Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4435/18.4T8LRS.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: DESPEDIMENTO COLECTIVO
MOTIVAÇÃO
GRUPOS DE EMPRESAS
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE COLECTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- Sendo a R. empregadora uma Federação de Cooperativas e tendo cessado a procura dos serviços de auditoria que a mesma prestava às Associadas (o que determinou a extinção do “Serviço de Auditoria”) justifica-se o despedimento colectivo dos auditores que ainda exerciam funções no Departamento, por razões de mercado e estruturais.
2- A subsistência da relação de trabalho não deve ser aferida numa perspectiva de grupo, uma vez que inexiste uma relação de domínio entre as RR..
3- Não tendo resultado provada a existência de uma conduta ilícita e abusiva, com o intuito de prejudicar os AA., não poderá a segunda R. ser responsabilizada ao abrigo do instituto da “desconsideração da personalidade jurídica”.
(sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
AA e
BB,
Intentaram, separadamente, acção especial de impugnação de despedimento colectivo, nos termos dos artigos 156º e seguintes do Código de Processo de Trabalho, a primeira através do presente processo, distribuído com o n.º 4435/18.4T8LRS, e o segundo com o processo distribuído ao Juiz 1 deste tribunal com o n.º 4438/18.9T8LRS, contra
FENACAM – FEDERAÇÃO NACIONAL DAS CAIXAS DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO – adiante FENACAM e
CAIXA CENTRAL DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO, adiante CAIXA CENTRAL.
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A primeira autora formula o seguinte petitório:
a) Ser declarada a ilicitude do despedimento da autora AA, por o mesmo ser nulo por não ser posta à disposição da autora a totalidade da compensação pelo despedimento (apenas foi colocado à disposição da A. o valor de € 61.374,84 cfr docs 1 e 38);
b) Caso assim não se entenda, contra tudo o que se espera, deverá ser considerada a ilicitude do despedimento por não estarem preenchidos os pressupostos explanados na acção,
c) Consequentemente, as rés FENACAM e CAIXA CENTRAL devem ser condenadas a pagar:
-todas as retribuições, subsídios e demais prestações pecuniárias, que se vencerem desde o despedimento até à data do transito em julgado da sentença, à razão de €7.375,27 por mês (compreendendo o valor do recibo – €6.322,27, o valor mensal do leasing do veículo - €704, o valor mensal de 300 litros de gasóleo - €339, o valor mensal dos cem minutos de conversação de telemóvel - €10 e o valor do subsídio de refeição – €9.10/dia), encontrando-se já vencido o montante total de €70.065,06 (que corresponde ao valor da mensal da retribuição já descrito e aos proporcionais dos subsídios de férias e natal), acrescidos de juros de mora legais que se vencerem até efectivo e integral pagamento; naturalmente neste pedido inclui-se a remuneração neste valor das prestações referentes a subsídio de férias e subsídio de Natal correspondentes ao período em causa;
- a reintegrar a autora ao seu serviço, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade (note-se que a A. trabalha no Grupo Crédito Agrícola Mútuo desde 1990 e que a própria R. Fenacam reconheceu essa antiguidade aquando o despedimento, o que se comprova pelo doc. n. 1 já junto) ou a pagar-lhe uma indemnização no montante de 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, se for essa a opção que a A. vier a fazer;
- a pagar a quantia de €100.000,00 (cem mil euros) a titulo de danos não patrimoniais.
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O segundo autor formula o seguinte petitório:
a) Ser declarada a ilicitude do despedimento do autor BB, por o mesmo ser nulo por não ser posta à disposição do autor a totalidade da compensação pelo despedimento colectivo, ou seja, o valor de €131,972, 87 (apenas foi colocado à disposição do autor o valor de €48.035,70, cfr docs 1 e 23);
b) Caso assim não se entenda, contra tudo o que se espera, deverá ser considerada a ilicitude do despedimento colectivo por não estarem preenchidos os respectivos pressupostos legais, conforme explanado na acção,
c) Consequentemente, as rés Fenacam e Caixa Central devem ser condenadas a pagar:
- todas as retribuições, subsídios e demais prestações pecuniárias, que se vencerem desde do despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença, à razão de €6.847,00 por mês (compreendendo o valor do recibo à data da dispensa do dever de assiduidade – €5.794,00, o valor mensal do leasing do veículo – €704, o valor mensal de 300 litros de gasóleo - €339, que desde Abril deixou de ser pago, o valor mensal dos cem minutos de conversação de telemóvel - €10 e o valor do subsidio de alimentação – €9.10/dia), encontrando-se já vencido o montante total de €65.046,50 (que corresponde ao valor da mensal da retribuição já descrito e aos proporcionais dos subsídios de férias e natal), acrescidos de juros de mora legais que se vencerem até efectivo e integral pagamento; naturalmente neste pedido inclui-se a remuneração neste valor das prestações referentes a subsídio de férias e subsídio de Natal correspondentes ao período em causa;
- Desde Janeiro de 2017 a ré Fenacam deixou de pagar ao autor o valor de €1.129,50 referente a ajudas de custo a deslocações (vide doc. 15 dos recibos anteriores e docs. 17 e 18 dos recibos posteriores), conforme explicado na acção, de acordo com a política praticada na empresa, este montante não tinha nenhuma relação directa com custas de deslocação propriamente ditas, mas era parte integrante da retribuição do autor. Assim sendo, este montante é devido desde Janeiro de 2017 (momento em que deixou de ser pago), vide doc. 18, até ao momento em que terminou o contrato de trabalho do autor, ou seja, Outubro de 2017, o que perfaz o montante global de €11.295,00;
-a reintegrar o autor ao seu serviço, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade (note-se que o autor trabalha no Grupo Crédito Agrícola Mútuo desde 1992 e que a própria ré Fenacam reconheceu essa antiguidade aquando o despedimento, o que se comprova pelo doc. n. 1 já junto) ou a pagar-lhe uma indemnização no montante de 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, se for essa a opção que o autor vier a fazer;
-a pagar a quantia de €100.000,00 (cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais.
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Para tanto alegaram que foram abrangidos em despedimento colectivo promovido pela ré FENACAM, que invocou para tanto motivos de mercado e estruturais, por redução da actividade da empresa provocada pelo desaparecimento da procura de bens ou serviços, o que, alegadamente, levou a que já não fosse necessária a manutenção do Serviço de Auditoria onde ambos se inseriam.
No entanto, argumentam, a realidade é que não se verificaram quaisquer motivos de mercado; não foi o mercado que desapareceu, mas sim o Conselho de Administração Executivo da ré CAIXA CENTRAL que decidiu acabar com o Serviço de Auditoria da ré FENACAM. Este Conselho de Administração Executivo da ré CAIXA CENTRAL é o órgão que toma todas as decisões estratégicas e vinculantes para o futuro da ré FENACAM, porquanto esta está inserida num Grupo Económico que funciona de forma integrada e onde a autonomia é formal. Aliás, foi a ré FENACAM quem comunicou às Caixas Agrícolas que iria extinguir o Serviço de Auditoria, através de uma circular CA/05/2016, não sendo as Caixas Agrícolas, ou seja, o mercado, que tomou a decisão de deixar de utilizar aquele serviço. Aliás, em Assembleia Geral realizada em 29/12/2015, a própria FENACAM deliberou que a auditoria iria deixar de ser a sua actividade principal e retirou-a dos seus fins estatutários. Ou seja, o que existiu foi uma decisão do grupo Crédito Agrícola Mútuo, veiculada em primeira linha pela ré FENACAM, tomada de forma arbitrária, sem atender a critérios do interesse da empresa e das suas clientes Caixas Agrícolas, desconsiderando critérios de custos e de competência, tendo, aparentemente, como objectivo entregar, com a maior celeridade possível, os serviços de auditoria a uma consultora privada.
Alegam ainda que não só não se verificaram os motivos de mercado alegados pela FENACAM, como se verifica a possibilidade de manutenção dos postos de trabalho sem perda de direitos dos trabalhadores, através da sua recolocação noutras empresas do grupo económico de que aquela faz parte.
Invocam ainda a ilicitude do despedimento sustentada na falta de procedimento, inexistência de negociação, nulidade do processo e violação do princípio da igualdade.
Finalmente, invocam ter sofrido danos não patrimoniais, que descrevem.
