Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1339/24.5PBCSC-B.L1-9
Relator: PAULA CRISTINA BIZARRO
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
PERIGO DE CONTINUAÇÃO DA ATIVIDADE CRIMINOSA
ORDEM E TRANQUILIDADE PÚBLICAS
PRISÃO PREVENTIVA
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
JUIZO DE PROGNOSE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/12/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da Relatora)
I. Perigo de continuação da actividade criminosa existirá quando seja possível formular, a partir da análise do circunstancialismo fáctico indiciado, um juízo de elevada probabilidade da existência de um risco sério e efectivo de que a actividade criminosa poderá vir a ser prosseguida caso esse risco não seja obstaculizado pela adequada medida cautelar.
II. Durante os três meses que mediaram entre a prática dos factos aqui fortemente indiciados e a sua detenção, o arguido, ora recorrente, alheou-se em absoluto do estado em que ficou o ofendido após as agressões.
III. Ao que acresce ainda que três meses após a prática dos factos indiciados, o aqui recorrente tinha armazenado no seu telemóvel, que lhe foi apreendido, o vídeo gravado com as agressões em questão.
IV. As agressões são bárbaras, cruéis, brutais e horripilantes, demonstram uma insensibilidade fora do comum perante a condição da vítima, uma indiferença intolerável perante o evidente sofrimento humano de um menino, que continuou a ser agredido de forma persistente, apesar das lesões que já evidenciava e de se encontrar cambaleante.
V. Neste contexto, pela natureza e circunstâncias do crime fortemente indiciado e pelos motivos atrás salientados, afigura-se de perspectivar como plausível de que existe um sério perigo de que poderão ser repetidas condutas de índole similar, designadamente contra o próprio ofendido.
VI. Perante os factos em concreto fortemente indiciados, perante uma personalidade violenta, impiedosa e desumanizada que os mesmos espelham, é expectável o prosseguimento de condutas de natureza similar, em especial contra o mesmo ofendido.
VII. A verificação do perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas encontra-se directamente relacionada e é consequência do perigo de continuação da actividade criminosa já atrás constatado.
VIII. Para se verificar o perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, necessário é que se identifique a prova relativamente à qual se possa sustentar que o arguido poderá comprometer o decurso normal da investigação, perturbando o processo formativo da prova.
IX. Mostra-se fortemente indiciado que o arguido, ora recorrente, em plena fase da adolescência, cometeu os factos atrás descritos, de uma indescritível brutalidade, o que só é compreensível no contexto de uma evidente lacuna no acompanhamento do seu crescimento e na transmissão de valores consentâneos com uma correcta e sã convivência social.
X. A medida de obrigação de permanência pressupõe que o arguido se comprometa em alguma medida ao seu cumprimento, que seja expectável uma sua auto-responsabilização nesse sentido.
XI. A possibilidade de vir a ocorrer uma ausência ilegítima afigura-se em concreto real e plausível, quer em face do comportamento já fortemente indiciado nos autos, quer em face da personalidade e características que o mesmo revela ter, onde ressalta a ausência de normatividade, a sua irreverência e a atitude de desrespeito por figuras de autoridade, que permitem concluir que, no caso concreto, a medida de OPHVE se mostra insuficiente para, de forma eficaz, eliminar o perigo concreto de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
XII. No condicionalismo fáctico fortemente indiciado acima descrito, apenas a medida de prisão preventiva se mostra suficiente para acautelar eficazmente os perigos em concreto constatados.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes da 9ª secção criminal deste Tribunal da Relação

I. RELATÓRIO
Inconformado com o despacho datado de ...-...-2025, proferido no âmbito dos autos de inquérito com o n.º 1339/24.5PBCSC, no Juízo de Instrução Criminal de Cascais - Juiz 1, no qual se decidiu aplicar-lhe a medida de prisão preventiva, veio o arguido
AA, filho de BB e de CC, natural de Cascais, de nacionalidade Portuguesa, nascido a ...-...-2007, solteiro, com domicílio na ..., interpor recurso de tal decisão.
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As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões extraídas da motivação do recurso e que em seguida se transcrevem:
1- O Recorrente, está indiciado em co-autoria material na forma consumada da prática do crime de ofensa à integridade física, conforme resultam dos indícios até agora apurados em sede de inquérito.
2- Por despacho a fls…, em sede de Primeiro Interrogatório Judicial foi aplicada a medida de coação de Prisão Preventiva.
3- A natureza excecional e residual da prisão preventiva é acentuada nos artigos 193º nº 2 e 202º nº 1 do Código Processo Penal, postulando que aquela medida de coação só é aplicável quando as restantes medidas se revelarem inadequadas e insuficientes e houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a cinco anos.
4- O uso dos meios de coação em processo penal deverá respeitar os princípios de legalidade (artºs 29º, nº1 da CRP, e 191º do CPP); excecionalidade e necessidade (artºs 27 nº3 e 28 nº2 da CRP e 193º do CPP); adequação e proporcionalidade (art.193º do CPP).
5- Assim, a aplicabilidade da prisão preventiva se restringe aos casos em que, verificados quaisquer dos requisitos gerais do art. 204º e os especiais do art. 202º, ambos do CPP, as restantes medidas de coação se mostrem inadequadas ou insuficientes.
6- Deverá efetuar-se um juízo de prognose social favorável quanto ao Recorrente, atendendo às circunstâncias anteriores ou contemporâneas à sua indiciada “atividade delituosa”.
7- Esse juízo esse deverá estar conexionado com a existência isolada dessa conduta ilícita e não com quaisquer preocupações genéricas de defesa ou de alarme social.
8- No caso em apreço, a natureza e gravidade do ilícito criminal que é imputado ao Recorrente, o concreto comportamento que lhe é atribuído e a sua inserção familiar, permitem afirmar a existência de uma personalidade que não é desviante e existência de um ato isolado, censurável e pelo qual o Recorrente responderá, mas que não é impeditiva de lhe ser substituída a medida de coação de prisão preventiva pela medida de coação de OPH com VE.
9- O Recorrente, sabe o que fez, o arrependimento que sente e pretende ser julgado em conformidade.
10- O Recorrente à data dos factos vivia com a sua mãe e irmãos.
11- À data da detenção o Recorrente, mediante inscrição, já aguardava a colocação em escola / curso que pretendia e pretende frequentar logo que lhe seja dada essa oportunidade.
12- O Recorrente tem à data 17 anos de idade, é primário, encontra-se socialmente e familiarmente inserido, contando com o apoio total por parte dos seus pais.
13- Desde que deu entrada no Estabelecimento Prisional, tem assumido um comportamento regular e participativo, recebendo todas as semanas a visita no ... e apoio da família.
14- O Recorrente, face a esta reclusão, já interiorizou a gravidade da sua conduta e pretende retomar a sua vida de acordo com o direito e as regras.
Termos em que com o sempre suprimento de V. Exas se requer que:
Seja dado provimento ao presente recurso, e consequentemente seja revogado o despacho que determinou a aplicação da medida de coação de prisão preventiva a que o Recorrente se encontra sujeito, substituindo-se pela aplicação ao Recorrente da medida de coação de Obrigação de Permanência na habitação (art. 201º do CPP), cumulada com a pulseira de vigilância eletrónica, conjugado com a lei 33/2010, de ... e proibição de contatos com os restantes arguidos e a vítima.
Pelo exposto, e no mais que for doutamente suprimido por V. Exas., deve conceder-se provimento ao recurso, revogando-se o Douto Despacho recorrido, com o que se fará a tão costumada
JUSTIÇA!
