Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2463/12.0TTLSB.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
FALTA DO RÉU
FACTO NOTÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. A consequência decorrente da falta de comparência da parte a um julgamento laboral prevista no art.º 71, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho não consubstancia uma forma de confissão mas uma cominação legal pelo incumprimento do ónus de cooperação para a descoberta da verdade.
II. Salvo nos casos mais mediáticos a data da transferência de um futebolista profissional não é um facto público e notório.
(Elaborado pelo Relator).
Decisão Texto Parcial:Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

Autor (adiante, por comodidade, designada abreviadamente por A.) e recorrido: AA

Réu (adiante designada por R.) e recorrente: Sport Clube Beira Mar.

O A. demandou o R. alegando que foi admitido ao serviço desta mediante contrato de trabalho desportivo, para exercer a atividade de jogador de futebol, o qual lhe ficou a dever € 10,000,00 da retribuição de junho de 2011 e € 4.500,00 de prémio de jogo. Pediu a condenação do R. a pagar-lhe € 14.500,00 de retribuição e prémio de jogo, ao qual acrescem juros vencidos e vincendos, desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até integral pagamento das mesmas, que ascendem à data a propositura da ação a € 390,14.

Não houve acordo em audiência de partes porquanto A. e R. não compareceram.

O R contestou alegando a incompetência territorial do Tribunal do Trabalho de Lisboa face à clausula 13ª do contrato que estipulou a competência exclusiva do Tribunal do Trabalho de Aveiro, e negando qualquer divida, dados os termos do acordo de resolução celebrado entre as aqui partes quando o A. se desvinculou do Beira Mar para se comprometer com o SC Braga, pelo qual BB pagaria € 30.0o0,00 ao R., que, aliás, não pagou. Mais alegou a prescrição do crédito por já ter decorrido mais de um ano desde a data da cessação do contrato. Em face do exposto pediu a sua absolvição do pedido e a condenação do A., em reconvenção, a pagar-lhe € 31.535,34, acrescidos de juros à taxa legal desde a notificação e até integral pagamento.

O A. respondeu, defendendo a inexistência da incompetência territorial face aos termos dos art.º 14 e 19 do CPT, a inoportunidade da invocação da prescrição, que de qualquer modo não se verificaria porquanto o contrato de trabalho terminou em 30.6.2011 e não em 31.5.2011, e a ação foi proposta em 25.6.2012; a inadmissibilidade da reconvenção, nos termos do art.º 30 do CPT, e subsidiariamente impugnando os factos alegados, impetrando afinal a sua absolvição do pedido reconvencional.

No saneamento foi julgada improcedente a incompetência territorial e admitida a reconvenção, relegando-se para final o conhecimento da prescrição.

Na data designada para julgamento o R., sem qualquer justificação, não compareceu.

Foi então lavrada sentença designadamente nestes termos:

“(…)

Para tanto e, no essencial (o A.), invoca:

O Autor é jogador de futebol onze e sócio do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol.

O Réu é um Clube Desportivo, cuja equipa de futebol sénior tem participado nas competições nacionais organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

O Autor foi contratado pelo Réu para sob sua autoridade, direção e fiscalização, prestar a atividade de jogador de futebol, desde 19 de Janeiro de 2009 e até 30 de Junho de 2011, ou seja, para as épocas 2008/2009, 2009/2010 e 2010/2011.

Nos termos do contrato de trabalho desportivo assinado entre o Autor e o Réu, na época 2010/2011, este comprometia-se a pagar àquele a remuneração global ilíquida de € 100.00,00 (cem mil euros), que seria paga em 10 prestações mensais de € 10.000,00 (dez mil euros), com início no dia 5 de Setembro de 2010.

Acontece que, não obstante ao longo do contrato ter pago atempadamente as retribuições ao Autor, o Réu não lhe pagou a décima e última prestação acordada a título de retribuição, vencida no mês de Junho de 2011, no valor total de € 10.000,00.

