Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21905/24.8T8LSB-A.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: NOTIFICAÇÃO
MANDATÁRIO JUDICIAL
CAUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/13/2025
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - O mandatário judicial constituído no decurso do processo, sempre que o juiz ou a lei o determinem, deve ser notificado dos actos que nele se vão praticando, de forma a poder desempenhar, plenamente, as suas obrigações e competências funcionais;
II – De acordo com o prescrito no art.º 247º, do Cód. de Processo Civil, as notificações às partes em processos pendentes são efectuadas na pessoa dos seus mandatários (excepto se a notificação se destine a chamar a parte para a prática de acto pessoal, em que esta é igualmente notificada), pelo que, na situação em que a notificação é efectuada na própria parte, em substituição da prevista no nº. 1 daquele normativo, tal não determina o efeito do afastamento da necessidade da primeira;
III – efectivamente, e desde logo, a própria parte pode nem sequer comunicar ao seu mandatário o recebimento de tal notificação, confiando que o mesmo terá recebido idêntica, e que, caso seja necessário, não deixará de tomar posição processual adequada à defesa dos seus interesses;
IV – Procedendo-se à notificação da requerida, em incidente de prestação espontânea de caução, nos termos dos artigos 913º e 915º, nº. 1, ambos do Cód. de Processo Civil, em que se pretende a sua convocação para incidente processual autónomo, justifica-se que aquela opere mediante as regras da citação, impondo-se, porém, que ao mandatário constituído da requerida fosse dado conhecimento do teor da notificação operada;
V - com efeito, destinando-se aquela a convocar a parte à prática de acto judicial eminentemente técnico-jurídico – eventual impugnação do valor ou da idoneidade da garantia espontaneamente prestada -, impunha-se que, concomitantemente com a notificação pessoal da requerida, fosse efectuada idêntica notificação ao seu mandatário constituído;
VI - a omissão da prática daquela notificação ao mandatário judicial da requerida, que legalmente se impunha, constitui clara irregularidade processual que, in casu, podendo determinar a não apresentação de pronúncia, e tendo em atenção os efeitos decorrentes da operante revelia – cf., o nº. 3, do transcrito art.º 913º, do CPC -, transmuta-se em nulidade secundária, nos termos do nº. 1, do art.º 195º, do Cód. de Processo Civil;
VII - determinando a anulação dos termos subsequentes à notificação omitida, bem como o efeito cominatório associado à revelia operante, ou seja, a prolação da própria sentença recorrida/apelada.
Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do art.º 663º, do Cód. de Processo Civil
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte:
           
