. LXI. Considera o Ministério Público que não assiste qualquer razão ao recorrente, porquanto o Mm.° Juiz de Instrução Criminal interpretou e aplicou adequadamente o preceituado nos arts. 141.°, 191.° a 196.°, 202.°, 204.° do C.P.P. e os artigos 27.° e 18.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa, não merecendo qualquer reparo o despacho recorrido, que deverá ser mantido na íntegra, e, em consequência, ser declarado improcedente o recurso interposto. V. °s. Ex. ° s. faraó a costumada JUSTIÇA” V. Foi aberta vista nos termos do disposto no artº 416º nº 1 do CPP, tendo a Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto proferido douto parecer em 10-02-2021 (refª 16604140), no qual pugna pela improcedência do recurso e a confirmação da decisão recorrida, acompanhando a resposta do MºPº da 1ª instância. VI. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência. VII: Analisando e decidindo. O objecto do recurso, e portanto da nossa análise, está delimitado pelas conclusões do recurso, atento o disposto nos artºs 402º, 403º e 412º todos do CPP devendo, contudo, o Tribunal ainda conhecer oficiosamente dos vícios elencados no artº 410º do CPP que possam obstar ao conhecimento do mérito do recurso.[1] Das disposições conjugadas dos artºs 368º e 369º, por remissão do artº 424º nº 2, todos do Código de Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso, pela seguinte ordem: 1º: das questões que obstem ao conhecimento do mérito da decisão; 2º: das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do artº 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no artº 410º nº 2 do mesmo diploma; 3º: as questões relativas à matéria de Direito. O Arguido/Recorrente entende que: - a sua detenção não foi efectuada em flagrante delito, pelo que se deve considerar nulo o mandado de detenção, bem como nulos todos os actos praticados depois desta data, designadamente o despacho que determinou a prisão preventiva, pois, apesar de tal nulidade não constar especificamente do CPP, resulta da aplicação do artº 27º nº 3 al. a) e 18º nº 1 ambos da CRP; - não foram cometidos 75159 crimes, mas apenas um crime na forma continuada punível apenas pelo artº 176º nº 3 al. c) do CP e não pela al. d) do mesmo preceito legal uma vez que o arguido não partilhou os ficheiros com esse dolo uma vez que a partilha é automática; - não existe o perigo de perturbação do inquérito e a prisão preventiva não se mostra proporcional nem adequada à patologia do arguido; Está, assim, em causa saber: a) se o arguido foi detido em flagrante delito e se existe alguma nulidade processual fruto dessa detenção; b) se está em causa a prática de apenas um crime de pornografia de menores na forma continuada ou se existem tantos crimes como o número de ficheiros encontrados e se o crime se enquadra apenas na al. c) e não na al. d) do nº 3 do artº 176º do Código Penal; c) Se existem os pressupostos legais para aplicação da medida de prisão preventiva, desdobrada nas vertentes de: di) (in)existência dos perigos anunciados no artº 204º do CPP); dii) respeito pelos princípios de necessidade, adequação e proporcionalidade (artºs 191º e 193º do CPP). Vejamos qual a solução imposta pelo quadro legal, doutrinal e jurisprudencial, olhando primeiro os factos indiciados que o arguido/recorrente pretende sindicar, com transcrição dos mesmos. Assim: Na sequência do 1º interrogatório judicial realizado em 20-11-2020, foram considerados fortemente indicados os seguintes factos: “Na sequência da investigação realizada no âmbito do presente inquérito e compulsados todos os elementos probatórios recolhidos até ao momento resultam FORTEMENTE INDICIADOS os seguintes factos: 1. No dia 01 de Outubro de 2019, às 12:40:38 UTC, no interior da sua residência sita na Rua … Lisboa, o arguido, através do IP ..., com o Porto: 49570 descarregou e partilhou o ficheiro com a denominação (Pthc) 4yo Susan.mpg. 2. Tal ficheiro retratava o abuso sexual de uma menor do sexo feminino com cerca de 4 anos de idade, em que um adulto do sexo masculino, manipula a vagina da menor com os dedos, introduzindo-os no ânus e vagina da criança. 3. A Polícia Judiciária, através de uma monitorização na internet das redes de partilha P2P (Peer-to-Peer), visando a descarga de ficheiros já conhecidos internacionalmente como sendo classificados como contendo abusos sexuais de crianças detectou a partilha de tal ficheiro pelo arguido. 4. No dia 19 de Novembro de 2020, pelas 10h00, procedeu-se à realização dos mandados de busca domiciliária ordenados pela autoridade judiciária competente à residência do arguido acima indicada. 5. Nessas circunstância de tempo e lugar, o arguido detinha na sua posse os seguintes equipamentos electrónicos, que foram apreendidos[2]: --Uma torre de computador da marca Magma by Tsunami com o número de série 4031810003000001; --Uma torre de computador da marca HP, modelo M9000, com o número de série CZX8427WD4; --Um disco externo da marca Western Digital com o número de série WCAL94648202; --Um disco externo da marca Seagate com o número de série NA4L7C5K; --Um disco externo da marca Iomega com o número de série 97AW25042F; --Um disco externo da marca Toshiba com o número de série 709ET0R7TRNG; --Um disco externo da marca Toshiba com o número 59P7T0JQTG2E; --Um computador portátil da marca ASUS modelo N550J, com o número de série D7N0CY71556430A; --Um computador portátil da “marcao” se encontrava em mau estado de conservação. 6. Foi ainda apreendido ao arguido um extracto bancário, referente a uma conta bancária por si titulada do Banco Santander, com o NIB …, no qual se constata que no dia 22/11, o arguido efectuou o pagamento de uma subscrição de um site de pornografia de 1 Auto de apreensão de fls. 77. menores, cuja identificação ainda não foi apurada, no montante de €47,91, com o descritivo Compra Estrang*1907[3]. 7. No interior da sua residência, o arguido detinha o computador portátil da marca ASUS modelo UX430V, com o número de série H6N0WU05403225F, encontrando-se registado com o user: Borges02 e instalado desde 26/08/2019, 18:24:22 UTC, um sistema operativo da empresa Microsoft, versão Windows 10 Home, bem como instalado o programa uTorrent que se encontrava configurado para iniciar automaticamente. 8. No momento em que foi realizada a busca domiciliária, o arguido tinha tal computador de marca ASUS ligado e o programa uTorrent aberto e a funcionar na pasta C:\Users\Borges02\AppData\Roaming\uTorrent\, encontrando-se, nesse preciso momento, a serem partilhadas pelo arguido 7 pastas, contendo 122 ficheiros e um ficheiro compactado, denominado “Ukrainian_lovely_nymphets.rar” contendo no seu interior 20 232 ficheiros retratando abusos sexuais de menores, num total global de 20 354 (vinte mil trezentos e cinquenta e quatro) ficheiros. 9. Estes ficheiros estavam ainda a ser guardados na pasta OS(C:)\Users\Borges02\Downloads, que possibilitava a partilha com os outros utilizadores da aplicação uTorrent. 10. Assim, o arguido no momento da realização das buscas domiciliárias encontrava-se a partilhar 20354 (vinte mil trezentos e cinquenta e quatro) ficheiros, indicando-se a título exemplificativo, 322 (trezentos e vinte e dois) ficheiros que retratam conteúdos de pornografia de menores, com as seguintes denominações:[4] Кадр-fullmv_5yo_ZX2-115.mp4-4.png Кадр-fullmv_5yo_ZX2-115.mp4-2.png Серия-кадров-fullmv_5yo_ZX2-115.mp4-1.jpg !!!!! video fuck dad fucks dau jenny.mpg Jenny 9yo - Back Fucked 05.asf Valya - 7E 7yo in ass fucked-MAP-NEW!! 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Nestes ficheiros de imagens e vídeos que se encontravam a ser partilhados pelo arguido é possível visualizar, em síntese, o seguinte: - Imagens de crianças de sexo feminino de idade inferior a 12 anos, a praticarem sexo oral com adulto, introduzindo na boca o pénis deste. - Adultos a introduzirem o pénis na vagina de crianças de sexo feminino de idade inferior a 12 anos, sendo visível o esperma nesta zona do seu corpo, - Adultos a introduzirem o pénis no ânus de crianças de sexo feminino de idade inferior a 12 anos; - Adultos a introduzirem objectos na vagina e no ânus de crianças do sexo feminino de idades inferiores a 10 anos de idade; - Imagens de crianças de sexo feminino de idade inferior a 12 anos a serem penetradas na vagina por objectos e dildos; - Criança do sexo feminino de idade inferiora a 12 anos, nua deitada sobre uma cama e com as pernas amarradas com uma corda enquanto adulto introduz dildo na sua vagina; - Adultos a exibir a zona genital de crianças de idades inferiores a 12 anos, colocando os seus dedos nos lábios vaginais destas, dando especial enfoque a esta zona do corpo. 12. Destes ficheiros vídeos (que se encontravam a ser partilhados) salientam-se os seguintes, com as denominações que se seguem: - PTHC - beauty-cumshot 3yo THIS ROCKS pedo child toddler incest 2yo4yo 5yo 6yo 7yo 8yo babyj vicky laura jenny sofie fdsa hussyfan russian korea.mpg – no qual é possível visualizar uma criança do sexo feminino, com cerca de 3 anos, surgindo posteriormente um homem adulto na imagem que penetra a criança e lhe pratica sexo oral. - !!! NEW !!! 