E, para além disto, as partes estipularam expressamente a hipótese de o Réu vir a pagar ao Autor prémios de jogo, o que veio a acontecer, fruto da subida de divisão do Clube Réu para a 1ª Liga Nacional, e pelo incentivo a boas prestações da sua equipa através de prémios de jogos, atribuídos em função dos resultados atingidos semanalmente.

No entanto, tendo o autor recebido, como os restantes colegas de equipa, os diversos prémios atribuídos, nomeadamente na época 2010/2011, a verdade é que apesar do acordado, não lhe foi pago um dos prémios de jogo, no valor de € 4.500,00.

Pelo que, o Autor contactou a Direção do R. várias vezes com vista ao pagamento das referidas quantias, sem ter obtido qualquer resolução para a sua situação.

Também o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, a quem o autor recorreu, em 2 de Abril de 2012 interpelou o Réu para que procedesse ao pagamento das quantias já vencidas e não liquidadas, mas o réu não efetuou qualquer pagamento até hoje.

Ora, a relação contratual entre Autor e Réu terminou com a caducidade do referido contrato de trabalho desportivo por verificação do seu termo, a 30 de Junho de 2011.

Aos valores em dívida acrescem os juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento que, calculados desde a data de vencimento das prestações em causa, ascendem na presente data ao montante de € 390,14.

Contestou o réu (…).

*

Elaborado o saneador e designada data para audiência, nesta verificou-se que – acta de fls. 94:

i) Não se encontrava presente o réu, nem seu mandatário ou quem a representasse.

ii) A ilustre mandatária do autor presente disse prescindir da produção de prova, oferecendo a dos autos e seu merecimento.

Não invocado qualquer motivo justificativo da falta de comparência.

*

Atendendo a que o réu, devidamente notificado, não compareceu no julgamento nem se fez representar por mandatário judicial que havia constituído nos autos, sem que tenha apresentado qualquer justificação, impõe-se como consequência que se considerem provados os factos alegados pela outra parte e que forem pessoais do faltoso – artigo 71º, nº 2 do C. P. do Trabalho.

Sendo esta a consequência a retirar da presente situação, damos como provada a matéria de facto invocada pelo autor na petição, com excepção da relativa a prémio de jogo que, inexistindo qualquer documento que comprove ser devido e estando a sua invocação feita sem referência a um concreto jogo ou situação donde resulte ser devida e que permitisse ao réu impugnar ou conformar-se com tal facto, se não considera apurado.

Ao invés, competindo ao réu a prova dos factos em que assenta o seu pedido reconvencional, e não tendo sobre tais factos produzido qualquer prova, dão-se os mesmos como não provados.

*

(…) D) Os factos e sua subsunção ao direito.

(…) Pela falta não comparência injustificada do réu, dá-se por assente que o mesmo réu, como alegado pelo autor, não lhe pagou a 10ª e última das prestações/retribuição acordadas, vencida no mês de Junho de 2011, no valor de € 10.000,00.

Nestes termos, tendo existido o contrato de trabalho e estipulado aquele pagamento retributivo, não tendo o réu prestado, está o mesmo obrigado a cumprir perante o autor tal pagamento, nos termos gerais que obrigam cada uma das partes a cumprir a sua parte no contrato – artigo 406º do C. Civil -, assim como nos termos  próprios da lei laboral, e ainda, no caso concreto como uma das obrigações impostas ao Clube réu pelo artigo 12º do CTT aplicável.

E, não tendo o réu pago aquela retribuição na data do seu vencimento, ficou incurso em juros moratórios, que, assim, são devidos ao autor, os vencidos e os vincendos até integral pagamento.

Não tendo feita prova dos factos relativos ao pedido reconvencional, absolve-se o autor deste pedido.

Assim como nenhuma prova resulta donde possa retirar-se a alegada prescrição do direito do autor.