Alega também o autor BB que, ao ser dispensado do dever de assiduidade no início de 2017 e até à data do despedimento, a ré FENACAM deixou de lhe pagar uma verba mensal referente a ajudas de custo que, não obstante essa denominação, integra a retribuição do autor.
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Por despacho de 03/05/2018 foi determinada a apensação das duas acções.
Citadas, as rés apresentaram, individualmente, contestação relativamente a cada uma das petições iniciais.
Em ambas as contestações, a ré CAIXA CENTRAL defendeu-se por excepção, invocando a sua ilegitimidade. Por impugnação, alega que não tinha com os autores qualquer relação de trabalho e que não procedeu ao respectivo despedimento. Sustenta a autonomia decisória da ré FENACAM, a qual contrata os trabalhadores que entende, definindo livremente as respectivas condições de trabalho e fazendo cessar os vínculos nos termos que julgue necessários. Relata ter sido na sequência de recomendações do Banco de Portugal que foram introduzidas alterações ao modelo que auditoria que vinha sendo executado pela Fenacam no âmbito do Grupo Crédito Agrícola, tendo sido contratadas entidades externas ao Grupo para as realizarem sob um novo modelo de auditoria externa. Isto sucedeu com vista a prevenir ou impedir situações de conflito de interesses que pudessem pôr em causa a fidedignidade e o rigor das auditorias, bem como a liberdade de apreciação e valoração dos auditores. Na sequência, por deliberação da Assembleia Geral da FENACAM, em que a CAIXA CENTRAL não tomou parte, foi decidido reestruturar a FENACAM, suprimindo dos seus estatutos a referência ao serviço de auditoria. As tentativas de contratação dos autores, por parte da CAIXA CENTRAL, prévias ao despedimento, ocorreram porque em 2016 a administração e a direcção da ré FENACAM deram a conhecer que vários dos seus trabalhadores, com funções de auditor, iriam ficar disponíveis, e nesse âmbito foi equacionada a contratação dos autores. No entanto, assim não sucedeu uma vez que as propostas apresentadas não foram aceites.
Termina, pugnando pela procedência da excepção de ilegitimidade e consequentemente pela respectiva absolvição da instância e, subsidiariamente, defende a improcedência da acção, com a sua absolvição dos pedidos.
A ré FENACAM contestou, juntando aos autos os documentos comprovativos das formalidades do processo de despedimento colectivo. Alega terem sido integralmente cumpridas as formalidades do despedimento colectivo impostas por lei. Sustenta a validade dos fundamentos invocados para a decisão de despedimento colectivo que adoptou, alegando, sucintamente o seguinte: (i) o Banco de Portugal, no exercício dos seus poderes de supervisão, manifestou reservas relativamente às garantias de independência do serviço de auditoria que vinha sendo prestado pela FENACAM; (ii) em 2016 exigiu à CAIXA CENTRAL e às Caixas Agrícolas alteração do modelo de contratação do serviço de auditoria, entendendo que o serviço deveria ser assegurado por uma entidade estranha ao SICAM e ao Grupo Crédito Agrícola; (iii) nesse âmbito foi contratada uma auditora externa para realizar as auditorias que vinham sendo asseguradas pela FENACAM, circunstância que tornou o serviço de auditoria da Fenacam redundante; (iv) durante o ano de 2016 deixou de prestar o serviço de auditoria a um número significativo de Caixas Agrícolas e em 2017 deixou, de todo, de prestar esse tipo de serviço; (v) sustenta a veracidade dos motivos invocados na decisão de despedimento, visto que foi o mercado do serviço de auditoria (composto unicamente pelas Caixas Agrícolas) que deixou de recorrer aos seus serviços de auditoria; (vi) foi este último facto que determinou a decisão de extinção do serviço de auditoria e, consequentemente, o despedimento dos autores. Rebate os argumentos esgrimidos pelos autores nas suas petições iniciais, concluindo que o despedimento colectivo de que lançou mão foi lícito. Alega que, ao contrário do defendido pelos autores, não se verificava a possibilidade de subsistência da relação laboral, que as hipóteses equacionadas de contratação dos autores por outras empresas do grupo implicavam sempre a mudança de entidade empregadora, não podendo tal ser imposto por qualquer das rés, e que, de todo o modo, esse não é requisito do despedimento colectivo.
Sustenta que foi respeitada a fase da negociação do processo de despedimento colectivo, a inexistência de qualquer nulidade decorrente de falta de pagamento de compensação, defendendo que o montante devido foi correctamente calculado, com base na retribuição base e diuturnidades, sendo que mais nenhuma verba deve integrar o cálculo da compensação, por nenhum delas poder ser qualificada de retribuição base. Ainda que assim não seja, tal não acarreta a nulidade do despedimento, dando apenas lugar ao pagamento da quantia em falta. A respeito das ajudas de custos peticionadas pelo autor, defende que as mesmas constituem verdadeiras ajudas de custo para fazer face a deslocações, previstas no ACT aplicável, pelo que tendo o autor deixado de fazer deslocações em 2017 não tem direito ao respectivo pagamento.
Defende a inexistência de qualquer acto discriminatório ou violador do princípio da igualdade e, bem assim, de danos não patrimoniais.
Para o caso de procedência da acção, sustenta que o valor peticionado pelos autores a respeito das retribuições intercalares não está correcto, visto que ali se incluem quantas que não integram o conceito de retribuição, que há lugar às deduções previstas no art.º 390º do Código do Trabalho e que a base de cálculo da indemnização em substituição da reintegração deverá fixar-se em 15 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade.
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Foi agendada data para audição das partes. No decurso dessa audição, que teve lugar em duas sessões, foram equacionadas diversas possibilidades de entendimento entre as partes que acabaram por se frustrar.
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Porque foi formulado pedido de declaração de improcedência dos fundamentos invocados para o despedimento, procedeu-se à nomeação de assessor técnico a fim de elaborar o relatório previsto no art.º 158º do Código de Processo do Trabalho e, a requerimento, de mais dois assessores. Foram também nomeados dois técnicos de parte.
Foi elaborado relatório pelos assessores nomeados. O técnico de parte indicado pela ré Fenacam apresentou declaração fundamentada das razões da sua discordância. Foram prestados esclarecimentos pelos assessores.
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Por requerimento de 19/05/2020 os autores requereram a ampliação do pedido e a condenação dos réus em litigância de má fé.
O requerimento em causa não foi admitido enquanto ampliação do pedido, mas apenas como incidente de litigância de má fé (cfr. despacho proferido na sessão da audiência prévia de 03/06/2023).
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Realizou-se a audiência prévia, no âmbito da qual se frustrou, uma vez mais, a conciliação das partes.
Foi proferido despacho saneador, que conheceu da excepção de ilegitimidade passiva suscitada pela ré Caixa Central, julgando-a improcedente.
Também ali se conheceu parcialmente do mérito, designadamente, da questão atinente ao cumprimento das formalidades legais do despedimento colectivo, concluindo-se «(…) não ter ocorrido, materialmente, qualquer falta de informação ou de promoção de negociação, geradora de ilicitude do despedimento nos termos do art.º 383º, al. a), do Código do Trabalho.» Mais se decidiu que «(…) do ponto de vista formal, o comando normativo previsto no art.º 363º, n.º 5, do Código do Trabalho foi observado e que, por isso, inexiste ilicitude do despedimento com tal fundamento (art.º 383º, al. c), a contrario). E ainda «(…) o processo de despedimento colectivo não padece do vício de nulidade que os autores lhe atribuem, nem, consequentemente, o despedimento é ilícito por violação do art.º 383º, al. c) do Código do Trabalho».
Julgados improcedentes tais fundamentos de ilicitude do despedimento suscitados pelos autores, concluiu-se, ainda, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 160º, n.º 1, al. a), terem sido cumpridas as formalidades legais do despedimento colectivo.
Considerou-se necessário o prosseguimento dos autos para a fase do julgamento.
Após discussão sobre um projecto de materialidade fáctica a considerar assente, entregue pelo tribunal às partes, foram dados como provados, por acordo, os factos elencados na acta da sessão de audiência prévia do dia 29/06/2022, com a numeração de 25 a 179 e, na acta da sessão de audiência prévia do dia 28/09/2022, os factos com a numeração 180 a 187.
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De seguida, o Tribunal identificou o objecto do litígio e fixou os temas da prova.
Procedeu-se a Julgamento e foi proferida sentença.
