Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25470/01.6TVLSB.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: AUJ 1/2017
REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO LEGAL
OCUPAÇÃO DE IMÓVEL PELO ESTADO
ORDEM RELIGIOSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Tal como se estabeleceu no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2017, verificando-se a dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções.
II. A ocupação pelo Estado Português de determinado imóvel, operado em 1910, com o arrolamento deste, prende-se com a análise histórica dos actos praticados pelo Estado e a mudança de um Estado Monárquico para Republicano, com todos os actos praticados sob a égide do novo sistema de governo e opções tomadas pelo mesmo.
III. Por decreto de 8 de outubro de 1910 foi determinado que continuaria em vigor o decreto de 28 de maio de 1834, o qual extinguiu as ordens religiosas e decretou o arrolamento dos respectivos bens, neste se inserindo os que figuravam como propriedade “por interpostas pessoas”, nomeadamente em nome da fundadora da ordem religiosa em causa.
IV. Com a Lei de Separação do Estado e das Igrejas, aprovada por decreto do Ministério da Justiça de 20 de abril de 1911, e publicada no Diário do Governo de 21 de abril de 1911, manteve-se a propriedade do Estado de bens imóveis destinados ao culto público da religião católica, e arrolamento dos mesmos, mas sujeitou-se a restituição dos imóveis propriedade de corporação de assistência ou beneficência legalmente constituída ou particulares ao recurso ao processo previsto no Decreto de 31 de dezembro de 1910, a ser iniciado até à data de 30 de junho de 1912 e 30 de junho de 1913.
V. Porém, a restituição dos imóveis arrolados sempre dependeria da procedência de reclamação graciosa ou decisão favorável em processo judicial, o que não se verifica in casu, caducando tal direito que existisse por banda da proprietária registada, ou seus herdeiros.
 (Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório:
O Estado Português intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a ré C…, pedindo o reconhecimento da propriedade sobre o imóvel descrito na ficha nº … da freguesia de …, por via do mecanismo registral, ou, em alternativa por via da usucapião.
Invocou em abono da sua pretensão, em síntese, o arrolamento dos bens das associações e casas religiosas pelo Decreto de 8/10/1910, com a subsequente entrega desse imóvel ao Estado, sem que tenha existido reclamação pela proprietária. Convoca ainda o decreto de 20/07/2012 mediante o qual foi cedido tal imóvel a título precário à ré, sendo que o mesmo tem estado afecto a serviços dependentes da Direcção geral dos Serviços Tutelares de menores. Alega ainda que partes do imóvel foram cedidos, bem como restituída parte. Invoca que existiu reclamação no âmbito da justificação administrativa do imóvel a favor do Estado, o que determina a presente acção, ou se assim não se entender a propriedade por usucapião.
A ré veio contestar e reconvir, pedindo o reconhecimento da propriedade da reconvinte sobre o imóvel que identifica e descreve nos artigos 143º a 150º da Reconvenção, e condenação do reconvindo a restitui-lo, indemnizando a reconvinte quanto às parcelas em que tal restituição não seja possível, em montante a liquidar em execução de sentença.
Requereu ainda a intervenção principal provocada dos Herdeiros de MR… e Herdeiros de JL….
Notificado, veio o autor replicar, (cf. articulado de fls. 325), mantendo o já alegado na petição, dizendo que existe duplicação de registo sobre o mesmo imóvel, pois desde o acordo com a Santa Sé que o Estado registou tal imóvel, mantendo-se o arrolamento e a propriedade a favor do Estado. Mais excepcionou a caducidade do pedido de reconhecimento da propriedade por via sucessória/testamentária. Alega, para tanto, que à data do óbito de T… o imóvel já não lhe pertencia, tendo decorrido, ainda em sua vida, o prazo para propor ação de impugnação judicial do arrolamento.
Notificada, veio a ré apresentar tréplica, (fls. 531).
Por requerimento entrado em 26.01.2004 (fls. 659), veio o autor informar que, desde a entrada em juízo da ação, tomou conhecimento de novos documentos, que demonstram que a inscrição predial que o Estado pretendia fazer a seu favor e motivou a presente ação de sanação registral, já se encontra registada a favor do Estado, (artigo matricial 200, e descrição nº… com o nº… de 5/08/1940).
Mediante despacho proferido em 20.04.2007 (fls. 752), foi decidido não admitir o pedido reconvencional; e foi julgada procedente a excepção processual de ilegitimidade, absolvendo-se a ré da instância.
Do referido despacho veio recorrer a ré C…. Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 28.05.2009, (fls. 797) foi decidido do provimento do agravo, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se o prosseguimento dos autos, no que à reconvenção concerne.
Proferido despacho de aperfeiçoamento, veio a ré C… corresponder ao mesmo, apresentando aperfeiçoamento da petição reconvencional, (fls. 836); ao qual o autor respondeu em articulado próprio, (fls. 895).
Por despacho de 28.01.2010 foi deferido o incidente de intervenção principal provocada deduzido pela ré C....
Citados os intervenientes, foram nomeados Patronos aos incertos.
Realizou-se audiência prévia (fls. 1089), na qual se fixou valor à acção; se julgou improcedente a excepção de caso julgado; se relegou para decisão final o conhecimento da excepção de caducidade do direito da ré C...; foram fixados os factos assentes, determinado o objecto do litígio, e selecionados os temas da prova.
Foi assim, fixado o seguinte objecto do litígio:
a- Se a Ré-reconvinte adquiriu o direito de propriedade sobre o prédio descrito na ficha n.º … da freguesia de … por transmissão sucessória ou por usucapião;
b- Se o Autor-reconvindo se encontra a ocupar parte daquele prédio e se, consequentemente, assiste à Ré reconvinte o direito a vê-lo condenado a restituir a parte daquele prédio que o Autor-reconvindo se encontra a ocupar, com a composição que vem descrita nos art.ºs 57º a 65º de fls. 847 a 849;
c- Se o Autor-reconvindo cedeu, a título oneroso, parcelas de terreno que fazem parte do prédio referido em a) e se fez construir noutras parcelas de terreno, edifícios, designadamente, o Lar Madre T…, o Colégio … e as casa destinadas a serem usadas pelos funcionários do Ministério da Justiça e se, consequentemente, assiste à Ré-reconvinte o direito a ser indemnizada pelo valor daquelas parcelas e segundo as regras do enriquecimento sem causa, em montante a liquidar em execução de sentença, calculado com base no valor do metro quadrado de terreno em causa, a apurar em peritagem;
d- Se o direito que a Ré-reconvinte vem exercer nos autos se encontra extinto, por caducidade, por o prédio referido em A) ter sido arrolado e por D. T… não ter interposto qualquer ação contenciosa no prazo de 30 dias após a reclamação graciosa de fls. 50 e seguintes.
Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou improcedente por não provada a reconvenção e, em consequência, absolveu o autor do pedido reconvencional.
Inconformada veio a ré/reconvinte recorrer apresentado as seguintes conclusões:
A- O presente Recurso vem impugnar a douta sentença recorrida, proferida nos autos da Ação de Processo Comum supra referenciados, que julga “improcedente por não provada a presente ação e, em consequência, absolve o autor do pedido reconvencional”.
B- Considera a ora APELANTE que a douta sentença enferma do vício da nulidade, atento o que decorre do Art.º 607º, nºs 3, 4 e 5, em conjugação com o Art.º 615º, nº 1, alíneas c) e d), porquanto fez uma incorrecta apreciação da matéria de facto e, consequentemente, tal interpretação veio a reflectir-se na aplicação do direito e na incorrecta e deficiente fundamentação da decisão recorrida.
C- O presente Recurso tem por objecto:
- a impugnação da decisão da matéria de facto com a reapreciação da prova gravada, produzida em audiência de julgamento, com vista à sua modificação, porquanto foram dados como “provados” factos que não foram objecto de prova bastante e dados como “não provados” factos que terão de ser considerados provados, reapreciada a prova produzida em julgamento;
- a nulidade da sentença pela existência de contradição entre a decisão proferida, a matéria de facto provada e os fundamentos invocados para tal decisão; (Art.º 668º, nº 1, c); Art.º 607º, nºs 3, 4 e 5, em conjugação com o Art.º 615º, nº 1, alíneas c) e d).
D- O ESTADO PORTUGUÊS, Autor, ora Reconvindo, deu causa à presente Ação Declarativa, ao demandar a Ré, Reconvinte, ora RECORRENTE, C..., peticionando que lhe fosse “reconhecido o direito de propriedade sobre o imóvel descrito na ficha nº… da freguesia de …, por via do mecanismo da sanação registral, ou, em alternativa, por via usucapião”.
E- Está em causa nos presentes autos o Pedido Reconvencional da RECORRENTE que se resume do seguinte modo: “Reconhecimento da propriedade da reconvinte sobre o imóvel que identifica e descreve nos artigos 143º a 150º da Reconvenção, e condenação do reconvindo a restitui-lo, indemnizando a reconvinte quanto às parcelas em que tal restituição não seja possível, em montante a liquidar em execução de sentença”.
F- Actualizada a informação dos imóveis, por via dos relatórios de Perícia e Levantamento topográfico, e produzida a prova em Audiência de Julgamento, de acordo com a douta sentença recorrida, e conforme infra se transcreve, foram dados como provados os seguintes Factos (…)
G- Considerou a douta sentença, como não provados os seguintes factos (…)
H- A Mmª Juiz do Tribunal a quo, ao proferir a decisão sobre a matéria de facto, teve em
consideração, no essencial, os documentos matriciais e registrais existentes, as perícias, o extenso acervo documental carreado para os Autos pelas partes e as testemunhas que ali depuseram, nas quatro sessões de Julgamento realizadas.
I- Verteu para a douta sentença recorrida as motivações que estiveram na base da douta decisão sobre a matéria de Facto proferida e, quanto a esta decisão, a RECORRENTE não pode conformar-se com a mesma na sua totalidade, porquanto se mostra ter sido feita uma incorrecta apreciação da prova produzida em sede de Audiência de julgamento, como supra ficou alegado e especificado.
J- Apreciação que se reflecte na fixação da Matéria de Facto, pois, perante os depoimentos
produzidos em sede de Audiência de Julgamento, pelas testemunhas inquiridas, tanto as
arroladas pela Ré Reconvinte, quer por algumas das testemunhas arroladas pelo Autor, outra teria de ser, necessariamente a decisão sobre a matéria de facto dada como provada e não provada.
K- A Mmª juiz do tribunal a quo concluiu, quanto ao primeiro Tema da Prova, que, e passamos a citar: “Os depoimentos produzidos a tal questão não são tão rigorosos, nem demonstram uma razão de ciência tão fiável como a prova que se acabou de descrever”, concordando a RECORRENTE que os documentos matriciais e registrais, bem como o relatório da perícia e o levantamento topográfico nos dão a resposta cabal e suficiente a este ponto.
L- Contudo, importa ressalvar que, como infra se prova exaustivamente e de modo inequívoco, os motivos da aquisição pelo Estado, invocados na AP.5 de 1940/08/05 “aquisição pelo Estado a Congregações Religiosas por arrolamento” não correspondem à verdade, porque tal imóvel não se inseria no âmbito da legislação que invocada para o arrolamento, o que, em nosso entender, torna tal registo nulo e ineficaz em relação aos seus legítimos proprietários, isto é, a RECORRENTE e os herdeiros de Incertos de JL… e MR…
M- Tratando-se, inequivocamente, do mesmo imóvel, ressalvados os diversos destaques efectuados ao longo dos anos, não pode ser escamoteado o que consta na descrição nº … da freguesia de …, nomeadamente a sua aquisição a favor de T… e as diversas sucessões testamentárias, sob pena de violação do princípio da prioridade, da publicidade dos actos e do trato sucessivo, verificando-se uma duplicação de descrições para o mesmo imóvel.
N- No que respeita ao segundo tema da prova, não pode a RECORRENTE aceitar a apreciação que a Mmª. Juiz do tribunal a quo faz, aludindo aos depoimentos das testemunhas inquiridas a estes factos, e que se transcreve: “Atento o longo período de tempo decorrido desde a aquisição, não há prova testemunhal directa dos actos praticados, mas apenas memória e registo histórico do mesmo”, pois, sem prejuízo da importância que constitui nos autos o acervo documental junto, o “registo histórico” confirma-se pela consulta e análise dos documentos mas, salvo melhor entendimento, “apreende-se” dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Ré Reconvinte, os quais depuseram de modo isento e objectivo, revelando um conhecimento fundamentado dos actos levado a cabo por T...e que não devem ser desvalorizados, antes ser apreciados e analisados em conjugação com os documentos juntos.
O- Pelo que deveriam ter sido valorados, quanto a este tema da prova, o depoimento da Testemunha
A… – (Acta de 15/06/2021 – Gravação 00:05 a 26:15) , o Depoimento da Testemunha H… - (Acta de 15/06/2021 –Gravação 00:02 a 39:13) e ainda o Depoimento de AF…, (Acta de 15/06/2021 – Gravação 00:02 a 28:12) cujos excertos se transcreveram supra e de cuja análise decorre que, ao tomar em consideração os depoimentos das indicadas testemunhas, o ponto 33. Dos factos provados terá de ser reformulado.
P- No que respeita ao terceiro Tema da Prova, entende a RECORRENTE que, não subsistem quaisquer dúvidas, de que os actos praticados por Madre T…, em relação ao imóvel reivindicado, foram-no na qualidade de proprietária, como o era, do imóvel. Não resulta provado, como a Mmª Juiz veio a considerar – para assim legitimar o arrolamento -, nem documentalmente, nem decorrente do depoimento das testemunhas, que Madre T… tenha procedido à entrega da gestão/administração à C…, constituída de facto e informalmente, e que teria a sua sede no palácio / casa principal.”
Q- Vem a Mmª Juiz sustentar o ponto 4. dos temas da Prova no protocolo que se encontra vertido no facto 43. (factos provados), e respectivas alíneas, as quais constituem transcrição do acordo junto a fls. 55. dos autos, contudo, no que ao facto 43. Concerne, tal acordo respeitava somente à parte ocupada pela Creche e Capela, e ao edifício situado da parte de cima da estrada, denominado pela testemunha do Autor, Dra. R…, “Lar de Transição”, ou “Lar Madre T…” e vigorou até ao ano 2000, dado que a instalação principal referida no acordo foi desocupada pela C..., ora RECORRENTE, no ano de 2000, quando vem ocupar a totalidade dos edifícios do imóvel reivindicado, ficando, deste modo, também prejudicado o facto 44., que não corresponde ao que ficou efectivamente provado, como decorre da análise do teor dos depoimentos, a este respeito, das testemunhas do Autor, Dra. R… e Dr. MM…, que acima se encontram reproduzidos: Depoimento de R…. (Acta de 08/10/2021 - Gravação: 00m 04s a 01h 03m) / “entenderam que (…) se poderia dar à C... a gestão e o acompanhamento das obras do tal “Lar de transição”, e foi feito (…) Foi uma colaboração contratualizada (…) a título precário, (…) terá ocorrido no final dos anos 80 (…) até 1995, - e Depoimento da testemunha MM… - (Acta de 04/02/2022 – Gravação: 00:01 a 26:25) – “fora destas instalações, onde funcionava o Instituto, à entrada, do lado esquerdo, funcionava uma creche gerida pela C... (…) e havia um outro edifício, fora do palácio, do outro lado da estrada, que era onde as Irmãs residiam (…) mais próximo do Palácio …”. Com efeito, na presente data, e desde 2000, o imóvel efectivamente ocupado pelo Estado (actualmente na alçada do Centro Distrital da Segurança Social e afecto à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa) é o edifício principal, objecto do protocolo celebrado com a C... em 18.10.1990, que se situa na parte de cima da estrada, mais próximo do Palácio dos …, denominado pela testemunha R…, “Lar de Transição”.
U- Razão pela qual, na decisão sobre a matéria de facto, deve ser modificado o ponto 44. dos factos provados, ficando a ter a seguinte redação: 44. Desde a data referida em 38., e à excepção da parte ocupada em função do acordo referido em 43., o imóvel veio sendo utilizado pelos serviços tutelares de menores, entretanto denominado Instituto …, casa da In… e Casa do L…, até 2000. Ficando de igual modo, prejudicado o entendimento quanto ao facto 45. que terá de ser interpretado à luz do novo facto 44., assim reformulado.
V- Analisando a motivação do Tribunal em relação ao quinto Tema da Prova, vem mencionado na douta sentença que o facto 42. corresponde ao art.º 17º da petição, que a Ré expressamente declarou aceitar; e encontra ainda respaldo, por exemplo, no documento de fls. 59., referindo-se o facto 43. ao acordo aludido no art.º 20 da petição e 188º da contestação. Vem a Mmª Juiz, no que respeita à convicção do Tribunal em relação às obras realizadas no imóvel reivindicado, dizer que “ficou também claro que estas obras foram realizadas nos espaços referidos na Cláusula 8.ª/4 do documento a que se refere em 43. dos factos provados.” Todavia, como resulta do relatório pericial e do levantamento topográfico, bem como dos depoimentos das testemunhas Dr. A…; AB… e Dra. H…, as obras levadas a cabo pela C..., que se prolongaram desde 1990, na parte então ocupada, são muito mais extensas, e, posteriormente a 2000, abrangeram todos os edifícios agora ocupados pela C..., particularmente no edifício principal (o Palácio), que a C... ocupa integralmente, aí funcionando a Casa Mãe, o Museu, a Capela, os espaços de recepção às Irmãs que vêm de fora, e onde as Irmãs fazem o seu dia-a-dia, como C... religiosa que são.(cfr. transcrição supra do Depoimento da Testemunha A… (Acta de15/06/2021 – Gravação 00:05 a 26:15) – “Não, é aquilo tudo, quer dizer, as instalações da C... é aquela parte do palácio que se vê a partir do portão principal, é aquele edifício todo, e depois o outro que fica do lado direito de quem entra, onde há uma escola para crianças mais pequenas, género jardim infantil (…) e Depoimento da Testemunha H… (Acta de 15/06/2021 – Gravação 00:02 a 39:13) ” Estava uma casa completamente degradada. No tempo em passaram ali outros grupos de rapazes, porque aquela casa foi uma casa usada pelo Ministério da Justiça (…) a casa ficou muito degradada. E tinha, por exemplo, esta sala, o salão de que há bocado falei, que, antigamente, no tempo de T… funcionava como uma aula, estava completamente destruído, inclusivamente não se conseguia lá entrar. Foi das coisas que mais me chocou, porque o conhecia das fotografias, do meu trabalho e não conseguia depois ver. Nunca pensei que fosse possível recuperar como o recuperaram!(…) as obras que lá estão foram feitas para uma função, e como digo, é onde se recebem as Irmãs que vêm de fora, esses espaços estão preparados para isso, mas também para uma vida de Comunidade, porque há um grupo de Irmãs que vive ali todos os dias e, portanto, que têm a estrutura preparara para as rotinas que precisam de ter.”, sendo de concluir que, no que respeita às obras realizadas pela RECORRENTE no imóvel reivindicado, se terá de atender a todas as obras realizadas nos edifícios que se encontram no espaço delimitado por muros, nomeadamente o edifício central (Palácio), anteriormente denominado Colégio da …, com a salvaguarda de que, devido às diversas denominações dos edifícios, resulta patente, na douta sentença recorrida, que o Tribunal labora em erro ao considerar que o edifício principal referido no protocolo celebrado em 1990 é o denominado “Colégio da …”, isto é, o edifício principal, o Palácio, quando não é, como se pode confirmar pelas plantas e fotografias nos autos.
W- Assim, provado que ficou provado o ponto 47., e porque o processo é dinâmico e não cristaliza no tempo, deve ser completado este ponto e não aditado um novo ponto - por uma questão de organização do texto, passando assim, tal aditamento a ter a seguinte redação: 47. (…), e a partir de 2001, data em que a C... passou a ocupar a totalidade do imóvel reivindicado, realizou e custeou extensas obras de restauro, conservação e manutenção em todos os espaços do edifício, de modo a que estes se mostrem adequados à função a que actualmente se destinam. De igual modo, o facto vertido no art.º 181º da contestação, considerado como não provado, deve deixar de aí figurar e ser aditado aos factos provados um facto que ilustre a convicção da Ré ao ocupar o imóvel a partir de 2001.
X- Quanto ao ponto 6 dos Temas da Prova, resultou provado, como a Mmª Juiz bem decidiu, com base nos documentos junto aos autos e nos depoimentos das testemunhas A…, H…, e AF…, que o imóvel reivindicado se manteve sempre na titularidade de T…. À data da aquisição do imóvel, cujo custo foi suportado por T…, a C... não se encontrava criada de direito, pois tal C... apenas foi constituída de facto e não de direito devido à lei vigente, que havia declarado a dissolução de congregações religiosas. Mais ficou provado que, devido ao clima de instabilidade, T… manteve a propriedade em nome próprio, com a finalidade de evitar a apropriação dos respectivos bens – entre os quais este imóvel – pelo Estado, (facto 46), pelo que este facto deve ser modificado, suprimindo a expressão “dissolução da C…”.
Y- Referente ao ponto 7 dos Temas da Prova, importa referir, no que a este tema da prova respeita, que do depoimento da testemunha R...e documentos juntos aos autos, resultou que o Estado manteve a posse do imóvel desde 1910, data da ocupação, e ali instalou serviços tutelares de menores, que se mantiveram na parte do imóvel não ocupada pela C... após o acordo referido em 43., até 1995, data em que a indicada testemunha deixa de trabalhar no Instituto de Reinserção Social. Desconhece a testemunha o que se passou a partir de 2001, sendo certo que o protocolo mencionado em 43. deixou de vigorar a partir desta data, como decorre dos diversos depoimentos das testemunhas do Autor e da Ré Reconvinte.
Z- No que respeita ao depoimento da testemunha do Autor, Dra. MG…, jurista da Direção Geral de Património em 2001, que terá auxiliado o Ministério Público na recolha da documentação para instruir a presente ação, a douta sentença recorrida enferma de um lapso, ao justificar a motivação da decisão de facto, identificando incorrectamente a descrição registral a favor de T…, como a seguir se transcreve: “ tendo encontrado o registo nº … a favor de T… mas também um datado de 1940, mediante o qual o Estado havia registado parte do edificado” .Ora, da descrição referente ao imóvel reivindicado, que consta da Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com a aquisição registada a favor de T…, por compra, e de diversas pessoas por sucessão testamentária é a nº … da freguesia de … e não a “nº …”, como incorrectamente vem mencionado na douta sentença recorrida. (cfr. Depoimento de MG… -(Acta de 08/10/2021 - Gravação: 00m 04s a 50m 47s) acima transcrito.
AA- Quanto ao oitavo Tema da Prova, vem a Mmª Juiz considerar que o ponto 44. dos factos provados responde a esta questão, mas, salvo entendimento diverso, o ponto 44. não é explícito em relação ao que neste ponto se pretende fazer valer, tanto mais que a C... só em 1990 é que entra a ocupar parte do imóvel e tal facto é ali referido, além deste ponto ter vindo a ser reformulado por força da reapreciação da matéria de facto e deixar, por isso, de corresponder ao pretendido.
BB- Da análise da documentação constante dos autos, a Mma. Juiz deu como assente que “T… apresentou a reclamação que se encontra junta aos autos a fls. 350 a 391” (pontos 48 a 51. dos factos provados), cujo objecto era o imóvel cuja restituição e direito de propriedade reclama, o descrito na Certidão predial de fls. 143 e fls. 1132, relativa a registo do prédio (urbano, sito em …, Estrada de …, omisso à matriz) referido em 1., realizado na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …”, todavia, como consta do ponto 51. – atenta a data ali mencionada – (12-08-1908), tal documento não pode constituir, como preconizado pela Mmª Juiz, “a decisão final sobre a reclamação / petição apresentada por T… no sentido de indeferimento da mesma”, sendo tal facto, assim enunciado, irrelevante para prova do indeferimento da reclamação apresentada por T…, ficando prejudicados os temas da prova nos pontos 9 e 10.
CC- No clima de instabilidade existente, e sobejamente conhecido como nos ensina a História, dificilmente estaria na disponibilidade de T… ir mais longe do que foi, sem prescindir que ela tenha efectivamente prosseguido judicialmente e não se tenham encontrado documentos que o comprovem, tal como não constam dos autos documentos que comprovem afinal a decisão final sobre a sua reclamação, e muito menos documentos que provem o arrolamento por parte do Estado, concretamente deste imóvel, no entanto, - decorrente dos actos de ocupação praticados pelo Estado, - o Tribunal dá como provada a decisão final sobre a reclamação, datada de mais de dois anos antes do facto objecto da mesma, e não coloca em causa tal apropriação, convicção que se impugna por não ter qualquer suporte probatório.
DD- Para prova do ponto 11 dos Temas da Prova, segundo as testemunhas da Ré Reconvinte (A… e H…), ainda em 1910, T…, e não a “C…” foi expulsa do imóvel e o Estado tomou posse do mesmo, mediante ocupação. No documento de fls. 444, T… pede a entrega de bens pessoais que ficaram no palácio, em 16.08.1911, pelo que é notório que nesta data não tinha acesso ao mesmo. Acresce que na reclamação apresentada T… reconhece ainda que o imóvel foi “arrolado” na sequência de decreto de 8 de outubro de 1910. Ou seja, na data indicada o imóvel encontrava-se já ocupado pelo Estado, alegadamente, com fundamento no disposto no Decreto de 31 de dezembro de 1910.
EE- Em relação ao ponto 12 dos Temas da Prova, foi dado como provado que a constituição da C…, como consta do documento de fls. 321, data de 19.01.1955, tendo passado a ter a denominação de C… das Irmãs … desde 12.12.2000. No que respeita à existência jurídica, e é disso que se trata para justificar um arrolamento de um bem que é propriedade de T…, não assume qualquer relevância a data da alegada “constituição de facto” desta C..., porquanto o imóvel se manteve sempre na propriedade e na posse de T…
FF- Considerando o teor do depoimento da testemunha do Autor, Dra. MG…, entendemos não se ter fundamentado este tema da prova, resultando como não provadas as razões do Autor para tal inscrição matricial e registral, tanto mais que o imóvel se encontra devidamente descrito no registo predial, encontrando-se em vigor a aquisição por via testamentária a favor da C... e dos intervenientes nos autos.
GG- Atento o que supra ficou alegado, e das Conclusões aqui vertidas sobre os temas da
prova, há que proceder à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, conduzindo à decisão que infra se transcreve:
“A. Factos Provados:
1. Encontra-se descrito na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …, o prédio urbano, sito em Benfica, Estrada …, omisso à matriz – cfr. doc. de fls. 143 a 144. [A]
2. O prédio identificado em 1) encontra-se com aquisição inscrita pela ap. 1 de 1877/06/04 em nome de T… por compra a P… – cfr. doc. de fls. 143 a 144. [B]3. T…
e Sousa faleceu em 08/01/1916 – cfr. doc. de fls. 226. [C]
4. Tendo outorgado o testamento junto aos autos a fls. 220 a 225, em que designou como sua única e universal herdeira de todos os seus bens M… – cfr. doc. de fls. 220 a 225. [D]
5. M… faleceu em 17/07/1930 – cfr. doc. de fls. 233 a 235. [E] 6. Tendo outorgado o testamento de fls.229 a 232 em que institui como suas universais e únicas herdeiras dos seus bens, direitos e acções MJ…, D… e J… –cfr. doc.de fls. 229 a 232. [F]
7. MJ… faleceu em 18/02/1948 –cfr. doc. de fls. 241. [G]
8. Tendo outorgado o testamento de fls. 236 a 239, em que instituiu como suas únicas e universais herdeiras Z…, MD… e D… – cfr. doc. de fls. 236 a 239. [H]
9. Z… faleceu em 24/05/1972 – cfr. doc. de fls. 249. [I]
10. Tendo outorgado o testamento de fls. 245 a 247, em que designou como sua única e universal herdeira a C…, aqui Ré – cfr. doc. de fls. 245 a 247. [J]
11. MD… faleceu em 22/06/1938 – cfr. doc. de fls. 254 a 256. [K]
12. Tendo outorgado o testamento de fls. 251 a 253, onde institui como sua única e universal herdeira JL…, ou, na sua falta, MP… – cfr. doc.de fls. 251 a 253. [L]
13. D… faleceu em 23/08/1941 – cfr. doc. de fls. 261 a 263. [M]
14. Tendo outorgado o testamento de fls. 257 a 260, tendo instituído como suas únicas e universais herdeiras ML…, MA… e AC… – cf. doc. de fls. 257 a 260. [N]
15. ML… faleceu em 30/11/1973 – cfr. doc. de fls. 268 a 269. [O]
16. Tendo outorgado o testamento de fls. 264 a 267, em que institui como sua única e universal herdeira a C…, ora Ré – cfr. doc. de fls. 264 a 267. [P]
17. MA… faleceu em 31/03/1985 – cfr. doc. de fls. 275 a 277. [Q]
18. Tendo outorgado o testamento de fls. 271 a 274, onde institui como sua única e universal herdeira a C…, ora Ré – cfr. doc. de fls. 271 a 274. [R]
19. AC… faleceu em 29/11/1987 – cfr. doc. de fls.280 a 282. [S]
20. Tendo outorgado o testamento de fls. 278 a 279, em que institui como sua única e universal herdeira a C…, ora Ré – cfr. doc. de fls. 278 a 279. [T]
21. J… faleceu em 26/12/1936 – cfr. doc. de fls. 287 a 288. [U]
22. Tendo outorgado o testamento de fls. 283 a 286, em que institui como suas únicas e universais herdeiras LP… – cfr. doc. de fls. 283 a 286. [V]
23. LP… faleceu em 25/02/1939 – cfr. doc. de fls. 296 a 298. [W]
24. Tendo outorgado o testamento de fls. 290 a 295, em que instituiu como suas únicas e universais herdeiras ML… identificada em O) e MR… – cfr. doc. de fls. 290 a 295. [Y]
25. S… faleceu em 17/07/1980 – cfr. doc. de fls. 302 a 304. [X]
26. Tendo outorgado o testamento de fls. 299 a 301, em que institui como sua única e universal herdeira a C…, ora Ré – cfr. doc. de fls. 299 a 301. [Z]
27. Por escritura pública de 27/02/1970 foram celebradas as habilitações de herdeiros de MS…, J…, D…, MJ…, L… e MR… – cfr. doc. de fls.305 a 315. [AA]
28. T… apresentou a reclamação que se encontra junta aos autos a fls. 350 a 391. [AB]
29. No registo do prédio (urbano, sito em …, Estrada de …, omisso à matriz) referido em 1., realizado na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º … a respectiva descrição consiste no seguinte: “COMPOSIÇÃO E CONFRONTAÇÕES: - Quinta com palácio, páteo de entrada, capelas, casas de caseiro e de administrador, abegoaria, palheiro, cavalariças, cocheiras, casa da guarda e outra próxima, oficinas, jardim com seus lagos e cascatas, pomar, árvores de sombra, águas de poços com engenho real, dita corrente tanto no palácio como na parte rústica, proveniente de minas e nas terras denominadas Casaes. Após a expropriação para a linha férrea de Sintra ficou dividido em dois prédios, sendo um a poente que confronta a norte com a cerca do Convento …; sul e poente com Estrada Pública e nascente com linha férrea, tendo sido construída uma casa junto ao antigo palácio, dentro da quinta, de rés-do-chão e três andares, com entrada independente e com o valor venal de 9.000$00, e outra no Largo de …, à entrada do páteo do Palácio, com frente para o Largo e para quinta para onde tem serventia, de rés-do-chão e 1º andar e com o valor venal de 6.000$00; outro a nascente que confronta do norte com propriedade de M…, sul e nascente Estradas Públicas, poente linha férrea. (conforme transcrição do nº 5004, fls. 129v. do B-.. da 2ª Conservatória).
30. Encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º…; correspondente ao art.º 200 da Freguesia de … (antigo art.º 1205 da Freguesia de …), prédio misto, situado na Quinta de …, Travessa de …, com as seguintes confrontações: Nascente: Azinhaga do …; Norte: A…; Sul: Travessa de …; Poente: Estrada pública que vai da Travessa de … para a Rua de …; mais constando que foi destacado do descrito sob o n.º6392, fls. 158v, do Livro B-….
31. No prédio n.º… foi registada, pela Ap. 5 de 1940/08/05 a aquisição pelo Estado a Congregações Religiosas, por arrolamento.
32. O Prédio referido em 1), 29) e 30) dos factos localiza-se na freguesia de …, apresentando uma Área Total de 19967,20m2. Destes, 15638,85 são Área Descoberta, e 4438,35 são Área Coberta que se divide por 12 edifícios apresentando entre 1 a 3 pisos, tais como capela, átrios, salas, quartos, casas de banho, refeitórios e tereno de logradouro que inclui construções devolutas, pomar e lago, delimitado na envolvente por muro de alvenaria ou gradeamento. Pode-se aceder ao prédio através de dois portões que dão directamente para o Largo de …, ou três outros portões com acessos para a Rua de …, Travessa de … e Rua …. Norte: Rua … e Instituto Militar dos Pupilos do Exército Sul: Rua de … Nascente: Rua … e Rua … Poente: Instituto Militar dos Pupilos do Exército, Largo de … e Travessa de …
33. O imóvel foi adquirido por T… para aí estabelecer um colégio feminino, que foi efectivamente fundado e instalado.
34. Enquanto proprietária do imóvel, T… efectuou obras no mesmo.
35. T… pagou o seguro do imóvel relativo às anuidades de agosto de 1915 a agosto de 1916, e válido até final do ano de 1917.
36. Às datas de 5 e 8 de outubro de 1010, funcionava no imóvel o colégio feminino.
37. Em data que não se pode precisar, mas posterior a 8 de outubro de 1910 e anterior a 31 de dezembro de 1910, o imóvel foi ocupado pelo Estado português, mais concretamente, por forças militares, dali sendo retirados os então ocupantes.
38. Por Decreto de 20 de julho de 1912, o Estado, através da Comissão Jurisdicional dos Bens das Extintas Congregações Religiosas, cedeu o imóvel, a título precário, à Escola Central de Reforma.
39. Em 16 de novembro de 1926, por Decreto nº.12.686, o imóvel foi destinado à instalação do Reformatório de Lisboa – sexo feminino – onde ainda se encontrava instalado em 10 de maio de 1950.
40. Em 1950, por Decreto nº37.813, de 10 de maio, foram cedidos, a título definitivo, à Câmara Municipal de Lisboa, cerca de 5.850m2 de terreno do mesmo prédio.
41. Na sequência do protocolo celebrado em 84/05/18 foram cedidas, a título definitivo, ao Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa, três parcelas de terreno, com a área aproximada de 1.100m2.
42. A ré C… já por várias vezes apresentou reclamações, reivindicando a propriedade do imóvel, mas as suas pretensões foram sempre indeferidas.
43. Mediante acordo celebrado entre a Direção Geral dos Serviços Tutelares de Menores e a C..., ora ré, homologado por despacho do ministro da Justiça de 04.09.1989 e da Secretária de Estado do Orçamento de 18.10.1990, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, foi estipulado, para além do mais:  - Cláusula 1.ª: “É entregue à C... a administração do Lar de …, estabelecimento polivalente do sexo feminino, (…)”; - Cláusula 7.ª/1: “Fica igualmente a cargo da C... a administração e funcionamento da creche instalada no primeiro andar da chamada “residência do capelão”, (…)”;
- Cláusula 8.ª/1: “Em contrapartida de ação e encargos assumidos pela C…, a direção Geral assume os compromissos os compromissos a seguir discriminados e que são de duas ordens: - Cedência do uso de instalações; -
Prestações pecuniárias.” - Cláusula 8.ª/4: “A C… fica autorizada a proceder, a suas expensas, à restituição do edifício à traça primitiva, incluindo a capela e respetivo coro, realizando para tanto as obras que se mostrarem necessárias.” - Cláusula 8.ª/5: “A Direção Geral assume o compromisso do pagamento dos seguintes subsídios: (…)”.
- Cláusula 8.ª/6: “A Direção Geral contribuirá, sempre que se mostre necessário e justificado, com subsídios eventuais para obras de conservação ou adaptação das instalações do Lar e da creche, bem como para complemento dos respetivos equipamentos.”
44. Desde a data referida em 38., e à excepção da parte ocupada em função do acordo referido em 43., o imóvel veio sendo utilizado pelos serviços tutelares de menores, entretanto denominado Instituto de …, casa da … e Casa do …, até 2000.
45. O Estado ocupa o imóvel na convicção de que é o respectivo proprietário.
46. T… manteve a propriedade em nome próprio, com a finalidade de evitar uma possível apropriação dos respectivos bens – entre os quais este imóvel – pelo Estado.
47. Desde que passou a ocupar parte do imóvel, no âmbito do acordo referido em 43., até 2000, a C... realizou e custeou extensas obras nos espaços referidos na Cláusula 8.ª/4., e a partir de 2001, data em que a C... passou a ocupar a totalidade do imóvel reivindicado, realizou e custeou extensas obras de restauro, conservação e manutenção em todos os espaços do edifício, de modo a que estes se mostrem adequados à função a que actualmente se destinam.
48. Em data que se desconhece, mas anterior a 30 de março de 1911, T...peticionou, nos termos do art.º 8º e seguintes do Decreto de 31 de dezembro de 1910, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o imóvel, arrolado pelo Estado, e por si adquirido em 28 de abril de 1877, conforme documento de fls. 355, cujo teor se dá por
reproduzido.
49. Por ofício datado de 30 de março de 1911, subscrito pelo Delegado do Procurador da República e remetido ao Secretário da Comissão nomeada pela Portaria de 27.12.1910, foi reenviada a petição de T… ao abrigo do art.º 10º do Decreto de 31 de dezembro de 1910, com a informação de que não possui elementos convincentes para
emitir informação segura, mas que é de parecer ser aplicável a doutrina dos artigos 4º, 5º, e 6º do Decreto de 31 de dezembro de 1910.
50. Em declaração datada de 27 de julho de 1911, ficou a constar que “Acordam os da Comissão Jurisdicional dos Bens das Congregações Religiosas, pelos fundamentos das primeira, terceira e quarta moções que fizeram vencimento, em julgar improcedente a reclamação de D.ª T…”.
51. Mediante despacho do Delegado do Procurador da República, datado de 12 de agosto de 1908, foi decidido: “Vistos estes autos de reclamação graciosa, nos termos do Dec. de 31-12-1910, em que D. T… pede a entrega do palácio e quinta de S. … em que esteve instalado o collegio congregacionista de S. José; e tendo em consideração o lúcido parecer que antecede da Comissão Jurisdicional com o qual me conformo e cujas razões dou como reproduzidas aqui; - julgo improcedente a sobredita reclamação. Intime e em seguida entregue-me o processo.”
52. Em 20.04.1911 o prédio identificado em 1) era ocupado pelo Estado, com fundamento no disposto no Decreto de 31 de dezembro de 1910.
53. Em 19.01.1955 foi formalmente e de direito constituída a C…, que passou a ter a denominação de C… das Irmãs … desde 12.12.2000.
54. A referida C…, todavia, já se encontrava informalmente constituída desde 1866-1868.”
55. A Ré C…, desde 2001, vem ocupando o imóvel reivindicado com a convicção de lhe pertencer, por sucessão testamentária.
“B. Factos Não Provados
Não se provou qualquer outro facto para além dos elencados:
Concretamente, e no que respeita ao alegado em:
- Artigo 18º PI e decisão judicial junta: não se refere ao imóvel em causa nestes autos nem a T…, adquirente do mesmo.
- Artigos 176º, 177º da contestação, na parte relativa às intenções de T… em não transmitir o imóvel, por via sucessória, à C…; ou instruções que tenha transmitido à sua sucessora.
- Artigos 114º a 116º da réplica, por não se encontrar documentado este acordo.
- Que T… tenha reagido judicialmente contra a decisão referida em 51.”
HH- Fixada a matéria de facto, após a sua reapreciação e modificação, outra tem de ser, necessariamente, a douta decisão de Direito, estribada na prova produzida.
II- A C… vem, na presente ação, pedir que lhe seja reconhecida a propriedade e a posse, bem como todos os direitos reais inerentes à propriedade, por sucessão testamentária, ou por usucapião, do prédio descrito na ficha n.º … da freguesia de …, em Lisboa.
JJ- Ficou provado, em resultado da perícia e levantamento topográficos, juntos nos autos e aceites pelas partes, que, rectificadas as áreas, composição e confrontações, de acordo com referido relatório pericial e o levantamento topográfico, este prédio corresponde ao imóvel inscrito no Serviço de Finanças Lisboa 5, sob o artigo 200, referido em A) cuja sanação registral o Autor Reconvindo vinha pedir, e que improcedeu, tendo motivado o pedido reconvencional da C..., cuja procedência se defende, verificando-se uma duplicação de registos. (pontos 1; 29; 30; 31º e 32º dos factos provados).
KK- Ficou provado, que T... adquiriu o referido imóvel em 1877, que fez obras, e que se manteve sempre na titularidade do imóvel, que ali residia e tinha instalado um colégio feminino, que mesmo desapossada do imóvel continuou sempre a pagar o seguro, reclamou do acto de ocupação pelo Estado, que transmitiu o imóvel de sua propriedade, por testamento à sua sobrinha MS…, aberto em 08/01/1916 quando da sua morte, pelo que, desde a sua aquisição até à sua morte, tal imóvel sempre lhe pertenceu e nunca foi transmitido a qualquer C... religiosa, razão pela qual não deveria ter sido objecto de arrolamento por parte do Estado. (pontos: 2; 3; 4; 28; 33; 34; 35; 36; 37; dos factos provados).
LL- Ficou provado que, por transmissão sucessória, a C…, é proprietária, em comum e sem determinação de parte ou direito, com os Herdeiros incertos de MR… e Herdeiros incertos de JL…, do imóvel reivindicado na presente ação. (pontos 5 a 27 dos factos provados).
MM- Ficou provado que a C..., ora RECORRENTE, desde que lhe foi permitido ocupar o imóvel, inicialmente contra a celebração de um protocolo alegadamente a título precário, apenas em parte, e a partir de 2001, na sua totalidade, nunca mais deixou de o habitar e utilizar, aí realizando todas as obras de restauro, conservação e manutenção necessárias ao fim a que se destina, nomeadamente a Casa Mãe, que é a residência das Irmãs, Creche de São J…, Museu, Lar Madre T...(em apoio ao Estado). (pontos
NN- Andou mal o Estado quando, por força do decreto de 8 de outubro de 1910 decretou o arrolamento do imóvel que era propriedade de T...e respectivos bens ali existentes, pois que se tratava de uma propriedade particular, onde era gerido um colégio feminino, gerido e administrado pela própria T…, e, por tais razões, não cabia na classificação do art.º 1º do mencionado decreto, logo não poderia ter sido arrolado, como foi.
OO- O imóvel em causa, adquirido por T…, não cabe no âmbito da legislação invocada pelo Estado para fazer valer o seu direito ao arrolamento decretado, porque à data estava ocupado pela sua proprietária, que ali residia, a própria T…, onde funcionava um colégio por si fundado e por si gerido e administrado.
PP- Assim, o acto de “expropriação” praticado pelo Estado, traduzido na ocupação e expulsão da sua proprietária, T…, e demais pessoas que, com ela trabalhavam, é ilegal, não conferido ao Estado o direito a que se arroga, por ser nulo, acarretando ineficácia e, consequentemente, confere às legítimas sucessoras de T…, por via testamentária, o direito a reivindicar a sua propriedade e ver reconhecido o seu legítimo direito, por violação do direito, consagrado constitucionalmente, à propriedade privada.(cf. artigo 62.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).
QQ- Se é certo que o direito à propriedade privada é susceptível de compressão, sempre que se regista a necessidade de recurso à expropriação por utilidade pública, mesmo a expropriação por utilidade pública restringe-se, por imperativo constitucional, vertido no n.º 2 do preceito invocado supra, aos casos previstos na lei e mediante o pagamento de “justa indemnização”. Princípio constitucional que é também acolhido na legislação ordinária, estatuindo o artigo1310.º do Código Civil que havendo expropriação é sempre devida a “indemnização adequada” ao proprietário e aos titulares de outros direitos reais por ela afectados, o que não se verificou no caso em apreço.
RR- Veio a douta sentença a considerar que o direito que a Ré-reconvinte vem exercer nos autos se encontra extinto, por caducidade, por o prédio referido em A) ter sido arrolado e por D. T... não ter interposto qualquer ação contenciosa no prazo de 30 dias após a reclamação graciosa por si apresentada.
SS- Não ficou provada a existência de qualquer documento que comprove a formalização do acto de arrolamento praticado pelo Estado sobre o imóvel objecto do pedido reconvencional, não podendo, por isso considerar-se consolidada a situação da transmissão da posse e propriedade do imóvel identificado em A) para o Estado, tanto mais que, durante noventa anos, manteve-se registado o imóvel a favor de T... e foram sendo registados, sucessivamente, os respectivos testamentos e habilitações dos herdeiros por via sucessória, sem que o Estado manifestasse qualquer oposição.
TT- Ora, como decorre dos factos provados nos pontos 48. a 51., ficou provado que, nos termos do previsto no art.º 3º e art.º 7º e seguintes do decreto de 31 de dezembro de 1910, T…, procurou reivindicar os bens apropriados, lançando mão de tal procedimento, mediante reclamação perante o Ministério Público, mas não ficou provado o teor da decisão final sobre a reclamação apresentada por T…, porquanto um documento datado de dois anos antes da prática do acto objecto da reclamação não corresponde, certamente à decisão final sobre tal reclamação.
UU- Pelo que a falta de prova da reação de T… a uma alegada decisão final sobre a sua reclamação, é irrelevante e destituída de qualquer importância para a decisão da presente causa.
VV- Tanto mais, porque, conforme supra alegado, o imóvel, ilegitimamente arrolado, não cabia no âmbito do decreto de 31 de dezembro de 1910, pelo que a não interposição de ação por T...não poderia determinar a perda do seu direito, logo a consequência não poderia ser, como referido no art.º19º daquele decreto, a “consolidação do direito do Estado sobre o imóvel”, por, na génese do arrolamento estar um acto sem enquadramento legal, logo ferido de nulidade e ineficaz.
WW- Em face do alegado, tem de improceder a alegada excepção de caducidade do direito de T…, pelo que, quer quando elaborou e outorgou o seu testamento, quer à data da sua morte, T… era proprietária do imóvel, cabendo-lhe, por força da titularidade de tal direito, exercer sobre o mesmo quaisquer atos de disposição, o que fez através de testamento.
XX- O acto de arrolamento praticado pelo Estado em 1910, por se tratar de um ato ilegal, encontra-se ferido de nulidade, pelo que, atento o conceito de nulidade previsto no Código Civil: “Nulidade é a sanção imposta pela lei aos actos e negócios jurídicos realizados sem a observância dos requisitos essenciais, impedindo-se de produzir os efeitos que lhes são próprios”, é nulo e ineficaz “erga omnes”.
YY- A Ré Reconvinte, por diversas vezes reivindicou junto do Estado a propriedade do imóvel, na firme convicção de que o imóvel lhe pertence, pelas razões supra invocadas, como se encontra provado, pelo que, consequentemente, mantém, a par dos Intervenientes, como sucessores de T…, o direito em ver judicialmente reconhecido o seu direito de propriedade, por transmissão sucessória, o que fizeram por via do pedido reconvencional apresentado na presente ação.
ZZ- Pedido que não é extemporâneo, considerando que a nulidade pode ser invocada a todo o tempo. (Art.º 286º do Código Civil).
Apresentadas as Conclusões da Recorrente, de cuja extensão se penaliza, mas que entende justificada, atenta a complexidade dos autos e a necessidade de proceder ao enquadramento dos factos em apreço, cuja reapreciação requer e espera de V. Exas.
Deve, pois, ser dado provimento ao presente RECURSO, vindo, a final:
- a ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por douto Acórdão que julgue procedente o pedido reconvencional apresentado pela Ré Reconvinte, ora RECORRENTE, decidindo que a Ré Reconvinte adquiriu o direito de propriedade sobre o prédio descrito na ficha n.º … da freguesia de …, rectificadas as áreas, composição e confrontações, de acordo com o relatório pericial e o levantamento topográfico, por transmissão sucessória, declarando reconhecida a sua propriedade, em comum e sem determinação de parte ou direito, com os Herdeiros incertos de MR… e Herdeiros incertos de JL…; condenando o Autor a reconhecer tal direito de propriedade, abstendo-se de praticar atos que coloquem em causa tal direito.
O Réu contra-alegou concluindo que:
«1º Considera-se inteiramente provado quais os motivos que justificaram a aquisição pelo Estado do prédio, objecto do presente pleito, invocados na Ap. 5 de 5/8/1940 “aquisição pelo Estado a Congregações Religiosas por arrolamento, bem como o fundamento legal que levou a que o registo tenha sido lavrado, dando-se aqui por reproduzido o conteúdo do que já se explanou e alegou nas alíneas a) a h).
2º O registo lavrado pelo Estado Português é válido, não sofrendo de qualquer nulidade.
3º O Arrolamento do imóvel efectuado pelo Estado (Reconvindo) em 20 de Abril de 1911, deve ter-se por legalmente efectuado.
4º Este imóvel – Colégio e Quinta de …, ou Palácio … ou Quinta da … - descrito na 5ª conservatória do Registo Predial sob o nº…, a fls. 129-v, do Livro B-.., foi confiscado e arrolado para o Estado em 20 de Abril de 1911, pelo Juiz da 6ª Vara, em execução do Decreto de 8 de Outubro de 1910 e da Portaria de 21 de Outubro do mesmo ano, e que actualmente corresponde ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº …, da freguesia de Benfica.
5º A reclamação contra o arrolamento foi efectuada a 14 de Novembro de 1910, ainda antes da entrada em vigor do Decreto de 31 de Dezembro de 1910;
6º O art.º 5º do Decreto de 31 de Dezembro de 1910 estabelecia ainda a presunção de pertencerem às casas ou associações religiosas todos os bens, ainda que esses bens se encontrassem em nome de interposta pessoa, nomeadamente os respectivos membros.
7º Este imóvel era de facto ocupado por uma Ordem Religiosa, as Irmãs Terceiras Dominicanas, sendo propriedade da sua fundadora, pelo que era susceptível de arrolamento.
8º Arrolados os bens, este mesmo Decreto possibilitava àquele que se julgasse com direito aos bens, a sua reclamação.
9º Este processo, a que se chamou” Reclamação Graciosa” nos termos do art.º 7º do Decreto de 31 de Dezembro de 1910, constituía pressuposto para a propositura de acção de reivindicação contra o Estado.
10º As reclamações deveriam ser efectuadas até 30 de Junho de 1911. Nos termos do seu art.º 8º quem se julgasse com direito aos bens arrolados, deveriam apresentar petição dirigida ao Delegado do Procurador.
11º D. T… formulou reclamação nos termos dos artigos 7º e 8º do Decreto de 31 de Dezembro de 1910, a qual foi indeferida.
12º Contudo, não intentou qualquer acção destinada à recuperação do imóvel conforme o que prescrevia o art.º 7º e segs. do referido diploma, pelo que o imóvel foi, nos termos do § único do art.º 18º do Decreto de 31 de Dezembro de 1910, incorporado definitivamente nos bens da Fazenda Nacional.
13º Assim consolidou-se o direito de propriedade do Estado sobre o imóvel, caducando o direito dos sucessores de D. T… em ver reconhecido o direito de propriedade por transmissão sucessória -D. T… não o podia deixar em testamento, uma vez que não era sua proprietária.
14º O título de aquisição do Estado, não enferma de qualquer vício gerador de nulidade, sendo o seu legítimo proprietário.
15º A titularidade que a este imóvel o Estado pretende ver reconhecida nestes autos,- “Quinta da … ou de…“ - descrito sob o nº …./19980413, da freguesia de …, na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, já estava registado a seu favor desde 5 de Agosto de 1940, sob o nº …, da freguesia de … , na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com a designação “Quinta de …”.
16º Atente-se que o Colégio dirigido por D. T… neste imóvel se denominava “Colégio de …” razão pela qual o registo foi lavrado recorrendo designação de Quinta de … e não à de Quinta da … ou de ….
17º Aquando da entrada em vigor do Dec. Lei 30615, de 25 de Julho de 1940 reconheceu a propriedade da Igreja Católica em Portugal sobre os bens que, à data de 1 de Outubro de 1911, lhe pertenciam e que estivessem na posse do Estado, salvo se afectos a serviços públicos ou classificados como monumentos nacionais ou de interesse público – art.ºs 41º e 42º. Este Dec. Lei é aplicável aos bens que pertenciam à Igreja Católica e não aos das ordens religiosas e que foram arrolados a coberto da Lei nº 420, de 20 de Abril de 1911, também conhecida por Lei da Separação do Estado e das Igrejas.
18º Bem andou a douta sentença recorrida quando diz que que: “Defende, ainda, a ré a ilegalidade do arrolamento, porquanto o imóvel em causa não se encontra abrangido pelo previsto no Decreto de 8 de Outubro de 1910 visto ser propriedade de um particular; e não se encontrar abrangido pelo disposto no Decreto de 31 de dezembro de 1910, na medida em que este se aplica aos arrolamentos realizados na sequência do anterior. “Em primeiro lugar, há que dizer que a arguição de ilegalidade é manifestamente extemporânea, face ao que já se deixou exposto supra. Com efeito, e conforme se encontra expressamente previsto no art.º 3º do Decreto de 31 de dezembro de 1910, estava previsto um procedimento para que qualquer pessoa, que a isso se julgasse com direito, reivindicasse os bens arrolados. Conforme já se concluiu, D. T… lançou mão do procedimento de reclamação graciosa, que foi indeferido, inexistindo prova que tenha reagido judicialmente. Face ao exposto, e conforme decorria claramente da lei em vigor (cf. art.º 19º), consolidou-se o direito de propriedade do Estado sobre o imóvel. Ainda que assim se não entendesse, pensa-se que da leitura dos já citados artigos do Decreto de 8 de outubro de 1910 e 31 de dezembro de 1910 (artigos 1.º, 3.º e 5.º) resulta que o ato foi praticado em conformidade com o ali disposto.”
19º O imóvel podia ser arrolado por se encontrar abrangido pelo Decreto de 8 de Outubro de 1910 e, ainda, por se subsumir na presunção prevista no art.º 5º do Decreto de 31 de Dezembro de1910, que estabelecia a presunção de pertencerem às respectivas casas ou associações religiosas todos os bens, ainda que esses bens se encontrassem em nome de interposta pessoa, nomeadamente, os respectivos membros;
20º D. T...apresentou reclamação contra o arrolamento e, por despacho do Delegado do Procurador da República, datado de 12 de agosto de 1911 (e não de 1908, como, por mero lapso, é referido na douta sentença, no ponto 51), foi decidido: “Vistos estes autos de reclamação graciosa, nos termos do Dec. de 31-12-1910, em que D. T… pede a entrega do palácio e quinta de … em que esteve instalado o collegio congregacionista de S. J…; e tendo em consideração o lúcido parecer que antecede da Comissão Jurisdicional com o qual me conformo e cujas razões dou como reproduzidas aqui; - julgo improcedente a sobredita reclamação. Intime e em seguida entregue-me o processo.”
21º Face ao indeferimento da reclamação graciosa, competia ao reclamante intentar a respectiva acção, no prazo de 30 dias a contar da intimação do despacho de indeferimento ou no prazo de seis meses, no caso de não ser intimado da respectiva decisão;
22º Ora, não tendo sido proposta qualquer acção destinada à recuperação do imóvel, nos termos dos art.ºs 7.º e segs. do citado Decreto, a titularidade do mesmo na esfera jurídica do Estado consolidou-se;
23º A Recorrente tem utilizado o imóvel do Estado com o assentimento e tolerância deste, não mais podendo invocar do que a qualidade de mera detentora, sendo assim possuidora em nome de outrem, em conformidade com o art.º 1253.º, al. c), do Código Civil, pelo que não pode adquirir para si, por usucapião, o direito de propriedade − cfr. art.º 1290.º do Código Civil –.
24º Devendo os encargos que tem suportado com a conservação do imóvel reconduzir-se à responsabilidade que recai sobre as entidades afectatárias de imóveis do Estado, constituindo esta responsabilidade a contrapartida pela sua utilização.
25º Deste modo, e inexistindo qualquer fundamento para que a Recorrente possa ser indemnizada, bem decidiu o Tribunal a quo, em julgar improcedente e não provado a presente pedido reconvencional, absolvendo o Estado Reconvindo do pedido.
26º Nestes termos, deverá ser confirmada a sentença recorrida e reconhecida a titularidade do Estado relativamente ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …, da freguesia de …, e que se encontra duplicado na mesma Conservatória sob o n.º …, da freguesia de …, com registo de aquisição
a favor do Estado pela Ap. 5 de 1940.
Deve ser mantida a douta sentença recorrida que não ofendeu quaisquer preceitos legais e ser negado provimento ao recurso, por ser de lei e justiça.».
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto:
- É de alterar os factos a ter em conta na decisão, correspondentes aos pontos 33., 44., 46., 47. e 55., nos termos preconizados pela recorrente;
- É de considerar a propriedade e a posse do imóvel inicialmente por T… que o transmitiu por sucessão à ré reconvinte, quer pelo exercício contínuo dos actos de posse correspondentes ao reconhecimento da propriedade, quer ainda pela nulidade ou ilegalidade do acto de arrolamento levado a cabo pelo Estado Português, por inexistir caducidade desse direito conferido à apelante.
*
II. Fundamentação:
No Tribunal recorrido foram considerados provados os seguintes Factos:
1. Encontra-se descrito na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º 2…., o prédio urbano, sito em …, Estrada de …, omisso à matriz – cfr. doc. de fls. 143 a 144. [A]
2. O prédio identificado em 1) encontra-se com aquisição inscrita pela ap. 1 de 1877/06/04 em nome de T… por compra a P… – cfr. doc. de fls. 143 a 144. [B]
3. T… faleceu em 08/01/1916 – cfr. doc. de fls. 226. [C]
4. Tendo outorgado o testamento junto aos autos a fls. 220 a 225, em que designou como sua única e universal herdeira de todos os seus bens MS… – cfr. doc. de fls. 220 a 225. [D]
5. MS… faleceu em 17/07/1930 – cfr. doc. de fls. 233 a 235. [E]
6. Tendo outorgado o testamento de fls.229 a 232 em que institui como suas universais e únicas herdeiras dos seus bens, direitos e ações MJ…, D… e J… – cfr. doc.de fls. 229 a 232. [F]
7. MJ… faleceu em 18/02/1948 –cfr. doc. de fls. 241. [G]
8. Tendo outorgado o testamento de fls. 236 a 239, em que instituiu como suas únicas e universais herdeiras Z…, MD… e D… – cfr. doc. de fls. 236 a 239. [H]
9. Z… faleceu em 24/05/1972 – cfr. doc. de fls. 249. [I]
10. Tendo outorgado o testamento de fls. 245 a 247, em que designou como sua única e universal herdeira a C…, aqui Ré – cfr. doc. de fls. 245 a 247. [J]
11. MD… faleceu em 22/06/1938 – cfr. doc. de fls. 254 a 256. [K]
12. Tendo outorgado o testamento de fls. 251 a 253, onde institui como sua única e universal herdeira JL…, ou, na sua falta, MP… – cfr. doc.de fls. 251 a 253. [L]
13. D… faleceu em 23/08/1941 – cfr. doc. de fls. 261 a 263. [M]
14. Tendo outorgado o testamento de fls. 257 a 260, tendo instituído como suas únicas e universais herdeiras ML…, MA… e AC… – cf. doc. de fls. 257 a 260. [N]
15. ML… faleceu em 30/11/1973 – cfr. doc. de fls. 268 a 269. [O]
16. Tendo outorgado o testamento de fls. 264 a 267, em que institui como sua única e universal herdeira a C…, ora Ré – cfr. doc. de fls. 264 a 267. [P]
17. MA… faleceu em 31/03/1985 – cfr. doc. de fls. 275 a 277. [Q]
18. Tendo outorgado o testamento de fls. 271 a 274, onde institui como sua única e universal herdeira a C…, ora Ré – cfr. doc. de fls. 271 a 274. [R]
19. AC… faleceu em 29/11/1987 – cfr. doc. de fls.280 a 282. [S]
20. Tendo outorgado o testamento de fls. 278 a 279, em que institui como sua única e universal herdeira a C…, ora Ré – cfr. doc. de fls. 278 a 279. [T]
21. J… faleceu em 26/12/1936 – cfr. doc. de fls. 287 a 288. [U]
22. Tendo outorgado o testamento de fls. 283 a 286, em que institui como suas únicas e universais herdeiras L… – cfr. doc. de fls. 283 a 286. [V]
23. L… faleceu em 25/02/1939 – cfr. doc. de fls. 296 a 298. [W]
24. Tendo outorgado o testamento de fls. 290 a 295, em que instituiu como suas únicas e universais herdeiras ML… identificada em O) e MR… – cfr. doc. de fls. 290 a 295. [Y]
25. Susana Pereira faleceu em 17/07/1980 – cfr. doc. de fls. 302 a 304 [X]
26. Tendo outorgado o testamento de fls. 299 a 301, em que institui como sua única e universal herdeira a C…, ora Ré – cfr. doc. de fls. 299 a 301. [Z]
27. Por escritura pública de 27/02/1970 foram celebradas as habilitações de herdeiros de MS…, J…, D…, MJ…, L… e MR… – cfr. doc. de fls.305 a 315. [AA]
28. T… apresentou a reclamação que se encontra junta aos autos a fls. 350 a 391. [AB]
29. No registo do prédio (urbano, sito em …, Estrada …, omisso à matriz) referido em 1., realizado na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …, a respectiva descrição consiste no seguinte:
“COMPOSIÇÃO E CONFRONTAÇÕES:
- Quinta com palácio, páteo de entrada, capelas, casas de caseiro e de administrador, abegoaria, palheiro, cavalariças, cocheiras, casa da guarda e outra próxima, oficinas, jardim com seus lagos e cascatas, pomar, árvores de sombra, águas de poços com engenho real, dita corrente tanto no palácio como na parte rústica, proveniente de minas e nas terras denominadas Casaes.
Após a expropriação para a linha férrea de Sintra ficou dividido em dois prédios, sendo um a poente que confronta a norte com a cerca do Convento de …; sul e poente com Estrada Pública e nascente com linha férrea, tendo sido construída uma casa junto ao antigo palácio, dentro da quinta, de rés-do-chão e três andares, com entrada independente e com o valor venal de 9.000$00, e outra no Largo de …, à entrada do Páteo do Palácio, com frente para o Largo e para quinta para onde tem serventia, de rés-do-chão e 1º andar e com o valor venal de 6.000$00; outro a nascente que confronta do norte com propriedade de M…, sul e nascente Estradas Públicas, poente linha férrea. (conforme transcrição do nº 5004, fls. 129v. do B-.. da 2ª Conservatória)
30. Encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º 4854/20090529; correspondente ao art.º 200 da Freguesia de … (antigo art.º… da Freguesia de …), prédio misto, situado na Quinta de …, Travessa de …, com as seguintes confrontações: Nascente: Azinhaga do Milhões; Norte: A…; Sul: Travessa de …; Poente: Estrada pública que vai da Travessa de …para a Rua de …; mais constando que foi destacado do descrito sob o n.º…., fls. 158v, do Livro B-...
31. No prédio n.º… foi registada, pela Ap. 5 de 1940/08/05 a aquisição pelo Estado a Congregações Religiosas, por arrolamento.
32. O Prédio referido em 1), 29) e 30) dos factos localiza-se na freguesia de …, apresentando uma Área Total de 19967,20m2. Destes, 15638,85 são Área Descoberta, e 4438,35 são Área Coberta que se divide por 12 edifícios apresentando entre 1 a 3 pisos, tais como capela, átrios, salas, quartos, casas de banho, refeitórios e tereno de logradouro que inclui construções devolutas, pomar e lago, delimitado na envolvente por muro de alvenaria ou gradeamento. Pode-se aceder ao prédio através de dois portões que dão directamente para o Largo de …, ou três outros portões com acessos para a Rua de …, Travessa de … e Rua …
Norte: Rua … e Instituto Militar dos Pupilos do Exército
Sul: Rua de …
Nascente: Rua … e Rua de …
Poente: Instituto Militar dos Pupilos do Exército, Largo de … e Travessa de …
33. O imóvel foi adquirido por T… para aí estabelecer um colégio feminino, que foi efectivamente fundado e instalado, e cuja administração seria, como foi entregue à C…, por si fundada.
34. Enquanto proprietária do imóvel, T… efectuou obras no mesmo.
35. T… pagou o seguro do imóvel relativo às anuidades de agosto de 1915 a agosto de 1916, e válido até final do ano de 1917.
36. Às datas de 5 e 8 de outubro de 1010, funcionava no imóvel o colégio feminino.
37. Em data que não se pode precisar, mas posterior a 8 de outubro de 1910 e anterior a 31 de dezembro de 1910, o imóvel foi ocupado pelo Estado português, mais concretamente, por forças militares, dali sendo retirados os então ocupantes.
38. Por Decreto de 20 de julho de 1912, o Estado, através da Comissão Jurisdicional dos Bens das Extintas Congregações Religiosas, cedeu o imóvel, a título precário, à Escola Central de Reforma.
39. Em 16 de novembro de 1926, por Decreto nº.12.686, o imóvel foi destinado à instalação do Reformatório de Lisboa – sexo feminino – onde ainda se encontrava instalado em 10 de maio de 1950.
40. Em 1950, por Decreto nº37.813, de 10 de maio, foram cedidos, a título definitivo, à Câmara Municipal de Lisboa, cerca de 5.850m2 de terreno do mesmo prédio.
41. Na sequência do protocolo celebrado em 84/05/18 foram cedidas, a título definitivo, ao Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa, três parcelas de terreno, com a área aproximada de 1.100 m2.
42. A ré C… já por várias vezes apresentou reclamações, reivindicando a propriedade do imóvel, mas as suas pretensões foram sempre indeferidas.
43. Mediante acordo celebrado entre a Direção Geral dos Serviços Tutelares de Menores e a C…, ora ré, homologado por despacho do ministro da Justiça de 04.09.1989 e da Secretária de Estado do Orçamento de 18.10.1990, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, foi estipulado, para além do mais:
 Cláusula 1.ª: “É entregue à C… a administração do Lar de …, estabelecimento polivalente do sexo feminino, (…)”;
 Cláusula 7.ª/1: “Fica igualmente a cargo da C… a administração e funcionamento da creche instalada no primeiro andar da chamada “residência do capelão”, (…)”;
 Cláusula 8.ª/1: “Em contrapartida de ação e encargos assumidos pela C…, a direção Geral assume os compromissos os compromissos a seguir discriminados e que são de duas ordens: - Cedência do uso de instalações; - Prestações pecuniárias.”
 Cláusula 8.ª/4: “A C… fica autorizada a proceder, a suas expensas, à restituição do edifício à traça primitiva, incluindo a capela e respectivo coro, realizando para tanto as obras que se mostrarem necessárias.”
 Cláusula 8.ª/5: “A Direção Geral assume o compromisso do pagamento dos seguintes subsídios: (…)”.
 Cláusula 8.ª/6: “A Direção Geral contribuirá, sempre que se mostre necessário e justificado, com subsídios eventuais para obras de conservação ou adaptação das instalações do Lar e da creche, bem como para complemento dos respetivos equipamentos.”
44. Desde a data referida em 38., e à excepção da parte ocupada em função do Acordo referido em 43., o imóvel vem sendo utilizado pelos serviços tutelares de menores, entretanto denominado Instituto de …, Casa da … e, actualmente, Casa do ….
45. O Estado ocupa o imóvel na convicção de que é o respectivo proprietário.
46. T… manteve a propriedade em nome próprio, com a finalidade de evitar uma possível dissolução da C… e apropriação dos respectivos bens – entre os quais este imóvel – pelo Estado.
47. Desde que passou a ocupar parte do imóvel, no âmbito do acordo referido em 43., a C… realizou e custeou extensas obras nos espaços referidos na Cláusula 8.ª/4.
48. Em data que se desconhece, mas anterior a 30 de março de 1911, T... peticionou, nos termos do art.º 8º e seguintes do Decreto de 31 de dezembro de 1910, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o imóvel, arrolado pelo Estado, e por si adquirido em 28 de abril de 1877, conforme documento de fls. 355, cujo teor se dá por reproduzido.
49. Por ofício datado de 30 de março de 1911, subscrito pelo Delegado do Procurador da República e remetido ao Secretário da Comissão nomeada pela Portaria de 27.12.1910, foi reenviada a petição de T... ao abrigo do art.º 10º do Decreto de 31 de dezembro de 1910, com a informação de que não possui elementos convincentes para emitir informação segura, mas que é de parecer ser aplicável a doutrina dos artigos 4º, 5º, e 6º do Decreto de 31 de dezembro de 1910.
50. Em declaração datada de 27 de julho de 1911, ficou a constar que “Acordam os da Comissão Jurisdicional dos Bens das Congregações Religiosas, pelos fundamentos das primeira, terceira e quarta moções que fizeram vencimento, em julgar improcedente a reclamação de D.ª T…”.
51. Mediante despacho do Delegado do Procurador da República, datado de 12 de agosto de 1908, foi decidido: “Vistos estes autos de reclamação graciosa, nos termos do Dec. de 31-12-1910, em que D. T… pede a entrega do palácio e quinta de … em que esteve instalado o collegio congregacionista de S. José; e tendo em consideração o lúcido parecer que antecede da Comissão Jurisdicional com o qual me conformo e cujas razões dou como reproduzidas aqui; - julgo improcedente a sobredita reclamação. Intime e em seguida entregue-me o processo.”
52. Em 20.04.1911 o prédio identificado em 1) era ocupado pelo Estado, com fundamento no disposto no Decreto de 31 de dezembro de 1910.
53. Em 19.01.1955 foi formalmente e de direito constituída a CID…, que passou a ter a denominação de C… desde 12.12.2000.
54. A referida C…, todavia, já se encontrava informalmente constituída desde 1866-1868.
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Na sentença foram considerados como não provados os seguintes factos:
- Artigo 18º PI e decisão judicial junta: não se refere ao imóvel em causa nestes autos nem a T…, adquirente do mesmo.
- Artigos 176º, 177º da contestação, na parte relativa às intenções de T… em não transmitir o imóvel, por via sucessória, à C…; ou instruções que tenha transmitido à sua sucessora.
- Artigo 181º da contestação, no que se refere à convicção com que a Ré C… vem ocupando parte do imóvel, dado o alegado ser contraditório com o teor do acordo por si subscrito.
- Artigos 114º a 116º da réplica, por não se encontrar documentado este acordo.
- Que T… tenha reagido judicialmente contra a decisão referida em 51.
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Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e modificabilidade da mesma:
No âmbito da impugnação de facto estabelece o art.º 640.º do C.P.C. que:«(…), deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. E nos termos do nº 2 no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Pelo que o S.T.J. «tem vindo a sedimentar como predominante o entendimento de que as conclusões não têm que reproduzir (obviamente) todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões, diversamente do que sucede, por razões de objectividade e de certeza, com os concretos de facto sobre que incide a impugnação.» (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 771; cfr. ainda os Acs. do S.T.J. citados pelos Autores). Por outro lado, há que considerar que nos termos estabelecidos no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023, de 17/10/2023, publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14, se uniformizou a seguinte jurisprudência: “Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa.”
Acresce que se o recorrente impugna determinados pontos da matéria de facto, mas não impugna outros pontos da mesma matéria, estes não poderão ser alterados, sob pena de a decisão da Relação ficar a padecer de nulidade, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), 2ª parte, do C.P.C. É, assim, dentro destes limites objectivos que o art.º 662.º do C.P.C. atribui à Relação competências vinculadas de exercício oficioso quanto aos termos em que pode ser feita a alteração da matéria de facto, o mesmo é dizer, quanto ao modus operandi de tal alteração.
Outrossim no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido, tendo porém presente o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414º do C.P.C., nos termos do qual a «dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita». Conforme é realçado por Ana Luísa Geraldes («Impugnação», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I. Coimbra, 2013, pág. 609 e 610), em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte». E mais à frente remata: «O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialecticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.»
Assim, apesar de se garantir um duplo grau de jurisdição, tal deve ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no art.º 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.
De acordo com Miguel Teixeira de Sousa (in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347) “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
 Para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.
Porém, e apesar da apreciação em primeira instância construída com recurso à imediação e oralidade, tal não impede a «Relação de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida(…) Dito de outra forma, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, de modo a apreciar a sua convicção autónoma, que deve ser devidamente fundamentada» (Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, Alm. 2013, pág. 389).
Além do mais, importa ter presente que qualquer alteração pressupõe a sua relevância para o mérito da demanda. Pois, a impugnação de factos que tenham sido considerados provados ou não provados e que não sejam importantes para a decisão da causa, não deve ser apreciada, na medida em que alteração pretendida não é susceptível de interferir na mesma, atenta a inutilidade de tal acto, sendo certo que de acordo com o princípio da limitação dos actos, previsto no art.º 130.º do Código de Processo Civil não é sequer lícita a prática de actos inúteis no processo ( por todos Acórdão do STJ de 17/05/2017 (Fernanda Isabel Pereira), disponível em www.dgsi.pt)
Optou a apelante por abordar a impugnação dos factos tendo por base os “temas de prova”, opção que dificulta a percepção da matéria impugnada em concreto, ainda que tal metodologia tenha sido seguida na motivação dos factos levada a cabo na sentença recorrida, mas esta acaba por aludir aos factos concretos por correspondência com a respectiva numeração.
Vejamos então o que integra a impugnação no âmbito do recurso. Começa a recorrente por enunciar o tema de prova 1 - “Da localização do prédio referido em A)” no corpo das suas alegações, sem que tal culmine com a impugnação factual, concluindo-se apenas pela inveracidade da inscrição da propriedade do imóvel a favor do Estado correspondente à Ap. 5 de 1940/08/05, assacando a nulidade ao mesmo. Arrematando que há duplicação de descrições sobre o mesmo imóvel.
Ora, tal duplicação resulta manifesta dos factos 1., 29., 30. e 32., porém, a verificação da mesma e suas repercussões será analisada no âmbito da subsunção ao direito, pois não há que olvidar que sobre tal matéria se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no AUJ nº 1/2017, de 23.2.20162, publicado no DR nº 38/2017, Série I, de 22.2.2017, que veio uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos: “Verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções.” .
Sob o tema 2- “Dos actos levados a cabo por T… do prédio referido em a)”, alude a recorrente aos depoimentos de A…, H… e AF…, pugnando pela alteração do ponto 33. nos seguintes termos:
33. O imóvel foi adquirido por T… para aí estabelecer um colégio feminino, que foi efectivamente fundado e instalado.
O Ponto 33. da sentença sob recurso tem a seguinte redacção:
33. O imóvel foi adquirido por T… para aí estabelecer um colégio feminino, que foi efectivamente fundado e instalado, e cuja administração seria, como foi entregue à C…, por si fundada.
 Na motivação de tal facto discorre-se na sentença que: “Atento o longo período de tempo decorrido desde a aquisição, não há prova testemunhal directa dos actos praticados, mas apenas memória e registo histórico do mesmo.
Tal registo histórico apreende-se dos seguintes documentos juntos aos autos pela reconvinte:
- documento nº 2, de fls. 145 a fls. 155; que demonstra o pedido realizado por T… junto das autoridades com vista a autorizar a realização de obras no imóvel, (facto 34).
- documentos de fls. 160 a 164, que provam o alegado em 60º da contestação (facto 35);
- é ainda relevante o teor do documento a fls. 218, com descrição histórica da instalação do Colégio de…, por T…;
Também dos depoimentos das testemunhas A…, H…, e AF…, conhecedoras da história da C... e T…, souberam confirmar a matéria de facto provada relativa à aquisição do imóvel por T…, da sua vocação religiosa e vontade de ali instalar um colégio de raparigas, e fundar C... religiosa dedicada à educação de raparigas e que exerceria funções no imóvel.”.          
Ora, basta analisar os depoimentos transcritos para concluir que efectivamente o facto resulta tal como foi considerado pelo tribunal, pois a testemunha A… confirmou a aquisição da casa em nome próprio por parte de T...para de seguida afirmar “colocou-a à disposição da Ordem e, quando tomou o hábito, até antes de tomar o hábito vivia lá também, e, portanto, acompanhava o andamento da escola”. E do depoimento da testemunha H… resulta que efectivamente T… transferiu o colégio que já possuía em Lisboa, nas Portas de Santa Cruz, para a casa adquirida pois “tinha a ideia de tornar aquela casa na “Casa mãe” da C… que ela tinha fundado”.
Acresce que do documento junto a fls. 216 e ss. reportado à história do Palácio …, é certo que a fls. 218 se refere que, em 1884, “apareceu instalado no palácio o colégio de …de D. T...”, mas também a fls. 219 se alude que foi igualmente em 1884, ou seja, no mesmo ano,  “que o Cardeal D. J…, em visita ao colégio de S. … lembrou a D. T... a elaboração de uma Constituição para oficializar as Terceiras Dominicanas e foi  a partir de então que durante três anos no Colégio se trabalhou na Regra que veio a ser aprovada pela Santa Sé no ano de 1900”. Logo, a data coincide quanto ao Colégio e o exercício da sua actividade sob a égide de D. T… mas sempre desde o início a coberto das “Terceiras Dominicanas”.
Donde, além desse documento, é igualmente daqueles depoimentos que se retira a intenção futura, única contida em tal facto, aliás, o que veio a ocorrer, pelo que a alteração pretendida quanto ao ponto 33. nem sequer terá relevância para a decisão concreta a considerar nos termos da acção. Logo improcede, tal alteração.
Acresce que também advém do depoimento da testemunha H…, que estudou a história da C…, que esta foi fundada (de facto) entre 1866 e 1868, e que o edifício funcionou como colégio desde maio de 1877. Ou seja, resulta a constituição de facto da C… em data anterior ao funcionamento do Colégio, sendo T… a fundadora de ambas as instituições.
Em conjugação com tal tema de prova, sob o nº 3, reportado à “convicção com que T… praticou aqueles actos”, e as alterações pretendidas quanto ao ponto 44., alude a recorrente, por um lado, ao acordo contido no ponto 43., por outro, aos depoimentos das testemunhas R.... e M…, pretendendo a alteração de tal ponto nos seguintes termos:
44. Desde a data referida em 38., e à excepção da parte ocupada em função do acordo referido em 43., o imóvel veio sendo utilizado pelos serviços tutelares de menores, entretanto denominado Instituto de …, casa da … e Casa do …, até 2000.
A redacção de tal ponto contida na sentença é a seguinte:
44. Desde a data referida em 38., e à exceção da parte ocupada em função do Acordo referido em 43., o imóvel vem sendo utilizado pelos serviços tutelares de menores, entretanto denominado Instituto de …, Casa da … e, actualmente, Casa do ….
O acordo referido no ponto 43. é o constante do DR II série, de 24/11/1990, que além das cláusulas transcritas, começa por referir como ponto I. o seguinte: “O Instituto de São Domingos de Benfica, estabelecimento dependente da Direcção Geral dos Serviços Tutelares de Menores, do Ministério da Justiça, incorpora nas suas actuais instalações , além dos edifícios construídos pelo Estado, o chamado «Palácio de São Domingos» e terrenos anexos de que D. T... adquirira com valores proveniente da sua herança familiar . Era intenção de D. T… manter aí a Casa mãe da C…, de que foi fundadora. Este objectivo viria a frustrar-se devido à apropriação do imóvel por parte do Estado em 1910”.
Depois de se elencar nos pontos II. e III. a ocupação pela creche de parte do Palácio, e nas imediações do Instituto, de um lar para o sexo feminino, define-se nos demais pontos em que consiste a cooperação da C…, também se alude que tal regime de cooperação é de molde a encorajar novos acordos com tal entidade – ponto V.. Mais se aludindo que na assunção dos serviços definidos em tal acordo, tal como se encontra definido nas cláusulas transcritas no ponto 43., a aceitação da C... também se prende com “O valor simbólico e moral que tem a sua presença naquele espaço e naquele ambiente, concretizando, de algum modo e nos limites do agora possível, o antigo desejo de voltar a um local a que a fundação da C... se encontra indelevelmente ligada” (ponto VI.).
Daqui resulta que apesar do acordo contido no ponto 43., em concreto quanto ás suas cláusulas, se reportar a uma parte do imóvel, não há dúvidas, pela descrição contida em I. de tal acordo, que o imóvel é no seu todo e não apenas na parte ocupada especificamente. Acresce que nem os depoimentos transcritos no corpo das alegações, nos permitem acrescentar a data de 2000 ao ponto dado como provado em 44. Em primeiro lugar, não há que olvidar que a acção deu entrada em 2001, pelo que os factos terão de ser reportados a essa data. Em segundo lugar, o que resulta quer do depoimento de R…, bem como da testemunha M…, é a ocupação do imóvel pelo Estado, dizendo inclusive que o propósito da apelante de reaver a casa “não foi feliz, não conseguiu o seu propósito”. Quanto à segunda testemunha indicada apenas refere que terá existido uma expropriação e que passou para o Estado, nada alude que nos permite considerar a alteração pretendida neste recurso. Sem, contudo, transcrever a parte dos depoimentos relevantes convoca ainda os depoimentos de H… e A…
Logo, somos em corroborar a fundamentação quando especificamente quanto a este ponto se expõe que:” O facto 44º funda-se no teor dos diplomas legais mencionados em 38 e 39, bem como no disposto no art.º 33º al. i) do D.L. nº506/80 de 21.10, art.ºs 70º e 119º do D.L. nº58/95 de 31.03, e art.º1º al. d) da Portaria nº689/95 de 30.06, referidas nos artigos 114º e 115º da réplica; e art.º74º n.º1 do D.L. nº 204-A/2001 de 26.07.
Funda-se ainda nos depoimentos das testemunhas R...(cujo conhecimento dos factos deriva do estudo que fez sobre a situação do imóvel, e conhecimento que tem do acordo referido em 43, no exercício de funções no Ministério da Justiça, as quais manteve até 1995); MC…, (que foi funcionária do Ministério da Justiça e diretora do Colégio da … entre 1995 e 2000, instalado em edifício integrado no imóvel; confirmou que a C... ocupava algum edificado, onde residiam as Irmãs, e funcionava um infantário e Lar, estes geridos pela Ré; mais confirmou que o Colégio que dirigia, sob a tutela do Estado, funcionava enquanto a C... também geria as instalações à sua responsabilidade, no âmbito do acordo celebrado; confirmou ainda que as obras necessárias no Colégio que dirigia eram feitas e custeadas pelo Estado); e M… (que foi diretor do Instituto de …, organismo do Estado que acolhia crianças em risco, entre novembro de 1991 e final de 1995; tal instituto funcionava no imóvel em causa; sabia também que as Irmãs ocupavam parte do imóvel, com as suas instalações, e uma creche gerida pela C..., ao abrigo de um protocolo com o Estado; confirmou também que as obras de conservação e melhorias eram custeadas pelo Estado).”. Prosseguindo-se ainda que: “No que respeita às obras realizadas e custeadas pela Ré C…, estas resultam provadas pelo depoimento da testemunha A…, (que executou ou participou na execução das mesmas); e teor dos documentos de fls. 1237 a fls. 1338. No entanto, ficou também claro que estas obras foram realizadas nos espaços referidos na Cláusula 8.ª/4 do documento a que se refere 43 dos factos provados.”
Improcede, assim, a alteração quanto ao aditamento do ano de 2000 ao ponto 44.
Do tema indicado como 5 - “Dos actos praticados pela ré sobre o prédio identificado em A)”, insurge-se a recorrente com a redacção do ponto 47., bem como a ausência de prova do art.º 181º da contestação, com o aditamento de um ponto sob o nº 55 que contenha tal matéria. Indica o teor do acordo, o relatório pericial e levantamento topográfico e depoimentos das testemunhas A…e H…. Pretendendo que o ponto 47. passe a ter o seguinte excerto:
47. Desde que passou a ocupar parte do imóvel, no âmbito do acordo referido em 43., a C... realizou e custeou extensas obras nos espaços referidos na Cláusula 8.ª/4, e a partir de 2001, data em que a C... passou a ocupar a totalidade do imóvel reivindicado, realizou e custeou extensas obras de restauro, conservação e manutenção em todos os espaços do edifício, de modo a que estes se mostrem adequados à função que actualmente se destinam.
E entende que deverá ser eliminado do elenco dos não provados o contido no art.º 181º da contestação e aditado o seguinte facto:
55. A Ré C…, desde 2001, vem ocupando o imóvel reivindicado com a convicção de lhe pertencer, por sucessão testamentária.
Quanto à redacção pretendida do ponto 47. a mesma seria desde logo de não considerar nos termos propostos, pois contém conceitos indeterminados como “custeou extensas obras”, sendo estas de “restauro, conservação e manutenção”, ou ainda que “se mostrem adequados à função que actualmente se destinam”.
Acresce que mais uma vez entende ser de aditar uma data que coincide com a data da interposição da acção.
Quanto ao depoimento da testemunha MG…, na parte transcrita, nada resulta que permita responder nos termos pretendido, pois decorre sim de tal depoimento a forma como se encontrava registado o imóvel, o arrolamento do mesmo e as reclamações levadas a cabo.
Quanto ao teor do art.º 181º da contestação, importa ter presente que em tal artigo a reconvinte alegava que a ré “actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade sobre todo o imóvel há mais de 20 anos”. Não pode pretender que se considere que afinal o seria desde 2001, reitera-se o aludido quanto à data da interposição da acção, relevante para a decisão. Aliás, considerar que tal só ocorre desde 2001 significa admitir que não ocorreu até essa data?
Logo, também neste ponto somos em concordar com a extensa motivação da sentença quanto à forma como sucedeu o arrolamento, ocupação pelo Estado e todas as vicissitudes ocorridas quanto ao mesmo, quer a frustração das reclamações da T…, bem como o que determinou o desmembramento de parte do imóvel e protocolos celebrados quanto ao mesmo e ocupação deste, mais uma vez se frisa, reportado ás datas consideradas na interposição da acção, até 2001.
Quanto ao tema 6- “Das razões para o prédio identificado em A) não ter sido inscrito em nome da Ré”, o inconformismo da ré é apenas relativo ao ponto 46., na parte em que alude “dissolução da C…”, pugnando pela eliminação de tal segmento, passando a constar apenas que:
46. T… manteve a propriedade em nome próprio, com a finalidade de evitar uma possível apropriação dos respectivos bens – entre os quais este imóvel – pelo Estado.
Quando tal ponto é do seguinte teor:
46. T… manteve a propriedade em nome próprio, com a finalidade de evitar uma possível dissolução da C… e apropriação dos respectivos bens – entre os quais este imóvel – pelo Estado.
O Tribunal a quo especificamente quanto a este ponto fundamentou o mesmo no seguinte: “Dos depoimentos das testemunhas A…, H…, e AF…, conhecedoras da história da C… e T…, resultou o esclarecimento de que o facto de o imóvel não ter sido inscrito em nome da ré resultou de diversos factores. Assim, à data da aquisição, cujo custo foi suportado por T…, a C… não se encontrava criada de direito. Ou seja, T… tinha como objectivo adquirir o imóvel para ali instalar um colégio, que seria gerido pela C…. que fundou; tal C… apenas foi constituída de facto e não de direito devido à lei vigente, que havia declarado a dissolução de congregações religiosas. Face a tal clima de instabilidade, T… manteve a propriedade em nome próprio, com a finalidade de evitar uma possível dissolução da C…. e apropriação dos respectivos bens – entre os quais este imóvel – pelo Estado, (facto 46).”.
Ora, dado o vivido à época era manifesto que poderia estar em causa a dissolução da C…, pelo que do cotejo dos diplomas da época, elementos históricos e depoimentos nos termos sobreditos é manifesto que é de manter o provado no ponto 46.
A par destas alterações prossegue a recorrente na enunciação dos temas de prova fixados em 7. “das razões para o Estado levar acabo os acto referidos em 4.”, em 8. – “, Da afectação que estava a ser dada ao prédio identificado em A), aquando da entrada em vigor do Dec. Lei 30615 de 25 de julho de 1940” (repetindo quanto a este o ponto 44.), o tema 9: “Do objeto da reclamação referida em AB) / 28”, tema 10.: “Da conduta de T...na sequência da decisão da reclamação referida em AB)”, tema 11:“Quem ocupava em 20.04.1911 o prédio identificado em A) e a que título o fazia”, tema 12: “Da data da constituição da Ré” e tema 13: “Das razões para ter sido feita a inscrição referida em B)”. Ora, apesar da alusão, quer aos temas, quer ainda à prova, nenhuma alteração factual é pedida em sede de recurso, limitando-se a recorrente a tecer considerações sobre a motivação dos factos, sem requerer a eliminação ou a alteração de qualquer elemento factual considerado na sentença.
De todo o modo cotejados os documentos juntos e a forma como decorreu a ocupação do imóvel pelo Estado e actos subsequente, haverá que considerar ainda o seguinte contido na sentença objecto da presente apelação, considerando que se deu como assente que “T... apresentou a reclamação que se encontra junta aos autos a fls. 350 a 391.” (AB) – provado em 28., prossegue-se ainda que:
- T… peticionou, nos termos do art.º 8º e seguintes do Decreto de 31 de dezembro de 1910, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o imóvel, arrolado pelo Estado, (facto 48);
- No documento de fls. 356 datado de 22.03.1911, o subscritor confirma ter procedido ao arrolamento no [ilegível] de …, gerido pelas Irmãs São …, não podendo confirmar se este se encontrava instalado no palácio a que se refere o ofício e que se diz ter pertencido à Infanta D. Isabel Maria; ou seja, não existe documento escrito que ateste a formalização do arrolamento mas, não obstante, é certo que o Estado reclamou o imóvel para si e o ocupou.
- Por ofício datado de 30 de março de 1911, subscrito pelo Delegado do Procurador da República e remetido ao Secretário da Comissão nomeada pela Portaria de 27.12.1910, foi reenviada a petição de T... ao abrigo do art.º 10º do Decreto de 31 de dezembro de 1910, com a informação de que não possui elementos convincentes para emitir informação segura, mas que é de parecer ser aplicável a doutrina dos artigos 4º, 5º, e 6º do Decreto de 31 de dezembro de 1910, (fls. 353 e facto 49);
- Auto de inquirição de testemunhas, a fls. 365, datado de 3 de junho de 1911;
- Documento de fls. 371, datado de 29.06.1911, em que se conclui “Pelo exposto que se acha previsto no art.º 5º e seus n.ºs e em consequência do disposto no art.º 6º do Dec.º de 31 de dezembro de 1910, é esta comissão de parecer que deve ser julgada improcedente a presente reclamação.”; segue-se três assinaturas, sendo que um dos subscritores menciona juntar o seu voto, pela procedência, que consiste no documento de fls. 373, (subscrito por António Pereira Reis). Segue-se ainda outra declaração de voto, no sentido da improcedência, fls. 378, subscrito por Barbosa de Magalhães; e declaração de concordância pela improcedência de Sousa Costa (fls. 379).
- Documento de fls. 379, no qual consta o seguinte: “Acordam os da Comissão Jurisdicional dos Bens das Congregações Religiosas, pelos fundamentos das primeira, terceira e quarta moções que fizeram vencimento, em julgar improcedente a reclamação de D.ª T…”, seguindo-se a data de 27 de julho de 1911 e as assinaturas de Vicente Gomes, Barbosa de Magalhães e de Sousa Costa (facto 50).
- Documento de fls. 380, cujo teor é igual ao de fls. 371, e com a mesma data, e no qual se segue declarações de voto de Barbosa de Magalhães e de Sousa Costa, bem como decisão final datada de 27.07.1911 a julgar improcedente a reclamação de D.ª T…, (fls. 383).
- Documento de fls. 384, do qual consta conclusão e decisão datada de 12 de agosto de 1908, no seguinte sentido: “Vistos estes autos de reclamação graciosa, nos termos do Dec. de 31-12-1910, em que D. T… pede a entrega do palácio e quinta de … em que esteve instalado o collegio congregacionista de S. José; e tendo em consideração o lúcido parecer que antecede da Comissão Jurisdicional com o qual me conformo e cujas razões dou como reproduzidas aqui; - julgo improcedente a sobredita reclamação. Intime e em seguida entregue-me o processo.”, (facto 51). Nesta decisão encontra-se aposta a mesma assinatura que no documento de fls. 353, ou seja, trata-se da assinatura do Delegado do Procurador da República.
Este documento constitui, sem qualquer dúvida, a decisão final sobre a reclamação / petição apresentada por T… no sentido de indeferimento da mesma. (…)
Não se provou qualquer reação, designadamente, recurso a via judicial. Com efeito, inexiste qualquer meio de prova que sustente que T… tenha reagido judicialmente contra esta decisão.”
Deste modo, somos em concluir que nada nos permite alterar os factos tal como foram considerados pelo Tribunal e postos em causa no âmbito deste recurso, improcedendo, nesta parte, a apelação.
*
III. O Direito:
A apelante começa por afirmar que entende que os motivos da aquisição pelo Estado, invocados na AP.5 de 1940/08/05 “aquisição pelo Estado a Congregações Religiosas por arrolamento” não correspondem à verdade, porque tal imóvel não se inseria no âmbito da legislação invocada para o arrolamento, concluindo que tal determina a nulidade ou ineficácia de tal registo, em relação aos seus legítimos proprietários.
Relativamente a tal questão importa ter presente que resulta dos factos que existirá efectivamente duplicação de descrições sobre o mesmo imóvel.
Com efeito, tal duplicação resulta manifesta dos factos 1., 29., 30. e 32. Assim, resulta dos factos em causa que se encontra descrito na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …, o prédio urbano, sito em …, Estrada de …, omisso à matriz, sendo que tal prédio encontra-se com aquisição inscrita pela ap. 1 de 1877/06/04 em nome de T… por compra a P….  Quanto à descrição contida em tal registo resulta que tal prédio urbano consiste no seguinte:” “Composição e confrontações:
- Quinta com palácio, páteo de entrada, capelas, casas de caseiro e de administrador, abegoaria, palheiro, cavalariças, cocheiras, casa da guarda e outra próxima, oficinas, jardim com seus lagos e cascatas, pomar, árvores de sombra, águas de poços com engenho real, dita corrente tanto no palácio como na parte rústica, proveniente de minas e nas terras denominadas Casaes.
Após a expropriação para a linha férrea de Sintra ficou dividido em dois prédios, sendo um a poente que confronta a norte com a cerca do Convento de …; sul e poente com Estrada Pública e nascente com linha férrea, tendo sido construída uma casa junto ao antigo palácio, dentro da quinta, de rés-do-chão e três andares, com entrada independente e com o valor venal de 9.000$00, e outra no Largo de …, à entrada do Páteo do Palácio, com frente para o Largo e para quinta para onde tem serventia, de rés-do-chão e 1º andar e com o valor venal de 6.000$00; outro a nascente que confronta do norte com propriedade de M…, sul e nascente Estradas Públicas, poente linha férrea. (conforme transcrição do nº5004, fls. 129v. do B-.. da 2ª Conservatória).
Ora, encontra-se igualmente registado na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º…; correspondente ao art.º 200 da Freguesia de …(antigo art.º… da Freguesia de Benfica), prédio misto, situado na Quinta de …, Travessa de …, com as seguintes confrontações: Nascente: Azinhaga do …; Norte: A…; Sul: Travessa de …; Poente: Estrada pública que vai da Travessa de … a Rua de … mais constando que foi destacado do descrito sob o n.º…, fls. 158v, do Livro B-... Relativamente a este prédio n.º… foi registada, pela Ap. 5 de 1940/08/05 a aquisição pelo Estado a Congregações Religiosas, por arrolamento.
Contudo também resulta demonstrado que quer o Prédio referido em 1) e 29) (sob o nº …/19980413), quer o referido em 30) (nº …/20090509) localiza-se na freguesia de …, apresentando uma Área Total de 19967,20m2. Destes, 15638,85 são Área Descoberta, e 4438,35 são Área Coberta que se divide por 12 edifícios apresentando entre 1 a 3 pisos, tais como capela, átrios, salas, quartos, casas de banho, refeitórios e terreno de logradouro que inclui construções devolutas, pomar e lago, delimitado na envolvente por muro de alvenaria ou gradeamento. Pode-se aceder ao prédio através de dois portões que dão directamente para o Largo de …, ou três outros portões com acessos para a Rua de …, Travessa de … e Rua ….
Norte: Rua … e Instituto Militar dos Pupilos do Exército
Sul: Rua de …
Nascente: Rua … e Rua de …
Poente: Instituto Militar dos Pupilos do Exército, Largo de … e Travessa de ….
Logo, o que ocorre é uma dupla inscrição e descrição do mesmo prédio, sendo que sobre tal matéria se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no AUJ nº 1/2017, de 23.2.20162, publicado no DR nº 38/2017, Série I, de 22.2.2017, que veio uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos: “Verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções.” .
Como refere J. A. Mouteira Guerreiro (Noções de Direito Registral, Coimbra Editora, 1994, p. 199), «as duplicações foram sempre indiscutida e genericamente criticadas porque violam o princípio da especialidade e são objectivamente prejudiciais e perigosas, acabando por frustrar os próprios fins de certeza e segurança do registo, porque sobre o mesmo prédio podem afinal vir a incidir diversas e opostas situações jurídicas».
Recordemos a fundamentação do indicado AUJ: “(…) O princípio da prioridade no registo, consagrado no artigo 6.º do Código do Registo Predial parece referir-se às inscrições que forem lançadas na mesma descrição do prédio, pressupondo, por conseguinte, que foi respeitada a pedra angular do registo, a existência de uma descrição para cada prédio (n.º 2 do artigo 79.º do Código do Registo Predial) susceptível de o identificar. É "no seguimento da descrição do prédio [que] são lançadas as inscrições ou as correspondentes cotas de referência" (n.º 3 do artigo 79.º) e "as inscrições só podem ser lavradas com referência a descrições genéricas ou subordinadas" (n.º 2 do artigo 91.º). Assim a prioridade a que se atende no artigo 6.º é a prioridade das inscrições no mesmo registo, mas não a prioridade das descrições, não constituindo a prioridade na data da descrição critério adequado para resolver os problemas resultantes da duplicação das descrições. Por outras palavras, o critério da prioridade do registo não é critério para resolver casos patológicos como o presente em que o registo proclama simultaneamente que um prédio é, por hipótese, propriedade exclusiva e ao mesmo tempo de A e de B. A inexactidão do registo é aqui de tal magnitude que impede o funcionamento normal das regras e princípios próprios do direito registal. E também não o seria o critério defendido no recurso da antiguidade do trato sucessivo. Em primeiro lugar, não está afastada a possibilidade de ser um dos titulares que consta do trato sucessivo mais antigo quem criou a duplicação da descrição para nesta nova descrição ser registada uma alienação, "reservando" a primeira descrição a uma outra transmissão operada por hipótese para um testa-de-ferro. Em suma, "o facto de que uma inscrição seja mais antiga que a outra não implica necessariamente que a primeira seja o reflexo no registo da verdade extra registal e que a segunda represente sempre a fraude ou o erro constitutivo da dupla descrição". Mas e sobretudo porque, como já foi referido, a proteção de quem confiou na aparência do registo não pode depender de factos cujo conhecimento lhe era extremamente difícil, quando não praticamente impossível, como a existência de uma outra descrição do mesmo prédio, com um trato sucessivo porventura anterior... Aliás, se a solução resultasse, como se afirma no recurso, da aplicação simples e literal do artigo 6.º e do princípio da prioridade no registo então mal se compreenderia a solução provisória e cautelosa do n.º 1 do artigo 86.º do Código do Registo Predial. Muito embora no recurso se tente apresentar esta solução como uma mera divisão de competências entre o conservador e o juiz, a verdade é que se a solução destes casos de dupla descrição fosse para o legislador a nulidade da segunda descrição e a inutilização pura e simples do trato sucessivo nela contido então não só não se vislumbra por que é que o conservador não tem legitimidade para fazer essa simples operação de comparação das datas e das respectivas antiguidades, mas, bem ao invés, a lei manda que na ficha de uma delas se reproduzam os registos em vigor nas restantes fichas.
Como já dissemos, a dupla descrição do mesmo prédio mina a pedra angular do registo e compromete inelutavelmente a função da descrição, criando uma aparência contraditória em que o registo profere simultaneamente uma afirmação e o seu contrário (podendo resultar das inscrições, por exemplo, que A é proprietário pleno do prédio, mas que B também o é no mesmo período). Perante uma falha de tal magnitude, a melhor solução foi a encontrada pelo Acórdão recorrido: as duas presunções de sentido oposto destroem-se mutuamente”.
Logo, não será com base na presunção do registo, quer seja a favor de T…, quer seja o do Estado Português, que a questão se resolve. Pois ambos possuem registo de propriedade sobre o mesmo imóvel objecto desta acção, aliás, imóvel esse que o é na sua integridade, cujas descrições contidas nos pontos 29. e 32. determinam que se trata do mesmo imóvel.
Aqui chegados o que releva é saber se a ré/reconvinte e apelante pode opor ao Estado a propriedade sobre tal imóvel, considerando a forma como advém tal propriedade a favor da ré, bem como os actos perpetrados pelo Estado, convocando a apelante a nulidade de tais actos, mormente o arrolamento inicialmente realizado.
Na análise da questão não há que olvidar que a ré é uma C… religiosa que foi formalmente e de direito constituída em 19/01/1955, com a denominação de C…, e que desde 12/12/2000 passou a ter a actual denominação, a saber, C.... Porém, resulta igualmente que tal C… já se encontrava informalmente constituída desde 1866-1868.
A abordagem a levar a cabo prende-se com a análise histórica dos actos praticados pelo Estado e a mudança de um Estado Monárquico para Republicano, com todos os actos praticados sob a égide do novo sistema de governo e opções tomadas pelo mesmo.
Defende a apelante a nulidade ou a ineficácia do acto de arrolamento levado a cabo pelo Estado Português, acto primeiro e sobre o qual se moldam os demais havidos sobre tal imóvel. Na verdade, resulta pela inscrição de 4/06/1877, Ap. 1, a aquisição por T… por compra de tal imóvel, provando-se que tal visava a instalação de um colégio feminino, cuja administração seria, como foi entregue à C… igualmente fundada pela proprietária do imóvel. Dúvidas não há que de 5 e 8 de Outubro de 1910, funcionava no imóvel o colégio feminino.
Ora, demonstrou-se que T… manteve a propriedade em nome próprio, com a finalidade de evitar uma possível dissolução da C… e apropriação dos respectivos bens – entre os quais este imóvel – pelo Estado.
Importa referir que por decreto de 8 de outubro de 1910 foi determinado que continua em vigor o decreto de 28 de maio de 1834, o qual extinguiu as ordens religiosas; e decretou o arrolamento dos respectivos bens. Após a implantação da República, a 5/10/1910, relativamente a este imóvel provou-se que, em data que não se pode precisar, mas posterior a 8 de outubro de 1910 e anterior a 31 de dezembro de 1910 ( no hiato de três meses apenas desde a revolução), o imóvel foi ocupado pelo Estado português, mais concretamente, por forças militares, dali sendo retirados os então ocupantes.
Com efeito, o prédio em causa era ocupado pelo Estado, com fundamento no disposto no Decreto de 31 de dezembro de 1910, ocupação que se mantinha em 20.04.1911.
Em tal diploma estabelecia-se no seu Art.º 1º que: “Continuam confiados à guarda, conservação e posse do Estado ou entrarão ainda nesse regime meramente tutelar, todos os bens mobiliários ou imobiliários que, por virtude do decreto de 8 de outubro de 1910, tem sido e forem arrolados pelas autoridades administrativas e judiciais, por terem sido ou serem ocupados, detidos ou usados, sob qualquer título, pelos jesuítas, ou por quaisquer congregações, companhias, conventos, colégios, hospícios, associações, missões e quaisquer casas de religiosos de todas as ordens regulares, fosse qual fosse a sua denominação, instituto ou regra.”.
E no seu Art.º3.º previu-se que: “É permitido a quaisquer terceiras pessoas, que a isso se julguem com direito, reivindicar os referidos bens, ou fazer valer quaisquer direitos que, quanto a eles, se arroguem, mas somente nos termos d’este decreto.”
Relevante ainda para a discussão destes autos é o que se previa no Art.º5.º, ao dizer que: “Presume-se que pertenciam ás respectivas casas ou associações religiosas todos os bens que por ellas, sob qualquer título, fossem ocupados, detidos ou usados.
§ único. Esta presunção subsiste, embora se mostre estarem esses bens em nome de interpostas pessoas, e como tais se consideram para os efeitos do Código Civil e d’este decreto, salvo prova em contrário.”( sublinhado nosso).
Ora, relativamente à reclamação levada a cabo por T…, frise-se, proprietária é certo, mas também fundadora da C..., tomando ainda em conta o objectivo de tal propriedade se manter em seu nome nos termos supra aludidos, resulta dos autos que mediante despacho do Delegado do Procurador da República, datado de 12 de agosto de 1908, foi decidido: “Vistos estes autos de reclamação graciosa, nos termos do Dec. de 31-12-1910, em que D. T… pede a entrega do palácio e quinta de… em que esteve instalado o collegio congregacionista de S. José; e tendo em consideração o lúcido parecer que antecede da Comissão Jurisdicional com o qual me conformo e cujas razões dou como reproduzidas aqui; - julgo improcedente a sobredita reclamação. Intime e em seguida entregue-me o processo.”
É certo que em data que se desconhece, mas anterior a 30 de março de 1911, T...peticionou, nos termos do art.º 8º e seguintes do Decreto de 31 de dezembro de 1910, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o imóvel, arrolado pelo Estado, e por si adquirido em 28 de abril de 1877, conforme documento de fls. 355, cujo teor se dá por reproduzido.
Porém, por ofício datado de 30 de março de 1911, subscrito pelo Delegado do Procurador da República e remetido ao Secretário da Comissão nomeada pela Portaria de 27.12.1910, foi reenviada a petição de T... ao abrigo do art.º 10º do Decreto de 31 de dezembro de 1910, com a informação de que não possui elementos convincentes para emitir informação segura, mas que é de parecer ser aplicável a doutrina dos artigos 4º, 5º, e 6º do Decreto de 31 de dezembro de 1910.
Acresce que em declaração datada de 27 de julho de 1911, ficou a constar que “Acordam os da Comissão Jurisdicional dos Bens das Congregações Religiosas, pelos fundamentos das primeira, terceira e quarta moções que fizeram vencimento, em julgar improcedente a reclamação de D.ª T…”.
Quanto aos actos levados a cabo pela apelada também resultou que por Decreto de 20 de julho de 1912, o Estado, através da Comissão Jurisdicional dos Bens das Extintas Congregações Religiosas, cedeu o imóvel, a título precário, à Escola Central de Reforma. Em 16 de novembro de 1926, por Decreto nº 12.686, o imóvel foi destinado à instalação do Reformatório de Lisboa – sexo feminino – onde ainda se encontrava instalado em 10 de maio de 1950. Em 1950, por Decreto nº37.813, de 10 de maio, foram cedidos, a título definitivo, à Câmara Municipal de Lisboa, cerca de 5.850m2 de terreno do mesmo prédio.
Na sequência do protocolo celebrado em 84/05/18 foram cedidas, a título definitivo, ao Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa, três parcelas de terreno, com a área aproximada de 1.100 m2.
Por outro lado, como deixámos referido supra a própria apelante celebrou com a Direção Geral dos Serviços Tutelares de Menores, o protocolo, homologado por despacho do ministro da Justiça de 04.09.1989 e da Secretária de Estado do Orçamento de 18.10.1990, no qual não assume a propriedade sobre tal imóvel ( basta ver o teor do ponto I supra reproduzido), mas sim o seu acordo para passa a administrar o Lar e a creche instaladas em parte do imóvel. Por outro lado, desde 20/07/2012, e à excepção da parte ocupada em função do Acordo referido, o imóvel vem sendo utilizado pelos serviços tutelares de menores, entretanto denominado Instituto de São Domingos, Casa da … e, actualmente, Casa do ….
A par destes factos haverá ainda que considerar que o Estado ocupa o imóvel na convicção de que é o respectivo proprietário.