*

E) Decisão

Em face do exposto julga-se a acção parcialmente procedente por provada e improcedente, por não provado, o pedido reconvencional, pelo que: i) Condena-se o réu a pagar ao autor a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) a título da retribuição devida como última prestação acordada, absolvendo o réu do pedido de “prémio de jogo de € 4.500,00).

ii) Condena-se o réu a pagar juros de mora sobre aquele montante, à taxa legal civil, desde o seu vencimento e até integral pagamento.

iii) Absolve-se o autor do pedido reconvencional.

(…)”

*

Inconformado o R. apelou, formulando enfim as seguintes conclusões:

(…)

Findou pedindo que a decisão recorrida seja substituída por outra que consagre a inexistência de qualquer erro-vício, e, bem assim, ser o Apelante totalmente absolvido do pedido.

*

O A. contra-alegou e pediu a improcedência do recurso, concluindo:

(…)

*

Tendo a nulidade sido invocada outrossim em 1ª instancia, o Sr. Juiz julgou-a improcedente considerando confessória a conduta do R. e apreciadas as questões pertinentes.

*

O MºPº teve vista.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

*

*

FUNDAMENTAÇÃO

São questões suscitadas neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 684/3, 660/2 e 713, todos do Código de Processo Civil – :

a) a existência de nulidades da sentença (por falta de fundamentação dos factos provados e dos não provados – que subjazem à desconsideração da prescrição do crédtio – e da sua indicação);

b) se existem factos públicos e notórios que impõem decisão diversa nomeadamente quanto à prescrição e à forma de cessação do contrato.

*

*

A) Da nulidade da sentença.

A arguição de nulidades da sentença em processo laboral apresenta especificidades em relação aos erros de julgamento, sendo que outrossim está sujeita a um regime especial. Com efeito, o artigo 77º do Código de Processo do Trabalho estatui que

1 - A arguição da nulidade da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.

2 - Quando da sentença não caiba recurso ou não se pretenda recorrer, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu.

3 - A competência para decidir sobre a arguição pertence ao tribunal superior ao ou juiz, conforme o caso, mas o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso” (cheios nossos).

A arguição de nulidades da sentença em processo laboral deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, não devendo sequer o tribunal superior conhecer nulidade que não tenha sido arguida dessa sorte, mas apenas nas respectivas alegações. Só assim é possível ao Tribunal recorrido detetar rapidamente o vicio e supri-lo. Caso não tenha provimento, tal reclamação torna-se em fundamento autónomo de recurso (cfr. ac. do STJ de 25-10-1995,CJ,T III, pág. 281, aresto da Relação de Lisboa de 25-1-2006, acórdão da Relação de Lisboa, de 15-12-2005, proferido no processo 8765/2005-4 in www.dgsi.pt).

O R. cumpriu este ónus, cabendo apreciar a questão.

Ora, de harmonia com o disposto no art.º 71/2 do CPT, “se alguma das partes faltar injustificadamente e não se fizer representar por mandatário judicial, consideram-se provados os factos alegados pela outra parte que forem pessoais do faltoso”.

Próximo deste registo dispõe o art.º 57/1 que “se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito”.

É certo que estamos perante consequências que a lei processual atribui a certo comportamento omissivo ou evasivo da parte: quem falta injustificadamente ao julgamento numa ação laboral comum, impõe o art.º 71/2 vê considerarem-se provados todos os factos pessoais do faltoso alegados pela contra-parte.

Ensinava Manuel de Andrade, in Noc. Elementares de Processo Civil, 1979, 245-245, que se fala em confissão tácita ou ficta “quando a lei processual, dado certo comportamento omissivo ou evasivo, de alguma das partes, considera estabelecido tal ou tal facto (ou pluralidade de factos)”, embora se trate “antes de simples admissão, não podendo aplicar-se-lhe em tudo a disciplina material daquela prova”, além de que “o comportamento relevante não é livremente determinado e interpretado pelo Tribunal, mas está fixado na lei e não admite prova em contrário”.

