Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | CARLA FRANCISCO | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO SUBTRAÇÃO DE MENOR INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO INDEMNIZAÇÃO DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 06/18/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROVIDO | ||
| Sumário: | (da responsabilidade da relatora): I - Não impugna correctamente a matéria de facto a recorrente que se limita a impugnar toda a factualidade de onde decorre a sua responsabilização pela prática do crime e pelo pagamento de uma indemnização ao assistente, sem descriminar facto por facto aqueles cuja prova entende não ter sido feita, sem indicar quais os depoimentos das testemunhas que fundamentam a prova dos factos apurados e sem indicar quais as partes da gravação dos depoimentos que o Tribunal de recurso deveria ouvir. II - O crime de subtração de menor consuma-se com a recusa repetida e reiterada, sem justificação válida e atendível, do cumprimento do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais de um menor, estabelecido ou homologado pelo Tribunal, que tenha como consequência o impedimento dos convívios do menor com um dos progenitores ou com ambos, no caso de entrega dos cuidados da criança a uma terceira pessoa. III - Se o Tribunal não apurou as condições pessoais da recorrente relevantes para a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, podendo tê-lo feito, há insuficiência para a decisão da matéria de facto apurada. IV - Derivando o ressarcimento dos danos não patrimoniais da violação de direitos fundamentais, deve-se abandonar um critério miserabilista no que respeita à fixação dos respetivos montantes indemnizatórios. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1– Relatório No processo nº 25/20.0T9ACB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Local Criminal de Alenquer, consta da parte decisória da sentença datada de 7/09/2023, o seguinte: “Em face do exposto, julga-se a acusação pública parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência, decide-se: DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL: i. Absolver a arguida AA da prática de um crime de subtracção de menor, previsto e punido pelo artigo 249.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, com referência ao artigo 28.º, n.º 1, do Código Penal. ii. Condenar a arguida BB pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de subtracção de menor, previsto e punido pelo artigo 249.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, e sujeitar a suspensão à condição de a arguida efectuar o pagamento do valor de €9.253,71 (nove mil duzentos e cinquenta e três euros e setenta e um cêntimos) ao assistente CC, no prazo da suspensão, sendo que a arguida deverá efectuar o pagamento de, pelo menos, metade do referido valor, nos primeiros 12 meses da suspensão da execução da pena, fazendo prova disso nos autos, ao abrigo do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1, 2 e 5 e 51.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.(…) DA RESPONSABILIDADE CIVIL: v. Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente CC parcialmente procedente, por parcialmente provado, e em consequência, decide-se: a. Condenar a arguida/demandada BB no pagamento ao demandante da quantia global de €9.253,71 (nove mil duzentos e cinquenta e três euros e setenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal (4%), desde a data de prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se a arguida/demandada do demais peticionado pelo demandante; b. Absolver a arguida AA do peticionado pelo demandante. (…)” * Inconformada com a decisão condenatória, veio a arguida BB interpor recurso, formulando as seguintes conclusões, após despacho de aperfeiçoamento: “1. Tendo em conta a prova produzida em sede de audiência de julgamento, foram, erradamente, dados como provados os factos n.º 10, 11, 12, 13, 14, 16, 18, 19 e 20. 2. No entanto, e tendo em conta a prova produzida em julgamento, nomeadamente, as declarações do Assistente CC, casado, conforme depoimento, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática com início às 09:54:10 horas e fim às 10:56:11 horas; Declarações das Testemunhas: DD, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática com início às 10:56:46 horas e fim às 11:08:44 horas. EE, gravado através do sistema integrado de gravação digital, com início às 11:09:32 horas e fim às 11:17:33 horas. A testemunha foi confrontada com o teor de fls. 125 verso a 126 dos autos; 3. Ora, das declarações prestadas em sede de julgamento, nomeadamente as supra destacadas, e de acordo com a “fundamentação” constante na sentença recorrida, ficamos sem perceber em que base concreta o Tribunal se baseou para considerar como provado tais factos. 4. Bem como a restante matéria supra destacada e que consideramos como erradamente dada como provada. 5. Tendo em conta a prova produzida, há que perguntar em que base factual concreta o Tribunal se baseou para considerar como provado que: “BB e CC acertaram entre ambos que a menor regressaria aos ..., com a mãe, logo após o termo do período de férias com esta na ... em ........2019; No entanto, em ........2019, via e-mail, BB comunicou a CC que não mais regressaria aos ... com a menor.” 6. Com o devido respeito, as meras declarações do Assistente, parte interessada nos autos, não é suficiente para dar como provada tal matéria, até porque, nada consta nos autos sobre tal acordo entre os progenitores de fazer a menor regressar aos ..., com a mãe, logo após o termo do período de férias com esta na ... em ........20, não existindo assim matéria suficiente para dar como provada tal matéria de facto. 7. Por outro lado, no que se refere ao facto 11 da matéria dada como provada, a decisão recorrida deveria ter dado como provada a data do trânsito em julgado da decisão datada de ........2019, proferida no Processo de Entrega Judicial de Crianças n.º 2278/19.7T8ACB, do Juízo de Família e Menores de .... 8. Seria importante dar como provada esta matéria de facto, de forma a saber quando ficou dirimida a questão da entrega judicial da criança e se efetivamente tal decisão foi notificada à arguida. 9. Dos elementos (documentais) dos autos constam dois factos, deviam ter sido dados como provados, igualmente, os seguintes: a sentença datada de ........2019, proferida no Processo de Entrega Judicial de Crianças n.º 2278/19.7T8ACB, do Juízo de Família e Menores de ... transitou em ........2020; 10. Por outro lado, a sentença recorrida reconhece que tal decisão nunca foi notificada à arguida (Cfr. al. a) dos factos não provados). 11. Reconhece ainda que existia um litígio entre os progenitores, nomeadamente que existia um processo em curso no Tribunal de Família e Menores de ... envolvendo as partes, bem como que foi proferida uma sentença de entrega da criança aos .... 12. Não compreendemos assim como se entende que a Arguida praticou um crime, quando a decisão do Tribunal ainda não tinha sido notificada à mesma no decurso do processo. 13. Ou seja, dos autos resulta de forma inequívoca que a Arguida não sabia que incorria na obrigação de entregar a criança aos .... 14. Nenhuma das testemunhas inquiridas provou ou demonstrou os elementos de facto que permitissem dar como provada a matéria supra descrita. 15. Houve assim, na sentença recorrida, factos que foram incorrectamente julgados, padecendo do vício de insuficiência para a decisão da prova e falta de exame crítico da mesma, nos termos dos artigos 410º, nº 2, al. a), artigo 410º, nº 1, al. b) e erro notório na apreciação da prova, a que se refere o artigo 410º, al. c) conjugado com o artigo 379º, al. a) e c) do artigo 374º, nº2, todos do CPP. 16. Vem a ora Arguida sentenciada numa pena de 9 meses pelo crime de subtração de menores previsto no artigo 249.º n.º 1 alínea c), e com o devido respeito, não se pode concordar, pois não estão reunidos os pressupostos para condenar o Arguida. 17.O bem jurídico aqui protegido é o interesse da menor a uma relação de proximidade com os seus progenitores 18. Apenas nestas circunstâncias é que se torna exigível que o Estado crie mecanismos legais expeditos para o cumprimento, devendo o direito penal ser a ultima ratio da intervenção estadual nas relações sociais, tendo que se encontrar um ponto de equilíbrio. 19. Tendo em conta o critério da conduta, o delito apresenta-se como de execução vinculada, porquanto só as específicas modalidades descritas no tipo-de-ilícito objectivo são aptas a consumar o crime» (cf. André Lamas Leite, ob. cit, p. 99, segs.) Segundo ANDRÉ LAMAS LEITE, 20. Sabemos que, por norma, o Estado não deve intervir nas relações familiares, salvo se existir um interesse superior que o exija. Com relevância, cita-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25.03.2010, em que foi relator Joaquim Gomes, proferido no proc. 1568/08.9PAVNG.P1, disponível em www.dgsi.pt no qual se diz claramente que "não basta um mero incumprimento do regime de visitas ou das responsabilidades de guarda do menor, para que se tipifique o crime de subtracção de menor, na vertente do subtipo do art. 249°, 1, al. c) do C. Penal (recusa de entregar o menor à pessoa que sobre ele exerce poder paternal ou tutela, ou a quem ele esteja legalmente confiado)". 21. O mero incumprimento da regulação das responsabilidades parentais não reclama desde logo a intervenção estatal, nomeadamente a intervenção do direito penal, existindo outros instrumentos para fazer cumprir esse regime. 22. Nestes autos, resulta provado que se deu entrada de um processo para que as autoridades portuguesas fizessem regressar a menor no Tribunal De Família de ..., com o número 2278/19.7T8ACB. 23. No entanto, há que ter em atenção (e tal ficou demonstrado na decisão recorrida) que o assistente em nada investia para estar com a filha, tendo vindo apenas a Portugal três vezes, conforme consta dos factos dados como provados n.º 30. E em nenhuma dessas 3 vezes o fez por iniciativa própria – veio porque ora foi convocado para o Processo Tutelar de ..., ora porque as autoridades o convocaram. 24. Tal como resulta da factualidade dada como provado, a Arguida não foi notificada no âmbito ao processo acima referido, pelo que, não poderia ter conhecimento que era sua obrigação entregar a criança , e que esta conduta lhe era devida, não estando verificados os pressupostos para que a Arguida estivesse a cometer o tipo de crime pelo qual foi condenada. 25. Todavia, tendo presente a falta de notificação à Arguida está justificada a sua atuação, afastando a respetiva tipicidade. 26. O legislador, na própria descrição do tipo, não se mostrou insensível à ordem de considerações acima enunciadas e que apontam no sentido do funcionamento das causas de justificação da ilicitude ou de exclusão da culpa previstas a título exemplificativo no CP. 27. A utilização do conceito «injustificado» abrangerá outras hipóteses que, não preenchendo expressamente a totalidade dos requisitos daquelas figuras justificadoras, se aproximem materialmente. 28. Não é qualquer justificação que permite afastar a previsão da norma, mas apenas aquelas condutas que se prendem com questões de particular relevo para a vida da criança, designadamente a sua saúde, educação e bem-estar. 29. E já não, por regra, situações relacionadas com o próprio progenitor, salvo se forem inusitadas, inultrapassáveis ou de força maior. 30. É de extrema importância recordar que a guarda da menor FF era partilhada, havendo responsabilidade dos dois progenitores. 31. Quando o progenitor refere que a Arguida não lhe permitia ver a filha, fá-lo com demasiado exagero, pois era o Pai que não a procurava. 32. Concluindo que a conduta do Arguida não configura um incumprimento injustificado, pois não estão preenchidos os elementos tipificadores do crime de subtração menores, p. e p. pelo art. 249º n.º 1 al. c) do Cód. Penal, devendo esta ser absolvida. 33. Por outro lado, a sentença recorrida é nula nos termos do artigo 379º do Código do Processo Penal. pois a sentença recorrida condena a Arguida, apesar da sua decisão não ser corroborada pela prova produzida em julgamento, bem como não teve em devida conta todos os elementos produzidos e juntos aos autos. 34. Na sentença recorrida existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova. 35. Deixando o Tribunal “a quo” de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, nomeadamente as já alegadas nesta peça processual, ou apreciando-as deficientemente, como acima já se disse. 36. É indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. Lendo, atentamente, a sentença recorrida, nesta parte, ou noutra parte qualquer, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo da condenação da Arguida. 37. A sentença recorrida viola ainda os artigos 207.º e 208.º da Constituição da República Portuguesa. 38. Assim, dúvidas não existem de que a condenação da Arguida é ilegal e inconstitucional, violando-se consequentemente o disposto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa. 39. A decisão recorrida viola, também, o disposto nos artigos 374º e 375º do C.P.P. 40. No respeitante à condenação em indemnização a pagar pela Arguida ao assistente, para efeito de determinação do montante a liquidar em termos de indemnização civil, não se poderá concordar, uma vez que, como demonstrado, a Arguida não praticou os crimes em causa, deve ser absolvida tanto na parte criminal como na parte civil. 41. Não obstante, a decisão recorrida baseia-se em declarações do Assistente, que é parte interessada no desfecho do processo, ao contrário de se basear em provas concretas que não as da parte deste. 42. As viagens do Assistente não foram dadas como provadas, bem como não se deu como provado o pagamento de honorários ao advogado do Assistente (cfr, als. I), M) e N) da matéria de facto dada como não provada). 43. Apesar disso, a sentença recorrida dá como provada esta mesma matéria, existindo contradição na decisão recorrida sobre este aspecto – o que enferma a decisão de nulidade. 44. Nunca poderia, o Tribunal “a quo”, fundamentar a sua convicção, com especial relevo nas declarações prestadas pelo Assistente, na medida em que este é Parte Interessada, sendo, por isso, os seus depoimentos, de reduzida credibilidade. 45. Tendo em consideração a conjugação da prova produzida, a Arguida, não se conforma com a apreciação da prova realizada pelo douto Tribunal a quo, relativamente aos factos dados como provados sob os pontos: 22, 28,33, 34, 35 e 36. 46. Relativamente ao facto 28, foi erradamente dado provado, pois o Assistente não tinha notícias da filha porque não a procurava, 47.Quanto aos factos n.º 22, 33, 34, 35 e 36, não foi produzida prova documental suficiente para que o Tribunal tivesse convicção plena da sua veracidade, baseando-se ainda nos depoimentos das testemunhas que estavam bastante comprometidas, sendo a família direta do Assistente. 48. O assistente alega que era seguido em consultas de psiquiatria e que estava a tomar medicação para dormir., mas em momento algum junta prova documental que o ateste, como por exemplo: faturas da farmácia, faturas das consultas no psiquiatra, entre outros, não merecendo credibilidade. 49. Nestes termos, e com o devido respeito, não se percebe como os seus depoimentos das testemunhas serviram para o Tribunal a quo fundamentar o que quer que seja e, quanto mais, para credibilizar a narrativa do assistente quanto ao seu pedido de indemnização civil. 50. A decisão recorrida arbitra a favor do Assistente um valor exageradamente elevado de danos não patrimoniais, no montante de 5.000€! 51. Estamos a falar de um Pai que nunca se deu ao trabalho de vir procurar a filha por sua iniciativa. 52. Mesmo assim, o Tribunal apesar de todas estas contradições atribui e arbitrou uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de 5.000€. 53. Por outro lado, sendo uma decisão arbitrária do Tribunal, trata-se de uma decisão surpresa proibida no nosso ordenamento jurídico, sofrendo assim a decisão de nulidade que desde já aqui se invoca com todos os efeitos legais. 54. A Arguida foi condenada na pena de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, sujeitando a suspensão à condição do pagamento do valor de 9.253,71€ ao Assistente, sendo que metade do valor teria que ser pago nos primeiros 12 meses da suspensão. 55. Socorrendo-nos dos factos dados como provados na douta sentença, nomeadamente ao ponto 39, a ora Arguida não pode de modo algum concordar que, dispondo de um rendimento mensal que somente lhe assegura as suas necessidades básicas da vida corrente, deva ficar com o dever subordinado da suspensão da execução da pena de prisão mediante o pagamento da quantia de 9.253,71€ ao Assistente, no prazo de dois anos. 56. Caso a Arguida tenha que fazer esse pagamento dificilmente, conseguirá pagar as suas contas do dia-a-dia, arruinando por completo a sua vida socioeconómica, 57. E, conforme dado como provado no ponto 37 da douta sentença, a Arguida não tem quaisquer antecedentes criminais, encontrando-se perfeitamente inserida social e profissionalmente. 