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O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
(…)
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O Tribunal a quo julgou a acção improcedente e absolveu as RR. dos pedidos.
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Os autores recorreram da sentença e formularam as seguintes conclusões:
(…)
Nestes termos e nos demais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente, devendo a Sentença recorrida ser revogada e declarado ilícito o despedimento, com todas consequências legais daí advindas, condenando as Recorridas Caixa Central e FENACAM ao pagamento de todos os montantes requeridos nas Petições Iniciais, bem como condenar as Recorridas como litigantes de má-fé e reintegrar os Recorrentes no seu posto de trabalho.»
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A R.  “Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL” contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
(…)
Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
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A R. “FENACAM -Federação Nacional das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, FCRL” contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
(…)

O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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II- Conforme resulta do disposto nos arts. 608º, nº2, 663º, nº2, 635º, nº4 e 639º do CPC, as conclusões das alegações delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem.
Importa, por isso, solucionar;
- Se deve ser alterada a decisão referente à matéria de facto;
- Se os motivos do despedimento não são verdadeiros;
- Se a possibilidade de subsistência da relação laboral deve ser vista numa perspectiva de grupo;
- Se ocorre abuso de direito e se deve ocorrer “desconsideração da personalidade jurídica”;
- Se não foram indicados os critérios de selecção;
- Se ocorreu violação do princípio da igualdade;
- Se os AA. têm direito à reintegração e às quantias peticionadas;
 - Se ocorre litigância de má fé.
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Quanto à questão da compensação devida aos trabalhadores, cumpre referir que no despacho saneador já foi decidido que o despedimento não é ilícito com fundamento no disposto no art.º 383º, al. c) do Código do Trabalho.
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III- Apreciação
Vejamos, em primeiro lugar, o recurso referente à decisão da matéria de facto.
O art.º 640º do CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto nos seguintes termos:
«1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3- O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do art.º 636º.»
Esta norma corresponde ao art.º 685º-B do CPC de 1961 (na redacção dada pelo Dec-Lei nº 303/2007), com o aditamento de mais um ónus a cargo do recorrente: o de especificar a decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
A recorrida “Caixa Central” defende na conclusão 6ª das suas alegações a rejeição do recurso quanto aos factos assentes n.ºs 270 a 278 e quanto aos factos não provados indicados nas alíneas k., n., p., t., y., z., aa., bb., cc., dd., ee. e gg, por terem sido omitidas as passagens da gravação.
Vejamos cada um dos aspectos da decisão referente à matéria de facto que foram objecto de impugnação.
Em primeiro lugar, cumpre referir que o relatório pericial invocado pelos recorrentes está sujeito à livre apreciação do Tribunal (art.º 389º do Código Civil).
Os recorrentes defendem que o ponto 219 dos factos provados deveria ter a seguinte redacção: «a decisão de contratar a outrem os serviços de auditoria não foi das caixas agrícolas tendo lhe sido imposta pela caixa central, que contratou com terceiros a realização destes serviços.»
Não obstante o Administrador da Fenacam ter prestado depoimento no sentido indicado pelos recorrentes, verificamos que este facto não foi admitido pela R. “Caixa Central”, conforme resulta do depoimento de CC.
Para esclarecimento deste aspecto da matéria de facto consideramos relevantes os pontos nºs 145 e 237.
Ocorreu, de facto, uma indicação da Caixa Central, sendo certo que, conforme resulta do ponto 237 tal orientação deveria ser acatada pelas Caixas Agrícolas.
Mantemos, por isso, o ponto 219 dos factos provados.                               
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Defendem os recorrentes que deveria ter sido dado como não provado o facto no 236.
Este facto deverá ser articulado com os pontos nºs 60 a 66 da matéria considerada assente.
A “Fenacam” não integra o SICAM.
Da prova produzida resulta que a “Fenacam” não recebia ordens da “Caixa Central”. Salientamos os depoimentos das testemunhas DD, EE e FF.
Mantemos, por isso, o referido ponto 236 dos factos provados.
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Pretendem os recorrentes que sejam considerados não provados os factos indicados sob 266, 267, 268 e 269.
Do cômputo da prova produzida, entendemos que os indicados pontos da decisão atinente à matéria de facto foram bem apreciados.
Os documentos indicados pelos recorrentes não permitem, só por si, eliminar a matéria de facto em causa. Salientamos ainda o depoimento de GG. Esta testemunha referiu que a Caixa Central não dava ordens directas aos auditores e apenas eram, por vezes, esclarecidas dúvidas técnicas.
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Vejamos, agora, os pontos nºs 270 a 278 dos factos provados.
Relativamente a estes pontos, verificamos (com excepção do ponto nº 276) que os recorrentes não indicaram as passagens exactas da gravação em que alicerçam o seu recurso.
Assim e nos termos do disposto no art.º 640º, nº 2, a) do CPC, determina-se a rejeição da apreciação da prova gravada no que concerne aos pontos nºs 270 a 275, 277 e 278.
Vejamos se os demais meios de prova indicados são suficientes para dar como não provados os factos indicados.
Os factos indicados sob 185 a 187 não estão em contradição com os factos em apreço.
O relatório pericial é insuficiente para fundamentar a pretensão dos recorrentes nos aspectos em causa.
Analisados os demais documentos indicados pelos recorrentes, entendemos que os mesmos também não permitem só por si, desassociados da apreciação da prova gravada, fundamentar juízo diverso.
Quanto ao facto nº 276, os recorrentes indicam passagens das declarações de parte da A. AA.
Entendemos, todavia, que as declarações de parte devem ser apreciadas com prudência e, no caso em apreço, não permitem a infirmar a convicção formada pelo julgador. Salientamos os depoimentos das testemunhas DD e HH (embora esta testemunha tenha referido que as Caixas têm vindo a perder alguma autonomia).
Analisados os demais meios de prova invocados pelos recorrentes, também consideramos os mesmos insuficientes para sustentar a pretensão dos recorrentes.
Mantemos, por isso, os factos indicados sob 270 a 278.
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Quanto ao facto 297 defendem os recorrentes que deveria ser considerado provado, mas “nos termos em que o pagamento das ajudas de custo pagamento não estava ligado às deslocações da zona de residência do Recorrente e que é considerado remuneração”.
 Aferir a natureza remuneratória será um juízo a efectuar após a delimitação dos factos assentes. No que concerne à alteração fáctica pretendida, as declarações de parte devem ser apreciadas com a necessária prudência.
Tais declarações são, no caso em apreço, insuficientes, desacompanhadas de outros meios de prova, para fundamentar a pretendida alteração.
Importa ainda referir que os documentos nºs 16 a 18 da contestação da R. “Fenacam” (fls. 181 a 183 do apenso A – recibos de vencimento) também não permitem sustentar tal alteração.
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Defendem os recorrentes que no ponto 12 dos factos provados deverá ser alterado “no sentido de que a FENACAM não indicou quaisquer critérios de selecção dos trabalhadores a despedir”.
Vejamos.
Resulta dos documentos de fls. 177v. e 183v. que no anexo II é referido: «Não se verifica, pois, uma selecção de trabalhadores a despedir de entre outros com a mesma função, mas antes os trabalhadores visados constituem a totalidade do universo de auditores com vínculo contratual (contrato de trabalho) com Fenacam, em número de três.»
Será efectuado este esclarecimento no ponto 12 que passará a ter a seguinte redacção:
12. Na mesma comunicação, a FENACAM incluiu os anexos mencionados na carta, constando do anexo III o quadro de trabalhadores respectivo, em número de 37, no anexo IV a indicação dos trabalhadores a incluir no despedimento, os aqui autores e a trabalhadora II, e no anexo V, como informações complementares, para além do mais, a indicação do período de tempo previsível para o despedimento e o método de cálculo da compensação.
No anexo II consta: «Não se verifica pois uma selecção de trabalhadores a despedir de entre outros com a mesma função, mas antes os trabalhadores visados constituem a totalidade do universo de auditores com vínculo contratual (contrato de trabalho) com Fenacam, em número de três.»
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Os recorrentes defendem que os pontos nºs 203 e 211 a 214 devem ser considerados não provados.
Quanto a este aspecto foi exaustiva a fundamentação da matéria de facto efectuada pelo Tribunal a quo.
Estes pontos da matéria de facto não estão em contradição com os pontos 313 e seguintes. O ponto 314 constitui apenas uma missiva.