Logo, somos em corroborar a bem fundamentada sentença recorrida quando alude que “Embora inexista documento que comprove a formalização do arrolamento previsto no decreto de 8 de outubro de 1910, a verdade é que, dado o teor do art.º 1.º do decreto de 31 de dezembro de 1910, a situação da transmissão da posse e propriedade de tais imóveis para o Estado é consolidada.
Sem embargo, e conforme previsto no art.º 3º e art.º 7º e seguintes do decreto de 31 de dezembro de 1910, é previsto direito de qualquer pessoa, que a isso se julgue com direito, a reivindicar os bens apropriados, mas apenas nos termos do procedimento previstos nos referidos art.º 7º e seguintes.
Conforme resultou provado, T… lançou mão de tal procedimento, mediante reclamação perante o Ministério Público, (factos 48 a 51). Tal reclamação seguiu os termos previstos no art.º 8º (apresentação da petição ao Delegado do Procurador da República); obtenção de elementos de prova e remessa ao secretário da comissão de exame, (art.º 10º); elaboração de relatório pela comissão de exame, (art.º 11º); e decisão do Delegado do Procurador da República, pela procedência ou improcedência da reclamação, (art.º 12º). no caso, e conforme provado, o Delegado do Procurador da República concluiu pela improcedência.
Nesta circunstância, ainda era possibilitado à reclamante T… reagir judicialmente, conforme previsto no art.º 19º, fazendo distribuir ação nos trinta dias a contar da intimação do despacho de improcedência; ou imediatamente, caso o reclamante não fosse intimado de qualquer decisão, no prazo de seis meses, (art.º 20º).
A não interposição de ação determinava a perda do direito que o reclamante pretendia fazer valer, (art.º 19º), consolidando-se o direito do Estado sobre o imóvel.
Atento o exposto, não há dúvidas de que à data da sua morte T… não era reconhecida como proprietária do imóvel, não o podendo legar em testamento.”
Prosseguindo-se ainda que “(…) não tendo a ré e intervenientes provado ter sido cumprido o ónus imposto pelo art.º 19º do Decreto de 31 de dezembro de 1910, e que uma eventual ação teria sido decidida favoravelmente, caducou o direito dos sucessores de T… em ver judicialmente reconhecido o direito de propriedade, por transmissão sucessória.
Defende, ainda, a ré a ilegalidade do arrolamento, porquanto o imóvel em causa não se encontra abrangido pelo previsto no Decreto de 8 de outubro de 1910, visto ser propriedade de um particular; e não se encontrar abrangido pelo disposto no Decreto de 31 de dezembro de 1910, na medida em que este se aplica aos arrolamentos realizados na sequência do anterior.
Em primeiro lugar, há que dizer que a arguição de ilegalidade é manifestamente extemporânea, face ao que já se deixou exposto supra. Com efeito, e conforme se encontra expressamente previsto no art.º 3º do Decreto de 31 de dezembro de 1910, estava previsto um procedimento para que qualquer pessoa, que a isso se julgasse com direito, reivindicasse os bens arrolados. Conforme já se concluiu, D. T…. lançou mão do procedimento de reclamação graciosa, que foi indeferido, inexistindo prova que tenha reagido judicialmente.
Face ao exposto, e conforme decorria claramente da lei em vigor (cf. art.º 19º), consolidou-se o direito de propriedade do Estado sobre o imóvel.”.
Acresce que mesmo trazendo à colação a Lei de separação do Estado e das Igrejas ou até a Concordata entre a santa Sé e o Estado Português, tal não determina a invalidade do arrolamento e ocupação levada a cabo pelo Estado, ocupação essa que não foi objecto de impugnação judicial pela ré, ainda que tenha sido objecto de reclamação pela anterior proprietária plasmada no ponto 28 e 48., bem como igualmente pela ré, nos termos referidos no ponto 42.. Certo é que sempre tais pretensões foram indeferidas. Aliás, o pedido de reivindicação concreto apenas surge nesta acção intentada pelo Estado Português em 2001, e em pedido reconvencional, ou seja, como reacção ao pedido do Autor.
Há ainda que fazer menção ao estipulado na Lei de Separação do Estado e das Igrejas, aprovada por decreto do Ministério da Justiça de 20 de abril de 1911, e publicada no Diário do Governo de 21 de abril de 1911.
Neste diploma, além do mais, é determinada a propriedade do Estado de bens imóveis destinados ao culto público da religião católica, e arrolamento dos mesmos, (art.º62º); e sujeita-se a restituição dos imóveis propriedade de corporação de assistência ou beneficência legalmente constituída ou particulares ao recurso ao processo previsto no Decreto de 31 de dezembro de 1910, a ser iniciado até à data de 30 de junho de 1912 e 30 de junho de 1913.
Logo, como bem se conclui pelo Juiz a quo a restituição sempre dependeria da procedência de reclamação graciosa ou decisão favorável em processo judicial, o que não se verifica in casu, caducando tal direito que existisse por banda da proprietária registada, ou seus herdeiros.
No âmbito do recurso não convoca a apelante o previsto na Concordata entre a Santa Sé e o Estado Português, porém, também com base em tal instrumento, somos em concluir que igualmente não decorre do mesmo que a propriedade do imóvel seja da ré reconvinte.
Na verdade, na Concordata entre a Santa Sé e o Estado Português de 7 de maio de 1940, previu-se no Art.º VI, que “É reconhecida à Igreja Católica em Portugal a propriedade dos bens que anteriormente lhe pertenciam e estão ainda na posse do Estado, como templos, paços episcopais e residências paroquiais com seus passais, seminários com suas cêrcas, casas de institutos religiosos, paramentos, alfaias e outros objectos afectos ao culto e religião católica, salvo os que se encontrem actualmente aplicados a serviços públicos ou classificados como « monumentos nacionais » ou como « imóveis de interêsse público ».
Os bens referidos na alínea anterior que não estejam actualmente na posse do Estado podem ser transferidos à Igreja pelos seus possuidores sem qualquer encargo de caracter fiscal, desde que o acto de transferência seja celebrado dentro do prazo de seis mêses a contar da troca das ratificações desta Concordata.
Os imóveis classificados como «monumentos nacionais» e como «de interêsse público», ou que o venham a ser dentro de cinco anos a contar da troca das ratificações, ficarão em propriedade do Estado com afectação permanente ao serviço da Igreja. Ao Estado cabe a sua conservação, reparação e restauração de harmonia com plano estabelecido de acôrdo com a Autoridade eclesiástica, para evitar perturbações no serviço religioso; à Igreja incumbe a sua guarda e regime interno, designadamente no que respeita ao horário de visitas, na direcção das quais poderá intervir um funcionário nomeado pelo Estado.”
Os objectos destinados ao culto que se encontrem em algum museu do Estado ou das autarquias locais ou institucionais serão sempre cedidos para as cerimónias religiosas no templo a que pertenciam, quando êste se ache na mesma localidade onde os ditos objectos são guardados. A cedência far-se-á a requisição da competente Autoridade eclesiástica, que velará pela guarda dos objectos cedidos, sob a responsabilidade de fiel depositário.”
Como bem se fundamenta na sentença sob recurso “Conforme decorre do texto da Concordata está em causa a restituição apenas dos bens da Igreja, e não já daqueles que, como o dos autos, foi arrolado em função de presunção de propriedade de C... Religiosa.
Atento o texto do art.º41 e 42º do Decreto Lei nº 30615 de 25 de julho de 1940, que promulga a Concordata, apenas é reconhecida à Igreja Católica a Propriedade dos Bens que à data de 1 de outubro de 1910 lhe pertenciam, ou seja, não é prevista a restituição de bens que, naquela data, fossem propriedade de particulares, ou se presumissem propriedade de Congregações religiosas.
Acresce que, ainda que assim se não entendesse, no §1 do art.º 41º se exceciona os imóveis que se encontrassem aplicados, à data, a serviços públicos. Conforme resultou provado, era o caso do imóvel dos autos, que desde 1912 se encontrava afetado ao serviço tutelar de menores, (factos 38. a 40). Mais, dispõe o art.º 42.º: “Os bens mencionados no artigo anterior que se encontram aplicados a serviços públicos e ainda não mandados entregar à Igreja ficarão definitivamente na posse do Estado, ainda que de futuro venha a cessar a sua actual aplicação, e consideram-se, a partir da publicação dêste diploma, como incorporados no património do Estado.”.
Restaria, por fim, aferir da possibilidade de a propriedade advir da aquisição originária por usucapião. Mas sobre tal questão haverá que considerar quer a ocupação levada a cabo por intermédio do próprio apelado, de forma directa, quer ainda a ocorrida por banda da apelante, mormente com base no protocolo estabelecido e tudo o que o mesmo contém.
Decorre do art.º 1287 º do C. Civil: «A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião»
Ademais decorre dos art.ºs 1259º e 1296º do C. Civil, o facto de a posse não ser titulada ou de boa fé apenas influi no prazo necessário à verificação da usucapião (Neste sentido, Manuel Henrique Mesquita, in Direitos Reais (sumários das Lições ao Curso de 1966-1967), pág. 98.).  
Logo, a eventual nulidade (substancial ou formal) do título, ou até a falta de título, não maculam a posse, como posse boa para usucapião: apenas podem interferir com o tempo exigível para a posse ser posse prescricional (neste sentido Acórdão do STJ de 6/04/2017, proc. nº 1578/11.9TBVNG.P1.S1, in www.dgsi.pt).
 Logo, invocada a usucapião como forma de aquisição, justamente porque de aquisição originária se trata, irrelevam quaisquer irregularidades precedentes e eventualmente atinentes à alienação ou transferência da coisa para o novo titular, sejam vícios de natureza formal ou substancial. Logo, as eventuais irregularidades ocorridas com a posse levada a cabo pelo Estado não deixariam por si só de considerar a mesma “posse” pelo Apelado.
Mas que dizer da posse pela apelante?
A lei portuguesa veio consagrar a concepção subjectivista de posse (saliente-se, contudo, a tese defendida por Menezes Cordeiro no sentido de uma orientação objectivista do nosso Código Civil - in A Posse; Perspectivas Dogmáticas Actuais; pág. 54 e segs.), seguindo de perto Savigny, sendo possuidor aquele que, actuando por si ou por intermédio de outrem (art.º 1252° n° l CC), além do "corpus" possessório tem também o "animus possidendi" que se caracteriza pela intenção de exercer sobre a coisa um direito real próprio.
Pelo que a usucapião como forma de constituição de direitos reais, designadamente o direito de propriedade, apoia-se numa situação de posse - corpus e animus - exercida em nome próprio, durante os períodos estabelecidos na lei e revestindo os caracteres que a lei lhe fixa, pública, contínua, pacífica, titulada e de boa fé.
Não temos dúvidas que desde o seu desapossamento do imóvel em causa levado a cabo pelo Estado em 1910, como deixámos referido supra, que a ré tem apresentado reclamações, reivindicando a propriedade do imóvel, mas as suas pretensões foram sempre indeferidas.
Acresce que ainda que se tenha logrado provar a ocupação pela apelante de parte do imóvel, certo é que desde aquela data têm ocorrido actos quer de desmembramento e separação de parte do imóvel, mas também ocupação quer total, quer parcial do imóvel pelos serviços do Estado.
Outrossim, mesmo a ocupação levada a cabo pela ré reconvinte não afasta a consideração pela mesma que tal ocupação é feita não em nome próprio, mas a coberto de instrumentos de cooperação, tal como o protocolo celebrado entre a Direção Geral dos Serviços Tutelares de Menores e a C…, homologado por despacho do ministro da Justiça de 04.09.1989 e da Secretária de Estado do Orçamento de 18.10.1990. Protocolo esse que a par das cláusulas em que se prevê a administração pela ré/reconvinte do Lar e da creche que funcionam no imóvel, a mesma aceitou o que consta nesse protocolo ao prever no ponto I. o seguinte: “O Instituto de São Domingos de Benfica, estabelecimento dependente da Direcção Geral dos Serviços Tutelares de Menores, do Ministério da Justiça, incorpora nas suas actuais instalações , além dos edifícios construídos pelo Estado, o chamado «Palácio de São Domingos» e terrenos anexos de que D. T... adquirira com valores proveniente da sua herança familiar . Era intenção de D. T… manter aí a Casa mãe da C…, de que foi fundadora. Este objectivo viria a frustrar-se devido à apropriação do imóvel por parte do Estado em 1910. (sublinhado nosso).
Donde, depois de se elencar nos pontos II. e III. de tal protocolo a ocupação pela creche de parte do Palácio, e nas imediações do Instituto de um lar para o sexo feminino, define-se nos demais pontos em que consiste a cooperação da C…, também se alude que tal regime de cooperação é de molde a encorajar novos acordos com tal entidade – ponto V.. Mais se aludindo que na assunção dos serviços definidos em tal acordo, tal como se encontra definido nas suas cláusulas, a aceitação pela C... também se prende com “O valor simbólico e moral que tem a sua presença naquele espaço e naquele ambiente, concretizando, de algum modo e nos limites do agora possível, o antigo desejo de voltar a um local a que a fundação da C... se encontra indelevelmente ligada”. Aliás, a reconvinte em momento algum circunscreve a alegada posse apta a adquirir por usucapião a uma parte do imóvel, limitando-se a pedir o seu todo, ainda que agora limitado quer pela expropriação decorrente da construção da linha férrea de Sintra, mas igualmente pelas cedências feitas quer à Câmara Municipal de Lisboa, quer ao Gabinete do Nó ferroviário de Lisboa, por decreto, e por protocolo, respectivamente, actos do Estado apelado, sem intervenção da apelante ou consideração da posição da mesma quanto a tais actos.
Inexistem assim, factos que nos permitam concluir pelo animus possessório em nome próprio e de molde a poder ser considerado para efeito de aquisição por usucapião, soçobrando o argumentário da apelante. A ocupação pelo Estado em 1910 não teve por banda da sua proprietária uma actuação apta a reaver tal imóvel, situação que lhe era permitido exercer, mas dependente da sua concretização ou procedência, o que não ocorreu. Quanto à ocupação levada a cabo pelo Estado, esta manteve-se desde essa data, e ainda que ocorra a ocupação simultânea pela ré /reconvinte de parte do imóvel, esta não deixa de estar a coberto da autorização ou protocolo estabelecido com o Estado, concretizando-se tal ocupação nesses moldes. Do exposto, não resultam factos que nos permitam concluir pela aquisição por usucapião, considerando os requisitos exigidos para a mesma.
De tudo o exposto somos em concluir pela improcedência da apelação.
Face ao disposto no art.º 527º do Código de Processo Civil e o vencimento total da ré reconvinte será a mesma responsável pelas custas devidas. Com efeito, o Estado Português conferiu diversas isenções de impostos, além do mais às pessoas jurídicas canónicas, relativamente a certos actos ou bens (artigo 26º, nºs 1, 2, 3 e 4, da Concordata). Nessas previsões não se enquadra qualquer pleito judicial, ainda que para defesa de local destinado ao exercício do culto. Além de tais isenções fiscais, prevê-se no nº 5, do citado artigo 26º, que as pessoas jurídicas canónicas, quando também desenvolvam actividades com fins diversos dos religiosos, assim considerados pelo direito português, como, entre outros, os de solidariedade social, de educação e cultura, além dos comerciais e lucrativos, ficam sujeitas ao regime fiscal aplicável à respectiva actividade. Os presentes autos são apenas reivindicativos da propriedade, não se inserindo na isenção prevista na alínea f) do art.º 4º do RCP.
*
IV. Decisão:
Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela ré/reconvinte e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pela apelante.
Registe e notifique.

Lisboa, 23 de Maio de 2024
Gabriela de Fátima Marques
Nuno Gonçalves
Adeodato Brotas