58. Os deveres a impor pelo Tribunal à Arguida não podem em caso algum representar para esta obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir, tal como preceituado no artigo 51º, nº 2, do Código Penal. 59. Deverá haver um princípio de razoabilidade. 60. Para isso, o Tribunal deveria ter averiguado a situação económico-financeira da Arguida, indagando (além de outros, que entenda convenientes e relevantes), qual o agregado familiar, quais as suas despesas mensais, a existência de bens imóveis que sejam sua propriedade, entre outros. 61. Só depois, poderia decidir-se, com todos os elementos necessários, da suspensão condicionada ao pagamento da indemnização ao Assistente. 62. E por isto, a Arguida entende que o Tribunal a quo aplicou uma pena demasiado excessiva e gravosa, avaliando objetivamente a conduta e as condições socioeconómicas desta. 63. O Tribunal deve abster-se de condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento, total ou parcial, da indemnização civil arbitrada nos autos, se as condições pessoais (económico-financeiras) da Arguida, ao tempo da condenação e dentro do futuro previsível, não lhe possibilitarem, sem culpa sua, a satisfação de tal condição (sem colocar em causa a sua subsistência). 64. A sentença não apurou se a Aguida possui (ou não) quaisquer perspectivas favoráveis com vista ao pagamento da indemnização arbitrada, e por isto enferma do vício referido na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do C. P. Penal (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada). 65. A douta sentença recorrida deverá, assim, ser revogada, por violar os princípios básicos de determinação da medida da pena, ao arrepio dos critérios previstos nos arts. 71º e 40º do Código Penal, bem como padece, pois, do vício prevenido na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do C. P. 66. Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio, admitindo que o Tribunal ad quem julga a Arguida culpada, terá que se ter em consideração o seguinte: 67. A Arguida nasceu a .../.../1990, ou seja, à data da prática dos factos tinha entre 28 a 30 anos de idade. 68. A Lei n.º 38-A/2023, de 02/08, veio aprovar um perdão de penas e uma amnistia de infracções, tendo entrado em vigor no dia 01/09/2023. 69. No entanto, o Tribunal entende, na douta sentença, que embora a Arguida seja abrangida pelo âmbito subjetivo do referido diploma, como pena aplicada é suspensa na execução, não beneficia de perdão conforme a excepção prevista no artigo 3.º, n.º 2 al. d), da referida Lei. 70. É do entendimento da Arguida que não sendo justa e equitativa a pena que é aplicada, devendo a esta ser aplicada a pena de prisão de 9 meses, sem suspensão da pena (...), com todos os argumentos já aduzidos em supra, por isso, seria apenas aplicada a pena de 9 meses de prisão que se encontra dentro do âmbito do artigo 3.º, n.º1. Devendo a Lei n.º 38-A/2023, de 02/08 ser aplicada à Arguida. 71. Deverá assim revogar-se a decisão recorrida.” * O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo. * O Ministério Público apresentou resposta ao recurso da arguida, sem formular conclusões, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da decisão recorrida. * Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer, nos seguintes termos: “Inconformada com a condenação sofrida pela prática de crime de subtracção de menor, art.º 249.º n.º 1, c) CP, na pena de 9 meses de prisão, suspensa por 2 anos, sob condição de pagamento de indemnização no valor de 9253.71 Euros (metade do valor a pagar na primeira metade da suspensão), vem a arguida pedir melhor justiça ao Tribunal da Relação de Lisboa. Pede a revogação da sentença recorrida, apontando-lhe vários vícios Nomeadamente teriam sido mal julgados diversos pontos de facto, que identifica; Alega ainda que não se verifica o crime de subtracção de menor, por não ter a arguida incorrido em “incumprimento injustificado” quanto à entrega da criança; Invoca a nulidade da sentença (art.º 379.º CPP), por insuficiente fundamentação e imputa à sentença os vícios do art.º 410.º n.º 2 CPP. Igualmente contesta a indemnização cível arbitrada. Ataca ainda a sentença na decisão sobre a suspensão da pena, argumentando com a inadequação da condição de suspensão face ao seu trem de vida, invocando o art.º 51.º n.º 2 CP. Por fim a arguida reclama em seu benefício a aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02/08. Ao recurso interposto, ofereceu o MP junto da primeira instância a sua resposta. Exceptuando a questão da (i)rrazoabilidade da condição de suspensão da pena, o signatário revê-se por inteiro na resposta oferecida pelo MP junto da primeira instância, que sufraga e faz sua. Esta resposta, porém, não aborda a questão da aplicabilidade da Lei n.º 38-A/2023, de 02/08 que o arguido vem pedir. É, porém, evidente que o tribunal a quo fez a correcta aplicação deste diploma (al. d), n.º 2 do art.º 3.º da L. 38-A/2023), pelo que nenhuma censura nos merece esta decisão. A condição de suspensão da pena imposta pelo tribunal a quo à arguida é deveras problemática. Com os elementos de facto recolhidos nos autos relativamente à situação económica da arguida essa condição é irrealizável, estando a arguida condenada, a prazo, a ter de cumprir a pena de 9 meses de prisão. Como se sabe, o legislador abraçou um critério de razoabilidade e de expectável capacidade de cumprimento, ao admitir que uma pena de prisão fique suspensa no seu cumprimento, sob condição. Di-lo no art.º 51.º n.º 2 CP, estatuindo que “Os deverás impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimentos não seja razoavelmente de lhe exigir”. O segmento da sentença que ora importa reza que “Condenar…pena de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, e sujeitar a suspensão à condição de a arguida efectuar o pagamento do valor de €9.253,71 (nove mil duzentos e cinquenta e três euros e setenta e um cêntimos) ao assistente CC, no prazo da suspensão, sendo que a arguida deverá efectuar o pagamento de, pelo menos, metade do referido valor, nos primeiros 12 meses da suspensão da execução da pena, fazendo prova disso nos autos, ao abrigo do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1, 2 e 5 e 51.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.”. A agravar os termos rigorosos da suspensão, intervém uma cláusula que obriga a arguida a pagar 50% daquele valor nos primeiros 12 meses da suspensão, isto é, cerca de 4200 Euros. Pode a condição económica da arguida suportar razoavelmente esta obrigação? O facto provado respectivo, reza que. “38. A arguida BB exerce actividade laboral, auferindo mensalmente quantia variável, entre €750 a cerca de €990.”. Segundo dados disponíveis no site do Instituto Nacional de Estatística, o Limiar de Pobreza em Portugal, isto é, o valor do rendimento mensal abaixo do qual o cidadão é considerado “pobre”, situa-se em valores da ordem de 540 Euros. A arguida encontra-se muito perto desse limiar, um pouco acima, apenas. Nada mais tendo a sentença apurado sobre a situação económica da arguida, parece evidente que a decisão sindicada viola o art.º 51.º n.º 2 CP ao impor uma condição manifestamente irrealizável. Esta decisão do tribunal é tão mais criticável quanto obriga a arguida a um pagamento avultado nos primeiros 12 meses do período de suspensão. Não se nos oferece crítica alguma o quantum da indemnização arbitrada, apenas nos parece evidente que os termos da condição são um fardo insuportável para a arguida, pelo que nesta parte o recurso deveria ter provimento, alargando-se substancialmente o prazo de cumprimento da condição. Discorrendo sobra a razoabilidade da condição imposta, o acórdão tirado na Relação do Porto, Processo n.º 776/05.9TDPRT.P4, admitindo embora a substancial redução do trem de vida do obrigado, estabelece ainda assim uma linha vermelha: o respeito pela dignidade humana. Neste sentido, assim reza a conclusão III (sumário) do dito acórdão: “Nestes casos, e em atenção a essa gravidade, justifica-se que o condenado reduza significativamente o trem de vida a que estava habituado e que corresponde ao seu estatuto social, sem que seja atingido o nível mínimo imposto pelo respeito pela dignidade humana.”. Ora, não se vislumbra como há-se a arguida conservar um módico de dignidade, auferindo entre 750 e 990 Euros por mês, e tendo de satisfazer em 24 meses a obrigação da pagar mais de 9.000 Euros. Estamos em crer que é matéria a merecer melhor juízo, por parte da Relação de Lisboa. Em resumo, o signatário defende a rejeição do recurso, excepto quanto à questão da condição de suspensão da pena, pela flagrante violação do disposto no art.º 51.º n.º 2 CP, justificando-se substancial alargamento do prazo de cumprimento da obrigação. A final, porém, melhor será dito por V.ªs Exas.” * Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal. * Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência. * 2 – Objecto do Recurso Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art.º 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.») À luz destes considerandos, são as seguintes as questões que cumprem apreciar: - Nulidade da sentença recorrida por falta de exame crítico da prova; - Verificação dos vícios previstos no art.º 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) do Cód. Proc. Penal; - Erro de julgamento; - Qualificação jurídica dos factos; - Condições da suspensão da execução da pena de prisão; - Montante indemnizatório; - Aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 02/08. * 3- Fundamentação: 3.1. – Fundamentação de Facto A decisão recorrida considerou provados e não provados os seguintes factos e com a seguinte motivação: “2.1. Matéria de Facto Provada Realizada a audiência de julgamento, encontram-se provados, com relevância para a boa decisão da causa, os factos seguintes: 1. A arguida BB é filha da arguida AA. 2. BB casou em ........2010 com CC. 3. Desse casamento nasceu, em ........2014, a menor FF. 4. BB e CC divorciaram-se por sentença datada de ........2017 e transitada em julgado em ........2017. 5. BB e CC residiram com a menor FF, seja durante o casamento, seja após o divórcio, nos .... 6. Na sequência do divórcio de BB e CC, foi fixado, em ........2016, por acordo do exercício das responsabilidades parentais firmado entre ambos, um regime de guarda partilhada com residência principal da menor junto de BB e residência alternada semanal da menor junto de cada um dos progenitores, também nos .... 7. Em ........2019, BB deslocou-se com a menor a Portugal, mediante combinação prévia com CC, para passar as férias do Verão. 8. Também CC se deslocou nesse Verão a Portugal, ficando, mediante combinação prévia com BB, com a menor a seu cargo cerca de 15 dias, após o que a entregou a BB, regressando aos .... 9. BB e CC acertaram entre ambos que a menor regressaria aos ..., com a mãe, logo após o termo do período de férias com esta, na ..., em ........2019. 10. No entanto, em ........2019, via e-mail, BB comunicou a CC que não mais regressaria aos ... com a menor. 11. Por decisão datada de ........2019, proferida no Processo de Entrega Judicial de Crianças n.º 2278/19.7T8ACB, do Juízo de Família e Menores de ..., transitada em julgado, determinou-se o regresso imediato da menor aos .... 12. No entanto, entre ........2019 e ........2021, BB ausentou-se com a menor, não revelando o seu paradeiro, seja a CC, seja às autoridades judiciais e, por via destas, policiais, que encetaram diligências para lograr o regresso da menor aos .... 13. Durante esse período, CC viu-se impedido de contactar, por qualquer forma, com a menor, por lhe ser ocultado o paradeiro da mesma e/ou vedado qualquer contacto com a menor, ainda que não presencial, com ressalva tão só de telefonema breve efectuado pela menor em ........2020 do telemóvel com o n.º .... 14. Em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a ........2021, BB pediu a GG que a deixasse residir com a menor na residência daquela, sita na ..., de modo a perpetuar a violação do acordado. 15. AA aquiesceu ao que lhe foi pedido. 16. BB e a menor passaram assim a residir na dita habitação de AA, e com a mesma, onde permaneceram até ao dia ........2021. 17. AA não revelou a CC, nem às autoridades judiciais e/ou policiais, o paradeiro da menor. 18. No dia ........2021, na sequência de acção policial, foi descoberto o paradeiro da menor. 19. A arguida BB actuou de forma livre, deliberada e consciente, gizando BB um plano para impedir qualquer contacto entre CC e FF, com total ruptura na relação entre ambos e ao arrepio do regime estabelecido para a convivência da menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais a que BB estava obrigada, que concretizou. 20. A arguida BB sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL: 21. CC deslocou-se, pelo menos, numa ocasião, à residência de AA. 22. Em consequência directa e necessária da descrita conduta da arguida BB, o assistente sentiu desespero. 23. A polícia holandesa foi informada e o assistente contactou um advogado na ... para ajudar a fazer a queixa junto das autoridades holandesas. 24. O assistente deu entrada do processo para as autoridades portuguesas fazerem regressar a menor. 25. Em consequência directa e necessária da conduta da arguida BB, o assistente contactou uma advogada em Portugal para o representar junto das autoridades portuguesas. 26. Em consequência da descrita conduta da arguida, o assistente teve necessidade de se deslocar ao Tribunal de Família de ... para uma conferência no processo n.º 2278/19.7T8ACB. 27. A arguida encontrava-se presente em tal conferência, tendo-se recusado a dizer onde se encontrava a menor. 28. Desde o dia ... de ... de 2019 até ... de ... de 2021, o assistente não sabia onde estava a menor, não sabia se estava bem ou mal, e se estava bem de saúde. 29. Em ... o assistente foi contactado pelas autoridades portuguesas para vir buscar a menor, que havia sido encontrada em Lisboa, tendo, nessa sequência, efectuado uma deslocação da ... a Portugal. 30. Desde o dia ... de ... de 2019 até ... de ... de 2021, em consequência da descrita conduta da arguida, o assistente teve de se deslocar da ... a Portugal, pelo menos por três vezes: em ..., por força da conferência no âmbito do processo 2278/19.7T8ACB; em ... de ... de 2020, após o contacto das autoridades portuguesas, nos moldes descritos no ponto precedente; e em .../.../2021, quando a FF foi encontrada em .... 31. Em consequência directa e necessária da descrita conduta da arguida BB, o assistente suportou o valor de €1.022,50 com viagens. 32. Em consequência directa e necessária da descrita conduta da arguida BB, o assistente suportou o valor de €3.231,21 com honorários de advogado. 33. Em consequência directa e necessária da descrita conduta da arguida, o assistente sofreu grande angústia, pressão, noites sem dormir, insónias e grande sofrimento, que o levou a ter ajuda médica, tendo passado a ser medicado para dormir e para a ansiedade. 34. Em consequência directa e necessária da descrita conduta da arguida, o assistente sentiu medo de não voltar a ver a filha novamente, e não conseguia olhar para as fotografias da FF sem chorar. 35. O assistente efectuou pesquisas na internet à procura de alguns amigos ou contactos das arguidas que pudessem levar a alguma informação. 36. A descrita conduta da arguida BB causou ao assistente, em consequência directa e necessária, ao longo do período compreendido entre .../.../2019 até .../.../2021, intenso sofrimento, angústia, desespero e tristeza. Mais se apurou que: 37. Não se encontram averbadas quaisquer condenações nos Certificados do Registo Criminal das arguidas. 38. A arguida BB exerce actividade laboral, auferindo mensalmente quantia variável, entre € 750 a cerca de 990. 39. A arguida AA exerce actividade laboral, auferindo mensalmente € 760,00. * 2.2. Matéria de Facto Não Provada Com relevo para a boa decisão da causa, não se provou que: a) A decisão datada de ........2019, proferida no Processo de Entrega Judicial de Crianças n.