A admissão destes factos louva-se no dever de verdade que impende sobre as partes, no “dever de contribuição recíproca para a descoberta da verdade”: a falta de contestação é, aos olhos da lei, equiparável à confissão dos factos atenta o incumprimento manifesto do ónus de verdade, em suma, uma cominação legal e não um meio de prova (cfr. Antunes Varela e aut., CPC Anotado, 2ª ed., 345-346). Esta admissão “tendo a estrutura duma omissão, (…) não implica um acordo de afirmações nem que constitua aceitação, ainda que apenas tácita, duma afirmação, visto que os seus efeitos jurídicos são de origem legal e independentes da vontade do admitente (…). Acto não autónomo, a omissão em causa só surte efeito de admissão conjugada com o acto positivo da prévia alegação e apenas na medida em que ocorre a preclusão do direito de praticar um acto processual” (Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, pag. 483).

Há, pois, que distinguir esta admissão dos factos da confissão enquanto meio de prova.

Como decidiu o STJ, no acórdão de 11-11-2010 (in www.dgsi.pt) “I- A confissão, no plano jurídico-substantivo que é aquele no qual se insere sistematicamente o artº 352º do Código Civil, não se confunde com a simples alegação de um facto feita pelo mandatário da parte em articulado processual. II- Por outro lado, não há que confundir a admissão dos factos por acordo, também designada por confissão tácita ou presumida ou pela expressão latina «confessio ficta» resultante do efeito cominatório pleno ou semi-pleno ou do incumprimento do ónus de impugnação especificada, com a confissão como meio de prova, de que trata o preceito legal indicado. (…) V-A confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, segundo dispõe o artº 352º do Código Civil (…)”.

É, deste modo, claro, que os art.º 57/1 e 71/2 assentam no incumprimento do ónus de cooperação para a descoberta da verdade (quanto ao 57/1 cfr o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.5.12, idem: “a confissão tácita ou presuntiva dos factos alegados pelo autor, exclusivamente ligada à inactividade do réu, regulada no artigo 57.º, do Código de Processo do Trabalho, e no artigo 484.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, é substancialmente diferente da confissão regulada no Código Civil, pois que aquela está estreitamente ligada ao dever de verdade que a lei impõe a ambos os litigantes”), notando-se, ainda assim, uma diferença entre ambas: é que enquanto o art.º 57/1 continua a falar em confissão dos factos, o art.º 71/2, é mais assertivo, afirmando apertis verbis que se têm logo (“consideram”) por provados os factos alegados pela parte presente que forem pessoais do faltoso.

Assim sendo, faltando uma parte injustificadamente, a cominação legal é terem-se por provados os tais factos, não cabendo ao Tribunal, face à evidente omissão do faltoso de cumprir o ónus de cooperar para a descoberta da verdade, sindicar a prova ou contra-prova do mesmo. Não há que trazer a evasão do faltoso (ou melhor, a consequência da mesma) para o elenco dos meios de prova, por se tratar de uma cominação legal e não de prova.

Daqui resulta que o Tribunal a quo devia, face à ausência do R. Beira Mar ao julgamento ter por provados os factos alegados pelo A pessoais do clube.

Tendo-o feito – e especificando bem porquê (fls. 99, penúltimo §) -, a decisão não merece censura.

Diga-se, ainda assim, que nem é correta a afirmação de que a sentença é totalmente omissa quanto à prova do R. (n.º 4 de fls. 109), porquanto por duas vezes, quanto ao pedido reconvencional, a mesma afirma que o R. não fez prova (fls. 100, 2º § e 7º §).

