Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SUSANA MESQUITA GONÇALVES | ||
Descritores: | NULIDADES DA SENTENÇA AUDIÇÃO DA CRIANÇA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO INCUMPRIMENTO DO REGIME DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/16/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | (elaborado pela Relatora, nos termos do artigo 663, n.º 7, do Código de Processo Civil) I - Dos artigos 4º, n.º 1, c) e n.º 2, 5º, n.ºs 1, 2 e 6 e 35º, n.º 3, do RGPTC decorre a obrigatoriedade da audição da criança com mais de 12 anos ou com capacidade de compreensão do que se discute, ou a justificação do motivo que torna essa audição desaconselhável por contrária ao interesse da criança; II - A falta de audição da criança quando a audição é devida, ou da falta de justificação para a não audição, não obstante configurar uma falta processual, afeta a validade das decisões finais dos correspondentes processos, por corresponder a um princípio geral com relevância substantiva e, por isso mesmo, processual, não sendo de lhe aplicar o regime das nulidades processuais; III - A obrigatoriedade de audição da criança verificar-se-á quando a matéria a decidir lhe diga respeito; IV - A nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia, prevista no art.º 615, n.º 1, do CPC, só ocorre quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras). V - A nulidade da sentença com fundamento na existência de oposição entre os fundamentos e a decisão, prevista no artigo 615º, n.º 1, al. c), do CPC, pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la, ou seja, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduzam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto. Por outro lado, essa nulidade verifica-se quando existe contradição entre os fundamentos exarados pelo juiz na fundamentação da decisão e não entre os factos provados e a decisão. VI - O regime previsto no artigo 640º do CPC consagra um ónus primário de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. VII - O ónus primário é integrado pela exigência de concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas als. a), b) e c) do nº1 do citado art.640º, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. VIII - O ónus secundário traduz-se na exigência de indicação das exatas passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na al. a) do nº 2 do mesmo art.º 640º do CPC, tendo por finalidade facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência. IX - O art.º 41º, n.º 1, do RGPTC tem como pressuposto uma situação de incumprimento do regime fixado de regulação das responsabilidades parentais. Esse incumprimento deve ser imputável ao incumpridor, ou seja, deve ser culposo. E, atento o princípio geral da boa fé vertido na regra geral do art.º 762º, n.º 2, do CC, deve ser relevante, ou seja, deve assumir alguma gravidade, o que significa que incumprimentos sem expressão ou sem gravidade são irrelevantes. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados: * I. Relatório: PK deduziu contra BB a presente providência tutelar cível de incumprimento das responsabilidades parentais relativas a filha de ambos, J. Alega para o efeito e em súmula o seguinte: - J é filha do Requerente e da Requerida e nasceu a 03.10.2015, em …, Londres; - Em 2019, a Requerida propôs a mudança de residência da J para Portugal; - Por sentença de 14.06.2019, proferida pelo Tribunal de Família de Portsmouth, foi decidido que a criança residiria habitualmente com a mãe em Portugal, fixando-se o regime de exercício das responsabilidades parentais; - Nos termos da referida decisão, ambos os progenitores partilhariam as responsabilidades parentais em questões de particular importância da vida da filha e o Requerente manteria uma participação ativa na vida da criança; - Fixou-se ainda, na referida sentença, que “(…) A mãe requerente, BB, deve assegurar que a criança, J (data de nascimento: 3 de Outubro de 2015), passa tempo com o pai, PK, nos termos seguintes (e que substituem todas as decisões previamente tomadas neste caso) (…) b. depois da mudança de residência da criança para Portugal, de acordo com o Anexo 2 desta decisão (…)”; - Nos termos do referido Anexo 2, a Requerida deveria organizar e financiar, seis vezes por ano, viagens da J para o Reino Unido, de modo a que esta passasse tempo com o Requerente; - Concomitantemente, o Requerente deveria organizar e financiar até 6 viagens por ano para Portugal, podendo ficar com a menina num período máximo de 5 noites; - Tais períodos de visita foram previamente definidos pelo Tribunal durante o período de Agosto de 2019 a Janeiro de 2021, estabelecendo-se que, após essa data, os progenitores deveriam acordar por escrito as datas de visita, com uma antecedência mínima de 3 meses; - Para isso, a Requerida e o Requerente deveriam sugerir datas para as viagens por que eram responsáveis, com uma antecedência mínima de 6 meses; - Mais se estabeleceu que “(…) Há uma expectativa de progressão do tempo com o pai durante as férias de escola de J. de modo a que a partir de 2021 as férias da pré-escola/escola de J sejam repartidos de forma igual entre os pais (…)”; - Esclarecendo-se que “(…) No caso das partes não conseguirem acordar as datas, devem entrar em mediação para resolver qualquer questão disputada na primeira oportunidade (…)”; - A Requerida não tem vindo a cumprir o regime instituído; - Durante o ano de 2020 a menina somente se deslocou ao Reino Unido uma vez; - Apesar do referido ano ter sido marcado pela aplicação de medidas restritivas para contenção da pandemia COVID-19, não só foram possíveis, em certos períodos, viagens internacionais, como as referidas medidas contemplavam a autorização excecional de deslocações por razões familiares imperativas, designadamente o cumprimento de partilha de responsabilidades parentais, conforme determinado pelo tribunal competente, como era o caso; - Tendo o Requerente logrado deslocar-se a Portugal, conforme estipulado, de modo a visitar a filha; - O incumprimento pela Requerida veio a manter-se durante o ano de 2021, mesmo após o abrandamento das medidas restritivas de contenção pandémica, continuando as visitas da J ao pai no Reino Unido a não ser realizadas de acordo com o estabelecido no Anexo 2; - No ano de 2021 e até à presente data, apenas foram realizadas duas visitas da J ao pai no Reino Unido: de 11 a 17 de agosto e de 26 de agosto a 2 de setembro; - Para o efeito, a Requerida avisou o Requerente a 22 de julho de 2021, com menos de um mês de antecedência, de que a J apenas se deslocaria ao Reino Unido para ficar com o pai por três vezes, duas em agosto e uma em dezembro; - As referidas viagens estavam programadas para períodos de pausa letiva (5 a 12 de agosto; 24 a 31 de agosto e 20 a 27 de dezembro); - Essas viagens deveriam ter uma duração que permitisse a repartição equitativa dos dias de férias da J entre os dois progenitores; - Quando o Requerente alertou a Requerida para esta circunstância, reafirmando a necessidade de estar mais tempo com a filha durante as férias de Verão, a Requerida propôs alterações mínimas; - As alterações fizeram com que a estadia da J coincidisse com a estadia da Requerida no Reino Unido, implicando menos um dia de convívio da menina com o pai; - A Requerida obstaculiza também os contactos indiretos do Requerente com a J; - Não permitindo a receção, pela menina, de presentes e outros objetos enviados pelo Requerente por correio durante os períodos de afastamento; - Interferindo nas conversas via Zoom entre a menina e o pai, conduzindo-as num ambiente ruidoso, na presença de toda a família e ameaçando a todo o tempo interromper a chamada; - Não permite que a menina tenha no seu quarto fotografias com o pai. Concluiu peticionando que se adotem as providências que se mostrem adequadas ao cumprimento, por parte da Requerida, do regime em vigor, bem como a sua condenação em multa, tudo nos termos do art.º 41º, n.º 1, do RGPTC. * Em resposta, a Requerida alegou que nunca impediu a filha de estar com o pai. Nomeadamente, permitiu a estadia da filha com o pai sempre que este pode e quis deslocar-se a Portugal para estar com a mesma. Apenas não cumpriu com as seis viagens anuais ao Reino Unido nos anos de 2020 e 2021 devido à pandemia por Covid-19 e às proibições de circulação que resultaram da declaração de estado de emergência, por várias vezes prorrogada, sendo que as restrições de circulação não foram sempre em períodos coincidentes em Portugal e no Reino Unido. Esse incumprimento deveu-se também ao facto de ter estado grávida entre Junho de 2020 e Fevereiro de 2021, tendo estado impedida de viajar a partir dos seis meses de gravidez por expresso aconselhamento médico. No entanto, sempre procurou mitigar as contingências das perturbações nos contactos entre a filha e o Requerente, fomentando os contactos via Zoom entre ambos. Mais referiu que sempre promoveu a planificação dos contactos e a marcação dos seis períodos anuais que a J tem que passar com o Requerente a seu impulso, mas que o Requerente nunca aceita as suas sugestões ou só responde às mesmas já junto a cada um dos períodos, impedindo-a de agendar de forma preparada as visitas da J ao Reino Unido. Acresce que as mesmas têm de ser adequadas aos períodos letivos desta, os quais não são coincidentes com os períodos letivos no Reino Unido. * Foi realizada conferência de pais, no âmbito da qual não foi obtido consenso. * Notificados para o efeito, Requerente e Requerido apresentaram alegações. * Nas suas alegações a Requerida limitou-se a repetir o que já havia alegado no seu anterior articulado. * Nas respetivas alegações, o Requerente, para além do que já havia alegado no requerimento inicial, veio dizer o seguinte: - a Requerida tem vindo a recusar-se a colaborar com as autoridades cipriotas com vista a obtenção de passaporte cipriota da menina, apesar de estar obrigada a colaborar para a sua obtenção, nos termos do artigo 26º da sentença estrangeira, o que permitiria à menina visitar a família paterna residente no Chipre de forma mais célere e económica; - a Requerida tem vindo a furtar-se de garantir a realização das 6 viagens anuais da menina a Inglaterra, o que sucedeu também no ano de 2022; - é necessário um calendário anual de viagens a realizar pela Requerida ao Reino Unido, propondo um para vigorar no ano de 2023. Concluiu peticionando que se julgasse procedente a presente providência e que, por via dela: “a) Se condene a Requerida, a título de medida coerciva do cumprimento, a assegurar a presença de J em Inglaterra nos termos dispostos no art. 133 das presentes Alegações, sob pena de condenação em multa adequada; b) Se condene a Requerida a viabilizar a obtenção do passaporte cipriota da menina, sob pena de condenação em multa adequada; c) Se condene a Requerida ao pagamento de indemnização: a. Ao Requerente, no valor de 31.000€, pelos danos emergentes com deslocações que deveriam ter sido suportadas pela Requerida, e danos não patrimoniais advenientes da não realização dos convívios estabelecidos; b. À criança, no valor de 24.000€, pelos danos não patrimoniais decorrentes da não realização dos convívios estabelecidos. d) Se condene a Requerida ao pagamento de multa, pelo montante máximo de 20 UCs.” * Foi realizada a audiência de julgamento. Na primeira sessão, realizada a 11.05.2023, foi proferido o seguinte despacho, do qual as partes foram notificadas: “Consigna-se que quaisquer dos documentos juntos por qualquer das partes, e designadamente juntos com as alegações que não se mostrem com tradução junta aos autos, não poderão ser considerados pelo Tribunal, uma vez que só é admissível a produção de prova em língua portuguesa. Desde já de tal se dá conhecimento do ora consignado aos Ilustres Mandatários, pese embora tal resulte da lei. Notifique.” * Concluída a audiência de julgamento foi proferida sentença, cujo segmento decisório aqui se reproduz: “Decisão Pelos fundamentos expostos, julga-se não verificado o incumprimento, pela Requerida BB, do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais da jovem J e, consequentemente, absolve-se a mesma do pedido. Custas do incidente pelo Requerente. Valor: € 30.000,01. Registe e notifique.” * Não se conformando com essa decisão, o Requerente dela veio recorrer, formulando as seguintes conclusões recursivas que aqui se reproduzem: “1. A decisão revidenda foi proferida sem que se procedesse à prévia audição da menor e sem que o tribunal a quo tivesse apreciado, tampouco, a sua maturidade para compreender os assuntos em discussão. 2. Consagra-se hoje o direito da criança a ser ouvida, devendo a sua opinião ser tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse. 3. A J tem atualmente 7 anos de idade e nada existe nos autos, que indicie que a mesma não se encontre em condições de exprimir validamente a sua opinião. 4. O Recorrente entende assim, que a decisão revidenda está ferida de nulidade, por incorrer na violação do art. 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, dos arts. 3.º e 6.º da Convenção Europeia sobre o exercício dos Direitos da Criança e, bem assim, dos arts. 4.º, 5.º e 35.º, n.º 3, do RGPTC, pretendo vê-la anulada por este Venerando Tribunal. 5. Mais considera o Recorrente que a Sentença revidenda padece de nulidade nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, tendo o tribunal a quo deixado de se pronunciar sobre os incumprimentos incorridos no ano de 2022. 6. Circunstância que não se pode aceitar, crendo-se o entendimento de que não se pode admitir a dedução de factos supervenientes nas Alegações violador dos princípios da atualidade das decisões judiciais, da economia processual e do superior interesse da criança. 7. Aliás, as partes discutiram, ao longo do processo, factos relativos ao ano de 2022 e 2023, nomeadamente em sede de audiência de discussão e julgamento, tendo tido a Recorrida oportunidade de exercer o direito ao contraditório. 8. Devendo, pelo menos, impor-se ao tribunal a quo, por motivos de segurança jurídica, que se pronunciasse antecipadamente sobre a admissão de tais factos, não podendo criar às partes a aparência de que tais factos seriam tidos em conta para depois defraudar as suas expetativas. 9. Assim, ao não se pronunciar tais factos, sem previamente proferir despacho liminar que não admitisse a sua dedução superveniente, incorreu o tribunal em omissão de pronúncia. 10. Do mesmo modo, a sentença revidenda ignora elementos processuais pertinentes ou mesmo decisivos para a decisão a prolatar, 11. Padecendo de manifesta desconformidade ou erro entre os elementos probatórios constantes dos autos e a matéria fáctica apurada constante da respetiva fundamentação, em termos tais que impõem a alteração de tal matéria por este colendo Tribunal Superior em conformidade com os art.º 662º, n.