2010 kait 5yo - chunk2 FK pthc best.avi - onde surge uma criança do sexo feminino, com cerca de 4 anos sendo esta penetrada vaginalmente por um homem adulto. - (pthc) Kait (4yo) Suck & cum on face.avi - no qual se visualiza uma criança do sexo feminino, com cerca de 4 anos a praticar sexo oral a um individuo adulto do sexo masculino. - 2010 Kait 5YO anal dildo (5yo ADLF sugar girl - no qual se visualiza criança do sexo feminino, com cerca de 5 anos, que é penetrada anualmente por um vibrador branco empunhado por um individuo adulto do sexo masculino que posteriormente a penetra com o pénis, praticando ainda coito vestibular. - fullmv_5yo_ZX2-115.mp4, no qual se visualiza uma criança do sexo feminino, com cerca de 5 ou 6 anos, que introduz os dedos na sua vagina. Posteriormente surge um individuo adulto, do sexo masculino que a penetra vaginalmente com o pénis. 13. De acordo com a estatística realizada pelo programa uTorrent, o arguido enviou 1.1Tb de ficheiros e recebeu 63,4GB de imagens com conteúdos de abusos sexuais de crianças, sendo que em relação ao ficheiro com a denominação pthc 9yo Latin Girl & lucky man, que continha a capacidade de 91.7 MB, o arguido partilhou tal ficheiro, um número não concretamente apurado de vezes, num total de 124 GB[5]. 14. No interior do disco externo de marca Western Digital, com o SN WCAU43143673, que se encontra particionado em 4 partições diferentes, o arguido guardava 2850 ficheiros com designações compatíveis com ficheiros de abusos sexuais de crianças, existindo várias pastas na parta TOR, no caminho F:\TOR, com as seguintes denominações, que se indicam a título exemplificativo:[6] - 2 damm hot emo girls - Fresh young Asses 3 - Amateur Russian Teens (2011) - Under 18 nude girls 15. Nestas pastas é possível visualizar imagens de crianças do sexo feminino de idades inferiores a 12 e 14 anos, desnudadas e em poses eróticas. 16. No disco externo da marca SEAGATE, com o S/N NA4L7C5K, o arguido detinha várias pastas onde guardava 46274 (quarenta e seis mil duzentos e setenta e quatro) ficheiros com designações compatíveis com pornografia de menores, de acordo com critérios de pesquisa habitualmente utilizados para o efeito, pastas estas com as seguintes denominações e que se indicam a título exemplificativo[7]: - Eternal Nymphets Eternal Aphrodite Studio 13; - Home nlolita Set 01 Masha ( Anna) - Preteen nude - Magic Nymphets ( Lolita Angels) - Andy candy 6 yo 08 yo hussyfan pedo Mutter - Ukrainian ( Lovely) Nymphets Pthc preteen sex incest Nelia (11yo) & arina ( 12y0) 17. No disco externo da marca Toshiba com o número de série 59P7T0JQTG2E, que se encontrava ligado ao computador portátil acima descrito, o arguido guardava 5701 ficheiros com designações compatíveis com pornografia de menores, dos quais se salientam 4364 (quatro mil trezentos e sessenta e quatro) que dizem respeito, a menores de 14 anos, sendo 33 relativos a actos sexuais com penetração, 6 sem penetração e 4325 de exposição e que, em síntese abaixo se indicam:[8] - ! new ! (pthc) (kinderkutje) 11yo loli lebina.avi - 11yo - girl - Preteen girl just wants to Fuck & Suck (Sound).avi - 10yo sex.avi - PTHC K4 - 8yo preteen Amy in the bath- & bedroom.mpg - 12Y-13Yo Les Russian.mpg - 8yo bj and cummed.avi - 8Yo Girl Fucked By 10Yo Boy.avi - 6yo Favela.mpg - Private 8yo sextoy - Nancy 5Yo-Full (18.03).avi - 9yo vicky stripping and sucking.mpg - Anya friend.mpg - Mary 12yo.mpg - Pedo Child Fuck.mpg - The begging.avi - !!!!! video fuck dad fucks dau jenny.mpg - Jenny 9yo - Back Fucked 05.asf - PTHC - beauty-cumshot 3yo THIS ROCKS pedo child toddler incest 2yo 4yo 5yo 6yo 7yo 8yo babyj vicky laura jenny sofie fdsa hussyfan russian korea.mpg - LL-C1 Threesome - Jenny - Ped 9Yo Girl Suck 14Yo & 15YoBoys++.mpg - Valya - 7E 7yo in ass fucked-MAP-NEW!! 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Nestes ficheiros é possível visualizar, em síntese, o seguinte: - Imagens de crianças de sexo feminino de idade inferior a 12 anos, despidas, exibindo os órgãos sexuais e em poses eróticas; - Imagens de crianças de sexo feminino de idade inferior a 12 anos, a praticarem sexo oral com adulto, introduzindo na boca o pénis deste. - Imagens de crianças de sexo feminino de idade inferior a 12 anos a praticarem acto sexual de cópula com adulto. - Imagens de crianças de sexo feminino de idade inferior a 12 anos a manusear pénis de adulto; - Imagens de crianças do sexo feminino com os olhos vendados e adulto a aproximar d sua boca o pénis erecto; - Imagens de crianças de sexo feminino com idades inferiores a 12 anos a praticarem sexo entre si; - Imagens de crianças de sexo feminino de idade inferior a 12 anos exibindo roupas interiores e fazendo poses eróticas; - Imagens de crianças de sexo feminino de idade inferior a 12 anos, em práticas sexuais de masturbação vaginal, cópula e sexo oral a adulto 19. No material apreendido e da pesquisa preliminar realizada aos conteúdos do computador e discos externos, o arguido detinha um total de 75179 (setenta e cinco mil cento e setenta e nove) ficheiros (contendo imagens e vídeos) com vários conteúdos de imagens de abuso sexual de crianças, sendo que 20.354 (vinte mil trezentos e cinquenta e quatro) destes ficheiros que acima se indicaram se encontravam a ser partilhados, in loco, através do programa uTorrent aquando da busca domiciliária. 20. O arguido bem sabia que as imagens e vídeos pornográficos que guardava e partilhava expunham menores, com idade inferiores a 12 e 14 anos e que, por tal circunstância, estava proibida a sua exibição, cedência ou partilha. 21. O arguido quis partilhar com terceiros e ainda deter e guardar no referido computador e discos externos imagens e vídeos de menores utilizados em filmes e gravações pornográficos de conteúdo sexual, para satisfazer a sua libido, o que conseguiu, bem sabendo que a partilha e a sua detenção era proibida. 22. O arguido tinha perfeito conhecimento de que as referidas imagens e filmes de teor pornográfico com utilização de crianças, induzem a exploração efectiva dessas crianças, utilizadas para a realização dos filmes e fotografias em causa, não obstante, não se inibiu de as exibir, partilhar, ceder, através da Internet, e de as deter nos suportes informáticos, que se encontravam na sua posse. 23. O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.” Concluiu-se, no primeiro interrogatório, que estava fortemente indicada a prática pelo arguido de, pelo menos: - 75179 (setenta e cinco mil cento e setenta e nove) crimes de pornografia de menores agravados, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 176.°, n.º 1, alíneas c) e d) e ainda no n.º 5 do C. Penal por referência ao artigo 177.°, n.º 7 do Código Penal. Vejamos, agora as questões suscitadas no presente recurso. a) Da detenção em flagrante delito e nulidade processual: Entende o arguido/recorrente que a sua detenção não foi efectuada em flagrante delito porquanto, quem activou o respectivo computador contendo os ficheiros, accionando a partilha automática que o uTorrents implica, foi o agente da PJ e não o arguido. Consequentemente entende que, ao tempo da sua detenção, não estava a praticar nenhum crime, pelo que sendo o respectivo mandado de detenção, emitido pela PJ, nulo, nulos são todos os actos posteriores, nos termos dos artº 27º nº 3 al. a) e 18º nº 1 da CRP. Vejamos. O arguido socorre-se de fotografias juntas aos autos tiradas no momento da busca e apreensão onde, num momento, o ecrã do computador está ou desligado ou em hibernação e noutro momento, a seguir, já se mostra ligado, assim concluindo que foi o agente da PJ que acionou o computador. Antes de mais, convém esclarecer que o simples facto do monitor – que não se confunde com o computador em si – poder estar em hibernação não significa que o computador estivesse desligado, aliás, o arguido admite que o que estava a hibernar era o ecrã do computador e não o próprio computador que não refere ter estado desligado. Tanto assim é que o agente da PJ não precisou de digitar qualquer palavra passe para entrar no computador, apenas tendo interrompido a hibernação do ecrã (que é um mero mecanismo de poupança de energia) que naturalmente ocorre quando um computador não está a ser directamente utilizado por uma pessoa, o que não significa que o computador não esteja a ser utilizado, só que está a executar uma função para a qual não é preciso a presença física do utilizador. Por outro lado, ao interromper a hibernação, verificou-se que estava a funcionar o u-Torrent, sem necessidade da presença física do utilizador, motivo pelo qual o ecrã – e não o computador – estava em hibernação. Ora, o arguido agarra-se ao facto da u-Torrent ser um “programa” de partilha automática de ficheiros e, portanto, o simples facto de ter arrancado ou de estar a funcionar sozinho não significa que, naquele momento em que foi avistado pela PJ, que o arguido estaria a cometer qualquer crime. Antes de mais convém esclarecer o que é a u-Torrent uma vez que o arguido, apesar de consultor informático, parecer querer convencer esta Relação que se trata de um programa com funcionamento automático não imputável ao respectivo utilizador. Assim, a u-Torrent, que é uma aplicação (e não um mero programa) pode ser definido como: “uma extensão de ficheiros compatíveis com o protocolo de partilha bittorrent cujo funcionamento cria uma rede peer to peer[9] (P2P) entre todos os utilizadores do protocolo com a finalidade de distribuir ficheiros entre todos os utilizadores da rede”.[10] Ou seja, quem utiliza a u-Torrent sabe, à partida, que se trata de uma aplicação cuja finalidade ou razão de ser é precisamente permitir a partilha entre todos os respectivos utilizadores. Caso contrário, se estivesse em causa uma simples tara ou desvio sexual através do qual o arguido quisesse apenas e tão só satisfazer o seu voyeurismo bastaria ter feito downloads simples, sem qualquer possibilidade de partilha com outros computadores, o que não é o caso. Aliás, qualquer jovem adolescente sabe que a u-Torrent é para partilha de ficheiros, pelo que vir agora o arguido, que é consultor informático, alegar que não tem qualquer culpa porque a u-Torrent uma vez instalada, actua automaticamente, é revelar que continua sem interiorizar a extrema gravidade da actuação que lhe é imputada. O faco da u-Torrent, uma vez instalada no computador, actuar automaticamente não retira ao facto do arguido, primeiro, conhecer essa característica, e, segundo, até a abraçar pois que lhe poupa imenso trabalho na partilha de ficheiros. Quem instala um programa ou aplicação informática no seu computador sabendo que o mesmo tem por finalidade efectuar a partilha de ficheiros, e até de o efectuar de forma automática, aceita e quer essa função. E não se venha com o argumento que o arguido utiliza nos artºs 94º e 95 da sua motivação de que nem sempre os ficheiros estão correctamente identificados, não correspondendo o título ao conteúdo, porquanto o que o utilizador busca, em primeiro lugar, é o título, e os títulos constantes do material informático importado e partilhado pelo arguido não deixam qualquer margem para dúvida acerca do seu conteúdo, nem a PJ encontrou qualquer ficheiro que não fosse de natureza a corresponder ao título. Ninguém faz download de um ficheiro intitulado, por exemplo, “PTHC – beauty-cumshot 3 yo THISROCKS pedo child toddler incest…” como tinha o arguido se não quisesse ter material pornográfico contendo crianças de tenra idade (“toddler” em inglês é uma criança com menos de 3 anos, aliás, a idade já consta do título do ficheiro) e a palavra “incest” é praticamente igual à portuguesa. Vir agora argumentar como faz o arguido que não sabia o que continha esses ficheiros é roçar a má fé. E é por esse motivo que os ficheiros partilhados “peer to peer”, encontrados no seu arsenal informático, são do mesmo género ou tipo, pois que a u-Torrent, sendo apenas uma aplicação informática, não se limita a fornecer e partilhar ficheiros pornográficos, mas todo o tipo de tema que o utilizador possa querer ver, sendo uma aplicação que se caracteriza e se destaca precisamente pela sua função de partilha. É precisamente essa funcionalidade de partilha que leva à sua procura enquanto instrumento informático de conteúdos vários. Pelo que, vir agora dizer que a partilha arranca automaticamente e, por isso, não é imputável ao arguido e a culpa é do agente da PJ que accionou o ecrã do computador é querer atirar areia para os olhos desta Relação. Mas a esta argumentação, completamente descabida, contrapõe-se ainda uma questão: quem é que instalou a aplicação u-Torrent no seu computador, sabendo que é uma aplicação informática que efectua a partilha automática de ficheiros? Mesmo que a primeira intenção do arguido fosse a de obter para si, para satisfazer a sua eventual tara sexual, ficheiros de crianças de muito tenra idade – de 3 e 4 anos (!) – violadas e amarradas a uma cama, a verdade é que, sabendo que essa obtenção para si também implicaria a partilha com outros utilizadores, o arguido, não se desviando do seu intento, aceita o resultado de partilha – que até deixa correr em automático – pelo que, em última instância, agiria com dolo eventual, o que não deixa de ser dolo à mesma. Assim, tendo o agente da PJ apenas interrompido a simples hibernação do ecrã do computador do arguido, que no momento estava a transferir ficheiros em automático, dúvidas não podem restar de que a sua detenção foi em flagrante delito pois que, no momento estava a praticar actos, ainda que através de um computador e através de uma aplicação de funcionamento automático (o que implica menos trabalho para si) aptos a integrar a prática de um ou mais crimes. Ora, nos termos do artº 255º do Código Penal a detenção em flagrante delito pode ocorrer da seguinte maneira: “1 - Em caso de flagrante delito, por crime punível com pena de prisão: a) Qualquer autoridade judiciária ou entidade policial procede à detenção; b) Qualquer pessoa pode proceder à detenção, se uma das entidades referidas na alínea anterior não estiver presente nem puder ser chamada em tempo útil. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, a pessoa que tiver procedido à detenção entrega imediatamente o detido a uma das entidades referidas na alínea a), a qual redige auto sumário da entrega e procede de acordo com o estabelecido no artigo 259.º 3 - Tratando-se de crime cujo procedimento dependa de queixa, a detenção só se mantém quando, em acto a ela seguido, o titular do direito respectivo o exercer. Neste caso, a autoridade judiciária ou a entidade policial levantam ou mandam levantar auto em que a queixa fique registada. 4 - Tratando-se de crime cujo procedimento dependa de acusação particular, não há lugar a detenção em flagrante delito, mas apenas à identificação do infractor.” Não pode haver quaisquer dúvidas de que o arguido foi detido validamente por entidade policial, neste caso a PJ, em plena prática de crime punível com prisão. Mas, ainda que assim não se entendesse – o que não se concede e só por mero exercício académico se contempla – a verdade é que a detenção de um arguido não tem de ser em flagrante delito para que a posterior decisão de aplicar a prisão preventiva seja válida. Vejamos. O arguido entende que, não podendo ser a sua detenção considerada obtida em sede de flagrante delito, que o respectivo mandado da PJ é nulo e consequentemente todos os actos que lhe seguiram também seriam nulos. E, embora não consiga localizar na lei processual penal qualquer norma que sustente esta alegação – porque, efectivamente, ela não existe sendo as nulidades insanáveis taxativamente descritas no artº 119º do Código de Processo Penal[11] e as nulidades sanáveis previstas no artº 120º[12] do mesmo diploma legal – ignorando, por completo, o que determina o artº 118º nº 1 do mesmo Código de Processo Penal[13], agarra-se ao disposto nos artºs 18º nº 1 e 27º nº 3 al. a) da Constituição da República Portuguesa(CRP). Ora os invocados artigos constitucionais não sustentam minimamente a tese que o arguido ousa defender pelo seguinte: O artº 18º nº 1 da CRP, subordinado à epígrafe “força jurídica” estabelece um princípio geral que determina o seguinte: “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.” E o artº 27º da CRP, cuja epígrafe é “direito à liberdade e segurança” determina o seguinte: “1. Todos têm direito à liberdade e à segurança. 2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança. 3. Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes: a) Detenção em flagrante delito; b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos; c) Prisão, detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão; d) Prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente; e) Sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente; f) Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente; g) Detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários; h) Internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente. 4. Toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos. 5. A privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer.” – negrito e sublinhado nossos Ora, o eventual facto de uma detenção não ter sido efectuada em flagrante delito – como o arguido defende – não significa o mesmo não pode vir a ser alvo de uma decisão judicial – porque só os tribunais é que podem determinar ou validar a posteriori a limitação à liberdade pessoal de uma pessoa constitucionalmente consagrada – que venha, em sede de primeiro interrogatório, aplicar uma medida de coacção privativa da liberdade. É que o arguido, na sua ânsia de citar a al. a) do nº 3 do artº 27º da CRP para provar a bondade da sua tese, esqueceu-se de ver o teor da al. b), logo a seguir, que legitima a aplicação de uma medida de coacção de prisão preventiva, que, afinal, é disso que se trata neste recurso. Para realização do primeiro interrogatório de arguido não é preciso que a sua detenção tenha sido em flagrante delito. O que interessa, e é isso que a nossa Constituição pretende garantir, é que, tendo sido detido, essa detenção possa ser alvo de escrutínio judicial e posterior validação e confirmação. E foi exactamente isso que aconteceu: o arguido foi apresentado ao JIC dentro das 48 horas da sua detenção a qual veio a ser validada em sede de primeiro interrogatório. Pelo que, ainda que o arguido tivesse sido “invalidamente” detido em flagrante delito, a verdade é que a sua detenção foi alvo de escrutínio judicial acabando por ser validada por quem tem legitimidade constitucional para o fazer. Aliás, se o arguido tivesse o entendimento de que a sua detenção foi efectuada fora de flagrante delito e, por isso, fora dos parâmetros legalmente admissíveis, poderia e deveria ter accionado o habeas corpus, tal como muito bem refere o MºPº na sua resposta ao recurso em análise. Não foi, assim, violada qualquer norma constitucional e muito menos as normas por si invocadas. Nem existe qualquer nulidade processual, quer do mandado de detenção, quer de quaisquer actos posteriores ao mesmo, muito menos da decisão judicial que aplica a prisão preventiva e que é uma decisão judicial autónoma da simples detenção. Detenção essa que é validada judicialmente antes de ser aplicada qualquer medida de coacção. Aliás, se algum vício pudesse ser apontado ao mandado de detenção, quando muito, nos termos conjugados dos artºs 118º, 119º, 120º e 123º[14] do CPP, ele seria uma mera irregularidade que teria de ter já sido invocada pelo arguido no momento em que foi apresentado ao JIC para primeiro interrogatório, estando consequentemente sanada. Pelo que improcede a primeira parte do recurso do arguido. b) Da natureza do crime imputado ao arguido: Entende o arguido que, quando muito, estará indiciado nos autos um único crime, embora continuado, de pornografia de menores, p. e p. pelo artº 176º nº 1 al. c) do Código Penal[15]. Vejamos. O artº 176º do Código Penal, subordinado à epígrafe “pornografia de menores” diz o seguinte: “1 - Quem: a) Utilizar menor em espectáculo pornográfico ou o aliciar para esse fim; b)Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim; c) Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir, ceder ou disponibilizar a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior; d) Adquirir, detiver ou alojar materiais previstos na alínea b) com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder; é punido com pena de prisão de um a cinco anos. 2 - Quem praticar os actos descritos no número anterior profissionalmente ou com intenção lucrativa é punido com pena de prisão de um a oito anos. 3 - Quem praticar os atos descritos nas alíneas a) e b) do n.º 1 recorrendo a violência ou ameaça grave é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. 4 - Quem praticar os actos descritos nas alíneas c) e d) do n.º 1 utilizando material pornográfico com representação realista de menor é punido com pena de prisão até dois anos. 5 - Quem, intencionalmente, adquirir, detiver, aceder, obtiver ou facilitar o acesso, através de sistema informático ou qualquer outro meio aos materiais referidos na alínea b) do n.º 1 é punido com pena de prisão até 2 anos. 6 - Quem, presencialmente ou através de sistema informático ou por qualquer outro meio, sendo maior, assistir, facilitar ou disponibilizar acesso a espetáculo pornográfico envolvendo a participação de menores é punido com pena de prisão até 3 anos. 7 - Quem praticar os atos descritos nos n.ºs 5 e 6 com intenção lucrativa é punido com pena de prisão até 5 anos. 8 - Para efeitos do presente artigo, considera-se pornográfico todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo. 9 - A tentativa é punível.” – sublinhado nosso Ora, e antes de entrarmos na análise jurídica do conceito de crime continuado e da aparente polémica que o arguido suscita em termos jurisprudenciais, convém referir que nunca poderia estar em causa apenas o crime previsto na al. c) do nº 3 do artº 176º do Código Penal, conforme pretende o arguido, porquanto, já vimos, a partilha dos ficheiros em causa foi efectuada com conhecimento e por vontade do arguido, não sendo o simples facto de haver automatismo nessa partilha, que ocorre uma vez que a aplicação é instalada no respectivo computador, que se retira da esfera jurídica do arguido qualquer possibilidade volitiva na determinação da prática do crime. Aliás, quem instalou a u-Torrent no computador do arguido, e o colocou em automático, foi o arguido que tinha total domínio do seu computador – e a verdade é que não quis prestar declarações que pudessem clarificar se alguém mais tinha acesso ao seu computador – além de ser consultor informático e, por isso, dominar, pelo menos minimamente, as questões informáticas. Não sendo minimamente credível que o arguido, informático, não soubesse e não dominasse a aplicação u-Torrent para poder desactivar a opção de partilha automática conforme vem alegar na conclusão XCVIII. Assim, dúvidas não podem restar que, em face dos factos indiciados, ao arguido teria sempre de ser imputado um crime de pornografia de menores também nos termos da al. d) do nº 3 do artº 176º do Código Penal. E porque as crianças – algumas de muito tenra idade com apenas 3 e 4 anos (!) – têm todas idades inferiores a 14 anos, haveria sempre que aplicar a agravação prevista no artº 177º nº 7 do Código Penal que determina que: “as penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º e 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos.” Vejamos agora se está em causa um único crime continuado de pornografia de menores, ainda que na forma agravada. Há, primeiro, que compreender os institutos do concurso real ou efectvo de crimes, do concurso aparente, do crime continuado e do trato sucessivo. Vejamos. O concurso efectivo ou real de crimes vem previsto no artº 30º nº 1 do Código Penal, subordinado à epígrafe “concurso de crimes e crime continuado” que diz o seguinte: “1 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.” No entanto, a doutrina e jurisprudência portuguesas tem, ao longo dos anos, se debatido com a figura do concurso aparente de crimes que Eduardo Correia[16] explica da seguinte maneira: “Muitas normas do direito criminal – como aliás as de outros ramos de direito – estão umas para com as outras em relação de hierarquia, no sentido precisamente de que a aplicação de algumas delas exclui, sob certas circunstâncias, a possibilidade de eficácia cumulativa de outras. De onde resulta que a pluralidade de tipos que se podem considerar preenchidos quando se toma isoladamente cada uma das respectivas disposições penais, vem do fim de contas em muitos casos, olhadas tais relações de mútua exclusão e subordinação, a revelar-se inexistente. Neste sentido se afirma que se estará então perante um concurso legal ou aparente de infracções.” Essa relação de hierarquia ou dependência traduz-se em: - especialidade: que se traduz “na relação que se estabelece entre dois ou mais preceitos, sempre que na «lex specialis» se contêm já todos os elementos duma «lex generalis», isto é, daquilo que chamamos um tipo fundamental de crime, e, ainda certos elementos especializadores.”[17] - consunção: quando se verificam entre as normas legais uma relação de mais e de menos: “uns contêm-se já nos outros, de tal maneira, que uma norma consome já a protecção que a outra visa. Daí que, ainda com fundamento na regra «ne bis in idem», se tenha de concluir que «lex consumens derogat legi consumtae.»”[18] - subsidiariedade: “neste grupo se englobariam não só as relações que entre certos preceitos se estabelecem pelo facto de uns condicionarem expressamente a sua eficácia ao facto de outros se não aplicarem (subsidiariedade expressa), mas também aquelas outras cuja eficácia se apoia numa certa relação lógica entre normas criminais (subsidiariedade tácita).”[19] Em termos jurisprudenciais o tema da distinção entre o concurso real de infracções e o concurso aparente é recorrente, sendo que o Acórdão do STJ de 27-05-2010 (procº nº 474/09.4.L1.S1 in dgsi.pt) por ser particularmente claro sobre assunto merece aqui o seguinte destaque: “I - A problemática relativa ao concurso de crimes (unidade e pluralidade de infracções), das mais complexas na teoria geral do direito penal, tem no art. 30.º do CP, a indicação de um princípio geral de solução: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. II - O critério determinante do concurso é, assim, no plano da indicação legislativa, o que resulta da consideração dos tipos legais violados. E efectivamente violados, o que aponta decisivamente para a consagração de um critério teleológico referido ao bem jurídico. III - A indicação da lei acolhe, pois, as construções teoréticas e as categorias dogmáticas que, sucessivamente elaboradas, se acolhem nas noções de concurso real e concurso ideal. IV - Há concurso real quando o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime (pluralidade de acções), e concurso ideal quando através de uma mesma acção se violam várias normas penais ou a mesma norma repetidas vezes (unidade de acção). V - O critério teleológico que a lei acolhe no tratamento do concurso de crimes, condensado na referência a crimes «efectivamente cometidos», é adequado a delimitar os casos de concurso efectivo (pluralidade de crimes através de uma mesma acção ou de várias acções) das situações em que, não obstante a pluralidade de tipos de crime eventualmente preenchidos, não existe efectivo concurso de crimes (os casos de concurso aparente e de crime continuado). VI - Ao lado das espécies de concurso próprio (ideal ou real) há, com efeito, casos em que as leis penais concorrem só na aparência, excluindo uma as outras. VII - A ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de uma acção pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração – concurso impróprio, aparente ou unidade de lei. VIII - A determinação dos casos de concurso aparente faz-se, de acordo com as definições maioritárias, segunda regras de especialidade, subsidiariedade ou consumpção. IX - Há consumpção quando o conteúdo de injusto de uma acção típica abrange, incluindo-o, outro tipo de modo que, de um ponto de vista jurídico, expressa de forma exaustiva o desvalor (cf. H. H. Jescheck e Thomas Weigend, "Tratado de Derecho Penal", 5ª edição, pág. 788 e ss.). X - A razão teleológica para determinar as normas efectivamente violadas ou os crimes efectivamente cometidos, só pode encontrar-se na referência a bens jurídicos que sejam efectivamente violados. O critério do bem jurídico como referente da natureza efectiva da violação plural é, pois, essencial.” – sublinhado nosso É, entendimento dominante, que o factor que serve de base para a distinção entre um concurso aparente de normas e um concurso real é o bem jurídico protegido por cada norma, sendo que, haveria uma relação de consunção sempre que o bem jurídico de uma das normas fosse alvo de protecção pela outra. Por outro lado, no que tange ao crime continuado podemos ver o referido no Acórdão da Relação do Porto de 26-11-2014 (porcº nº 3216/12.3IDPRT.PI in dgsi.pt): “Para se considerar verificados os pressupostos que permitem afirmar uma continuidade criminosa, o agente terá de praticar vários atos de uma forma essencialmente homogénea, ou seja, idêntica na sua execução. Assim, “a homogeneidade de execução é apenas um indício exterior da diminuição da culpa” – Germano Marques da Silva, “Direito Penal Português”, p. 323. Mas, além do requisito da homogeneidade da execução plúrima do mesmo tipo de crime, é necessário afirmar, no caso concreto, a existência de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. Segundo Eduardo Correia, a diminuição considerável da culpa do agente consubstancia-se na “existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito” – Cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal, Vol. II, pág. 209 e Simas e Leal-Henriques, “O Código Penal de 1982”, 1986, Rei dos Livros, Vol. 1, págs. 208 e 209. A verificação destes pressupostos não opera, no entanto, ope legis, pelo que é necessário provar factualidade suscetível de integrar os requisitos exigíveis para afirmar a continuação criminosa.” – sublinhado nosso Ou seja, o crime continuado pressupõe uma diminuição da culpa do agente por as solicitações exteriores à sua vontade se sobreporem a essa mesma vontade. O crime continuado está previsto no artº 30º nº 2 do Código Penal com a seguinte redacção: “2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. Já o trato sucessivo traduz uma “unificação das condutas ilícitas sucessivas, desde que essencialmente homogéneas e temporalmente próximas, quando existe uma mesma, uma só resolução criminosa, desde o início assumida pelo agente e que foi transposto para os crimes sexuais considerando-se que aquele que abusa sexualmente de uma pessoa decide uma única vez (sem que haja constantemente renovação da resolução criminosa em cada ato que realiza, em cada circunstância que cria propiciadora da realização daquela conduta), e considerando-se que os diferentes atos (mais ou menos idênticos quanto ao modo de atuação e realização e quanto à vítima, sempre a mesma) realizados sucessivamente, reiteradamente, sequencialmente no tempo, apenas integram um único crime.”[20] Embora, como refere Cristina Almeida e Sousa[21]: “O critério do chamado «crime de trato sucessivo» que parte da jurisprudência portuguesa vem aplicando em matéria de contagem de crimes sexuais, além de não corresponder a uma categoria dogmática, é inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade criminais; da proporcionalidade; da igualdade; viola os próprios direitos de defesa do arguido e é totalmente incompatível com os fins de prevenção geral das penas, quando correlacionado com os efeitos de longo prazo que os crimes sexuais acarretam para as vítimas, nem resolve as dificuldades de prova destes crimes, as quais só acentuam a sua inutilidade e falta de fundamento jurídico e legal. No trato sucessivo, ao contrário do crime continuado, não há uma diminuição da culpa do agente. Ora, no caso em apreço o Tribunal a quo perfilhou o entendimento que o bem jurídico tutelado no artº 176º do Código Penal é um bem jurídico iminentemente pessoal e, por isso, subtraído ao nº 2 do artº 30º do Código Penal, conforme determina o nº 3 do artº 30º do Código Penal[22]. Ou seja, o Tribunal a quo entendeu que, perante os factos fortemente indiciados, está indiciada a pratica pelo arguido de 75179 crimes de pornografia menores, p. e p. pelo artº 176º nº 1 als. c) e d) do CP, agravado nos termos do artº 177º nº 7 do Código Penal, em vez de considerar a prática de um crime continuado de pornografia de menores como pretende o arguido. Assim, e no que tange ao crime de pornografia de menores, a polémica que se suscita é a de saber se o bem tutelado, ou pelo menos um desses bens, se considerarmos que o crime em apreço confere tutela jurídica a um complexo ou universo de bens, é de natureza eminentemente pessoal ou não. Ora, o arguido argumenta que não se pode considerar a equiparação de vítimas ao número de crimes. Não podíamos estar mais em desacordo. Em primeiro lugar, de uma simples análise da letra do preceito legal se retira que todas as quatro alíneas do nº 1 do artº 176º do CPP têm a mesma moldura penal (prisão de um a cinco anos), sendo que o legislador não as distinguiu na sua essência, agrupando-as num mesmo número, pelo que considera, por exemplo, que utilizar um menor em fotografia (al. b) é censurável na mesma forma que divulgar essa fotografia (al. c). Ou seja, é a própria lei que equipara e agrupa numa mesma unidade punitiva a utilização de menor (als. a) e b) do nº 1 do artº 176º) com a produção, aquisição, distribuição etc. do material proveniente da actuação prevista nas primeiras duas alíneas (als. c) e d) do nº 1 do artº 176º). É tão grave quem utiliza o menor na produção pornográfica como aquele que adquire esse material. Em segundo lugar, o artº 176º encontra-se inserido na secção II do Código Penal dedicado aos crimes contra a autodeterminação sexual, o que significa que o bem jurídico a tutelar em todos os crimes que integram essa secção são a autodeterminação sexual. Quem produz, divulga, importa ou exporta pornografia infantil contribui para a proliferação de material cuja génese é a violação de um dos direitos mais fundamentais das crianças. Na realidade a pornografia infantil não implica somente a coacção sobre um menor, limitando a sua liberdade e autodeterminação sexual através da imposição de práticas de actos sexuais (muitas vezes de toda a espécie e aberração) para os quais o mesmo não esteja preparado e que para as quais não tenha sequer o discernimento e consciência de compreender, ela implica, na esmagadora maioria dos casos, especialmente quando está em causa a pornografia industrial que prolifera na darkweb, o tráfico de crianças, o seu mau-trato físico para além de psicológico, a sua violação repetida, muitas vezes filmada como objecto do próprio espectáculo pornográfico, o seu desenraizamento familiar, a sua venda e escravização. Por isso é que o legislador português, seguindo directrizes internacionais no campo de defesa dos menores, classificou e agrupou vários actos como integrando o conceito de pornografia de menores e previu a mesma moldura penal. Estamos a falar de crianças, a esmagadora maioria com menos de 10 anos, aliás há um ficheiro que identifica uma criança com 3 anos (!) e outra com 4 anos (!), que estão a ser violadas por homens adultos sendo que a criança de 3 anos está a ser penetrada na sua vagina por um homem adulto (!), outras encetam relações sexuais incestuosas, a maior parte com penetração em todos em três dos orifícios principais dos seus pequenos e