Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUELA FIALHO | ||
Descritores: | APLICABILIDADE DE INSTRUMENTO DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA CONCORRÊNCIA DE CONVENÇÕES PORTARIA DE EXTENSÃO ABONO PARA FALHAS SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO RETRIBUIÇÃO USOS LABORAIS CARTÃO DE REFEIÇÃO TRABALHO SUPLEMENTAR | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/25/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1- A extensão de uma Convenção Coletiva a empregadores não inscritos nas associações subscritoras depende de estas exercerem a sua atividade no mesmo sector de atividade a que a convenção se aplica. 2- A qualificação do setor de atividade económica de uma empresa, para efeitos de aplicação de uma PE, deve fazer-se atendendo ao objeto social da empresa com ponderação do sector de atividade enquanto atividade principal desenvolvida. 3- A atribuição do abono para falhas encontra a sua razão de ser nas especificidades da prestação de trabalho de quem sofre o risco de erros e perdas quando manuseia e/ou transporta dinheiro ou outros valores, relativamente aos quais é responsável perante o empregador. 4- O subsídio de refeição, na medida em que a importância paga a tal título exceda os montantes normais e desde que as importâncias pagas fossem consideradas, pelos usos, como elemento integrante da retribuição do trabalhador, assume carater de retribuição. 5- Existindo uma base contratual determinando o valor que, para as partes, deveria ser considerado como o “normal” no desenvolvimento do contrato de trabalho, tudo aquilo que for pago acima desse valor de referência, ao longo dos anos e de forma regular e periódica, pode considerar-se como fazendo parte da retribuição. 6- A prática reiterada durante 3 anos de pagamento de certo valor a título de subsídio de refeição, superior ao devido por força do IRC aplicável, traduz-se num uso relevante como fonte de direito, razão pela qual, somada ao critério definidor da normalidade acima mencionado, tudo o que foi pago acima do valor normal constitui retribuição e beneficia das respetivas garantias. 7- Nomeadamente, só por acordo a satisfação da prestação poderá efetuar-se por outra via que não o dinheiro (cheque, vale postal ou depósito), sendo a satisfação da prestação por cartão refeição imposto ilícita. 8- Para aferir da regularidade dos pagamentos a título de trabalho suplementar o que releva é a prestação de trabalho como tal qualificável, sendo indiferente que tal trabalho tenha sido prestado em dias úteis, de descanso ou feriados. 9- Consignando-se na CCT aplicável que o período para repouso ou refeição será considerado para todos os efeitos como tempo de trabalho, a hora da refeição deve ser retribuída. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa: ACP – SERVIÇOS, S.A., R. nos autos de ação de processo comum à margem acima identificados, não se conformando com o teor da sentença que a condenou na totalidade dos pedidos (relativos aos pagamentos de quantias a título de abono para falhas, subsídio de refeição, integração de remunerações variáveis na retribuição de férias e subsídios de férias e Natal e do período de refeição), vem desta interpor recurso ordinário, o qual é de APELAÇÃO. Formulou, após convite ao aperfeiçoamento, as seguintes conclusões: A. Foi dado como provado sob o ponto viii que “Em cumprimento de instruções da Ré, e no exercício das suas funções, os Autores procedem diariamente à cobrança aos clientes de quantias em dinheiro, referentes a serviços de desempanagem móvel e fixa, carga e venda de baterias, venda de peças, desmontagem e montagem de pneus, entre outros serviços prestados fora das instalações da Ré, recebendo para o efeito diretamente dos clientes da Ré quantias em dinheiro e emitindo os respetivos recibos;””, porém, nem os depoimentos das testemunhas referidas nos fundamentos de facto (pontos 4 a 9, das Alegações), nem do seu cotejo como os documentos aí identificados (pontos 12 a 18, das Alegações) permite inferir no sentido do recebimento diário de quantias em dinheiro, mas apenas no sentido da realização de recebimentos diários, consequentemente, por excessivos (pontos 10 a 12 e 19 a 21, das Alegações) os correspondentes trechos da matéria assente devem ser modificados passando a consignar o ponto viii que: ““Em cumprimento de instruções da Ré, e no exercício das suas funções, os Autores procedem a cobrança aos clientes de quantias referentes a serviços de desempanagem móvel e fixa, carga e venda de baterias, venda de peças, desmontagem e montagem de pneus, entre outros serviços prestados fora das instalações da Ré, recebendo para o efeito diretamente dos clientes da Ré quantias e emitindo os respetivos recibos;” em consonância com a prova realizada. Não foram apresentadas contra-alegações.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no qual conclui pela integral confirmação da sentença. * Segue-se um breve resumo dos autos para cabal compreensão: AA e (2) BB demandaram “ACP – Serviços de Assistência, Lda.” pedindo: a) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor AA: A R. contestou afirmando, em resumo, que o IRC aplicável é distinto daquele que os AA. reportam, impugnando os direitos invocados por aqueles no concernente ao abono para falhas, subsídio de refeição, integração nas retribuições de férias e subsídios dos valores reclamados, consideração do tempo de refeição como tempo de trabalho. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgando a ação totalmente procedente, decide condenar a ré “ACP – Serviços de Assistência, Lda.” a pagar aos autores (1.ºA) AA e (2.ºA) BB, os créditos laborais assim discriminados: A)- Ao (1.ºA) AA: Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões: 1ª– O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
