Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
169/24.9YHLSB.L1-PICRS
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLECTIVAS
DENOMINAÇÃO SOCIAL
RECURSO
CONTAGEM DO PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/21/2025
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. O prazo de recurso judicial de despacho admissão de «certificado de admissibilidade de denominação, referido na al. a) do n.º 1 do art.º 63.º do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio (RJRNPC) era, à data da prolação da decisão judicial criticada, de 30 dias contados da data da notificação do acto recorrido ou do seu conhecimento pelo impugnante. nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 69.º de tal encadeado normativo;
II. A impugnação judicial do despacho que tenha deferido uma denominação deve ser apresentada perante o Registo Nacional de Pessoas Colectivas, «mediante requerimento em que são expostos os seus fundamentos, acompanhado por todos os meios de prova e, se for o caso, requerendo as diligências que considere necessárias à prova da sua pretensão», de acordo com o estabelecido nos n.ºs 1 e 2 do art.º 70.º do encadeado normativo sob referência;
III. Trata-se de uma pretensão perante a qual a autoridade administrativa figura como destinatária e decisora (ou porque já decidiu o recurso hierárquico ou porque é chamada pela primeira vez a sustentar ou reparar a sua decisão administrativa anterior);
IV. Só depois de decidir o RNPC remete o processo ao Tribunal para apreciação do recurso judicial;
V. O processado administrativo que é gerado pela denominada «impugnação judicial» só é «judicial» após decisão administrativa e apenas o é se essa decisão administrativa tiver sido proferida em determinado sentido, id est, se sustentar a decisão impugnada;
VI. Tudo tem, a esse nível e nessa fase, natureza administrativa, atenta a própria natureza do órgão decisor e da matéria na sua configuração anterior à assunção de relevo judicial;
VII. Todo o processado praticado na fase em referência tem natureza administrativa, tendo, consequentemente, natureza administrativa também o prazo estabelecido no art.º 69.º do RJRNPC e submissão, na sua contagem, ao estabelecido no Código do Procedimento Administrativo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão liminar nos termos do artigo 656.º do Código de Processo Civil:
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I. RELATÓRIO                  
A SOCIEDADE PORTUGUESA DE ORTODONTIA, com os sinais identificativos constantes dos autos, deduziu impugnação judicial em primeira instância do despacho de 07.02.2024 da Sra. Directora do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, nos termos enunciados no parágrafo seguinte.
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:
SOCIEDADE PORTUGUESA DE ORTODONTIA, pessoa colectiva n.º …, com sede na Praça …, Porto, veio interpor recurso de impugnação judicial do despacho de 07.02.2024 da Directora do Registo Nacional de Pessoas Colectivas que sustentou o deferimento do pedido de certificado de admissibilidade da denominação Sociedade Portuguesa de Ortodontia e Ortopedia Dento-Facial, com sede no Porto e com o objecto social “a) Fomentar o progresso da Ortopedia Dento-Facial e ortodontia e defender a dignidade e prestígio da especialidade; b) Incentivar o intercâmbio científico com outras associações ou entidades, nacionais ou estrangeiras; c) Difundir a actualização de conhecimentos no domínio da Ortopedia Dento-Faciaal e ortodontia; d) Apoiar o aperfeiçoamento e progressão profissional dos seus membros, no âmbito da formação pré e pós-graduada; e) Organizar ou colaborar na organização de congressos, seminários, conferências, reuniões científicas de formação contínua, cursos livres e outras actividades similares; f) Promover a realização de acções de formação e de actualização científica ou técnica, abertas a membros ou a não membros da Sociedade; g) Fomentar a divulgação dos benefícios da Ortopedia Dento-Facial e Ortodontia, a nível profissional e público; h) Promover a publicação de revistas ou Atas da Sociedade, com carácter periódico; i) Zelar pelo cumprimento das normas de ética profissional dos seus membros.”

O pedido de admissibilidade da denominação da sociedade recorrida foi deferido com fundamento em que a inclusão na denominação recorrida da expressão “ortopedia dento-facial” não é inócua, tornando as denominações em confronto suficientemente distintas, não existindo fundamento para declarar a perda do direito à sua utilização, entendendo que não há possibilidade de confusão ou imitação.