(fim de transcrição)
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O recurso foi admitido com subida imediata, em separado, e com efeito devolutivo (despacho de ...-...-2025, com a ref.ª citius ...).
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O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
1. Atentos os elementos carreados para os autos, as provas recolhidas (e a recolher), os contornos fácticos concretos, a personalidade do arguido e a gravidade dos factos, os perigos que no presente caso se fazem sentir, quais sejam os perigos de continuação da actividade criminosa, de grave perturbação da ordem e tranquilidade públicas e de perigo de perturbação do inquérito na vertente de aquisição e conservação da prova, não ficam suficientemente debelados pela aplicação da medida de coacção de OPHVE.
2. A medida de prisão preventiva era e é a única suscetível de acautelar os vários perigos que se verificam no caso concreto.
3. A medida de coacção de prisão preventiva é necessária, adequada e proporcional, perfilando-se, de entre as medidas de coacção legalmente previstas, como a única capaz de satisfazer as exigências cautelares que o caso requer.
4. A decisão de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva não merece qualquer reparo, de facto ou de direito.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se, consequentemente, a decisão recorrida, assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA!.
(fim de transcrição)
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Neste Tribunal da Relação, pela Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta foi emitido Parecer nos termos seguintes (transcrição parcial):
(...) Analisados os elementos certificados, o despacho recorrido e os fundamentos do recurso, aderimos inteiramente à resposta ao recurso apresentada pelo nossa Colega na 1.ª instância, à qual aditamos o seguinte:
Ao contrário do que o arguido/recorrente afirma, a prática dos factos indiciados, que não coloca em causa, desde logo quanto aos atos que praticou, evidenciam ter uma personalidade “desviante”, ou seja, uma personalidade vingativa, destemida, fria, calculista e violenta, que se potencia na atuação grupal, e alheia às consequências das suas ações sobre si mesmo
Repare-se que o arguido/recorrente atuou em grupo, no qual assumiu uma posição de liderança, a de maior relevo em face dos atos que praticou, depois de uma publicação da vítima, calculou o melhor momento para exercer desforço sobre a vítima, agrediu a vítima sucessivas e consecutivas vezes, num crescendo de violência, não obstante ver outros dois elementos do grupo a agredi-la, e outros três a impedirem que esta se colocasse em fuga, nada se importando com a vítima e as consequências das suas ações, e das do grupo, sobre esta ou sobre si próprio.
Ademais, da consulta dos elementos certificados, constata-se que o vídeo efetuado pelo arguido DD, enquanto as agressões decorriam, foi gravado no telemóvel do arguido/recorrente, que o tinha consigo quando lhe foi apreendido, e de onde foram extraídos os fotogramas a fls. 306 a 317, 326, 329 a 369, que – aliás – permitiu identificar a atuação de cada um dos elementos do grupo.
A gravação, tal como a sua permanência no telemóvel do arguido/recorrente, decorridos cerca de três meses sobre os factos, denotam perversidade, crueldade e vontade de achincalhamento e de intimidação da vítima assim que houvesse ocasião para tal.
Ao arguido/recorrente foi também apreendida uma catana [fls. 306 a 317], detenção que contribui para caraterizar a personalidade do arguido/recorrente.
Por seu lado, também na escola que o arguido/recorrente é identificado como detentor de uma personalidade desrespeitosa, desafiante, que não reconhece a autoridade do ... – v. fls. 162 a 164.
Finalmente, em nenhum momento, inclusive no interrogatório judicial, revelou o arguido/recorrente arrependimento ou empatia pela vítima, na sua dignidade, no sofrimento ..., psicológico e emocional que lhe causou.
Não dispõe o arguido/recorrente de autocensura e de autocontrolo.
Queremos com isto dizer que perante uma personalidade como a do arguido/recorrente os perigos de continuação da atividade delituosa e de perturbação do decurso do inquérito existem e desde logo sobre a própria vítima.
Termos em que entendemos que o arguido se deve manter sujeito à medida de coação que lhe foi aplicada, por se configurar como a única apta a prevenir os perigos de continuação da atividade delituosa, de perturbação do decurso do inquérito e também de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, adequadas às exigências cautelares que o caso requer, proporcional à gravidade do crime e à pena que previsivelmente virá a ser aplicada/s, sendo de negar provimento ao recurso.
(fim de transcrição)
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Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo o arguido apresentado resposta.
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Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que “a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
Daí o entendimento unânime de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo que apenas as questões aí resumidas deverão ser apreciadas pelo tribunal de recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente os vícios previstos no n.º 2 do art. 410º do mesmo Código.
Em conformidade, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir no presente recurso reconduz-se essencialmente ao seguinte:
- se se verificam os pressupostos de facto e de direito da medida de prisão preventiva que foi aplicada, ou se deverá substituir-se tal medida pela medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, e proibição de contactos com os restantes arguidos e a vítima.
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II. DO DESPACHO RECORRIDO
2.1. É o seguinte o teor do despacho recorrido, consignado no auto de interrogatório judicial de ...-...-2025, com a ref.ª citius ... (transcrição):
II – Factos indiciados
Estão fortemente indiciados todos os factos acima descritos nesta acta, também constantes da promoção do Ministério Público que acompanhou a apresentação dos arguidos e que aqui se consideram integralmente reproduzidos.
III – Factos não indiciados
Não há factos não indiciados.
IV – Análise crítica dos indícios que fundamentam a imputação
Antes de mais, faço constar que tomei conhecimento dos elementos recolhidos na análise feita ao telemóvel apreendido ao arguido e que por se revelar de capital importância para o apuramento dos factos determino que os mesmos fiquem apreendidos e a constar do elenco probatório.
A dinâmica dos factos ocorridos resulta da descrição circunstanciada dos factos que é feita pela vítima EE, que se apresenta circunstanciado e coerente quer com os graves ferimentos que apresentava, clinicamente descritos, como ainda com o vídeo elaborado pelos próprios arguidos que viria a ser apreendido e do qual também foram extraídos os fotogramas juntos respeitantes aos momentos mais significativos.
De facto, o filme elaborado pelos arguidos faz jus ao ditado popular de que “uma imagem vale por mil palavras”… já que é possível através desse vídeo observar a exacta participação de cada um dos intervenientes, bem como a atitude por cada um deles demonstrada enquanto executavam as agressões contra EE.
Os arguidos prestaram declarações, assumindo parcialmente os factos, mas apresentando um discurso desculpabilizador, procurando fazer crer que EE estaria também acompanhado por outras pessoas (que afinal decidiram abandonar o local…) e que todos teriam a intenção de os agredir a eles arguidos…
Da parte dos arguidos FF e AA, a tónica do discurso apresentado por cada um foi a de procurar reduzir o número e intensidade das agressões que efectivamente desferiram contra EE – “dei dois socos…” ou “…só dei duas chapadas…” – o que não corresponde à verdade, posto que o comportamento de cada um deles é bem visível no já referido vídeo a que acrescem mensagens posteriormente expedidas nomeadamente pelo arguido FF.
Foram, assim, considerados os seguintes elementos de prova:
- Auto de notícia – fls. 7-8;
- Cota informativa – fls. 9;
- Fotografias do ofendido – fls. 48-49;
- Documentação hospitalar – fls. 52-58 e 192-206; 212 (serviço psiquiatria)
- Auto de transcrição de mensagens de voz proferidas pelo arguido FF a partir do perfil de instagram de GG – fls. 72-73;
- Autos de apreensão – fls. 237, 262, 272, 306.