xv.- Em 01-07-2007, os autores e a ré procederam a um acordo de alteração do horário de trabalho, tendo sido acordado que o horário de trabalho dos autores seria efetuado em regime de turnos rotativos 4/2, com uma hora de intervalo para descanso, tendo o 2º A. declarado que cumprirá o horário de trabalho por turnos rotativos, observando uma carga horária semanal 38h30m e diária de 8h15m num período de referência de seis semanas distribuídas por 4 dias de trabalho, com intervalo de uma hora para descanso, seguidos de 2 dias de folga; xvi.- A partir de 08-01-2011, a ré começou a considerar a hora de refeição/descanso como tempo de trabalho e a retribuir os autores por essa hora; xvii.- No período de 01-07-2007 até 28-02-2010, o 1.ºA auferiu a retribuição base mensal e teve as seguintes horas de refeição/descanso:
xviii.- No período de 01-07-2007 até 28-02-2010, o 2.ºA auferiu a retribuição base mensal e teve as seguintes horas de refeição/descanso:
*** O DIREITO: Entraremos seguidamente nas questões de cariz eminentemente jurídico, a primeira das quais tomou o 2º lugar no elenco acima definido - No período de 13/01/1992 a 30/06/2007 não era aplicável ao 1º A. o CCT ACAP/FETESE publicado no BTE nº 27 de 22/07/2003? Defende a Apelante que naquele período o A. trabalhou para ACP – Automóvel Clube de Portugal cuja atividade principal é a promoção do automobilismo, do motociclismo e do turismo, razão pela qual o CCT não se lhe aplica. Ponderou-se na sentença que “Os autores são sócios do Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal, por sua vez, filiado na FECTRANS, sendo aplicável às partes o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ACAP e outras e a FETESE e outros, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, n.º 27 de 22-07-2003, com Portaria de Extensão n.º 484/2005, de 18 de maio, e com última publicação no BTE n.º 37 de 08/10/2010 e a respetiva Portaria de Extensão n.º 3/2011, de 3 de janeiro. A ré entende que, quanto ao 1.ºA, esta regulamentação coletiva só lhe é aplicável a partir de 01-07-2007, data a partir da qual passou a ser seu trabalhador. Como entre 13-01-1992 e 30-06-2007 o 1.ºA trabalhou para o “ACP – Automóvel Clube de Portugal”, a referida regulamentação não se lhe aplicava porque a atividade dessa instituição era a promoção do automobilismo, do motociclismo e do turismo. Porém, não assiste razão à ré, porque o critério da extensão determinada pela Portaria n.º 484/2005, de 18 de maio, não era, claro está, o objeto social do empregador, mas sim a atividade deste. Ora, se o ACP contratou o 1.ºA em 1992 como mecânico-desempanador (cf. Contrato de Trabalho legível, a fls. 178), era porque exercia a atividade, ou seja, exercia “a atividade económica abrangida pelas convenções”1, designadamente, a de reparação automóvel”. O pedido formulado pelo 1º A. a título de abono para falhas reporta aos anos 2004 a 2021. Não sendo o A. filiado no sindicato subscritor da CCT acima referida, e não havendo prova da filiação em associação empresarial subscritora nem da R., nem da sua antecessora no contrato de trabalho, teremos que encontrar resposta para a aplicabilidade da CCT em referência nalguma Portaria de Extensão. Na verdade, conforme é sabido, vigora no ordenamento jurídico-laboral, no concernente à aplicabilidade de instrumentos de regulação coletiva do trabalho, o princípio da filiação. Algo que já vinha consagrado no período pré codicístico – DL 519C1/79 de 29/12- e perpassou para os sucessivos códigos do trabalho vigentes desde Dezembro de 2003. Atendendo ao período de referência na questão em estudo, veja-se o disposto no Artº 552º do CT/2003. Tal princípio sofre, no que para aqui releva, o desvio decorrente da extensão regulamentar (Artº 573º do CT/200). O Tribunal sustentou-se na PE 484/2005 de 18/05. Estabeleceu-se nesta: 1- As condições de trabalho constantes dos contratos coletivos de trabalho celebrados entre a ACAP - Associação do Comércio Automóvel de Portugal e outras e o SITESC - Sindicato dos Trabalhadores de Escritório, Serviços e Comércio e entre as mesmas associações de empregadores e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros, insertos no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 27, de 22 de Julho de 2003, e o primeiro objeto de retificação publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 2004, são estendidas, no continente: a) Às relações de trabalho entre empregadores não filiados nas associações de empregadores outorgantes que exerçam a atividade económica abrangida pelas convenções e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais nelas previstas; b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados nas associações de empregadores outorgantes que exerçam a referida atividade económica e trabalhadores ao seu serviço, das aludidas profissões e categorias profissionais, não representados pelas associações sindicais outorgantes. 2- A retribuição do nível 13 da tabela I das tabelas salariais do anexo I, bem como dos grupos I, II, III e IV das convenções, apenas é objeto de extensão em situações em que seja superior à retribuição mínima mensal garantida resultante da redução relacionada com o trabalhador, de acordo com o artigo 209.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho. 3- Não são objeto de extensão as cláusulas 12.ª, n.º 2, 16.ª, 37.ª, alínea h), 39.ª, n.os 1, alínea b), e 2, 41.ª, n.os 1 e 2, 54.ª, n.os 1, alínea a), e 3, 61.ª, 65.ª, n.º 2, 71.ª, n.º 1, alínea e), 73.ª, 80.ª, n.º 11, 81.ª, n.os 1, alínea b), 3, alíneas b) e c), 5 e 6, 111.ª, n.º 1, alíneas a) e c), e 112.ª, n.º1. 4- A presente portaria não é aplicável aos trabalhadores filiados nos sindicatos inscritos na FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e na FEQUIMETAL - Federação Intersindical da Metalurgia, Metalomecânica, Minas, Química Farmacêutica, Petróleo e Gás. 5- A presente portaria do CCT entre a ACAP - Associação do Comércio Automóvel de Portugal e outras e o SITESC - Sindicato dos Trabalhadores de Escritório, Serviços e Comércio não é aplicável aos trabalhadores filiados nos sindicatos representados pela FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços, no Sindicato dos Técnicos de Vendas do Sul e Ilhas e no SINDEL - Sindicato Nacional da Indústria e Energia. 2.º A presente portaria entra em vigor no 5.