Alega, em síntese, a Recorrente que a denominação deferida à recorrida fere os princípios da novidade, da exclusividade e da capacidade distintiva, das quais uma firma deve dispor para ser deferida pelo órgão de registo.

No caso, a denominação da recorrente foi completamente assumida pela denominação da recorrida, apenas com o acréscimo dos termos “e Ortopedia Dento-Facial.”

E, sendo a recorrente uma referência nacional com associados espalhados por todo o país, com uma actuação e actividade científica, patentes não deveria haver outra Sociedade Portuguesa de Ortodontia a não ser, exclusivamente, a recorrente.

Mais alega que a denominação deferida provoca uma chocante confusão por parte do consumidor médio que se estende às redes sociais, plataformas que têm uma importância capital na captação de clientes/ consumidores, tornando-se claro que o consumidor médio ou até o agente económico, poderá criar uma ligação entre a recorrente e a recorrida, podendo esta vir a usufruir, económica, comercial e negocialmente desta confusão, atento o prestígio a credibilidade que a recorrente tem no mercado.

No despacho de remessa do processo para o tribunal (cfr. ref.ª … 29), o RNPC, invoca a extemporaneidade da impugnação judicial interposta em 11.04.2024 da decisão que foi notificada à recorrente em 23.02.2024, atento o prazo de 30 dias para o efeito previsto no art.º 69.º, n.º 1 do Regime do RNPC aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/98 de 13.05.

Notificada para se pronunciar querendo sobre a alegada extemporaneidade do recurso de impugnação, a recorrente vem dizer que remeteu a impugnação ao RNPC, por via postal, no dia 09.04.2024 e enviou a mesma por correio electrónico, no dia 10.04.2024.

O cumprimento do prazo, para a interposição da impugnação, não pode estar dependente da diligência dos serviços postais, ou da recepção da missiva por parte da entidade administrativa e a recusa que a sua contagem seja efectuada nos termos do processo civil, uma vez que, no momento da propositura da impugnação, não existe processo judicial.

Pelo contrário, o litígio teve origem de uma decisão da Administração Pública, que, no âmbito do procedimento administrativo, houve uma primeira “oposição”, mediante recurso hierárquico, ao mérito daquele ato e o artigo 66º do DL n.º 129/98, de 13 de Maio (Regime jurídico do Registo Nacional de Pessoas Colectivas doravante RJRNPC) é bastante claro no normativo legal supletivo a aplicar: “Ao recurso hierárquico é aplicável, subsidiariamente, o disposto no Código do Procedimento Administrativo”.

Mesmo que fossem aplicadas as normas do processo civil, a impugnação tinha sido apresentada em prazo.

Termina pedindo se considere a impugnação tempestiva, ou caso assim não se entenda se considere a impugnação tempestiva, mediante a liquidação da multa prevista no artigo 139º nº 5 alínea b) do CPC.
(…)
O RNPC sustenta que o recurso de impugnação judicial é extemporâneo, por ter sido interposto pela Recorrente decorrido o prazo de 30 dias a contar da notificação da decisão, conforme dispõe o art.º 69.º, n.º 1 do RRNPC.
A Recorrente, notificada para o efeito, defende a tempestividade do recurso interposto, quer por aplicação das normas do processo administrativo quer por aplicação das normas do processo civil.