I – RELATÓRIO

1 – B …, Executado nos autos de execução nº. 21905/24.3T8LSB, nos quais figura como Exequente A …, deduziu, em 21/10/2024, e ao abrigo do disposto no art.º 915º, do Cód. de Processo Civil, incidente de prestação de caução, alegando, em resumo, o seguinte:
. teve conhecimento da presente execução através da entidade patronal, uma vez que a mesma recebeu uma notificação para penhora, nos termos do artigo 779.º do CPC;
. embora ainda não tenha sido citado para a presente execução, pretende deduzir embargos de executado, esperando pela notificação para o efeito;
. todavia, pretende, desde já, prestar caução, por forma a suspender a instância executiva;
. pretende evitar a penhora do seu salário ou de qualquer outro valor ou bem patrimonial e, para o efeito, efectuou um depósito autónomo, no valor de 9.340,00€ (nove mil trezentos e quarenta euros), conforme DUC e comprovativo de pagamento que ora se juntam;
. o montante da caução corresponde ao valor da quantia estimada para penhora, indicada pelo Agente de Execução na referida notificação à entidade patronal, como necessária ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, conforme o disposto no artigo 735.º n.º 3 do CPC;
. pois, em processo executivo, não devem ser impostos ao executado maiores encargos do que aqueles que se mostrem indispensáveis à obtenção daquele fim da satisfação do direito do credor;
. o depósito autónomo é uma caução idónea e suficiente, ou seja, é adequado aos fins da caução e de valor suficiente para assegurar a satisfação integral da obrigação de que é garantia.
Conclui, no sentido de ser ordenada “a suspensão total da instância executiva, uma vez que está caucionada a totalidade do valor que se pretendia penhorar, até que sejam decididos os embargos de executado que se vierem a deduzir, depois de citado/notificado o executado para esse efeito”.
2 – Oficiosamente, procedeu-se á notificação/citação da Requerida, mediante carta enviada em 22/10/2024, não tendo sido apresentada qualquer oposição.
3 – Consequentemente, em 25/11/2024, a Meritíssima Juíza a quo proferiu SENTENÇA, constando da parre referente à Decisão o seguinte:
III. Decisão
Em face do exposto, julga-se procedente, por provada a presente acção especial para prestação de caução apresentada por apenso à execução como n.º 21905/24.8T8LSB e, em consequência, julga-se validamente prestada a caução, por depósito autónomo, da quantia de €9340,00 apresentada pelo executado B ….
Notifique-se o Exmo. Senhor Solicitador de Execução dando-lhe conhecimento do depósito autónomo efectuado e para suspender as diligências de penhora, devendo proceder à notificação do executado com as formalidades da citação nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 728.º, do Código de Processo Civil.
Valor da causa: € 9340,00.
Custas pelo executado, aqui Requerente.
Registe e notifique-se”.
4 - Inconformada com o decidido, a Exequente/Requerida interpôs recurso de apelação, em 08/12/2024, por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
“A) O fundamento específico do presente recurso é a prolação de acórdão que determine a nulidade da citação assim como a nulidade de todos os actos processados posteriormente - incluindo a sentença - bem como a repetição da citação.
B) A RECORRENTE está devida e legalmente representada nos autos principais assim como para todos os apensos que venham a acontecer posteriormente.
C) É unânime a jurisprudência dos Tribunais Superiores que determinam que, existindo procuração nos autos principais, a representação do sujeito processual estende-se a todos os apensos.
D) Todos os actos processuais, incluindo as notificações das citações efectuadas directamente às partes, devem ser dirigidas ao mandatário judicial.
E) O facto de ter sido feita a citação directamente à RECORRENTE, não preclude o direito desta invocar a nulidade através do seu mandatário, decorrente da falta da notificação a este, dado que as notificações às partes são feitas na pessoa dos seus mandatários.
F) O mandatário judicial da RECORRENTE nunca foi notificado nem da prestação da caução nem citação efectuada directamente à RECORRENTE.
G) A falta de notificação ao mandatário judicial dos actos praticados no processo, para que este possa assumir as suas competências e obrigações funcionais, é causa idónea de nulidade, desde que susceptível de influir no exame e decisão da causa, nos termos do art.º 195º do CPC.
H) A parte que recebeu uma notificação pode nem comunicar tal facto ao seu mandatário, pois estará confiante que ele recebeu igual notificação.
I) As partes, regra geral, não são técnicos do direito e também não sabem que comportamento devem ter adotar na sequência de uma notificação recebida.
J) Determina o nº. 1 do art.º 225º do CPC que as citações às pessoas singulares devem ser efectuadas através de correio registado e com aviso de recepção.
K) Determina o nº. 1 do art.º 191º do CPC que é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.
L) A carta de citação remetida pelo Tribunal à RECORRENTE foi enviada através de correio registado simples.
M) A citação é nula e nulos são todos os actos processados posteriormente àquela.
N) A RECORRENTE subscreve o conteúdo dos Acs. dos TRG, TRP e TRL citados nos artigos 18º, 20º e 21º supra, na parte em que se referem à nulidade do acto, por falta de notificação ao mandatário judicial.
O) A nulidade da citação prejudicou gravemente os direitos de defesa da RECORRENTE assim como a produção de contraditório.
P) A citação deve ser repetida nos termos legais.
Q) O Tribunal a quo violou os artigos 191º, 195º, 225º e 247º todos do CPC.
R) O Tribunal a quo devia ter citado a RECORRENTE nos termos legais e notificado o seu mandatário judicial”.
Conclui, no sentido do provimento do recurso, devendo ser “proferido acórdão que declare nula a citação assim como todos os demais actos processados posteriormente àquela (incluindo a douta sentença), ordenando a repetição da citação com o cumprimento de todas as formalidades legais”.
5 – O Recorrido não apresentou contra-alegações.
6 – O recurso foi admitido por despacho datado de 08/01/2025, como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
7 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.