Na fundamentação destes factos consideramos relevantes os depoimentos das testemunhas JJ e GG. Estas testemunhas denotaram conhecimento dos factos em apreço e referiam que as reservas efectuadas pelo Banco de Portugal não tinham suporte documental, mas foram efectuadas (de forma lateral) no âmbito de reuniões efectuadas.
É certo que a testemunha KK apontou razões económicas para a mudança dos serviços de auditoria. Poder-se-ia colocar a possibilidade de tais razões terem sido também determinantes da mudança operada.
Verificamos, contudo, que sob 216 consta:   A escolha da PWC em detrimento da FENACAM não foi ditada por necessidade de reduzir custos com as auditorias.
Este facto não foi objecto de impugnação e dever-se-á considerar assente.
Mantemos, por isso, os pontos 203 e 211 a 214.
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Importa, agora, considerar a factualidade considerada não provada.
Os recorrentes defendem que deveriam ser considerados provados os factos não provados indicados sob: j, k, n, p, r, t, u, v, w, x, y, z, aa, bb, cc, dd, ee, ff , gg, ggg, hhh, lll, mmm, nnn, ooo, ppp e rrr.
Conforme acima referimos, a Caixa Central nas suas contra-alegações defende que o recurso deve ser rejeitado no que concerne às alíneas k., n., p., t., y., z., aa., bb., cc., dd., ee. e gg, por terem sido omitidas as passagens da gravação.
Relativamente a estes pontos, verificamos (com excepção da alínea k) que os recorrentes não indicaram as passagens exactas da gravação em que alicerçam o seu recurso.
Assim e nos termos do disposto no art.º 640º, nº 2, a) do CPC, determina-se a rejeição da apreciação da prova gravada no que concerne às alíneas n., p., t., y., z., aa., bb., cc., dd., ee. e gg, por terem sido omitidas as passagens da gravação.
Vejamos se os demais meios de prova indicados são suficientes para dar como provados os factos indicados.
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Atentas as razões já indicadas no que concerne ao ponto 236 dos factos provados, entendemos que devem permanecer no elenco dos factos não provados as alíneas j) e k).
A matéria referente à alínea u) não se mostra fundamentada.
Quanto às alíneas n), p), t), y), z), aa), bb), cc), dd), ee) e gg), os demais elementos probatórios, desassociados da apreciação da prova gravada, não permitem fundamentar a convicção do Tribunal quanto à sua verificação.
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Quanto à alínea r) e t), entendemos que nada cumpre aditar à matéria dada como assente. As declarações de parte são insuficientes para fundamentar a pretensão dos recorrentes, sendo certo que não se trata de matéria essencial para a boa decisão da causa.
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Quanto à alínea v), as declarações de parte e o e-mail constante a fls. 720 (remetido por LL à A. AA) não permitem, só por si, formar a convicção do Tribunal.
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Quanto à alínea w) e x): Os meios de prova indicados ( declarações de parte e documento nº 101 junto com a petição inicial ) também não permitem, só por si, dar como assente o montante indicado na referida alínea.
*
Quanto à alínea ff): Prejudicado, atenta a falta de prova da alínea ee), sendo certo que o aditamento da referida alínea ff) não se mostra fundamentado.
*
Quanto às alíneas ggg) e hhh): As declarações de parte e os documentos apresentados são manifestamente insuficientes para dar como assentes os factos indicados.
*
Quanto às alíneas lll) e mmm): Além da matéria já indicada sob 299 a 304 dos factos provados, nada cumpre aditar, por insuficiência das declarações de parte.
*
Quanto às alíneas nnn), ooo), ppp) e rrr): Além da matéria já indicada sob 307 a 310, nada cumpre aditar, por insuficiência das declarações de parte.
*
Procede, assim, parcialmente, o recurso quanto à matéria de facto.
*
Os factos provados são os acima indicados, com a seguinte redacção no que concerne ao facto 12:
12. Na mesma comunicação, a FENACAM incluiu os anexos mencionados na carta, constando do anexo III o quadro de trabalhadores respectivo, em número de 37, no anexo IV a indicação dos trabalhadores a incluir no despedimento, os aqui autores e a trabalhadora II, e no anexo V, como informações complementares, para além do mais, a indicação do período de tempo previsível para o despedimento e o método de cálculo da compensação.
No anexo II consta: «Não se verifica, pois, uma selecção de trabalhadores a despedir de entre outros com a mesma função, mas antes os trabalhadores visados constituem a totalidade do universo de auditores com vínculo contratual (contrato de trabalho) com Fenacam, em número de três.»       
*
Vejamos, agora, se o despedimento é ilícito.                                     
Refere a sentença recorrida:
«Determina o art.º 359º do Código do Trabalho, sob epígrafe «Noção de despedimento colectivo»:
«1 - Considera-se despedimento colectivo a cessação de contratos de trabalho promovida pelo empregador e operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, abrangendo, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de microempresa ou de pequena empresa, por um lado, ou de média ou grande empresa, por outro, sempre que aquela ocorrência se fundamente em encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou redução do número de trabalhadores determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior consideram-se, nomeadamente:
a) Motivos de mercado - redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado;
b) Motivos estruturais - desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes;
c) Motivos tecnológicos - alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.»
(…)
Após a constituição, pelos trabalhadores, de uma comissão ad hoc, constituída pelos próprios e pela trabalhadora II, e de ter lugar reunião entre a comissão e a FENACAM, a Comissão Representativa e a Direcção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho (DGERT) (factos provados 12 a 15), a ré FENACAM profere decisão de despedimento, que comunica a cada um dos autores, na qual justifica o respectivo despedimento da seguinte forma (factos 16 e 17):
«(…) Cumpridos os formalismos e procedimentos legais, com especial destaque para a fase de informações e negociações, vem o Conselho de Administração da FENACAM – FEDERAÇÃO NACIONAL DAS CAIXAS DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO, FCRL, comunicar a decisão de despedimento colectivo, nos termos e para os efeitos do art.º 363 e seguintes do CT, conforme aqui se faz.
1. O despedimento subsume-se na previsão do art.º 359º, nº 1 e nº 2, alínea a) do Código do Trabalho e tem o seu fundamento na redução de efetivos, determinado por motivos de mercado e estruturais. A deliberação ora tomada é motivada pelos factos já levados ao conhecimento de V Exa, cuja exposição aqui se reitera:
- Até Dezembro de 2016 a FENACAM, FCRL, prestou serviços de auditoria às Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, entidades que, por se encontrarem vinculadas a obrigações decorrentes do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/91, de 11 de Janeiro, particularmente do disposto no seu art.º 37, constituíram e garantiram um mercado firme para cuja satisfação a FENACAM dispunha de recursos adequados, desde logo trabalhadores com formação técnica adequada – auditores;
- Até então o Serviço de Auditoria da FENACAM teve única função auditar a quase totalidade das Caixas Agrícolas, mormente as que fazem parte do Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo. Periodicamente a FENACAM, através do referido Serviço, auditava e analisava os elementos de escrituração de natureza financeira das Caixas, bem como os seus aspectos organizacionais, de funcionamento e controlo interno. Cabia-lhe ainda a avaliação do cumprimento da legislação e normas aplicáveis, designadamente os elementos de reporte prudencial e contabilístico, exigidos pelo Banco de Portugal e pela Caixa Central;
- Durante o ano de 2016 as Caixas de Crédito Agrícola deram início a um processo até então desconhecido, traduzido na contratação de serviços de auditoria a entidade distinta da FENACAM. No final daquele ano a totalidade das Caixas tinham já enveredado por esta linha, o que se traduziu na perda da totalidade dos clientes da FENACAM, que se resumia, em absoluto, às Caixas Agrícolas;
- A partir de dia 2 de Janeiro de 2017 a FENACAM deixou de prestar quaisquer serviços de auditoria, por não lhe restar um único cliente, o que veio a determinar a concessão de dispensa do dever de assiduidade aos trabalhadores com funções de auditores, situação em que V Exa se mantém até à presente data;
- Para assegurar a sua sustentabilidade económico-financeira e a salvaguarda dos demais postos de trabalho, a FENACAM decidiu promover o presente despedimento colectivo, que se mostra concluído e com a decisão agora proferida extinguir os postos de trabalho que se encontram sem actividade, assente na desnecessidade da função desempenhada pelos trabalhadores auditores que nesta data são três, incluindo V Exa.