º 2278/19.7T8ACB, do Juízo de Família e Menores de ... foi notificada a BB. b) Em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a ........2021, BB informou AA do seu propósito de impedir qualquer contacto entre a menor FF e CC, em violação do acordado em sede de regulação do exercício das responsabilidades parentais a que esteva obrigada e ao arrepio de determinação judicial de regresso imediato da menor aos .... c) BB pediu a AA que não revelasse a terceiros o descrito em 14.. d) AA aquiesceu ao que lhe foi pedido, aderindo assim ao plano gizado por BB. e) A arguida AA actuou de forma livre, deliberada e consciente, aderindo ao plano delineado por BB, agindo em comunhão de esforços para atingir tal objectivo, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL: f) CC deslocou-se mais do que uma vez à residência de AA. g) O assistente temia que a filha já não estivesse viva. h) Em consequência directa e necessária da descrita conduta da arguida, o assistente chorava constantemente. i) Em consequência directa e necessária da descrita conduta da arguida BB, o assistente sentiu dores de cabeça, sentiu dor semelhante a luto e julgava que a filha estava morta. j) O pai do assistente foi hospitalizado porque não conseguia tolerar a falta de notícias e o medo de não ver mais a neta. k) Em consequência das deslocações a Portugal, o assistente colocou em causa o seu emprego. l) O valor despendido pelo assistente em viagens ascendeu ao valor de 1.532,10. m) O valor despendido pelo assistente com honorários de advogado ascendeu ao valor de €4.470,61. n) Em consequência directa e necessária da descrita conduta da arguida BB, o assistente suportou o valor de €1.260,49 com autenticações e traduções. o) A factualidade descrita em 21. a 36. resultou em consequência directa e necessária da conduta da arguida AA. * No mais, inexistem factos não provados, sendo que não foi considerada a matéria de Direito, genérica, conclusiva, meramente negatória, ou sem relevância para a boa decisão da causa. Em particular, considerou-se alegada em termos genéricos e conclusivos a factualidade vertida nos artigos 38.º e 39.º do pedido de indemnização civil. * 2.3. Motivação da Decisão de Facto Relativamente à matéria da acusação, o Tribunal formou a sua convicção com base nas declarações do assistente e nos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, conjugados com a prova documental junta aos autos, tendo tal prova sido concatenada entre si e apreciada segundo as regras da experiência e ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal. Foram inquiridos: - DD, Inspector da Polícia Judiciária com intervenção nos factos; - EE, agente da PSP com intervenção nos factos; - HH, sogra do assistente; - II, cunhada do assistente; - JJ, mãe do assistente; - KK, amigo da arguida BB. As arguidas optaram por não prestar declarações quanto aos factos que lhes são imputados, exercendo o direito ao silêncio que lhes assiste. No que concerne à matéria vertida nos pontos 1 a 4 da matéria de facto provada, a decisão do Tribunal fundou-se no teor dos assentos de nascimento da menor FF e da arguida BB, de fls. 465 e 468 frente e verso, e do assistente, com a Ref.ª Citius 156857610. No que tange à factualidade constante dos pontos 5 a 6 da matéria de facto provada, a decisão do Tribunal estribou-se no teor da decisão proferida no processo de Entrega Judicial de Crianças n.º 2278/19.7T8ACB, do Juízo de Família e Menores de ..., cuja cópia consta de fls. 6 a 10, e nas declarações do assistente, que igualmente confirmaram a aludida factualidade, sem que tenham sido produzidos quaisquer meios de prova em sentido contrário. No que respeita à factualidade vertida nos pontos 7 a 10 e 12 a 18 da matéria de facto provada, a decisão do Tribunal fundou-se nas declarações do assistente, que relatou a aludida factualidade no exacto sentido em que resultou assente, as quais se revelaram consentâneas com o teor da informação do Gabinete Nacional Sirene de fls. 15 e 110; informação do SEF de fls. 16 e 161; informação policial de fls. 181; informação do ... de fls. 182; autos de diligência de fls. 203 a 206; informação da ... de fls. 282 e 321; informação dos SPMS de fls. 331; e informação de piquete de fls. 335. As declarações do assistente mostraram-se também secundadas, quanto à circunstância de o mesmo ter ficado sem notícia do paradeiro da filha entre ... até à data em que veio a ser encontrada na residência da avó materna, pelos depoimentos de JJ, mãe do assistente, e HH, sogra do assistente, que acompanharam a vivência do assistente ao longo do decurso de tal período. Teve-se também em consideração o depoimento de EE, agente da PSP, que relatou ter constatado a menor, na presença da arguida BB, numa residência em Lisboa, na execução de mandado, em .../.../2020, confirmando o teor da participação de fls. 125 verso a 126, por si elaborado. Mais confirmou que a arguida BB se recusou a entregar a menor e que, por não dispor de autorização para o efeito, a criança não foi retirada coercivamente da residência. O depoimento do agente inquirido revelou-se espontâneo e isento, revelando conhecimento directo dos factos, adquirido no exercício das suas funções, e mostrou-se consentâneo com o teor do mandado para entrega de criança de fls. 127, e das informações de fls. 127 verso a 128. No que respeita ao circunstancialismo em que a menor foi detectada e entregue à família paterna, atendeu-se também ao depoimento de DD, Inspector da Polícia Judiciária que descreveu o circunstancialismo em que encontrou a menor, confirmando, em particular, que a mesma se encontrava na casa da arguida AA, sua avó, na presença da mãe (arguida BB). Confirmou o teor do auto de diligência de fls. 414 a 415 verso, por si elaborado, explicando que as fotografias nele ínsitas espelham a realidade constatada no local. O depoimento do inspector inquirido revelou-se objectivo, isento, espontâneo, seguro e esclarecedor, tendo revelado conhecimento directo dos factos, adquirido no exercício das suas funções, e mostrou-se consentâneo com o teor do auto de diligência de fls. 414 a 415 verso, mandados de busca e apreensão de fls. 416 a 418, e auto de busca e apreensão de fls. 419 a 420, pelo que mereceu credibilidade. Ora, o assistente descreveu de forma espontânea, segura, coerente, esclarecedora, contextualizada e circunstanciada a dinâmica dos acontecimentos, tendo efectuado um relato que se manteve consistente ao longo de todo o seu depoimento, não tendo sido notadas incongruências ou quaisquer outras circunstâncias que fizessem suscitar dúvida sobre a veracidade das suas declarações, tendo apresentado uma versão lógica e congruente dos acontecimentos, e como tal, plausível e verosímil, tendo as suas declarações sido secundadas pela referida prova testemunhal e documental, sem que a sua versão dos acontecimentos tenha sido contrariada por qualquer meio de prova. Acresce que as arguidas não apresentaram qualquer versão alternativa dos acontecimentos, que contrariasse ou suscitasse dúvida sobre a veracidade dos meios de prova produzidos. Assim, as declarações do assistente mereceram credibilidade e revelaram-se suficientemente seguras e consistentes para, em conjugação com a referida prova testemunhal e documental, permitir a demonstração suficiente da aludida factualidade. No que respeita à factualidade vertida no ponto 11 da matéria de facto provada, a decisão do Tribunal fundou-se no teor da decisão proferida no processo n.º 2278/19.7T8ACB, de fls. 6 a 10 verso, e no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/02/2020, que a confirmou, de fls. 45 a 57. Relativamente aos elementos psicológicos e volitivos imputados à arguida BB, a convicção do Tribunal resultou de uma apreciação da factualidade objectiva apurada à luz das máximas da experiência comum e das regras do normal acontecer, tendo-se considerado que aqueles elementos decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras de normalidade, da descrita conduta da arguida. Com efeito, a arguida estava ciente do regime de regulação das responsabilidades parentais em vigor, e que ao não entregar a criança ao pai em .../.../2019, conforme estipulado, e ao manter o pai em total desconhecimento quanto ao paradeiro da criança, e privando-o de qualquer contacto (com excepção de um único telefonema) durante um período de dezassete meses, incumpria manifesta e grosseiramente o regime estabelecido para a convivência da menor com o progenitor, recusando e obstaculizando a entrega da menor ao progenitor, não podendo deixar de saber que se tratava de conduta proibida e punida por lei, dada a evidente carga axiológica negativa de tal comportamento. No que respeita à factualidade vertida nos pontos 21 a 36 da matéria de facto provada, a decisão do Tribunal fundou-se, em primeira linha, nas declarações do assistente, que descreveu de forma espontânea, segura e coerente, os sentimentos que vivenciou em consequência das descritas condutas da arguida e o impacto que as mesmas tiveram no seu quotidiano, perturbando o seu descanso, levando-o a ter acompanhamento por médico psiquiatra e a tomar medicação para a ansiedade e para dormir. As declarações do assistente afiguraram-se consentâneas com as máximas da experiência comum, atenta a idoneidade das condutas encetadas pela arguida a suscitar tais consequências e sentimentos, e mostraram-se secundadas pelos depoimentos de JJ, HH e II, que descreveram de modo circunstanciado e congruente entre si, o estado de espírito do assistente que constataram desde o momento em que a menor não foi entregue ao pai até que a mesma lhe foi entregue, tendo atestado, em particular, que o assistente entrou em desespero e ficou em pânico, estava muito triste e sofreu muito, foi seguido em psiquiatria (JJ), estava muito em baixo (JJ e II), passou muito mal e tomou medicação para dormir (HH). Os depoimentos das referidas testemunhas afiguraram-se espontâneos, claros, seguros e congruentes entre si, denotando conhecimento directo dos factos, adquirido por força da convivência que mantinham e/ou mantêm com o assistente, pelo que mereceram credibilidade. No que respeita à factualidade vertida nos pontos 29 e 30 da matéria de facto provada, as declarações do assistente mostraram-se também secundadas pelos depoimentos de JJ e HH, e pelo teor dos documentos de fls. 125 verso a 128; 575 a 589, 597, 598, 602, 605 a 608, e respectiva tradução de fls. 689 a 692. No que tange à factualidade vertida no ponto 31 da matéria de facto provada, teve-se em consideração as declarações do assistente e o teor dos comprovativos de reserva das viagens de fls. 575 a 589, 597, 598, 602, 605 a 608, e respectiva tradução de fls. 689 a 692, que totalizam o valor de €1.612,09, sendo que apenas o valor €1.022,50 corresponde a viagens efectuadas pelo assistente (€141 + €79,99 + €144,99 + €361,73 + €149,33 (1/3 de €448, considerando que o valor de €448 se reporta a 3 passageiros) + €145,46 (1/3 de €436,38, considerando que o valor de €436,38 se reporta a 3 passageiros). No que concerne à factualidade vertida no ponto 32 da matéria de facto provada, teve-se em consideração as declarações do assistente e o teor das facturas de fls. 613-614, 618-619, 623-625, 630-631, 635-636, 642-643, e respectiva tradução de fls. 692 verso a 698 verso, sendo que a factura junta como documento 11 do pedido de indemnização civil traduz uma repetição/duplicação da factura junta como documento 10 (cfr. fls. 541-542, 642-643 e 698 frente e verso), pelo que o seu valor (do documento 11) não foi considerado. Relativamente à ausência de antecedentes criminais das arguidas, teve-se em consideração o teor dos Certificados do Registo Criminal juntos aos autos, de fls. 666 e 668. No que respeita à matéria vertida nos pontos 38 e 39 da matéria de facto provada, a decisão do Tribunal fundou-se no teor das pesquisas na base de dados da Segurança Social de fls. 667 e 669, e nos extractos da Segurança Social de fls. 674 a 681. No que concerne às condições pessoais e económicas das arguidas nada mais se apurou, já que as mesmas não prestaram declarações e a testemunha KK não revelou conhecimento seguro e suficientemente esclarecido sobre tal matéria. A decisão do Tribunal no que respeita à matéria vertida na alínea a) da matéria de facto não provada, resultou da sua ausência de demonstração suficiente, pois pese embora a existência de uma decisão proferida em segunda instância (fls. 45 a 58 verso) evidencie que a arguida teve conhecimento da decisão proferida em primeira instância (e, tendo tomado conhecimento do seu teor, não se conformou com a mesma, tendo decidido impugná-la), não se encontra junto aos autos documento comprovativo de tal notificação, pelo que se considerou insuficientemente demonstrada tal matéria. A decisão do Tribunal no que tange à factualidade vertida nas alíneas b) a e) e o) da matéria de facto não provada, resultou da sua ausência de demonstração suficiente. Com efeito, a menor foi encontrada em .../.../2021 na residência da arguida AA, a pernoitar, na presença da arguida BB. Por outro lado, o assistente relatou que se deslocou à residência de AA, no Natal de 2020, e que a mesma lhe referiu, directa e pessoalmente, não saber do paradeiro de BB e da menor. Explicou que permaneceu no exterior da residência, não tendo acedido ao seu interior, e que não se apercebeu de qualquer circunstância que indiciasse a presença da menor no local. Nenhum outro meio de prova implicou a arguida AA na prática dos factos. Ora, a prova produzida não permitiu concluir, de forma minimamente segura, desde quando a menor e a sua mãe pernoitavam na casa da arguida AA. Com efeito, o próprio assistente, que se deslocou à residência de AA duas a três semanas antes de a menor ser localizada (em .../.../2021), não detectou qualquer sinal indicativo da presença da menor no local, o que pode dever-se à circunstância de não ter acedido ao interior da residência, como à ausência da menor desse local a essa data. Na verdade, a menor poderia aí pernoitar desde ..., como desde o dia anterior a ter sido localizada, ou ter aí pernoitado de forma intermitente ao longo dos 17 meses em causa. Ora, desconhecendo-se há quanto tempo a menor aí se encontrava (sendo possível que aí se encontrasse, no limite, desde o dia anterior), não se mostra possível concluir, à luz das máximas da experiência comum e das regras do normal acontecer, face ao lapso temporal decorrido, que a arguida AA necessariamente tivesse conhecimento dos intuitos da arguida BB e que uniu esforços à mesma no sentido da sua concretização. Com efeito, pese embora a arguida AA não pudesse ignorar os acontecimentos passados – sendo que cerca de 2 a 3 semanas antes havia sido questionada pelo assistente sobre o paradeiro da menor – desconhecendo-se há quanto tempo a mesma acolhia a sua filha e a menor, não se logra retirar uma conclusão segura sobre o seu envolvimento nos factos em apreço, subsistindo a possibilidade de a arguida BB ter omitido ou ter falseado a realidade perante AA. Assim, considerou-se que a prova produzida não permitiu a demonstração suficiente, com o grau de segurança e certeza que se impõe em processo penal, da aludida factualidade, pelo que se deu a mesma como não demonstrada. A decisão do Tribunal no que tange à factualidade constante das alíneas f) a i) da matéria de facto não provada, resultou da sua ausência de demonstração suficiente, não tendo as declarações do assistente permitido sustentar a aludida factualidade. A decisão do Tribunal no que respeita à factualidade vertida na alínea j) da matéria de facto não provada, resultou da sua ausência de demonstração suficiente, pois as declarações do assistente não permitiram sustentar tal factualidade, ao que acresce que inexistem nos autos quaisquer elementos clínicos que o permitissem demonstrar. A decisão do Tribunal no que concerne à factualidade vertida na alínea k) da matéria de facto não provada, resultou da sua total ausência de demonstração. A decisão do Tribunal no que tange à factualidade vertida na alínea l) da matéria de facto não provada, decorreu da motivação do ponto 31 da matéria de facto provada. A decisão do Tribunal no que tange à factualidade vertida na alínea m) da matéria de facto não provada, decorreu da motivação do ponto 32 da matéria de facto provada. A decisão do Tribunal no que respeita à factualidade vertida na alínea n) da matéria de facto não provada, resultou da sua ausência de demonstração suficiente, pois pese embora o teor das facturas de fls. 645 e 648 (igualmente constantes de fls. 588 e 589), traduzidas a fls. 699 frente e verso, não foi produzida prova (em particular, documental) que permitisse esclarecer quais os concretos documentos que foram traduzidos e/ou autenticados e qual(quais) a(s) sua(s) concreta(s) finalidade(s).” * 3.2.- Mérito do recurso Quanto ao conhecimento dos vários fundamentos do recurso interposto nestes autos, importa seguir uma sequência lógica, começando pelos fundamentos que importam a nulidade da decisão recorrida e que são a falta de exame crítico da prova, nos termos dos arts.º 374º, nº 2 e 379º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, e a existência dos vícios previstos no art.º 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) do mesmo diploma, seguindo-se depois a apreciação das demais questões invocadas pela recorrente. A) Nulidade da sentença recorrida por falta de exame crítico da prova Nos presentes autos vem a recorrente alegar que a sentença recorrida é nula porque: - condena a arguida, apesar da sua decisão não ser corroborada pela prova produzida em julgamento, bem como não teve em devida conta todos os elementos produzidos e juntos aos autos; - o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar ou apreciou-as deficientemente; - não indica um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo da condenação da arguida; - viola os artigos 13º, 207º e 208º da Constituição da República Portuguesa; - viola o disposto nos artigos 374º e 375º do C.P.P. Vejamos se lhe assiste razão. Quanto aos requisitos da sentença, dispõe o art.