Foi proferida decisão judicial que ponderou e decretou o seguinte:
2. Nos termos do disposto no art.º 69.º, n.º 1 do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas (Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio), o prazo para a interposição da impugnação judicial é de 30 dias após a notificação ou, nos casos em que o acto recorrido não tenha dado lugar a notificação, após o seu conhecimento pelo impugnante ou, se for o caso, da publicação da constituição ou alteração da pessoa colectiva.
A impugnação judicial do despacho que deferiu uma denominação, como é o caso, deve ser apresentada no RNPC, interposta mediante requerimento em que são expostos os seus fundamentos e acompanhado por todos os meios de prova e, se for o caso, requerendo as diligências que considere necessárias à prova da sua pretensão (art.º 70.º, n.ºs 1 e 2 do RRNPC).
Trata-se, não obstante a entidade perante quem deve ser apresentado – e que deve proferir em 10 dias despacho fundamentado a reparar ou sustentar a decisão, notificá-la ao recorrente e, caso a mantenha, remeter em 5 dias a impugnação e o despacho de manutenção da decisão ao tribunal (n.ºs 4 e 5 do art.º 70.º) – de uma impugnação judicial, dirigido ao tribunal para que aprecie e decida a legalidade da decisão proferida pela entidade administrativa.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, à contagem do prazo de 30 dias para a sua interposição aplica-se o disposto no art.º 138.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual o prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes. (cfr. neste sentido Ac. Tribunal da Relação de Coimbra, de 26.01.2016, relatado pelo senhor desembargador Fonte Ramos, disponível em www.dgsi.pt e sentença proferida no âmbito do processo n.º 408/17.2YHLSB do J2 deste Tribunal).
A impugnação da decisão do RNPC é feita para o tribunal da Propriedade Intelectual e não para o Tribunal Administrativo, nos termos previstos no art.º 111.º, n.º 1, al. l) da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), não fazendo qualquer sentido aplicar prazos administrativos a um processo cuja tramitação é civil especializada, regulada na lei processual civil.
No caso, tendo a recorrente sido notificada do despacho recorrido em 23.02.2024, sexta-feira, o prazo de 30 dias começou a correr no dia 24.02.2024 e terminou em 02.04.2024 (cfr. art.º 138.º do CPC).
A este prazo acresceriam os três dias úteis subsequentes para a prática do acto, mediante o pagamento de multa, conforme prevê o n.º 5 do art.º 139.º do CPC, e o prazo terminaria no dia 05.04.2024.
Considerando a data do registo postal, isto é, 09.04.2024, a impugnação judicial é, manifestamente, extemporânea.
IV. Decisão:
Procede, pois, a questão suscitada pelo RNPC, não se admitindo a impugnação judicial interposta pela recorrente, por extemporânea.

É dessa decisão que vem o presente recurso interposto por SOCIEDADE PORTUGUESA DE ORTODONTIA, que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
II - ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO – facto provado 1.5
1º. O Tribunal a quo ao dar como provado 1.5, por quanto, omitiu, no mesmo que a Notificação da decisão do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, foi expedida no dia 22//02/2024.
2º. Existe prova documental, consulta do site dos CTT, que comprova o referido facto (Denominado Doc. 1 junto com a contestação da Impugnada e Denominado Doc. 3 junto com o Requerimento da Impugnante, datado de 25/10/2024), tendo tal documento sido mencionado no facto provado 1.5 agora impugnado.
3º. Assim, deve constar nos factos provados que deve ser considerado o dia 22/02/2024 como o dia do Registo da notificação.
4º. O referido facto provado não é dilatório, pelo contrário, o mesmo é essencial para a boa decisão da causa, tendo em conta que se tornasse fundamental determinar o dia da expedição da notificação para determinar o “terceiro dia posterior ao registo” que determina o artigo 113º do CPA ou o artigo 249º do CPC.
5º. Pelo exposto, o Tribunal a quo cometeu erro de julgamento da matéria de Facto ao não considerar o dia 22/02/2024 como o dia do Registo da notificação, devendo, o douto Tribunal ad quem, substituir a decisão recorrida – vide artigo 665º do CPC – pelo seguinte facto provado: Este despacho foi notificado à recorrente por correio registado, expedido a 22.02.2024 e entregue ao destinatário em 23.02.2024. (acordo das partes e consulta do site dos CTT, documento n.º 3, junto pela recorrente – cfr. art.º 33.º da ref.ª … 45).

III- ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO
a) Da contagem do prazo nos termos do Procedimento Administrativo
6º. O artigo 69.º n.º 1 do RJRNPC não indica a forma de contagem do prazo de 30 para Impugnação judicial.
7º. De salientar que, no momento da propositura da impugnação, não existe processo judicial, não fazendo sentido regular essa contagem nos termos do Processo Civil.
8º. O RJRNPC estabelece, no seu artigo 66º, que o regime subsidiário a aplicar é o do CPA, não existindo qualquer outra norma para a aplicação de um outro diploma subsidiariamente, muito menos a aplicação do Processo Civil.
9º. Assim, o julgador viola o preceito legal estipulado no artigo 66º do RJRNPC, julgando contra legem, contrariando a imposição, do artigo 8º nº 2 do CC e do artigo 203º da CRP que impõe o dever de obediência à Lei ao Julgador.
10º. Não só a Sentença recorrida está ferida de inconstitucionalidade, como viola um pilar fundamental do Estado Constitucional, o da separação de poderes entre o poder legislativo e do poder judicial. Mesmo que assim não se entenda
11º. A interpretação do artigo 69º do RJRNPC, ou seja, da Lei subsidiária a aplicar na contagem do seu prazo, não tem correspondência mínima com a letra da Lei, tendo em conta a letra do artigo 66º do mesmo diploma.
Mesmo que assim não se entenda
12º. A interpretação do artigo 69º do RJRNPC, levada a cabo pelo Tribunal a quo, não respeita os elementos de interpretação apontados no artigo 9º nº 3 do CC.
13º. Nomeadamente, o elemento sistemático, ou seja, a interpretação de uma norma convoca também o sistema em que tal norma se integra, a relação de um concreto preceito com as demais disposições, mais concretamente a dimensão de subordinação que aquele deve ao artigo 66º daquele diploma.
14º. Bem como, aos elementos do artigo 70º do RJRNPC: a. impugnação é apresentada no RNPC e não interposta diretamente no órgão judicial (nº 1); b. uma análise prévia do RNPC do mérito da impugnação (nº 4 e 5); c. que RNPC pode reparar a sua decisão e não enviar para os meios judiciais (nº 4 e 5); d. é o RNPC, após confirmar a sua decisão, o responsável pelo impulso processual inicial (nº 4 e 5).
15º. Na sua interpretação o Tribunal a quo não teve em consideração os elementos necessários para a interpretação do artigo 69º do RJRNPC, e, em consequência, errou no seu julgamento da matéria de Direito.
16º. O Tribunal a quo deveria, na conjugação dos artigos 87º, 112º e 113º do CPA deveria ter considerado:
a. o prazo apenas iniciou a sua contagem no dia 27/02/2024; ou caso não seja procedente a impugnação da matéria de Facto
i. o prazo apenas iniciou a sua contagem no dia 26/02/2024;
b. O prazo suspendeu nos dias: 02/03 e 03/03 (sábado e domingo), 09/03 e 10/03 (sábado e domingo), 16/03 e 17/03 (sábado e domingo), 23/03 e 24/03 (sábado e domingo), 28/03, 29/03, 30/03 e 31/03 (tolerância de ponto [Despacho n.º 3260/2024 de 27 de março], Feriado [sexta feira santa], sábado e Feriado [domingo de Páscoa]) e 06/04 e 07/04 (sábado e domingo).
17º. Em consequência, o término do prazo, para a impugnação, apenas se dava no dia 10/04/2024, sendo a impugnação tempestiva. ou caso não seja procedente a impugnação da matéria de Facto a. o término do prazo, apenas se dava no dia 09/04/2024, sendo a impugnação tempestiva.
18º. Em consequência, deve o douto o Tribunal ad quem revogar a Sentença recorrida e substituir a decisão recorrida – vide artigo 665º do CPC – considerando a Impugnação efetuada pela Recorrente como tempestiva, ordenando a continuação dos presentes Autos. Caso assim não se entenda b) Da contagem do prazo nos termos do Processo Civil
19º. Mesmo que se entenda que a contagem do prazo deve ser efetuada nos termos do Processo Civil, a impugnação foi apresentada em prazo.
20º. O Tribunal a quo não teve em consideração a presunção de notificação estabelecida no artigo 249º do CPC.
21º. A notificação da decisão da administração foi expedida no dia 22/02/2024 - impugnação da matéria de facto – por via postal, nos termos do artigo 112º do CPA.
22º. Nos termos do artigo 249º do CPC, a notificação presumiu-se efetuada no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja (sábado, domingo ou feriado).
23º. Ou seja, a Recorrente apenas se considerou notificada no dia 26/02/2024.
24º. A presunção não pode ser ilidida pelo Tribunal a quo, isto porque, “só podia ser ilidida pelo notificado, mediante prova de que a notificação não tinha sido efetuada ou ocorrera em data posterior à presumida, por motivos que não lhe sejam imputáveis”.
25º. Assim, a contagem do prazo dilatório apenas teve o seu início a 27/02/2024 (artigo 142º do CPC) e não no dia 23/02/2024 como considerou a Sentença Recorrida.
26º. Deve ser ainda tido em consideração que: a. Até ao dia 23/03/2024 (dia anterior ao domingo de Ramos) correram 26 dias do prazo dilatório; b. O prazo suspendeu a sua contagem do dia 24/03/2024 (domingo de ramos) a 01/04/2024 (segunda-feira de Páscoa), nos termos do artigo 138º nº 1 do CPC e do artigo 28º da LOSJ, suspensão que parece ser aceite pelo Tribunal a quo, tendo em conta a sua contagem; c. E que recomeçou a sua contagem a 02/04/2024 (dia seguinte à segunda-feira de Páscoa).
27º. Ou seja, o prazo dilatório terminou a 05/04/2024.
28º. No entanto, o Processo Civil permite que os atos sejam praticados, após o seu término, mediante o pagamento de multa, nos termos do artigo 139º nº 5 do CPC.
29º. In casu, o ato foi praticado no dia 09/04/2024, ou seja, no segundo dia de multa, fixada em 25% da taxa de justiça correspondente ao ato (612,00€), ou seja, 153,00€, nos termos da alínea b) do nº 5 do artigo 139º do CPC.
30º. Pelo exposto, torna-se claro que existi erro no julgamento da matéria de Direito, por parte do Tribunal a quo, devendo douto o Tribunal ad quem revogar a Sentença recorrida e, em consequência, substituir a decisão recorrida – vide artigo 665º do CPC – considerando a Impugnação efetuada pela Recorrente como tempestiva, ordenando a continuação dos presentes Autos.
Por todo o exposto, nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve a Decisão recorrida ser revogada, de modo a julgar procedente o presente recurso e, assim, fazendo a devida JUSTIÇA.
 