2. Pelos motivos expostos, lamentavelmente não nos resta alternativa à cessação do contrato de trabalho celebrado com Exa., facto que ocorrerá no próximo dia 31 de Outubro, após decurso da antecedência legal de 75 dias, (prazo contado da data estimada para a recepção da presente comunicação, 16 de Agosto).
3. Por efeito do presente despedimento é devido a V Exa o valor de (…)».
Do teor da missiva resulta que a empregadora funda o despedimento na previsão do art.º 359º, n.ºs 1 e 2, al. a), do Código do Trabalho, consistente na redução de efectivos determinados por motivos de mercado, mas também invoca razões estruturais (al. b) do n.º 2). Os factos em que sustenta tais motivos são os seguintes:
a) Até Dezembro de 2016 prestou serviços de auditoria às Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, entidades que, por se encontrarem vinculadas a obrigações decorrentes do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/91, de 11 de Janeiro, particularmente do disposto no seu art.º 37, constituíram e garantiram um mercado firme para cuja satisfação a FENACAM dispunha de recursos adequados, desde logo trabalhadores com formação técnica adequada – auditores;
b) Até então o Serviço de Auditoria da FENACAM teve única função auditar a quase totalidade das Caixas Agrícolas, mormente as que fazem parte do Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo. Periodicamente a FENACAM, através do referido Serviço, auditava e analisava os elementos de escrituração de natureza financeira das Caixas, bem como os seus aspectos organizacionais, de funcionamento e controlo interno. Cabia-lhe ainda a avaliação do cumprimento da legislação e normas aplicáveis, designadamente os elementos de reporte prudencial e contabilístico, exigidos pelo Banco de Portugal e pela Caixa Central;
c) Durante o ano de 2016 as Caixas de Crédito Agrícola deram início a um processo até então desconhecido, traduzido na contratação de serviços de auditoria a entidade distinta da FENACAM. No final daquele ano a totalidade das Caixas tinham já enveredado por esta linha, o que se traduziu na perda da totalidade dos clientes da FENACAM, que se resumia, em absoluto, às Caixas Agrícolas;
d) A partir de dia 02/01/2017 a FENACAM deixou de prestar quaisquer serviços de auditoria, por não lhe restar um único cliente, o que veio a determinar a concessão de dispensa do dever de assiduidade aos trabalhadores com funções de auditores;
e) Para assegurar a sua sustentabilidade económico-financeira e a salvaguarda dos demais postos de trabalho, a FENACAM decidiu promover o presente despedimento colectivo, que se mostra concluído e com a decisão agora proferida extinguir os postos de trabalho que se encontram sem actividade, assente na desnecessidade da função desempenhada pelos trabalhadores auditores que nesta data são três.
(…)
Como determina o art.º 158º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, do relatório dos assessores devem constar as verificações materiais realizadas, as informações recolhidas e sua origem, um parecer sobre os factos que fundamentaram o despedimento colectivo e sobre se este se encontra ou não justificado.
O relatório de assessoria elaborado e junto a fls. 303 e seguintes (junto em 22/05/2019) concluiu que «(…) os motivos de mercado invocados pela Ré não se verificam e não se justificam para a fundamentação de um despedimento colectivo. O impacto financeiro do despedimento colectivo é residual dentro do Grupo Crédito Agrícola, os motivos estruturais invocados pela Ré FENACAM, não se verificam e não se justificam à luz dos fundamentos previstos no Código de Processo do Trabalho».
Referem os Senhores Peritos que «(…) Em 2016 a Caixa Central deliberou a progressiva extinção do serviço interno de auditoria. Logo no início desse ano contratou os serviços de uma empresa externa, a serem prestados primeiramente para 20 agências estendendo-se finalmente no final do ano a todas as caixas de crédito agrícolas associadas. Sendo assim, a Caixa Central tomou a decisão de encerrar este serviço realizado internamente e dentro do universo Grupo Caixa Agrícola, esvaziando-o totalmente através de terciarização».
Remetem para Relatório de Gestão da FENACAM de 2016, que supostamente anexam como Doc. F, para sustentar a afirmação de que foi a CAIXA CENTRAL quem tomou a decisão de encerrar este serviço realizado internamente e dentro do universo Grupo Caixa Agrícola (o de auditoria da FENACAM), esvaziando-o totalmente através de terciarização.
Cumpre, porém, apreciar a factualidade que ficou provada após instrução da causa, por forma a aferir se as conclusões alcançadas pelos Senhores Assessores no seu parecer têm sustentabilidade na realidade material apurada.
Desde logo e no que concerne à afirmação conclusiva acima transcrita do relatório dos Senhores Assessores, importa referir que o documento para onde remetem, para além de não ser um relatório de gestão da FENACAM, mas apenas uma página do Relatório e Contas Consolidado de 2016 (do Grupo Crédito Agrícola), não atesta ter sido a CAIXA CENTRAL a deliberar ou decidir extinguir o Serviço de Auditoria da FENACAM.
No relatório e contas da FENACAM referente ao ano de 2016, é justificada a realização de menos auditorias do que no ano transacto da seguinte forma (pág. 11 do relatório e contas de 2016 mencionado no ponto 248-A):
«Na origem da diminuição da prestação de serviços de auditorias esteve o facto de a Caixa Central, em articulação com o Banco de Portugal e com vista à implementação de uma disciplina generalizada de auditoria externa a todo o Grupo, fixar um primeiro conjunto de 20 Caixas a sujeitar desde logo a auditoria por empresa designada para esse efeito. Consequentemente a FENACAM deixou de prestar trabalhos àquelas mesmas Caixas, sob pena de se incorrer em risco de duplicação da prestação destes serviços. Ainda nessa sequência, embora então com alargamento a medida que assim deixou de visar apenas as referidas 20 Caixas para se estender à totalidade delas, foi anunciada a extinção do Serviço de Auditoria para o final de 2016, tendo despoletado a saída de auditores, que se foi concretizando ao longo de todo o ano, com impacto ao nível de planeamento e execução dos trabalhos.»
Em momento algum no citado documento se afirma ter sido a CAIXA CENTRAL a deliberar a extinção do serviço de auditoria ou a tomar a decisão de encerrar este serviço (sem prejuízo das decisões/opções que tomou e que poderão ter tido influência decisiva nessa decisão da FENACAM, como se verá).
Dos factos provados resulta que a formalização da decisão de extinguir o Serviço de Auditoria se inicia com a supressão dos Estatutos da FENACAM da organização e funcionamento do “serviço de auditoria às caixas agrícolas, nos termos da legislação vigente” (cfr. facto provado 141) e resulta da comunicação circular dirigida pela FENACAM aos Conselhos de Administração das Caixas Agrícolas com data de 07/06/2016, em que se refere: «…as Autoridades de Supervisão preconizam a aplicação de um modelo distinto do actual…. pretende-se a contratação de entidade externa que assegure a realização sistemática de auditorias a todo o Grupo, com aplicação das regras em vigor para a generalidade da actividade bancária…. já dúvidas não se levantam de que, apesar da sua reconhecida competência e independência, o serviço prestado actualmente pelo Serviço de Auditoria da FENACAM (SAUD) não constituirá solução elegível para o efeito, deixando assim de poder assegurar a função… Consequentemente, a seu tempo, a implementação da medida imposta determinará a extinção do SAUD, pois que o serviço ainda hoje prestado pela FENACAM acabará esvaziado no seu conteúdo e sentido. A sua artificial manutenção traduzir-se-ia num aumento de custos a que não corresponde já uma necessidade para as Caixas» (facto provado 144).
Sem prejuízo, portanto, de tudo quanto antecedeu a concreta extinção do Serviço de Auditoria da FENACAM (SAUD) e da influência que decisões e opções estratégicas de outrem podem ter tido nesse desfecho, dúvidas não restam que foi a ré FENACAM quem decidiu extinguir esse seu departamento, deixando, em absoluto de prestar o único serviço que aquele até então realizava: auditorias às Caixas Agrícolas.
No essencial, os factos alegados na decisão de despedimento para a fundamentar ficaram, pois, provados.