º dia após a sua publicação no Diário da República. Uma primeira conclusão podemos desde já retirar: a ser aplicável a CCT ela sê-lo-á a partir de 23/05/2005 (nº 5). A aplicabilidade do referido regulamento de extensão está dependente do exercício de atividade económica abrangida pelas convenções. Ora, sobre o respetivo âmbito de aplicação a CCT ACAP/FETESE dispunha: Cláusula 2.a Âmbito 1— O presente contrato coletivo de trabalho é vertical (CCTV) e obriga as empresas representadas pelas seguintes associações patronais: ACAP — Associação do Comércio Automóvel de Portugal; RIMA — Associação dos Industriais de Montagem de Automóveis; ANECRA — Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação de Automóveis; ARAN — Associação Nacional do Ramo Automóvel. 2— O presente contrato obriga também as empresas de reparação automóvel e respetivos subsectores de garagens, estações de serviço, postos de abastecimento de combustíveis e postos de assistência e pneumáticos representados pela AIM (Associação Industrial do Minho). 3— São também abrangidos por este contrato coletivo os trabalhadores, independentemente da categoria profissional atribuída, representados pelos sindicatos signatários. 4— Excluem-se do âmbito do presente contrato as empresas representadas pelas associações outorgantes (ARAN e AIM) que exerçam exclusivamente as atividades de garagens, estações de serviços, postos de abastecimento de combustíveis, parques de estacionamento e postos de assistência a pneumáticos e ainda as que nas atividades acima mencionadas empreguem de 6 a 12 trabalhadores e possuam, além daquelas atividades, apenas uma secção comercial a que esteja adstrito um único trabalhador, desde que a secção comercial tenha uma faturação inferior a 50 % da faturação geral da empresa, e as que nas atividades acima mencionadas empreguem mais de 12 trabalhadores e possuam, além daquelas atividades, apenas uma secção comercial a que estejam adstritos apenas 1 ou 2 trabalhadores, desde que a secção comercial tenha uma faturação inferior a 50% da faturação geral da empresa. 5— Todavia, aos trabalhadores que prestem serviço nas secções de comércio automóvel das empresas referidas no número anterior aplicar-se-á o presente CCTV. Provou-se que os fins sociais do “ACP – Automóvel Club de Portugal” são a «Promoção do automobilismo, do motociclismo, de outras modalidades desportivas e do turismo, a defesa dos automobilistas e motociclistas no que respeita a soluções de mobilidade e a defesa dos interesses dos seus sócios em todas as situações e aspetos relacionados com aqueles objetivos. Também poderá desenvolver atividades de apoio social aos seus sócios.» O Autor AA foi admitido ao serviço da sociedade Automóvel Club de Portugal em 13/01/1992, possuindo a categoria profissional de Mecânico de Automóveis. A partir do âmbito de aplicação daquela CCT podemos concluir que a atividade abrangida era o comércio de automóveis, a montagem de automóveis, a reparação de automóveis e respetivos subsetores. A antecessora da R., tendo como escopo o acima mencionado, contratou o A. como mecânico – conclusão ínsita na sentença que a Apelante não questiona – de onde se há-de inferir que também a atividade pressuposta, ou seja, a reparação de automóveis, era exercida pela mesma. Defende, contudo, a Apelante, que ainda que o A. tivesse exercido funções de mecânico no âmbito da atividade principal do ACP, a atividade a considerar é a de promoção do automobilismo, do motociclismo e do turismo, a qual não era abarcada pela Portaria de Extensão. A extensão de uma Convenção Coletiva a empregadores não inscritos nas associações subscritoras depende, antes de mais, de estas exercerem a sua atividade no mesmo sector de atividade a que a convenção se aplica. É o que resulta muito claramente do Artº 514.º/1 do CT e também já decorria dos Artº 573º e 575º do CT/2003. A qualificação do setor de atividade económica de uma empresa, para efeitos de aplicação de uma PE, deve fazer-se atendendo ao objeto social da empresa por daí emanar o tipo de atividade que lhe é permitido exercer. Isto mesmo foi afirmado pelo STJ nos Ac. de 30/03/2006, Proc.º n.º 2653/05 e de 5/07/2007, Proc.º n.º 07S538. Do escopo social do ACP não emerge claramente o exercício da atividade de reparação automóvel. Porém, como acima dissemos, a mesma é inferível a partir das funções para as quais o A. foi contratado. Ocorre, porém, que vem sendo jurisprudência dos tribunais superiores que a aplicabilidade por extensão de uma certa convenção a empregador não filiado há-de decorrer do exercício pelo empregador de uma atividade incluída no mesmo sector de atividade enquanto atividade principal. E não das funções exercidas pelo trabalhador ao serviço daquele[1]. Há, pois, que definir qual a atividade principal preponderante. Isto mesmo foi afirmado pelo STJ em Ac. datados de 14/07/2022 (Proc.º 1709/18.8T8BRR[2]) e 9/03/2017, a saber: “Resultando do n.º 1, do artigo 514.º do Código do Trabalho atualmente em vigor que a “convenção coletiva ou decisão arbitral em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de atividade e profissional definido naquele instrumento”. Nas palavras do Ac. do STJ de 09/03/2017, proc. 61/15.4T8VRL.G1.S1, in www.dgsi.pt, na definição do âmbito pessoal de aplicação das convenções coletivas a regra base consiste no chamado princípio da dupla filiação consagrado no artigo 496.º do Código do Trabalho, nos termos do qual as convenções coletivas obrigam, em princípio, apenas aqueles que, durante a respetiva vigência, estiverem filiados ou se filiarem nas entidades outorgantes (associações patronais e sindicatos) e ainda as entidades patronais que neles outorguem diretamente. A extensão de um contrato coletivo de trabalho a entidades patronais não inscritas nas associações subscritoras depende de essas entidades exercerem a sua atividade no mesmo sector económico a que a convenção se aplica[3], nos termos do artigo 514.º, n.