Os documentos juntos pela R. respeitam à matéria controvertida (vg. fls. 40, documento extraído de um site informático (que não se identifica), onde se diz, sem nada explicitar quanto à fonte, que em sede de transferências para o SC Braga, “AA” deu “entrada” em 27.5.2011), careceriam de valoração em julgamento. Ou seja: não fazem prova plena, não estando de forma alguma subtraídos à livre apreciação do Tribunal. Acontece que, dada a falta do R., sempre se teria de ter por provados os factos contrários alegados pelo A, nomeadamente nos art.º 3º e 5º da pi (que prestou a sua atividade para o R. até 30.06.2011), o que sempre prejudicaria a posição do R. 

*

Nem se diga que há total omissão dos factos.

Uma tal pretensão assentaria, por certo, na fórmula empregue na sentença:

“damos como provada a matéria de facto invocada pelo autor na petição, com excepção da relativa a prémio de jogo que, inexistindo qualquer documento que comprove ser devido e estando a sua invocação feita sem referência a um concreto jogo ou situação donde resulte ser devida e que permitisse ao réu impugnar ou conformar-se com tal facto, se não considera apurado.

Ao invés, competindo ao réu a prova dos factos em que assenta o seu pedido reconvencional, e não tendo sobre tais factos produzido qualquer prova, dão-se os mesmos como não provados”.

Ou seja, na não enunciação expressa.

O que é diferente da sua não apreciação e menção: há uma indicação dos factos assentes, e não pura e simples omissão.

Só que mesmo isto não corresponde à verdade: no relatório a sentença menciona expressamente os factos articulados pelo A., para os quais – e de caráter pessoal – remete.

*

Deste modo conclui-se que inexiste nulidade da sentença, que apreciou, fundamentou e identificou os factos provados e conheceu as questões pertinentes.

*

*

A 1ª instancia deu como provados os seguintes factos, decisão que, face aos termos do disposto no art.º 71/2 Código de Processo do Trabalho e do acordado pelas partes, se mantém:

1. O Autor é jogador de futebol onze e sócio do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol.

2. O Réu é um Clube Desportivo, cuja equipa de futebol sénior tem participado nas competições nacionais organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

3. O Autor foi contratado pelo Réu para sob sua autoridade, direção e fiscalização, prestar a atividade de jogador de futebol, desde 19 de Janeiro de 2009 e até 30 de Junho de 2011, ou seja, para as épocas 2008/2009, 2009/2010 e 2010/2011.

4. Nos termos do contrato de trabalho desportivo assinado entre o Autor e o Réu, na época 2010/2011, este comprometia-se a pagar àquele a remuneração global ilíquida de € 100.00,00 (cem mil euros), que seria paga em 10 prestações mensais de € 10.000,00 (dez mil euros), com início no dia 5 de Setembro de 2010.

5. O Réu não pagou ao A. a décima e última prestação acordada a título de retribuição, vencida no mês de Junho de 2011, no valor total de € 10.000,00.

6. E, para além disto, as partes estipularam expressamente a hipótese de o Réu vir a pagar ao Autor prémios de jogo, o que veio a acontecer, fruto da subida de divisão do Clube Réu para a 1ª Liga Nacional, e pelo incentivo a boas prestações da sua equipa através de prémios de jogos, atribuídos em função dos resultados atingidos semanalmente.

7. No entanto, tendo o autor recebido, como os restantes colegas de equipa, os diversos prémios atribuídos, nomeadamente na época 2010/2011, não lhe foi pago um dos prémios de jogo, no valor de € 4.500,00.

8. Pelo que, o Autor contactou a Direção do R. várias vezes com vista ao pagamento das referidas quantias, sem ter obtido qualquer resolução para a sua situação.

9. Também o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, a quem o autor recorreu, em 2 de Abril de 2012 interpelou o Réu para que procedesse ao pagamento das quantias já vencidas e não liquidadas, mas o réu não efetuou qualquer pagamento até hoje.

10. A relação entre Autor e Réu terminou a 30 de Junho de 2011.

*

Cumpre apreciar duas questões: se, atentos os factos provados, se verificou a prescrição de créditos do A., designadamente por ser é facto notório que o contrato do A. cessou em Maio de 2011.

Vejamos.