Com efeito, ali se afirma:
- Até Dezembro de 2016 a FENACAM, FCRL, prestou serviços de auditoria às Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, entidades que, por se encontrarem vinculadas a obrigações decorrentes do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/91, de 11 de Janeiro, particularmente do disposto no seu art.º 37, constituíram e garantiram um mercado firme para cuja satisfação a FENACAM dispunha de recursos adequados, desde logo trabalhadores com formação técnica adequada – auditores;
- Até então o Serviço de Auditoria da FENACAM teve única função auditar a quase totalidade das Caixas Agrícolas, mormente as que fazem parte do Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo. Periodicamente a FENACAM, através do referido Serviço, auditava e analisava os elementos de escrituração de natureza financeira das Caixas, bem como os seus aspectos organizacionais, de funcionamento e controlo interno. Cabia-lhe ainda a avaliação do cumprimento da legislação e normas aplicáveis, designadamente os elementos de reporte prudencial e contabilístico, exigidos pelo Banco de Portugal e pela Caixa Central.
As Caixas de Crédito Agrícola Mútuo são instituições especiais de crédito, sob a forma cooperativa, constituídas nos termos do Código Cooperativo e pertencentes ao ramo do crédito, cujo objecto é o exercício de funções de crédito agrícola em favor dos seus associados e a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária que sejam instrumentais em relação àquelas funções e lhes não estejam especialmente vedados, e são consideradas pessoas colectivas de utilidade pública (art.º 1º do anexo ao Decreto-Lei n.º 231/82, de 17 de Junho).
As Caixas Agrícolas regem-se pelo Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola (adiante RJCAM), aprovado pelo referido diploma, e, em tudo o que não estiver ali previsto, regem-se, consoante a matéria, pelas normas que disciplinam as instituições de crédito, pelo Código Cooperativo e pela demais legislação aplicável às cooperativas em geral.
O art.º 51º do RJCAM, na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 231/82, de 17 de Junho, estabelecia:
«1 - A fiscalização das caixas agrícolas, enquanto instituições de crédito, compete ao Banco de Portugal.
2 - As caixas agrícolas são obrigadas a apresentar os elementos de informação que o Banco de Portugal considere necessários aos fins referidos no número anterior.
3 - Sem prejuízo da competência do Banco de Portugal a que se referem os números anteriores, todas as caixas agrícolas, incluindo a caixa central, terão obrigatoriamente de se inscrever num serviço de auditoria a criar pelo organismo cooperativo de grau superior de âmbito nacional previsto no artigo 82.º do Código Cooperativo.
4 - O serviço de auditoria referido no número anterior, que deverá ser dirigido por um revisor oficial de contas, analisará, pelo menos, uma vez por ano, os elementos contabilísticos das caixas agrícolas e da caixa central, enviando cópia do seu relatório ao respectivo conselho fiscal e ao Banco de Portugal.»
(sublinhado da signatária)
A FENACAM foi fundada em 29/11/1978 como uma federação de cooperativas, estando registada como cooperativa de 2º grau que se integra no ramo "crédito" do sector cooperativo (facto provado 53).
À data da sua criação, de acordo com os seus Estatutos, tinha por fim vários objectivos, conforme descrito no art.º 4º do seus Estatutos, visando, em geral, a promoção, o desenvolvimento e aperfeiçoamento do Crédito Agrícola Mútuo, a representação de interesses económicos sociais e colectivos das caixas agrícolas, suas associadas, e do Crédito Agrícola Mútuo aos níveis nacional e internacional e a defesa dos seus legítimos interesses.
Entre outros concretos fins, descritos nas várias alíneas do mencionado art.º 4º, a FENACAM também tinha como missão organizar e manter em funcionamento um serviço de auditoria às caixas agrícolas, nos termos da legislação vigente (facto provado 54).
Como se provou sob pontos 67 e 68, o serviço de auditoria da FENACAM (adiante SAUD) regia-se pelos estatutos contidos no documento 7 junto com a petição inicial, dos quais consta:
«A FENACAM (…) em cumprimento do n.º 3 do artigo 51º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 231/82, de 17 de Junho organiza, segundo o Estatuto seguinte, o Serviço de Auditoria, aberto à inscrição de todas as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, incluindo a Caixa Central, associadas ou não à FENACAM. (…)».
De acordo com o ponto 1.3 dos respectivos estatutos, o SAUD tinha como finalidade:
«(…) analisar, com carácter recorrente, todos os elementos de escrituração das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, da CAIXA CENTRAL e da FENACAM, bem como proceder à avaliação da idoneidade e fiabilidade dos demais elementos de natureza financeira e patrimonial».
Entretanto, em 1984 é criada a aqui também ré CAIXA CENTRAL – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo CRL, cooperativa com o seguinte objecto: «a) O exercício de funções de crédito e a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária, nos termos previstos na legislação aplicável; b) Promover a constituição do sistema integrado do crédito agrícola mútuo e, como seu organismo central coordená-lo e representá-lo». O seu objecto sofre pequena alteração em 2010, passando a ser o seguinte «a) O exercício da actividade bancária, incluindo todas as operações acessórias, conexas ou similares compatíveis com essa actividade e permitidas por lei; b) Como seu organismo central, coordenar e representar o sistema integrado de crédito agrícola mútuo; c) Exercer quaisquer outras atribuições que lhe sejam conferidas por lei ou por contrato» (factos 58 e 59).
O sistema integrado do crédito agrícola mútuo referido na al. b) transcrita (SICAM) é composto pela CAIXA CENTRAL e pelas Caixas Agrícolas Associadas e permite uma configuração enquadrada dentro das exigências normativas europeias de funcionamento do sistema bancário (facto 60), cabendo à CAIXA CENTRAL coordená-lo e representá-lo.
Com efeito, de acordo com o artigo 75.º, n.º 1, do RJCAM, compete à ré CAIXA CENTRAL, no exercício das funções de orientação das suas associadas:
(a) Definir as orientações necessárias para assegurar o cumprimento das regras relativas à solvabilidade e liquidez das caixas agrícolas suas associadas e do SICAM;
(b) Definir as regras gerais de política comercial e de concessão de crédito, incluindo a prestação de garantias;
(c) Definir regras gerais quanto à admissão, remuneração, formação e qualificação do pessoal;
(d) Definir regras gerais quanto à criação de novos estabelecimentos;
(e) Definir regras gerais de funcionamento e segurança dos estabelecimentos.
Compete ainda à ré CAIXA CENTRAL a fiscalização das caixas agrícolas suas associadas nos aspectos administrativo, técnico e financeiro e da sua organização e gestão (artigo 76.º, n.º 1, do RJCAM).
Até 1991 todas as Caixas de Crédito Agrícola e a CAIXA CENTRAL estavam obrigadas por lei a inscreverem-se no serviço de auditoria criado pela FENACAM, enquanto organismo cooperativo de grau superior e de âmbito nacional, serviço esse dirigido por um revisor oficial de contas, a quem incumbia analisar com periodicidade não inferior a um ano os respectivos elementos contabilísticos, sendo o relatório emitido enviado ao respectivo conselho fiscal e ao Banco de Portugal.
O Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de Janeiro, revogou o antes citado diploma e aprovou um novo Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo (RJCAM), anexo ao diploma. A nova regulamentação teve como objectivo declarado «dotar as caixas de crédito agrícola mútuo de um novo regime jurídico, justificado pela necessidade de reflectir legislativamente as transformações que o crédito agrícola mútuo atravessou nos últimos anos e de o adaptar às orientações do direito comunitário» (cfr. preâmbulo). Sofreu alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.ºs 230/95, de 12/09/1995, 320/97 de 25/11/1997, 102/99 de 31/03/1999, 201/2002 de 26/09/2002, 76-A/2006 de 29/03/2006 e 142/2009 de 16/09/2009.
O art.º 37º do RJCAM, na actual redacção, sob epígrafe auditoria das caixas agrícolas, estabelece:
«1 - As caixas agrícolas e a Caixa Central contratam obrigatoriamente um serviço de auditoria, o qual é dirigido por um revisor oficial de contas e deve verificar e apreciar periodicamente o cumprimento das normas legais e regulamentares que disciplinam a sua actividade e dos restantes aspectos mencionados no n.º 1 do artigo 120.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
2 - Dos relatórios elaborados pelo serviço de auditoria é enviada cópia, no prazo de 15 dias a partir da respectiva elaboração, aos respectivos órgãos de administração e fiscalização e ao Banco de Portugal, bem como à Caixa Central, no caso de a caixa agrícola ser sua associada, e ao Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo, quando este o solicitar.