º 1, do CPC. 12. Concluindo-se que não se encontra devidamente fundamentada, violando as normas que consagram a obrigação de fundamentar as decisões proferidas com a consequência prevista nas alíneas b) e c) do nº. 1 do artº. 615º do CPC. 13. Quanto à impugnação da matéria de facto, nomeadamente nos pontos 11 a 14 da matéria dada como provada, incorreu o Tribunal a quo em manifesto erro de julgamento, 14. Havendo que corrigir a factualidade dada como provada do seguinte modo: • No ano de 2020, eram as seguintes as datas calendarizadas para os convívios da menina com o Pai, no Reino Unido: 22 a 27 de fevereiro de 2020; 14 a 21 de abril de 2020; 11 a 16 de junho de 2020; 26 de agosto a 2 de setembro de 2020; 24 a 29 de outubro de 2020; 26 de dezembro de 2020 a 2 de janeiro de 2021. • Destes convívios apenas se realizaram os convívios programados de fevereiro e de agosto. • No que respeita às viagens a cargo da Requerida, constata-se que apenas os voos relativos ao convívio do mês de abril foram cancelados devido ao COVID-19, de acordo com documento que a mesma apresenta. • A viagem programada para Junho foi cancelada sem pré-aviso e apesar de os voos inerentes a essa deslocação se terem realizado. • Os convívios de Outubro e Dezembro de 2020 foram cancelados sem justificação, sendo que nessas datas realizaram-se voos entre Lisboa e Inglaterra. • No ano de 2020, a Requerida apenas organizou e custeou 1 viagem no ano de 2020, ao invés dos 6 a que estava obrigada. • A Requerida não aceitou as alternativas propostas pelo Requerente, nomeadamente de este se deslocar a Portugal e recolher a filha para o Reino Unido, desde que às expensas da Requerida. • No ano de 2021 a Requerida custeou apenas duas visitas de J ao pai no Reino Unido, no Verão e no Natal. • A J apenas pernoitou com o Requerente em 13 das suas 73 noites de férias de Verão em 2021. • O Requerente viajou em Abril e no final de Maio para Portugal, para ir recolher a filha a Portugal e levá-la ao Reino Unido, suportando todos os custos que cabiam à Requerida. • Além destas deslocações ao Reino Unido, o Requerente deslocou-se a Portugal outras 2 vezes, acomodando a menina neste país, nas seguintes datas: 7 a 12 de outubro de 2021; e 18 a 23 de novembro de 2021. • A J conviveu apenas 7 das 12 vezes em que tais convívios se deveriam ter realizado. • No ano de 2022, a Requerida avançou apenas três deslocações da J ao Reino Unido para conviver com o Requerente: Abril, Agosto e Dezembro. • O Requerente viajou a Portugal para conviver com a filha nas seguintes datas: 20 a 25 de janeiro de 2022; 3 a 8 de março de 2022; 7 a 14 de maio de 2022; 21 a 26 de junho de 2022; 28 de setembro a 4 de outubro de 2022; e 16 a 22 de novembro. • A J passou 2 das 10 semanas de férias de Verão com o Pai. • A J teve férias de 30 de junho a 8 de setembro, e convivido com o Pai apenas 15 desses 70 dias • O Requerente recorreu a este Tribunal para a concessão de maior tempo de férias, que lhe permitiu um convívio acrescido de 21 de agosto e 4 de setembro. • Foi o companheiro da Requerida, Padrasto da J, que acabou por recolher a menina no Reino Unido e a acompanhá-la na sua viagem de regresso a Portugal. • Em 2022 a J esteve com o Pai apenas 9 das 12 vezes que poderia ter estado, sendo que destas 9 visitas, 6 foram deslocações do Pai a Portugal, e por ele custeadas. • A J frequenta uma Escola que segue o método de ensino inglês, pelo que, para além das interrupções letivas da Páscoa, Verão e no Natal, tem também férias em Fevereiro e em Novembro. • O Requerente privilegia sempre as alturas em que a J não tem aulas de forma a não prejudicar o seu desempenho escolar. 15. Adicionalmente, e considerando os esforços que o Recorrente tem empreendido ao longo do ano para estar com a filha, aceitando custear viagens que deveriam ser custeadas pela Recorrida, não se poderá manter o ponto 15 da matéria de facto, até porque o estabelecimento de ensino frequentado pela J não segue o calendário português, mas sim o inglês, 16. E em especial porque o próprio Recorrente apresentou, nas suas Alegações a fls.__, proposta de calendário de viagens que considerava o calendário escolar de J, circunstância que o tribunal a quo, inexplicavelmente, ignorou. 17. O padrão de incumprimentos revela que a Recorrida só aceita cumprir o regime quando também ela esta em condições de viajar em família ou quando logra compatibilizar as viagens com a sua dinâmica familiar. 18. E, portanto, dolosamente não quer seguir o regime estabelecido, e com o qual concordou, preferindo condicionar as visitas da J ao Pai, aos momentos em que também ela própria pode viajar em família, nomeadamente verão e natal. 19. Não se pode considerar que a Recorrida recusou legitimamente os convívios, para proteger a sua família, quando toda a família viajou em pleno período pandémico, no Verão de 2020, 20. Nem que a Recorrida tenha cumprido as suas obrigações, dentro dos limites que lhe eram possíveis, quando esta não oferece alternativas nem procura compensar o Recorrente pelos tempos de convívio perdidos. 21. Ou quando se recusa a permitir que o Recorrente esteja com a J em termos de igualdade, nos períodos de férias. 22. Não é apenas o Recorrente quem sofre com este afastamento, é principalmente a J, que se viu subitamente afastada do Pai e família paterna alargada, por quem nutre enorme afeto. 23. É grave e reiterado o incumprimento aqui plasmado, que se revela negativamente na vida desta criança, prejudicando o seu bem-estar e desenvolvimento, através da intensificação do conflito entre os progenitores, e privando a J do contacto regular com o Pai e família paterna. 24. Crê-se que existe ainda responsabilidade civil, estando preenchidos os pressupostos do art.º 483º do CC, nomeadamente pela violação do direito da J ao convívio com ambos os progenitores e manutenção das relações psicólogas profundas, constante não só de Convenções Internacionais das quais Portugal é assinante como do art.º 36º e 69º da Constituição da República Portuguesa e o art.º 9 da Convenção Europeia sobre os direitos da criança, 25. Da mesma forma em que estão a ser colocados em causa os princípios do interesse superior da criança assim como do primado da continuidade das relações psicológicas profundas e da prevalência da família. 26. Do elenco de prova e factos, resulta uma clara violação do regime de responsabilidades parentais – no caso, do segmento relativo ao regime de visitas – imputável culposamente ao progenitor relapso, neste caso a Requerida. 27. Nos termos do art.º 41.º, n.º 1, in fine, do RGPTC, o Requerente deverá ser indemnizado pelas despesas inerentes com as deslocações que ao longo dos anos custeou e que eram da exclusiva responsabilidade da Requerida, sendo que deverá acrescer montante indemnizatório por danos não patrimoniais, correspondentes à ausência de convívios entre o Requerente e a sua filha. 28. Além da indemnização pelos danos aqui referidos, correspondentes quer a danos emergentes, quer a danos não patrimoniais, afigura-se ainda adequada, de modo a sensibilizar a Requerida ao estrito cumprimento do regime em vigor, a sua condenação em multa.” * A Requerida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: “i) O presente recurso vem interposto da Sentença proferida no dia 21 de Junho de 2023, que julgou não verificado o incumprimento, pela Recorrida do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais da jovem J e, em consequência absolveu a Recorrida do peticionado pelo Recorrente, doravante designada por «decisão recorrida», por considerar o Ilustre Tribunal, e bem, que, perante toda a matéria de facto que resultou inquestionavelmente provada ao longo do processo, não obstante ter existido um incumprimento do regime de convívios em 2020 e 2021 por parte da Recorrida, o mesmo não foi, contudo, imputável à mesma, logo, não foi culposo. ii) Sumariamente, em concretização da sua decisão, decretou o Digníssimo Tribunal: «Que a J em 2020 e em 2021 não esteve com o Requerido as seis vezes anuais no Reino Unido onde deveria ser entregue pela Requerida, nos termos previstos na decisão judicial de regulação das responsabilidades parentais em vigor, é verdade. Se tal inexistência pode ser imputada à Requerida, parece-nos que não. De facto, resultou da factualidade provada que a Requerida fomenta os convívios da J com o Requerente, nunca impedindo a criança de estar com o pai sempre que este se deslocou/desloca a Portugal para ver e estar com a J, enceta o estabelecimento de contactos via zoom para que a J veja e fale com o pai e agenda e leva a criança ao Reino Unido para estar com o progenitor, sempre que as circunstâncias de saúde não a impossibilitem ou não a impeçam. Em primeiro, veja-se que em Março de 2020 teve início a situação pandémica causada pelo surto do vírus SARS-Cov-2 e da doença COVID19, no âmbito da prevenção de saúde pública e do pânico generalizado no Mundo inteiro, face à dimensão da doença e à rápida proliferação e desconhecimento das causas e consequências de tal vírus e doença. O Estado de Emergência, foi decretado pelo Decreto do Presidente da República n.º 14- A/2020, de 18 de Março, e veio a ser sucessivamente renovada pelos Decretos do Presidente da República n.º 17-A/2020, de 2 de Abril e n.º 20-A/2020, de 17 de Abril, que mantiveram o estado de emergência decretado entre 16 de Março de 2020 e 2 de Maio de 2020. (…) Por conseguinte, afigura-se que nas circunstâncias pandémicas que se vivenciavam à data, não se impunha que a Requerida agisse de forma diferente daquela que agiu porque, a ser assim, poria em risco a sua saúde – relembre-se que a Requerida se encontrava grávida entre Junho 2020 e Fevereiro de 2021 – e, bem assim, a saúde da J. Em conformidade, o incumprimento verificado não é culposo, improcedendo assim, o requerido. Por outro lado, quanto à progressão para igualação dos períodos de férias escolares que a criança J deve passar com cada um dos progenitores, veja-se que resulta da decisão de regulação das responsabilidades parentais em vigor (Anexo 2, cláusula 7) que “à expectativa de progressão do tempo com o pai durante as férias da escola de J, de modo a que a partir de 2021 as férias da pré-escola/escola de J sejam partilhadas de forma igual entre os pais”. Ora, desta cláusula não emerge qualquer obrigação para o Requerida, mas, tão simplesmente, a expectativa de se conseguir que a J esteja o mesmo período temporal de férias escolares com cada um dos progenitores, o que, até 2021, em face das razões supra expostas, não poderia ter ocorrido, face às contingências de saúde pública acima aludidas. Em face de todo o supra expendido, verifica-se que o incumprimento do regime de convívios em 2020 e 2021 existiu, não sendo o mesmo, contudo, imputável à Requerida.» iii) Os argumentos utilizados pelo Recorrente jamais devem ser atendidos pelo Tribunal ad quem, por serem manifestamente desprovidos de qualquer sentido e por consubstanciarem uma nova tentativa de fazer valer os interesses pessoais do Recorrente, apelando por ver castigada a Requerida. iv) A decisão sub judice afigura-se justa, objectiva e perfeitamente equilibrada face aos contornos e ao contexto pandémico que se viveu no período a que respeita o invocado incumprimento pelo Recorrente. v) O Recorrente, ao invés de tentar, pacifica e extrajudicialmente, obter consensos com a Recorrida, adopta posturas absolutamente intransigentes, tentando vencer a Recorrida pelo cansaço e prefere inundar a Recorrida e o Tribunal com inúmeros processos, invocando incumprimentos onde não existem, quando tudo seria muito mais simples se, atempadamente, lograssem chegar a um acordo sobre o tema. vi) E esta acção, não foi excepção, o que resulta da postura assumida pelo Recorrente, quando, logo no início da Audiência de Julgamento, a Mma. Juiz a quo abordou as Partes no sentido de saber se as mesmas estariam dispostas a chegar a um acordo para compensar as viagens não realizadas feitas no período da Pandemia e o Recorrente, ao invés de aproveitar a oportunidade para poder estar mais tempo a filha, foi peremptório em afirmar que não pretendia fazer qualquer acordo. vii) Alega o Recorrente que a Sentença é nula por terem sido violados os direitos de participação da Criança. viii) Porém, não só in casu, considerando o incumprimento que se pretendia ver julgado, não se justificava, nem existiam, quaisquer circunstâncias relevantes que justificassem a audição da menor J, como, em momento algum, ao longo dos vários meses que durou o processo, e inúmeros requerimentos apresentados no âmbito do mesmo, foi requerido, solicitado e/ ou, sequer, levantada a questão da pretensão e/ ou necessidade de ouvir a J. ix) Nos termos conjugados do artigo 4.º, n.ºs 1, alínea c) e 2 e do artigo 35.º, n.º 3, ambos do RGPTC, a capacidade de compreensão, pela criança, dos assuntos em discussão é aferida casuisticamente, em função da sua idade e maturidade. x) À data da prática dos factos, a J tinha 04 anos, e na data da realização do julgamento, a J tinha 7 anos. xi) Com vista a alcançar esse interesse superior da criança consagrou-se, além de outros, o direito da criança a ser ouvida e a exprimir a sua opinião não em todo e qualquer processo intentado pelos seus Progenitores, mas apenas e tão só, em processos que lhe digam respeito e a afetem, tendo em conta a sua idade e a sua capacidade de compreensão/discernimento dos assuntos em discussão. xii) No caso em apreço, não se vislumbra em que medida, a J ser ouvida poderia contribuir para uma decisão diferente da que foi tomada, dado que se discute, apenas, um incumprimento do regime de viagens acordado, decorrente das restrições impostas pelo período da Pandemia do Covid. xiii) O caso em apreço, não se trata de uma situação em que pudesse ser tomada uma medida / decisão, susceptível de poder afetar a J no futuro, logo que lhe disse diretamente respeito, na acepção entendida pelos Tribunais em que se considera ser necessária a sua audição (Vd., a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no Processo n.º 148/19.8T8CNT-A.C1, de 08 de Maio de 2019, in www.dgi.pt), inexistindo qualquer nulidade da decisão por falta de audição da menor J. xiv) Alega o Recorrente que a douta sentença recorrida é nula por violar a primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C., pois, no seu entender, em sede de Alegações apresentadas ao abrigo do artigo 39.º do RGPTC deduziu factos supervenientes passíveis de constituir novo(s) incumprimento(s) por parte da Recorrida e que ao não se pronunciar em momento próprio sobre a admissão dos novos factos deduzidos pelo Requerente, incorreu o tribunal a quo em omissão de pronúncia, sendo certo que, não podendo o Recorrente interpor recurso da ausência de decisão, tal vício terá necessariamente de se repercutir na Sentença ora revidenda. xv) Quanto a este ponto, carece igualmente o Recorrente de razão. xvi) Em 02 de Dezembro de 2022, o Recorrente, notificado para o efeito, apresentou aquilo a que inequivocamente denominou Alegações nos termos e para os efeitos do art. 39.º, n.º 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), não referindo, em momento algum, estar a deduzir um articulado superveniente. xvii) Nas Alegações apresentadas ao abrigo do artigo 39.º, n.º 4 do RGPTC, o Recorrente, não identifica os factos novos que pretendia ver julgados, não justifica a sua superveniência, não pede a sua admissão, não altera ou amplia o pedido nem a causa de pedir nem pede que, em consequência dos factos novos aditados, seja aditado novo pedido. xviii) Ambas as questões – a alegação de que a Recorrida não tem colaborado no sentido de a J obter o passaporte cipriota e, relativamente a 2022, que pretendia estar mais tempo com a J, não consubstanciam, sequer, um incumprimento, mas sim uma questão de particular importância, que caberia no âmbito do regime previsto no art.º 44.º do GPTC. xix) O Recorrente limita-se a, genericamente, alegar nas sua Alegações apresentadas ao abrigo do artigo 39.º, n.º 4 do RGPTC, factos referentes à pretensão de fazer o passaporte cipriota e às viagens de 2022, sem os individualizar como um articulado superveniente, impossibilitando assim a Recorrida de se aperceber que estava a articular factos novos e não uma extensão dos argumentos usados para, a titular exemplificativo, argumentar a tese do incumprimento explanada no incidente de incumprimento! xx) A única causa de pedir do Recorrente é a constante do Requerimento de Incumprimento apresentado em 16 de Dezembro de 2021 e dado que todas as questões aí suscitadas pelo mesmo foram objecto de pronúncia pelo Tribunal a quo, a decisão recorrida não é nula, inexistindo qualquer violação do art.