º 374º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Penal o seguinte: “1 - A sentença começa por um relatório, que contém: a. As indicações tendentes à identificação do arguido; b. As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis; c. A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido; d. A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada. 2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. (…)” A fundamentação da sentença penal é, assim, composta por dois grandes segmentos: - Um, que consiste na enumeração dos factos provados e não provados; - Outro, que consiste na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal. O dever de fundamentação das decisões judiciais é hoje um imperativo constitucional, previsto no art.º 205º, nº 1 da CRP, onde se estabelece que as decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. A fundamentação deve revelar as razões da bondade da decisão, permitindo que ela se imponha dentro e fora do processo, sendo uma exigência da sua total transparência, já que através dela se faculta aos respectivos destinatários e à comunidade, a compreensão dos juízos de valor e de apreciação levados a cabo pelo julgador. É também através da fundamentação da sentença que é viabilizado o controlo da actividade decisória pelo Tribunal de recurso designadamente, no que respeita à validade da prova, à sua valoração e à impugnação da matéria de facto. O dever de fundamentação encontra-se igualmente consagrado no art.º 97º, nº 5 do Cód. Proc. Penal, onde se prevê que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. Segundo o art.º 379º, nº 1, alíneas a) e c) do mesmo diploma, é nula a sentença penal quando não contenha as menções previstas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do art.º 374º ou quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Quanto ao conteúdo do dever de fundamentação da sentença ou do acórdão, escreveu-se no Ac. RL de 18/01/2011, proferido no processo nº 1670/07.4TAFUN-A.L1-5, em que foi relator Vasques Osório, in www.dgsi.pt, em moldes que subscrevemos: “ A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, mais não é do que a narração de forma metódica, dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, com referência aos que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação, e do pedido de indemnização, e ainda dos factos provados que, com relevo para a decisão, e não constando de nenhuma daquelas peças processuais, resultaram da discussão da causa. É esta enumeração de factos que permite concluir se o tribunal conheceu ou não, de todas as questões de facto que constituíam o objecto do processo. A exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão deve ser completa mas tem que ser concisa, contendo e enunciação das provas que serviram para fundar a convicção alcançada pelo tribunal – o que não exige, relativamente à prova por declarações, a realização de assentadas tendo por objecto os depoimentos produzidos em audiência – bem como a análise crítica de tais provas. Esta análise crítica deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada.” Os motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados, nem os meios de prova, mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência ( neste sentido cf. , por exemplo, o Ac. RP de 15/07/2009, proferido no Processo nº 1090/04.2JAPRT.P1, in www.dgsi.pt ). Ora, não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (cfr. Acs. STJ de 12.04.2000, Proc. 141/2000, in SASTJ nº 40, 48, de 11.10.2000, Proc. 2253/2000 – 3ª, in SASTJ nº 44, 70, de 26.10.2000, Proc. 2528/2000 – 5ª, SASTJ nº 44, 91 e de 07.02.2001, Proc. 3998/00 – 3ª, SASTJ nº 48, 50). O exame crítico da prova tem como objecto apenas e tão só, os factos essenciais para a qualificação jurídico-criminal do ilícito, para a definição do seu circunstancialismo relevante e para a determinação da responsabilidade do agente (cfr. Ac. STJ de 26/10/2000, no Proc. nº 2528/2000 – 5ª, SASTJ nº 44, 91). Porém, a fundamentação da sentença, na parte que respeita à indicação e exame crítico das provas, não tem de ser uma espécie de “assentada” em que o Tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, sob pena de se violar o princípio da oralidade que rege o julgamento (cfr. Ac. STJ de 7/02/2001, no Proc. nº 3998/00 – 3ª, SASTJ nº 48, 50). Como se refere, de forma clara, no Ac. do STJ de 30/01/02, proferido no processo nº 3063/01 – 3ª, SASTJ nº 57, 69: “A disposição do artigo 374º-2 do CPP sobre o exame crítico das provas não obriga os julgadores a uma escalpelização de todas as provas que foram produzidas e, muito menos, a uma reprodução do tipo gravação magnetofónica dos depoimentos prestados na audiência, o que levaria a uma tarefa incomportável com sadias regras de trabalho e eficiência, e ao risco de falta de controlo pelos intervenientes processuais da transposição feita para o acórdão. A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas, se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção”. Esse exame crítico das provas corresponde, no fundo, à indicação dos motivos que determinaram a que o Tribunal formasse a convicção probatória num determinado sentido, aceitando um e afastando outro, e porque é que certas provas são mais credíveis do que outras, servindo de substracto lógico-racional da decisão (neste sentido, Ac. STJ de 17/03/2004, proferido no processo nº 4026/03 – 3ª). Ora, analisando a fundamentação de facto da decisão recorrida, verifica-se que da mesma consta não só a indicação de todos os elementos de prova, testemunhais e documentais, que alicerçaram a convicção do julgador, como o exame crítico de todas as provas e a explicação, através dos elementos probatórios, do entendimento a que o Tribunal a quo chegou quanto aos factos provados e não provados. Na verdade, o art.º 374º, nº 2 do Cód. Proc. Penal não exige que se autonomize e se escalpelize a razão de decidir sobre cada facto, nem exige que em relação a cada meio de prova se descreva a dinâmica da sua produção em audiência, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível. No entanto, a decisão recorrida faz referência a todos os documentos e depoimentos que considerou pertinentes para o apuramento de cada um dos factos provados e não provados, da forma supra descrita, designadamente articulou a prova documental com os depoimentos do assistente e das testemunhas inquiridas em audiência, explicando o que cada um disse e em que medida é que o Tribunal lhes conferiu, ou não, credibilidade e porquê. Constata-se, assim, que a decisão recorrida individualizou os elementos de prova relevantes para a formação da convicção, analisou-os e relacionou-os entre si, explicando de uma forma lógica, racional e completa o processo de apuramento dos factos, explicação essa que, relacionada com as regras da experiência comum, permite compreender como os factos ocorreram, bem como permite sindicar a formação dessa convicção. O julgador goza de ampla liberdade de movimentos ao eleger, de entre a globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção e da apreciação da prova. Por isso mesmo, pode suportar o seu juízo num determinado conjunto de provas e preterir outras por não lhes reconhecer credibilidade. Conforme se decidiu no acórdão do STJ de 15/11/2005, proferido no processo nº 05A3168, em que foi relator Fernandes Magalhães, in www.dgsi.pt: “ A “convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, olhares, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos". Elementos que a transcrição não fornece e de que a reapreciação em sede de recurso não dispõe.” No caso dos autos, do que resulta da argumentação da recorrente é que a mesma se limitou a invocar a falta de fundamentação da decisão porquanto não concorda com a factualidade apurada pelo Tribunal a quo, pretendendo ser absolvida do crime de subtração de menor. No entanto, analisada a decisão recorrida, vemos que de todos os elementos de prova produzidos, elencados e apreciados criticamente, resultaram provados factos dos quais decorre o preenchimento pela arguida do elemento objectivo do crime em apreço. Do preenchimento do elemento objectivo do tipo legal de crime, conjugado com as regras da lógica e da experiência comum, decorre o preenchimento do elemento subjectivo do mesmo ilícito, como consequência lógica e necessária, de onde se impõe concluir que a decisão recorrida se acha suficientemente fundamentada, não havendo, neste tocante, qualquer reparo a fazer. Alega também a recorrente que a decisão recorrida padece de omissão de pronúncia quanto aos factos que a mesma gostaria de ter visto provados e que são os seguintes: - a data do trânsito em julgado da decisão datada de ........2019, proferida no Processo de Entrega Judicial de Crianças n.º 2278/19.7T8ACB, do Juízo de Família e Menores de ...; - que esta decisão nunca foi notificada à arguida. Quanto à nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos previstos no art.º 379º, nº 1, alínea c) do Cód. Proc. Penal, entendemos que a sentença só tem que se pronunciar sobre matéria relevante para a decisão da causa, ou seja sobre as questões, de facto ou de direito, com incidência ou impacto directo, positivo ou negativo, na decisão. Tais questões só podem ser as que são colocadas expressamente pelos intervenientes e as de conhecimento oficioso, nisto consistindo o thema decidendum (cf. neste sentido, Fernando Gama Lobo, in “ Código de Processo Penal Anotado”, 4ª edição, Almedina, pág. 860). Independentemente da relevância dos factos em causa, que infra se apreciará, importa aqui apenas referir que os factos que a recorrente gostaria de ter visto provados são factos que não foram por si alegados na contestação que juntou aos autos, pelo que não se pode falar de omissão de pronúncia quanto aos mesmos, sobretudo porque o Tribunal a quo deles tomou efectivo conhecimento, conforme se verá. Em face do exposto, impõe-se concluir que não assiste qualquer razão à recorrente neste tocante, também não se mostrando violados os arts.º 13º, 207º e 208º da CRP, pela mesma invocados, pelo que improcede nesta parte o recurso. B) Verificação dos vícios previstos no art.º 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) do Cód. Proc. Penal No presente recurso invoca a recorrente a nulidade da sentença recorrida por se verificarem todos os vícios previstos no art.º 410º, nº 2 do Cód. Proc. Penal. Quanto a estas questões, estabelece o art.º 410º, nº 2 do Cód. Proc. Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do Tribunal a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) O erro notório na apreciação da prova. Tratam-se de vícios da decisão sobre a matéria de facto que são vícios da própria decisão, como peça autónoma, e não vícios de julgamento, que não se confundem nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida. Estes vícios são também de conhecimento oficioso, pois têm a ver com a perfeição formal da decisão da matéria de facto e decorrem do próprio texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de recurso a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo constantes do processo (cfr., neste sentido, Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, 16ª ed., pág. 873; Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª ed., pág. 339; Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 6ª ed., 2007, pág. 77 e seg.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, pág. 121). Há insuficiência da matéria de facto para a decisão quando os factos dados como assentes na decisão são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição, ou seja, são insuficientes para a aplicação do direito ao caso concreto. No entanto, tal insuficiência só ocorre quando existe uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a decisão de direito, porque não se apurou o que é evidente e que se podia ter apurado ou porque o Tribunal não investigou a totalidade da matéria de facto com relevo para a decisão da causa, podendo fazê-lo. Esta insuficiência da matéria de facto tem de existir internamente, no âmbito da decisão e resultar do texto da mesma. Neste sentido decidiu o STJ no Ac. de 5/12/2007, proferido no processo nº 07P3406, em que foi relator Raúl Borges, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que: “Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando esta se mostra exígua para fundamentar a solução de direito encontrada, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição. Ou, como se diz no acórdão deste STJ de 25-03-1998, BMJ 475.º/502, quando, após o julgamento, os factos colhidos não consentem, quer na sua objectividade, quer na sua subjectividade, dar o ilícito como provado; ou ainda, na formulação do acórdão do mesmo Tribunal de 20-12-2006, no Proc. 3379/06 - 3.ª, o vício consiste numa carência de factos que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis e que impede que sobre a matéria de facto seja proferida uma decisão de direito segura.” No mesmo sentido se decidiu no Ac. do TRC de 12/09/18, proferido no processo nº 28/16.9PTCTB.C1, em que foi relator Orlando Gonçalves, in www.dgsi.pt, onde se escreveu que: “ O art.410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, estatui que «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter por fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou c) O erro notório na apreciação da prova.». Como resulta expressamente mencionado nesta norma, os vícios nela referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente a segmentos de declarações ou depoimentos prestados oralmente em audiência de julgamento e que se não mostram consignados no texto da decisão recorrida. O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito. Existirá insuficiência para a decisão da matéria de facto se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa. – Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 7/04/2010 (proc. n.º 83/03.1TALLE.E1.S1, 3ª Secção, in www.dgsi.pt) de 6-4-2000 (BMJ n.º 496 , pág. 169) e de 13-1-1999 (BMJ n.º 483 , pág. 49) e os Cons. Leal- Henriques e Simas Santos , in “Código de Processo Penal anotado”, vol. 2.º, 2ª ed., pág.s 737 a 739.” Veja-se ainda, a título de exemplo, o Ac. deste TRL de 22/09/20, no processo nº 3773/12.4TDLSB.L1-5, em que foi relator Jorge Gonçalves, in www.dgsi.pt, onde se decidiu que: “ Estabelece o artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P. que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Trata-se de vícios da decisão sobre a matéria de facto - vícios da decisão e não de julgamento, não confundíveis nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida -, de conhecimento oficioso, que, como já se adiantou, hão-de derivar do texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo que constem do processo, sendo os referidos vícios intrínsecos à decisão como peça autónoma. Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal, podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto relevante, acarretando a normal consequência de uma decisão de direito viciada por falta de suficiente base factual, ou seja, os factos dados como provados não permitem, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador. Dito de outra forma, este vício ocorre quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto contida no objecto do processo e com relevo para a decisão, cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos …, 6.ª ed., 2007, p. 69; Acórdão da Relação de Lisboa, de 11.11.2009, processo 346/08.0ECLSB.L1-3, em http://www.dgsi.pt). Quanto à contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, prevista no artigo 410º, nº 2, alínea b) do Cód. Proc. Penal, a mesma consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação da convicção conduz a uma decisão sobre a matéria de facto provada e não provada contrária àquela que foi tomada, porquanto todos os vícios elencados neste artigo se reportam à decisão de facto e consubstanciam anomalias decisórias, ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto (cfr., neste sentido, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 6ª ed., 2007, págs. 71 a 73). Especificamente quanto ao vício da contradição insanável, decidiu o STJ, no acórdão de 12/03/2015, proferido no processo nº 418/11.3GAACB.C1.S1 - 3.ª Secção, que: «[o] vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão verifica-se quando no texto da decisão constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspetiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respetivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito». Pode, assim, afirmar-se que há contradição insanável da fundamentação quando, através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os factos provados, entre estes e os não provados, ou até entre a fundamentação probatória da matéria de facto. A contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, por sua vez, ocorrerá quando, também através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os meios de prova invocados na fundamentação como base dos factos provados ou entre a fundamentação e o dispositivo da decisão. Ainda nas palavras de Simas Santos e Leal Henriques, in “ Código de Processo Penal Anotado”, II volume, 2ª Edição, 2000, editora Rei dos Livros, Lisboa, pág. 379: «por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não possam ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade e qualidade. Para os fins do preceito (al. b) do n.