3 - O serviço de auditoria poderá abranger a verificação e a apreciação de outros aspectos, a solicitação da própria caixa agrícola, do Banco de Portugal, da Caixa Central, da Federação Nacional ou do Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo.
4 - Os relatórios de auditoria à Caixa Central deverão ser enviados ao Banco de Portugal no prazo de 15 dias.»
(sublinhado da signatária)
Por sua vez, o n.º 1 do art.º 120º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (adiante RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, determina:
«1 - As instituições de crédito apresentam ao Banco de Portugal as informações necessárias à avaliação do cumprimento do disposto no presente Regime Geral e no Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, nomeadamente para a verificação:
a) Do seu grau de liquidez e solvabilidade;
b) Dos riscos em que incorrem, incluindo o nível de exposição a diferentes tipos de instrumentos financeiros;
c) Das práticas de gestão e controlo dos riscos a que estão ou possam vir a estar sujeitas;
d) Das metodologias adotadas na avaliação dos seus ativos, em particular daqueles que não sejam transacionados em mercados de elevada liquidez e transparência;
e) Do cumprimento das normas, legais e regulamentares, que disciplinam a sua atividade;
f) Da sua organização administrativa;
g) Da eficácia dos seus controlos internos;
h) Dos seus processos de segurança e controlo no domínio informático;
i) Do cumprimento permanente das condições previstas nos artigos 14.º, 15.º e nas alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 20.º».
Portanto, a partir da alteração legislativa de 1991, deixou de ser vinculativo recorrer à FENACAM para cumprimento da obrigação agora prevista no art.º 37º do RJCAM, podendo as Caixas Agrícolas, desde então, optar livremente entre os serviços de auditoria fornecidos pela FENACAM ou por outros da mesma natureza existentes no mercado, o que algumas fizeram, continuando outras a recorrer aos serviços da FENACAM para o efeito pretendido (factos provados 72 a 74).
Provou-se que a FENACAM prestava o serviço de auditoria externa – inicialmente, previsto no n.º 3 do artigo 51º do RJCAM anexo ao Decreto-Lei n.º 231/82, de 17 de Junho, e, mais tarde, no art.º 37º do RJCAM aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de Janeiro - exclusivamente à CAIXA CENTRAL e às Caixas Agrícolas associadas, através do SAUD (facto 71), para o que dispunha dos necessários meios (Revisor Oficial de contas e Auditores).
Corresponde, pois, à verdade que o único mercado desse departamento da FENACAM era composto pelo universo das Caixas Agrícolas. Aliás, o objecto da FENACAM impedia-a de prestar serviços a entidades fora do Crédito Agrícola Mútuo, como decorria e decorre dos seus Estatutos, antes e depois de 29/12/2015 (factos provados 54 e 56).
Faz-se aqui um parêntese para frisar que as auditorias apelidadas de externas não se confundem com as auditorias internas, levadas a cabo pelas próprias Caixas Agrícolas e pelo departamento de Auditoria da CAIXA CENTRAL (cfr. pontos 188 e 189). A auditoria que a FENACAM realizava era uma auditoria externa, no sentido de que era efectuada por uma entidade com pressuposta independência em relação à instituição auditada, muito embora fosse uma entidade que também faz parte do Grupo Crédito Agrícola (facto provado 52).
Continuando, mais se provou que em 2015 a FENACAM realizou 61 auditorias às Caixas de Crédito Agrícolas, em 2016 realizou 46 auditorias e em 2017 não realizou nenhuma (factos provados 75, 149 e 150).
Face ao exposto, corresponde à verdade o afirmado na decisão de despedimento a este respeito (primeiro, segundo e quarto travessões do ponto 1 das cartas de despedimento): até 2016 a FENACAM prestava os serviços de auditoria impostos pelo RJCAM às Caixas Agrícolas, sendo essa a sua única função; a partir de 02/01/2017 deixou de prestar, em absoluto, esse serviço.
A ré FENACAM, procurando contextualizar o facto de ter deixado de prestar serviços de auditoria a partir de 2017, afirma que [d]urante o ano de 2016 as Caixas de Crédito Agrícola deram início a um processo até então desconhecido, traduzido na contratação de serviços de auditoria a entidade distinta da FENACAM. No final daquele ano a totalidade das Caixas tinham já enveredado por esta linha, o que se traduziu na perda da totalidade dos clientes da FENACAM, que se resumia, em absoluto, às Caixas Agrícolas.
Para aferir da veracidade desta afirmação, cumpre analisar o que se apurou a este propósito.
Provou-se que em 16/10/2015, em Assembleia Geral Extraordinária da FENACAM, já se discutia a sua reestruturação, tendo sido apresentada pela Direcção da FENACAM uma proposta relativa ao SAUD, com o objectivo de este serviço continuar a reestruturar-se e a modernizar-se para poder responder credivelmente às exigências das Autoridades no quadro da União Bancária, pretendendo consolidar-se a implementação de modelo concertado com a CAIXA CENTRAL e com o Banco de Portugal.
Em contrapondo, nessa mesma Assembleia, um grupo de 11 Caixas Agrícolas manifestavam o entendimento de que um serviço de auditoria externa às Caixas não deveria estar sob tutela da FENACAM, mas sim da CAIXA CENTRAL, uma vez que é esta instituição que responde perante as autoridades de supervisão e pela gestão sã e prudente das caixas suas associadas. Caso o Banco de Portugal aprovasse essa mudança, deveria a CAIXA CENTRAL organizar-se para acomodar os auditores disponíveis.
Tais propostas não foram votadas, mas antes deliberada a constituição de um grupo de trabalho para apresentação de uma proposta de transformação da FENACAM, alinhando-a para uma nova missão e posicionamento no seio do Grupo Crédito Agrícola, que incluísse alteração estatutária (factos provados 135-138).
O referido Grupo de Trabalho apresentou a proposta descrita no facto provado 139, sugerindo a realização de uma consulta ao mercado para a prestação do serviço de auditoria externo a todo o SICAM a partir de 2017, consulta esta que deveria ter em consideração a actual equipa de colaboradores do SAUD.
Mas logo é adiantado um cenário extremo, em que nenhum colaborador é integrado no Grupo Crédito Agrícola via mobilidade interna e/ou integrado na empresa de auditoria externa e, consequentemente, apresentadas as alternativas existentes e custos associados para fazer face à inevitável (nesse cenário) extinção do posto de trabalho de toda a equipa.
As opções aventadas para esse cenário foram o despedimento colectivo, mútuo acordo, pré-reforma ou suspensão do contrato para os funcionários com mais 50 anos, todas com custos bastantes diversos e ali calculados.
Todas as hipóteses estavam, portanto, em cima da mesa, e nada decidido em definitivo.
Na assembleia de 29/12/2015, é aprovada a reestruturação da FENACAM e eliminada dos estatutos a referência expressa ao serviço de auditoria, mantendo-se, todavia, prevista a realização de actividades de interesse comum para as associadas (factos 55, 56, 140, 141 e 142).
De tal alteração não decorreu qualquer decisão de extinguir o serviço de auditoria da FENACAM, o qual, aliás, em 2016 se mantém em funcionamento, prosseguindo a sua missão de realizar auditorias às Caixas de Crédito Agrícola.
Porém, em 20/04/2016, o Conselho de Administração Executivo da CAIXA CENTRAL informou a FENACAM que: … tem vindo a trabalhar em articulação com o Banco de Portugal com vista à implementação da Auditoria externa de Grupo. Neste âmbito foram identificadas um conjunto de Caixas prioritárias a auditar pelo auditor externo para o exercício de 2016 [segue lista]. Serão auditadas pela PWC – PricewaterhouseCoopers, SROC, Lda., devendo a FENACAM abster-se de efectuar trabalhos de auditoria nas Caixas supra listadas sob pena de se incorrer em risco de duplicação… (facto 143).
