Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | AGUIAR PEREIRA | ||
Descritores: | TAXA DE JURO JUROS COMERCIAIS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/29/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | O artigo 2º do Decreto-Lei 32/2003, de 17 de Abril não exclui a indemnização correspondente aos juros de juros à taxa aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais em caso de mora, mesmo quando celebrados com consumidores, já que os actos de que eles emanam continuam, em princípio, a ser abrangidos pelo artigo 99º do Código Comercial. (AP) | ||
Decisão Texto Parcial: | EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, ACORDAM OS JUÍZES DESEMBARGADORES DA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I – RELATÓRIO a) J. G., Sociedade (..), S A, com sede (…) – Braga requereu, em processo de injunção, a notificação da Cooperativa (…), Crl, com sede (…) em Lisboa, para lhe pagar a quantia global de 391.951,89 euros, juros incluídos, sendo o capital de 309.235,27 euros. Tal quantia reporta-se, alega, a trabalhos de construção civil realizados no âmbito de um contrato de empreitada acordado entre as partes, os quais foram devidamente facturados e não pagos. b) Citada, a ré/requerida deduziu oposição à injunção e formulou um pedido reconvencional contra a autora. No que se refere à oposição alegou a inexistência da dívida reclamada na medida em que os trabalhos facturados não foram executados, tendo de resto a ré/requerida pago quantias que eram da responsabilidade da autora/requerente. Em sede de reconvenção a ré/requerida formula o pedido de condenação da autora/requerente no pagamento da quantia de 41.581,75 euros correspondente ao saldo entre as quantias reclamadas pela autora/requerente e as importâncias alegadamente pagas pela ré/reconvinte. c) A autora apresentou articulado de resposta pugnando pela improcedência da excepção invocada e pela improcedência do pedido reconvencional, concluindo como no requerimento de injunção. d) Dispensada que foi a realização da audiência preliminar e fixado o valor da causa, foi selecionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória (fls 464 e seguintes). (…) Decidida que foi a matéria de facto controvertida foi proferida douta sentença que: a. Julgou a acção parcialmente procedente, e condenou a ré, operada a compensação de créditos, no pagamento da quantia de 283.711,21 euros, acrescida de juros de mora vencidos desde 25 de Janeiro de 2010 e dos juros vincendos; b. Julgou a reconvenção improcedente. e) Inconformada com tal decisão a ré interpôs recurso de apelação, admitido com efeito devolutivo, tendo concluído as suas alegações da forma seguinte: “(…) C) Discorda a ré da decisão do Tribunal a quo quanto à resposta à matéria de facto relativa aos seguintes artigos da Base Instrutória: 6° a 9°, 12° a 15°, 17° a 20°, 29° a 37° e 50° e consequente aplicação do Direito que, nessa sequência, foi feita. “(…) PP) A ré nada deve à autora e tem um crédito sobre a autora no valor de € 41.932,41; QQ) Assim sendo, deve ser julgada procedente por provada a excepção de compensação entre o crédito da autora e o contra-crédito da ré, apurando-se, a favor desta, um saldo positivo que lhe é devido pela autora. RR) Deve o pedido reconvencional deduzido pela ré ser julgado totalmente procedente e a autora condenada a pagar à ré a quantia não de € 41.932,41, conforme apurado, mas de € 41.581,75 porque foi este o valor pedido em reconvenção, não podendo o tribunal condenar em quantia superior; SS) Revogando-se, nesta parte, a decisão do Tribunal a quo (…). TT) Caso o Tribunal venha a entender em sentido diverso, considerando ser a ré devedora à autora de alguma quantia, o cálculo dos respectivos juros de mora deverá ser feito de acordo com a taxa legal dos juros civis e não comerciais (…), UU) Em virtude de à ré, face à sua qualidade de cooperativa e porque a actividade é exercida em ordem à produção ou troca de bens e serviços não tem como destinatários terceiros, mas sim os próprios membros da cooperativa, ser aplicável o decreto-lei n° 32/2003, de 17 de Fevereiro; VV) Violou, neste particular, o tribunal a quo o próprio decreto-lei n° 32/2003, de 17 de Fevereiro e o artigo 559º do Código Civil.” i) Contra alegou a autora pugnando, no essencial, pela rejeição do recurso na parte relativa à matéria de facto por falta, quanto a alguns segmentos da decisão, de cumprimento do ónus contido no artigo 685º-B nº 2 do Código de Processo Civil e pela improcedência da apelação. j) Colhidos os vistos legais dos Exmºs Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre agora apreciar e decidir, ao que nada obsta. II – FUNDAMENTAÇÃO A) OS FACTOS São os seguintes os factos considerados provados, tal como descritos na douta sentença recorrida: 1. P or contrato de 29 de Dezembro de 2003, a requerida, no exercício da sua actividade profissional, adjudicou à Requerente, que se dedica à actividade de construção civil, a Empreitada de “Construção da Estrutura, Acabamentos e Especialidades do Empreendimento – 2ª fase”, na parcela 4.45.01, no Parque das Nações, empreitada esta que consistiu na edificação de um edifício (cfr. alínea A) da matéria de facto assente); 2. Foi no âmbito desta empreitada que a requerente emitiu as facturas a que os autos se referem (cfr. alínea B) da matéria de facto assente); 3. Foram também emitidas, a favor da requerida, as seguintes notas de crédito, que, constando dos autos, se dão aqui por reproduzidas: - NCV 2007 0006, de 31 de Maio de 2007, totalizando o valor de 21.828,81 euros; - NCV 2008 0011, de 31 de Março de 2008, totalizando o valor de 2.820,81 euros (cfr. alínea C) da matéria de facto assente); 4. A factura – FAC 2006 0317 – Doc. 2 – respeita a trabalhos executados pela requerente e não pagos pela requerida (cfr. alínea D) da matéria de facto assente); 5. A factura – FAC 2006 0318, de 31 de Agosto de 2006, com data de vencimento em 30 de Outubro de 2006, totalizando 32.887,46 euros, respeita a trabalhos executados pela requerente e não pagos pela requerida (cfr. alínea E) da matéria de facto assente); 6. Relativamente à factura referida em 5) foi emitida a nota de crédito n.º NCV 2007 0006 referida em 3) (cfr. resposta dada ao artigo 46º) da base instrutória); 7. A factura FAC 2006 0318, referida em 5), não foi paga pela ré, tendo relativamente aos trabalhos nela descritos sido emitida a nota de crédito NCV 2007 0006 de 31 de Maio de 2007 (cfr. resposta dada ao artigo 2º) da base instrutória); 8. A factura 2006 0466 diz respeito ao AUTO nº 8TM, do qual fazem parte, designadamente, os Adicionais 64/03, 94/01, 157 (cfr. doc 5 com a oposição) (cfr. alínea F) da matéria de facto assente); 9. O trabalho constante do Adicional n.º 64/03, da factura n.º 2006 0466, referido em 8), no valor total de 2.215,51 euros, não foi executado pela autora (cfr. resposta dada ao artigo 47º) da base instrutória); 10. O encastramento de máquinas constante do Adicional n.º 94/01, da factura 2006 0466, referido em 8), no valor total de 980,29 euros, não foi efectuado pela autora (cfr. resposta dada ao artigo 48º) da base instrutória);-- 11. O Adicional 157 da factura 2006 0466, referido em 8), respeita a “fechaduras de quadros EDP” (cfr. resposta dada ao artigo 3º) da base instrutória); 12. A factura FAC 2007 0138, de 31 de Maio de 2007, com data de vencimento em 30 de Julho de 2007, totalizando o valor de 58.652,21 euros, respeita a trabalhos executados pela requerente e não pagos pela requerida (cfr. alínea G) da matéria de facto assente); 13. A factura 2008 0050 diz respeito ao AUTO nº 10TM, do qual fazem parte, designadamente, os Adicionais 165, 168, 170, 171, 174 (doc. 9 da oposição) e respeita a trabalhos executados pela requerente e não pagos pela requerida (cfr. alínea H) da matéria de facto assente); 14. Do Adicional nº 165 da factura 2008 0050 referida em 13) faz parte alteração da tubagem de abastecimento no Edifício 5, que respeita a uma alteração da alimentação da água aos apartamentos do Edifício 5, exigida pela EPAL, uma vez que passava por propriedade privada, mais concretamente pela loja/serviço 20 (cfr. resposta dada ao artigo 6º) da base instrutória); 15. No adicional n.º 168 da factura n.º 2008 0050 referida em 13) – Grupo de Incêndio – a reparação do «Grupo de Incêndio» ficou a dever-se a avaria provocada por uma inundação causada pela rotura do ramal provisório de alimentação de água (cfr. resposta dada ao artigo 8º) da base instrutória); 16. No adicional n.º 170 – Assistência Técnica – portões seccionados – a reparação do portão do parque de estacionamento privado resultou de uma avaria (cfr. resposta dada aos artigos 10º) e 11º) da base instrutória); 17. No adicional nº 171 – Reparação das Bombas de Incêndio – a necessidade desta reparação resultou de uma segunda avaria após a anterior intervenção da Requerente – aquando da primeira avaria (cfr. resposta dada ao artigo 12º) da base instrutória); 18. Esta reparação demorou cerca de 2 meses (cfr. resposta dada ao artigo 13º) da base instrutória); 19. O adicional nº 174 – EPAL – respeita a alterações diversas ao Projecto de Rede Predial de Abastecimento de águas, exigidas pela EPAL (cfr. resposta dada ao artigo 14º) da base instrutória); 20. Na Factura 2006 008 – doc. 19 da oposição - a requerente facturou a realização dos seguintes trabalhos: i) aplicação de micro ondas Bosch HMT 8656 EU, no valor de 444,00 euros (s/ IVA); ii) lava louças Sanitana L1.12 G, no valor de 141,99 euros; iii) instalações eléctricas no valor de 2.278,00 euros; iv) intercomunicador e painel de toque da campainha no valor de 120,00 euros; v) instalação e montagem das unidades de ar condicionado e respectiva tubagem, no valor de 4.557,22 euros (cfr. alínea I) da matéria de facto assente); 21. Os trabalhos constantes da factura n.º 2006 008, referidos em 20. não foram executados pela autora (cfr. resposta dada ao artigo 49º) da base instrutória). 22. Foram solicitados trabalhos a mais pela requerida, e foram executados pela requerente e facturados por esta, os trabalhos a que se referem as facturas que a seguir se enunciam e que, juntas aos autos, se dão por integralmente reproduzidas: i) FAC 2006 0466, de 29 de Dezembro de 2006, com data de vencimento em 27 de Fevereiro de 2007, totalizando o valor de 137.094,31 euros; ii) FAC 2008 0050, de 29 de Fevereiro de 2008, com data de vencimento em 29 de Abril de 2008, totalizando o valor de 80.139,78 euros; iii) FAC 2008 0114, de 30 de Maio de 2008, com data de vencimento em 29 de Julho de 2008, totalizando o valor de 16.437,37 euros; iv) FAC 2008 0191, de 29 de Agosto de 2008, com data de vencimento em 28 de Outubro de 2008, totalizando o valor de 1.116,29 euros (cfr. resposta dada ao artigo 1º) da base instrutória); 23. A factura FAC 2008 0114 – Doc. 16 junto com a oposição – respeita a encargos de água (cfr. resposta dada ao artigo 16º) da base instrutória); 24. A FAC 2008 0191, de 29 de Agosto de 2008 (doc. 17 da oposição) respeita ao Auto 13 TM, Adicional 178 – Tecto Madeira Edifício 1 – sendo que a necessidade de execução de tecto falso no hall de entrada do Edifício 1 (piso 2) foi consequência da rotura do ramal que abastecia de água os edifícios em utilização pela ré, que era o ramal de obra (ramal com tubos em pvc com acessórios) e que provocou uma inundação, que se infiltrou e provocou estragos no mencionado tecto, sendo que, o ramal definitivo de abastecimento de água aos edifícios demorou a ser utilizado por falta de aprovação (cfr. resposta dada aos artigos 17º), 18º), 19º) e 20º) da base instrutória); 25. Na factura 2006 0420 – Doc. 20 da oposição – no Auto 4 TM a requerente facturou o revestimento das casas de banho como “Granito Vermelho de Negrais” (cfr. resposta dada ao artigo 25º) da base instrutória); 26. A factura n.º 79 de 7 de Abril de 2006 acompanhava-se do auto 6TM, que nos seus items 1.1, 1.5.1 b), 1.5.2., 1.6.1 e), 1.7.1 e) e 2.1.2. a) tinha já sido considerado nos autos 1TM, 2TM, 3TM e 4TM e aí facturado pelas facturas 2005 0273 de 31/08/2005, 2005 0303 de 30/09/2005, 2005 0343 de 31/10/2005 e 2005 0420 de 30/12/2005, respectivamente, tendo o auto 6TM voltado a considerar tais rubricas, em duplicado, o que sucedeu apenas para que a factura fosse acompanhada do auto 6TM, que foi apenas elaborado para corporizar a factura de valor aproximado ao valor consignado no acordo alcançado entre autora e ré e a que se refere o documento cuja cópia consta de fls. 173 a 175 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. resposta dada aos artigos 29º), 30º), 31º), 32º), 33º), 34º) e 35º) da base instrutória); 27. Em 2006 – 2º semestre – mostrou-se devido à C... - empresa certificadora de electricidade - a quantia de 5.548,80 euros referente a taxa de inspecção das instalações eléctricas de todo o empreendimento (cfr. resposta dada ao artigo 38º) da base instrutória), valor este devido pela requerente à C..., por este valor ser da responsabilidade do instalador, neste caso, da empresa F..., instalador de electricidade da requerente (cfr. resposta dada ao artigo 39º) da base instrutória); 28. A requerente foi-se recusando pagar a mencionada taxa tendo a requerida tido conhecimento, em finais de Setembro de 2006, que a inspecção ainda não tinha tido lugar porquanto a C... não estava paga do valor da taxa (cfr. resposta dada ao artigo 40º) da base instrutória); 29. Enquanto esta inspecção não fosse feita, não podiam ser executados os ramais de alimentação aos edifícios e consequente pedido de contadores individuais (cfr. resposta dada ao artigo 41º) da base instrutória); 30. A requerida, perante a inércia da requerente e face ao atraso que este não pagamento implicava para o empreendimento, tomou a iniciativa de enviar à requerente, o cheque nº 6465617410 da CGD, para que a requerente fosse pagar à C... (cfr. resposta dada ao artigo 42º) da base instrutória); 31. A requerida pagou à Parque Expo a quantia de 9.236,29 euros (Docs. 32 a 35, da oposição), resultante de danos provocados pela requerente durante os trabalhos de execução da estrutura em betão armado (cfr. resposta dada ao artigo 43º) da base instrutória); 32. Como a Parque Expo não emitia parecer para a emissão de licença de utilização do empreendimento enquanto este valor não fosse pago, a requerida não teve outra alternativa senão adiantar este montante sob pena de, até à data, não possuir licença de utilização para o empreendimento (cfr. resposta dada ao artigo 44º) da base instrutória). B) O DIREITO Importa agora apreciar as questões a decidir tendo em conta o teor das conclusões das alegações da apelação que, como é sabido, e salvo questões de que seja lícito ao Tribunal conhecer oficiosamente, delimitam o respectivo âmbito de conhecimento. De acordo com as conclusões das alegações apresentadas as questões colocadas são as seguintes: Em primeiro lugar a questão da alteração da decisão da matéria de facto; Em segundo lugar, e de acordo com a matéria de facto provada, a questão da definição dos termos em que deve ser efectuada a compensação; Em terceiro lugar, caso se conclua estar a ré apelante em dívida para com a autora, a questão da concreta taxa de juros a aplicar. (…) C. Da taxa de juros de mora aplicável 10. Na douta sentença impugnada considerou-se que a ré apelante era devedora de juros de mora a partir da citação e que os mesmos deveriam ser contabilizados à “taxa legal em vigor para os juros moratórios relativos aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas”. A ré apelante, invocando a sua qualidade de cooperativa e que o exercício da sua actividade visa a troca de bens e serviços e não tem como destinatários terceiros mas sim os próprios membros da cooperativa, pretende que o cálculo dos juros de mora deve ser feito de acordo com a taxa legal dos “juros civis e não comerciais, conforme entendeu o tribunal recorrido”. Em abono da sua tese invoca o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6 de Outubro de 2008 de que foi relator o Exmº Sr. Juiz Desembargador Marques Pereira. Por sua vez a autora manifesta o entendimento de que o conceito de “consumidor” adoptado na lei portuguesa é restrito e apenas abrange as pessoas singulares a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa singular ou colectiva que exerça profissionalmente uma actividade económica que vise a obtenção de lucros. Vejamos. 11. A questão colocada pela apelante assenta, no essencial, no argumento de que não é aplicável a taxa de juro relativa a créditos comerciais quando apenas uma das partes é um comerciante e a outra é um consumidor, pretendendo a ré para si esse último estatuto. Sobre esta matéria importa ter presente o que dispõe o Decreto-Lei 32/2003, de 17 de Fevereiro, que procedeu à transposição para o direito interno da Directiva nº 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, que estabeleceu regras tendentes a reagir contra os atrasos nos pagamentos nas transacções comerciais. Resulta claramente dos seus considerandos que tal directiva se limita a regular os “pagamentos efectuados para remunerar transacções comerciais” e que “não regulamenta as transacções com os consumidores”. Daí que o citado Decreto-Lei 32/2003, de 17 de Fevereiro, ao transpor as regras da Directiva, tenha expressamente afastado a aplicação do regime nele constante aos contratos celebrados com consumidores, ao mesmo tempo que, para efeito da sua aplicação, clarificava no artigo 3º o conceito de transacção comercial ao reportá-lo às transacções que ocorressem entre empresas ou entre empresas e entidades públicas que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração. A essas transacções o regime é, inequivocamente, aplicável. Outra das medidas de desincentivo aos atrasos nos pagamentos das transacções comerciais foi a alteração da redacção do artigo 102º do Código Comercial em cujo parágrafo se manteve, no entanto, a expressa referência aos “créditos de que sejam titulares empresas comerciais, sungulares ou coletivas”, como condição única para estarem abrangidos pelo regime particular dos regimes dos juros moratórios a estabelecer em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça. 12. A questão que parece central em torno da aplicação às transacções entre comerciantes e não comerciantes do Decreto Lei 32/2003, de 17 de Fevereiro, no que se refere, nomeadamente, à determinação da taxa de juros de mora aplicável, é, no entanto, a de saber se tal diploma alterou o regime jurídico dos chamados actos unilateralmente comerciais. E ela é tanto mais pertinente quanto é certo que não resulta resolvida pelo Decreto-Lei 32/2003, de 17 de Fevereiro e que o artigo 99º do Código Comercial ([1]) não foi alterado nem revogado com a transposição da directiva comunitária operada pelo Decreto-Lei 32/2003, de 17 de Fevereiro. Seguindo a opinião da Dr.ª Ana Isabel da Costa Afonso ([2]), pronunciou-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Dezembro de 2009 ([3]) no sentido de que a obrigação de juros comerciais relativa a transacção entre uma empresa comercial e um consumidor fica excluída do regime especial da lei comercial, “em virtude do disposto no artigo 2°, nº 1 alínea a) do Decreto-lei nº 32/2003, e da intencionalidade que lhe está subjacente - a protecção do consumidor, tratado / como parte mais fraca do contrato” e de que nesse caso a obrigação de pagamento do consumidor ao comerciante é remetida para o regime geral da lei civil, devendo o consumidor apenas pagar os juros de mora decorrentes do artigo 559°, Código Civil. Em sentido contrário se pronunciaram já, pelo menos, dois acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra datados, respectivamente, de 6 de Julho de 2010 ([4]) e 19 de Outubro de 2010 ([5]). Perfilha-se aqui o entendimento, expresso nestes últimos acórdãos citados, de que o Decreto-Lei 3272003, de 17 de Fevereiro, não alterou – nem teve o propósito de alterar – o regime jurídico dos actos comerciais unilaterais que continuam a reger-se pelas regras constantes do Código Comercial. 13. No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6 de Julho de 2010 salienta-se a circunstância de se ter procedido no Decreto-Lei 32/2003, de 17 de Fevereiro, à alteração do artigo 102º do Código Comercial e não se ter introduzido qualquer alteração no artigo 99º do mesmo diploma. Continuando a lei comercial a prever actos unilateralmente comerciais, isto é, actos que só têm natureza comercial para uma das partes o seu regime continua a ser o dos actos de comércio, como previsto na lei comercial, por força do disposto no artigo 99º do Código Comercial. Diga-se, de resto, que debalde se procuraria nos princípios gerais de tutela do consumidor ou o espírito da lei (leia-se Decreto Lei 32/2003, de 17 de Fevereiro) justificação para a não aplicação aos consumidores da taxa dos juros de mora comerciais. Como se salienta no já citado acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19 de Outubro de 2010: “Em nenhum diploma de defesa do consumidor se disciplina a questão dos juros moratórios: por definição, eles traduzem uma sanção (ou compensação ao credor) pela falta de cumprimento tempestivo. A defesa do consumidor tem cabal entendimento quando se refere a matérias como os deveres pré-contratuais, a formação do contrato, o conteúdo do contrato e os seus efeitos ou vicissitudes, como a responsabilidade do produtor ou o direito ao arrependimento. Porém, a mora é “um atraso ilicitamente provocado pelo devedor”, é “uma violação voluntária de certa norma jurídica”, onde, salvo o devido respeito, mal se entenderá um regime de protecção”. E acrescenta-se: “A razão de ser da existência de juros moratórios comerciais nada tem a ver com o devedor, mas tem tudo a ver com o credor: seja o devedor consumidor ou não o seja, a razão continua a ser a mesma, ou seja, num caso ou noutro (mas já não quando, por exemplo, se trate de actos não comerciais praticados por comerciantes), radica na necessidade de “compensar especialmente as empresas pela imobilização de capitais, pois que, para elas o dinheiro tem um custo mais elevado do que em geral, na medida em que deixam de o poder aplicar na sua actividade, da qual extraem lucros, ou têm mesmo de recorrer ao crédito bancário. Em suma, e salvo melhor entendimento, a obrigação de pagamento de juros comerciais respeita a todos os actos comerciais e continua a ser independente da natureza da pessoa do obrigado.” 13. Em conclusão, e mesmo que dúvidas não houvesse – que há – em considerar a ré apelante como “consumidor” no âmbito do contrato de empreitada que celebrou com a autora, sempre se deveria decidir que, sendo a autora uma empresa comercial titular de créditos decorrentes do exercício da sua actividade empresarial lhe é lícito reclamar a indemnização correspondente aos juros de mora fixados nos termos do artigo 102º paragrafo 3º do Código Comercial e da Portaria 597/2005, de 19 de Julho. No caso dos autos os juros de mora são devidos, a partir da citação da ré (25 de Janeiro de 2010), conforme a douta sentença impugnada, e incidem sobre a quantia global de 282.127,96 euros, até efectivo e integral pagamento. A apelação da ré é, em conformidade com tudo o exposto, julgada procedente apenas na parte concernente à alteração supra assinalada da decisão da matéria de facto, com as respectivas consequências ao nível da condenação da ré, improcedendo quanto a todas as restantes questões colocadas. III – DECISÃO Pelo exposto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela ré e, em conformidade: a. Alterar a decisão da matéria de facto nos termos atrás enunciados; b. Condenar a ré, na parcial procedência do pedido, e operada a legal compensação de créditos, a pagar à autora, a quantia de 282.127,96 euros (duzentos e oitenta e dois mil cento e vinte e sete euros e oitenta e seis cêntimos) acrescida dos juros de mora vencidos desde 25 de Janeiro de 2010 e dos juros vincendos à taxa legal em vigor para os juros moratórios de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, até efectivo e integral pagamento. c. Confirmar a douta sentença na parte em que julgou improcedente o pedido reconvencional formulado pela ré. d. Condenar a ré e a autora, na proporção dos respectivos decaimentos, nas custas da acção e reconvenção. Lisboa, 29 de Novembro de 2012 Manuel José Aguiar Pereira Gilberto Martinho dos Santos Jorge Maria Teresa Batalha Pires Soares ---------------------------------------------------------------------------------------- ([1]) “Embora o acto seja mercantil só com relação a uma das partes será regulado pelas disposições da lei comercial quanto a todos os contratantes, salvo as que só forem aplicáveis àquele ou àqueles por cujo respeito o acto é mercantil, ficando, porém, todos sujeitos à jurisdição comercial.” ([2]) “A obrigação de juros comerciais depois das alterações introduzidas pelo decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”, em Separata de Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, n.º 12, 2007, páginas 173 e ss em especial página 196. ([3]) Processo nº 720/07.9TVPRT.P1, relatora Juíza Desembargadora Dr.ª Ana Lucinda Cabral, disponível em www.dgsi.pt ([4]) Processo n.º 3458/08.6TJCBR.C1, relator Juiz Desembargador Dr. Carlos Gil ([5]) Processo nº 286652/08.0YIPRT.C1, relator Juiz Desembargador Dr. José Eusébio Almeida | ||
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Decisão Texto Integral: |