º 2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser integrada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com auxílio das regras da experiência.» No que concerne ao erro notório na apreciação da prova, segundo o disposto no art.º 410º, nº 2, alínea c) do Cód. Proc. Penal, o mesmo releva como fundamento de recurso desde que resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum. Pese embora a lei não o defina, o «Erro notório» tem sido entendido como aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade e que ressalta do teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, só podendo relevar se for ostensivo, inquestionável e percetível pelo comum dos observadores ou pelas faculdades de apreciação do «homem médio». Há «erro notório» quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum e ainda quando determinado facto provado é incompatível, inconciliável ou contraditório com outro facto, positivo ou negativo, contido no texto da decisão recorrida (cf. neste sentido, Leal-Henriques e Simas Santos, in “Código de Processo Penal anotado”, II volume, 2ª edição, 2000, Rei dos Livros, pág. 740). Este é um vício do raciocínio na apreciação das provas, de que nos apercebemos apenas pela leitura do texto da decisão, o qual, por ser tão evidente, salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental, em que as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu uma ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial (cf. entre muitos outros, Acs. TRC de 09.03.2018, proferido no processo nº 628/16.7T8LMG.C1, em que foi relatora Paula Roberto, e de 14.01.2015, proferido no processo nº 72/11.2GDSRT.C1, em que foi relator Fernando Chaves, ambos disponíveis em www.dgsi.pt). Quanto ao que se deva entender por erro notório na apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 410º, nº 2, alínea c) do Cód. Proc. Civil, discorreu largamente o STJ, no seu Ac. de 7/07/21, proferido no processo nº 128/19.3JAFAR.E1.S1, em que foi relator Nuno Gonçalves, onde cita vária jurisprudência (in www.dgsi.pt) e onde se pode ler: “ (…) A decisão de julgar provado um acontecimento da vida na convicção de que foi demonstrado por uma versão que é manifestamente ilógica, contrariada pelas regras da física e ao mesmo tempo pelas máximas da experiência, padece do vício que o legislador consagrou no art.º 410º n.º 2 al.ª c) do CPP. Este é, como os demais aí previstos, um defeito da decisão em matéria de facto. Não devendo confundir-se nem com a errada aplicação do direito aos factos, nem com a escassez da prova para suportar o julgado. A sua deteção ou verificação não permite o recurso a elementos externos ao texto da decisão recorrida. Não assim, evidentemente, ao que constar da motivação do julgamento da matéria de facto. Se é certo que um determinado facto ou acontecimento da vida, simplesmente pelo modo como vem narrado, pode apresentar-se visivelmente irracional, notoriamente impossível, manifestamente desconforme às regras da experiência comum, todavia, mais comumente o erro notório na apreciação da prova deteta-se pela motivação do julgamento da facticidade, designadamente pelo exame critico dos elementos de prova. Como sustenta Pereira Madeira, no erro notório “estão incluídas, evidentemente, as hipóteses de erro evidente, escancarado, de que qualquer homem médio se dá conta. Porém, a ser assim, com um alcance tão restrito, o preceito acabaria por perder grande parte do seu interesse prático, acabando afinal por deixar encobertas situações de erro clamoroso, ainda que porventura não acessíveis ao cidadão comum. Impor-se-à, assim, uma leitura algo mais abrangente que não acoberte situações de julgamento erróneo (…) que numa visão jurídica consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista e, naturalmente, ao tribunal de recurso, assegurar sem margem para dúvidas que a prova foi erroneamente apreciada. Certo que o erro tem de ser «notório». Mas basta para assegurar essa notoriedade que ela ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha de ser devidamente escrutinada (…) e sopesada à luz das regras da experiência, Ponto é que, no fim, não reste qualquer dúvida sobre a existência do vício e que a sua existência fique devidamente demonstrada pelo tribunal ad quem.” ( in Código de Processo Penal comentado, 3ª ed. Revista, Almedina, 2021, pag. 1293/1294.) (…).” Analisada a decisão recorrida, no que concerne ao vício da contradição insanável, há que avaliar duas situações, apontadas pela recorrente. Alega a recorrente que existe contradição entre os factos provados no ponto 11 e os factos não provados descritos em a). Consta do ponto 11 dos factos provados que: “Por decisão datada de ........2019, proferida no Processo de Entrega Judicial de Crianças n.º 2278/19.7T8ACB, do Juízo de Família e Menores de ..., transitada em julgado, determinou-se o regresso imediato da menor aos ....” E consta da alínea a) dos factos não provados que: “A decisão datada de ........2019, proferida no Processo de Entrega Judicial de Crianças n.º 2278/19.7T8ACB, do Juízo de Família e Menores de ... foi notificada a BB.” No entanto, na motivação de facto da decisão recorrida, relativamente a esta matéria, referiu-se que: “(…) No que respeita à factualidade vertida no ponto 11 da matéria de facto provada, a decisão do Tribunal fundou-se no teor da decisão proferida no processo n.º 2278/19.7T8ACB, de fls. 6 a 10 verso, e no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/02/2020, que a confirmou, de fls. 45 a 57. (…) A decisão do Tribunal no que respeita à matéria vertida na alínea a) da matéria de facto não provada, resultou da sua ausência de demonstração suficiente, pois pese embora a existência de uma decisão proferida em segunda instância (fls. 45 a 58 verso) evidencie que a arguida teve conhecimento da decisão proferida em primeira instância (e, tendo tomado conhecimento do seu teor, não se conformou com a mesma, tendo decidido impugná-la), não se encontra junto aos autos documento comprovativo de tal notificação, pelo que se considerou insuficientemente demonstrada tal matéria.(…)” Ora, nos termos previstos no art.º 219º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, aplicável por remissão do art.º 4º do Cód. Proc. Penal: “A notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto.” Nos presentes autos, tendo-se provado que a arguida teve conhecimento da decisão proferida no processo nº 2278/19.7T8ACB, tanto mais que até recorreu da mesma, e que tal decisão foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/02/2020, transitado em julgado, é indiferente se se encontra junto aos autos ou não um documento comprovativo da notificação da recorrente. Tal documento torna-se desnecessário perante o facto de a recorrente ter tido conhecimento da decisão e ter dela interposto recurso dentro do prazo previsto para o efeito. Assim sendo, verifica-se que existe efectivamente uma contradição entre o ponto 11 da matéria de facto provada e a alínea a) da matéria de facto não provada, mas tal contradição não é insanável, antes se ultrapassa com recurso à motivação da matéria de facto, devendo os factos descritos na alínea a) dos factos não provados passar para os factos provados com o seguinte teor: “BB teve conhecimento da decisão datada de ........2019, proferida no Processo de Entrega Judicial de Crianças n.º 2278/19.7T8ACB, do Juízo de Família e Menores de ....” Também quanto às despesas suportadas pelo assistente, alega a recorrente que a decisão recorrida não deu como provadas as despesas de viagem do assistente, bem como não deu como provado o pagamento de honorários ao advogado do assistente (cfr, als. I), M) e N) da matéria de facto dada como não provada), mas dá como provada esta mesma matéria, padecendo de contradição, o que gera a sua nulidade. Ora, consta dos factos provados que: “(…) 31. Em consequência directa e necessária da descrita conduta da arguida BB, o assistente suportou o valor de € 1.022,50 com viagens. 32. Em consequência directa e necessária da descrita conduta da arguida BB, o assistente suportou o valor de € 3.231,21 com honorários de advogado. (...)” E consta dos factos não provados que: “(…) l) O valor despendido pelo assistente em viagens ascendeu ao valor de €1.532,10. m) O valor despendido pelo assistente com honorários de advogado ascendeu ao valor de €4.470,61. (...)” No entanto, na motivação de facto da decisão recorrida é explicada esta discrepância de valores pela seguinte forma: “(…) No que tange à factualidade vertida no ponto 31 da matéria de facto provada, teve-se em consideração as declarações do assistente e o teor dos comprovativos de reserva das viagens de fls. 575 a 589, 597, 598, 602, 605 a 608, e respectiva tradução de fls. 689 a 692, que totalizam o valor de €1.612,09, sendo que apenas o valor €1.022,50 corresponde a viagens efectuadas pelo assistente ( €141 + €79,99 + €144,99 + €361,73 + €149,33 (1/3 de €448, considerando que o valor de €448 se reporta a 3 passageiros) + €145,46 (1/3 de €436,38, considerando que o valor de €436,38 se reporta a 3 passageiros). No que concerne à factualidade vertida no ponto 32 da matéria de facto provada, teve-se em consideração as declarações do assistente e o teor das facturas de fls. 613-614, 618-619, 623-625, 630-631, 635-636, 642-643, e respectiva tradução de fls. 692 verso a 698 verso, sendo que a factura junta como documento 11 do pedido de indemnização civil traduz uma repetição/duplicação da factura junta como documento 10 (cfr. fls. 541-542, 642-643 e 698 frente e verso), pelo que o seu valor (do documento 11) não foi considerado. (…) A decisão do Tribunal no que tange à factualidade vertida na alínea l) da matéria de facto não provada, decorreu da motivação do ponto 31 da matéria de facto provada. A decisão do Tribunal no que tange à factualidade vertida na alínea m) da matéria de facto não provada, decorreu da motivação do ponto 32 da matéria de facto provada. (…)” Ora, analisada a decisão recorrida vemos que, neste tocante, também não existe qualquer contradição entre os factos provados e os não provados, pois o que se apurou foi o montante exacto das despesas que o assistente suportou com viagens e honorários de advogados, montante esse que foi levado aos factos provados. Pelo contrário, não se provaram os montantes, de valor concreto mais elevado, que o assistente, a este título, havia alegado ter suportado, montantes concretos esses que foram levados aos factos não provados. Verifica-se, assim, que não existe aqui qualquer contradição entre os factos provados e os não provados, muito menos uma contradição insanável, mas apenas concretizações de valores de despesas. Quanto aos restantes vícios, a recorrente limita-se a invocar a sua verificação, mas sem concretizar em que partes da decisão é que os mesmos existem. Porém, o que decorre da argumentação da recorrente, nesta sede, é que a mesma invoca todos os vícios constantes do art.º 410º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, porquanto não se conforma que se tenha dado como provado o preenchimento quanto a si dos elementos objectivo e subjectivo do crime de subtração de menor, com a condição da suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada, nem com o montante de indemnização atribuído ao assistente a título de danos não patrimoniais. Ora, analisada a decisão recorrida, constata-se que não decorre da mesma a verificação de nenhum dos vícios invocados. Mais à frente apreciaremos se existem ou não fundamentos para a condenação da recorrente e para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada. Neste momento cumpre apenas referir que a factualidade apurada e descrita nos autos permite concluir, por si só, pelo preenchimento pela recorrente dos elementos objectivo e subjectivo do crime pelo qual foi condenada, razão pela qual não se verifica a invocada insuficiência da matéria de facto apurada para a decisão. A sentença recorrida descreve de forma lógica e ordenada os factos apurados, fundamenta os factos de forma coerente, justificando as razões que levaram a tal, e tira as ilações jurídicas dessa factualidade, no tocante à condenação da arguida na respectiva pena e montante indemnizatório, sem que em momento algum resulte do texto da decisão qualquer contradição insanável, como se viu. Também no que concerne ao erro notório não se descortina a sua verificação na decisão recorrida, porquanto os factos estão descritos de forma clara e perceptível, todos os factos se mostram fundamentados, de forma lógica, e a decisão do Tribunal funda-se na prova produzida, estando em conformidade com a mesma. Ou seja, da leitura da decisão recorrida, apenas em si mesma considerada, não ressalta a verificação dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem de nenhum dos outros vícios, excepto no que concerne à falta de apuramento das condições pessoais e económicas da arguida e que adiante apreciaremos. Não se tendo apurado a existência de um qualquer vício de raciocínio evidente para um observador médio ou uma qualquer desconformidade intrínseca e evidente no raciocínio exposto na decisão do Tribunal recorrido, nem a invocada insuficiência da matéria de facto quanto à responsabilização criminal da arguida, impõe-se julgar o recurso improcede relativamente a este fundamento, sem necessidade de mais considerandos. C. Erro de julgamento Vem a recorrente alegar que foram incorrectamente dados como provados os factos descritos nos nºs 10, 11, 12, 13, 14, 16, 18, 19 e 20 da decisão recorrida, referentes à sua responsabilidade criminal, com fundamento nas declarações do assistente, CC, e das testemunhas DD e EE. Mais alega que não se conforma com a apreciação da prova realizada pelo Tribunal a quo também relativamente aos factos dados como provados sob os pontos 22, 28, 33, 34, 35 e 36, relativos ao pedido de indemnização civil, porquanto não foi produzida prova documental suficiente desses factos, tendo o Tribunal a quo se baseado nas declarações do assistente, que não são verdade, e nos depoimentos das testemunhas, que estavam bastante comprometidas, por serem família direta daquele. Alega ainda que se deviam ter dado como provados os seguintes factos: - a sentença datada de ........2019, proferida no Processo de Entrega Judicial de Crianças n.º 2278/19.7T8ACB, do Juízo de Família e Menores de ... transitou em ........2020; - esta sentença nunca foi notificada à arguida. Ora, a reapreciação da matéria de facto poderá ser feita no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no art.º 410º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, onde, a verificação dos mesmos tem que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, mas sem recurso a quaisquer elementos exteriores, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, feita nos termos do art.º 412º, nos 3, 4 e 6 do mesmo diploma, caso em que a apreciação se estende à prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente. Quanto à impugnação ampla da matéria de facto, o recurso não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, mas apenas a correcção de eventuais erros da decisão recorrida relativamente à forma como apreciou a prova e sempre em relação aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. Para esse efeito, deve o Tribunal de recurso verificar se os concretos pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa ( neste sentido, cf. Ac. STJ de 14.03.2007 (no processo nº 07P21, Relator: Conselheiro Santos Cabral), de 23.05.2007 (no processo 07P1498, Relator: Conselheiro Henriques Gaspar), de 03.07.2008 (no processo nº 08P1312, Relator: Conselheiro Simas Santos), de 29.10.2008 (no processo nº 07P1016, Relator: Conselheiro Souto de Moura) e de 20.11.2008 (no processo nº 08P3269, Relator: Conselheiro Santos Carvalho), todos disponíveis em www.dgsi.pt). No recurso em que se impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto o art.º 412º, nº 3 do Cód. Proc. Penal impõe ao recorrente a obrigação de indicar: “a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.” A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. A especificação das «concretas provas» implica a indicação do conteúdo do meio de prova ou de obtenção de prova e a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Por seu turno, a especificação das provas que devem ser renovadas impõe a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda e das razões para crer que aquela renovação permitirá evitar o reenvio do processo previsto no art.º 430º do mesmo diploma. Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência. Havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao que tiver sido consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens das gravações em que fundamenta a impugnação, não bastando a simples remissão para a totalidade de um ou de vários depoimentos, pois são essas passagens concretas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo Tribunal de recurso, como é exigido pelo art.º 412º, nºs 4 e 6 do Cód. Proc. Penal. A este respeito, importa ter em atenção que o STJ, no seu Ac. nº 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, Nº 77, de 18 de abril de 2012, já fixou jurisprudência no seguinte sentido: «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações». Na verdade, o poder de apreciação da prova da 2ª instância não é absoluto, nem é o mesmo que o atribuído ao juiz do julgamento, não podendo a sua convicção ser arbitrariamente alterada apenas porque um dos intervenientes processuais expressa o seu desacordo quanto à mesma. Verifica-se, assim, que só se pode alterar o decidido se as provas indicadas obrigarem a uma decisão diversa da proferida, mas já não quando tais provas apenas permitirem uma outra decisão, a par da decisão recorrida. Neste último caso, havendo duas, ou mais, possíveis soluções de facto, face à prova produzida, se a decisão da primeira instância se mostrar devidamente fundamentada e couber dentro de uma das possíveis soluções, face às regras da experiência comum, é esta que deve prevalecer, mantendo-se intocável e inatacável, porquanto foi proferida em obediência ao previsto nos art.ºs 127º e 374º, nº 2 do Cód. Proc. Penal (cf., Ac. TRL de 02.11.2021, proferido no processo nº 477/20.8PDAMD.L1-5, em que foi relator Jorge Gonçalves, in www.dgsi.pt.). Segundo o previsto no art.º 127º do Cód. Proc. Penal, o Tribunal deve fixar a matéria de facto de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador, desde que não se esteja perante prova vinculada. Pese embora o ato de julgar tenha sempre, necessariamente, um lado subjetivo, as regras da experiência, complementadas pelo disposto no art.º 374º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, determinam que aquele acto não possa ser um acto arbitrário ou discricionário. Verifica-se, pois, que a livre convicção não se confunde com a íntima convicção do julgador, dado que a lei lhe impõe que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, devendo a avaliação da prova ser efectuada com sentido de responsabilidade e bom senso. Em consequência, sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve-se acolher a opção do julgador da 1ª instância, sobretudo porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova (cf., neste sentido, Ac. STJ de 13/02/08, proferido no processo nº 07P4729, em que foi relator Pires da Graça, in www.dgsi.pt ). Sucede que: «O recorrente não impugna de modo processualmente válido a decisão proferida sobre matéria de facto se se limita a procurar abalar a convicção assumida pelo tribunal recorrido, questionando a relevância dada aos depoimentos prestados em audiência.» (cf. Ac. do TRP de 6/10/2010, proferido no processo nº 463/09.9JELSB.P1, em que foi relatora Eduarda Lobo, in www.dgsi.pt). No mesmo sentido, se decidiu no Ac. do TRG de 28/06/2004 ( proferido no processo nº 575/04-1, em que foi relator Heitor Gonçalves, in www.dgsi.pt), onde se refere que: “(…) Cremos que o recorrente pretende substituir essa convicção do julgador pela sua própria convicção, “escolhendo” os depoimentos que vão de encontro aos seus interesses processuais, quando é sabido que são os julgadores em primeira instância que detêm o poder/dever de apreciar livremente a prova, apreciação que, de todo o modo, no dizer do Prof. Figueiredo Dias, há-de ser, como foi no caso concreto, “recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo”. Uma decisão errada, ilegal ou arbitrária não pode ser sustentada numa simples alegação da discordância entre a convicção do recorrente e a convicção que o julgador livremente formou com base na prova produzida em audiência de julgamento, antes passa necessariamente pela demonstração inequívoca de que o tribunal que a proferiu contrariou as regras da experiência e desrespeitou princípios basilares do direito probatório (v.g. prova legalmente vinculada, provas proibidas etc.). Quando o recorrente pretende apenas pôr em causa a livre apreciação da prova, o recurso estará irremediavelmente destinado à improcedência. É que, como se referiu, o tribunal é livre de dar credibilidade a determinados depoimentos, em detrimento de outros, desde que essa opção seja explicitada e convincente, como é o caso. Cumprida essa exigência, a livre convicção do juiz torna-se insindicável, até porque a documentação dos actos da audiência não se destina a substituir, nem substitui, a oralidade e a imediação da prova. Defender-se uma outra solução, o tribunal de recurso acabaria “por proceder a um juízo, mas com inversão das regras da audiência de julgamento ou então, numa espécie de juízos por parâmetros” (Damião da Cunha, O caso julgado Parcial, 2002, pág. 37).(…)”. De tudo o exposto, conclui-se que o recorrente tem que apontar na decisão recorrida os segmentos que impugna e colocá-los em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas, se for o caso, quais os documentos que pretende que sejam reexaminados, bem como quais os outros elementos probatórios que pretende ver reproduzidos, demonstrando a verificação do erro judiciário a que alude. Ora, analisada a impugnação da matéria de facto efectuada pela recorrente, verifica-se que a mesma não cumpriu minimamente as exigências do art.º 412º, nºs 3 e 4 do Cód. Proc. Penal. Na verdade, a recorrente limitou-se a impugnar toda a factualidade de onde decorre a sua responsabilização pela prática do crime de subtração de menor e pelo pagamento de uma indemnização ao assistente, sem descriminar facto por facto aqueles cuja prova entende não ter sido feita e sem explicar porquê. Como fundamento da sua pretensão, limitou-se a alegar que o Tribunal a quo conferiu demasiado valor às declarações do assistente, as quais não são suficientes para dar como provada tal matéria, por o mesmo ser parte interessada nos autos. Seguidamente, limitou-se a alegar que o Tribunal a quo avaliou mal os depoimentos das testemunhas inquiridas, sem indicar a que testemunhas é que se refere quanto aos factos relativos ao pedido de indemnização civil, sem indicar as concretas passagens dos depoimentos das testemunhas que, no seu entendimento, fundamentam a falta de prova dos factos, nem que partes da gravação dos depoimentos é que este Tribunal de recurso deveria ouvir. Quanto aos factos relativos ao pedido de indemnização civil, alega a recorrente que o Tribunal a quo apenas teve em conta as declarações do assistente, sendo que tais factos deveriam ter sido provados por documento, o que não aconteceu. Sucede, porém, que esta argumentação não colhe na medida em que consta da motivação da matéria de facto supra transcrita que, no que concerne aos factos relativos ao pedido cível, o Tribunal a quo teve em conta não só as declarações do assistente, como também os documentos que o mesmo juntou aos autos, relativos a reservas de viagens e facturas, e os depoimentos das testemunhas que versaram sobre a matéria relativa aos danos não patrimoniais que o mesmo teve em consequência da privação do convívio com a sua filha e da ausência de notícias da mesma durante dezassete meses. Também não diz a recorrente em que medida é que os factos genericamente indicados estão mal julgados, qual a versão dos factos que seria a correcta e em que provas se alicerçaria a versão correcta desses factos. Alega ainda a recorrente que nada consta nos autos sobre o acordo entre os progenitores de fazer a menor regressar aos ..., com a mãe, logo após o termo do período de férias com esta na ... em ........2019, e que a mensagem ou e-mail enviada pela recorrente a dizer que a menor não regressaria não foi junta aos autos, o que deveria ter sido, para que tal matéria pudesse ser dada como provada. Por outro lado, no que se refere ao facto 11. da matéria dada como provada, entende a recorrente que a decisão recorrida deveria ter dado como provada a data do trânsito em julgado da decisão, datada de ........2019, proferida no Processo de Entrega Judicial de Crianças n.º 2278/19.7T8ACB, do Juízo de Família e Menores de ..., porquanto era importante saber quando ficou dirimida a questão da entrega judicial da criança e se efetivamente tal decisão foi notificada à arguida, a fim de que esta última pudesse ser responsabilizada criminalmente. Ora, como se deixou expresso, a análise da impugnação tem que ser feita por referência à matéria de facto efectivamente provada ou não provada e não àquela outra que o recorrente, colocado numa perspectiva subjectiva, não equidistante, tem para si como sendo a boa solução dos factos e entende que devia ter sido provada, como vem esta recorrente aqui fazer. No caso sub judice, o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão quanto à factualidade julgada provada nos termos supra transcritos, procedendo a um resumo das declarações que considerou relevantes prestadas pelos diversos intervenientes e esclarecendo em que medida é que cada um deles foi considerado credível ou não, expondo de forma clara as razões que levaram a que se convencesse, ou não, da veracidade dos relatos, e fazendo, para o efeito, apelo às regras da razoabilidade e da experiência comum, articulando tais relatos com toda a restante prova documental produzida nos autos. O Tribunal a quo teve perante si as arguidas, o assistente e as testemunhas, viu-os, ouvi-os e apercebeu-se de muitos pormenores de atitude e postura que só a imediação permite, tendo, segundo o princípio da livre apreciação das provas, relevado e considerado os depoimentos e declarações que, justificadamente, se lhe afiguraram mais coerentes e credíveis e não tendo ficado com a convicção de que as testemunhas pudessem ter “inventado” os factos com a finalidade de incriminar a recorrente, até porque os agentes da Polícia Judiciária e da PSP inquiridos não são familiares, nem amigos da arguida, nem do assistente, tendo prestado depoimentos totalmente isentos, objectivos e esclarecedores. Quanto aos factos descritos em 10, relativos à comunicação feita pela arguida ao assistente de que não iria regressar com a filha menor de ambos aos ..., a sua prova resultou sobrtetudo das declarações do assistente, conjugadas com os documentos juntos aos autos, não sendo relevante, como pretende a recorrente, a apresentação do e-mail aí mencionado, até porque tal e-mail apenas atesta o veículo de comunicação da mensagem e não a mensagem em si, que é o facto provado. Na verdade, tal comunicação poderia ter sido feita por qualquer outro meio, por telefone, de viva voz, por interposta pessoa, etc., tornando-se a mesma relevante a partir do momento em que chegou ao conhecimento do assistente e, para tal, o Tribunal a quo tomou como boas as declarações do mesmo, que considerou credíveis, tanto mais que foram corroboradas pela prova dos restantes factos que se seguiram, no que concerne à ausência de contactos do assistente com a filha durante dezassete meses, relativamente aos quais a assistente não invocou, nem juntou qualquer contra-prova. Quanto aos factos descritos em 11. impõe-se concluir que é irrelevante a data do trânsito em julgado dessa decisão, porquanto ao comunicar ao assistente que não iria regressar aos ..., na companhia da filha, privando, assim, o pai do convívio com a filha e desrespeitando o acordo de regulação das responsabilidades parentais que ambos tinham firmado e cuja existência e teor a recorrente não pôs em causa, esta última praticou factos idóneos ao cometimento do crime de subtração de menor, previsto e punido pelo art.º 249º, nº 1 do Cód. Penal, em moldes que infra se apreciarão. O trânsito em julgado da decisão judicial que determinou o regresso imediato da menor aos ... só veio confirmar a ilicitude do comportamento anterior da recorrente ao impedir voluntária e conscientemente o regresso da menor àquele país e com isso a privando do convívio com o pai, sabendo a recorrente que estava a desrespeitar o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais da criança anteriormente firmado entre os pais e homologado pelo Tribunal. Quanto à questão da notificação da recorrente de tal decisão, a mesma já ficou resolvida supra, importando apenas frisar que não depende dessa notificação o cometimento ou não pela recorrente do crime em apreço, uma vez que, para além do mais, a recorrente teve conhecimento da decisão. Em face do exposto, não se nos oferecem dúvidas de que o Tribunal a quo analisou conjugada e criticamente todos os meios de prova produzidos, encontrando-se a decisão sobre a matéria de facto em apreço efectivamente suportada pela prova produzida em julgamento. Pelo contrário, a recorrente limita-se a manifestar, na motivação do seu recurso, o seu desacordo quanto à leitura que o Tribunal recorrido fez da prova produzida, tecendo considerações meramente genéricas sobre essa prova, sem individualizar os factos que considera mal julgados e sem estabelecer qualquer relação entre esses hipotéticos factos e o conteúdo específico de cada meio de prova suscetível de impor decisão diversa, em manifesto incumprimento do ónus exigido pelo art.º 412º, nºs 3 e 4 do Cód. Proc. Penal. Pelas razões expostas, sem necessidade de mais considerandos, se julga improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pela recorrente. D) Qualificação jurídica dos factos apurados A recorrente foi condenada pela prática, como autora, na forma consumada, de um crime de subtracção de menor, previsto e punido pelo art.º 249º, nº 1, al. c) do Cód. Penal, numa pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, tendo a suspensão ficado sujeita à condição de a arguida efectuar o pagamento da quantia de € 9.253,71 (nove mil, duzentos e cinquenta e três euros e setenta e um cêntimos) ao assistente, no prazo da suspensão. A recorrente põe em causa a qualificação jurídica dos factos levada a cabo pelo Tribunal recorrido, com fundamento na alteração da matéria de facto nos moldes que invoca. Entende a mesma que não se provaram factos bastantes para se poder considerar por si preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo de crime em apreço. Alega, para tanto que: - a atual redação do art.º 249º, nº 1, alínea c), pretende acorrer às situações em que a recusa, atraso ou criação de dificuldades sensíveis na entrega/acolhimento do menor se faz através de comportamentos ou abstenções com grave prejuízo para a estabilidade e os direitos dos menores; - o bem jurídico protegido é o interesse do menor a uma relação de proximidade com os seus progenitores, ou seja, a proteção da família, considerada em sentido amplo; - apenas nestas circunstâncias é que se torna exigível que o Estado crie mecanismos legais expeditos para o cumprimento, devendo o direito penal ser a último ratio da intervenção estadual nas relações sociais; - o mero incumprimento da regulação das responsabilidades parentais não reclama desde logo a intervenção do direito penal, existindo outros instrumentos para fazer cumprir esse regime, nomeadamente o destinado a acorrer a hipóteses de recusa de entrega do menor, previsto no art.º 49º do RGPTC; - houve um processo para que as autoridades portuguesas fizessem regressar a menor, no Tribunal de Família de ..., com o nº 2278/19.7T8ACB, mas cuja decisão não foi notificada à requerida, pelo que não seria exigível à requerida a entrega da menor ao pai, estando justificada a sua actuação; - o assistente em nada investia para estar com a filha, pois apenas veio a Portugal três vezes, e em nenhuma dessas 3 vezes o fez por iniciativa própria; - para haver crime o incumprimento deve ser «injustificado», traduzido naquelas condutas que se prendem com questões de particular relevo para a vida da criança, designadamente a sua saúde, educação e bem-estar; - o assistente não via a filha porque não a procurava, nem vinha a Portugal para tal. Conclui a recorrente que a sua conduta não configura um incumprimento injustificado, pelo que não se mostram preenchidos os elementos tipificadores do crime de subtração menores p.p. pelo art.º 249º, nº 1, al. c) do Cód. Penal, devendo a mesma ser absolvida. A este respeito, cumpre, antes de mais, enfatizar que não se procedeu a qualquer alteração da matéria de facto fixada na decisão recorrida, pelo que é a essa matéria que teremos que nos ater e não à matéria de facto que a recorrente gostaria de ter visto provada, mas não o foi. Quanto ao enquadramento jurídico dos factos apurados, consta da decisão recorrida que: “(…) Vêm as arguidas acusadas da prática de um crime de subtracção de menor, previsto e punido pelo artigo 249.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, com referência ao artigo 28.º, n.º 1, do Código Penal. Estabelece o artigo 249.º, n.º 1, do Código Penal, que “Quem: a) Subtrair menor; b) Por meio de violência ou de ameaça com mal importante determinar menor a fugir; ou c) De um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento; é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.”. O bem jurídico protegido por esta incriminação legal consiste no poder paternal ou de tutela sobre o menor (PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, 3.ª ed., UCE, 2015, p. 912). O tipo objectivo consiste na subtracção de menor de 18 anos, na determinação (por meio de violência ou ameaça de um mal importante) de menor a fugir, ou na recusa, atraso, ou criação de dificuldades na entrega do menor à pessoa que sobre ele exercer poder paternal ou tutela, ou a quem ele esteja legalmente confiado, ou ao acolhimento de menor por essa pessoa. A subtracção do menor consiste no “afastamento do menor da esfera de controlo fáctico do seu encarregado, impedindo, desse modo, o encarregado do menor de exercer os seus poderes sobre o menor. Este afastamento supõe não apenas um distanciamento físico, mas também uma duração temporal mínima que se repercuta na inexequibilidade dos poderes do encarregado do menor” (PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, ob. cit., p. 913). A determinação do menor a fugir “equivale à conduta típica do crime de coacção do menor a realizar a fuga e não a uma mera conduta de colaboração na concretização de uma decisão já tomada pelo menor” (Idem). A determinação do menor a fugir tem de ser realizada pelos meios previstos: a violência e a ameaça de um mal importante, que devem ser dirigidas ao menor, mas podem também sê-lo a outra pessoa. No que respeita à recusa, atraso, ou criação de dificuldades na entrega do menor à pessoa que sobre ele exercer as responsabilidades parentais ou a quem ele esteja legalmente confiado, exige-se que uma conduta “repetida” do obrigado pelo regime estabelecido para a convivência do menor, isto é, reiterada no tempo, e “injustificada”, ou seja, “não considerada justificada pelo juiz titular do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, à luz não apenas das causas justificativas do direito penal, mas também das causas justificativas de outras áreas do direito e ainda quaisquer outras razões que tornem compreensível o comportamento do agente” (PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, ob. cit., p. 914). Para que assuma relevância típica, a recusa, atraso ou a criação de dificuldades na entrega tem de assumir carácter significativo, isto é, um comportamento grave. O crime ocorre independentemente de qualquer interpelação judicial ou policial para o cumprimento, bastando que o regime para a convivência do menor (isto é, o regime de guarda e visitas) se encontre definitiva ou provisoriamente estabelecido pelo tribunal e seja do conhecimento do progenitor. A recusa ilícita de entrega de menor pressupõe, assim, que estejam definidas as responsabilidades parentais ou a tutela relativamente ao mesmo (Idem). No que respeita ao tipo subjectivo, estamos perante um tipo de ilícito doloso, podendo verificar-se em qualquer das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal. Ora, no caso vertente, realizando a subsunção dos factos provados à norma incriminadora pela qual as arguidas vêm acusadas, resulta evidente o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime em apreço por parte da arguida BB, pois que a mesma não entregou a menor FF ao progenitor no dia .../.../2019, conforme o regime de regulação das responsabilidades parentais vigente impunha, sendo que apenas em .../.../2021 a menor voltou a estar na presença do pai. Entre .../.../2019 e .../.../2021, BB ausentou-se com a menor, não revelando o seu paradeiro, seja a CC, seja às autoridades judiciais e, por via destas, policiais, que encetaram diligências para lograr o regresso da menor aos .... Durante esse período, CC viu-se impedido de contactar, por qualquer forma, com a menor, por lhe ser ocultado o paradeiro da mesma e/ou vedado qualquer contacto com a menor, ainda que não presencial, com ressalva tão só de telefonema breve efectuado pela menor em ........2020 do telemóvel com o n.º .... Considerando que a arguida BB não só não entregou a menor ao progenitor na data devida, tendo recusado tal entrega durante 17 meses sem motivo atendível, como ocultou o paradeiro da menor e privou o progenitor de contacto presencial ou por meios de comunicação à distância com a menor (com a ressalva de um único contacto, supra aludido) durante tal período, entendemos que o incumprimento do regime de guarda e convívios verificado ultrapassa (em muito) o patamar de gravidade exigido para o preenchimento do tipo. Por outro lado, resultou demonstrado que a arguida BB gizou um plano para impedir qualquer contacto entre CC e FF, com total ruptura na relação entre ambos e ao arrepio do regime estabelecido para a convivência da menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais a que BB estava obrigada, o que quis e conseguiu, tendo actuado de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, o que nos permite concluir que a arguida actuou com dolo directo e com consciência da ilicitude (artigos 14.º e 17.º do Código Penal). Encontram-se, assim, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime em apreço, pelo que, não tendo sido apurada factualidade susceptível de consubstanciar qualquer causa de exclusão da culpa ou da ilicitude, conclui-se que a arguida BB cometeu, em autoria material, sob a forma consumada, o crime de que vinha acusada. (…).” Uma vez que não se procedeu à alteração da matéria de facto nos moldes pretendidos pela recorrente, atenta a factualidade apurada, dúvidas não restam de que a recorrente não tinha nenhuma razão atendível para não regressar com a menor aos ... no dia 2/09/2019. A arguida e o assistente tinham um acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais da sua filha FF, homologado pelo Tribunal de Família e Menores, que previa um regime de guarda partilhada, com residência principal da menor junto da mãe e residência alternada semanal da menor junto de cada um dos progenitores, nos .... No dia 1/09/2019, ao comunicar a CC que não mais regressaria aos ... com a menor, BB colocou-se voluntariamente numa situação de incumprimento do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais da sua filha FF. Ao contrário do pretendido pela recorrente, esse incumprimento, prolongou-se no tempo, tendo durante dezassete meses a menor e o seu pai ficado privados do convívio um com o outro, necessariamente com danos psicológicos para ambos, sem que se tenha provado que a recorrente tinha para tal uma justificação válida. Mais se provou que durante esse período de tempo a recorrente não só impediu o convívio da menor com o pai, como ocultou ao pai o paradeiro da filha e impediu qualquer contacto entre ambos, para além de um telefonema no dia .../.../2020. Ao contrário do pretendido pela recorrente, não resultou provado que o pai se desinteressou do convívio com a filha, que não a procurou ou que não se deslocou a Portugal para estar com a menor durante os dezassete meses em que esteve privado do convívio com a sua filha. Os factos apurados na decisão recorrida demonstram o contrário disso mesmo. Verifica-se, assim, que a factualidade apurada é idónea ao preenchimento pela recorrente do elemento objectivo do crime de subtração de menor, previsto e punido pelo art.º 249º, nº 1, al. c) do Cód. Penal. Como já se referiu, a recorrente tinha conhecimento da decisão datada de .../.../2019, proferida no Processo de Entrega Judicial de Crianças nº 2278/19.7T8ACB, do Juízo de Família e Menores de ..., transitada em julgado, que determinou o regresso imediato da menor aos .... Em face deste facto, não é procedente a argumentação da recorrente, baseada no desconhecimento desta decisão, ao pretender que o seu incumprimento não seja tido como injustificado. Na verdade, o crime de subtração de menor consuma-se com a recusa repetida e reiterada, sem justificação válida e atendível, do cumprimento do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais de um menor, estabelecido ou homologado pelo Tribunal, que tenha como consequência o impedimento dos convívios do menor com um dos progenitores ou com ambos, no caso de entrega dos cuidados da criança a uma terceira pessoa ( cf. neste sentido, entre outros, os Acórdãos deste TRL datado de 7/02/2017, proferido no processo nº 866/15.0PELSB.L1-5, em que foi relator Luís Gominho, e do TRC datado de 18/05/2010, proferido no processo nº 35/09.8TACTB.C1, em que foi relator Alberto Mira, in www.dgsi.pt). Por outro lado, na medida em que se provou que a arguida BB actuou de forma livre, deliberada e consciente, gizando um plano para impedir qualquer contacto entre CC e FF, com total ruptura na relação entre ambos e ao arrepio do regime estabelecido para a convivência da menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais a que BB estava obrigada, que concretizou, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, mostra-se igualmente preenchido o elemento subjectivo do crime em apreço, na modalidade de dolo directo. Pelo exposto, não assiste qualquer razão à recorrente, improcedendo nesta parte o recurso. E) Suspensão da execução da pena de prisão No caso dos autos não põe a recorrente em causa a espécie de pena que lhe foi aplicada, de prisão, nem a dosimetria da mesma, 9 meses. Apenas entende que, ao ter sido condenada numa pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, mediante o pagamento, neste prazo, da quantia de €9.253,71, tal condenação não é razoável, por não ter tido em conta as suas condições económico-sociais e a sua efectiva capacidade de satisfazer a condição da suspensão. Para tanto alega que dispõe de um rendimento mensal que somente lhe assegura as necessidades básicas da vida corrente e, caso tenha que fazer o pagamento da indemnização em dois anos, dificilmente conseguirá pagar as suas contas do dia-a-dia. Mais alega que os deveres a impor pelo Tribunal ao condenado, como pressuposto da suspensão da execução da pena, não podem em caso algum representar para o mesmo obrigações cujo cumprimento não lhe seja razoavelmente de exigir. Conclui que na sentença não se apuraram, em concreto, as suas condições pessoais, nomeadamente se possui, ou não, quaisquer perspetivas favoráveis com vista ao pagamento da indemnização arbitrada, pelo que a sentença enferma do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do nº 2 do art.º 410º do Cód. Proc. Penal. Relativamente à suspensão da execução da pena de prisão, há que atentar no disposto no art.º 50º do Cód. Penal, onde se prevê que: “1 – O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 2 – O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova. 3 – Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente. 4 – A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições. 5 – O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.” A suspensão da execução da pena de prisão depende, assim, da verificação cumulativa de dois pressupostos: um formal e outro material. O primeiro, exige que a pena aplicada não exceda cinco anos. O pressuposto material consiste num juízo de prognose segundo o qual o Tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do caso, conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão bastarão para afastar o delinquente da criminalidade, satisfazendo as exigências mínimas de prevenção geral. Com efeito, a suspensão da execução da pena, como pena de substituição, em sentido próprio, pressupõe a prévia determinação de uma pena concreta de prisão e tem como subjacente o objectivo de política criminal de substituir as penas curtas de prisão, salvo se o seu cumprimento efectivo for imposto por exigências de prevenção, especial ou geral. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal com o apelo à vontade do condenado em se reintegrar na sociedade, fortalecido pela ameaça de execução da pena no futuro. Na suspensão da execução da pena de prisão não são as considerações sobre a culpa do agente que devem ser tomadas em conta, mas antes juízos prognósticos sobre o desempenho da sua personalidade perante as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior à prática do crime e as circunstâncias de facto, que devem permitir ao julgador fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas. A suspensão apenas deve ser decretada quando haja fundamentos para que o Tribunal se convença que o crime cometido se não adequa à personalidade do agente e foi um simples acidente de percurso, esporádico, pelo que a ameaça da pena será suficiente para evitar o cometimento de novos ilícitos típicos. Relativamente à suspensão da execução da pena de prisão aplicada à recorrente, consta da sentença recorrida o seguinte: “ (…) Preceitua o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, finalidades estas que correspondem à protecção de bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade (cfr. artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal). A apreciação e decisão de suspensão da execução da pena de prisão, consubstanciando a aplicação de uma pena de substituição, traduz-se numa faculdade vinculada, devendo a mesma ser aplicada se verificados os pressupostos plasmados no citado artigo 50.º do Código Penal. Segundo FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal Português – Parte Geral. II As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Ed., 2009, p. 342), a par do pressuposto formal (aplicação de pena não superior a 5 anos de prisão), “a lei exige um pressuposto de ordem material, ou seja, a verificação, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do caso, de um prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido”. Como é consabido, à ponderação da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, enquanto medida de reacção criminal autónoma, são alheias considerações relativas à culpa do agente, valendo exclusivamente as exigências emergentes das finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização. Assim, a opção por esta pena deverá assentar, em primeira linha, na formulação de um juízo positivo ou favorável à recuperação comunitária do agente através da censura do facto e da ameaça da prisão, sem a efectiva execução desta prisão, que ficaria suspensa, mas desde que esta opção não prejudique ou contrarie a necessidade de reafirmar a validade das normas comunitárias, ou seja, desde que o sentimento comunitário de crença na validade das normas infringidas não seja contrariado ou posto em causa com tal suspensão. No caso dos autos, tendo sido aplicada à arguida a pena de 9 meses de prisão é certo estar verificado o pressuposto formal a que alude o normativo citado. Cumpre então aferir do preenchimento do pressuposto material. Considerando que a arguida não tem quaisquer antecedentes criminais registados, encontra-se profissionalmente inserida, e ponderando que a gravidade global da sua conduta (o modo de execução dos factos, as suas consequências e o período temporal a que os mesmos se reportam), não exige, por si só, o efectivo cumprimento da pena, consideramos que a mera ameaça da prisão e a censura do facto se afiguram suficientes para evitar a recidiva criminosa da arguida e para recuperar a confiança comunitária na validade das regras jurídicas. As circunstâncias que se acabam de enunciar permitem a formulação de um juízo de prognose favorável à reintegração da arguida mediante a suspensão da execução da pena de prisão, pelo que deverá a pena de prisão aplicada ser suspensa na sua execução. Quanto ao período da suspensão, face ao disposto pelo artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal, consideramos adequado que o mesmo corresponda ao período de 2 anos, permitindo esse lapso temporal aferir, devidamente, se a arguida interiorizou o desvalor da sua conduta de modo a não voltar a incorrer no mesmo tipo de comportamentos. No caso vertente, uma simples suspensão, sem mais, implicaria que a gravidade dos factos não tivesse uma resposta penal adequada. Assim, atenta a factualidade apurada, considera-se justificado e adequado à realização das finalidades de prevenção especial que se verificam in casu, subordinar a suspensão da pena ao pagamento, no período da suspensão, de indemnização ao lesado (artigos 50.º, n.º 2, e 51.º, n.º 1, al. a), do Código Penal). Assim, deverá a pena de prisão aplicada à arguida ser suspensa na sua execução, pelo período de 2 anos, e por se considerar conveniente e adequado a promover a reintegração da arguida, deverá tal pena ficar condicionada ao pagamento ao ofendido/assistente, no prazo de 2 anos, do valor de € 9.253,71, correspondente à indemnização que será infra fixada em termos de pedido de indemnização civil, devendo, pelo menos, metade do valor ser pago nos primeiros 12 meses da suspensão (artigos 50.º, n.ºs 1, 2 e 5, e 51.º, n.º 1, al. a), do Código Penal). (…)” Vemos, assim, que o Tribunal a quo considerou que, no caso em apreço, as necessidades de reprovação e prevenção do crime ainda se bastam com a suspensão da execução da pena de prisão aplicada à arguida, entendimento com o qual a mesma se conformou. Sucede, porém, que a suspensão da pena de prisão aplicada à arguida está sujeita à condição de a mesma proceder ao pagamento ao assistente da quantia de 9.253,71 euros, correspondente ao valor da indemnização atribuída a este último, no prazo dos dois anos da suspensão. A suspensão da execução da pena de prisão pode efectivamente ficar subordinada ao cumprimento de determinados deveres por parte do condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente, a pagar, dentro de certo prazo, no todo ou em parte, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea, em conformidade com o disposto no art.º 51º, nº 1, alínea a) do Cód. Penal. Porém, prevê-se no nº 2 desta norma que: “Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.” Verifica-se, assim, que os deveres impostos ao condenado não podem representar uma violação dos seus direitos fundamentais, o que acontece se o cumprimento do dever puser em causa o mínimo necessário para a subsistência do condenado (cf. neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “ Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos ”, 5ª edição atualizada, UCP, pág. 345 ). No caso dos autos a arguida não prestou declarações em julgamento, exercendo o seu direito ao silêncio, nos termos permitidos pelos arts.º 61º, nº 1, al. d), e 343º, nº 1 do Cód. Proc. Penal. No entanto, não constam da matéria de facto apurada quaisquer factos relativos às suas condições socio-económicas, não se sabendo a composição concreta do seu agregado familiar, quanto é que ganha exactamente e que encargos tem. Neste tocante, apenas se apurou que a arguida BB exerce actividade laboral, auferindo mensalmente quantia variável, entre €750 a cerca de €990. Na ausência de declarações da arguida e da junção aos autos de documentos para prova dessa factualidade, também não ordenou o Tribunal a quo a elaboração de relatório social para o apuramento de tais factos. Relativamente ao relatório social, dispõe o art.º 370º, nº 1 do Cód. Proc. Penal que: “O tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correcta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respectiva actualização quando aqueles já constarem do processo.” Em face desta norma, verifica-se que o relatório social é uma fonte de informação que contribui para a determinação da pena a aplicar ao arguido e está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos do art.º 127º do Cód. Proc. Penal. O relatório social é, assim, um instrumento de auxílio do juiz, que o “pode” solicitar, caso o considere necessário. Não obstante a ausência de factos bastantes relativos às condições sociais e económicas da arguida, a decisão recorrida condenou-a em pena de prisão, suspensa na sua execução na condição de a mesma pagar ao assistente a quantia de 9.253,71 euros, durante o prazo da suspensão, de dois anos. Conforme supra se referiu, há insuficiência da matéria de facto para a decisão quando os factos dados como assentes na decisão são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição, ou seja são insuficientes para a aplicação do direito ao caso concreto, gerando este vício a nulidade da sentença, nos termos previstos nos arts.º 374º, 379º, nº 1, als. a) e c) e 410º, nº 2, al. a) do Cód. Proc. Penal. A verificação da ocorrência deste vício determina a necessidade do seu suprimento podendo, em última ratio, ter como consequência o reenvio dos autos à 1ª instância, caso não seja possível a renovação da prova, prevista no art.º 430º do Cód. Proc. Penal, verificados que estejam os respetivos pressupostos. Atenta a factualidade apurada nos autos no que respeita às condições sociais e económicas da arguida, verifica-se, efectivamente, que a mesma é insuficiente para fundamentar a condição da suspensão da execução da pena de prisão em que aquela foi condenada. Quanto às condições pessoais da recorrente nada se apurou, à excepção da ausência de antecedentes criminais e do seu vencimento mensal, em termos aproximados. Não consta do processo que tenham sido encetadas quaisquer outras diligências com vista a apurar quanto é que a arguida aufere exactamente e que encargos económicos tem, bem como a composição do seu agregado familiar. Todos estes factos não podem assentar em meras presunções, não alicerçadas em elementos probatórios, e têm importância para a decisão da causa. Ora, não se tendo apurado estas circunstâncias, e sendo as mesmas passíveis de apuramento, verifica-se que a decisão recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto apurada, neste tocante, impondo-se ao Tribunal recorrido que investigue, por todos os meios ao seu alcance e legalmente admissíveis, tal factualidade, procedendo a um novo juízo sobre as condições a que deve ou não sujeitar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada à recorrente. É que não tendo o Tribunal recorrido cumprido o dever de investigar convenientemente a situação sócio-económica da recorrente como se lhe impunha que fizesse, encontra-se este Tribunal de recurso impedido, com a factualidade apurada, de decidir a causa relativamente à justeza da condição da suspensão da execução da pena de prisão aplicada. Em face do exposto, impõe-se proceder à anulação parcial do julgamento efectuado em 1ª instância e ordenar o reenvio do processo para novo julgamento restrito à produção de prova necessária ao apuramento das condições sociais e económicas da recorrente, incluindo a composição do respectivo agregado familiar, os rendimentos do trabalho ou outros e as despesas fixas e variáveis, a fim de se poder alcançar uma decisão final, tudo em conformidade com o disposto nos arts.º 340º, 369º, 370º, 371º, 410º, nº 2, al. a), 426º, nº 1 e 426º-A todos do Cód. Proc. Penal. Fica, assim, prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no recurso quanto à responsabilização criminal da recorrente, nomeadamente as relativas à aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 02/08. F) Montante indemnizatório No que respeita à sua condenação no pagamento de uma indemnização ao assistente, entende a recorrente que deve ser absolvida da obrigação desse pagamento, porquanto defende que não praticou o crime que lhe deu origem. Para tanto refere que a sentença se baseou na prova pericial ( que se desconhece o que possa ser ) e que condenou a recorrente a pagar o que se liquidasse em execução de sentença ( o que não corresponde à verdade e cuja alegação se deve ter ficado a dever a mero lapso ). Também não concorda com os valores dos danos patrimoniais a que se chegou, uma vez que o assistente não apresentou documentos comprovativos desses danos. Entende ainda que o assistente não fez prova dos danos não patrimoniais que alega ter suportado e que a sentença recorrida é nula por encerrar uma decisão surpresa nesta matéria. Vejamos se lhe assiste razão. A este respeito cumpre, novamente, salientar que não se procedeu a qualquer alteração da matéria de facto apurada pelo Tribunal a quo nos moldes pretendidos pela recorrente. O assistente pediu a condenação da arguida no pagamento da quantia global de €27.263,20, sendo €7.263,20 a título de danos patrimoniais e €20.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento. De acordo com o disposto no art.º 129º do Cód. Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil. Quanto à responsabilidade civil por factos ilícitos, dispõem os arts.º 483º, nº 1, 486º e 563º do Cód. Civil que tem a mesma os seguintes pressupostos: a) o facto ilícito, enquanto acção voluntária, ou omissão, violadora de bens jurídicos patrimoniais ou pessoais de terceiros; b) o nexo de imputação do facto ao lesante; c) a existência de um dano ou prejuízo causado pelo facto ilícito; d) o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima. Quanto aos danos patrimoniais, prevê o art.º 564º, nº 1 do Cód. Civil, que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Segundo o disposto no art.º 496º, nº 1 do mesmo diploma, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais deve-se atender aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Ainda segundo o previsto no art.º 562º do Cód. Civil, a obrigação de indemnizar tem em vista a reconstituição da situação que existiria na esfera patrimonial do lesado se não tivesse ocorrido o facto causador da lesão. A indemnização por danos morais, visando uma compensação do lesado pelo sofrimento, é fixada segundo critérios de equidade, nos termos previstos nos arts.º 496º, nº 4 e 566º, nº 3 do Cód. Civil, e actualizada ao momento do julgamento ( cf., neste sentido, Ac. STJ de 14/3/91, in BMJ 405, pág. 443 ). Importa, no entanto, determinar quais são os danos não patrimoniais indemnizáveis. Conforme é hoje unanimemente entendido, a gravidade do dano não patrimonial mede-se por um padrão objetivo, consoante as circunstâncias do caso concreto, devendo ser afastados fatores suscetíveis de traduzir uma sensibilidade exacerbada ou requintada do lesado (cf., neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª Edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 499, nota 1). O dano indemnizável deve ser assim um dano de tal modo grave que mereça a tutela do direito e justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado, não relevando para efeitos de indemnização os simples incómodos ou contrariedades (cf., neste sentido, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª Edição, pág. 606). A gravidade do dano deve, pois, aferir-se com recurso a critérios objectivos, como sejam a dignidade e o valor intrínseco do bem ou interesse jurídico violado. Não é, no entanto, possível estabelecer um paralelismo absoluto entre a gravidade do dano e a dignidade do bem jurídico violado, havendo outros factores que podem conferir gravidade ao dano, como por exemplo a intensidade da lesão, quer em termos temporais, quer em termos de afectação do bem ou interesse em causa, e a censurabilidade da conduta do agente, apta a justificar a qualificação como grave de um dano que pelos critérios da dignidade e da intensidade poderia ficar sem protecção. Na determinação dos danos não patrimoniais indemnizáveis cabem ainda os decorrentes de uma especial sensibilidade do lesado, como sejam a doença, a idade e a maior vulnerabilidade ou fragilidade emocionais. Não são, no entanto, atendíveis os meros incómodos e pequenas contrariedades, que na perspectiva do lesado mereceriam a tutela do direito, mas que não passam no crivo de uma avaliação objectiva ou de mero bom senso. Quanto à definição de quais sejam os danos não patrimoniais indemnizáveis, destaca-se o dano moral em sentido próprio ou subjectivo, ou seja, a humilhação, a angústia, a vergonha e a ansiedade, nele se incluindo também a própria dor, que no direito português abrange quer a dor física, quer o sofrimento moral. É ainda possível a ofensa de bens de carácter imaterial, desprovidos de conteúdo económico e insuscetíveis de avaliação pecuniária, como sejam a integridade física, a saúde, a correcção estética, a liberdade, a honra ou a reputação. A ofensa objectiva destes bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou moral (cf. neste sentido, Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 6ª Edição, Coimbra Editora, 1989, pág. 375). Também Antunes Varela identifica os danos não patrimoniais com os prejuízos, como as dores físicas, os desgosto morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação e os complexos de ordem estética, que não são susceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome, pelo que não integram o património do lesado e apenas podem ser compensados pecuniariamente (in “Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Edição, Almedina, 2003, pág. 602 e seguintes). Na senda da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tem-se vindo também a autonomizar do dano moral em sentido estrito, o dano não patrimonial derivado da lesão da dignidade humana, decorrendo esta autonomização do reconhecimento de que os actos atentatórias da dignidade humana provocam angústia, amargura e desespero (cf. neste sentido “Danos Não Patrimoniais”, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, FDUC, Vol. III, Direito das Obrigações, 2007, págs. 505 a 512). No entanto, como sustenta Vaz Serra, in BMJ, vol. 83º, pág. 85: “(…) a satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização no sentido equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão; trata-se de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo apenas moral, não é susceptível de avaliação”. Assim sendo, uma vez que o ressarcimento dos danos não patrimoniais deriva da violação de direitos fundamentais, deve-se abandonar um critério miserabilista no que respeita à fixação dos respetivos montantes indemnizatórios. Voltando ao caso dos autos, verificamos que a sentença em apreço condenou a recorrente a pagar ao assistente a quantia de €4.253,71, correspondente à soma dos valores de €1.022,50 com viagens e de €3.231,21 com honorários de advogado, que o mesmo suportou em consequência directa e necessária da conduta da arguida. Este valor é um valor exacto, corresponde aos concretos danos patrimoniais que o comportamento da arguida provocou no assistente e, como tal, deve ser pago, tendo o mesmo ficado aquém do valor inicialmente peticionado pelo assistente. Quanto aos danos não patrimoniais, a decisão recorrida encontra-se também bem fundamentada de facto e de direito. Os danos morais sofridos pelo assistente em resultado da actuação da arguida, tendo em conta a sua duração e intensidade, são de tal modo graves que merecem, efectivamente, a tutela do direito, impondo-se atribuir-lhe uma indemnização compensatória pelo seu sofrimento. Uma vez que não existe a possibilidade de quantificar os danos morais, a sua ressarcibilidade tem que ser feita com recurso à equidade, ou seja, através de um critério de razoabilidade, ditado pelo bom senso. Face aos danos de natureza não patrimonial em apreço há que ter em conta que a indemnização deve ser significativa de modo a representar uma efetiva compensação pelos prejuízos sofridos, mas sem representar um enriquecimento injustificado do lesado à custa da lesante. Os vários meses de privação de contacto com a sua filha, da qual não tinha notícias, nem conhecia o paradeiro, tiveram consequências dramáticas na saúde física e mental do assistente, o qual sofreu grande angústia, pressão, noites sem dormir, insónias e grande sofrimento, que o levou a ter ajuda médica, tendo passado a ser medicado para dormir e para a ansiedade e tendo também sentido medo de não voltar a ver a filha novamente, não conseguindo olhar para as fotografias da FF sem chorar. Estes danos são indiscutivelmente relevantes para merecerem a tutela do direito. Analisada a decisão recorrida e a factualidade apurada, considera-se justo e proporcional condenar a arguida a pagar ao assistente o montante de 5.000€ (cinco mil euros), a título de reparação pelos danos não patrimoniais sofridos, o que ficou também aquém do valor de €20.000,00 a este título inicialmente peticionado pelo assistente. No caso concreto, face a tudo quanto antecede, à luz da equidade, entende-se que a quantia em apreço é justa, adequada e proporcional, mostrando-se, de acordo com as especificidades do caso, perfeitamente consentânea com os valores atribuídos e os critérios seguidos pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores em casos que com este têm alguma similitude. Também não procede a argumentação da recorrente no sentido de que a decisão recorrida é nula por, nesta matéria, constituir uma decisão surpresa, porquanto a sua condenação no pagamento de uma indemnização ao assistente fica muito aquém dos valores pelo mesmo inicialmente peticionados, tendo a factualidade alegada pelo assistente sido toda ela levada a julgamento, não constituindo, assim, a condenação nenhuma surpresa para a recorrente. Por conseguinte, também nesta parte o recurso tem que improceder. * 4. Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes que integram esta 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela recorrente BB e, em consequência: A) Alteram os factos descritos na alínea a) dos factos não provados, considerando-os provados com o seguinte teor: “BB teve conhecimento da decisão datada de ........2019, proferida no Processo de Entrega Judicial de Crianças n.º 2278/19.7T8ACB, do Juízo de Família e Menores de ....” B) Anulam a sentença recorrida no que concerne à condição imposta à recorrente para a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada; C) Ordenam o reenvio do processo para reabertura da audiência de julgamento pelo mesmo Tribunal, restrita à questão da determinação das condições sociais e económico-financeiras da recorrente, incluindo a composição do seu agregado familiar, os respetivos rendimentos e encargos, com vista à determinação da condição da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, ao abrigo do disposto nos arts.º 340º, 369º, 370º, 371º, 410º, nº 2, al. a), 426º, nº 1 e 426º-A todos do Cód. Proc. Penal; D) No mais confirmam a decisão recorrida. Sem custas, na parte criminal. Custas na parte cível pela recorrente. Lisboa, 18 de Junho de 2024 (texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora) Carla Francisco Sandra Oliveira Pinto Manuel José Ramos da Fonseca |