º 1, do Código do Trabalho e dos termos concretos em que aquela extensão se mostra prescrita nas portarias de extensão.” Há, assim, que colocar o enfoque na coincidência entre a atividade económica a que se dedica o empregador e o sector de atividade e profissional definido na convenção coletiva de trabalho estendida. E, para além disso, “há que apelar à atividade principal desenvolvida pelo empregador. Não faz qualquer sentido, até porque o regime legal o não permite, em termos de razoabilidade e aplicabilidade, um sistema “misto”, que acolhesse simultaneamente as atividades secundárias.” Afigura-se-nos, assim, que tem razão a Apelante quando alega que a atividade a considerar é a de promoção do automobilismo, do motociclismo e do turismo, a qual não era abarcada pela Portaria de Extensão, sendo irrelevante que o A. tenha exercido funções de mecânico que pressupõem, efetivamente, a atividade de reparação automóvel que não é, em face dos factos cuja prova se obteve, a atividade principal do ACP. Razões pelas quais a sentença deverá ser alterada nesta parte, procedendo a questão em apreciação. A decisão assim prolatada repercute-se diretamente no segmento decisório A)1. Assim, do valor de 6.030,60€ retirar-se-ão as quantias de 153,60€, 358,40€ e 358,40€, referentes, respetivamente, aos anos 2004, 2005 e 2006. O valor devido reduz-se, pois, para o montante de 5.160,20€. * E passamos à 3ª questão – Não é devido abono para falhas? Entenda-se, não é devido este abono ao 1º A. a partir de 1/07/2007 (pois que anteriormente o não será por não ser aplicável o CCT que o consagra) e não é devido tal abono ao 2º A.. A argumentação da Apelante centra-se na circunstância de o abono para falhas ser devido pelos recebimentos de quantias em numerário. Centremo-nos na CLº 86ª: Condições especiais de retribuição 1— Os caixas e os cobradores têm direito a um abono mensal para falhas no valor de E 25,60 enquanto no desempenho dessas funções. 2— Para pagamento das remunerações e abonos de família deverão ser destacados trabalhadores de escritório com classificação profissional nunca inferior a terceiro-escriturário. 3— Os trabalhadores que procedam aos pagamentos referidos no número anterior, terão direito a uma gratificação mensal calculada da seguinte forma sobre o montante global manuseado: Até 1 000 000$ — E 17,60; Mais de 1 000 000$ — E 25,60. 4— O subsídio previsto no n.o 1 é também devido aos trabalhadores na retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal. 5— Sempre que os trabalhadores referidos no n.o 1 sejam substituídos no desempenho das respetivas funções, o substituto receberá o subsídio na parte proporcional ao tempo das substituições, deixando o titular de o receber mesma proporção. 6— Consideram-se apenas abrangidos pelo n.o 3 os trabalhadores que recebam do caixa um valor global, (ensacado ou não) e procedam à sua conferência, repartição e prestação de contas aos serviços de tesouraria ou outros pelos pagamentos efetuados. Na sentença recorrida considerou-se que “No Anexo III desse CCT, respeitante à definição de funções, o cobrador é «o trabalhador que efetua, fora dos escritórios, recebimentos, pagamentos e depósitos ou serviços análogos.» Os autores têm a categoria profissional de mecânicos, mas, no exercício das suas funções, que são prestadas nos locais onde os veículos demandam assistência, procedem à cobrança aos clientes de quantias em dinheiro, referentes a serviços de desempanagem móvel e fixa, carga e venda de baterias, venda de peças, desmontagem e montagem de pneus, entre outros serviços, recebendo para o efeito diretamente dos clientes da ré quantias em dinheiro e emitindo os respetivos recibos. A atribuição do abono para falhas encontra a sua razão de ser nas especificidades da prestação de trabalho de quem sofre o risco de erros e perdas quando manuseia e/ou transporta dinheiro ou outros valores, relativamente aos quais é responsável perante o empregador.” A primeira observação que se nos oferece realizar é que em momento algum o clausulado na CCT estipula que só quem receba quantias em dinheiro ou numerário é que deve receber abono para falhas, pelo que, defendendo a Apelante que os AA., embora recebam pagamentos, os mesmos não são em dinheiro, pelo que não teriam direito a este abono, tal afirmação não encontra apoio na letra da lei, não podendo sufragar-se. Em segundo lugar, ainda que os AA. pudessem receber os pagamentos por alguma via distinta, não ficam isentos do risco associado à função de cobrança, designadamente algum erro de cálculo ou falha originada pela rotina. Em terceiro lugar, sendo os AA. mecânicos, maior é o risco ao serem incumbidos de funções que nada têm a ver com a mecânica. O que dali emerge muito claramente é que os cobradores têm direito a tal abono. Sendo certo que existe a específica categoria profissional de cobrador, também o é que os AA. assumem funções idênticas às dos mesmos no regular exercício da sua atividade profissional – ou seja, efetuam recebimentos. Donde não nos merece censura a sentença quando conclui pelo direito ao abono, dado o carater misto das funções exercidas. Improcede, por isso, a questão em apreciação. * Chegamos, assim, à 4ª questão – O subsídio de alimentação pago pela R. não assume natureza retributiva? Para percebermos esta questão socorramo-nos da sentença. Exprimiu-se ali que: “Provou-se que desde janeiro de 2009 que a ré pagava aos autores um montante diário de € 6,41, a título de subsídio de refeição. Porém, em janeiro de 2012, reduziu unilateralmente esse valor para € 5,12. Cerca de um ano depois, em fevereiro de 2013, a ré alterou novamente o valor para os trabalhadores que aceitaram auferir o subsídio de refeição através de cartão refeição, como foi o caso do 1.ºA, para a quantia de € 6,83, em 2017, para a quantia de € 7,23 e, em 2018, para a quantia de € 7,63. No que diz respeito ao 2.ºA, que recusou auferir o subsídio de refeição através de cartão refeição, a ré, em fevereiro de 2013, alterou o subsídio de refeição para € 4,27, em janeiro de 2017 para € 4,52, em janeiro de 2018 para € 4,77 e em janeiro de 2021 para € 5,00. Como é sabido, a lei não obriga ao pagamento de subsídios de alimentação aos trabalhadores do Setor Privado. No entanto, por aplicação do CCT acima referido, os valores a que os trabalhadores tinham direito eram substancialmente inferiores[4]. … Os autores entendem que o valor de € 6,41/dia, pago pela ré a título de subsídio de refeição até ao mês de dezembro de 2011 estava protegido pelo princípio da irredutibilidade da retribuição, de acordo com o disposto nos artigos 129.º, n.º 1 d) e 258.º, n.º 4 do Código do Trabalho, não sendo, por isso, lícita a redução operada em janeiro de 2012 e mantida por mais anos, no caso do 2.ºA. Isto porque os autores defendem que o subsídio de refeição assume a natureza de retribuição, na parte em que excede o valor previsto no CCT. Nos termos do art.º 260.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código do Trabalho: «1 - Não se consideram retribuição: a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador; (…) 2 - O disposto na alínea a) do número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição.» Revertendo ao caso concreto, considerando que este subsídio não está previsto nos contratos de trabalho, mas era pago por cada dia de trabalho efetivo, só poderia assumir a natureza de retribuição na parte em que excedesse os montantes normais e desde que fossem consideradas, pelos usos, como elemento integrante da retribuição do trabalhador[5]. Comecemos por ver o que se deve entender como os montantes normais. Neste aspeto, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 29-06-2017, Proc. n.º 4318/16.2T8VCT.G1, relatado por Alda Martins e que versa sobre uma situação em que também era aplicável o CCT entre a ACAP e a FETESE, em que o subsídio era de € 6,41/dia e que foi unilateralmente reduzido a partir de janeiro de 2012, naquele caso para o valor previsto no CCT (€ 2,50), sendo que no presente caso a redução foi menor, inicialmente para € 5,12. Nesse acórdão afirma-se que «…havendo um critério consistente para determinar o que é valor “normal”, no quadro das estipulações contratuais que vinculem as partes, é esse o que deve ser considerado, antes de recorrer a critério prudencial baseado no custo efetivo de uma refeição decente, ainda que moderado…» A ré argumenta que não subscreveu qualquer instrumento de regulamentação coletiva, porém, esse não nos parece ser um fator decisivo, visto que a normalidade resulta precisamente da prática comum, sendo esta a que foi acordada pelos subscritores do CCT aplicável e depois estendida às partes neste processo por vontade do poder executivo. Assim, se tais quantias estão previstas num instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, o valor nele estipulado deve ser considerado o valor normal a pagar pelo empregador. Tudo aquilo que for pago acima desse valor de referência, ao longo dos anos e de forma regular e periódica, tem que se considerar, em regra, como fazendo parte da retribuição, tendo até em conta o princípio da boa fé[6]. [cf. o mesmo aresto da Relação de Guimarães]. A qualificação de uma prestação como retribuição, em sentido jurídico, tem como efeito a sua sujeição á garantia da irredutibilidade e à tutela dos créditos retributivos. Resulta do art.º 129.º n.º 1, al. d) do Código do Trabalho que, em regra, é proibido ao empregador diminuir a retribuição, pelo que a decisão tomada pela autora e posta em prática em janeiro de 2012 foi ilícita. … Acresce que a ré, ao aumentar o subsídio de refeição acima dos € 6,41/dia, apenas aos trabalhadores que aceitaram receber através de cartão de refeição, castigando os que não alinharam nessa alteração ilegal da forma de pagamento, por ser unilateral, entra em flagrante violação do princípio trabalho igual, salário igual, consagrado no art.º 270.º do Código do Trabalho. Concluindo e aplicando o direito aos factos, a ré será condenada a pagar aos autores, a título de subsídio de refeição diário, a quantia de € 6,41 até janeiro de 2013; a quantia de € 6,83 entre fevereiro de 2013 e dezembro de 2016; a quantia de € 7,23 entre janeiro e dezembro de 2017; e a quantia de € 7,63 a partir de janeiro de 2018.” Antes de avançarmos na apreciação um alerta: é que contrariamente ao que parece pressupor a Apelante ao acenar com o Ac. do STJ de 14/07/2022, Proc.º 15770/20.1T8LSB, não está em causa apenas a circunstância de se modificar o modo de pagamento do subsídio de refeição. Entendamo-nos! O que aqui está em causa é uma diminuição do valor pago a esse título. Valor que até Dezembro de 2011 ascendia a 6,41€ por mês, tendo, após Janeiro de 2012 sofrido uma redução (e alterações para mais nos anos 2013 e ss.) e, para além da redução, o valor pago foi diferenciado consoante o trabalhador anuísse a receber em dinheiro ou mediante cartão refeição. São estas as condutas em causa pelo que, há que perceber se as mesmas são lícitas. As partes estão de acordo na consideração de que o valor devido por força da CCT aplicável – CCT ACAP/FETESE, BTE nº 37 de 8/10/2010, estendido por força da PE 3/2011 de 3/01- era de 2,50€ por dia conforme Clª 82ºA. Tal como dito na sentença é irrelevante que a R. não tenha subscrito tal IRC. Relevante é que o mesmo lhe era/é aplicável. Não está explicada a razão de ser das alterações unilateralmente impostas ao valor do complemento remuneratório em presença. Certo é que devendo o mesmo ser de 2,50€ por mês, o valor pago era superior e foi reduzido. Ora, conforme decorre do que se dispõe no Artº 260º do CT o subsídio de refeição não assume, em regra, natureza retributiva. Assumi-la-á na medida em que a importância paga a tal título exceda os montantes normais e desde que fossem consideradas, pelos usos, como elemento integrante da retribuição do trabalhador. Na relação jurídica existente entre as partes o valor normal é o que decorre da contratação coletiva, que assim impôs uma prática comum a uma generalidade de empregadores e trabalhadores, tenha ela sido negociada ou decorra de imposição extensiva. E não o valor de uma refeição completa, critério que poderá relevar caso aquele parâmetro não exista. Tal como dito no citado Ac. da RG “se tais quantias estão previstas num instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, o valor nele estipulado deve ser considerado o valor normal a pagar pelo empregador. Isto é, existindo uma base contratual determinando o valor que, para as partes, deveria ser considerado como o “normal” no desenvolvimento do contrato de trabalho, tudo aquilo que for pago acima desse valor de referência, ao longo dos anos e de forma regular e periódica, tem que se considerar, em regra, como fazendo parte da retribuição”. Para além disso, pagando a R. aquele valor (superior) desde Janeiro de 2009 sem que se considerasse vinculada por algum IRC, o pagamento regular durante 3 anos, passou a constituir um uso vinculativo. A relevância atribuída pela lei laboral aos usos, que como se sabe, são tidos como fonte de direito – Artº 1º do CT- advém da circunstância de se valorar uma autovinculação do empregador, que, por efeitos do princípio da confiança, é geradora de uma convicção ou certeza no lado do trabalhador, convicção essa que lhe permite alimentar reais expetativas. É, no fundo, uma outra emanação do princípio da boa-fé. O Acórdão do STJ de 5/07/2007 (Refª 06S2576), claramente consignou que “Nada impede que, através de prática da empresa constante, genérica e aceite, se estabeleça um uso relevante como fonte de direito, e por isso vinculativo, no sentido de remunerar como tempo de trabalho determinados períodos de intervalo na jornada de trabalho em que o trabalhador não se encontra a exercer as suas funções nem se encontra à disposição do empregador”. Considerou-se no Ac. do STJ de 27/11/2018[7], Proc.º 12766/17.4T8LSB que “O pagamento do subsídio de refeição, nas férias, durante cerca de 40 anos, constituiu uma prática constante, uniforme e pacífica sendo por isso merecedora da tutela da confiança dos trabalhadores na sua continuidade, assumindo a natureza dum uso relevante à luz dos artigos 12º, nº 1 da LCT, 1º do CT/2003 e do CT/2009, coberto pela imperatividade da norma do art. 129º, nº 1, al. d) do Código do Trabalho/2009, “ex vi” do art. 260º, nº 1, al. a) e nº 2 do mesmo diploma”. Nesta medida, a prática reiterada durante 3 anos de pagamento de certo valor a título de subsídio de refeição, superior ao devido por força do IRC aplicável, traduz-se num uso relevante como fonte de direito, razão pela qual, somada ao critério definidor da normalidade acima mencionado, se subscreve a sentença, quando conclui que o valor pago acima dos 2,50€ constitui retribuição. E constituindo retribuição não pode ser reduzido seja por que circunstância for (Artº 129º/1-d) do CT). Para além disso, sendo retribuição, a prestação fica sujeita aos limites impostos pelo Artº 276º/1 do CT. Do que resulta que só por acordo a satisfação da prestação poderá efetuar-se por outra via que não o dinheiro (cheque, vale postal ou depósito). Assim, a substituição unilateral do valor devido acima dos 2,50€ por cartão refeição é ilícita. Esta conclusão vai de encontro ao ditame resultante do referenciado Ac. do STJ de 14/07/2022 onde se concluiu, contrariamente ao que aqui ocorre, que, no caso apreciado, o subsídio de refeição não tinha carater retributivo e, por isso, a forma de pagamento podia ser alterada[8]. São, pois, devidas as diferenças reportadas na sentença, assim improcedendo a questão em apreciação. * Continuaremos, agora, apreciando a 5ª questão – Nunca se verificou regularidade e periodicidade de onze meses na realização de trabalho suplementar? A questão prende-se com uma pretendida decomposição do trabalho suplementar prestado, defendendo a Apelante que o trabalho suplementar prestado em dias de descanso ou dias feriado nunca se verificou com a regularidade e periodicidade de onze meses por ano, pelo que a média não poderá ser considerada para integrar o rendimento médio anual para efeitos de pagamento da retribuição de férias e do subsídio de férias no período reclamado nos autos. Tal como expressivamente se considerou na sentença “não vislumbramos fundamento para semelhante decomposição do trabalho suplementar. O que releva, em termos de perceção da regularidade dos pagamentos, é o facto de corresponderem a trabalho prestado fora do horário de trabalho a que o trabalhador está vinculado (art.º 226.º, n.º 1 do CT e Cláusula 55.ª do CCT aplicável). Por conseguinte, basta que o trabalho suplementar seja pago em 11 dos 12 meses do ano, para o seu valor médio ser considerado no cálculo dos montantes pagos a título de férias e subsídio de férias, bem como, mas só em 2002 e 2003, a título de subsídio de Natal”. Subscrevemos integralmente esta conclusão, revelando-se infundada a almejada decomposição dos valores pagos a título de trabalho suplementar seja por que razão for – seja porque o valor hora difere da 1ª para a 2ª hora ou porque as horas são diurnas ou noturnas, ou porque a prestação ocorre em dias de feriado ou de descanso. O que é relevante é a qualificação da prestação como trabalho suplementar, devendo a mesma computar-se no seu todo. Neste sentido os Ac. desta RLx. proferidos em 1/02/2023, Procº 1300/21.1T8CSC e 28/06/2023, Procº 2332/22.8T8CSC[9]. Termos em que improcede a questão em apreciação. * Resta a 6ª questão – O CCT ACAP/FETESE não era aplicável em 1/07/2007? A questão assim colocada reporta-se ao decidido a propósito do intervalo de descanso. Vem assim abordada na sentença: “Como ficou provado, em 01-07-2007, os autores e a ré celebraram um acordo de alteração do horário de trabalho, tendo sido acordado que o horário de trabalho dos autores seria efetuado em regime de turnos rotativos 4/2, com uma hora de intervalo para descanso. Isto, apesar de os autores já auferirem, antes dessa data, um subsídio de turno. Nessa data, o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ACAP e outras e a FETESE e outros, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, n.º 27 de 22-07-2003, já era, como vimos, aplicável às relações laborais entre autores e ré, por força da Portaria de Extensão n.º 484/2005, de 18 de maio, o qual estabelecia o Regime Geral de Trabalho por Turnos na sua Cláusula 60.ª. Nos termos do n.º 9 dessa Cláusula 60.ª, «em regime de turnos, os trabalhadores têm direito a um período para repouso ou refeição, de duração não inferior a trinta minutos, o qual será considerado para todos os efeitos como tempo de trabalho; …», sendo que o período de refeição ou descanso dos autores tem a duração de uma hora. Todavia, a ré só começou a retribuir esse período de refeição a partir de 08-01-2011, data a partir da qual entendeu que estava obrigada a fazê-lo por força da Portaria de Extensão n.º 3/2011, de 3 de janeiro, que tornou, na sua perspetiva, aplicável o CCT publicado no BTE n.º 37 de 08-10-2010. Ora, na linha do entendimento por nós preconizado supra, o CCT publicado no BTE n.º 27, de 2003, já era aplicável às relações laborais entre autores e ré na data que releva para a apreciação deste pedido: 01-07-2007. Logo, a ré constituiu-se devedora destes dois trabalhadores por cada uma das horas de refeição que deveria ter considerado como tempo de trabalho e, portanto, que deveria ter pago como tal. Considerando os dias trabalhados pelos autores entre 01-07-2007 e 28-02-2010 (período peticionado) e o disposto no n.º 9 da Cláusula 60.ª do CCT aplicável entre 2007 e 2010, a ré será condenada de acordo com as tabelas elaboradas pelos autores…” Persiste a R. e Apelante na defesa de que o CCT ACAP/FETESE de 2003 não lhe era aplicável porquanto o Artº 10º do CT/2003 definia que apenas após a entrada em vigor de convenção coletiva que disponha sobre os tempos de trabalho poderá afastar o disposto no Artº 1º da Lei 21/96 e Artº 2º/1-a) da Lei 73/98. Decidindo! Provou-se que o escopo social da ré “ACP – Serviços de Assistência, Lda.” é o “Transporte rodoviário de mercadorias, a prestação de serviços nas áreas do tráfego, nomeadamente a veículos, atrelados e barcos de recreio, a organização e a prestação de serviços de informática e de assistência, a prestação de serviços de manutenção e reparação de veículos automóveis, bem como o desenvolvimento, a organização e a promoção de atividades formativas e formação profissional.” Sobre as condições de aplicabilidade da CCT ACAP/FETESE retomamos aqui o que dissemos supra. Dali decorre a aplicabilidade à R. de tal IRC por força da PE referida – a R. exerce atividade integrada no conjunto de atividades pressupostas pela convenção cujos efeitos foram estendidos, ou seja, comércio de automóveis, a montagem de automóveis, a reparação de automóveis e respetivos subsetores. No que se concorda com a sentença. Quanto ao Artº 10º que menciona, que será antes o Artº 10º da Lei 99/2003 de 27/08, dispõe-se ali que o disposto na alínea a) do Artº 156º do CT não é aplicável até à entrada em vigor de convenção coletiva que disponha sobre a matéria, mantendo-se em vigor, durante esse período, o previsto no Artº 1º da Lei 21/96 de 23/07 e na alínea a) do nº 1 do Artº 2º da Lei 73/98 de 10/11. O Artº 156º do CT de 2003 versa sobre interrupções e intervalos. Porém, não foi aplicado. A decisão limita-se a aplicar a regulamentação que então emergia do IRC que teve como aplicável á relação laboral em presença. Logo, o apelo ao disposto no Artº 10º carece de fundamento. Vejamos, ainda assim, o que dispunha o Artº 1º da Lei 21/96: Artigo 1.º Redução de períodos normais de trabalho 1- Os períodos normais de trabalho superiores a quarenta horas por semana são reduzidos nos seguintes termos: a) Na data da entrada em vigor da presente lei, são reduzidos de duas horas, até ao limite de quarenta horas; b) Decorrido um ano sobre a data de aplicação do disposto na alínea anterior, o remanescente é reduzido para quarenta horas. 2- O disposto no número anterior não é aplicável aos sectores de atividade ou empresas em que tenha sido expressamente convencionado um calendário de redução mais rápido. 3- As reduções do período normal de trabalho semanal previstas na presente lei ou em convenção coletiva para o mesmo fim definem períodos de trabalho efetivo, com exclusão de todas as interrupções de atividade resultantes de acordos, de normas de instrumentos de regulamentação coletiva ou da lei e que impliquem a paragem do posto de trabalho ou a substituição do trabalhador. 4- Sem prejuízo do disposto no número anterior, a manutenção ou eliminação das interrupções de atividade nele referidas será definida por acordo ou por convenção coletiva. E, para além dela, a Lei 73/98 de 10/11: Artigo 2.º Definições 1- Para os efeitos da aplicação da presente lei, entende-se por: a) «Tempo de trabalho»: qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade empregadora e no exercício da sua atividade ou das suas funções; b) «Período de descanso»: qualquer período que não seja tempo de trabalho; c) «Período noturno»: qualquer período como tal definido pela lei ou por convenção coletiva; d) «Trabalhador noturno»: qualquer trabalhador que execute, pelo menos, três horas de trabalho normal noturno em cada dia ou que possa realizar durante o período noturno uma certa parte do seu tempo de trabalho anual, definida por convenção coletiva ou, na sua falta, correspondente a três horas por dia; e) «Trabalho por turnos»: qualquer modo de organização do trabalho em equipa em que os trabalhadores ocupem sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo o ritmo rotativo, e que pode ser de tipo contínuo ou descontínuo, o que implica que os trabalhadores executem o trabalho a horas diferentes no decurso de um dado período de dias ou semanas; f) «Trabalhador por turnos»: qualquer trabalhador cujo horário de trabalho se enquadre no âmbito do trabalho por turnos. 2- São considerados tempo de trabalho: a) As interrupções de trabalho como tal consideradas nas convenções coletivas ou as resultantes de usos e costumes reiterados das empresas; b) As interrupções ocasionais no período de trabalho diário, quer as inerentes à satisfação de necessidades pessoais inadiáveis do trabalhador, quer as resultantes de tolerância ou concessão da entidade empregadora; c) As interrupções de trabalho, ditadas por razões técnicas, nomeadamente limpeza, manutenção ou afinação de equipamentos, mudança dos programas de produção, carga ou descarga de mercadorias, falta de matéria-prima ou energia, ou motivos climatéricos que afetem a atividade da empresa, ou por razões económicas, designadamente de quebra de encomendas; d) Os intervalos para refeição em que o trabalhador tenha de permanecer no espaço habitual de trabalho ou próximo dele, à disposição da entidade empregadora, para poder ser chamado a prestar trabalho normal em caso de necessidade; e) As interrupções ou pausas nos períodos de trabalho impostas por prescrições da regulamentação específica de segurança, higiene e saúde no trabalho. Não se nos afigura que resulte daqui a impossibilidade de aplicação de distinta norma convencional. E não vemos como concluir, como pretende a Apelante, que a Clª 60ª/9 não se aplicava porque estava dependente da verificação do requisito prescrito no Artº 10º da Lei 99/2003. Na verdade, da CCT/2003 já resultava a solução definida na sentença. Conforme se ponderou no Ac. do STJ de 5/07/2007, Refª 06S2576, o quadro normativo evolutivo nesta matéria permite que se considere que “os períodos de descanso correspondem, em princípio, a um período de tempo em que o trabalhador não está vinculado à prestação de trabalho, não está juridicamente subordinado ao empregador, sendo livre de dispor do seu tempo como bem entender – seja para descansar, seja para tomar refeições, seja para tratar de assuntos da sua vida pessoal e /ou familiar e não devem relevar para o cálculo do período normal de trabalho. Contudo, como já antes a doutrina defendia - e muitas vezes resultava do estipulado em instrumentos de regulamentação coletiva, do convencionado entre as partes do contrato, ou dos usos de determinadas empresas - e veio a tornar-se claro na própria lei após a publicação da Lei n.º 73/98, momentos há em que o trabalhador não está a exercer as funções que constituem o objeto da sua prestação laboral que devem ser considerados como tempo de trabalho. Como refere Jorge Leite[10], “o tempo de cada trabalhador por conta de outrem aparece, em geral, dividido em duas grandes categorias, dele fazendo uma autêntica divisão dicotómica: o tempo de trabalho e o tempo de descanso. Esta conceção reflete-a, por exemplo, a Diretiva nº 93/104/CE, sobre a organização do tempo de trabalho, que define o tempo de descanso como o tempo restante, ou seja, o tempo que não é tempo de trabalho. O tempo de trabalho tende, por sua vez, a ser dividido em duas espécies (ou subcategorias): o tempo de trabalho «propriamente dito» (tempo de atividade produtiva, ou tempo real de trabalho «efetivo» ou tempo de trabalho «real») e o tempo equiparado ao tempo de trabalho propriamente dito, podendo ainda suceder que a equiparação valha para todos os efeitos (jurídicos) ou apenas para alguns deles.” Retornando ao caso sub-júdice: Conforme decorre da matéria de facto (ponto xv) em 01-07-2007, os autores e a ré procederam a um acordo de alteração do horário de trabalho, tendo sido acordado que o horário de trabalho dos autores seria efetuado em regime de turnos rotativos 4/2, com uma hora de intervalo para descanso, tendo o 2º A. declarado que cumprirá o horário de trabalho por turnos rotativos, observando uma carga horária semanal 38h30m e diária de 8h15m num período de referência de seis semanas distribuídas por 4 dias de trabalho, com intervalo de uma hora para descanso, seguidos de 2 dias de folga. Da dita Clª 60ª decorria: 9— Em regime de turnos, os trabalhadores têm direito a um período para repouso ou refeição, de duração não inferior a trinta minutos, o qual será considerado para todos os efeitos como tempo de trabalho[11]; durante o período atrás referido o trabalhador poderá não abandonar o posto de trabalho, mas deve, sempre que possível, ser substituído nas suas ausências por outro trabalhador. Contudo, apenas após 8/01/2011, com a publicação da PE 3/2011 de 3/01 a R. passou a dar cumprimento ao que ali se dispunha, passando a considerar a hora de refeição como tempo de trabalho e a retribuir os AA. com horário em regime de turnos por essa hora. Tendo-se considerado que o CCT/2003 é aplicável à R. por força da PE/2005, bem andou a sentença nas conclusões alcançadas. *** Concluindo: a apelação procede apenas no concernente a parte da impugnação da matéria de facto e à 2ª questão analisada – inaplicabilidade da CCT de 2003 ao 1º A. no período que decorreu até1/01/2007, o que tem repercussão na dívida de abono para falhas. <> As custas da apelação serão suportadas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento (Artº 527º do CPC). Considerando que ambos os AA. estão isentos por força do disposto no Artº 4º/1-h) do RCP, as custas que incidiriam sobre o decaimento aplicável ao 1º A. não são devidas. * *** * Em conformidade com o exposto, acorda-se em modificar o acervo fático conforme sobredito e julgar a apelação parcialmente procedente, alterando a sentença no segmento decisório A)1., cuja condenação se reduz para o montante de cinco mil cento e sessenta euros e vinte cêntimos (5.160,20€), mantendo-se tudo o mais que foi decidido. Custas por ambas as partes (R. e 1º A.) na proporção do respetivo decaimento, não sendo, porém, devidas as custas que competiriam a este. Notifique. (…) Lisboa, 25/10/2023 _______________________ MANUELA FIALHO __________________________ SÉRGIO ALMEIDA __________________________ ALVES DUARTE [1]Referência importante sempre que ultrapassada o primeiro passo, ou seja, a definição da aplicabilidade ao empregador [2]Revista que confirmou o Ac. da RLx proferido no âmbito do mesmo processo, acórdão subscrito também pela ora Relatora e pelo ora 1º Adjunto [3]Sublinhado nosso [4]2,50€ no dizer da sentença [5]Sublinhado nosso [6]Idem [7]Que confirma, aliás, um acórdão desta Relação subscrito pela ora Relatora e pelo 1º Adjunto [8]Citamos: “Enquanto elementos constitutivos do direito que se arroga, cabia ao A. alegar e provar factos que permitissem concluir pela natureza retributiva do subsídio de refeição (art. 342.º, n.º 1, do Código Civil), o que in casu não logrou fazer. Concretamente, como se referiu, cumpria-lhe provar que as importâncias pagas pela ré a título de subsídio de alimentação excediam os montantes normais e que, na parte excedente de tais parâmetros de normalidade, tinham sido previstas no contrato de trabalho ou que deviam considerar-se pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador. Incumprido o ónus de alegação e prova que sobre o A. impendia, impõe-se concluir, nos termos do citado art. 260º, nº 1, a), e nº 2, que o subsídio de refeição ora em discussão não reveste natureza retributiva, não lhe sendo aplicável, por conseguinte, a regra do pagamento em dinheiro ínsita no art. 276º, nºs 1 e 2 (cfr. ainda o disposto no art. 258.º, nº 4).Pela mesma razão, a alteração da forma de pagamento deste subsídio, no sentido de passar a ser satisfeito através de cartão pré-pago utilizável em estabelecimentos comerciais aderentes às redes Visa Electron e Multibanco, não pressupõe o consentimento do trabalhador e/ou das estruturas sindicais.” [9]Ambos relatados pelo ora 2º Adjunto [10]Jorge Leite, “Trabalho é trabalho, descanso é descanso, ou o modo de ser do direito”, in Questões Laborais, Ano V, 1998, 12, p. 218 [11]Sublinhado nosso |