É boa a definição de facto notório a que o R. lança mão, citando um aresto da Relação de Coimbra de 22-06-2010, que com a devida vénia se transcreve:

“Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos. De acordo com este tipo de consideração, a Relação, ao abrigo do disposto no artigo 514.°, n.° 1, do CPC pode considerar certos factos como notórios, independentemente - até - de os mesmos, no caso de terem sido levados ao questionário, terem obtido resposta negativa por parte do tribunal. II - Não carecendo o facto notório nem de alegação, nem de prova”.

A questão consiste, simplesmente, em saber se a data da transferência do futebolista AA é um facto público e notório; se, em suma, o cidadão comum a conhece.

A primeira liga de futebol profissional portuguesa sénior é integrada por 16 clubes, cada qual com a sua equipa de futebol; a segunda liga tem 22 equipas, 5 ou 6 das quais são equipas B de clubes primodivisionários.

Sabido como é que dificilmente um plantel é composto por menos de 23 jogadores – e é publico que pelo menos dois clubes ditos “grandes” têm, entre a equipa principal, a B e os atletas emprestados, cerca de 100 futebolistas -, deparamos desde logo, e fazendo as contas por baixo, com 873 futebolistas.

Pela mesma ordem de ideias será expectável que o cidadão comum conheça os planteis dos clubes estrangeiros mais mediáticos do mundo da bola, do Real Madrid ao Arsenal, passando por Barcelona, Chelsea, Bayern, os dois de Milão e os dois de Manchester.

Deverá também acompanhar – não será, seguindo a mesma lógica, pedir muito – os jogadores portugueses noutros campeonatos, de Espanha a Inglaterra, passando por França, Alemanha, Rússia, Roménia, Grécia e Chipre.

Deverá conhecer um pouco mais do que o clube onde joga – por exemplo as lesões que sofreu e o currículo disciplinar -, já que também aqui, no caso, não bastaria saber que o A. jogava no R.: era preciso conhecer a data da transferência.

Enfim, coisa pouca: uns mil e duzentos jogadores e os factos mais relevantes das suas carreiras.

Não cremos, salvo melhor opinião, que o cidadão comum domine estes dados (e as estatísticas demográficas mostram que a maior parte da população é feminina, a qual – diríamos que aqui sim, notoriamente – na sua grande maioria não se revê e não presta atenção ao futebol profissional).

Aliás, nem sequer o adepto vulgar conhece esta massa imensa de factos.

O que significa que a data da transferência do A. - que não é, cuida-se, um atleta especialmente mediático -, não é um facto público e notório, que o Tribunal devesse saber.

Diga-se, ainda, que nem o próprio R. é claro nesta matéria: no art.º 12 da contestação aceita o articulado designadamente no art.º 12 da pi, que diz que “a relação contratual entre Autor e Réu terminou com a caducidade do referido contrato de trabalho desportivo por verificação do seu termo, a 30 de Junho de 2011”. No art.º 18 afirma que foi em 27.5.2011 e no art.º 41 que foi em Maio. Nas alegações de recurso afirma que foi em 27.5.11 (fls. 3 e art.º 14, 16, 31) e nas conclusões em 31.5.2011 (al. D, H. K e M)

Deste modo, consideramos que o Tribunal tinha de se cingir aos factos mencionados pelo A, como fez.

*

Fica prejudicada a invocada prescrição, que carecia da prova de que o contrato terminou em Maio de 2011 (mais de um anos antes da propositura da ação), o que o R. não fez.

A qualificação do contrato está subjacente à decisão da primeira instancia, que aceitou a alegação do A. de que o contrato findou no seu termo.

Em suma: não há erro, a sentença não é nula, inexistindo qualquer omissão de pronúncia, e não merece censura.

*

*

DECISÃO

Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso improcedente e confirma a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 11 de setembro de 2013

Sérgio Almeida

Jerónimo Freitas

Francisca Mendes

Decisão Texto Integral: