Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7241/18.2T8LRS-C.L1-8
Relator: RUI MANUEL PINHEIRO DE OLIVEIRA
Descritores: RECURSO
PRAZO
CÔMPUTO DO PRAZO
TOLERÂNCIA DE PONTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PARA CONFERÊNCIA
Decisão: INDEFERIDA
Sumário: I – Para o cômputo do prazo de complacência previsto no n.º 5 do artigo 139.º do CPC, não são considerados dias úteis aqueles em que os tribunais estiverem encerrados e isso acontecerá aos sábados, domingos e dias feriados;
II – Já a “tolerância de ponto” só releva para o efeito previsto no n.º 3 do artigo 138.º, ou seja, se o termo do prazo processual em curso coincidir com um dia em que foi concedida essa tolerância, caso em que esse termo se transfere para o 1.º dia útil seguinte.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
1.1. Veio D reclamar para a conferência da decisão singular do relator, datada de 26.06.2023, que indeferiu a reclamação que a mesma apresentou, ao abrigo do disposto no art. 643.º, n.º 1, do CPC, do despacho do tribunal de 1.ª instância que não admitiu o recurso por si interposto, por extemporâneo, requerendo que tal decisão singular seja revogada e que o recurso seja recebido, formulando, para tanto, as seguintes conclusões:
«1. O critério para determinar se a 3ª feira de Carnaval é ou não um dia útil é se no dia 21 ocorreu “ o efectivo encerramento do concreto serviço público”
2. Esclarecendo o nº 3 que quando há tolerância de ponto consideram-se encerrados os serviços.
3. Neste sentido o Artigo 138.º (art.º 144.º CPC 1961)
Regra da continuidade dos prazos
1 - O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.
2 - Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto.
4 - Os prazos para a propositura de ações previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores.
4. Ora, que se saiba nenhum Tribunal esteve aberto na 3ª feira de Carnaval e toda a Administração Pública encerrou.
5. Assim, louvando o nº 3 do artigo 138 do CPC e a constatação de que toda a Administração deve o recurso ser admito, tendo ao Tribunal de Primeira Instância e a decisão Singular violado o artigo 138 nº 3 do CPC».
1.2. A reclamada não respondeu.
1.3. Nos termos previstos no art. 652.º, n.º 3 do CPC, a parte que se considere prejudicada por qualquer despacho do relator pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão (cfr., ainda, art. 643.º, n.º 4 do CPC).
1.4. Recordemos que a ora reclamante D reclamou, por apenso aos autos de acção declarativa com processo comum, que, por si e em representação dos seus filhos M e R, moveu contra M, S.A., do despacho proferido pelo tribunal de 1.ª instância datado de 15.05.2023, que não admitiu o recurso interposto em 24.02.2022 da sentença final de 27.12.2022, que julgou a referida acção improcedente e absolveu a R. dos pedidos.
Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:
«1. O Tribunal recorrido fez muito bem as contas.
2. Ocorreu num lapso manifesto, pois não teve em conta o Despacho n.º 2366/2023, de 17 de Fevereiro.
3. Como a 3ª feira de Carnaval não foi um dia útil.
4. O 3 dia de multa (3º dia útil) é o 24.02 e não o 23.02».
1.5. A R. respondeu a essa reclamação, defendendo que deve ser confirmada a decisão reclamada, nos seguintes termos:
«1. Não merece qualquer censura o Despacho de Não Admissão de Recurso proferido pelo Juiz 5 do Juízo Local Central Cível de Loures do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, datado a 17 de maio de 2023 e com referência 156908409.
2. Não obstante, do mesmo, apresentou a autora reclamação a 01 de junho de 2023.
3. Sucede que, não só não assiste qualquer razão à autora – como melhor infra se deslindará – é o seu requerimento extemporâneo.
4. O artigo 643.º do Código de Processo Civil prevê, de forma expressa, que, do despacho que não admita o recurso, pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão.
5. Ora, tendo sido a decisão de não admissão de recurso notificada às partes a 17 de maio de 2023, o prazo para dela reclamar terminou a 31 de maio de 2023.
6. A autora reclamante apresentou o seu requerimento de reclamação do Despacho que não admitiu recurso a 01 de junho de 2023, ultrapassado o prazo legal para a sua prática.
7. A autora reclamante não invocou qualquer justo impedimento para a prática do acto ou fundamento para a sua prorrogabilidade, não tendo igualmente liquidado qualquer quantia a título de multa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 139.º do Código de Processo Civil.
8. Termos em que, é o requerimento de reclamação do Despacho que não admitiu recurso, extemporâneo, pelo que, não merecendo o mesmo apreciação, deverá o mesmo ser desentranhado dos presentes autos.
9. Não obstante, caso assim não se entenda, i.e., se admita como tempestivo o requerimento reclamação do Despacho que não admitiu recurso, sempre se dirá o seguinte:
10. Reitera a ré tudo quanto já foi dito nas suas Contra-Alegações de Recurso, salientando, contudo, o seguinte:
11. a decisão de que pretendia a autora ora reclamante apresentar recurso, foi proferida a 27 de dezembro de 2022, tendo sido expedida correspondente notificação da decisão às partes em 06 de janeiro de 2023.
12. Aceitando-se, por mera cautelar e dever de patrocínio, que, por força da impugnação da matéria de facto com reapreciação da prova gravada, levado a cabo pelos autores ora recorrentes, que os mesmos beneficiavam, por isso, de prazo de 30 (trinta) dias acrescido de 10 (dez) dias, tal prazo terminaria a 20 de fevereiro de 2023.
13. A apresentação das alegações de recurso sujeitas ao pagamento de multa, terminaria, pois assim, a 23 de fevereiro de 2023, data em que seriam admissíveis perante o pagamento de multa contabilizada ao 3.º (terceiro) dia.
14. Ora, as alegações de recurso da autora ora reclamante datam a 24 de fevereiro de 2023, data em que havia já terminado todo e qualquer prazo de que pudessem beneficiar nos termos supra descritos.
15. Ao contrário do pugnado pela ora reclamante, o dia de Carnaval – 21 de fevereiro de 2023 – não pode ser interpretado como qualquer excepção para a contagem dos prazos nos termos ora mencionados, uma vez que, os prazos judiciais para suspendem-se, apenas, aos sábados, domingos e feriados.
16. Ora, o dia 21 de fevereiro de 2023 não é feriado.
17. A tolerância de ponto, concedida a uma terça-feira de carnaval, não se integra no conceito de feriado, pelo que não tem qualquer efeito na contagem do prazo para a prática de actos processuais de qualquer natureza, a menos que coincida com o último dia desse prazo – conforme resulta, de forma expressa e inequívoca, do disposto no artigo 279.º do Código Civil e artigo 144.º do Código de Processo Civil.
18. O último dia do prazo para apresentação das alegações de recurso era o dia 20 de fevereiro de 2023 – ou 23 de fevereiro de 2023, atenta a possibilidade da prática do acto sujeito a multa processual.
19. Ou seja, o último dia do prazo para apresentação das alegações de recurso não foi a terça-feira de carnaval, pelo que a mesma não tem qualquer efeito na contagem daquele mesmo prazo.
20. A tolerância de ponto concedida à terça feira de Carnaval, dia 21 de fevereiro de 2023, apenas consubstanciaria qualquer efeito sob a contagem dos prazos, caso a mesma fosse o último dia para a prática do acto judicial, caso em que à mesma seria dada tolerância de ponto, transferindo-se o prazo que terminasse naquele dia, para o primeiro dia útil seguinte – o que não se verifica nos presentes autos.
21. Uma vez mais se afirma, por isso, e expressamente se invoca: foram as alegações de recurso apresentadas extemporâneas, pelo que nenhuma censura merece o Despacho de Não Admissão de Recurso proferido pelo Juiz 5 do Juízo Local Central Cível de Loures do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, datado a 17 de maio de 2023 e com referência 156908409.
22. Não obstante, importa ainda considerar que, mesmo que assim não se entendesse, a verdade é que permaneciam os fundamentos para rejeitar as alegações de recurso apresentadas pela autora ora reclamante, uma vez que,
23. seguindo a lógica da autora ora reclamante, nomeadamente, que o terceiro dia de multa seria o dia 24 de fevereiro de 2023, a verdade é que, das Alegações de Recurso apresentadas pela autora recorrente consta o seguinte: «paga-se multa referente a 2.º dia no valor de 40% da taxa de justiça, ou seja 408.00 € = 50% de taxa devida 816.00 €».
24. Termos em que, sempre seriam de recusar as mesmas, dada a inconformidade da sua entrega nos termos conjugados do disposto no artigo 638.º e artigo 139.º, ambos do Código de Processo Civil.
25. Não merece, pois assim, qualquer censura o Despacho de Não Admissão de Recurso proferido pelo Juiz 5 do Juízo Local Central Cível de Loures do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, datado a 17 de maio de 2023 e com referência 156908409, pelo que será de improceder a reclamação contra o mesmo apresentada pela autora ora reclamante que é, além do mais, extemporânea».
1.6. Por decisão do relator de 26.06.2023, tal reclamação foi indeferida e mantido o despacho reclamado de não admissão do recurso interposto.
1.7. Colhidos os vistos, cumpre, pois, decidir em conferência.
II – QUESTÕES PRÉVIAS
2.1. A decisão reclamada foi proferida em 15.05.2023 e foi notificada às partes por carta de 17.05.2023, que se presume recebida em 22.05.2023 (cfr. art. 248.º do CPC).
O prazo de reclamação é de 10 dias (art. 643.º, n.º 2 do CPC), pelo que terminou no dia 01.06.2023 ou, mediante o pagamento da multa prevista no art. 139.º, n.º 5 al. c) do CPC, no dia 06.06.2022.
A reclamação foi apresentada em 01.06.2023, às 23h15m26s, pelo que, contrariamente ao propugnado pela reclamada, é tempestiva.
2.2. A reclamação apresentada nos termos do n.º 1 do art. 643.º do CPC, mostra-se deduzida por D e respeita à não admissão de um recurso interposto por S.
Este último não é parte na acção; é progenitor do autor R e faleceu em 12.01.2018 (cfr. certidões juntas com a petição inicial da acção, como documentos n.ºs 2 e 3).
Por razões de celeridade e economia processuais, entender-se-á - para efeitos exclusivamente da reclamação deduzida - que se trata de um lapso do Il. Mandatário dos autores na identificação do recorrente e assumir-se-á que o recurso mostra-se, na verdade, interposto pela referida D, na dupla qualidade em que intervém (por si e em representação dos seus filhos menores).
E, sendo assim, reconhece-se à reclamante D legitimidade para deduzir a reclamação.
III – QUESTOES A DECIDIR
As questões que se colocam na presente reclamação consistem em saber:
- se o dia de “tolerância de ponto” é ou não considerado dia útil para efeitos do cômputo do prazo de complacência previsto no n.º 5 do artigo 139.º do CPC;
- se o dia de “tolerância de ponto” só releva se coincidir com o termo do prazo processual em curso, só nesse caso se transferindo o termo do prazo para o 1.º dia útil seguinte, de acordo com os n.ºs 2 e 3 do artigo 138.º do CPC.
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão reclamada considerou provada a seguinte matéria de facto, decorrente da tramitação dos autos:
1. No dia 27.12.2022, foi proferida sentença final, que julgou a acção declarativa, a que a presente reclamação está apensa, improcedente e em consequência: a) absolveu a R. M, S.A., dos pedidos e b) condenou os AA. D, M e R e o  interveniente Instituto da Segurança Social, IP, no pagamento das custas;
2. Tal sentença foi notificada às partes por carta expedida em 06.01.2023;
3. Por requerimento de 24.02.2023, apresentado em nome de S, foi interposto recurso ordinário de apelação daquela sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa;
4. No final do referido requerimento, consignou-se o seguinte: «Paga-se multa referente a 2º dia no valor de 40% da taxa de Justiça, ou seja 408.00 € = 50% de taxa devida 816.00 €»;
5. No dia 15.05.2023 foi proferido despacho de não admissão do recurso, com os seguintes fundamentos: «Nos presentes autos foi proferida sentença no dia 27.12.2022, tendo a mesma sido notificada às partes no dia 06.01.2023. Assim, por força do disposto no art.º 248.º, n.º 1 do CPC, presume-se feita a notificação no dia 11.01.2023. Desta forma, o prazo para interposição de recurso iniciou-se no dia 12.01.2023, tendo terminado em 20.02.2023 (30 dias + 10 dias para reapreciação da prova gravada). Sendo que o término do prazo com pagamento de multa processual ocorreu no dia 23.02.2023, 3 dia útil após o término do prazo. O requerimento de interposição de recurso apenas deu entrada no dia 24.02.2023, pelo que, o mesmo é extemporâneo. Nestes termos, não admito o recurso interposto».
6. Por requerimento de 02.06.2023, apresentado em nome de S, foi requerida a rectificação do lapso do despacho de 15.05.2023, por não ter tido em conta o Despacho n.º 2366/2023, de 17 de Fevereiro, aí se referindo que «Como a 3ª feira de Carnaval não foi um dia útil. O 3 dia de multa (3º dia útil) é o 24.02 e não o 23.02.»;
7. Em 12.06.2023 foi proferido despacho com o seguinte teor: «Entende este Tribunal que tolerância de ponto não equivale a feriado, pelo que, indefiro a rectificação requerida, que desde logo não se tratava de lapso de escrita como decorre da decisão de não admissão de recurso».
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A reclamante não coloca em causa a decisão de facto proferida pelo relator, que, por isso, se tem por válida e consolidada e que, de resto, é a que resulta da tramitação do processo, que, por conseguinte, se reafirma.
Adianta-se, desde já, que, em nosso entender, a decisão singular reclamada deve ser mantida, reiterando-se aqui todos os argumentos nela já expendidos e que aqui passamos a transcrever, uma vez que, na sua reclamação, a reclamante não deduz nenhuma razão ou consideração nova, que não tenha sido já abordada e que contrarie ou fragilize os fundamentos daquela decisão:
«Está em causa a tempestividade de um recurso em processo declarativo comum, pelo que releva, desde logo, o disposto no art. 638.º do CPC.
Dispõe o artigo referido que:
«1 - O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º e no artigo 677.º.
(…)
7 - Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias».
No caso vertente, a sentença final foi notificada às partes por carta de 06.01.2023, que se presume recebida no dia 11.01.2023 (art. 248.º, n.º 1 do CPC), pelo que o prazo para interposição do recurso iniciou-se no dia 12.01.2023 e, já com o acréscimo de 10 dias supra referido, terminou no dia 20.02.2023.
Podia, ainda, o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis seguintes, mediante o pagamento de multa.
Com efeito, de acordo com o disposto no art. 139.º, n.º 5 do CPC «Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos:
a) Se o ato for praticado no 1.º dia, a multa é fixada em 10 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 1/2 UC;
b) Se o ato for praticado no 2.º dia, a multa é fixada em 25 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 3 UC;
c) Se o ato for praticado no 3.º dia, a multa é fixada em 40 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 7 UC».
A decisão reclamada considerou que o 3.º dia útil subsequente ao termo do prazo era o dia 23.02.2023.
Já a reclamante entende que esse 3.º dia corresponde ao dia 24.02.2023, uma vez que desprezou na sua contagem o dia 21.02.2023, em que houve tolerância de ponto.
Não lhe assiste, contudo, razão.
Vejamos.
Por Despacho n.º 2366/2023, de 17 de Fevereiro, da Presidência do Conselho de Ministros, publicado no Diário da República n.º 35/2023, Série II de 2023.02.17, foi, efectivamente, concedida tolerância de ponto aos trabalhadores que exercem funções públicas nos serviços da administração direta do Estado, sejam eles centrais ou desconcentrados, e nos institutos públicos, no dia 21 de fevereiro de 2023.
Ora, nos termos do disposto no art. 138.º do CPC:
«1 - O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.
2 - Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto».
É, pois, inequívoco que, no dia 21.02.2023, os tribunais têm de considerar-se encerrados.
E seria, também, inegável que, se aquele dia 21.02.2023 fosse o último dia do prazo, o seu termo transferir-se-ia para o dia seguinte.
Nada legitima, contudo, a interpretação de que aquele dia 21.02.2023 deve ser tido como dia “não útil” para efeitos, nomeadamente, do disposto no art. 139.º, n.º 5 do CPC.
Com efeito, a tolerância de ponto é uma dispensa de comparência ao trabalho concedida aos trabalhadores pelo empregador, num dia útil em que estariam vinculados ao dever de assiduidade. Ou seja, os funcionários ficam dispensados de comparecer ao serviço, mas sem encerramento das repartições se algum deles comparecer. Por isso, a tolerância de ponto não é equiparável às férias, feriados, sábados e domingos, em que as repartições estão obrigatoriamente encerradas.
A questão de saber se a “tolerância de ponto” deve ou não ser equiparada a “feriado” e portanto se deve ou não suspender a contagem dos prazos contados em dias úteis, tem merecido resposta quase unânime por parte da jurisprudência, no sentido de que a contagem dos prazos não se suspende nos dias de “tolerância de ponto”, excepto se esse dia coincidir com o último dia para a prática do acto.
Nesta linha de entendimento, a tolerância de ponto, concedida na terça-feira de carnaval, não se integra no conceito de feriado, pelo que não tem qualquer efeito na contagem do prazo para a prática de actos processuais de qualquer natureza, a menos que coincida com o último dia desse prazo.
Neste sentido, veja-se o decidido no acórdão da RP de 24.05.2021, in www.dgsi.pt: «(…) dias não úteis serão aqueles em que os tribunais estiverem encerrados e isso acontecerá aos sábados, aos domingos e nos dias feriados, quer se trate de feriados obrigatórios, quer se trate de feriados facultativos. Procurando ser mais precisos, mesmo quando se trate de um feriado facultativo, como o dia de Carnaval, a partir do momento em que há uma decisão do Conselho de Ministros a determinar que a terça-feira de Carnaval seja observada como feriado, para efeitos de cômputo do prazo de complacência estabelecido no n.º 5 do artigo 139.º do CPC, esse não é um “dia útil”. Diferente é o caso da chamada “tolerância de ponto”, que só releva para o efeito previsto no n.º 3 do artigo 138.º, ou seja, se o termo de um prazo processual em curso coincidir com um dia em que foi concedida essa tolerância, esse termo transfere-se para o 1.º dia útil seguinte».
 No mesmo sentido, o acórdão da RC de 18.03.2020, in www.dgsi.pt, entendeu que «a tolerância de ponto, não se integrando no conceito de feriado, apenas assume relevância se coincidir com o último dia do prazo para a apresentação da impugnação da decisão da autoridade administrativa e implicar o efectivo encerramento do respectivo serviço público».
Também a RG, em acórdão de 31.10.2019, in www.dgsi.pt, seguiu tal entendimento, decretando, em situação análoga à dos presentes autos, que «I- Por força da expressa remissão feita na 1ª parte do n.º 3 do art. 138º do CPC, os Tribunais consideram-se encerrados quando for concedida tolerância de ponto, mas só e apenas quando o prazo para a prática do acto processual terminar em dia em que os Tribunais estiveram encerrados, caso em que se transfere o seu termo para o primeiro dia útil seguinte – n.º 2 do mesmo artigo.  II- Na contagem dos três dias úteis de multa estabelecidos no art. 139.°, n.ºs 5 e 6 do CPC não se contabilizam os sábados, domingos, dias feriados ou o dia em que tenha sido concedida tolerância de ponto, desde que, neste último caso, este coincida com o último desses três dias úteis, pois só nessa situação se justifica que o termo do prazo adicional ou suplementar se suspenda e se transfira para o primeiro dia útil seguinte» (sublinhado nosso).