- Pesquisa informática (telemóvel apreendido a AA), auto de visionamento e fotogramas – fls. 329-365;
- CD com vídeo das agressões – aposto na contracapa.
- Autos de inquirição de HH (fls. 34) e II (fls. 226),
- Informação de fls. 78;
- Informações escolares de fls. 117-129 (DD), 135-155 (GG), 162-164 (AA);
- Informação de serviço – fls. 175-190.
V – Enquadramento jurídico das circunstâncias de facto indiciadas
Indiciam fortemente os autos a prática pelos arguidos de:
- em co-autoria material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143º, n.º 1, 145º, n.º 1, al. a), e n.º 2, com referência ao art. 132º, n.º 2, al. h), 1ª parte, do Código Penal.
VI – Perigos indiciados
- O crime em causa, de ofensas qualificadas, cometidas em grupo, contra menores de idade e por menores de idade, com uso de grande e gratuita violência, motivada por razões triviais ou fúteis, em plena via pública, atraindo a vítima para local isolado onde possa ocorrer a agressão sem a intervenção ou socorro de terceiros, num contexto de clara sub-cultura de gangs ou bandos agrupados pelo bairro onde residem, como em concreto se verifica;
- Revela grande frieza de acção por parte dos agentes, predisposição para a violência gratuita, preparação e premeditação indicadoras de forte energia criminosa, já que se permitem reunir o grupo que irá praticar os factos de forma minuciosa, atrair a vítima para local isolado…;
- Por outro lado, a perigosidade destes jovens que se envolvem nestas práticas manifesta-se na total falta de ponderação que têm das consequências dos seus actos na pessoa das vítimas que sofrem tais actos.
- A necessidade da prática dos actos violentos tem também subjacente um certo conceito de fidelização ao grupo, que condiciona os respectivos membros e transmuda a violência numa espécie de inevitabilidade, como aliás foi perceptível no discurso sobretudo dos arguidos GG e DD, quando afirmam ter participado nos factos e de estarem impedidos de fazer algo que pusesse cobro às agressões porque, se não participassem, “os outros ficariam aborrecidos ou deixariam de lhes falar…”.
-Todo este ambiente de violência gratuita, gera grande intranquilidade pública, sobretudo na comunidade escolar frequentada por jovens…
-… bem como revela, da parte dos respectivos agentes, uma personalidade extremamente violenta, sem mecanismos endógenos de controlo dos respectivos comportamentos, fraca ou inexistente capacidade parental para impor contenção;
- Em particular, os arguidos FF e AA, demonstram vontade e capacidade de assumir a liderança do grupo, grupo esse que procuram mesmo chocar ou impressionar com a violência que mostram ser capazes praticar;
- Este modo de actuação e a respectiva motivação adicional de imposição de uma liderança agravam o perigo de continuação da actividade criminosa pois fazem prever que se disporão à prática de factos semelhantes sempre que julgarem necessário.
- Quanto a estes arguidos o perigo de continuação da actividade criminosa situa-se em níveis intoleráveis para a comunidade.
- Os arguidos GG e DD, apresentaram sempre uma postura participativa, mas menos interventiva, colocando-se numa posição subalterna relativamente aos outros dois arguidos – são os outros que ordenam a filmagem… são os outros que desferem as agressões mais violentas que viriam a provocar as graves lesões sofridas pela vítima.
- Estas circunstâncias tornam bem patentes os perigos de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, para a aquisição e conservação da prova, assim como de continuação da actividade criminosa, embora seja possível estabelecer a referida gradação entre os arguidos.
- De facto a comunidade escolar, assim como os pais que todos os dias encaminham os seus entes queridos para os estabelecimentos de ensino, não podem ficar sujeitos a um estado de terror por saberem poder vir a receber os seus filhos ao final do dia escolar no estado em que se apresentava a vítima EE, pelo que urge pôr cobro a tais situações.
VII – Medida de coacção adequada
Face ao crime fortemente indiciado, perigos e circunstâncias acima enunciadas apenas uma medida detentiva revela-se proporcional, necessária e adequada e eficaz no caso concreto no que respeita aos arguidos FF e AA.
Relativamente aos arguidos GG e DD, o concreto grau de participação e de culpa, permite a aplicação de medidas não detentivas.
Não existem circunstâncias credíveis de exclusão da ilicitude ou da culpa ou ainda de fundados motivos para crer na existência de causas de isenção de responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal que devam ser considerados para efeitos do disposto no artº 192º, nº 2, do CPP.
Do mesmo modo, não existem no presente momento factos que permitem realizar um juízo de menor perigosidade em função da idade dos arguidos ou que seria benéfica a ponderação de qualquer instituto jurídico aplicável em função da idade.
Quanto aos arguidos FF e AA, contrariamente ao disposto no artº 193º, nº 3, do CPP, a obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica não satisfaz as necessidades cautelares, pelas razões já acima assinaladas pois o controlo parental revelou-se escasso ou inexistente.
O arrependimento manifestado pelo arguido é meramente aparente e apenas relacionado com a confrontação das respectivas responsabilidades penais, pelo que não se perspectiva a vontade dos mesmos para respeitarem controlos meramente remotos.
VIII – Medida de coacção concreta
Pelo exposto, determino:
- que os arguidos FF e AA aguardem, respectivamente, os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva, proibição de contactos com demais arguidos e vítima, mesmo em estado de reclusão – artºs 191º, 193º, 200º, 202º, al. d), 204º, als. b) e c), todos do CPP.
- que os arguidos GG e DD aguardem os ulteriores termos do processo sujeitos às medidas de coação de proibição de contactos com a vítima EE, assim como com os demais arguidos, proibição de frequentar as imediações do Estabelecimento de ensino da ... e obrigação de apresentações semanais no posto policial da área das respectivas residências – artºs 200º, nº 1, al.s a) e d), 198º e 204º, als. b) e c), todos do CPP.
(…)
(fim de transcrição)
*
2.2. Os factos considerados indiciados, para os quais remete o despacho recorrido, constantes do mesmo auto de interrogatório judicial, são os seguintes (transcrição):
1. No dia ... de ... de 2024, o ofendido EE, também conhecido como “...”, partilhou uma story no seu perfil da rede social de Instagram “Dizzy_2765”, que era acompanhada com uma música com letra em crioulo de teor negativo relativamente aos habitantes do ..., em Cascais.
2. No dia ... de ... de 2024, cerca das 13h30, quando o ofendido saiu da ..., onde é aluno, para ir almoçar à “...”, sita na ..., em Cascais, foi abordado pelos arguidos GG, AA, FF e DD e pelo suspeito JJ, os quais o ofendido conhece por residirem e/ou frequentarem o ... e por estarem várias vezes no exterior e imediações da referida Escola, embora ali não estudem.
3. Assim, o suspeito JJ dirigiu-se ao ofendido e disse-lhe “anda cá!”, o que o ofendido fez, continuando a andar em direcção à “...”
4. Após, os arguidos e o suspeito acompanharam o arguido, ladeando-o, sem proferirem qualquer palavra.
5. Quando chegaram perto da “...”, o ofendido, temendo pela sua integridade física, disse que não iria continuar a andar com os arguidos e o suspeito.
6. Acto contínuo, o arguido AA agarrou o ofendido pelos colarinhos, empurrou-o para cima do capot de um veículo que ali estava estacionado e desferiu-lhe uma bofetada de mão aberta na face.