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Dado que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil) – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art.º 608.º, n.º 2, por remissão do art.º 663.º, n.º 2, do mesmo Código) – são as seguintes as questões a avaliar:
1. Materializa-se o erro de julgamento da matéria de facto apontado nas conclusões das alegações de recurso?
2. Pelas razões indicadas nas conclusões constantes da impugnação judicial, o recurso é tempestivo?

II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
1. Materializa-se o erro de julgamento da matéria de facto apontado nas conclusões das alegações de recurso?
Neste âmbito decisório, a Recorrente alegou que:
(...)
2º. Existe prova documental, consulta do site dos CTT, que comprova o referido facto (Denominado Doc. 1 junto com a contestação da Impugnada e Denominado Doc. 3 junto com o Requerimento da Impugnante, datado de 25/10/2024), tendo tal documento sido mencionado no facto provado 1.5 agora impugnado.
3º. Assim, deve constar nos factos provados que deve ser considerado o dia 22/02/2024 como o dia do Registo da notificação.
4º. O referido facto provado não é dilatório, pelo contrário, o mesmo é essencial para a boa decisão da causa, tendo em conta que se tornasse fundamental determinar o dia da expedição da notificação para determinar o “terceiro dia posterior ao registo” que determina o artigo 113º do CPA ou o artigo 249º do CPC.
5º. Pelo exposto, o Tribunal a quo cometeu erro de julgamento da matéria de Facto ao não considerar o dia 22/02/2024 como o dia do Registo da notificação, devendo, o douto Tribunal ad quem, substituir a decisão recorrida – vide artigo 665º do CPC – pelo seguinte facto provado: Este despacho foi notificado à recorrente por correio registado, expedido a 22.02.2024 e entregue ao destinatário em 23.02.2024. (acordo das partes e consulta do site dos CTT, documento n.º 3, junto pela recorrente – cfr. art.º 33.º da ref.ª … 45).
(…)
Analisados os autos, extrai-se deles que, ao contrário do afirmado, não existiu acordo das partes quanto à correspondência a um facto provado da alegação relativa ao dia 22.02.2024.
O mesmo ocorre quanto aos documentos acima referidos.
O que deles se colhe é que o envio n.º RF… 75PT foi aceite a 22 de Fevereiro de ano não determinado.
Para além desta imprecisão temporal, a verdade é que não possuímos elementos circunstanciais que nos permitam concluir que aceitação de envio pelo prestador de serviço seja sinónimo de expedição pelo cliente postal.
A hora (9:50) poderia, por exemplo, meramente indiciar que, recebido o objecto postal no dia anterior (ou, quiçá, no dia 21), o mesmo teria sido aceite internamente, designadamente nalgum sistema informático, no dia 22.
Esta falta de clareza torna demasiado difusa a sustentação e temerária a cristalização fáctica. É por demais inconcludente o esforço probatório e revela-se muito reduzido o esforço de patentear perante um Tribunal, com a necessária e pressuposta clareza e segurança, o que agora se quer ver declarado como fixado.
Perante esta falta de eficácia instrutória e firme demonstração, julgo improcedente esta vertente do recurso, respondendo negativamente à questão proposta.

Vem provado que:
1.1 No dia 03.10.2023 foi emitido o certificado de admissibilidade da denominação Sociedade Portuguesa de ortodontia e ortopedia Dento-Facial para efeitos de alteração da denominação da Sociedade Portuguesa de ortopedia Dento-Facial, com sede no Porto. (Cfr. ref.ª … 29)
1.2 No dia 06.12.2023 deu entrada no RNPC um recurso hierárquico apresentado pela recorrente Sociedade Portuguesa de Ortodontia, requerendo a revogação do referido despacho. (Cfr. ref.ª … 29)
1.3 Este recurso foi objecto de despacho de sustentação da Exm.ª Senhora Directora da RNPC em 07.02.2024. (Cfr. ref.ª … 29)
1.4 Por despacho, proferido em 20.02.2024, foi negado provimento ao recurso interposto pela ora recorrente. (Cfr. ref.ª … 29)
1.5 Este despacho foi notificado à recorrente por ofício de 21.02.2024, por correio registado, entregue ao destinatário em 23.02.2024. (acordo das partes e consulta do site dos CTT, documento n.º 3, junto pela recorrente – cfr. art.º 33.º da ref.ª … 45).
1.6 A impugnação judicial da recorrente foi remetida ao RNPC por via postal, em 09.04.2024 e em 10.04.2024 por correio eletrónico. (cfr. ref.ª … 45)
1.7 Em 11.04.2024 deu entrada no RNPC impugnação judicial do referido despacho. (Cfr. ref.ª … 29.

Fundamentação de Direito
2. Pelas razões indicadas nas conclusões constantes da impugnação judicial, o recurso é tempestivo?
O prazo de recurso judicial de despacho admissão de «certificado de admissibilidade da denominação Sociedade Portuguesa de ortodontia e ortopedia Dento-Facial», referido na al. a) do n.º 1 do art.º 63.º do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio (RJRNPC) era, à data da prolação da decisão judicial criticada, conforme bem indicado pelo Tribunal «a quo», de 30 dias contados da data da notificação do acto recorrido ou do seu conhecimento pelo impugnante, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 69.º de tal encadeado normativo.
É verdade, conforme afirmado pelo mesmo Tribunal, que a impugnação judicial do despacho que tenha deferido uma denominação, a exemplo do que ocorre no caso apreciado, deve ser apresentada perante o Registo Nacional de Pessoas Colectivas, «mediante requerimento em que são expostos os seus fundamentos, acompanhado por todos os meios de prova e, se for o caso, requerendo as diligências que considere necessárias à prova da sua pretensão», de acordo com o estabelecido – cf. os n.ºs 1 e 2 do art.º 70.º do encadeado normativo sob referência.

Trata-se de uma pretensão perante a qual a autoridade administrativa figura como destinatária e decisora (ou porque já decidiu o recurso hierárquico ou porque é chamada pela primeira vez a sustentar ou reparar a sua decisão administrativa anterior).
Tal é claro nos arts. 4 e 5 do art.º 70.º do diploma legal sempre sobre referência que estatui:
4 - Recebida a impugnação, caso não tenha havido recurso hierárquico, o director do RNPC deve, no prazo de 10 dias, proferir despacho fundamentado a reparar ou a sustentar a decisão que é imediatamente notificado ao recorrente.
5 - No caso de manter a decisão ou de a decisão ter sido mantida na sequência de recurso hierárquico, o director do RNPC deve, no prazo de cinco dias, remeter ao tribunal competente todo o processo, instruído com o despacho recorrido, o despacho de sustentação e demais documentos, bem como o recurso hierárquico, se tiver sido interposto.

Como se vê neste último número, só depois de decidir o RNPC remete o processo ao Tribunal para apreciação do recurso judicial.
Aqui chegado com acerto, o Tribunal «a quo» deu um salto lógico deixando por explicar o percurso justificativo intercalar da sua conclusão.
Com efeito, perante o descrito e ainda que salvaguardando opinião contrária, referiu aplicar-se à contagem do prazo de 30 dias acima referida o disposto no art.138.º do Código de Processo Civil louvando-se num acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra apenas identificado com uma data e um Relator e num processo do seu próprio Tribunal, de publicação desconhecida.
Indicou, porém, uma razão «A impugnação da decisão do RNPC é feita para o tribunal da Propriedade Intelectual e não para o Tribunal Administrativo» (…) «não fazendo qualquer sentido aplicar prazos administrativos a um processo cuja tramitação é civil especializada, regulada na lei processual civil».
Ao assim justificar, o Tribunal «a quo» interrompeu a senda explicativa que o tinha levado aos n.ºs 4 e 5 do art.º 70.º.
Ficou por considerar o processado administrativo que é gerado pela denominada «impugnação judicial» que só é «judicial» após decisão administrativa e apenas o é se essa decisão administrativa tiver sido proferida em determinado sentido, id est, se sustentar a decisão impugnada.
Por outro lado, o Tribunal que proferiu a decisão criticada apontou que está em causa um processo «cuja tramitação é civil especializada, regulada na lei processual civil» mas deixou por abordar como conviveria a sua tese com o facto de que, quando a impugnação é apresentada, nem há certeza da necessidade de remessa do processo ao Tribunal nem se praticam actos sujeitos a um encadeado de regras de direito processual civil – e com aplicação, ao nível substantivo, de Direito civil (imagina-se que foi isto que se quis dizer ao referir tramitação civil) e menos existe ainda processo de natureza civil porque nada entrou nesse âmbito num Tribunal Judicial.
Tudo tem, a esse nível e nessa fase, natureza administrativa, atenta a própria natureza do órgão decisor e da matéria na sua configuração anterior à assunção de relevo judicial.
Ao omitir o tratamento destas vertentes axilares, o Tribunal não permitiu conhecer a força e esteio das suas convicções.
À luz do quadro descrito e à míngua de melhores argumentos de sentido contrário (que não foram trazidos a este Tribunal de recurso), torna-se muito claro que todo o processado praticado na fase em referência tem natureza administrativa.
Aliás, temos, quanto ao recurso hierárquico, integrado neste processado por força do estatuído no n.º 5 do art.º 70.º acima referido e invocado pelo próprio Tribunal de primeira instância, uma declaração expressa do próprio legislador, no art.º 66.º, declarando subsidiariamente aplicável «o disposto no Código do Procedimento Administrativo».
Neste contexto, por que razão «saltaria» o legislador, no seio de um mesmo encadeado lógico de actos, de uma forma de contagem de prazos e de um regime processual para outra distinta referente a realidade meramente hipotética e ulterior? Não se violariam, assim, os centrais objectivos de garantir certeza e segurança? Não se tornaria, sem proveito e utilidade, numa Babel, exponenciando dificuldades, o exercício da actividade dos Ex.mos Profissionais do Foro e a tutela dos direitos das partes? Como se compatibilizaria, sob um tal contexto, a interpretação que subjaz à decisão impugnada com o disposto no n.º 3 do art.º 9.º do Código Civil se nem a sistemática, nem a semântica nem a lógica dos distintos compartimentos processuais cerrados sustentariam a solução avançada com quase inexistente fundamentação? E teria sentido contar de uma forma o prazo de trinta dias se houvesse recurso hierárquico e de outra se este não tivesse sido interposto? E como contar? Então, o prazo de 10 dias de que a entidade administrativa dispõe para proferir a sua decisão administrativa de reparação ou sustentação, contar-se-ia com submissão às regras do CPC? Porquê? Teria tal entidade, num mesmo encadeado de actos processuais e antes da intervenção de um Tribunal Judicial, que contar os seus prazos de duas formas? Qual a vantagem dessa confusão e diplopia?
Impõe-se após este breve, mas, julga-se, já suficiente percurso revelador das fragilidades do decidido, concluir pela natureza administrativa do prazo estabelecido no art.º 69.º do RJRNPC com submissão, designadamente, ao estabelecido no mencionado Código do Procedimento Administrativo (CPA).

Aqui chegados, impõe-se contar o prazo sob o referido regime, que é o emergente dos arts. 87.º, havendo que ponderar a aplicabilidade, in casu, do art.º 113.º (sobretudo do seu n.º 1), ambos do CPA, este último com vista à definição do termo inicial do prazo.
Este derradeiro preceito estabelece que «A notificação por carta registada presume-se efetuada no terceiro dia útil posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil».
A data relevante para esta contagem é a do registo, facto que a produção de prova não permitiu datar.
Não podendo ser proferido um «non liquet» neste ou em qualquer outro âmbito e não podendo o mesmo corresponder ao dia da entrega (23.02.2024), temos que tomar em consideração o indicado no ponto 1.5 dos factos demonstrados no sentido de que o «despacho foi notificado à recorrente por ofício de 21.02.2024». Por referência a esta data haverá que contar a referida dilação.
Mas perguntar-se-á: se conhecemos a data efectiva da entrega ao destinatário, por que razão haveremos de trabalhar com base numa presunção de entrega?
A resposta é relativamente simples: a concessão da chamada «dilação postal» instituída pelo Decreto-Lei n.º 121/76, de 11 de Fevereiro, que teve como objectivo adoptar providências que tornassem «menos dispendiosos e mais fáceis os actos processuais», suprimindo os avisos de recepção, pretendeu criar certeza e segurança e obviar às dificuldades de contacto com as partes por via postal, ou seja, apostou numa ficção para suprimir um elemento material.
Porém, com o uso da figura ao longo dos anos, a mesma foi sendo assumida como um complemento permanente do prazo, independente do uso de meios postais. De tal maneira assim foi que, mesmo chegados à era digital e à Justiça sem papel em que Portugal foi pioneiro, caracterizada por, designadamente, poder-se obter do sistema não só a data mas também a hora, o minuto e o segundo da prática do acto, não se suprimiu essa dilação que assim passou a dever ser vista como desligada do uso do referido meio de contacto, como se pode ver no n.º 1 do art.º 248.º do Código de Processo Civil.
Neste quadro, crê-se que se pode falar, neste momento, num vero direito ao prazo suplementar de três dias, independentemente de concretas vicissitudes ou circunstâncias que permitam o conhecimento de um contexto específico e contacto com o transmitido.
Tem algum sentido que assim seja, por assim se evitarem surpresas e a penalização de quem tenha acreditado numa contagem abstracta e não numa aferição concreta do momento da assunção de conhecimento.
Assim sendo, como se julga ser, deve-se contar a dilação de três dias do n.º 1 do referido art.º 113.º, no caso apreciado, desde o dia 21.02.2024, o que determina que se tenha que considerar que a notificação ocorreu a 26.02.2024, sendo primeiro dia da contagem do prazo o dia 27.02.2024.
Nos termos do disposto na al. c) do art.º 87.º do CPA, o «prazo fixado suspende-se nos sábados, domingos e feriados».
Terminou, pois, tal prazo, em 10.04.2024.
Ora, nessa data, foi a impugnação judicial remetida ao RNPC através de correio electrónico, conforme expressamente demonstrado, tendo sido já enviada também por via postal em 09.04.2024
Este facto gera conclusão segura pela tempestividade do acto de interposição da impugnação judicial apreciada nestes autos.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julgo procedente o recurso e, em consequência, concedendo-lhe provimento, revogo a decisão impugnada.
Custas do recurso em termos idênticos aos que venham a ser definidos a final.
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Lisboa, 21.04.2025
Carlos M. G. de Melo Marinho