frágeis corpos e o arguido ainda acha que o visionamento desses actos não deve ter consequência jurídico-penal. Uma dessas crianças está amarrada à cama enquanto é violada! A pornografia infantil é uma indústria suja que se alimenta da vida de milhares de crianças, muitas delas de países sub-desenvolvidos em que são “lançadas aos lobos” para as suas famílias, altamente empobrecidas, ganhar uns totões com a venda dos seus corpos a fim de poderem ter comida no final do dia. Crianças que não tiveram o direito de brincar livremente, de ir à escola e aprender para crescerem bem e singrarem na vida. Crianças que são tornadas em objectos sexuais para satisfazer todo o tipo de tara e disfunção de adultos que as violam, humilham e lhes tiram toda a dignidade humana, reduzindo-as as escravas do prazer. É isto que a pornografia infantil promove e propaga e portanto, qualquer pessoa que alimenta essa indústria contribui para a sua perpetuação e para que mais e mais crianças sejam levadas para um mundo infernal, sem esperança, sem alegria, sem qualquer tipo de dignidade humana! Não está, assim, em causa, apenas uma disfunção psiquiátrica conforme pretende argumentar o arguido, pois que a oferta deste tipo de material só surge, e agora com mais afinco desde que existe internet, porque há procura, aliás uma procura desenfreada em que simples utilizadores, que embora não participando directamente no acto de abuso hediondo das crianças, retira prazer e gozo em ver seres humanos frágeis, violados, torturados e sujeitos a todo o tipo de sevícias. Esquecendo-se que o próprio visionamento da criança em situações sexuais impróprias para a sua idade e desenvolvimento é também um abuso dessa criança. É porque existem pessoas que querem ver pornografia infantil que a respectiva indústria existe e cresce cada vez mais. Não temos, assim, a menor dúvida que o bem jurídico tutelado em todas as alíneas do nº 1 do artº 176º do Código Penal é um bem jurídico iminentemente pessoal, sendo a tutela directa a liberdade e autodeterminação sexual do menor, recaindo a tutela indirecta sobre os restantes bens jurídicos, também eles pessoais, como o direito à integridade física e moral da criança, e que também é violado quando a mesma é utilizada em filmes pornográficos. Ora, a jurisprudência mais avisada tem defendido que no caso de pornografia de menores não há lugar à consideração de que se trata de um crime continuado ou de trato sucessivo, cuja legalidade, já vimos é altamente questionável, ao contrário do que o arguido veio afirmar no seu recurso na conclusão LXXXVIII em que anuncia, sem qualquer suporte fáctico, que “todas as condenações são disso demonstração” de que só pode haver um único crime continuado. Conforme referido no Acórdão do STJ de 20-02-2019[23]: “I - O chamado crime de trato sucessivo mais não é do que uma tentativa de ampliar a nossa construção jurídica do crime continuado, despojando-o da marca essencial que assume no nosso ordenamento jurídico-penal, que é a realização plúrima da acção típica no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente (art. 30.º, n.º 2 do CP). II - A categoria de crime de trato sucessivo, não vem, com essa designação, contemplada na lei, que prevê o crime permanente [art. 119.º, n.º 2, al. a), do CP], o crime continuado [arts. 119.º, n.º 2, al. b), 30.º, n.ºs 2 e 3, e 79.º] e o crime habitual [art. 119.º, n.º 2, al. b)], bem como o crime que se consuma por actos sucessivos ou reiterados [art° 19°, n° 2, do CPP]. III - Dado que os crimes praticados pelo arguido [1 crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art. 171.º, n.ºs 1 e 2 do CP e de 9 crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts. 176.º, n.º 1, al. b) e 177.º, n.º 5, do CP (na redacção dada pela Lei 59/2007, de 04-09)], protegem bens jurídicos de natureza eminentemente pessoal e, para além disso, cada um dos crimes ofendeu uma diferente vítima, e porque a conduta do arguido não se enquadra em qualquer das designações supra mencionadas tem a mesma que ser punida de acordo com as regras do concurso efectivo constantes do art. 30.º, n.º 1 do CP.” Ou ainda conforme o Acórdão do STJ de 13-03-2019, 3ª secção, sendo Relator Vinício Ribeiro:[24] “III - Embora as decisões das Relações ainda se mostrem divididas quanto à qualificação do trato sucessivo, a jurisprudência do STJ tem perfilhado, esmagadoramente, o entendimento que afasta, quer a continuação criminosa, quer a figura do crime exaurido, de trato sucessivo, dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, como os dos presentes autos (que abrange a pornografia de menores). IV - A qualificação jurídica resultante da acusação, e abraçada pelo aresto em crise, no sentido de imputar um único crime de abuso sexual ou de pornografia de menores, relativamente a cada uma das menores envolvida, lançando mão da figura do crime de trato sucessivo, não se nos afigura correcta. A indeterminação relativamente ao número de crimes cometidos em determinado período de tempo não deve ser colmatada com o recurso à figura do trato sucessivo. A fase investigatória deve procurar determinar o número, ainda que elevado, de crimes cometidos.” Mesmo jurisprudência das Relações tem entendido que: “A figura do crime continuado deve ser afastada se o comportamento do arguido é revelador de uma persistência de actos ilícitos do tipo indicado, designadamente por instalação, por duas vezes e em locais diferentes, de programa informático que facilita o acesso e a reiteração, esta durante período temporal prolongado, denotando objectivos de preservar e divulgar os conteúdos, através de manifesta pluralidade de resoluções por si procuradas e conotadas com factores endógenos de personalidade e vivência, sem visível influência de outros aspectos.” [25] Em face de tanta jurisprudência que o arguido parece ignorar ou não quer conhecer, dúvidas não podem restar de que o crime de pornografia de menores é um crime que tutela bens jurídicos iminentemente pessoais, insusceptível, assim, de cair na categoria de crime continuado, motivo pelo qual, em face dos factos fortemente indiciados, constata-se a indiciação do arguido pela prática do número de crimes que o JIC considerou. Pelo que tem de improceder a segunda parte do recurso do arguido. c) Da (in)existência de requisitos legais para aplicação da prisão preventiva: Entende o arguido que não só não se verifica um dos perigos que fundamentaram a decisão de lhe aplicar a prisão preventiva, como esta medida de coacção se mostra desadequada, devendo o arguido ser sujeito a tratamento nos termos do artº 200º nº 1 al. f) do CPP. Vejamos, olhando, primeiro, o respectivo quadro legal. A prisão preventiva, regulada no artº 202º do Código de Processo Penal, entre outros requisitos que infra veremos, impõe a existência de “fortes indícios” da prática de: - um crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos (cfr. al. a) do nº 1 do artº 202º); ou - um crime doloso que corresponda a criminalidade violenta (cfr. al. b) do nº 1 do artº 202º); ou - um crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos (cfr. al. c) do nº 1 do artº 202º); ou - um crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, receptação falsificação ou contrafacção de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos (cfr. al. d) do nº 1 do artº 202º); ou - um crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão máximo superior a 3 anos (cfr. al. e) do nº 1 do artº 202º); ou - se se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão (cfr. al. f) do nº 1 do artº 202º). – sublinhados nossos A Constituição da República Portuguesa (CRP) também impõe a verificação de “fortes indícios” no seu artº 27º que diz o seguinte: “1. Todos têm direito à liberdade e à segurança. 2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança. 3. Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes: a)(…) b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos; c) (…).” No caso em apreço o Tribunal a quo concluiu pela forte indiciação da prática, pelo arguido/recorrente, de 75179 crimes de pornografia de menores agravados, p. e pelos artº 176º nº 1 als. c) e d) e 177º nº 7 ambos do Código Penal. Significa isto que ao arguido/recorrente está em causa a prática de crimes que têm uma moldura penal abstracta de 1 ano e seis meses a 7 anos e 6 meses, cada. Mesmo que apenas estivesse em causa um único crime de pornografia de menores agravada na forma continuada, a moldura penal seria sempre a mesma, sendo por isso inócuo, até, a argumentação expendida pelo arguido no seu recurso para ver alterada a qualificação jurídica do crime. Pelo que, abstractamente, é possível a aplicação da prisão preventiva nos termos do disposto no artº 202º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal bem como nos termos do artº 27º nº 3 al. b) da Constituição da República Portuguesa. di) Da (in)existência do perigo de perturbação do inquérito: Entende igualmente o arguido/recorrente que não se verifica em concreto um dos perigos plasmados no artº 204º do CPP, invocados no despacho recorrido, mormente o perigo de perturbação do inquérito uma vez que todo o seu material informático foi apreendido não havendo possibilidade do arguido interferir com o respectivo conteúdo. Vejamos os requisitos legais para aplicação de uma medida de coacção e, em especial, da prisão preventiva. As medidas de coacção vêm tipificadas nos artºs 196º a 202º do Código de Processo Penal sendo elas: Artº 196º: Termo de identidade e residência, ou TIR; Artº 197º: Caução; Artº 198º: Obrigação de apresentação periódica; Artº 199º: Suspensão do exercício de profissão, de função, de actividade e de direitos; Artº 200º: Proibição e imposição de condutas; Artº 201º: Obrigação de permanência na habitação; Artº 202º: Prisão preventiva. À excepção da medida de coacção prevista no artº 196º - TIR - que se aplica no momento em que alguém é constituído arguido, e simplesmente por esse facto, a aplicação de qualquer uma das restantes medidas de coacção obedece aos requisitos legais plasmados no artº 204º do Código de Processo Penal que dispõe o seguinte: “Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida: a) Fuga ou perigo de fuga; b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou, c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.” O despacho recorrido invocou dois dos quatro perigos previstos no artº 204º do CPP, o de continuação da actividade criminosa e o de perturbação no decurso do inquérito. Quanto ao perigo da continuação da actividade criminosa refere João Luís Moraes de Rocha[26] que “este perigo há-de resultar das circunstâncias do(s) crime(s) imputado(s) ao arguido ou da sua personalidade. Recorde-se que a função da prisão preventiva é meramente cautelar à situação concreta do processo e não uma medida de segurança, com o fim de prevenir a eventual actividade criminosa do arguido, alheia ao processo concreto no qual a medida de coacção é determinada, daí que o perigo deva ser aferido em termos de conduta futura mas tendo como base aquele(s) facto(s) concreto(s) que motivaram a medida de coacção. Nem sempre constitui tarefa simples determinar o perigo de continuação da actividade criminosa nos sobreditos e restritos termos, talvez por essa razão este fundamento surge como o mais expressivo (20,4% dos recursos interpostos) de entre as diversas variáveis.” Na tarefa ingrata de decidir, com brevidade como é o caso dos interrogatórios judiciais, há que ter em atenção o que o Relator João Lee Ferreira tão eloquentemente refere no Acórdão de 19-06-2019 desta mesma 3ª secção, desta mesma Relação de Lisboa[27] : “No âmbito da apreciação dos requisitos de aplicação de medida de coacção, impõe-se formular um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do arguido, a partir dos indícios já recolhidos e assente numa “qualificada” probabilidade de verificação das particulares exigências cautelares. Esse juízo de prognose terá necessariamente de encontrar sustentação em realidades tão díspares como a gravidade dos factos indiciados e a moldura penal abstractamente aplicável, a forma concreta de actuação, os sentimentos indiciariamente revelados pelo arguido na conduta, o relacionamento e estruturação familiar e afectiva, os meios económicos disponíveis, a existência e natureza de vínculos referentes a actividade profissional, bem como os antecedentes por factos desta natureza. O princípio da presunção de inocência impõe que o fim visado pela aplicação da medida de coacção não possa ser o de acautelar a prática pelo arguido de qualquer tipo de crime, mas apenas o de prevenir comportamentos que sejam o prolongamento da actividade criminosa indiciada (Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal, II, Verbo, 1993, p. 216).” Ora, e no que tange ao perigo de perturbação no decurso do inquérito não podemos partilhar do entendimento do arguido uma vez que, apesar de ter sido apreendido material informático, isso não significa que não haja ou não possa haver outro material em outros dispositivos, até em forma de “cloud” que ainda estejam por determinar. Os crimes imputados ao arguido poderão não ser os únicos e há que acautelar uma possível interferência por parte do arguido na obtenção de mais elementos. Constata-se, assim, que o perigo em apreço é real e suportado no tipo de actividade criminosa imputada ao arguido, utilização de material informático e de redes informáticas, por parte de pessoa que tem formação nessa área. Quanto ao segundo perigo previsto no despacho recorrido, o perigo de continuação de actividade criminosa, dúvidas não restam, até pela referência do próprio arguido no seu recurso de que a sua actuação estará fora da sua vontade controlar porque assenta numa patologia psiquiátrica que carece de tratamento, que há um real e efectivo perigo de continuação da actividade criminosa. Aliás, é conhecimento geral que os crimes que impliquem parafilias e pedofilias surgem de impulsos dos respectivos arguidos que não conseguem garantir qualquer restrição. Contudo, o facto de se tratar de eventual comportamento compulsivo não significa que o crime não seja imputável ao arguido, sendo que não estamos, ao contrário do que o mesmo pretende defender, perante qualquer tipo de anomalia psíquica que impeça o arguido de discernir os seus actos e julgá-los de acordo com os padrões sociais vigentes. Isto é, não estamos perante uma situação de inimputabilidade. É como considerar que um alcoólico não pode cometer um crime de condução em estado de embriaguez só porque estava embriagado ao tempo. Pelo que ambos os perigos se mostram reais o que nos leva a concluir que o recurso tem de improceder também nesta parte. dii) Do (des)respeito pelos princípios de necessidade, adequação e proporcionalidade: Entende ainda o arguido/recorrente que o despacho recorrido não respeitou os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade pois que aplicou a prisão preventiva quando o mesmo deveria ter sido sujeito a tratamento clínico para a sua patologia e porque há outras medidas menos gravosas que podem assegurar as cautelas processuais que o seu caso exige. Vejamos. A prisão preventiva, além de ter de respeitar os requisitos gerais previstos no artº 204º do CPP, tem, a par das outras medidas, mas por maioria de razão, ainda de forma mais clara, de respeitar os requisitos delineados no artº 193º do CPP que diz o seguinte: “1. As medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas. 2. A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção. 3. Quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares. 4. A execução das medidas de coacção e de garantia patrimonial não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requerer.” São, assim, os requisitos que as medidas de coacção devem respeitar: - o princípio da adequação; - o princípio da proporcionalidade; E, em especial, a prisão preventiva deve ainda respeitar: - o princípio da subsidiariedade[28]. Na esteira de João Luís Moraes de Rocha[29]: “Este princípio denominado da adequação (…) pretende que a medida a aplicar seja a exacta para suprir as necessidades cautelares que o caso exige. Há-de ser ponderada quer face à gravidade do crime, quer face as exigências cautelares concretas do arguido face ao processo. Saber qual a medida adequada, ou quando uma medida é a adequada, significa responder se ela ao ser aplicada realiza em concreto o fim pretendido. Como refere Marques da Silva (2002) «o princípio da adequação tem carácter empírico, apoia-se no esquema meio/fim, segundo o qual a adequação há-de ser analisada em relação com a sua finalidade.» A adequação impõe que a medida a aplicar não seja insuficiente ou, pelo contrário, excessiva para as exigências cautelares impostas pelo caso. A correcção em termos de adequação há-de-ser qualitativa e quantitativa. Qualitativa quando a natureza ou tipo da medida está em causa. Quantitativa na medida em que a duração e intensidade desta importam ponderar para realizar as exigências cautelares que o caso concreto impõe. (…) Importa referir que o princípio da adequação é integrado pelo princípio da proporcionalidade, o que ocasiona que em sede recursória ao se questionar a adequação da prisão preventiva também se ponha em causa a sua proporcionalidade. O princípio da proporcionalidade (…) significa que a medida de coacção há-de ser proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas. O princípio da proporcionalidade está intimamente relacionado com um outro, o princípio da subsidiariedade. Diz o princípio da subsidiariedade, consagrado, ainda, no art. 28º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, que a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção.” Entende o arguido que o Tribunal deveria ter optado pela medida prevista no artº 200º nº 1 al. f) do CPP. Diz o artº 200º do Código de Processo Penal, subordinado à epígrafe “proibição e imposição de condutas” o seguinte: “1 - Se houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos, o juiz pode impor ao arguido, cumulativa ou separadamente, as obrigações de: a) Não permanecer, ou não permanecer sem autorização, na área de uma determinada povoação, freguesia ou concelho ou na residência onde o crime tenha sido cometido ou onde habitem os ofendidos, seus familiares ou outras pessoas sobre as quais possam ser cometidos novos crimes; b) Não se ausentar para o estrangeiro, ou não se ausentar sem autorização; c) Não se ausentar da povoação, freguesia ou concelho do seu domicílio, ou não se ausentar sem autorização, salvo para lugares predeterminados, nomeadamente para o lugar do trabalho; d) Não contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas ou não frequentar certos lugares ou certos meios; e) Não adquirir, não usar ou, no prazo que lhe for fixado, entregar armas ou outros objectos e utensílios que detiver, capazes de facilitar a prática de outro crime; f) Se sujeitar, mediante prévio consentimento, a tratamento de dependência de que padeça e haja favorecido a prática do crime, em instituição adequada. 2 - As autorizações referidas no número anterior podem, em caso de urgência, ser requeridas e concedidas verbalmente, lavrando-se cota no processo. 3 - A proibição de o arguido se ausentar para o estrangeiro implica a entrega à guarda do tribunal do passaporte que possuir e a comunicação às autoridades competentes, com vista à não concessão ou não renovação de passaporte e ao controlo das fronteiras. 4 - As obrigações previstas nas alíneas a), d), e) e f) do n.º 1 também podem ser impostas pelo juiz ao arguido, se houver fortes indícios de prática do crime de ameaça, de coação ou de perseguição, no prazo máximo de 48 horas. 5 - Para efeitos do disposto no número anterior, quando esteja em causa a obrigação prevista na alínea d) e quando tal se demonstre imprescindível para a proteção da vítima, podem ser aplicados, fundamentadamente, meios técnicos de controlo à distância, podendo ser dispensada a audiência prévia do suspeito, caso em que, se necessário, a constituição como arguido será feita aquando da notificação da medida de coação. 6 - A aplicação de obrigação ou obrigações que impliquem a restrição de contacto entre progenitores são imediatamente comunicadas ao representante do Ministério Público que exerce funções no tribunal competente, para efeitos de instauração, com caráter de urgência, do respetivo processo de regulação ou alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais.” Não só não se nos afigura que o tratamento previsto na al. f) do nº 1 do artº 200º do CPP seja aplicável ao caso em apreço, porquanto o que a referida norma refere é o tratamento de “dependência”, sendo que essa dependência será química ou alcoólica, como não se nos afigura que a eventual patologia de que poderá padecer o arguido, a qual ainda não foi sequer diagnosticada, possa ser enquadrada em qualquer tipo de tratamento. Aliás, é o próprio parecer que o arguido junta com o seu recurso que refere no último parágrafo da página 17 e início da página 18 (fls. 78 e 78 vº da certidão que instrui os presentes autos): “Na realidade, não existem tratamentos efectivos – no sentido de «cura» –, para condições desenvolvimentais absolutamente entranhadas na natureza do indivíduo como são as parafilias, e a pedofilia em particular. Neste sentido, não existem intervenções psicoterapêuticas efectivas, no sentido da resolução do problema, dirigidas às parafilias. As intervenções psicoterapêuticas existentes baseiam-se no suporte e compreensão entre pares (grupo) ou de aconselhamento (individual).” É óbvio, face à natureza dos crimes imputados ao arguido e aos reais perigos de continuação da actividade criminosa e perturbação no decurso do inquérito que um simples tratamento, que parece nem sequer existir, seja suficiente para acautelar qualquer patologia de que o arguido eventualmente possa vir a sofrer. Não há dúvida que o tratamento que o arguido pretende ser-lhe aplicado no lugar da prisão preventiva não é eficaz e nem sequer adequado a acautelar os perigos em apreço, ainda que ao arguido fosse também aplicada a OPHVE, pois que o tratamento proposto nunca poderia funcionar sozinho e sem qualquer outra medida de coacção que o sustente (repare-se que as medidas previstas no artº 200º do CPP servem apenas para coadjuvar e reforçar as outras medidas de coacção) uma vez que a permanência do arguido em casa não o afasta do material informático através do qual o mesmo terá praticado os crimes indiciados, pelo que não é impedimento de continuar a actividade criminosa, nem impede a perturbação da investigação pois permite a adulteração de prova. Conclui-se, assim, que a única medida de coacção apta a acautelar os reais perigos de continuação da actividade criminosa e perturbação de inquérito é a prisão preventiva, pelo que, sendo a única capaz de assegurar essa cautela torna-se, assim, embora excepcional, a única medida adequada e proporcional. restam, assim, dúvidas de que o presente recurso tem de improceder. Decisão: Em face do acima exposto nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência, confirma-se a prisão preventiva que lhe foi aplicada no passado dia 20-11-2020. Custas a cargo do arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC's (artºs 513º nº 1 CPP e 8º e 9º do Regulamento das Custas Processuais conjugando este com a Tabela III anexa a tal Regulamento). Lisboa, 17 de Março de 2021. Florbela Sebastião e Silva Alfredo Costa _______________________________________________________ [1] Ver a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”. [2] Auto de apreensão de fls. 77. [3] Extracto bancário de fls. 78. [4] Apenso A. [5] Vide fls. 23 e 18 do Apenso C [6] Auto de exame preliminar constante de fls. 90 a 92. [7] Auto de exame preliminar constante de fls. 94 a 96. [8] Auto de exame preliminar constante de fls. 93 e Exame informático do Apenso B.. [9] Literalmente “de par para par”. [10] Technoblog.net/285777/o-que-é-torrent/ [11] O artº 119º do CPP dispõe o seguinte: “Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais: a) A falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição; b) A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência; c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência; d) A falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade; e) A violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º; f) O emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei.” [12] O artº 120º do CPP estabelece o seguinte: “1 - Qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte. 2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais: a) O emprego de uma forma de processo quando a lei determinar a utilização de outra, sem prejuízo do disposto na alínea f) do artigo anterior; b) A ausência, por falta de notificação, do assistente e das partes civis, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência; c) A falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considerar obrigatória; d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade. 3 - As nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas: a) Tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado; b) Tratando-se da nulidade referida na alínea b) do número anterior, até cinco dias após a notificação do despacho que designar dia para a audiência; c) Tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito; d) Logo no início da audiência nas formas de processo especiais.” [13] O artº 118º do CPP, que estabelece o princípio da legalidade determina o seguinte: “1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. 2 - Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.” [14] O artº 123º do CPP referente às irregularidades dispõe o seguinte: “1 - Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado. 2 - Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado.” [15] Por lapso o arguido faz referência ao nº 3 do artº 176º que não tem quaisquer alíneas. [16] In “Direito Criminal” Vol. II, Livraria Almedina, Coimbra 1993, p. 204. [17] Eduardo Correia, ob. cit. p. 205 [18] Eduardo Correia, ob. cit. p. 205 [19] Eduardo Correia, ob. cit. p. 205. Quanto a esta categoria, Eduardo Correia vai buscar o entendimento propugnado por Honig, sendo que o rejeita por entender que não tem qualquer utilidade. [20] Helena Moniz in Revista Julgar On-Line, Abril de 2018. [21] In Julgar On-Line Outibro de 2019. [22] O nº 3 do artº 30º do Código Penal determina o seguinte: “O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.” [23] In www.dgsi.pt. [24] In www.stj.pt sumários criminal. [25] Ac. Relação de Évora de 17-03-2015, procº 524/13.0JDLSB.E1, in Diário da República Electrónico. [26] In. Ob.cit. p. 173. [27] In www.dgsi.pt [28] Com assento constitucional no artº 28º nº2 da CRP que diz que “a prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.” [29] In Ordem Pública e Liberdade Individual - Um estudo sobre a prisão preventiva, Almedina, 2005, pp. 175 e ss. |