Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | EDUARDO PETERSEN SILVA | ||
Descritores: | INJUNÇÃO EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA INDEFERIMENTO LIMINAR PARCIAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - O conhecimento da excepção inominada de uso indevido do procedimento de injunção é oficioso. II - O indeferimento liminar e a consequente absolvição por via desse uso indevido podem ser parciais. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório Nos presentes autos foi proferida a seguinte decisão: “N, S.A. intentou a presente execução” (contra V …) “com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva (…), do qual consta peticionado o pagamento de valores correspondentes, além do mais, a cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida. Notificado para, em 10 dias e ao abrigo do artigo 3.º do CPC, a fim de evitar decisão surpresa, “se pronunciar quanto à eventual rejeição da execução por força da ineficácia do documento junto como título executivo, por a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção, devendo juntar aos autos, no mesmo prazo, a/s fatura/s a que alude no requerimento de injunção dado à execução”, o exequente veio pronunciar-se e juntar as faturas solicitadas. Apreciando. Nos termos do disposto no artigo 734.º do CPC, “o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo” (nº1), sendo que, “rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte” (nº 2). No caso em apreço, como supra se referiu, o exequente veio dar à execução requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva por secretário de justiça, do qual consta peticionado o pagamento de valores correspondentes, além do mais, a cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida. (…) Este regime processual só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio. A jurisprudência tem concluído, de forma praticamente unânime, no sentido da inadmissibilidade do pedido de pagamento da cláusula penal por incumprimento contratual, e/ou de indemnização, nesta forma processual (RL 08.10.2015, processo 154495/13.0YIPRT.L1-8; 12.05.2015, processo 154168/13.YIPRT.L1-7; RL 15-10-2015, processo 96198/13.1YIPRT.A.L1-2; RL 17.12.2015, processo 122528/14.9YIPRT-L1.2; RL, de 25.01.2024, processo 101821/22.2YIPRT.L1-8). Ou seja, as injunções, incluindo as decorrentes de transação comercial, e a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, não são a via processual adequada para acionar a cláusula penal, mesmo que compulsória, decorrente da mora ou de qualquer vicissitude na execução do contrato – ver, neste sentido, Ac. RL, de 15.10.2015, relatado por Teresa Albuquerque (in www.dgsi.pt); João Vasconcelos Raposo e Luís Baptista Carvalho, in «Injunções e Ações de Cobranças», 2012, p.22. A cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e a indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida peticionadas no procedimento injuntivo de que emergiu o requerimento/documento dado à execução não consubstanciam “uma obrigação pecuniária diretamente emergente de um contrato”. Assim, relativamente ao pedido de pagamento do montante correspondente à cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e à indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, foi lançado mão de uma forma processual que legalmente não é a prevista para tutela jurisdicional respetiva. O objetivo do legislador com o procedimento de injunção não foi o da economia processual, mas sim o de facilitar a cobrança das obrigações pecuniárias como instrumento essencial da regulação do sistema económico, ou seja, das dívidas que, pela sua própria natureza, implicam uma tendencial certeza da existência do direito de crédito A exequente não poderia ter recorrido ao requerimento de injunção e, tendo-o feito, deu causa à verificação de uma exceção dilatória inominada, prevista nos artigos 555.º, n.º 1, 37.º, n.º 1, primeira parte, e geradora de absolvição da instância ao abrigo do vertido nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578.º e 278.º, n.º 1, alínea e), todos do Código de Processo Civil. Tal exceção atinge e contagia todo o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigíveis para a sua utilização, e não apenas o pedido referente ao valor da cláusula penal peticionada – ver, neste sentido, Ac. RL, de 23.11.2021, relatado por Edgar Taborda Lopes, proc.88236/19.0YIPRT.L1-7; Ac. RP, de 15.01.2019, relatado por Rodrigues Pires, proc.141613/14.0YIPRT.P1 (in www.dgsi.pt). Ver, ainda, o recente acórdão da Relação de Lisboa, de 28.04.2022, relatado por Cristina Pires Lourenço, proc.28046/21.8YIPRT.L1-8 (in www.dgsi.pt), assim sumariado: “O uso indevido do procedimento de injunção inquina na totalidade a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias em que se se transmutou, consubstanciando exceção dilatória inominada (art.º 577º, do Código de Processo Civil), de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância, impedindo qualquer apreciação de mérito, designadamente, dos créditos cuja cobrança poderia ter sido peticionada por via daquele procedimento.” E, ainda, o Ac. RC, de 14.03.2023, relatado por Henrique Antunes (in www.dgsi.pt), assim sumariado: “I - Não é admissível, através do procedimento de injunção, a exigência de créditos pecuniários objecto de reconhecimento unilateral do devedor; II - Ainda que através de negócio jurídico unilateral o devedor tenha reconhecido a dívida, o credor está vinculado, no procedimento de injunção, a alegar o contrato objecto da relação jurídica fundamental do qual a obrigação emerge; III - O procedimento de injunção não é o adequado à exigência de créditos resultantes de cláusula penal com função indemnizatória ou despesas feitas pelo credor com a actuação ou exercício do crédito de que se diz titular; IV- O uso inadmissível ou inadequado, ainda que meramente parcial do procedimento inquina e torna inaproveitável, in totum, a acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato em que o procedimento, por virtude da oposição, se convolou, e dá lugar a uma excepção dilatória, conducente à absolvição do requerido da instância.” (sublinhado e negrito, nossos). Nesta conformidade, ao requerimento de injunção dado à execução não deveria ter sido aposta força executiva, uma vez que não podia deixar-se prosseguir ação especial/comum para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que houvesse resultado da transmutação de injunção interposta para acionamento dessa cláusula, pois, de contrário, estar-se-ia a admitir que o credor, para obter título executivo, que bem sabia, à partida, que não podia obter, defraudasse as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção. Caso tivesse sido submetido a apreciação jurisdicional, deveria ter tido lugar um juízo de improcedência total do pedido, por recurso indevido ao procedimento de injunção, o que, repita-se, constitui exceção inominada de conhecimento oficioso – neste sentido, além dos arestos supra citados, Acs. RP de 31.05.2010 (Maria de Deus Correia), de 26.09.2005 (Sousa Lameiras); Acs. RL, de 07.06.2011 (Rosário Gonçalves), de 08.11.2007 (Ilídio Sacarrão Martins); João Vasconcelos Raposo e Luís Baptista Carvalho, in «Injunções e Acções de Cobranças», 2012, p.39 e 40). Porém, o recurso ao procedimento de injunção quando este não se ajusta à pretensão formulada, porque acarreta exceção inominada, nulidade de conhecimento oficioso, pode esta ser conhecida em sede execução cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, embora ao arrepio da lei, tenha sido atribuída força executória por secretário judicial – neste sentido, Ac. RE, de 16.12.2010, relatado por Mata Ribeiro (in www.dgsi.pt). Com efeito, a aposição de fórmula executória pelo Secretário Judicial, na sequência de falta de oposição, não tem força constitutiva de caso julgado, não precludindo a apreciação do aludido vício de uso indevido de procedimento injuntivo. Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa, de 15.02.2018, relatado por Anabela Calafate, processo 2825/17.9T8LSB.L1-6, consultável em www.dgsi.pt, “não pode ser equiparada a decisão judicial a aposição da fórmula executória por um secretário de justiça. Por isso a rejeição por despacho judicial da execução baseada em injunção não constitui violação de caso julgado.” Por outro lado, a omissão ou insuficiência de título executivo são de conhecimento oficioso e podem ser apreciadas e declaradas até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC). Sendo irrelevante, para esse efeito, que o/s executado/s se tenha/m abstido de invocar tal vício, nomeadamente em sede de oposição à execução – ver, neste sentido, Ac. RL, de 12.07.2018, relatado por Jorge Leal (in www.dgsi.pt). Como recentemente se entendeu no Ac. RP, de 27.09.2022, relatado por Anabela Dias da Silva, o procedimento de injunção não é meio processual próprio para se peticionar o pagamento de uma quantia a título de cláusula penal indemnizatório ou qualquer outra quantia a título de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida. Intentando-se a execução dando-se como título executivo injunção de onde resulte que abrange semelhantes quantias, há que se verificar exceção dilatória de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância, devendo-se indeferir liminarmente o requerimento executivo. No sentido de que “a injunção à qual foi aposta fórmula executória nestas circunstâncias está assim afetada de vício que constitui exceção dilatória inominada justificativa do indeferimento liminar da execução”, ver, ainda, Ac. RP, de 08.11.2022, relatado por Alexandra Pelayo (in www.dgsi.pt), bem como o Ac. RE, de 28.04.2022, relatado por Mata Ribeiro (in www.dgsi.pt), assim sumariado: “1 - O procedimento de injunção não é meio adequado para peticionar o pagamento da obrigação resultante da aplicação da cláusula penal acordada para o incumprimento do período de fidelização. 2 - No procedimento de injunção não se pode obter título executivo cumulando pretensão por dívidas referentes a prestações pecuniárias emergentes de contrato com indemnização por incumprimento contratual. 3 - A injunção à qual foi aposta fórmula executória nestas circunstâncias está assim afectada de vício que constitui exceção dilatória inominada justificativa do indeferimento liminar da execução.” Veja-se, ainda quanto a esta questão, o decidido nos recentíssimos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, datados, ambos, de 18.04.2024 – processo 12308/19.7T8SNT.L1, relatado por Carla Mendes e processo 18156/20.4T8SNT.L1, relatado por Eduardo Petersen Silva –, que recaíram sobre decisões proferidas por este Juízo de Execução (nos quais a ora exequente era, também, exequente e recorrente), confirmando-as, podendo ler-se, no último, o seguinte: “(…) Assim posta a questão, ela é simplesmente esta: - o tribunal pode conhecer de ofício a excepção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção? Vejamos as disposições legais que a recorrente invoca violadas. Dispõe o artigo 14º - A do DL nº 269/98 de 1.9, epigrafado “Efeito cominatório da falta de dedução da oposição”: “1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange: a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso; b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção; c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas; d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente”. Dispõe o artigo 726º do Código de Processo Civil: “1 - O processo é concluso ao juiz para despacho liminar. 2 - O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando: a) Seja manifesta a falta ou insuficiência do título; b) Ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso; c) (…) 3 - (…) 4 - Fora dos casos previstos no n.º 2, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 6.º. 5 - Não sendo o vício suprido ou a falta corrigida dentro do prazo marcado, é indeferido o requerimento executivo. 6 – (…)”. Isto posto, verifica-se ainda que não só é actualmente unânime a orientação doutrinária e jurisprudencial, aliás reconhecida pela recorrente, de que o procedimento injuntivo não pode ser usado para obter a (fórmula executória que permite a) execução de obrigação resultante de cláusula penal, como também não há dúvida – e de resto a jurisprudência citada pela sentença bem o demonstra – que também quanto à questão de saber se a excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção, pode ser conhecida oficiosamente e pode determinar o indeferimento liminar da execução baseada em requerimento de injunção ao qual, por via da não oposição, haja sido aposta fórmula executória. Isto é, é dominante, e de resto nem a recorrente nos aporta jurisprudência ou doutrina em sentido diverso, a orientação que entende que a excepção em causa pode ser conhecida oficiosamente – e se pode ser conhecida oficiosamente, não precisa de ser invocada, e é indiferente que não tenha sido invocada, precisamente note-se, porque excede a disponibilidade das partes a definição de meios e termos processuais legalmente regulados, ou seja, as partes não podem à partida, sob pena de violação aberta e abusiva das normas processuais que taxativamente definem os títulos executivos, garantes, elas mesmas, da assertividade da obrigação e consequentemente do exercício pressuposto do direito constitucional de defesa previsto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa – o que significa do mesmo passo que não ocorre preclusão, como de resto resulta literalmente dos termos do artigo 14º - A, alínea a) acima transcrito, nem se podendo entender que a lei pudesse ser interpretada sem garantir um mínimo de correspondência com o elemento literal – confronte-se o artigo 9º do Código Civil. E consequentemente, é também claro que ao afirmar expressamente a não preclusão, a lei excepciona a regra da concentração da defesa invocada pela recorrente a partir do artigo 573º do Código de Processo Civil. E finalmente, é cristalino que se a lei excepciona a preclusão, a invocação e ou a aplicação da excepção de uso indevido do procedimento cautelar não ofende a força executória aposta ao requerimento de injunção – que precisamente, não pode incidir sobre o que não pode ser peticionado por essa via. E se está expressamente prevista na alínea a) a excepção de uso indevido do procedimento injuntivo, e nele equiparada, pela previsão subsequente a “outras”, a excepção dilatória de conhecimento oficioso, é evidente que o caso cai sob a previsão desta alínea a), sendo espúria a invocação da alínea b) do mesmo preceito, como fundamento do recurso. De resto, sobre a aplicabilidade do artigo 729º do Código de Processo Civil, reiteramos o entendimento da não equiparação da aposição da fórmula executória a uma decisão judicial, que já manifestamos no acórdão proferido no processo 2825/17.9T8LSB.L1-6 em 15-02-2018, pelo relator subscrito enquanto adjunto, e relatado pela Exmª Senhora Desembargadora Anabela Calafate, ora segunda adjunta, acórdão que se encontra publicado no sítio electrónico da dgsi, e para cujo teor se remete.” Entende, assim, este Tribunal não dispor a exequente de título executivo eficaz, por a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção”. Concluiu o despacho: “Decisão: Em face de todo o exposto, por verificação da exceção dilatória da falta de título executivo, decido rejeitar a presente execução (cf. artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC). Custas pela exequente”. * Inconformada, a exequente interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões: 1. Considerou o Tribunal a quo existir exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, absolvendo o Apelado da instância; 2. Por a Autora ter lançado mão de injunção onde incluiu valores em dívida relativos a cláusula penal pela rescisão antecipada do contrato e de despesas associadas à cobrança da dívida; 3. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de oportunidade e fundamento, sendo contrária à Lei; 4. Desde logo porque a lei não habilita o Tribunal a quo a conhecer oficiosamente de exceções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo; 5. Das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento executivo constantes do artigo 726.º do CPC não resulta o uso indevido do procedimento de injunção; 6. Permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o artigo 14.º-A n.º 2 do DL 269/98, de 01 de setembro, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no artigo 573.º do CPC; 7. Sem prescindir, o entendimento de que a cláusula penal as despesas de cobrança não podem integrar o procedimento injuntivo não determina que a extinção total da instância executiva, mas somente a recusa do título executivo relativamente à parte que integra tais valores. De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida, ao rejeitar, liminarmente, a execução, violou, nomeadamente: - o artigo 726.º n.º 2 do C.P.C.; - o artigo 734.º do CPC; - o artigo 14.º-A n.º 2 do regime anexo ao DL 269/98 e os artigos 227.º, número 2 e 573.º do CPC; - o artigo 193.º do CPC; - o artigo 3.º n.º 3 do CPC; Deverá, consequentemente, ser revogada e substituída por decisão que admita o requerimento executivo e mande prosseguir os autos nos termos acima expostos”. * Não foram apresentadas contra-alegações. No despacho de admissão do recurso o Mmº Juiz a quo considerou não se verificar a nulidade de excesso de pronúncia. * Corridos os vistos legais, cumpre decidir: II. Direito Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil - as questões a decidir são saber se é possível o conhecimento oficioso da excepção dilatória de uso indevido do processo e saber se, sendo-o, o indeferimento liminar tem de ser total ou se pode ser apenas parcial. * III. Matéria de facto A constante do relatório que antecede, sendo que no requerimento de injunção os factos invocados foram a prestação de serviços, o total em dívida de €1.148,15, correspondente a €837,30 de capital e a €66,89 de juros de mora, acrescido de Outras quantias (encargos com a cobrança) no valor de €167,46 e de Taxa de Justiça paga no valor de €76,50. Mais resulta que as faturas apresentadas foram: “Fatura n.º FT 201983/895728, no valor de €37,49, emitida em 26-12-2019 e vencida em 19-01-2020; Fatura n.º FT 202092/586572, no valor de € 61,19, emitida em 18-03-2020 e vencida em 12-04-2020; Fatura n.º FT 202092/778833, no valor de € 61,19, emitida em 18-04-2020 e vencida em 12-05-2020; Fatura n.º FT 202092/1000833, no valor de € 61,19, emitida em 18-05-2020 e vencida em 12-06-2020; Fatura n.º FT 202092/1219471, no valor de € 61,68, emitida em 18-06-2020 e vencida em 12-07-2020; Fatura n.º FT 202092/1631759, no valor de €487,95, emitida em 18-08-2020 e vencida em 12-09-2020. O descritivo da fatura no valor de €487,95 corresponde à dedução de alguns valores ao montante de €500,00 devido por incumprimento do período mínimo do contrato. * IV. Apreciação Primeira questão: Com o devido respeito por entendimento diverso, e secundando os ora Exmºs Adjuntos a posição que o ora relator já tomou nos processos aliás mencionados na decisão recorrida, não se vendo argumento novo que o recorrente invoque e que abale essa posição, somos a confirmar a possibilidade de conhecimento oficioso da excepção dilatória de uso indevido do processo de injunção. Segunda questão: Sendo que foram incluídas no procedimento de injunção quantias a título de cláusula penal – incumprimento do período mínimo de duração contratual – e de encargos com a cobrança, o indeferimento e consequente absolvição da instância deve ser total ou parcial? A jurisprudência encontra-se dividida. No sentido do indeferimento total os acórdãos desta Relação proferidos nos processos 88236/19.0YIPRT.L1-7 em 23.11.2021 (Rel. Edgar Taborda Lopes) e 28046/21.8YIPRT.L1-8 – (Rel. Cristina Lourenço) em 28.4.2022 e os acórdãos neles mencionados, bem como outros inéditos. No sentido do indeferimento parcial, os acórdãos da Relação de Évora proferido no processo 2274/20.1T8ENT.E1 em 15.09.2022 (Rel. Tomé Carvalho) e da Relação do Porto de 8.11.2022 no processo 901/22.5T8VLG-A.P1 (Rel. Alexandra Pelayo). Por nossa parte, aderimos a estes últimos. Na verdade, não nos convence um argumento que se baseia no sancionamento dos requerentes de indevida injunção por categoria, nem como remédio para qualquer abuso. Pensemos: - o devedor não paga. O credor interpela-o para pagar a dívida e pagar outras quantias, incluída uma cláusula penal. O devedor paga voluntariamente. Não há necessidade de recurso a injunção. Segundo cenário: - o devedor, interpelado, não paga. O credor recorre ao procedimento especial de injunção, onde inclui quantias relativas a cláusula penal, por exemplo. Se o devedor não se opõe, obtém fórmula executiva, obtém um título executivo que o dispensa da acção declarativa, sem que esteja nas condições substanciais que a lei que institui o procedimento especial autoriza. Se, obtida a fórmula, o devedor paga voluntariamente, estamos de regresso ao primeiro cenário, nenhuma censura havendo a fazer. Se o devedor não paga e o credor dá o título obtido à execução, a partir do momento em que maioritariamente admitimos o conhecimento oficioso da excepção inominada de utilização indevida do procedimento injuntivo, qual é o risco de beneficiar alguém que indevidamente recorreu ao procedimento injuntivo? Nenhum. Assim, quando se defende o indeferimento total, que cobre as dívidas para as quais inequivocamente o legislador permitiu o recurso ao procedimento de injunção, esse indeferimento funciona só como sanção, porque para essas dívidas nenhum obstáculo havia a recorrer ao procedimento. Donde, aplicamos uma sanção – obrigamos o “infractor” a tudo repetir em sede de acção declarativa – para quem além de pedir as quantias em dívida resultantes do contrato, também pede uma indemnização por incumprimento do contrato ou os custos com a cobrança de um contrato incumprido pela contraparte. Com o devido respeito, quando o legislador quer sancionar, assim o faz e assim o diz. O propósito da instituição do procedimento especial de injunção foi o de agilizar a vida económica (agilizar cobranças) e simultaneamente o de libertar os tribunais das acções declarativas subjacentes. Defender a absolvição total, o indeferimento total, é fazer exactamente o contrário, ou seja, estamos perante uma interpretação que se revela contrária ao propósito e à lógica do legislador, havendo de presumir-se que o legislador sabe exprimir o que quer, e que não legisla sem sentido. Repare-se que o legislador, ou melhor dizendo, a lei, por definição, é geral e abstracta. Não pode o intérprete não a considerar como tal, como tendo sido feita nesses termos. Se há credores que têm condições para saber como devem legalmente fazer e se esses credores recorrem massivamente a este tipo de procedimento, em função dos seus negócios e dos volumes de negócio, não quer isto dizer que não haja credores sem essas condições nem nessas condições de volume de negócios, que não tenham interesse em agilizar as suas cobranças. Em suma, entendemos que não se encontra na lei qualquer indício de um propósito sancionatório nem discriminatório dos credores, de modo que, por efectivo e racional princípio de aproveitamento dos actos processuais, por um princípio de utilidade, e porque em sede executiva se prevê realmente esse aproveitamento, com assim resulta claramente do artigo 726º nº 3 do Código de Processo Civil, não podemos, em conclusão, concordar com a posição jurisprudencial que defende o indeferimento total. Em cada caso, ou processo, o indeferimento será parcial ou total, consoante a origem das dívidas relativamente às quais houve recurso ao procedimento de injunção. Procede assim parcialmente o recurso. Confirma-se a decisão recorrida na parte em que conheceu oficiosamente da excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção quanto à factura relativa à indemnização por incumprimento do prazo de duração do contrato e quanto à quantia reclamada a título de “Outras quantias” (€167,46), com a necessária repercussão nas quantias de juros vencidos pedidos, mas não se confirma a decisão quanto ao indeferimento da execução relativamente às demais quantias dadas à execução e sobre as quais foi obtida a fórmula executiva. Tendo decaído ambas as partes, são ambas responsáveis pelas custas, que se fixa em 50% para cada parte – artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil. * V. Decisão Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder parcial provimento ao recurso e em consequência: - confirmam a decisão recorrida na parte em que conheceu oficiosamente da excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção quanto à factura relativa à indemnização por incumprimento do prazo de duração do contrato e quanto à quantia reclamada a título de “Outras quantias” (€167,46), e bem assim quanto aos valores reclamados a título de juros vencidos dessas dívidas; - revogam a decisão recorrida na parte em que indeferiu a execução e absolveu a executada relativamente às demais quantias dadas à execução e sobre as quais foi obtida a fórmula executiva. Custas por ambas as partes, na proporção de 50%. Registe e notifique. Lisboa, 10.10.2024 Eduardo Petersen Silva Vera Antunes Nuno Gonçalves |