7. Logo após, o arguido FF agarrou o ofendido pela parte de trás da camisola e encaminhou-o para um beco situado nas traseiras da “...”, na ....
8. Ali chegados, um dos arguidos disse “é aqui”, ficando o ofendido encostado a um canto e rodeado pelos arguidos.
9. Acto contínuo, um dos arguidos perguntou: “não és do ...?”, ao que o ofendido respondeu afirmativamente.
10. Nesse momento, o arguido AA desferiu de imediato um soco na face do ofendido.
11. Por sua vez, o arguido FF desferiu um pontapé na barriga do ofendido, fazendo com que este se encolhesse.
12. Após, o arguido FF agarrou o ofendido pela camisola e, puxando-o para si, desferiu-lhe um soco na face.
13. De seguida, o arguido AA desferiu um novo soco na face do ofendido.
14. Nessa altura, o ofendido tentou escapar do local, cambaleando em direcção a um veículo que ali estava estacionado.
15. No seguimento, o arguido AA agarrou o ofendido pelo braço e encaminhou-o novamente para um canto, onde o agarrou pela camisola e o atirou contra a parede, fazendo com que o ofendido caísse ao chão.
16. Após, o arguido AA desferiu dois socos na face e um no corpo do ofendido.
17. Depois, o suspeito JJ aproximou-se do ofendido e desferiu-lhe uma bofetada na face.
18. De seguida, o arguido FF desferiu um soco na face do ofendido.
19. Durante o período em que o ofendido foi agredido no beco situado nas traseiras da “...”, o arguido DD gravou um vídeo com um telemóvel.
20. O arguido GG, embora não tenha desferido golpes no ofendido, acompanhou sempre de perto os restantes arguidos, intimidando assim o ofendido quer pelo maior número de elementos que conferia ao grupo onde se encontrava, quer rodeando o ofendido.
21. Na sequência das agressões de que foi alvo, o ofendido foi transportado de urgência para o ..., onde ficou internado até ao dia ........2024, data em que foi transferido para o ..., onde foi sujeito a uma cirurgia ao nariz, tendo aí ficado internado até ao dia ........2024.
22. Com a conduta descrita, o ofendido sofreu vários hematomas e equimoses, sobretudo na face, bem como uma fractura dos ossos próprios do nariz e da apófise frontal esquerda, uma fractura da parede anterior e medial do seio maxilar esquerdo, hemossinus do maxilar esquerdo e fractura das peças dentárias n.ºs 21 e 42.
23. Os arguidos actuaram de acordo com um plano previamente delineado entre todos, em conjugação de esforços e intenções, com o propósito concretizado de molestar corporalmente o ofendido, bem sabendo que actuavam em superioridade numérica em relação ao ofendido, que se encontrava sozinho, e que dessa forma lhe reduziam sobremaneira a capacidade de reacção ou de defesa, o que quiseram e lograram.
24. Mais agiu o arguido DD com o propósito concretizado de filmar o ofendido enquanto o mesmo era agredido, bem sabendo que o fazia sem o consentimento e contra a vontade do ofendido.
25. Os arguidos agiram em tudo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
(fim de transcrição)
***
III. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Se se verificam os pressupostos de facto e de direito da medida de prisão preventiva aplicada, ou se deverá substituir-se tal medida pela medida de Obrigação de Permanência na habitação com vigilância eletrónica, e proibição de contactos com os restantes arguidos e a vítima
A aplicação da prisão preventiva encontra-se sujeita a critérios de legalidade, sendo a sua natureza excepcional e subsidiária expressamente estatuída no n.º 2 do art. 28º da Constituição da República Portuguesa.
Tal subsidiariedade e excepcionalidade mostra-se densificada na lei processual penal.
Assim, dispõe do art. 193º do Código de Processo Penal, na parte que aqui releva, que:
Princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade
1 - As medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
2 - A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção.
3 - Quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.
Os casos de admissibilidade da prisão preventiva encontram-se estabelecidos no art. 202º do Código de Processo Penal, dependendo a sua aplicação da inadequação e insuficiência das demais medidas de coacção previstas na lei processual penal, devendo ser aplicada apenas como ultima ratio.
Assim, ainda que ao caso deva ser aplicada medida de coacção privativa da liberdade, sempre deverá ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação quando esta medida se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares que no caso se façam sentir (cfr. n.º 3 do art. 193º supra transcrito).
Para além disso, como resulta expressamente do disposto no art. 202º/1 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva pressupõe a verificação da existência de fortes indícios da prática do crime imputado e que este se enquadre no elenco daqueles aí previstos.
No caso concreto, o arguido não questiona a existência de fortes indícios da prática do crime imputado no despacho recorrido.
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O recorrente insurge-se, sim, contra a verificação dos perigos assinalados na decisão recorrida: de continuação da atividade criminosa, perigos de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, para a aquisição e conservação da prova.
O art. 204º do Código de Processo Penal estabelece como condição da aplicação de qualquer das medidas de coacção legalmente previstas a verificação de pelo menos de um dos perigos nele elencados, estabelecendo tal normativo que:
1 - Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196.º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:
a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Invoca o recorrente não se verificar nenhum dos perigos aludidos, alegando que:
- In casu, para o Recorrente, menor de 17 anos, sem antecedentes de idêntica natureza, entende-se que a prisão preventiva se revela inadequada ao caso em apreço, até porque, não se verificam os requisitos / condições enunciadas no artigo 204.° do Código de Processo Penal;
- Atendendo a que desde a data da prática dos factos - que o Recorrente assume os que por si, efetivamente, foram praticados - e a data em que foi detido, não se verificou qualquer uma das circunstâncias / perigos previstos nas alíneas a) a c) do art. 204° do CPP, nada obsta a que seja proferido acórdão no sentido da revogação do despacho a fls. e em consequência, substituição da medida de coação de prisão preventiva pela obrigação de permanência na habitação com sujeição a vigilância eletrónica, caso a DGRSP confirme que o mesmo reúne condições técnicas para efetivar.
Não obstante, contraditoriamente, o recorrente termine as suas conclusões pedindo que se substitua a prisão preventiva pela aplicação ao Recorrente da medida de coação de Obrigação de Permanência na habitação (art. 201° do CPP), cumulada com a pulseira de vigilância eletrónica, a qual, como é sabido, pressupõe a verificação daqueles perigos (art. 204º/1 do Código de Processo Penal), cumprirá aquilatar da sua verificação em concreto.
Vejamos.
Se é certo que os perigos enunciados no citado art. 204º deverão afigurar-se como concretos e actuais, é uma evidência que um perigo constitui, por definição, uma mera ameaça ou um risco, uma possibilidade.
Não há, assim, na avaliação da existência de algum desses perigos, uma qualquer certeza, apenas se exigindo que os mesmos se afigurem como plausíveis, designadamente que, nas circunstâncias dos factos já indiciados e atenta a personalidade neles revelada pelos seu autor, se afigura como provável que o agente venha a praticar actos que consubstanciem a consumação do perigo presumido.
O que é exigível é que, no juízo de avaliação desse perigo, este seja sustentado e não meramente subjectivo, nem arbitrário, ou seja, que existam factos concretos que tornem legítimo inferir a existência do perigo.
Passemos agora a analisar cada um dos perigos a que se alude no despacho recorrido.
O recorrente insurge-se quanto à verificação do perigo de continuação da actividade criminosa.
O perigo de continuação da actividade criminosa é aferido em função de um juízo de prognose realizado relativamente à continuação da prática de crimes da mesma espécie e natureza dos que se indiciam no processo em que se faz a avaliação de tal perigo. Em tal juízo de prognose deverão valorizar-se a natureza e as circunstâncias relativas aos crimes que se investigam e avaliar a probabilidade da sua conexão com a actividade futura do arguido (v. Ac. Relação de Évora de 23-11-2021, proferido no processo n.º 96/20.9GFELV-A.E1).
Deverão, assim, ser analisadas as circunstâncias concretas do caso e, em função delas, aquilatar se a mesmas permitem inferir com razoabilidade que o arguido, em liberdade, voltaria a prática de factos da mesma natureza.
Ou seja, tal perigo existirá quando seja possível formular, a partir da análise do circunstancialismo fáctico indiciado, um juízo de elevada probabilidade da existência de um risco sério e efectivo de que a actividade criminosa poderá vir a ser prosseguida caso esse risco não seja obstaculizado pela adequada medida cautelar.
Argumenta o recorrente essencialmente o seguinte:
- Não existem indícios que não se trata de ato, por parte do Recorrente, isolado no tempo e espaço;
- No caso em apreço, a natureza e gravidade do ilícito criminal que é imputado ao Recorrente, o concreto comportamento que lhe é atribuído e a sua inserção familiar, permitem afirmar a existência de uma personalidade que não é desviante e existência de um ato isolado, censurável e pelo qual o Recorrente responderá, mas que não é impeditiva de lhe ser substituída a medida de coação de prisão preventiva pela medida de coação de OPH com VE.
No entanto, afigura-se-nos que sem razão.
A indiciada conduta do recorrente demonstra uma personalidade imbuída de total indiferença perante a integridade física e o sofrimento infligido a outro ser humano, mais ainda tratando-se de um menino, como o próprio arguido afirmou nas declarações prestadas em sede de 1º interrogatório judicial.
E como igualmente perpassa de tais declarações, a motivação de tal actuação residiu na circunstância de que, como o próprio declarou: o menino difamou-me na internet e porque eu queria saber porque meteu o meu nome na música dele e porque me ameaçou.
O arguido actuou, assim, por mera vingança.
Por outro lado, como resulta da factualidade fortemente indiciada atrás descrita:
14. Nessa altura, o ofendido tentou escapar do local, cambaleando em direcção a um veículo que ali estava estacionado.
15. No seguimento, o arguido AA agarrou o ofendido pelo braço e encaminhou-o novamente para um canto, onde o agarrou pela camisola e o atirou contra a parede, fazendo com que o ofendido caísse ao chão.
16. Após, o arguido AA desferiu dois socos na face e um no corpo do ofendido.
Ou seja, já depois de agredido por diversas vezes e estando o ofendido necessariamente visivelmente ferido e já a cambalear, o aqui recorrente prosseguiu com agressões, assim evidenciando uma vontade firme e inabalável de o atingir.
Perante a factualidade fortemente indiciada, é inevitável concluir estarmos perante uma personalidade imbuída de extrema violência e de indiferença perante os valores éticos fundamentais da sociedade, tal como se concluiu no despacho recorrido: O crime em causa, de ofensas qualificadas, cometidas em grupo, contra menores de idade e por menores de idade, com uso de grande e gratuita violência, motivada por razões triviais ou fúteis, em plena via pública, atraindo a vítima para local isolado onde possa ocorrer a agressão sem a intervenção ou socorro de terceiros, num contexto de clara sub-cultura de gangs ou bandos agrupados pelo bairro onde residem, como em concreto se verifica, revela grande frieza de acção por parte dos agentes, predisposição para a violência gratuita, preparação e premeditação indicadoras de forte energia criminosa.
Ao que acresce que os arguidos abandonaram o ofendido ferido, com a gravidade emergente das lesões descritas na factualidade fortemente indiciada atrás transcrita, à sua sorte.
Com efeito, o ofendido, inquirido em ...-...-2025, conforme auto de inquirição que se mostra junto aos autos, declarou, além do mais que:
(…) Que apenas se recorda que quando voltou a ter consciência, se encontrava a sangrar da boca e nariz, e não tem a noção do tempo que esteve inconsciente.
(…) Dirigiu-se em direcção ao ..., para ver se encontrava ajuda, acabando por ter sido auxiliado por uma senhora que se apercebeu do seu estado e accionou uma ambulância e a Polícia para o local.
Ou seja, o arguido, aqui recorrente, nunca demonstrou preocupação pelo estado de saúde da vítima.
Questionado em sede de interrogatório judicial se sabia como este menino ficou, o aqui recorrente respondeu “não, li aqui”.
Durante os três meses que mediaram entre a prática dos factos aqui fortemente indiciados e a sua detenção, o arguido, ora recorrente, alheou-se em absoluto do estado em que ficou o ofendido após as agressões, não obstante ter igualmente afirmado que já conhecia o ... anteriormente.
Ao que acresce ainda que três meses após a prática dos factos indiciados, o aqui recorrente tinha armazenado no seu telemóvel, que lhe foi apreendido, o vídeo gravado com as agressões em questão, conforme resulta dos autos de pesquisa, apreensão e visionamento e fotogramas extraídos, de fls. 329 a 368.
Não há, pois, evidentemente, qualquer indício de arrependimento contrariamente ao alegado pelo recorrente, pelo que, tal como se concluiu no despacho recorrido: O arrependimento manifestado pelo arguido é meramente aparente e apenas relacionado com a confrontação das respectivas responsabilidades penais.
As agressões são bárbaras, cruéis, brutais e horripilantes, demonstram uma insensibilidade fora do comum perante a condição da vítima, uma indiferença intolerável perante o evidente sofrimento humano de um menino, que continuou a ser agredido de forma persistente, apesar das lesões que já evidenciava e de se encontrar cambaleante.
Como incisivamente conclui a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, no seu douto Parecer, a actuação em concreto fortemente indiciada revela uma personalidade vingativa, destemida, fria, calculista e violenta, que se potencia na atuação grupal, e alheia às consequências das suas ações.
Neste contexto, pela natureza e circunstâncias do crime fortemente indiciado e pelos motivos atrás salientados, afigura-se de perspectivar como plausível de que existe um sério perigo de que poderão ser repetidas condutas de índole similar, designadamente contra o próprio ofendido.
Nesse sentido, o depoimento por este prestado é bem elucidativo, tendo o mesmo declarado: após esta situação e por receio, não voltou a frequentar a escola secundária da ..., uma vez que teme pela sua integridade física e vida, tendo receio em voltar a encontrar-se com os autores das agressões de que foi vítima
Acrescentou o ofendido: Que ficou com a ideia de que foi violentamente agredido pelos suspeitos apenas e só por ter publicado uma fotografia no seu Instagram com a música que falava mal do ?pessoaI ...? e pelo facto de residir no ....
Questionado, adianta que teme que possa haver represálias por parte de pessoas do ... em Cascais, contra pessoas do ... em ...
Além disso, o alegado na motivação de recurso de que não existem indícios que não se trata de ato, por parte do Recorrente, isolado no tempo e espaço, mostra-se infirmado pelo conteúdo da Informação de Serviço da PSP (cfr. fls. 182), no sentido de que o recorrente: se encontra registado no SEI (sistema estratégico de informações policiais, em uso por esta Polícia), de no dia ... de ... de 2023, no interior e imediações da ..., em Cascais, estar envolvido em furto e agressões a alunos da escola, cf. Participação por factos ilícitos cf fls.156 a 161.
Perante os factos em concreto fortemente indiciados, perante uma personalidade violenta, impiedosa e desumanizada que os mesmos espelham, é expectável o prosseguimento de condutas de natureza similar, em especial contra o mesmo ofendido.
E não é a juventude do arguido que o impedirá, como não impediu, de assim actuar, como não é a ausência de antecedentes criminais, natural para quem tem apenas 17 anos de idade à data dos factos, que constitui obstáculo a tal conclusão.
Assim, neste segmento, a decisão recorrida não nos merece qualquer censura, sendo de concluir como verificado o perigo de continuação da actividade criminosa.
*
Contesta ainda o recorrente o perigo de perturbação da tranquilidade pública assinalado na decisão recorrida.
Porém, a factualidade indiciada aponta em sentido contrário ao pugnado pelo recorrente.
É certo que o perigo de perturbação grave da tranquilidade pública não se confunde com o alarme social causado pelo crime.
Subjacente a tal perigo não poderão estar questões ligadas à prevenção geral positiva, que se reconduzem às finalidades própria das penas, o que redundaria na atribuição às medidas de coação em geral, e à prisão preventiva em particular, de finalidades próprias das penas e não finalidades estritamente processuais, como exige o artigo 191º do Código de Processo Penal (in Ac. da Relação de Évora de 5-04-2022, proferido no processo n.º 523/21.8GHSTC-A.E1).
No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-02-2023, proferido no processo n.º 1142/22.7JACBR-B.C1: O perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas deve ser reportado a previsível comportamento no futuro imediato do arguido, resultante da sua postura ou actividade, e não ao crime por ele indiciariamente cometido e à reacção que pode gerar na comunidade, pois não é a gravidade do crime indiciado e o consequente alarme social gerado que aqui estão em causa.
O perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas tem de resultar da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, relevando para o mesmo a alteração negativa que prejudique ou cause dano à ordem pública e não apenas a mera alteração ou inquietação gerada no meio social. (in Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-03-2023, proferido no processo n.º 1070/22.6PBFIG-A.C1; no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23-11-2021, proferido no processo n.º 96/20.9GFELV-A.E1).
No caso em apreço, a verificação de tal perigo encontra-se directamente relacionada e é consequência do perigo de continuação da actividade criminosa já atrás constatado.
Com efeito, perante a gravidade da conduta indiciada nos autos, e a personalidade violenta que a mesma evidencia, justifica-se a conclusão de que em concreto é de recear que o arguido possa, num momento futuro, vir a perigar a ordem e a tranquilidade públicas, reiterando conduta de índole similar, à saída de uma Escola Pública, com dezenas de alunos, perpetrando as agressões na sua proximidade, em plena via pública, como em concreto sucedeu.
Em conformidade, igualmente neste segmento não nos merece censura a decisão recorrida.
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Atente-se agora no que se exarou no despacho recorrido relativamente ao perigo de perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, ao qual se reporta a alínea b) do citado art. 204º do Código de Processo Penal:
Estas circunstâncias tornam bem patentes os perigos de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, para a aquisição e conservação da prova, assim como de continuação da actividade criminosa.
No despacho recorrido não se concretizam quais sejam os factos indiciadores de uma qualquer provável conduta do arguido no sentido de vir a perturbar a instrução, impedir a aquisição de meios de prova, a sua preservação ou a sua veracidade.
O perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo consiste, claramente e apenas, no risco, sério e actual, de ocultação ou alteração da prova por parte do arguido, visando a medida de coacção a aplicar, perante a forte suspeita de que o arguido possa destruir, ocultar, falsificar meios de prova, ou influir de maneira desleal nas testemunhas ou peritos, acautelar o potencial probatório das fontes que já se encontram nos autos ou que possam vir a ser obtidas, devendo ser concretizada a indicação das circunstâncias, objectivas e subjectivas, que tornam altamente provável uma intervenção inquinadora das fontes de prova por parte daquele (v. Ac. da Relação de Guimarães de 11-06-2019, proferido no processo nº 23/19.6JAVRL-A.G1).
Alega o Ministério Público na resposta ao recurso que:
- a decisão recorrida considerou que no caso importa prevenir que o Recorrente, atento o ascendente que terá sobre os demais elementos do grupo, tente intimidar o ofendido ou que influencie os restantes co-arguidos, de forma a preservar a prova recolhida, pelo que concluiu bem pela verificação do perigo referido no art. 204°, al. b), do CPP.
Porém, não se descortina na decisão recorrida tal fundamentação.
De qualquer modo, não é plausível ou sequer possível que o aqui recorrente possa colocar em perigo, enquanto meio de prova, as declarações já prestadas nos autos pelos arguidos, desde logo face ao que dispõe o art. 141º/4-b) do Código de Processo Penal e quando é certo que, como consta do auto de interrogatório judicial, os arguidos foram advertidos de que: não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestarem poderão ser utilizadas no processo, mesmo que sejam julgados na ausência ou não prestem declarações em audiência de julgamento.
Quanto à alegada intimidação do ofendido, reitera-se que inexistem indícios concretizados no despacho recorrido que permitam sustentar tal conclusão.
Para se verificar o perigo ora em análise, necessário é que se identifique a prova relativamente à qual se possa sustentar que o arguido poderá comprometer o decurso normal da investigação, perturbando o processo formativo da prova (in Acórdão da Relação do Porto de 25-03-2010, proferido n processo n.º 1936/09.9JAPRT-A.P1), ou a sua conservação.
Tal não sucede no caso concreto, pelo que neste segmento não acompanhamos a decisão recorrida.
*
Argumenta ainda o recorrente o seguinte:
- Será que à data presente se verificam na íntegra todos os “perigos” que estiveram na base da aplicação de medida de coação de prisão preventiva?
- Com todo o respeito entendemos que não;
- Desde que deu entrada no Estabelecimento Prisional, tem assumido um comportamento regular e participativo, recebendo todas as semanas no Estabelecimento Prisional ... a visita e apoio da família;
- O Recorrente, face a esta reclusão, já interiorizou a gravidade da sua conduta e pretende retomar a sua vida de acordo com o direito e as regras.
Sucede que o comportamento posterior do recorrente em nada releva para a apreciação do presente recurso.
Com efeito, como é sabido e tem sido reiteradamente afirmado, os recursos destinam-se a reapreciar decisões proferidas, ponderando os elementos de facto existentes nos autos à data da decisão recorrida.
Os recursos não visam a apreciação de questões novas nem tão pouco de elementos probatórios ou factos posteriores à decisão recorrida, que esta não teve, nem poderia ter tido, em consideração.
Consequentemente, encontra-se vedado ao tribunal de recurso conhecer de questões não antes suscitadas, nem apreciadas pelo tribunal recorrido, designadamente de factos não antes submetidos à apreciação do tribunal a quo.
O recurso é um remédio jurídico, o que significa que a reapreciação de segmentos decisórios, por um tribunal superior, se terá de fundar na invocação da existência de algo de concretamente errado na decisão proferida em 1ª instância uma vez que o objeto dos recursos é a decisão recorrida e não a questão por esta julgada, sendo certo que com a sua interposição se abre apenas a possibilidade de reapreciação dessa decisão, com base na matéria de direito e de facto de que se serviu ou podia servir a decisão impugnada, pré-existente, pois, ao recurso (in Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-11-2021, no Processo n.º 679/14.6TDLSB.L1-5 [Relator: Jorge Antunes] disponível em www.dgsi.pt, assim como os demais infra citados; v. ainda Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-05-2020, no Processo n.º 24/19.4TRLSB [Relator: Nuno Gonçalves). (destacado nosso)
As circunstâncias factuais descritas pelo recorrente na motivação de recurso poderão eventualmente relevar em sede de reapreciação dos pressupostos da medida de coacção aplicada, em primeira instância, nos termos e ao abrigo do disposto nos art. 212º e 213º do Código de Processo Penal, sendo inócuas no âmbito da apreciação do presente recurso.
*
Em conformidade, atentos os perigos suficiente e fortemente verificados atrás enunciados, encontram-se reunidos os pressupostos da aplicação de uma medida de coacção para além do TIR, pelo que importa agora apreciar os demais fundamentos aduzidos pelo recorrente.
Argumenta o recorrente que:
- Quanto aos perigos de perturbação da ordem e tranquilidade pública, de continuação da atividade criminosa e perturbação de inquérito, sempre se refere que as medidas de coação de OPHVE (art. 201° do CPP) e proibição de contato com os outros arguidos e/ou com a vítima, serão suficientes, necessárias, adequadas e proporcionais ao caso concreto;
- O Recorrente, à data dos factos, vivia com a sua mãe e irmãos;
- À data da detenção o Recorrente, mediante inscrição, já aguardava a colocação em escola / curso que pretendia e pretende frequentar logo que lhe seja dada essa oportunidade;
- O Recorrente tem à data 17 anos de idade, é primário, encontra-se socialmente e familiarmente inserido, contando com o apoio total por parte dos seus pais;
- O Recorrente é jovem, nunca esteve preso e quanto maior o tempo na prisão, maiores são os seus efeitos estigmatizantes e dessocializadores.
Como atrás se referiu, a aplicação das medidas de coacção encontra-se subordinada à observância dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, expressamente consignados no art. 193º do Código de Processo Penal, princípios esses que o recorrente considera terem sido violados.
Porém, no contexto da factualidade fortemente indiciada nos autos, afigura-se-nos que a medida de coacção aplicada se mostra em concreto proporcional à gravidade do crime imputado ao arguido, ora recorrente, e à sanção que previsivelmente lhe virá a ser aplicada.
Perante a gravidade dos factos praticados, a sua elevada ilicitude, causadora de compreensível, inquestionável e acentuado alarme e danosidade sociais, as exigências de prevenção geral, no sentido de revalidação das normas jurídico-penais violadas, fazem-se sentir com assinalável intensidade.
Consequentemente, é de considerar que tais exigências desaconselharão a aplicação de pena de natureza não detentiva, sob pena de resultarem frustrados os fins da aplicação das penas consignados no art. 40º do Código Penal, mormente a protecção dos bens jurídicos protegidos com a incriminação.
Ainda que o recorrente não tenha antecedentes criminais, o certo é que o cometimento dos factos indiciados em causa evidencia uma personalidade acentuadamente contrária ao Direito, uma personalidade violenta, própria de quem despreza profundamente a saúde e a integridade física de terceiros.
Inexistem, assim, factos que permitam presumir que não virá a ser aplicada ao recorrente uma pena detentiva, antes as circunstâncias factuais fortemente indiciadas apontam no sentido contrário.
Por outro lado, nem o recorrente contesta a necessidade de lhe ser aplicada uma medida de coacção de natureza detentiva para obviar aos perigos assinalados.
Na verdade, o que pretende o recorrente é que lhe seja aplicada a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, e proibição de contactos com os restantes arguidos e a vítima.
Contudo, no circunstancialismo do caso concreto e a natureza do crime fortemente indiciado, desde já se adianta que apenas a medida de prisão preventiva responde de forma eficaz e suficiente às exigências cautelares que o caso requer, pois apenas ela é susceptível de prevenir e evitar de forma eficiente a concretização dos perigos apontados, isto é, os perigos de continuação da actividade criminosa e de grave perturbação da tranquilidade pública assinalados.
No despacho recorrido a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação foi afastada, recorde-se, com os seguintes fundamentos:
Quanto aos arguidos FF e AA, contrariamente ao disposto no artº 193º, nº 3, do CPP, a obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica não satisfaz as necessidades cautelares, pelas razões já acima assinaladas pois o controlo parental revelou-se escasso ou inexistente.
O arrependimento manifestado pelo arguido é meramente aparente e apenas relacionado com a confrontação das respectivas responsabilidades penais, pelo que não se perspectiva a vontade dos mesmos para respeitarem controlos meramente remotos.
Assim, o afastamento de tal medida assentou em dois vectores: o controlo parental revelou-se escasso ou inexistente e não se perspectiva a vontade dos mesmos para respeitarem controlos meramente remotos.
Ora, da análise conjugada dos factos fortemente indiciados e das circunstâncias do caso concreto, entendemos ser correcta a conclusão assim vertida no despacho recorrido.
Como bem afirma o recorrente na sua motivação de recurso:
- Na OPHVE cria-se uma tão específica quão total responsabilização para o Recorrente.
- A autorresponsabilização é aqui essencial, pois o Recorrente tem que adquirir a consciência de que a sua situação judicial e, como tal, o seu futuro, depende exclusivamente de si e da sua capacidade de sozinho cumprir as regras que lhe são impostas.
Ora, mostra-se fortemente indiciado que o arguido, ora recorrente, em plena fase da adolescência, cometeu os factos atrás descritos, de uma indescritível brutalidade, o que só é compreensível no contexto de uma evidente lacuna no acompanhamento do seu crescimento e na transmissão de valores consentâneos com uma correcta e sã convivência social.
Conforme consta da já citada informação da PSP junta aos autos e referida no despacho recorrido: AA, encontra-se matriculado no ano lectivo 2024/2025, na Escola Básica ..., contudo encontra-se em abandono escolar praticamente desde o início do ano lectivo, cf. fls.162 a 164.
E consultados os elementos recolhidos na Escola Básica..., deles consta nomeadamente o seguinte:
O aluno, AA foi colocado administrativamente no nosso agrupamento, tendo integrado a turma C do 8.°ano. O aluno desde o início do ano que apresentou uma assiduidade irregular, mas a partir aproximadamente do dia dez de outubro que o aluno nunca mais compareceu na escola. Na presente data o aluno apresenta vinte faltas justificadas, trezentas e cinquenta e três faltas injustificadas e duas faltas disciplinares.
No que concerne ao comportamento, nos poucos dias que compareceu o aluno apresentou um comportamento disruptivo, ou seja, de não reconhecimento da autoridade, apresentando uma atitude desafiadora. O aluno não se fazia acompanhar dos materiais necessários e recusava-se a cumprir as tarefas propostas.
Este tipo de comportamento deu origem à realização dos seguintes registos de comportamento (…). (destacados nossos)
Consta ainda da informação escolar que: A Escola Básica ..., solicitou a intervenção educativa da Polícia de Segurança Pública- Escola segura para aferir junto da Encarregada de educação, a senhora, CC, uma vez que idade do AA está compreendida entre os seis e os dezoito anos, pelo que tinha o dever frequentar o regime de escolaridade obrigatória nos termos previstos no decreto-lei n°176/2012, de 2 de agosto. Apesar das todas as diligências o aluno está em abandono escolar.
Parece-nos ser uma evidência de que o aqui recorrente não reconhece figuras de autoridade, bem como ser ainda uma evidência de que a sua mãe, com quem vive juntamente com os seus irmãos menores, não tem efectivamente qualquer autoridade ou capacidade de domínio sobre ele.
Da prova indiciária recolhida, temos por certo que a mãe do recorrente não terá suficiente ascendente sobre o recorrente, de modo a poder exercer um papel protector e contentor de condutas semelhantes às indiciadas.