Escreveu-se neste último aresto, em moldes com os quais não podemos deixar de concordar, que «(…) o n.º 3 do art. 138º do CPC determinou que os Tribunais se consideram encerrados quando for concedida tolerância de ponto, mas só e apenas quando o prazo para a prática do acto processual terminar em dia em que os Tribunais estiveram encerrados, caso em que se transfere o seu termo para o primeiro dia útil seguinte – n.º 2 do mesmo artigo. Só terminando num dia de tolerância de ponto é que o termo do prazo se difere para o primeiro dia útil. Na verdade, por força da expressa remissão feita na 1ª parte do n.º 3 do art. 138º do CPC, a concessão da tolerância de ponto terá sempre os efeitos previstos no n.º 2 do citado normativo na pressuposição de esse dia corresponder ao termo do prazo para a prática do acto processual, pois o legislador entendeu que só assim se justificava a equiparação dos dias de tolerância de ponto (concedida aos funcionários públicos) aos de encerramento dos tribunais.
Ora salvo melhor opinião, idêntico desiderato não tem em nosso entender justificação no caso de tal encerramento ocorrer no início ou no decurso do prazo (seja do prazo processual normal, seja do prazo suplementar dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo), já que aquele a quem impende praticar o ato disporá do restante período temporal conferido pela lei para o efeito. Isto porque na contagem dos três dias úteis de multa não se contabilizam os sábados, domingos, dias feriados ou o dia em que tenha sido concedida tolerância de ponto, desde que, neste último caso, este coincida com o último desses três dias úteis, pois só nessa situação se justifica que o termo do prazo adicional ou suplementar se suspenda e se transfira para o primeiro dia útil seguinte. Nesta conformidade, o dia 5 de março de 2019, terça-feira de Carnaval, malgrado ter sido concedida “tolerância de ponto aos trabalhadores que exercem funções públicas nos serviços da administração direta do Estado” – que não é confundível nem se integra no conceito de feriado –, teria que ser contabilizado como dia útil para efeitos da contagem do prazo estabelecido no art. 139.°, n.ºs 5 e 6 do CPC, porquanto não coincidiu com o último dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo de que a recorrente dispunha para a prática do ato (era antes o segundo para a sua prática)».

Ora, o despacho n.º 2366/2023, de 17 de Fevereiro, não determinou que o dia 21.02.2023 fosse dia feriado (nem tal poderia ser determinado por despacho…), tendo-se limitado a conceder tolerância de ponto nesse dia. É isto que, desde logo, decorre do próprio despacho, quando refere que «Pese embora a terça -feira de Carnaval não conste da lista de feriados obrigatórios estipulados por lei, existe em Portugal uma tradição consolidada de organização de festas neste período».
Por conseguinte, essa “tolerância de ponto” só releva para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 138.º, ou seja, se o termo do prazo processual em curso coincidir com um dia em que foi concedida essa tolerância.
No caso dos autos, como se disse, a reclamante foi notificada da sentença de 27.12.2022, por carta de 06.01.2023, que se presume recebida no dia 11.01.2022 (cfr. art. 248.º do CPC), pelo que o prazo de 40 dias de que dispunha para recorrer terminou no dia 20.02.2023 ou, mediante o pagamento de multa, no dia 23.02.2023, posto que o dia 21, em que foi concedida tolerância de ponte, não coincidiu com o último dia do prazo.
O recurso foi interposto em 24.02.2023, pelo que é manifestamente extemporâneo.
Destarte, conclui-se, tal como o tribunal reclamado, pela inadmissibilidade do recurso interposto».
Como se disse já, a reclamante não deduziu qualquer novo argumento no sentido da admissibilidade do recurso, limitando-se a apoiar-se no acórdão do STJ de 09.01.2003, que transcreveu na íntegra, mas cuja posição, ressalvado o devido respeito, não acompanhamos (também na situação sobre que se debruçou esse acórdão o termo do prazo processual em causa não coincidia com o dia em que foi concedida a tolerância de ponto).
Assim, por razões de economia processual, aderimos e reiteramos os fundamentos já constantes da decisão singular proferida pelo relator, que entendemos ser de confirmar.

V – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, acorda-se em conferência em desatender a reclamação apresentada, mantendo-se a decisão singular reclamada, que indeferiu a reclamação deduzida nos termos do art. 643.º, n.º 1 do CPC, e manteve o despacho de não admissão do recurso de 15.05.2023.
Custas pela reclamante.
Notifique.
*
Lisboa, 12.10.2023
Rui Manuel Pinheiro Oliveira
Cristina Lourenço
Luís Mendonça