**
II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do art.º 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do art.º 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pela Recorrente, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede consubstancia-se, fundamentalmente, no seguinte:
I) Da nulidade de citação da Requerida, nos termos do nº. 1, do art.º 191º, do Cód. de Processo Civil;
II) Da nulidade decorrente da ausência de notificação do mandatário da Requerida.

**
III - FUNDAMENTAÇÃO

A –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida foi considerada ASSENTE/PROVADA a seguinte matéria factual:
1. Corre termos neste juízo acção executiva para pagamento de quantia certa intentada por A … contra B … com vista a cobrança da quantia de € 5 514,95 em 04.09.2024.
2. Nos autos de execução 21905/24.8T8LSB, a sociedade comercial C …, S.A. foi notificada para a penhora dos abonos, vencimentos, salários ou outros rendimentos periódicos devidos ao executado adiante indicado, nomeadamente indemnização ou compensação que aquele tenha a receber, até que seja atingido o limite previsto também adiante indicado e para no prazo de DEZ DIAS declarar qual o vencimento do referido funcionário (ver informações complementares para melhor esclarecimento).
3. O valor total previsto na notificação referida em b) e para penhora é €9.340,00 e o executado B …, NIF: ….

---------
Para além de tal factualidade, com base nos documentos juntos aos autos, e nos termos do nº. 4, do art.º 607º, ex vi do nº. 2, do art.º 663º, ambos do Cód. de Processo Civil, urge ponderar, ainda, como PROVADA a seguinte factualidade:
4. no âmbito do presente incidente de prestação de caução, a Requerida foi oficiosamente notificada para, querendo, deduzir oposição, através de carta de “citação – notificação via postal”, com “Aviso de Receção”, enviada em 22/10/2024, a qual foi Assinada por “D …”;
5. Nessa sequência, em 31/10/2024, foi enviada à Requerida carta registada, nos termos do art.º 233º, do Cód. de Processo Civil, com o seguinte teor:
Assunto: Advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa
Nos termos do disposto no art.º 233.º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª notificado de que se considera citada por carta registada com aviso de recepção, na pessoa de D …, BI nº …, que recebeu a citação e duplicados legais.
A citação considera-se feita em 25-10-204, sendo de 15 dias para impugnar o valor ou a idoneidade da garantia.
O prazo acima indicado é contínuo suspende-se, no entanto, durante as férias judiciais.
Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte”.

**
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

- Da alegada nulidade de citação da Requerida
Referencia a Apelante determinar o nº. 1, do art.º 225º, do Cód. de Processo Civil que as citações às pessoas singulares devem ser efectuadas através de correio registado e com aviso de recepção.
Aduz, citando o nº. 1, do art.º 191º, do mesmo diploma, ser “nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei”.
Ora, acrescenta, a carta de citação que lhe foi remetida pelo Tribunal foi enviada através de correio registado simples, o que determina a nulidade da citação.

Analisemos.
Prevendo acerca da caução como incidente, estatui o nº. 1, do art.º 915º, do Cód. de Processo Civil, que “o disposto nos artigos anteriores é também aplicável quando numa causa pendente haja fundamento para uma das partes prestar caução a favor da outra, mas a requerida é notificada, em vez de ser citada, e o incidente é processado por apenso”, sendo que o disposto nos antecedentes artigos prescreve acerca do processo especial de prestação de caução.
Acrescentam os nºs. 1 a 3, do art.º 913º, igualmente do Cód. de Processo Civil, que:
“1 - Sendo a caução oferecida por aquele que tem obrigação de a prestar, deve o autor indicar na petição inicial, além do motivo por que a oferece e do valor a caucionar, o modo por que a quer prestar.
2 - A pessoa a favor de quem deve ser prestada a caução é citada para, no prazo de 15 dias, impugnar o valor ou a idoneidade da garantia.
3 - Se o citado não deduzir oposição, devendo a revelia considerar-se operante, é logo julgada idónea a caução oferecida; no caso contrário, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 908.º e 909.º”.
Estatuindo a propósito das funções da citação e da notificação, referenciam os nºs. 1 e 2, do art.º 219º, do mesmo diploma, que:
“1 - A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa.
2 - A notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto”.
Decorre do disposto no art.º 225º, ainda do Cód. de Processo Civil, sob a epígrafe de modalidades da citação, que uma das modalidades de citação pessoal das pessoas singulares é o “envio por via postal” – a alínea b), do nº. 2 -, a qual considera-se efetuada pela entrega de carta registada com aviso de receção, pelo seu depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 229.º, ou pela certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo” – cf., o nº. 5 -, sendo que, “nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a efetuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do ato, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento”.

Ora, resumidamente, estando-se perante a prestação de caução como incidente, deduzido na pendência de causa, constata-se que, conforme imposição legal, a Requerida deveria ter sido notificada, em vez de citada, atenta a sua já antecedente intervenção nos autos principais, ainda que esta notificação, tratando-se da sua primeira intervenção nos autos incidentais, deva revestir-se de particular cuidados, o que legitima que naquela notificação devam ser observadas as formalidades mais exigentes próprias da citação.
Compulsados os autos constata-se que, contrariamente ao referenciado pela Apelante, aquela notificação não foi efectivada através de correio registado simples, mas antes através de carta de “citação – notificação via postal”, com “Aviso de Receção”, o que claramente cumpre os requisitos legalmente exigíveis – cf., facto 4 provado.
Acresce que, ademais, não se tendo tal notificação operado na própria pessoa da notificanda, observou-se, inclusive, a advertência prevista no art.º 233º, do Cód. de Processo Civil, remetendo-se carta registada à notificanda, comunicando-lhe:
a) A data e o modo por que o ato se considera realizado;
b) O prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta;
c) O destino dado ao duplicado; e
d) A identidade da pessoa em quem a citação foi realizada” – cf., o ponto 5 provado.
Donde, aquela notificação, com base em tal fundamentação, não se mostra maculada com o vício da nulidade, improcedendo, neste segmento, as alegações recursórias.


- Da ausência de notificação do Mandatário da Requerida
Sustenta, ainda, a Requerida Recorrente estar devida e legalmente representada nos autos principais, assim como para todos os apensos supervenientes, sendo unânime a jurisprudência dos Tribunais Superiores que determinam que, existindo procuração nos autos principais, a representação do sujeito processual estende-se a todos os apensos.
Assim, aduz, todos os actos processuais, incluindo as notificações das citações efectuadas directamente às partes, devem ser dirigidas ao mandatário judicial e, o facto de ter sido feita a citação directamente à Requerida, não preclude o direito desta invocar a nulidade através do seu mandatário, decorrente da falta da notificação a este, dado que as notificações às partes são feitas na pessoa dos seus mandatários.
Ora, o mandatário judicial da Requerida – ora Recorrente - nunca foi notificado nem da prestação da caução nem da citação efectuada directamente àquela, pelo que a falta de notificação ao mandatário judicial dos actos praticados no processo, para que este possa assumir as suas competências e obrigações funcionais, é causa idónea de nulidade, desde que susceptível de influir no exame e decisão da causa, nos termos do art.º 195º do CPC.
Com efeito, a parte que recebeu uma notificação pode nem comunicar tal facto ao seu mandatário, pois estará confiante que ele recebeu igual notificação, pois, as partes, regra geral, não são técnicos do direito e também não sabem que comportamento devem ter adotar na sequência de uma notificação recebida.
Donde, ocorre, assim, nulidade do acto, por falta de notificação ao mandatário judicial, pois tal nulidade prejudicou gravemente os direitos de defesa da ora Apelante, assim como a produção de contraditório, o que impõe a repetição da citação nos termos legais, ou seja, que a Requerida seja citada nos termos legais, e notificado o seu mandatário judicial.

Vejamos.
Prevendo acerca da notificação às partes que constituíram mandatário, estatuem os nºs. 1 e 2, do art.º 247º, do Cód. de Processo Civil, que:
“1 - As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.
2 - Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal, além de ser notificado o mandatário, é também notificada a parte, pela via prevista para as notificações às partes que não constituíram mandatário, da data, do local e do fim da comparência”.
Defende-se no douto Acórdão do STJ de 21/10/1997 – Relator: Silva Paixão, in CJSTJ, Ano V, Tomo III, 1997, pág. 85 a 87 -, que “o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional, condensado no n.º 1 do art.º 20º da Constituição da República, implica a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva”.
Assim, “no conteúdo do direito fundamental de acesso aos tribunais, vai implicado, «já que constitui um seu corolário», o direito que assiste às partes de um processo judicial de conhecerem efectivamente as decisões que lhes digam respeito”, pretendendo-se, assim, “garantir que as decisões judiciais sejam efectivamente conhecidas pelas pessoas a quem elas digam respeito, a quem assiste «o direito à informação efectiva» sobre o respectivo conteúdo (…)”.
Deste modo, “tudo o que aconteça no processo tenha de ser levado às partes «a título forçosamente oficial», através de notificação”, pelo que “o tribunal tem, assim, o dever de lhes dar a conhecer – por intermédio do mandatário judicial, quando exista – tudo quanto se passe no processo e lhes possa interessar”.
Ora, acrescenta, o patrocínio judiciário “consiste na assistência técnica prestada por profissionais do foro na condução do pleito, mediante a prática em termos adequados, dos respectivos actos processuais.
A função do patrocínio judiciário é, por conseguinte, justamente a de orientar as partes numa actividade que exige conhecimentos especializados, traçando o caminho que melhor conduza à defesa dos seus direitos”.
Logo, aduz-se compreender-se “que o mandatário judicial constituído no decurso do processo, sempre que o juiz ou a lei o determinem, tenha de ser notificado dos actos que nele se vão praticando, a fim de poder desempenhar cabalmente as suas obrigações e competências funcionais”.
Desta forma, “a notificação de um acto só se mostra operante quando, em obediência à lei, a mesma tenha sido levada a cabo na pessoa do mandatário. É que, a parte, em regra, desconhece as suas obrigações processuais e as desvantagens com que pode ser penalizada.
E a omissão dessa notificação assume relevo gerador de nulidade processual que pode influir decisivamente no exame ou decisão da causa, na medida em que rouba ao notificando a possibilidade de, oportunamente, defender os interesses do mandante” (sublinhado nosso).    
Por sua vez, citando o antecedente aresto, referenciou-se no douto Acórdão desta Relação de 12/11/2009 – Relator: Fernando Pereira Rodrigues, Processo nº. 177/07.4YYLSB-C.L1-6, in www.dgsi.pt -, e analisando a ausência de notificação do mandatário judicial, quando a lei a impõe, como ocorrência de nulidade secundária, que “a irregularidade decorrente da falta de uma notificação ao mandatário judicial em processo pendente não implica necessariamente a nulidade do acto praticado, mas apenas quando a omissão puder influir no exame ou na decisão em causa”.
Aduz-se, ainda no douto aresto da RE de 12/09/2018 – Relator: Moisés Silva, Processo nº. 1859/17.8T8PTM-A.E1, in www.dgsi.pt -, proferido em sede laboral, que “a notificação da ré para contestar foi efetuada na pessoa do seu representante legal presente na audiência de partes, mas deveria também sê-lo na pessoa do seu mandatário constituído, como prescreve o art.º 247.º n.º 1 do CPC, uma vez que o CPT não regula esta matéria.
A omissão desta notificação é grave e tem manifesta influência nos termos ulteriores do processo. A parte, a partir do momento em que constitui mandatário judicial, tem a justa expetativa de que este seja notificado pelo tribunal dos atos necessários para o bom andamento da causa, que não impliquem a comparência da própria parte. O oferecimento da contestação não implica a deslocação da parte ao tribunal. Aliás, em face do sistema de comunicações eletrónicas obrigatórias via citius, a contestação tem que ser enviada por este meio, o que mais justifica a notificação do mandatário judicial para a prática ou não do ato consistente no oferecimento consciente da contestação. Este entendimento decorre também do art.º 57.º n.º 1 do CPT, na parte em que prescreve que se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.
A referência a mandatário judicial mostra a harmonia do sistema. Havendo mandatário judicial constituído, as notificações à parte são efetuadas na pessoa daquele, excecionando apenas os casos em que a parte deve comparecer em juízo, em que a própria parte também é notificada a par do mandatário.
O tribunal deveria ter também notificado o mandatário judicial constituído pela ré para contestar, querendo, a ação no prazo de 10 dias, com a cominação legal. Esta omissão constitui uma irregularidade que influi decisivamente no exame e decisão da causa e torna nulos os termos subsequentes à omissão, nos termos do art.º 195.º n.º 1 do CPC, à exceção da apresentação da contestação, a qual deve ser aproveitada e notificada à autora a fim de que possa exercer o contraditório nos termos legais e o processo prossiga a sua tramitação.
Está em causa um dos princípios estruturantes do processo judicial democrático, cuja violação posterga o livre exercício do contraditório de forma esclarecida, como a que se pretende com a constituição de mandatário judicial” (sublinhado nosso).
Ainda desta RL, mencione-se o douto Acórdão de 19/02/2019 – Relatora: Micaela Sousa, Processo nº. 104/09.TCS-NT-C.L1-7, in www.dgsi.pt -, prolatado em sede de processo executivo, no qual se consignou que “a falta de notificação ao mandatário judicial dos actos praticados no processo para que este possa assumir as suas competências e obrigações funcionais pode ser geradora de nulidade, desde que susceptível de influir no exame e decisão da causa, nos termos do art.º 195º do CPC.
Enquanto acto integrado na sequência processual, a decisão de aceitação da proposta deveria ser notificada à executada. No entanto, a irregularidade associada à omissão dessa notificação não gera a nulidade se tal omissão não influir no exame ou na decisão da causa, ou, no caso do processo executivo, se não influir na realização da penhora, venda ou pagamento – cf. J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 3ª edição, pág. 381.
Em face da ampla consagração do princípio do contraditório, a inobservância da notificação para a tomada de posições da parte, genericamente prescrita no art.º 3º, n.º 3 do CPC, integra a previsão do n.º 1 do art.º 195º deste diploma legal. Contudo, há que aferir se a notificação em falta prejudicou a tomada de posição por parte da executada relativamente à venda que veio a ter lugar” (sublinhado nosso).
Por sua vez, no douto aresto da RG de 19/06/2019 – Relatora: Helena Gomes Melo, Processo nº. 1169/14.2T8VNF-G.G1, in www.dgsi.pt -, mencionou-se expressamente que “de acordo com o disposto no artº 247º, nº 1 do CPC as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários. A notificação à própria parte em substituição da prevista no artº 247º, nº 1 do CPC não pode ter o efeito de afastar a necessidade da primeira, desde logo porque a parte pode até não comunicar ao mandatário que recebeu a notificação, confiando que ele recebeu uma igual e que se não a contactou, era porque não era necessário e como está representada por técnico do direito, não se irá pronunciar por si só no processo, na sequência da notificação recebida.
Donde, ter-se sumariado que “o facto de ter sido feita a alguns dos habilitados representados, notificação directamente, não preclude o direito de estes invocarem a nulidade através do seu mandatário, decorrente da falta da notificação do seu mandatário, pois que as notificações às partes são feitas na pessoa dos seus mandatários.
A parte que recebeu uma notificação pode nem comunicar tal facto ao seu mandatário, pois estará confiante que ele recebeu igual notificação e que se for preciso praticar algum acto no processo, ele não deixará de o fazer e como, em regra, não são técnicos do direito, também não sabem que comportamento deveriam ter adotado na sequência da notificação recebida”.
Por fim, sumariou-se no douto Acórdão da RP de 21/10/2019 – Relatora: Teresa Sá Lopes, Processo nº. 508/16.6Y7PRT-A.P1, in www.dgsi.pt -, prolatado em sede laboral (social), que “tendo a Ré constituído mandatário na fase conciliatória do processo para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, tendo sido efectuada a citação da mesma na fase contenciosa, impunha-se que fosse efectuada a notificação ao respectivo mandatário do teor de tal citação - para a prática do ato de apresentação da contestação, com entrega de duplicado da petição inicial.
II - A falta da notificação do Mandatário da Ré do teor da citação desta, tendo sido junta procuração a favor do primeiro, em fase anterior do processo para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, não acarreta a falta de citação ou nulidade da citação efectuada da Ré.
III - Tal falta de notificação do Mandatário da Ré, traduz sim uma nulidade processual por omissão de um ato previsto na lei que não obstante tratar-se de uma nulidade processual com influência decisiva no exame e decisão da causa, acarretando a nulidade dos termos subsequentes (artigo 195º nº 1 do Código de Processo Civil) inclusive da sentença proferida sobre o mérito da causa, se impunha que fosse em sede de recurso da mesma invocada” (sublinhado nosso).

Aplicando o exposto entendimento ao caso sub judice, cumpre-nos considerar o seguinte:
- a Requerida no presente incidente de prestação de caução, tramitado por apenso a execução para pagamento de quantia certa, foi, em cumprimento do disposto nos artigos 913º e 915, nº. 1, ambos do Cód. de Processo Civil, devidamente notificada (observando-se as regras da citação) para, no prazo de 15 dias, impugnar o valor ou a idoneidade da garantia relativamente à caução espontaneamente prestada pelo Requerente;
- porém, apesar de ter mandatário judicial constituído nos autos principais executivos, e estarmos perante uma legalmente denominada notificação, esta não foi concretizada na pessoa do mandatário judicial, nos termos do nº. 1, do art.º 247º, do Cód. de Processo Civil, sendo certo que tal notificação não tinha por desiderato chamar a Requerida para a prática de acto pessoal – cf., o nº. 2 do mesmo normativo;
- ora, mesmo a entender-se que, apesar de estarmos perante uma legalmente denominada notificação, mas, tendo por finalidade convocar uma das partes para incidente processual autónomo, justifica-se que aquela opere mediante as regras da citação, ainda assim parece impor-se que ao mandatário constituído da Requerida fosse dado conhecimento do teor da notificação operada;
- com efeito, destinando-se aquela a convocar a parte à prática de acto judicial eminentemente técnico-jurídico – eventual impugnação do valor ou da idoneidade da garantia espontaneamente prestada -, impunha-se que, concomitantemente com a notificação pessoal da Requerida, fosse efectuada idêntica notificação ao seu mandatário constituído;
- efectivamente, conforme supra enunciado, recepcionando a Requerida tal notificação, e sabendo que se encontra tecnicamente assistida por profissional do foro, pode nem comunica-la ao seu mandatário, confiando que aquele rececionou idêntica notificação, e que, caso seja necessário, está salvaguardada a prática do correspondente acto judicial;
- ademais, não há notícia que a Requerida seja técnica de direito e que, recepcionada a notificação, soubesse, por si só, qual o comportamento a adoptar processualmente;
- assim, a omissão da prática daquela notificação ao mandatário judicial da Requerida, que legalmente se impunha, constitui clara irregularidade processual que, in casu, podendo determinar a não apresentação de pronúncia por parte da Requerida, e tendo em atenção os efeitos decorrentes da operante revelia – cf., o nº. 3, do transcrito art.º 913º, do CPC -, transmuta-se em nulidade secundária, nos termos do nº. 1, do art.º 195º, do Cód. de Processo Civil;
- determinando, in casu, a anulação dos termos subsequentes à notificação omitida, bem como o efeito cominatório associado à revelia operante, ou seja, a prolação da própria sentença recorrida/apelada.

Por todo o exposto, não podem deixar de proceder, neste segmento, as conclusões recursórias, o que implica:
=> juízo de revogação da sentença recorrida/apelada, em virtude da anulação de todos os actos subsequentes á omissão da prática de acto legalmente prescrito, por verificação de nulidade secundária;
=> ordenando-se, consequentemente, a notificação do Ilustre Mandatário da Requerida do requerimento inicial de prestação de caução, após o que voltará a correr o prazo de oposição enunciado no nº. 2, do art.º 913º, do Cód. de Processo Civil, prosseguindo-se os ulteriores termos processuais.

*
Nos quadros do art.º 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo a Requerida Apelante obtido vencimento, e não se podendo aludir a concreto decaimento do Apelado/Requerente, ao qual foi alheio o tramitar processual e não apresentou contra-alegações, as custas devidas pela presente apelação serão suportadas pela parte vencida, a final.

***
IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar procedente o recurso de apelação interposto pela Apelante/Exequente/Requerida A …, em que surge como Apelado/Executado/Requerente B …;
b) Em consequência, determina-se a revogação da sentença recorrida/apelada, em virtude da anulação de todos os actos subsequentes á omissão da prática de acto legalmente prescrito, por verificação de nulidade secundária;
c) Bem como, consequentemente, a notificação do Ilustre Mandatário da Requerida do requerimento inicial de prestação de caução, após o que voltará a correr o prazo de oposição enunciado no nº. 2, do art.º 913º, do Cód. de Processo Civil, prosseguindo-se os ulteriores termos processuais;
d) Nos quadros do art.º 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo a Requerida Apelante obtido vencimento, e não se podendo aludir a concreto decaimento do Apelado/Requerente, ao qual foi alheio o tramitar processual e não apresentou contra-alegações, as custas devidas pela presente apelação serão suportadas pela parte vencida, a final.
--------
Lisboa, 13 de Fevereiro de 2025
Arlindo Crua
João Paulo Vasconcelos Raposo
Laurinda Gemas (vencida, relativamente ao segmento da tributação, cf., voto infra)

DECLARAÇÃO DE VOTO

Voto vencida quanto ao segmento decisório do acórdão atinente às custas.
A lei impõe, em todos os recursos, uma decisão imediata e não condicional sobre a responsabilidade tributária, decisão essa que, no presente recurso, consiste em julgar que a Apelante é a responsável pelas custas, pois, não devendo aqui operar o critério da causalidade (vencimento/decaimento), há que recorrer ao critério do proveito (que retira da procedência do recurso), nada mais sendo devido para além da taxa de justiça que já pagou pela interposição do recurso, porque este não envolveu a realização de despesas (encargos) e o Apelado não contra-alegou, não havendo lugar ao pagamento de outras custas em qualquer das suas vertentes (cf. art.º 529.º, n.º 4 do CPC).
O princípio da autonomia, incluindo dos recursos, quanto a custas decorre do disposto nos artigos 527.º e 529.º do CPC e 1.º e 6.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento das Custas Processuais.
Uma condenação da “parte vencida, a final” no pagamento das custas do recurso não parece observar essa autonomia, além de poder ser inoperacional – pois pode perfeitamente suceder que, a final, nenhuma das partes fique vencida – ou até atentar contra os princípios da causalidade e do proveito consagrados no art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, já que poderá levar a que as custas do recurso tenham de ser suportadas por parte(s) que não lhe deram causa, nem retiraram qualquer proveito do mesmo.
A posição que sufrago tem sido defendida pela doutrina (desconhecendo doutrina em contrário) e pela jurisprudência (que suponho ser maioritária), destacando-se, a título exemplificativo, o acórdão do STJ de 06-10-2021, proferido no proc. n.º 1391/18.2T8CSC.L1.S1, e o acórdão da Relação de Lisboa de 05-12-2023, proferido no proc. n.º 25362/04.7YYLSB-A.L1-7, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. Na doutrina, avultam os comentários do Juiz Conselheiro Salvador da Costa publicados em https://blogippc.blogspot.com, destacando os seguintes: “Brevíssima nota sobre a responsabilidade relativa ao pagamento de custas processuais nos recursos”, publicado a 02-06-2017; “A taxa de justiça e as custas em sentido estrito devidas no recurso de apelação cujo efeito seja anulação da decisão recorrida e o prosseguimento do processo no tribunal da 1.ª instância Acórdão da Relação do Porto de 7.10.2019” (Jurisprudência 2019 (196)); “Custas da apelação na proporção do decaimento a apurar a final - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/4/2020 (Jurisprudência 2020 (77))”.
Laurinda Gemas