A inserção familiar não será, pois, como não foi, factor suficiente de contenção.
Neste contexto, igualmente mal se compreende a alegação de que à data da detenção o Recorrente, mediante inscrição, já aguardava a colocação em escola / curso que pretendia e pretende frequentar logo que lhe seja dada essa oportunidade, quando o recorrente se vinha mantendo em absoluto alheado do seu percurso educativo.
Importa não olvidar que a medida de obrigação de permanência pressupõe que o arguido se comprometa em alguma medida ao seu cumprimento, que seja expectável uma sua auto-responsabilização nesse sentido.
A mesma assenta num juízo de prognose de que virá a ser estritamente respeitada e cumprida, uma expectativa positiva de confiança no seu cumprimento, ou seja, de que a personalidade revelada pelo arguido nos factos indiciados, conjugada com as condições de que dispõe na habitação a que ficaria confinado, permite supor que a permanência na habitação será adequada a suficiente para acautelar os perigos verificados em concreto (v. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-01-2022, no Processo n.º 39/21.2JBLSB-A.L1-3 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9-01-2024, no Processo n.º 20/22.4SWLSB-A.L1-5).
No caso, a aplicação de tal medida pressuporia que a mesma se apresentasse como suficiente para acautelar os assinalados perigos de continuação da actividade criminosa e de grave perturbação da tranquilidade pública.
Ora, assentado tais perigos nos factos fortemente indiciados atrás transcritos, que indiciam uma personalidade aparentemente desconforme ao dever-ser jurídico-penal, tão violenta e tão insensível aos bens jurídicos fundamentais da sociedade, a permanência na habitação não acautela de forma suficiente aqueles perigos, por ser ineficaz para conter os actos violentos que o arguido já demonstrou ser capaz de empreender e que, se não eficazmente acautelados através de medida de coacção suficientemente eficaz, poderia voltar a cometer.
Efectivamente, apresentando-se os factos fortemente indiciados como actos de natureza vingativa e imbuídos de extrema violência e crueldade, não é de excluir que, agora, perante o procedimento criminal instaurado, o arguido possa ter o ímpeto de levar a cabo nova actuação similar contra o ofendido, empreendendo uma nova conduta vingativa em retaliação, ausentando-se ilicitamente da habitação para a perpetrar, face ao comportamento incontido e violento já fortemente indiciado.
Como não é de excluir que, estando-se perante uma violência grupal, o aqui recorrente, como aparente líder do grupo, não tivesse a capacidade de determinar outros indivíduos, não necessariamente os aqui co-arguidos, à prática de factos semelhantes.
Subscrevendo o exarado no recente Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 06-05-2025, no Processo n.º 1942/24.3PFAMD-A.L1-5: a falta de estrutura familiar contentora, capaz de manter o recorrente ocupado em atividades lícitas, não garantiria o afastamento dos perigos identificados. A irreverência e agressividade do arguido não permite que a medida de coação possa ser cumprida em permanência na habitação, mesmo com vigilância eletrónica. Todos sabemos que esta medida não impede verdadeiramente a saída de casa e, quando tal ocorre e os meios legais são acionados, já os perigos que se pretendem acautelar estão concretizados.
É que, por um lado, a vigilância electrónica apenas controla os movimentos da pessoa quando esta pretenda ausentar-se do domicílio, sendo ineficaz quanto ao controlo das actividades que a mesma empreenda dentro da habitação.
Tal medida não obsta ao uso do telemóvel por parte do recorrente, nem ao uso de qualquer outro meio electrónico, nem o contacto com terceiros em casa ou a partir de casa.
Por outro lado, também não obstaria a que o arguido viesse a sair da habitação em violação da medida imposta e reiterasse a prática de actos de natureza similar, na medida em que tal medida não representa um obstáculo físico a uma possível ausência ilegítima da habitação, quando é certo que a vigilância electrónica permite apenas detectar a ausência já após a sua verificação.
Se é certo que, sendo detectada uma ausência ilegítima, seria possível a sua nova detenção, esta poderia vir a revelar-se tardia e não impeditiva da reiteração de factos similares, ou seja, da concretização dos perigos assinalados.
A personalidade destemida, temerária e violenta do arguido, permite legitimamente duvidar da sua capacidade de respeitar o comando de se obrigar a permanecer na habitação.
Assim, a possibilidade de vir a ocorrer uma ausência ilegítima afigura-se em concreto real e plausível, quer em face do comportamento já fortemente indiciado nos autos, quer em face da personalidade e características que o mesmo revela ter, onde ressalta a ausência de normatividade, a sua irreverência e a atitude de desrespeito por figuras de autoridade, que permitem concluir que, no caso concreto, a medida de OPHVE se mostra insuficiente para, de forma eficaz, eliminar o perigo concreto de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas (cfr. o Acórdão do Tribunal desta Relação de Lisboa de 20-02-2024, no Processo n.º 357/23.5GACDV-B.L1-5).
E são esses os perigos que devem ser acautelados, não podendo deixar de o ser de forma eficaz, nem podendo correr-se o risco de condutas de índole similar serem repetidas.
Assim, os perigos em concreto assinalados apenas com a prisão preventiva poderão ser eliminados de forma eficiente.
No entanto, a idade do arguido, de apenas 17 anos, e a violência da conduta fortemente indiciada nos autos, aconselhariam a uma maior indagação sobre as suas condições pessoais e familiares, mediante relatório social ou mesmo a realização de uma perícia nos termos expressamente previstos no art. 160º/1 do Código de Processo Penal, o qual preceitua que: Para efeito de avaliação da personalidade e da perigosidade do arguido pode haver lugar a perícia sobre as suas características psíquicas independentes de causas patológicas, bem como sobre o seu grau de socialização. A perícia pode relevar, nomeadamente para a decisão sobre a revogação da prisão preventiva, a culpa do agente e a determinação da sanção. (destacado nosso)
Preceitua ainda o art. 213º/4 do mesmo Código:
4 - A fim de fundamentar as decisões sobre a manutenção, substituição ou revogação da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, o juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido, pode solicitar a elaboração de perícia sobre a personalidade e de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, desde que o arguido consinta na sua realização. (destacado nosso)
Porém, perante os elementos factuais atrás evidenciados, não nos merece censura o despacho recorrido quando decidiu aplicar ao aqui recorrente a medida de prisão preventiva.
Em síntese conclusiva, no condicionalismo fáctico fortemente indiciado acima descrito, apenas a medida de prisão preventiva se mostra suficiente para acautelar eficazmente os perigos em concreto constatados, sendo a mesma necessária, adequada e proporcional, face a tais perigos e à gravidade dos factos fortemente indiciados.
Não se verifica, assim, a violação das normas ou princípios legais ou constitucionais, invocados pelo recorrente.
Em conformidade com todo o exposto, terá de improceder o presente recurso.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, ainda que com fundamentos não inteiramente coincidentes, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando o despacho recorrido.
Custas do recurso a cargo do recorrente, fixando-se em três U.C.s a taxa de justiça (art. 513º/1 do Código de Processo Penal).
Notifique.

Lisboa, 12 de Junho de 2025
(anterior ortografia, salvo as transcrições ou citações, em que é respeitado o original)
Elaborado e integralmente revisto pela Relatora (art.º 94.º n.º2 do C. P. Penal)
Assinado digitalmente pela Relatora e pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos
Paula Cristina Bizarro
Ana Paula Guedes
Ivo Nelson Caires B. Rosa