º 615º do CPC. xxi) No entanto, ainda que se entendesse que esta fosse matéria sobre a qual o Tribunal devesse pronunciar-se – hipótese que se suscita por mera cautela de patrocínio e sem conceder -, sempre se dirá, mesmo assim, o Tribunal a quo pronunciou-se expressamente na sua douta Sentença sobre o tema. xxii) Carece de razão o Recorrente quando alega, ainda que de forma genérica, que a Decisão recorrida é nula por não se encontrar devidamente fundamentada. xxiii) Ainda que o Recorrente não concretize em que consiste a falta de fundamentação invocada, a verdade é que a Sentença do Tribunal a quo datada de dia 21 de Junho de 2023 decidiu sobre todas as questões suscitadas, não padecendo de nulidade. xxiv) Também não assiste razão ao Recorrente quando refere estarem os factos dados como assentes em manifesta contradição com os elementos probatórios constantes dos autos. xxv) A mera leitura tanto da Petição Inicial como das Alegações ao abrigo do artigo 39.º RPP, como do teor das declarações que o Recorrente prestou em sede de Julgamento, permitem a óbvia constatação de que, quanto a toda a matéria alegada, o Recorrente limitou-se a invocar genericamente a existência de incumprimentos, não apresentando, qualquer facto ou prova consistente que sustente a sua defesa. xxvi) Contrariamente ao referido pelo Recorrente nas suas Alegações (onde se omite que o facto 11 também ficou provado), relativamente ao ano de 2020, na decisão recorrida ficaram provados os seguintes factos: «11. No ano de 2020 a Requerida organizou, pagou e levou ao Reino Unido a criança J para estar com o Requerente/pai nos períodos de 22 a 27 de Fevereiro e de 26 de Agosto a 2 de Setembro. 12. Em 2020 a Requerida e o marido reservaram vários voos para o Reino Unido que foram cancelados pelas Companhias aéreas, apenas tendo conseguido, após o decretamento do estado de emergência pelo Governo Português o voo de Agosto de 2020. 13. A Requerida BB esteve grávida entre Junho de 2020 a Fevereiro de 2021, tendo recomendação médica para não viajar após Dezembro de 2020, em face do seu estado de saúde, tendo sido mãe na data de 14.02.2021.» xxvii) Resultou provado que, no ano de 2020, estava previsto que os convívios da J com o Pai no Reino Unido deveriam realizar-se nas seguintes datas: 22 a 27 de fevereiro de 2020; 14 a 21 de abril de 2020; 11 a 16 de junho de 2020; 26 de agosto a 2 de setembro de 2020; 24 a 29 de outubro de 2020; 26 e dezembro de 2020 a 2 de janeiro de 2021 xxviii) Destes convívios, em 2020, apenas os calendarizados para Fevereiro e Agosto. xxix) Ficou demonstrado que não foi possível cumprir com o convívio previsto ocorrer em Abril, devido às medidas restritivas de combate à Covid 19, xxx) Ficou demonstrado que não foi possível cumprir com o convívio previsto ocorrer entre 11 e 16 de Junho de 2020, pois, naquela altura, o Reino Unido impunha uma quarentena obrigatória de 15 dias à chegada, a quem viajasse a partir de Portugal, facto que é do conhecimento público, o que tornou inviável, a Recorrida levar a J a Inglaterra. xxxi) Ficou demonstrado que, pelas mesmas restrições impostas pela Pandemia, o Recorrente foi também obrigado a cancelar as suas deslocações a Portugal para estar com a filha nos seguintes meses: Março de 2020, Maio de 2020, Julho de 2020, Dezembro de 2020, Janeiro de 2021, e Março de 2021. xxxii) Ficou demonstrado que, em Agosto de 2020, logo que existiu um alívio nas restrições impostas, a J viajou, imediatamente, para o Reino Unido acompanhada pela Recorrida, para estar com o Recorrente. xxxiii) Ficou demonstrado que, em Outubro de 2020, não foi possível a Recorrida viajar com a J a Inglaterra pois, na altura, o voo de regresso a Portugal fora cancelado pela Easyjet, novamente devido ao Covid (sendo de conhecimento público que poucos dias depois, o Reino Unido voltou a entrar num período de lockdown total, a nível nacional) e a Recorrida viu-se forçada a cancelar toda a viagem. xxxiv) E, ficou demonstrado que não foi possível a Requerida dar cumprimento à viagem programada fazer em Dezembro de 2020, porque a Recorrida esteve grávida entre Junho de 2020 e Fevereiro de 2021 e a partir dos seis meses de gravidez esteve mesmo impedida de viajar por expresso aconselhamento médico. xxxv) Acresce que como bem refere a douta Decisão recorrida, em 20.11.2020, a Assembleia da República aprovou a Resolução n.º 87-A/2020, através da qual autorizou o Presidente da República a renovar a declaração do estado de emergência até ao dia 8 de Dezembro (Decreto do Presidente da República n.º 59-A/2020), que veio a ser renovado até ao dia 23 de Dezembro (Decreto o Presidente da República n.º 61-A/2020), novamente renovada até ao dia 7 de Janeiro de 2021 (Decreto do Presidente da República n.º 66-A/2020). xxxvi) Todos os motivos pelos quais a Recorrida esteve impedida de viajar entre 2020 e 2021 resulta do Doc 10 junto com as Alegações da Recorrida, documento que nunca foi impugnado pelo Recorrente. xxxvii)As 4 vezes que, em 2020, a Recorrida não conseguiu viajar ao Reino Unido para levar a J, deveu-se não a incumprimento culposo, mas plenamente justificado, pelo que bem decidiu a sentença recorrida quando refere que: Por conseguinte, afigura-se que nas circunstâncias pandémicas que se vivenciavam à data, não se impunha que a Requerida agisse de forma diferente daquela que agiu porque, a ser assim, poria em risco a sua saúde – relembre-se que a Requerida se encontrava grávida entre Junho 2020 e Fevereiro de 2021 – e, bem assim, a saúde da J xxxviii) Relativamente ao ano de 2021, o Tribunal, com relevância para a causa, considerou provados os seguintes factos: «13. A Requerida BB esteve grávida entre Junho de 2020 a Fevereiro de 2021, tendo recomendação médica para não viajar após Dezembro de 2020, em face do seu estado de saúde, tendo sido mãe na data de 14.02.2021. 14. No ano de 2021 a Requerida organizou, pagou e levou ao Reino Unido a criança J para estar com o Requerente/pai em Abril, por 8 noites; em Agosto por dois períodos diferentes, cada um deles por 7 noites seguidas, totalizando um período de 14 noites; em Outubro por 7 noite; e em Dezembro por 7 noites. 15. O Requerido não aceita reorganizar as datas de planificação das visitas a que a Requerida está obrigada a levar a J para estar consigo no Reino Unido, tendo em conta o calendário escolar português da J, querendo manter as datas fixadas no Anexo 2 referido no ponto 4. dos factos provados.» xxxix) No ano de 2021, contrariamente ao referido pelo Recorrente, a J esteve no Reino Unido com o Pai, 4 vezes, a expensas da Recorrida: duas vezes em Agosto, em Outubro e em Dezembro. xl) A Recorrida só não cumpriu com duas das viagens a que estava obrigada realizar, uma vez por causa da pandemia, e outra por restrições relacionadas com o facto de não ter obtido atempadamente o certificado de vacinação para poderem viajar. xli) O mesmo sucedeu quanto ao Requerente, o qual como se viu, pelos mesmos motivos, e nos anos em causa (2020 e 2021) não conseguiu deslocar-se a Portugal sempre que estaria previsto, circunstância que este parece não considerar nos mesmos termos. xlii) A Recorrida tudo fez para tentar ir ao encontro da posição do Recorrente e dos superiores interesses da J, tendo sido o Recorrente quem previamente quebrou o compromisso e o espírito que norteava a manutenção da Mediação, intentando novo procedimento judicial, infrutífero, no Reino Unido. xliii) Também não é verdade que, nas férias de Verão de 2021, a J tivesse 73 noites de férias, mas sim, apenas cerca de 42 noites e se o Recorrente não tivesse incumprido o regime de visitas a Portugal, em Julho de 2021, não teria perdido 7 noites adicionais das férias da J na sua companhia. xliv) Assim, quanto ao ano de 2021, não existiu qualquer incumprimento culposo por parte da Recorrida, pelo que decidiu e bem o douto Tribunal. xlv) Relativamente ao ano de 2022, alega o Recorrente que «o tribunal a quo não faz qualquer referencia aos convívios que ocorreram nesse ano e que demonstram mais uma vez que a Requerida não pretende cumprir o acordo, o que, como se referiu, se entende violador do princípio da atualidade e da economia processual e, bem assim, do superior interesse da criança. No ano de 2022, a Requerida avançou apenas três deslocações da J ao Reino Unido para conviver com o Requerente: Abril, Agosto e Dezembro.» xlvi) Por um lado, tal não corresponde à verdade e, por outro, como demonstrado, estes factos nunca foram carreados ao processo, pelo que não poderiam ter sido objecto de decisão, bem se acompanhando a decisão do Tribunal. xlvii) O Anexo II do Acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais assinado no Reino Unido e junto aos Autos, não prevê, no seu número sete, que as férias da J passariam a ser a partir de 2021, repartidas equitativamente. xlviii) O acordo, refere apenas e tão só no seu Ponto sete que existe uma expectativa de progressão de tempo com o Recorrente Pai durante as férias de escola da J, de modo a que a partir de 2021, as férias da pré-escola / escola da J sejam partilhadas de forma igual entre os pais. xlix) Ou seja, trata-se de uma mera expectativa, não resultando do seu teor, qualquer obrigação. l) Não foi possível à Recorrida viajar com a J em Fevereiro, Junho e Outubro, nas datas pretendidas pelo Recorrente, atento o calendário escolar da J. li) Não obstante, o Recorrente alegar que para si é mais importante acordar numa data para a J estar com o Pai respeitando a escola onde está integrada e que privilegia sempre as alturas em que a J não tem aulas de forma a não prejudicar o seu desempenho escolar, resulta, não só do depoimento das testemunhas, como do próprio fundamento desta acção, em geral, e do teor das Alegações do Recorrente, em particular, que este nunca aceitou adaptar o esquema das visitas ao Reino Unido ao novo calendário escolar da J; lii) O Recorrente é que nunca aceitou adaptar o esquema das visitas ao novo calendário escolar da J, não tendo por isso, jamais, dado a sua concordância a nenhuma das datas que atempadamente lhe eram sempre propostas pela Recorrida. liii) Por último, relativamente ao ano de 2023, carece de razão o Recorrente quando alega que «no presente ano de 2023, a J viajou para o Reino Unido em Fevereiro e em Abril.». liv) Por um lado, como acima demonstrado, estes factos nunca foram carreados ao processo, pelo que não poderiam ter sido objecto de decisão, bem se acompanhando a decisão do Tribunal quanto a este ponto, lv) E, por outro lado, porque tal não corresponde à verdade, pois à data da apresentação das Alegações do Recorrente, a J já havia passado duas semanas consigo no Reino Unido, em Agosto. lvi) Facto, que, também o Recorrente convenientemente omite… lvii) Tal como omite que, em sede de Audiência de Julgamento, ocorrida em 26 de Maio de 2023, foi efectuado um Acordo entre Recorrente e Recorrido, que definiu todas as datas em que a J deverá viajar ao Reino Unido até ao final do ano… lviii) Pese embora, as partes devessem acordar as viagens da J a Inglaterra para 2023, resultou provado que: i) Este ano a J viajou ao Reino Unido em Fevereiro e em Abril. ii) À data da entrada das presentes alegações, a J tinha estado com o Pai, no Reino Unido, de 06 a 20 de Agosto e de 27 a 31 de Agosto de 2023. iii) Não foi possível à Recorrida viajar com a J em Junho, na data pretendida pelo Recorrente, atento o calendário escolar da J. iv) Não obstante, o Recorrente alegar que para si é mais importante acordar numa data para a J estar com o Pai respeitando a escola onde está integrada e que privilegia sempre as alturas em que a J não tem aulas de forma a não prejudicar o seu desempenho escolar, resulta, não só do depoimento das testemunhas, como do próprio fundamento desta acção, em geral, e do teor das Alegações do Recorrente, em particular, que este nunca aceitou adaptar o esquema das visitas ao Reino Unido ao novo calendário escolar da J; v) O Recorrente nunca responde atempadamente aos emails enviados pela Recorrida, impossibilitando uma planificação organizada das datas e viagens da J ao Reino Unido. lix) Olvida-se também o Recorrente de referir a este Tribunal que, no dia 23 de Maio de 2023, e dado que a Recorrida não lograva qualquer resposta aos vários emails enviados desde Janeiro ao Recorrido para planificação das férias de Verão, a Recorrida deu entrada uma acção em Tribunal, a qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Cascais - Juízo de Família e Menores de Cascais (…), onde peticionou: a) Seja atribuído aos presentes autos carácter de urgência; b) deferir a possibilidade de a menor, no mês de Agosto de 2023 viaje a Inglaterra para passar férias com o Requerido, no período de 06 a 20 de Agosto. lx) Em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, no âmbito do processo objecto das presentes Alegações, as Partes, para pôr fim ao apenso B, fizeram Acordo quanto às viagens a realizar em 2023. lxi) Ao longo de todo o processo, o Recorrente nunca alegou, nem demonstrou, um único dano patrimonial e/ moral que pudesse ter sofrido, tendo sido o próprio Recorrente quem nunca quis fazer acordo por forma a compensar as viagens que não ocorreram entre 2020 e 2021 por culpa da Pandemia. lxii) Bem decidiu o Ilustre Tribunal de 1.ª Instância que decidiu não existir qualquer incumprimento culposo por parte da Recorrida. lxiii) Existiu, sim um incumprimento desculpável, uma vez que os convívios não efetuados entre a Criança e o Recorrente foram somente por impossibilidades derivadas das circunstâncias pandémicas vividas a nível global e das limitações inerentes à gravidez de risco de que a Recorrida padecia, decorrentes de expressa recomendação médica, nomeadamente, de viajar.” * Também o Ministério Público contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: “1. Atenta a factualidade dada como provada na douta Decisão recorrida, facilmente se conclui que não foi violado qualquer preceito legal, não existindo, em nossa opinião, quaisquer razões para que não venha a obter confirmação. 2. Os factos dados como provados e as circunstâncias consideradas encontram fundamento no resultado obtido e em todo o conjunto de prova produzida e junta aos autos; 3. Deverá assim manter-se a decisão recorrida, nos seus precisos termos, posto que é adequada à salvaguarda do superior interesse desta jovem.” * O recurso foi corretamente admitido. * Sobre as nulidades invocadas no recurso interposto pelo Requerente o Tribunal a quo pronunciou-se nos seguintes termos: “(…) Na sentença recorrida o Tribunal delimitou o objecto do incumprimento que estava em causa, como segue: “…veio o Requerente invocar o incumprimento, por parte da Requerida, do estabelecido no regime de regulação das responsabilidades parentais da filha de ambos, J, no que tange aos convívios presenciais que cabem à progenitora estabelecer entre a criança e o progenitor…”. E disse o Tribunal, sequencialmente – e no que entendemos quanto às questões a decidir, em função do enunciado objecto -, que havia que “…aferir se se verifica in casu o incumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais relativamente aos convívios da criança J com o Requerente e, em caso afirmativo, a consequência jurídica que se lhe deve associar.Que a J em 2020 e em 2021 não esteve com o Requerido as seis vezes anuais no Reino Unido onde deveria ser entregue pela Requerida, nos termos previstos na decisão judicial de regulação das responsabilidades parentais em vigor, é verdade. Se tal inexistência pode ser imputada à Requerida, parece-nos que não….”, tendo o Tribunal passado a fazer tal apreciação face, entre o mais, aos impedimentos e constrangimentos decorrentes da situação pandémica vivenciada no período em que os incumprimentos são imputados, bem como à situação de a Requerida se ter encontrado grávida entre Junho 2020 e Fevereiro de 2021, não podendo por em risco a sua saúde, nem a da criança, com deslocações de avião a Inglaterra. Concluindo: “…em conformidade, o incumprimento verificado não é culposo, improcedendo assim, requerido…”. Não se nos afigura que, ao não ter procedido à audição da criança no caso concreto, a Decisão proferida tenha ficada ferida da arguida nulidade, atento o disposto no artº 5º, do RGPTC, a idade da criança e o conteúdo concreto das questões que estavam em causa decidir. Bem como não se nos afigura que e dentro do que nos é possível aferir, para os efeitos ora em causa, que ao delimitar o objecto do processo e as questões que iria decidir, e da forma que o fez, tenha ferido de nulidade a sentença. Face ao que antecede e na perspectiva da signatária, a sentença sob recurso não padece das imputadas nulidade, indeferindo-se. (…).” * Remetidos os autos a este Tribunal, foram colhidos os vistos legais. * II. Questões a decidir: Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante apenas designado de CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as seguintes: - Da nulidade decorrente da violação do direito de participação da criança; - Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia; - Da nulidade da sentença por falta de fundamentação; - Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto; - Da alteração da decisão proferida no sentido da verificação do incumprimento. * III. Fundamentação de facto: Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos: “1. J nasceu na data de 3 de Outubro de 2015. 2. É filha de PK e de BB. 3. Por decisão proferida pelo Tribunal de Família de Portsmouth em 2019, foi fixado regime de alteração de regulação das responsabilidades parentais da criança J onde, além do mais, se determinou: “ (…) 27. J (data de nascimento 3 de Outubro 2015) continuará a viver com a mãe, BB. 28. A mãe requerente, BB, deve assegurar que a criança J (data de nascimento:3 de Outubro de 2015), passe tempo com o pai, PK, nos termos seguintes (e que substituem todas as decisões previamente tomadas neste caso): a. Antes da mudança da criança para Portugal, de acordo com o Anexo 1 desta decisão, b. Depois da mudança da criança para Portugal, de acordo com o Anexo 2 desta decisão. c. Qualquer regulação adicional ou alternativa terá se der previamente acordada pelas partes por escrito. (…)”. 4. Consta do Anexo 2 identificado na decisão supra referida que: “ANEXO 2 – CONTACTOS QUANDO A J VIVA EM PORTUGAL Disposições gerais 1) A mãe organizará a ida de J ao Reino Unido para passar tempo com o pai 6 vezes por ano. Para evitar dúvidas, a mãe suportará os custos dos voos da J para essas visitas; 2) A mãe assegurará a disponibilidade de J para passar tempo com o pai em Portugal até 6 vezes por ano (apesar de ele poder viajar menos frequentemente se o escolher). Para evitar dúvidas, o pai suportará os custos da sua viagem e os custos associados com acomodar e manter a J durante os períodos que ele passar com ela em Portugal nos termos desta Regulação judicial; 3) A duração das visitas do pai em Portugal serão de até 5 noites, apesar do pai poder escolher passar períodos mais curtos; 4) Tanto quanto possível, as visitas do pai em Portugal serão organizadas de modo a coincidir o menos possível, com o tempo em que a J esteja na pré-escola/escola. Contundo, quando o pai estiver a passar tempo com J em Portugal, ele garantirá que ela continue a frequentar 50% do tempo de pré-escola e que se mantém na pré-escola/escola durante todo o dia de pré-escola/escola habitual; (…) 7) Há uma expectativa de progressão do tempo com o pai durante as férias da escola de J, de modo a que a partir de 2021 as férias da pré-escola/escola de J sejam partilhadas de forma igual entre os pais. Notificação das visitas 8) Para visitas de 1 de janeiro de 2021 em diante, as partes deverão acordar por escrito as datas de cada visita com pelo menos 3 meses de antecedência. A mãe deverá sugerir as datas das viagens de J para o Reino Unido com pelo menos 6 meses de antecedência e o pai deverá sugerir datas para ele viajar para Portugal (e a duração da sua estadia) para ver a J com pelo menos 6 meses de antecedência. Em caso de desacordo, as visitas deverão ocorrer em datas tão próximas das datas estipuladas para 2020 quanto possível, sendo permitida alterações para: a. Mudanças de horário das férias escolares, b. A alternância dos encontros no dia de aniversário, no dia de Natal e na véspera de Ano Novo, c. O tempo em Portugal será de Quinta a Terça. No caso das partes não conseguirem acordar as datas, devem entrar em mediação para resolver qualquer questão disputada na primeira oportunidade. Contactos cara-a-cara 9) Até 2021, a mãe deverá organizar as viagens de J para o Reino Unido para tempo com o pai da seguinte forma: a. 5 noites nas férias a meio do período da Primavera (normalmente em Fevereiro), b. 7 noites para as férias da Páscoa (normalmente na primeira semana das férias da Páscoa de J), c. 5 noites em Junho (calendarizadas para ocorrer perto do feriado do Corpo de Deus), d. 7 noites na última semana de Agosto/primeira semana de Setembro. e. 5 noites nas férias a meio do período de Outono (normalmente em Outubro), f. 7 noites em Dezembro/Janeiro de modo a incluir o dia de Natal (ma não a véspera de Ano Novo) nos anos ímpares e a véspera de Ano Novo (mas não o dia de Natal) nos anos pares. A partir de (e incluindo) o verão de 2021 espera-se que todas as férias sejam partilhadas de forma igual entre os pais. 10) A mãe assegurará a disponibilidade de J para passar tempo com o seu pai em Portugal, nos termos seguintes: a. 5 noites na ou perto da última semana de janeiro, b. 5 noites em março (que sejam em geral equidistantes das visitas a meio do período letivo e da Páscoa), c. 5 noites em Maio, d. 5 noites no fim de Setembro/início de Outubro (incluindo o aniversários da J nos anos pares), e. 5 noites em Novembro. 11) Adicionalmente, a mãe garantirá a disponibilidade de J em Julho para o pai recolher J em Lisboa para os propósitos de férias de 7 noites (quer estas sejam no Reino Unido em Portugal ou noutro país que o pai eleja). 5. No dia 22.07.2021, às 10:48:29, a Requerida enviou uma mensagem via email ao Requerente, constando da mesma, além do mais, que: “(…) Infelizmente não posso continuar a mediação neste momento, pois é impossível para mim mental e logisticamente. A maioria das sessões não incidia sobre a planificação das visitas e, se chegássemos a algum acordo, tu quererias mais na próxima sessão. Também acho que a os envios pela lida das mensagens de texto que tu lhe enviaste sobre mim não ajudam a resolver a situação. Isto, a par da preparação para o tribunal, ter um bebé de 5 meses e organizar viagens para o verão, não consigo continuar. A minha proposta está em baixo. - A ordem judicial foi redigida em 2019, com base no sistema escolar inglês, pelo que tem que ser ligeiramente alterada para se adaptar ao horário escolar português da J, à alteração de necessidades e ao que é realista para ambos. - Tentei mantê-lo em linha com as datas especificadas na ordem de 2019, como pediste … com exceções para a mudança no horário escolar que se aproxima, uma vez que ela não tem férias de meio de período em Portugal. - Considerei os desejos e necessidades atuais da J. Tu (e a J) confirmaram que a J estava angustiada e a chorra à noite durante a sua visita de 8 noites em junho. Nete momento, ela ainda está reticente, não quer ficar fora mais de 5 noites. Dito isto, ainda estou disposta a comprometer-me com as visitas de 1 semana e vemos como corre este agosto. (…) 2021 5 a 12 de agosto Reino Unido (7) Recolha em Lisboa entrega em Hoverport, RU 34 a 31 de agosto Reino Unido (7) Recolha e entrega no Reino Unido 7 a 12 de outubro PT (5) Recolha às 16h15 e entrega às 9h00 no Externato (…) Nov 11-16 PT (5) Recolha às 16h15 e entrega às 9h00 no Externato (…) + presença no Ntala PT Dez 20-27 RU (7) Recolha no aeroporto no RU, entrega em Hoverport, RU 2022 Jan27 – Feb 1 PT (5) Recolha às 16h15 e entrega às 9h00 no Externato (…) Março 3-8 PT (5) Recolha às 16h15 e entrega às 9h00 no Externato (…) 7 a 14 de abril RU (7) Reciolha no aeroporto do RU, entrega em Hoverport Ru 19 a 24 de maio PT (5) Recolha às 16h15 e entrega às 9h00 no Externato (…) + junho Casamento de … no Reino Unido? – datas a confirmar 12 a 19 de julho (7) Recolha e entrega em Lisboa 5 a12 de agosto (7) Recolha e entrega no Reino Unido 24 a 31 de agosto (7) Recolha e entrega no Reino Unido 29 Set – 4 (5) Recolha às 16h15 e entrega às 9h00 no Externato (…) Nov 10-15 (5) Recolha às 16h15 e entrega às 9h00 no Externato (…) + presença no Natal PT Dez 16-23 (7) Recolha e entrega no Reino Unido”. 6. No dia 05.08.2021, às 10h19, a Requerida enviou uma mensagem via email ao Requerente, constando da mesma, além do mais, que: “(…) Quanto à planificação das visitas … Enviei-te uma folha de cálculo para 2021/2022, acho que já te enviei 4 ou 5 propostas. Eu preferia ter um calendário claro de futuro, em vez de fazer um todos os anos, uma vez que é agosto e não poder fazer planos é difícil para a J. (…)”. 7. No dia 06.08.2021, às 16:22:41, o Requerente respondeu à comunicação supra referida da Requerida, tendo escrito: “Compreendo, contudo, nesta fase, não estou de acordo com as tuas propostas, um avez que não estão alinhadas com as Regulações Judiciais de 2019 e 2021. Assim que estivermos de acordo, poderemos ter um calendário claro.” 8. Na data de 15 de Novembro de 2021 I, mediadora familiar declarou por escrito, para além do mais que: “(…) confirmo que conduzi quatro sessões de mediação familiar entre BB e PK visando estabelecer um Acordo sobre as Responsabilidades Parentais respeitantes à filha de ambos, J. Uma vez que a mediada tomou a decisão de não prosseguir o processo de mediação, o mesmo foi encerrado em Maio de 2021”. 9. A Requerida é mãe da criança J e de mais três crianças, com idades de 4 anos, 2 anos e uma recém nascida, no mês de Junho de 2023. 10. A criança J encontra-se a viver em Portugal desde Julho de 2019 e frequenta actualmente o 2.º ano na Escola “(…)”. 11. No ano de 2020 a Requerida organizou, pagou e levou ao Reino Unido a criança J para estar com o Requerente/pai nos períodos de 22 a 27 de Fevereiro e de 26 de Agosto a 2 de Setembro. 12. Em 2020 a Requerida e o marido reservaram vários voos para o Reino Unido que foram cancelados pelas Companhias aéreas, apenas tendo conseguido, após o decretamento do estado de emergência pelo Governo Português o voo de Agosto de 2020. 13. A Requerida BB esteve grávida entre Junho de 2020 a Fevereiro de 2021, tendo recomendação médica para não viajar após Dezembro de 2020, em face do seu estado de saúde, tendo sido mãe na data de 14.02.2021. 14. No ano de 2021 a Requerida organizou, pagou e levou ao Reino Unido a criança J para estar com o Requerente/pai em Abril, por 8 noites; em Agosto por dois períodos diferentes, cada um deles por 7 noites seguidas, totalizando um período de 14 noites; em Outubro por 7 noite; e em Dezembro por 7 noites. 15. O Requerido não aceita reorganizar as datas de planificação das visitas a que a Requerida está obrigada a levar a J para estar consigo no Reino Unido, tendo em conta o calendário escolar português da J, querendo manter as datas fixadas no Anexo 2 referido no ponto 4. dos factos provados. 16. A criança J vê e fala com o Requerente via Zoom, o que é proporcionado pela Requerente. 17. Sempre que o Requerente se desloca a Portugal para estar a filha J, reside com esta pelo período que pode permanecer em Portugal.” * Na sentença recorrida foi considerado como não provado o seguinte facto: “1. A Requerida tenha impedido a criança J de ver e falar com o Requerente nos anos de 2020 e 2021.” * Na sentença recorrida, no segmento intitulado “Fundamentação de facto”, consta o seguinte: “A convicção do Tribunal fundou-se nos documentos juntos a estes autos e que se mostram devidamente traduzidos para a língua portuguesa, em concreto, o teor do assento de nascimento da criança J, a decisão proferida pelo Tribunal de Família de Portsmouth em 2019 e o Anexo 2 de tal decisão, os documentos de mensagens de email enviados pela Requerida ao Requerente nas datas de 22.07.2021 e de 05.08.2021 e a resposta remetida pela mesma via pelo Requerente à Requerida na data de 06.08.2021, na declaração da mediadora I sobre porque e quando foi cessada a mediação familiar, que permitiram a prova dos factos assim considerados aos pontos 1. a 8.. Tais elementos documentais conjugados com as declarações Requerente e Requerida e no depoimento da testemunha TK, marido da Requerida, esclareceram o Tribunal quanto à existência de convívios entre a J e o pai, as relações entre os progenitores sobre os convívios e as questões relacionadas com a filha de ambos e as datas e razões pelas quais a J esteve no Reino Unido a expensas e a responsabilidade da Requerida e as razões que obstaram a que entre Março de 2020 a Agosto de 2020 e entre Outubro de 2020 e Março de 2021 a J não tenha ido ao Reino Unido para estar com o progenitor. Tais declarações e depoimento, embora com algumas discrepâncias e hesitações sobre as datas concretas em que a Requerida organizou e levou a criança J ao Reino Unido nos anos de 2020 e 2021 para estar com o progenitor que se deveram apenas ao tempo entretanto decorrido e, pese embora o percetível latente e aceso conflito ainda existente entre os progenitores (mas que se afigurou ao Tribunal não se ter estendido ao marido da progenitora – testemunha TK - e à relação deste com o Requerente), mostraram-se no essencial consonantes e concordantes entre si, tendo assim sido possível ao Tribunal a prova da factualidade descrita aos pontos 9 a 17 dos factos provados. A factualidade não provada resultou como tal visto sobre a mesma não ter o Requerente feito qualquer prova, como era seu ónus nos termos do disposto no artº 342º, nº 1 do Código Civil.” * IV. Mérito do recurso: - Da nulidade decorrente da violação do direito de participação da criança. Defende o Recorrente que a decisão recorrida, tendo sido proferida sem que se procedesse à prévia audição da criança e sem que o Tribunal a quo tenha sequer analisado a sua maturidade para compreender os assuntos em discussão, está ferida de nulidade, por incorrer na violação do artigo 12º da Convenção sobre os Direitos da Criança, dos artigos 3º e 6º da Convenção Europeia sobre o exercício dos Direitos da Criança e dos artigos 4º, 5º e 35º, n.º 3, da Lei 141/2015 de 08/09 que aprovou o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (doravante RGPTC). Vejamos. Nos termos do art.º 4º, n.º 1, c), do RGPTC, “Os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes: (…) c) Audição e participação da criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.” Acrescenta o n.º 2 desse mesmo normativo que “Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica”. Por seu lado, o art.º 5º do RGPTC, estabelece que: “1 - A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz promove a audição da criança, a qual pode ter lugar em diligência judicial especialmente agendada para o efeito. (…) 6 - Sempre que o interesse da criança o justificar, o tribunal, a requerimento ou oficiosamente, pode proceder à audição da criança, em qualquer fase do processo, a fim de que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório nos atos processuais posteriores, incluindo o julgamento. (…).” No que em específico se refere ao exercício das responsabilidades parentais e questões conexas, domínio em que nos encontramos, estabelece o art.º 35º, n.º3, do RGPTC que “a criança com idade superior a 12 anos ou com idade inferior, com capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é ouvida pelo tribunal, nos termos previstos na alínea c) do artigo 4.º e no artigo 5.º, salvo se a defesa do seu superior interesse o desaconselhar”. Das referidas normas de direito nacional acima assinaladas decorre a obrigatoriedade da audição da criança com mais de 12 anos ou com capacidade de compreensão do que se discute, ou a justificação do motivo que torna essa audição desaconselhável por contrária ao interesse da criança. Apesar da referência da norma à idade superior a 12 anos, a obrigatoriedade de audição continua a verificar-se quanto a crianças com idade inferior, desde que o assunto a tratar possa por elas ser compreendido, atenta a sua específica maturidade. É o que resulta do princípio que o art.º 4º estabelece e da própria letra do art.º 5º, n.º 2 do RGPTC. O princípio em causa assenta no direito da criança a ter voz no processo, a emitir a sua opinião sobre os assuntos que lhe digam respeito e a propósito dos quais tenha maturidade para a emitir, não assenta numa eventual necessidade de prova que apenas se satisfizesse com a tomada de declarações à criança. Aliás, os n.ºs 1 e 6 do art.º 5º do RGPTC claramente estabelecem a distinção entre a tomada de declarações à criança como elemento probatório, meio de prova, e a audição da criança enquanto sujeito do processo com direito a exprimir-se quanto às decisões que a visem e à organização da sua vida e cujo contexto e dimensão possa compreender com a idade e maturidade que tem. Estas normas inserem-se num sistema jurídico mais vasto. De facto, o princípio da audição da criança tem sido constantemente afirmado ao longo de sucessivas declarações e instrumentos de direito internacional e comunitário. A Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, assinada em Nova Iorque a 26 de Janeiro de 1990 (aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República 20/90, de 12 de Setembro), estabelece no seu art.º 12º: “1 - Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade. 2 - Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja directamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional.” A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia dispõe sobre a matéria no artigo 24º, n.º 1, sob a epígrafe “Direitos das crianças”: “1. As crianças têm direito à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar. Podem exprimir livremente a sua opinião, que será tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função da sua idade e maturidade.” A Convenção Europeia sobre o exercício dos Direitos da Criança de 25 de Janeiro de 1996 (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014 de 27 de Janeiro), dispõe, no seu artigo 3º, alínea b): “À criança que à luz do direito interno se considere ter discernimento suficiente deverão ser concedidos, nos processos perante uma autoridade judicial que lhe digam respeito, os seguintes direitos, cujo exercício ela pode solicitar: (…) b) Ser consultada e exprimir a sua opinião.” Também o artigo 6º, alínea b), §3 do mesmo diploma refere: “Nos processos que digam respeito a uma criança, a autoridade judicial antes de tomar uma decisão deverá: (…) b) Caso à luz do direito interno se considere que a criança tem discernimento suficiente: (…) - Permitir que a criança exprima a sua opinião.” O Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de Novembro (Decisões em Matéria Matrimonial e Responsabilidade Parental – Bruxelas IIBis) enuncia a relevância da audição da criança em sede de execução de decisões entre Estados-Membros, do que é exemplo o seu artigo 41º, n.º 2, alínea c), devendo essa menção ser feita nas certidões a remeter. Neste enquadramento e como já Salazar Casanova referia (in “O Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho e o Princípio da Audição da Criança”, Scientia Ivridica, Tomo LV, n.º 306 - Abril/Junho 2006, pág. 219), “a regra hoje não é a da ausência da criança que o tribunal, no seu elevado critério, pode excepcionar, admitindo a presença da criança; a regra é precisamente a oposta: a da presença da criança que se impõe a não ser que em razão da sua idade ou falta de discernimento se justifique a sua não comparência e audição”. A mesma conclusão é retirada por Clara Sottomayor do art.º 1901º, n.º 3, do Código Civil (in “Código Civil Anotado”, Livro IV, Almedina, 2ª ed., pág. 905). Refere esta Autora que a citada norma prevê a audição prévia obrigatória das crianças, aderindo a uma conceção democrática e participativa das responsabilidade parentais e ao estatuto da criança como sujeito de direitos, dotada de capacidade natural para exprimir os seus afetos e sentimentos. Resumindo, independentemente da necessidade probatória que pode ou não determinar a tomada de declarações à criança, constitui princípio fundamental o respeito pelo seu direito a emitir opinião quanto aos assuntos que lhe respeitem na medida da compreensão deles que lhe seja em concreto possível. Note-se que este princípio protege o direito a emitir opinião, não determinando qualquer específico valor probatório às suas declarações nem qualquer específica vinculação a seguir essa opinião. Na situação dos autos importa ter presente que nenhum dos progenitores da J entendeu ser necessária a sua audição, pois nenhum a requereu. A questão da sua não audição apenas surge depois de proferida a sentença final, em sede de alegações de recurso, como sendo geradora da nulidade dessa sentença. Temos por seguro que a sentença final foi proferida sem que a J tenha sido ouvida e sem que tenha sido justificada a sua não audição. No entanto, independentemente do enquadramento jurídico que se pretenda atribuir à omissão em causa, não se poderá ignorar que no âmbito dos estritos poderes que a lei, no art.º 617º, n.º 2, do CPC, confere ao julgador de 1ª Instância no sentido de suprir as nulidades cometidas, foi proferido despacho no qual se referiu: “Não se nos afigura que, ao não ter procedido à audição da criança no caso concreto, a Decisão proferida tenha ficada ferida da arguida nulidade, atento o disposto no artº 5º, do RGPTC, a idade da criança e o conteúdo concreto das questões que estavam em causa decidir.” Concorde-se ou não com a fundamentação então expressa, entendeu o Tribunal a quo que não se justificava a audição da criança, declarando-o, ainda que de forma singela, tendo em vista a decisão a proferir e da qual foi interposto o presente recurso. Daqui decorre que, quer se entenda como totalmente omitido o despacho sobre a audição da criança, quer se discorde da fundamentação apresentada para a sua não audição, ainda que expressa depois de proferida a sentença, sempre terá de se verificar se, na situação em apreço, se impunha a audição da J e, nesse caso, qual a consequência da sua não audição. Como se refere no Acórdão da RL de 05/12/2023, proferido no processo 28159/17.0T8LSB.L1.7, disponível em www.dgsi.pt, cuja posição subscrevemos, “quanto às consequências processuais da falta de audição da criança quando a audição é devida, ou da falta de justificação para a não audição, entende-se, na esteira do mencionado Acórdão do STJ de 14/12/2016 [posição também propugnada no citado Acórdão do TRL de 14/07/2020, relator Nuno Ribeiro] que tal falta, não obstante configurar uma falta processual, afeta a validade das decisões finais dos correspondentes processos, por corresponder a um princípio geral com relevância substantiva e, por isso mesmo, processual, não sendo de aplicar o regime das nulidades processuais. Neste sentido, chamamos, ainda, aqui à colação as palavras de: - Salazar Casanova, que sustenta que as razões que permitem a audição de uma criança em juízo, após o ano de 2003, são de “ordem substantiva” e que se devem ao superior interesse da criança, e “assim, onde determinada diligência processual colida com tal interesse, há-de prevalecer este” - in “O regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho e o princípio da audição da criança”, Scientia Juridica, Tomo LV, nº 306 – Abril/Junho 2016, p. 236; - Paulo Guerra, que aduz que, atento o princípio do respeito pelas opiniões da criança, reconhecido pelo art.º 12º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, “fácil é de concluir que o regime das nulidades processuais não é, de facto, o mais adequado à catalogação do vício da falta de audição de uma criança em sede judiciária. (…) Na realidade, e para finalizar, se é verdade que a criança não tem, em regra, capacidade de exercer sozinha os seus legais direitos, também o é que haverá certos direitos ligados à substância e ao «ser» da criança que só podem gozados por ela própria, de viva voz, sem interferência de terceiros. E aí basta-lhe a sua capacidade regra de gozo de direitos. E bastará ao tribunal afirmar essa essência e substância para declarar que a omissão da audição de uma criança com maturidade para o efeito, quando conveniente, afeta a subsistência da decisão que não a admitiu, não por força da constatação de uma nulidade processual civil de natureza secundária, mas por aplicação direta do princípio básico (de essência) da existência de uma criança – ter direito a ser ouvida por quem vai decidir relevantes aspetos da sua vida.”- in “A Audição de Crianças em Tribunal – e quando não se ouvem?”, em “Questões do Regime Geral do Processo Tutelar Cível”, caderno de “Coleção Formação Contínua”, E-book publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Julho 2019, p. 89-90, acessível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=wpeLi5nKGq0%3D&portalid=30”. Assim, esta alegação relativa à omissão de audição da criança, no momento em que nos encontramos e que é a fase de recurso da sentença proferida, é ainda admissível na medida em que dela (a omissão) resulta, sempre, um erro de julgamento. Analisemos então se na situação dos autos se impunha a audição da J que, tendo nascido a 03.10.2015, contava, à data do julgamento, 7 anos de idade. Desde já adiantamos que não. A obrigatoriedade de audição da criança verificar-se-á, desde logo, quando a matéria a decidir lhe diga respeito. É inegável que tal sucederá quando estiver em causa a regulação das respetivas responsabilidades parentais, o que é necessariamente um assunto que lhe diz respeita. No entanto, dentro dessa matéria, importa ter presente a especificidade da concreta questão a decidir. Na presente situação apenas está em causa apurar se a Requerida incumpriu com o estabelecido no regime de regulação das responsabilidades parentais no que concerne ao plano de viagens da J ao Reino Unido, para aí passar tempo com o Requerente e, concluindo-se pelo incumprimento, se o mesmo lhe é imputável. Não está em causa a alteração do regime de visitas estabelecido entre os progenitores em nenhuma das suas vertentes. Nessa medida, cremos que a matéria a decidir não pode entender-se genericamente como respeitando à criança em termos de convocar o seu direito a ter voz no processo, cingindo-se apenas à relação entre os seus progenitores. E nem se vislumbra o que poderia a J dizer sobre esse invocado incumprimento por parte da sua progenitora e suas causas, que esta última imputa à sua gravidez de risco e às restrições resultantes da crise pandémica que então se vivia, tendo em conta que à data tinha 4 e 5 anos. Assim, concordamos com a fundamentação avançada pelo Tribunal a quo para a não audição da criança na medida em que atende, para o efeito, ao concreto conteúdo das questões a decidir e à sua idade. Como tal, entendemos que a sentença não enferma da nulidade que lhe é apontada, decorrente do facto de ter sido proferida sem prévia audição da criança. * - Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Considera o Recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade, nos termos do art.º 615º, n.º 1, d) do CPC, uma vez que o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre os incumprimentos incorridos no ano de 2022, sem que previamente tenha proferido despacho liminar de não admissão da dedução de factos supervenientes por si efetuada em sede de alegações. As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no artigo 615º do CPC. Conforme se refere no Acórdão do STJ de 03.03.2021, processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, é, desde há muito, entendimento pacífico que as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito. As nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal. Trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual (nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma) ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma. Como ensinava o Prof. José Alberto Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, 1981, Vol. V, páginas 124 a 125, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de atividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afetam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua atividade. E, como salienta o Prof. Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 686, perante norma do Código de Processo Civil de 1961 idêntica à atual, o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade com o direito aplicável, não se incluiu entre as nulidades da sentença. As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por estar desconforme ao caso (decisão injusta ou destituída de mérito jurídico) - cfr. neste sentido o Acórdão do STJ de 17.10.2017, Processo nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1. Feito este enquadramento prévio, vejamos então se a sentença recorrida enferma da concreta nulidade aqui em análise. Nos termos do disposto no art.º 615º, n.º 1, d), 1ª parte, do CPC, a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).” Esta nulidade está diretamente relacionada com o art.º 608º, n.º 2, do CPC, segundo o qual, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” Tal norma reporta-se à falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar e não de argumentações, razões ou juízos de valor aduzidos pelas partes, aos quais não tem de dar resposta especificada ou individualizada. Daí que possa afirmar-se que a nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia só ocorre quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras). Na situação dos autos, lida a sentença objeto de recurso, verifica-se que da mesma consta expressamente, no segmento dedicado à “Fundamentação de Direito”, o seguinte (como aliás refere o próprio Recorrente nas suas alegações): “Esclareça-se que o Tribunal apenas atendeu aos factos alegados pelo Requerente, no que tange às datas invocadas de incumprimento de visitas pela Requerida em levar a criança J ao Reino Unido para estar com o Requerente, que se mostram temporalmente delimitadas pela data de entrada do seu requerimento inicial e, por tal entre o ano de 2020 e 16.12.2021, sob pena de ficar a requerida impedida de se pronunciar sobre nova factualidade, uma vez que o prazo previsto no artigo 39.º, n.º 4 do Regulamento Geral do Processo Tutelar Cível é igual para ambas as partes e, tendo presente o princípio da estabilidade da instância e o estatuído no artigo 41.º do RGPTC.” O Tribunal a quo tomou posição expressa no sentido de delimitar o seu conhecimento, no que ao incumprimento pela Requerida do regime de visitas se refere, ao período compreendido entre o ano de 2020 e 16.12.2021, o que significa que decidiu não atender aos factos alegados pelo Requerente nas alegações pelo mesmo apresentadas em 02.12.2022, integradores desse incumprimento no ano de 2022. Conforme claramente decorre do exposto, não se verifica a invocada omissão de pronúncia. Efetivamente, o Tribunal a quo não conheceu do alegado incumprimento da Requerida no ano de 2022 mas explicou porque decidiu não o fazer, definindo a sua posição quanto a essa questão. Ou seja, o Tribunal a quo não se limitou a pura e simplesmente omitir o seu conhecimento, o que aí sim, constituiria omissão de pronúncia. Quanto ao acerto dessa decisão, a mesma, no que ao seu fundamento se refere, apenas poderia ser questionada no plano do erro de julgamento. Questão diferente é a que se prende com a omissão do despacho a que alude o art.º 588º, n.º 4, do CPC. Entendendo o Recorrente que perante os factos supervenientes por si invocados nas alegações que apresentou em 02.12.2022 o Tribunal deveria ter proferido despacho, ao abrigo do citado normativo, sobre a sua admissibilidade, então, a omissão desse despacho, traduzindo a omissão de um ato que a lei prescreve, tal como prevê o art.º 195º, n.º 1, do CPC, implicaria uma nulidade processual. E essa nulidade processual deveria ter sido por si arguida no prazo de 10 dias contados desde a data em que foi notificado do despacho que agendou a audiência de julgamento, em conformidade com o disposto no art.º 199º, n.º 1, do CPC. Efetivamente, caso tivesse agido com a devida diligência, teria, nesse momento, detetado a ausência do referido despacho, já que o mesmo, a existir, deveria ter sido proferido em momento anterior ao da designação da data da audiência de julgamento ou, pelo menos, deveria ter sido proferido juntamente com o despacho que designou essa data. Recorde-se ainda que, estando em causa uma nulidade processual que o Recorrente teve oportunidade de arguir antes de notificado da sentença proferida nos autos, não se poderá afirmar que a mesma se repercutiu na dita sentença por forma a determinar a nulidade da mesma. Atento o exposto, conclui-se que a sentença recorrida não enferma da nulidade que lhe é apontada. * - Da nulidade da sentença por falta de fundamentação. Defende ainda o Recorrente que a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação, nos termos do art.º 615º, n.º 1, b) e c), do CPC, já que padece de manifesta desconformidade ou erro entre os elementos probatórios constantes dos autos e a matéria de facto apurada constante da respetiva fundamentação, não se encontrando devidamente fundamentada. Nos termos do disposto no art.º 615º, n.º 1, b), do CPC, a sentença é nula quando “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. E, de acordo com no art.º 615º, n.º 1, c), do mesmo normativo, na parte que aqui nos interessa, quando “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…)”. A nulidade da sentença contemplada nesta alínea c) pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Essa nulidade ocorrerá quando os fundamentos invocados pelo juiz conduzam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto. Como se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.01.2017, processo n.º 8838/12.0T8BVNG.P2.S1, disponível em www.dgsi.pt: “(…) III - A causa de nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c), ocorre quando “há um vício real de raciocínio do julgador em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente. IV – Saber se o enquadramento jurídico feito no acórdão e a conclusão a que nele se chegou são, ou não, acertados ou injustos, constitui matéria de que não cabe curar em sede de nulidade de sentença/acórdão. Trata-se de questão a envolver eventual erro de julgamento e nunca fundamento de nulidade do acórdão, que se prende tão só com a estrutura formal da decisão”. Por outro lado, essa nulidade verifica-se quando existe contradição entre os fundamentos exarados pelo juiz na fundamentação da decisão e não entre os factos provados e a decisão (cfr. neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.01.2018, processo n.º 25106/15.8T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt). Ora, na presente situação, o Recorrente apenas refere, em termos genéricos e sem qualquer concretização, que “A Sentença de que aqui se recorre ignora uma série de elementos existentes nos autos que se afiguram pertinentes ou mesmo decisivos para a decisão a prolatar, nomeadamente documentos juntos pela própria Recorrida, e de onde é possível extrair a sua confissão quanto aos factos alegados pelo Recorrente” e que “O mesmo é dizer que a decisão prolatada pelo Tribunal a quo padece de manifesta desconformidade ou erro entre os elementos probatórios constantes dos autos e a matéria fáctica apurada constante da respetiva fundamentação”. Conforme claramente decorre do exposto, o Recorrente discorda da valoração da prova efetuada pelo Tribunal a quo, entendendo que existe desconformidade entre os elementos de prova constantes dos autos e a decisão relativa à matéria de facto. Ora, como o próprio Recorrente reconhece, o eventual erro na apreciação da prova constitui questão a colocar em sede de impugnação da decisão proferida pelo Tribunal a quo relativamente à matéria de facto, não consubstanciando qualquer nulidade da sentença. Como tal, resta-nos concluir que a sentença não enferma das nulidades que o Recorrente lhe atribui. * - Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto. Para a impugnação da matéria de facto deve a parte observar os requisitos legais previstos no artigo 640º do CPC, incluindo a formulação de conclusões, pois são estas que delimitam o objeto do recurso. Preceitua o citado artigo 640º, do CPC: “1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º.” Sobre essa norma pronunciou-se, entre outros, o Acórdão do STJ de 30.11.2023, processo 556/21.4T8PNF.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, referindo que “Como tem sido enunciado pela jurisprudência deste STJ - ver por todos o ac. de 29.10.2015 no processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1 in dgsi.pt – este regime consagra um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. O ónus primário é integrado pela exigência de concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas als. a), b) e c) do nº1 do citado art.640º, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. O ónus secundário traduz-se na exigência de indicação das exatas passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na al. a) do nº 2 do mesmo art. 640 tendo por finalidade facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência. De acordo com esta delimitação entende-se que, não sendo consentida a formulação ao recorrente de um convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, deverá ter-se atenção se as eventuais irregularidades se situam no cumprimento de um ou outro ónus uma vez que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1 do referido art. 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, enquanto a falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, al. a) terá como sanção a rejeição apenas quando essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo do tribunal de recurso – vd. Abrantes Geraldes in “ Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018, 5ª ed. , págs. 169 a 175.” Por seu lado, a respeito do ónus de alegar e formular conclusões, o art.º 639º, n.º 1, do CPC, determina que “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.” É conhecida a divergência jurisprudencial existente a respeito da aplicação do art.º 640º do CPC e da sua conjugação com o art.º 639º, n.º 1, do mesmo diploma. Face a essa divergência, o STJ, por Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 12/2023 (publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I, de 14.11.2023, com Declaração de Retificação n.º 25/2023), proferido a 17.10.2023, no processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt, uniformizou a jurisprudência no sentido de que “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”. Nesse Acórdão, a propósito dessa temática, é afirmado, designadamente, o seguinte: “Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso. Quando aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso, conforme o n.º1, alínea c) do art.º 640, (…). Em sínteses, decorre do art.º 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.” Em face do exposto, conclui-se que da conjugação do disposto nos artigos 639º, n.º 1 e 640º do CPC, resulta que o ónus primário a cargo do recorrente exige que, pelo menos, sejam indicados nas conclusões da alegação do recurso, com precisão, os concretos pontos de facto da sentença que são objeto de impugnação, sem o que não é possível ao Tribunal de recurso sindicar eventuais erros no julgamento da matéria de facto. Já quanto à alínea a), do n.º 2, do art.º 640º do CPC, a mesma consagra, como vimos, um ónus secundário, cujo cumprimento deverá igualmente ser observado sob pena de rejeição do recurso na parte respetiva, mas que não tem de estar refletido nas conclusões recursivas. Nesse sentido, entre outros, veja-se o Acórdão do STJ de 12.04.2024, proferido no processo n.º 823/20.4T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se escreveu: “IV- O ónus do artigo 640.º do CPC não exige que todas as especificações referidas no seu n.º 1 constem das conclusões do recurso, sendo de admitir que as exigências das alíneas b) e c) do n.º 1 deste artigo, em articulação com o respetivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações.” Tendo presente tudo quanto acima ficou dito, cumpre então analisar a concreta situação dos autos, desde já se adiantando que foram observados pelo Recorrente os ónus exigidos pelo artigo 640º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPC. Começa o Recorrente por referir (em sede de alegações e nos pontos 13. e 14. das respetivas conclusões) que, relativamente ao ano de 2020, o Tribunal a quo apenas deu como provados os seguintes factos: “11. No ano de 2020 a Requerida organizou, pagou e levou ao Reino Unido a criança J para estar com o Requerente/pai nos períodos de 22 a 27 de Fevereiro e de 26 de Agosto a 2 de Setembro. 12. Em 2020 a Requerida e o marido reservaram vários voos para o Reino Unido que foram cancelados pelas Companhias aéreas, apenas tendo conseguido, após o decretamento do estado de emergência pelo Governo Português o voo de Agosto de 2020. 13. A Requerida BB esteve grávida entre Junho de 2020 a Fevereiro de 2021, tendo recomendação médica para não viajar após Dezembro de 2020, em face do seu estado de saúde, tendo sido mãe na data de 14.02.2021.” Defende que essa factualidade deverá ser substituída pela seguinte: a) No ano de 2020, eram as seguintes as datas calendarizadas para os convívios da menina com o Pai, no Reino Unido: 22 a 27 de fevereiro de 2020; 14 a 21 de abril de 2020; 11 a 16 de junho de 2020; 26 de agosto a 2 de setembro de 2020; 24 a 29 de outubro de 2020; 26 de dezembro de 2020 a 2 de janeiro de 2021. b) Destes convívios apenas se realizaram os convívios programados de fevereiro e de agosto. c) No que respeita às viagens a cargo da Requerida, constata-se que apenas os voos relativos ao convívio do mês de abril foram cancelados devido ao COVID-19, de acordo com documento que a mesma apresenta. d) A viagem programada para Junho foi cancelada sem pré-aviso e apesar de os voos inerentes a essa deslocação se terem realizado. e) Os convívios de Outubro e Dezembro de 2020 foram cancelados sem justificação, sendo que nessas datas realizaram-se voos entre Lisboa e Inglaterra. f) No ano de 2020, a Requerida apenas organizou e custeou 1 viagem no ano de 2020, ao invés dos 6 a que estava obrigada. g) A Requerida não aceitou as alternativas propostas pelo Requerente, nomeadamente de este se deslocar a Portugal e recolher a filha para o Reino Unido, desde que às expensas da Requerida. Perante os factos elencados sob as alíneas a) a g) que o Recorrente pretende que sejam considerados como provados em substituição dos contidos nos pontos 11. a 13., constata-se que parte deles já integram o elenco de factos provados. O facto contido na alínea a) já consta do ponto 4. desse elenco, concretamente na parte em que o mesmo reproduz o ponto 11), do “Anexo 2”, no que concerne às “Visitas de 2020”. Também o facto identificado na alínea b) está incluído no ponto 11. do elenco de factos provados, sendo que o Recorrente, conforme claramente resulta das suas alegações, não questiona a demais factualidade contida nesse ponto 11. Assim, inexiste motivo para retirar do elenco de factos provados a factualidade considerada como provada no seu ponto 11., bem como para fazer constar desse mesmo elenco a factualidade que o Recorrente identifica sob as alíneas a) e b). Igualmente inexiste fundamento para fazer constar do elenco de factos provados o facto identificado pelo Recorrente sob a alínea f), o qual está em contradição com o teor das suas alegações recursivas e com o facto que o próprio identifica sob a já referida alínea b). Já quanto ao facto identificado na alínea g), que o Recorrente pretende ver incluído no elenco de factos provados, não foi dado cumprimento ao disposto no art.º 640º, n.º 1, b), do CPC, ou seja, o Recorrente não indicou os concretos meios de prova que impunham que tal facto fosse dado como provado, o que determina a rejeição do recurso no que a essa concreta matéria se refere. Relativamente aos pontos 12. e 13. do elenco de factos provados, os quais o Recorrente pretende ver substituídos por aqueles que elenca sob as alíneas c), d) e e) - e apenas esses estão agora em causa, considerando o que acima ficou dito a propósito dos factos que identifica sob as alíneas a), b), f) e g) -, o Recorrente considera que a Recorrida apenas logrou provar o cancelamento dos voos relativos ao convívio do mês de abril por motivos relativos à contenção da pandemia COVID-19, de acordo com documento que a mesma junta com as suas alegações de 02.12.2022 (Doc. 4), não apresentando, quanto aos outros convívios, quaisquer outros documentos de onde se extraísse o cancelamento de voos. Considera igualmente o Recorrente que as declarações da Recorrida não podem valer, por si mesmas, para este efeito, em especial quando se apresentam em contradição com outros elementos pela própria carreados para o processo, referindo-se aos emails juntos com as referidas alegações da Recorrida de 02.12.2022 como Docs. 5 e 10. Refere o Recorrente que desses emails resulta que o convívio de junho não se realizou por recusa expressa da Recorrida, que alegadamente recearia que a menina viesse a contrair infeção por Covid 19 ao viajar para conviver com o Recorrente. Resulta igualmente que a Recorrida sugere ao Recorrente que este se desloque a Portugal para com ela conviver, a suas expensas, o que acabou efetivamente por suceder. Relativamente à circunstância de a Recorrida, devido a gravidez, ter estado pessoalmente impedida de viajar entre 21 de dezembro de 2020 e fevereiro de 2021, conforme declaração médica que juntou com as respetivas alegações apresentadas em 28.03.2022 (Doc. 1), refere que tal condicionante, a justificar algum incumprimento, apenas justificaria o incumprimento relativo ao convívio de dezembro de 2020, mantendo-se injustificada a não realização de todos os demais. Quanto a tal matéria - substituição da factualidade contida nos pontos 12. e 13. do elenco de factos provados pela identificada nas alíneas c), d) e e) - mostra-se cumprido o disposto no art.º 640º, n.º 1, b), do CPC, pois são identificados os meios probatórios que, de acordo com o Recorrente, impunham decisão diferente da proferida. No entanto, relativamente a esses meios probatórios, importa ter presente que o documento 1, junto com as alegações da Requerida de 28.03.2022, e os documentos 4, 5 e 10, juntos com as alegações da Requerida de 02.12.2022, se encontram redigidos em inglês, não tendo sido juntas as respetivas traduções para português. Ora, na primeira sessão da audiência de julgamento foi proferido o seguinte despacho, já transitado em julgado: “Consigna-se que quaisquer dos documentos juntos por qualquer das partes, e designadamente juntos com as alegações que não se mostrem com tradução junta aos autos, não poderão ser considerados pelo Tribunal, uma vez que só é admissível a produção de prova em língua portuguesa. Desde já de tal se dá conhecimento do ora consignado aos Ilustres Mandatários, pese embora tal resulte da lei (…).” Face a esse despacho, os referidos documentos não podem ser considerados. E não o foram na sentença recorrida. Conforme decorre dessa sentença, concretamente do segmento dedicado à “Fundamentação de facto”, o Tribunal a quo considerou provada a factualidade contida nos pontos 12. e 13. do elenco de factos provados com base nas declarações prestadas pelo Requerente e pela Requerida e no depoimento da testemunha TK, marido da Requerente, referindo que os mesmos “esclareceram o Tribunal quanto (…) as razões que obstaram a que entre Março de 2020 a Agosto de 2020 e entre Outubro de 2020 e Março de 2021 a J não tenha ido ao Reino Unido para estar com o progenitor. Tais declarações e depoimento, embora com algumas discrepâncias e hesitações sobre as datas concretas em que a Requerida organizou e levou a criança J ao Reino Unido nos anos de 2020 e 2021 para estar com o progenitor que se deveram apenas ao tempo entretanto decorrido e, pese embora o percetível latente e aceso conflito ainda existente entre os progenitores (mas que se afigurou ao Tribunal não se ter estendido ao marido da progenitora – testemunha TK - e à relação deste com o Requerente), mostraram-se no essencial consonantes e concordantes entre si, tendo assim sido possível ao Tribunal a prova da factualidade descrita aos pontos 9 a 17.” Nas respetivas contra-alegações a Recorrida defende não assistir razão ao Recorrente relativamente às alterações que pretende ver introduzidas na matéria de facto considerada como provada, designadamente no que se refere ao alegado incumprimento ocorrido no ano de 2020, convocando em defesa da sua posição, precisamente, as referidas declarações prestadas pelo Requerente e pela Requerida, bem como o depoimento prestado pela testemunha TK, procedendo às respetivas transcrições. Ouvimos as referidas declarações e depoimento. Nas declarações que prestou, a Recorrida, para além de afirmar que em 2020 a J foi visitar o pai ao Reino Unido duas vezes, uma no mês de fevereiro e outra no mês de agosto (o que foi confirmado pelo Requerido nas respetivas declarações), explicou que as “medidas pandémicas” a impediram de “conseguir viajar mais”, que tentou reagendar “as viagens já marcadas, mas acabaram por ser anuladas pela companhia aérea”, que depois de fevereiro de 2020 “as datas escolhidas (…) tiveram em conta o que as medidas pandémicas, naquela altura, ditavam, também se havia voos, bilhetes disponíveis no período escolhido”. Das suas declarações decorre igualmente que a realização das viagens da J ao Reino Unido foi condicionada pela sua gravidez, tendo sido mãe no dia 14.02.2021. Por seu lado, a testemunha TK confirmou que no ano de 2020 marcaram viagens para a J visitar o pai no Reino Unido que acabaram por ser canceladas, decorrendo do seu depoimento, em sintonia com as declarações da Requerida, que tal situação se ficou a dever às medidas implementadas devido à pandemia provocada pela Covid 19. Declarou que “na altura de Abril 2020, os voos estavam cancelados”, que “acho que PK foi a primeira pessoa que cancelou a viagem, porque não tinha voos e depois nós tivemos duas vezes, quando os voos não estavam disponíveis. Fizemos o booking, mas a Easyjet cancelou e eu me lembro que, na altura de Agosto, teve uma pequena janela aberta para viajar e nós fizemos a viagem imediatamente”. Declarou que “Depois (…) a BB, a minha esposa ficou grávida, Outubro de 2021, ela tinha problemas com o parto e com o lockdown, não era possível viajar. E C nasceu em Fevereiro de 2021. A única vez que a BB cancelou o voo mesmo, por decisão dela, foi em Dezembro, quando foi o lockdown total e ela estava muito grávida com C e não quer arriscar, porque nesta altura foi a mais pior da pandemia. Depois a situação mundial piorou e em Janeiro o PK cancelou também e obviamente em Fevereiro foi o parto de C”. Decorreu ainda do seu depoimento que na altura a sua situação profissional e a necessidade de dar apoio à Requerida não lhe permitiam acompanhar a J numa viagem ao Reino Unido, sendo que não dispunham de qualquer outro apoio familiar. Note-se que de tais declarações e depoimento se mostram absolutamente credíveis, pois é do conhecimento público que em 2020 foram adotadas medidas de combate à Covid 19 que implicaram restrições nos voos de todas as companhias aéreas. Note-se ainda que o próprio Recorrente no artigo 37 das alegações que apresentou em 02.12.2022 refere que “se viu impossibilitado de viajar a Portugal para conviver com a filha no 1.º semestre de 2020, apenas conseguindo viajar para ver a menina a Portugal no mês de janeiro, por força do cancelamento das suas viagens programadas para março e maio desse ano”. Se o próprio Recorrente afirma que se viu impossibilitado de viajar para Portugal devido ao cancelamento das suas viagens, é de admitir que a Recorrida se tenha confrontado com idêntica dificuldade. É igualmente credível que o avançado estado de gravidez em que a Requerida se encontrava em Dezembro de 2020 (veja-se que foi mãe em 14.02.2021) desaconselhasse a realização, nessa altura, de viagens de avião. Refira-se, por fim, que a autorização excecional de deslocações por razões familiares imperativas a que alude o Recorrente, designadamente para o cumprimento de partilha de responsabilidades parentais, pressupunha, naturalmente, a efetiva realização de voos por parte das companhias aéreas. Se os voos não forem realizados de nada servirá a referida autorização excecional. Aqui chegados e em face de tudo o que acima ficou exposto, entendemos que da prova produzida resulta a demonstração, pela Requerida, dos factos contidos nos pontos 12. e 13. do elenco de factos provados, inexistindo justificação para a substituição dos mesmos pelos factos que o Recorrente identifica nas alíneas c), d) e e). Nessa medida, no que à factualidade em causa se refere, improcede o recurso em apreço. Refere o Recorrente (em sede de alegações e igualmente nos pontos 13. e 14. das respetivas conclusões) que, relativamente ao ano de 2021, o Tribunal a quo apenas deu como provados os seguintes factos: “14. No ano de 2021 a Requerida organizou, pagou e levou ao Reino Unido a criança J para estar com o Requerente/pai em Abril, por 8 noites; em Agosto por dois períodos diferentes, cada um deles por 7 noites seguidas, totalizando um período de 14 noites; em Outubro por 7 noite; e em Dezembro por 7 noites. 15. O Requerido não aceita reorganizar as datas de planificação das visitas a que a Requerida está obrigada a levar a J para estar consigo no Reino Unido, tendo em conta o calendário escolar português da J, querendo manter as datas fixadas no Anexo 2 referido no ponto 4. dos factos provados.” Se bem entendemos, o Recorrente defende que a factualidade contida no ponto 14. deverá ser substituída pela seguinte: a) No ano de 2021 a Requerida custeou apenas duas visitas de J ao pai no Reino Unido, no Verão e no Natal. b) A J apenas pernoitou com o Requerente em 13 das suas 73 noites de férias de Verão em 2021. c) O Requerente viajou em Abril e no final de Maio para Portugal, para ir recolher a filha a Portugal e levá-la ao Reino Unido, suportando todos os custos que cabiam à Requerida. d) Além destas deslocações ao Reino Unido, o Requerente deslocou-se a Portugal outras 2 vezes, acomodando a menina neste país, nas seguintes datas: 7 a 12 de outubro de 2021; e 18 a 23 de novembro de 2021. e) A J conviveu apenas 7 das 12 vezes em que tais convívios se deveriam ter realizado. Relativamente à factualidade contida no ponto c), o Recorrente refere que a mesma resulta do doc. 10 junto com as alegações da Requerida de 02.12.2022, cumprindo, nessa medida, com o disposto no art.º 640º, n.º 1, b), do CPC. No entanto, conforme já acima assinalamos, encontrando-se esse documento redigido em inglês sem que tenha sido junta aos autos a respetiva tradução para português, o seu teor não poderá ser considerado. E, na ausência de indicação de qualquer outro meio de prova do qual resulte a factualidade contida na citada alínea c), não poderá a mesma ser considerada como provada, improcedendo, no que à mesma concerne, o presente recurso. Já quanto à substituição da factualidade contida no ponto 14. do elenco de factos provados pela contida nas alíneas a), b), d) e e), não foi dado cumprimento ao disposto no art.º 640º, n.º 1, b), do CPC, ou seja, o Recorrente não indicou os concretos meios de prova que impunham a pretendida alteração, o que determina a rejeição do recurso no que a essa concreta matéria se refere. Por fim, o Recorrente defende que não se poderá manter a factualidade contida no ponto 15. do elenco de factos provados (pontos 15. e 16. das conclusões recursivas), indicando que tal resulta da proposta que juntou com as suas alegações de 02.12.2022 (e que pensamos ser o documento 5 junto com essas alegações, referenciado no respetivo artigo 138). Cumpriu o Recorrente, quanto a tal matéria, o disposto no art.º 640º, n.º 1, b), do CPC. Sucede que, conforme resulta do teor do artigo 138 das referidas alegações, essa proposta refere-se ao ano de 2023, ou seja, a período não considerado na sentença objeto de recurso, na qual, em sede de “Fundamentação de Direito”, expressamente se esclareceu que “o Tribunal apenas atendeu aos factos alegados pelo Requerente, no que tange às datas invocadas de incumprimento de visitas pela Requerida em levar a criança J ao Reino Unido para estar com o Requerente, que se mostram temporalmente delimitadas pela data de entrada do seu requerimento inicial e, por tal entre o ano de 2020 e 16.12.2021.” Assim sendo, improcede também quanto a tal matéria o presente recurso. O Recorrente pretende ainda ver aditada ao elenco de factos provados factualidade reportada aos anos de 2022 e 2023, a qual descreve, conforme refere nas suas alegações recursivas e, concretamente, nos pontos 13. e 14. das respetivas conclusões. Como acima referimos, o Tribunal a quo delimitou o seu conhecimento aos factos ocorridos nos anos de 2020 e 2021. Tal significa que os factos relativos aos anos de 2022 e 2023 ficaram excluídos do âmbito do presente processo, a implicar que o recurso, no que a essa concreta matéria se refere, não possa ser objeto de conhecimento, o que aqui expressamente se declara. Cumpre esclarecer que o Recorrente apenas questionou o fundamento dessa decisão, manifestando o seu desacordo quanto à mesma, em sede da arguição da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, o que fez no corpo das alegações recursivas. Como já acima tivemos oportunidade de referir aquando da apreciação da questão relativa a essa nulidade, o acerto dessa decisão, no que ao seu fundamento se refere, apenas poderia ser questionado no plano do erro de julgamento. No entanto, conforme claramente decorre da leitura das conclusões do recurso em análise, em ponto algum das mesmas essa questão é identificada como fundamento da alteração da decisão proferida, como exige o disposto no art.º 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC, o que significa que tal questão, manifestamente de direito, não poderá ser objeto de conhecimento no âmbito deste recurso. Saliente-se ainda que essa questão foi completamente omitida nas conclusões recursivas, motivo pelo qual não é aqui aplicável o disposto no n.º 3 do referido art.º 639º do CPC. * - Da alteração da decisão proferida no sentido da verificação do incumprimento. Mantendo-se inalterado o quadro factual considerado pelo Tribunal a quo importa agora indagar se é de manter a decisão jurídica da causa que julgou improcedente o presente incidente de incumprimento. Considera o Recorrente/Requerente que a Recorrida/Requerida incumpriu o regime de regulação das responsabilidades parentais estabelecido relativamente à filha de ambos no que se refere ao regime de visitas, concretamente, às viagens anuais a realizar pela J ao Reino Unido para aí conviver com o pai, viagens essas a organizar e custear pela mãe. Considera igualmente o Recorrente/Requerente que esse incumprimento é imputável à Recorrida/Requerida a título de culpa, devendo a mesma ser condenada em multa e no pagamento de indemnização pelos danos causados por esse incumprimento ao Recorrente/Requerente e à filha de ambos. Analisemos. Nos termos do art.º 41º, n.º 1, do RGPTC, “Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos”. O citado normativo tem como pressuposto uma situação de incumprimento do regime fixado de regulação das responsabilidades parentais. Esse incumprimento deve ser imputável ao incumpridor, ou seja, deve ser culposo, seja em termos de dolo ou negligência. Por outro lado, atento o princípio geral da boa fé vertido na regra geral do art.º 762º, n.º 2, do CC, esse incumprimento deve ser relevante, ou seja, deve assumir alguma gravidade, o que significa que incumprimentos sem expressão ou sem gravidade são irrelevantes. E essa gravidade afere-se pelos interesses que se visam proteger com a fixação do regime de regulação das responsabilidades parentais: em primeira linha o superior interesse da criança; e, em segunda linha, o direito/dever do progenitor não residente a conviver com o filho. Não há uma definição legal do que é o interesse da criança. Trata-se, conforme escreve Maria Clara Sottomayor (“Regulação do Exercício do Poder Paternal nos casos de Divórcio”, pág. 42 e ss), de um conceito “vago e genérico utilizado pelo legislador, de forma a permitir ao juiz alguma discricionariedade, bom senso e alguma criatividade, e cujo conteúdo deve ser apurado no caso concreto”, somente podendo “ser encontrado em função de um caso concreto, situado no tempo e no espaço, através de uma perspetiva sistémica e disciplinar (…) já que o processo de desenvolvimento é uma sucessão de estádios, com características e necessidades próprias”. É inquestionável que o contacto do menor com o progenitor a quem não foi confiada a sua guarda e a manutenção com este de uma relação continua se enquadra no superior interesse da criança, assumindo por isso o regime de visitas uma importância primordial no seu crescimento equilibrado. Nesse sentido, o n.º 7 do art.º 1906º do CC prevê que “O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”. Atento o exposto e tal como se refere no acórdão desta RL de 26.05.2022, processo n.º 2626/19.0T8GMR-I.L1-6, disponível em www.dgsi.pt, “podemos sintetizar que o “incumprimento” para efeitos do artº 41º nº 1 do RGPTC há-de consistir: (i) na inobservância, por um dos progenitores (ou por terceiro) de um dos deveres que para ele resulta do Regime Fixado da Regulação das Responsabilidades Parentais; (ii) que seja um não cumprimento imputável (causado com dolo ou negligência); (iii) que revista alguma gravidade/relevância; (iv) aferida à luz do Superior Interesse da Criança/menor e do direito/dever do outro progenitor.” No que à condenação no pagamento de indemnização se refere, prevista no citado art.º 41º, n.º 1, do RGPTC, é ainda necessário que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos no art.º 483º, n.º 1, do CC. Ou seja, é necessário que se verifique um incumprimento ilícito e culposo do qual tenham resultado danos efetivos para o Requerente, para a criança ou para ambos. Vejamos então se na situação dos autos se verificou o incumprimento, pela Recorrida/Requerida, do regime de regulação das responsabilidades parentais relativamente à filha de ambos no que se refere às viagens anuais a realizar pela J ao Reino Unido para aí conviver com o pai, viagens essas a organizar e custear pela Recorrente/Recorrida. E, a concluir-se por esse incumprimento, se o mesmo lhe é imputável, ou seja, se o mesmo é culposo, e se é relevante. Previamente, tendo em conta que estão em causa os anos de 2020 e 2021, será relevante referir aqui que os mesmos ficaram marcados, como é do conhecimento público, pelo surto do vírus SARS-Cov-2 e pela doença COVID19. A tal propósito, como bem se refere na sentença objeto de recurso, cumpre ter presente que “(…) em Março de 2020 teve início a situação pandémica causada pelo surto do vírus SARS-Cov-2 e da doença COVID19, no âmbito da prevenção de saúde pública e do pânico generalizado no Mundo inteiro, face à dimensão da doença e à rápida proliferação e desconhecimento das causas e consequências de tal vírus e doença. O Estado de Emergência, foi decretado pelo Decreto do Presidente da República n.º 14- A/2020, de 18 de Março, e veio a ser sucessivamente renovada pelos Decretos do Presidente da República n.º 17-A/2020, de 2 de Abril e n.º 20-A/2020, de 17 de Abril, que mantiveram o estado de emergência decretado entre 16 de Março de 2020 e 2 de Maio de 2020. Em 6 de Novembro de 2020 a Assembleia da República aprovou a Resolução n.º 83-A/2020, através da qual autorizou o Presidente da República a declarar o estado de emergência até ao dia 23 de Novembro – pelo Decreto do Presidente da República n.º 51-U/2020 – (no início de Maio de 2020, depois de três declarações do estado de emergência, o país passou para o estado de calamidade, possibilitando uma gradual reabertura de vários setores de atividade. No entanto, em 20.11.2020, a Assembleia da República aprovou a Resolução n.º 87-A/2020, através da qual autorizou o Presidente da República a renovar a declaração do estado de emergência até ao dia 8 de Dezembro (Decreto do Presidente da República n.º 59-A/2020), que veio a ser renovado até ao dia 23 de Dezembro (Decreto o Presidente da República n.º 61-A/2020), novamente renovada até ao dia 7 de Janeiro de 2021 (Decreto do Presidente da República n.º 66-A/2020). Em 06.01.2021 a Assembleia da República veio novamente a aprovar a Resolução n.º 1- A/2021, através da qual autorizou o Presidente da República a renovar a declaração do estado de emergência até 15 de Janeiro de 2021 (Decreto do Presidente da República n.º 6-A/2021). Em 13.01.2021 a Assembleia da República aprovou a Resolução n.º 1-B/2021, através da qual modificou a autorização anteriormente dada, com efeitos a 14 de Janeiro de 2021, e autorizou o Presidente da República a declarar o estado de emergência até ao dia 30 de Janeiro (Decreto do Presidente da República n.º 6-B/2021). Tal declaração do estado de emergência veio a ser renovada até ao dia 14 de Fevereiro (Decreto do Presidente da República n.º 9-A/2021), após, até ao dia 1 de Março (Decreto do Presidente da República n.º 11-A/2021), prolongada até 16 de Março pelo Decreto do Presidente da República n.º 21-A/2021 e, após até 31 de Março (Decreto do Presidente da República n.º 25-A/2021), tendo ainda sido renovada até 15 de Abril (Decreto do Presidente da República n.º 31-A/2021) e por último renovada a declaração do estado de emergência até ao 30 de abril (Decreto do Presidente da República n.º 41-A/2021).” Tendo presente este concreto contexto, analisemos então se ocorreu o incumprimento invocado pelo Recorrente/Requerente, se o mesmo é imputável à Recorrida/Requerida e se é relevante. Comecemos pelo ano de 2020. Conforme resulta da factualidade provada, nesse ano estavam previstas 6 viagens da J ao Reino Unido para aí passar tempo com o pai nos seguintes períodos: - 22 a 27 de fevereiro de 2020; - 14 a 21 de abril de 2020; - 11 a 16 de junho de 2020; - 26 de agosto a 2 de setembro de 2020; - 24 a 29 de outubro de 2020; - 26 de dezembro de 2020 a 2 de janeiro de 2021. Nesse ano a Requerida organizou, pagou e levou ao Reino Unido a J para estar com o pai nos períodos de 22 a 27 de Fevereiro e de 26 de Agosto a 2 de Setembro. Ainda nesse ano, a Requerida/Recorrida e o marido reservaram vários voos para o Reino Unido que foram cancelados pelas companhias aéreas, apenas tendo conseguido, após o decretamento do estado de emergência pelo Governo Português, o voo de Agosto de 2020. Acresce que a Requerida/Recorrida esteve grávida entre Junho de 2020 a Fevereiro de 2021, tendo recomendação médica para não viajar após Dezembro de 2020, em face do seu estado de saúde, tendo sido mãe na data de 14.02.2021. Sendo esta a factualidade a considerar relativamente ao ano de 2020, temos por seguro que a Recorrida/Requerida incumpriu, nesse ano, o plano de viagens da J ao Reino Unido para aí conviver com o pai. Efetivamente, das seis viagens previstas para esse ano apenas duas foram realizadas, ambas por si organizadas e custeadas. No entanto, entendemos que esse incumprimento, tal como se decidiu na sentença recorrida, não lhe é imputável. De facto, os demais voos reservados pela Recorrida/Requerida após a declaração do estado de emergência decretado pelo Governo Português em Março de 2020 foram cancelados pelas companhias aéreas. Acresce que a Requerida/Recorrida esteve grávida entre junho de 2020 e fevereiro de 2021, tendo recomendação médica para não viajar após dezembro de 2020. E, note-se, perante o contexto que então se vivia, com o risco de contaminação do vírus SARS-Cov-2 e da doença COVID19, era de todo desaconselhável que a Recorrida/Requerida, que então se encontrava grávida, o fizesse. Mais, essas viagens representavam um risco para a saúde da própria J. Diga-se ainda que da prova produzida nada resulta quanto à concreta possibilidade de a J ser acompanhada nas suas viagens ao Reino Unido por outra pessoa que não a Requerida/Recorrida, designadamente, que o seu marido tivesse disponibilidade para o efeito (considerando as suas responsabilidades profissionais e familiares) ou que o Recorrente/Requerente se tenha disponibilizado a deslocar-se a Portugal para recolher a filha e levá-la consigo para o Reino Unido, desde que a expensas da Requerida (o mesmo valendo para o ano de 2021). Entendemos, face ao exposto, que o incumprimento da Recorrida/Requerida verificado no ano de 2020 está justificado, não sendo, como tal, culposo. Prosseguindo para o ano de 2021. Com relevo para as viagens a realizar pela J ao Reino Unido nesse ano para aí passar tempo com o pai, foi estipulado o seguinte, conforme resulta do “Anexo 2” da decisão proferida pelo Tribunal de Família de Portsmouth em 2019: “(…) 1) A mãe organizará a ida de J ao Reino Unido para passar tempo com o pai 6 vezes por ano. Para evitar dúvidas, a mãe suportará os custos dos voos da J para essas visitas; (…) 7) Há uma expectativa de progressão do tempo com o pai durante as férias da escola de J, de modo a que a partir de 2021 as férias da pré-escola/escola de J sejam partilhadas de forma igual entre os pais. Notificação das visitas 8) Para visitas de 1 de janeiro de 2021 em diante, as partes deverão acordar por escrito as datas de cada visita com pelo menos 3 meses de antecedência. A mãe deverá sugerir as datas das viagens de J para o Reino Unido com pelo menos 6 meses de antecedência (…). Em caso de desacordo, as visitas deverão ocorrer em datas tão próximas das datas estipuladas para 2020 quanto possível, sendo permitida alterações para: a. Mudanças de horário das férias escolares, b. A alternância dos encontros no dia de aniversário, no dia de Natal e na véspera de Ano Novo, (…) No caso das partes não conseguirem acordar as datas, devem entrar em mediação para resolver qualquer questão disputada na primeira oportunidade. Contactos cara-a-cara 9) Até 2021, a mãe deverá organizar as viagens de J para o Reino Unido para tempo com o pai da seguinte forma: a. 5 noites nas férias a meio do período da Primavera (normalmente em Fevereiro), b. 7 noites para as férias da Páscoa (normalmente na primeira semana das férias da Páscoa de J), c. 5 noites em Junho (calendarizadas para ocorrer perto do feriado do Corpo de Deus), d. 7 noites na última semana de Agosto/primeira semana de Setembro. e. 5 noites nas férias a meio do período de Outono (normalmente em Outubro), f. 7 noites em Dezembro/Janeiro de modo a incluir o dia de Natal (ma não a véspera de Ano Novo) nos anos ímpares e a véspera de Ano Novo (mas não o dia de Natal) nos anos pares. A partir de (e incluindo) o verão de 2021 espera-se que todas as férias sejam partilhadas de forma igual entre os pais.” Provou-se que no ano de 2021 a Recorrida/Requerida organizou, pagou e levou ao Reino Unido a J para estar com o pai nos seguintes períodos: - em Abril, por 8 noites; - em Agosto, por dois períodos diferentes, cada um deles por 7 noites seguidas, totalizando um período de 14 noites; - em Outubro, por 7 noites; e, - em Dezembro, por 7 noites. Provou-se que o Recorrente/Requerido não aceita reorganizar as datas de planificação das visitas a que a Recorrida/Requerida está obrigada a levar a J para estar consigo no Reino Unido, tendo em conta o calendário escolar português da J, querendo manter as datas fixadas no já referido “Anexo 2”. Mais se provou que na data de 15 de Novembro de 2021 I, mediadora familiar, declarou por escrito, para além do mais que: “(…) confirmo que conduzi quatro sessões de mediação familiar entre BB e PK visando estabelecer um Acordo sobre as Responsabilidades Parentais respeitantes à filha de ambos, J. Uma vez que a mediada tomou a decisão de não prosseguir o processo de mediação, o mesmo foi encerrado em Maio de 2021”. Sobre esse assunto e sobre o agendamento das viagens, no dia 22.07.2021, às 10:48:29, a Recorrida/Requerida enviou uma mensagem via email ao Recorrente/Requerente, da qual, além do mais, consta: “(…) Infelizmente não posso continuar a mediação neste momento, pois é impossível para mim mental e logisticamente. A maioria das sessões não incidia sobre a planificação das visitas e, se chegássemos a algum acordo, tu quererias mais na próxima sessão. Também acho que a os envios pela lida das mensagens de texto que tu lhe enviaste sobre mim não ajudam a resolver a situação. Isto, a par da preparação para o tribunal, ter um bebé de 5 meses e organizar viagens para o verão, não consigo continuar. A minha proposta está em baixo. - A ordem judicial foi redigida em 2019, com base no sistema escolar inglês, pelo que tem que ser ligeiramente alterada para se adaptar ao horário escolar português da J, à alteração de necessidades e ao que é realista para ambos. - Tentei mantê-lo em linha com as datas especificadas na ordem de 2019, como pediste … com exceções para a mudança no horário escolar que se aproxima, uma vez que ela não tem férias de meio de período em Portugal. - Considerei os desejos e necessidades atuais da J. Tu (e a J) confirmaram que a J estava angustiada e a chorra à noite durante a sua visita de 8 noites em junho. Nete momento, ela ainda está reticente, não quer ficar fora mais de 5 noites. Dito isto, ainda estou disposta a comprometer-me com as visitas de 1 semana e vemos como corre este agosto. (…) 2021 5 a 12 de agosto Reino Unido (7) Recolha em Lisboa entrega em Hoverport, RU 34 a 31 de agosto Reino Unido (7) Recolha e entrega no Reino Unido 7 a 12 de outubro PT (5) Recolha às 16h15 e entrega às 9h00 no Externato (…) Nov 11-16 PT (5) Recolha às 16h15 e entrega às 9h00 no Externato (…) + presença no Ntala PT Dez 20-27 RU (7) Recolha no aeroporto no RU, entrega em Hoverport, RU (…).” Depois, no dia 05.08.2021, às 10h19, a Recorida/Requerida enviou uma nova mensagem via email ao Recorrente/Requerente, constando da mesma, além do mais, que: “(…) Quanto à planificação das visitas … Enviei-te uma folha de cálculo para 2021/2022, acho que já te enviei 4 ou 5 propostas. Eu preferia ter um calendário claro de futuro, em vez de fazer um todos os anos, uma vez que é agosto e não poder fazer planos é difícil para a J. (…)”. No dia 06.08.2021, às 16:22:41, o Requerente respondeu à comunicação supra referida, tendo escrito: “Compreendo, contudo, nesta fase, não estou de acordo com as tuas propostas, um avez que não estão alinhadas com as Regulações Judiciais de 2019 e 2021. Assim que estivermos de acordo, poderemos ter um calendário claro.” Perante a factualidade assinalada, importa desde logo ter presente que o ano de 2021, pelo menos até abril de 2021, ficou igualmente marcado, nos termos que acima ficaram expostos, pelo surto do vírus SARS-Cov-2 e pela doença COVID19, com os condicionamentos de circulação e riscos para a saúde da generalidade das pessoas daí resultantes. Por outro lado, não se poderá esquecer a circunstância relativa à gravidez da Recorrente/Requerida que, como vimos, teve recomendação médica para não viajar após Dezembro de 2020, tendo sido mãe na data de 14.02.2021, não lhe sendo exigível que depois de ter sido mãe em fevereiro de 2021 e vendo-se a braços com um recém-nascido a necessitar dos seus cuidados diligenciasse de imediato pela deslocação da J ao Reino Unido. Compreende-se, face às duas circunstâncias acima assinaladas, que a primeira viagem da J ao Reino Unido apenas tenha tido lugar em abril de 2021. É certo que para esse ano de 2021 estavam previstos 6 convívios da J com o pai no Reino Unido e que a Recorrida/Requerida apenas organizou e custeou cinco desses convívios. Provou-se que o Recorrente/Requerido não aceita reorganizar as datas de planificação das visitas a que a Recorrida/Requerida está obrigada a levar a J para estar consigo no Reino Unido, tendo em conta o calendário escolar português da J, querendo manter as datas fixadas no já referido “Anexo 2”. Saliente-se, a tal propósito, que a Recorrida/Requerente, através do seu email de 22.07.2021, explicou ao Recorrente/Requerente os motivos pelos quais decidiu não prosseguir com o processo de mediação, sendo que da factualidade provada não decorre que esse processo tenha tido qualquer utilidade para a resolução da questão relativa aos convívios da J com o pai no Reino Unido. Conforme decorre desse “Anexo 2”, consta do respetivo ponto 8) que “Em caso de desacordo, as visitas deverão ocorrer em datas tão próximas das datas estipuladas para 2020 quanto possível”. E, depois, sob o ponto 9), no que concerne ao ano de 2021, consta que “a mãe deverá organizar as viagens de J para o Reino Unido para tempo com o pai da seguinte forma: a. 5 noites nas férias a meio do período da Primavera (normalmente em Fevereiro), b. 7 noites para as férias da Páscoa (normalmente na primeira semana das férias da Páscoa de J), c. 5 noites em Junho (calendarizadas para ocorrer perto do feriado do Corpo de Deus), d. 7 noites na última semana de Agosto/primeira semana de Setembro. e. 5 noites nas férias a meio do período de Outono (normalmente em Outubro), f. 7 noites em Dezembro/Janeiro de modo a incluir o dia de Natal (ma não a véspera de Ano Novo) nos anos ímpares e a véspera de Ano Novo (mas não o dia de Natal) nos anos pares. A partir de (e incluindo) o verão de 2021 espera-se que todas as férias sejam partilhadas de forma igual entre os pais.” Ora, conforme decorre do que acima já foi dito, relativamente ao convívio que deveria ter tido lugar no mês de fevereiro, o incumprimento da Recorrida/Requeria encontra-se justificado, não se podendo considerar culposo. Quanto ao convívio que deveria ter tido lugar em junho, a verdade é que o mesmo foi compensado em agosto, mês em que foram realizados dois convívios em vez de apenas um. Nessa medida, pese embora da factualidade provada não decorra qualquer facto que possa justificar o incumprimento relativo ao mês de junho, a verdade é que dessa factualidade também nada resulta que permita concluir pela relevância ou gravidade desse incumprimento, desde logo face à compensação ocorrida no mês de agosto. Por fim, a propósito do ponto 7) do “Anexo 2”, o Recorrente /Requerente refere que em vez de respeitar o que está estabelecido no regime, no sentido de que ambos os progenitores devem partilhar as férias de verão da J de forma igual, a Recorrida/Requerida tem vindo a impor-lhe a passagem de férias interpoladas com a menina, de modo a que a mesma possa estar com a família alargada materna. Quanto a tal matéria, e com referência ao ano de 2021, cumpre referir que tal imposição por parte da Recorrida/Requerida, designadamente com o referido objetivo, não resultou provado. Aqui chegados, atento tudo quanto ficou exposto, resta-nos concluir pela total improcedência do presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida. * V. Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível abaixo identificados em julgar improcedente o presente recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente. Registe. Notifique. * Lisboa, 16/01/2025, Susana Mesquita Gonçalves Paulo Fernandes da Silva Pedro Martins |