E em 21/06/2016 o Conselho de Administração Executivo da CAIXA CENTRAL comunicou às Caixas Agrícolas como segue: … [a]s autoridades de supervisão têm vindo a solicitar à Caixa Central um maior envolvimento e crescente actuação no que diz respeito à sua função enquanto entidade de supervisão das Caixas Agrícolas integradas no SICAM. Nesse âmbito e de acordo com o instituído no RJCAM as Caixas Agrícolas são obrigadas a contratar um serviço de auditoria externa dirigido por um ROC. O auditor externo do Grupo tem vindo a efectuar alguns trabalhos de auditoria junto de um conjunto de Caixas que na sua opinião são representativas do SICAM, permitindo-lhe emitir certificação sem reservas por limitação de âmbito às contas do Grupo Crédito Agrícola. A Caixa Central, neste âmbito, concluiu com sucesso negociações com o auditor externo do Grupo que permite iniciar já no 2º semestre do corrente exercício auditorias a um conjunto de CCAM previamente seleccionadas de acordo com critérios definidos conjuntamente entre a Caixa Central, a PWC, Autoridades de Supervisão e FGCAM. O conceito, a partir de agora, e no que diz respeito à auditoria externa das Caixas Agrícolas é o de “Auditoria de Grupo”... (facto provado 145).
É certo que a FENACAM envia às suas clientes Caixas Agrícolas a missiva provada sob ponto 144, na qual dá a conhecer a decisão tomada - não por si - de passar a ser contratada uma entidade externa para realizar auditorias a todo o Grupo, com aplicação das regras em vigor para a generalidade da actividade bancária. Informa as Caixas Agrícolas que tudo indica que o serviço de auditoria da FENACAM não será o elegível para esse efeito e informa da provável extinção do SAUD, pois o serviço que ainda prestava acabaria esvaziado no seu conteúdo e sentido com a referida contratação. Mais adianta que a sua artificial manutenção traduzir-se-ia num aumento de custos sem correspondência com necessidades das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo.
Se é indubitável que já em 2015 havia sinais, conhecidos pela FENACAM, da existência de vontade de introduzir modificações de relevo no serviço de auditoria que vinha prestando, como resulta das assembleias gerais de Outubro e de Dezembro de 2015 acima mencionadas, resulta evidenciado que só no ano de 2016 é que a questão assume contornos definidos, com a CAIXA CENTRAL a determinar que a auditoria a um conjunto de vinte primeiras Caixas seja já efectuada pela auditora externa PWC, e a FENACAM informada de que deverá abster-se de efectuar trabalhos de auditoria nessas Caixas, sob pena de se incorrer em risco de duplicação.
Mais, em Junho de 2016 a CAIXA CENTRAL comunica às Caixas Agrícolas ter concluído negociações com o auditor externo do Grupo, de molde a iniciar já no 2º semestre do ano de 2016 auditorias a um conjunto de Caixas Agrícolas previamente seleccionadas de acordo com critérios definidos conjuntamente entre a Caixa Central, a PWC, Autoridades de Supervisão e FGCAM. O conceito, a partir de agora, comunica, no que diz respeito à auditoria externa das Caixas Agrícolas, é o de “Auditoria de Grupo”. Os serviços da PWC serão efectuados de acordo com cronograma de trabalhos e profundidade definida e proposta às autoridades de supervisão, garantindo que todas as Caixas de Crédito Agrícola sejam auditadas de 2 em 2 anos, com emissão de relatório “LONG FORM”. Termina aconselhando todas as Caixas de Crédito Agrícola que tenham contratado serviços de auditoria externa autónomos, que façam cessar todos os contratos, sob pena de duplicação de custos e de serviço.
Como decorre dos factos provados 218 a 220, após o envio da missiva de 21/06/2016, a realização de auditorias externas por outras entidades constituiria duplicação de esforços e de custos para as Caixas Agrícolas. Perante tal indicação, as Caixas de Crédito Agrícola, como não podia deixar de ser, seguiram a indicação da CAIXA CENTRAL e passaram a contratar os serviços de auditoria ao auditor externo seleccionado por aquela. É que não se pode olvidar o especial papel que a CAIXA CENTRAL tem perante aquelas Caixas Agrícolas, que lhe é conferido por lei. Relembra-se que, como se disse supra, cabe-lhe assegurar o cumprimento das regras de solvabilidade e liquidez do sistema integrado do crédito agrícola mútuo e das caixas agrícolas a ele pertencentes, bem como orientá-las e fiscalizá-las, proceder à consolidação das contas, suas e das caixas agrícolas suas associadas, conforme for definido pelo Banco de Portugal, nos termos consagrados no Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de Janeiro, mais possuindo poderes de intervenção directa nas Caixas Agrícolas, competindo-lhe a respectiva fiscalização em aspectos administrativos, técnicos e financeiros e da sua organização e gestão (cfr. factos provados 61 e 62 e artigos 75º e 76º do RJCAM).
Portanto, neste enquadramento, corresponde à verdade que durante o ano de 2016 as Caixas de Crédito Agrícola deram início à contratação de serviços de auditoria a entidade distinta da FENACAM, sendo este um processo que até então era desconhecido, no sentido de que até meados de 2016 o SAUD continuou em funcionamento e as Caixas Agrícolas a recorrer aos respectivos serviços de auditoria e de que só então foi efectivamente tomada uma decisão que deu início a um processo de mudança do paradigma das auditorias do art.º 37º do RJCAM.
É certo que a FENACAM já vinha antevendo prováveis modificações na questão da auditoria, e disso são prova as discussões travadas nas respectivas Assembleias Gerais do final de 2015. No entanto, até 2016 nada de concreto estava definido e tanto assim foi que nesse ano ainda realizou 46 auditorias às Caixas Agrícolas, o mesmo já não sucedendo em 2017.
Na óptica do tribunal, as afirmações contidas no terceiro travessão do ponto 1 da decisão de despedimento são, por todo o exposto, também verdadeiras, mormente a efectiva perda da totalidade dos seus clientes.
A referência feita na missiva de despedimento de que se tratou de um processo até então desconhecido também não falta à verdade. Com efeito, se em 2015 já se falava em reestruturação da FENACAM e na retirada do serviço de auditoria a essa entidade e, no final de Dezembro de 2015, é aprovada alteração estatutária que elimina a referência expressa ao serviço de auditoria, o certo é que a decisão de deixar de contratar o serviço de auditoria da FENACAM, com a comunicação de que foi contratada a PWC para esse efeito, só é adoptada em 2016 e formalmente comunicada à FENACAM em Abril de 2016.
Certo é que todo este processo é o culminar de uma paulatina evolução na forma como as auditorias passaram a ser encaradas, tal como o reflectem os factos provados 201 a 216. Tudo teve a sua origem na circunstância de a partir de determinada altura, que facilmente se identifica com diversos problemas que foram atingindo a Banca pelo mundo fora e em Portugal21, que vieram imprimir uma maior necessidade de estrito cumprimento de regras contidas no RJCAM e no RGICSF e com a necessidade, entre outras, de ser garantida a efectiva independência do auditor relativamente ao auditado.
Procurando ir de encontro a tais preocupações que se vinham manifestando, e ainda na expectativa de manter em funcionamento o serviço de auditoria dando resposta àquelas, a FENACAM lançou um concurso para substituir o Revisor Oficial de Contas que há vários anos assumia a Direcção Técnica do Serviço de Auditoria da FENACAM (ZZ & Associados, SROC, Lda.), do que resultou a contratação, pela FENACAM, da Ernst & Young, SROC a partir de Janeiro de 2015.
Esta empresa foi incumbida de desenvolver diligências tendo em vista definir um novo modelo e procedimentos para o Serviço de Auditoria da FENACAM, consubstanciado na implementação de um novo modelo de relatório (factos 70 e 204 a 210).
Apesar disso, porque continuaram a ser manifestadas reservas pelo supervisor a propósito da questão da independência entre o auditor e o auditado, dada a possibilidade de sobreposição de interesses entre os titulares dos órgãos societários da FENACAM e os clientes do serviço de auditoria externa desta, a CAIXA CENTRAL considerou que o serviço de auditoria externa da ré FENACAM não dava suficientes garantias de independência (factos 211 a 213).
Foi nesse seguimento que foram efectuadas as comunicações provadas sob pontos 143 a 145, e a PWC seleccionada pela CAIXA CENTRAL para prestar os serviços de auditoria externa até então prestados pela ré FENACAM (facto 214), perdendo esta o seu mercado – a sua clientela - do serviço de auditoria.
Com efeito, as Caixas Agrícolas são aquilo que se pode qualificar como o «mercado do serviço de auditoria da ré FENACAM». Mercado é um conceito de cariz económico, que tem que ser lido à luz da entidade concreta em apreciação, isto é, considerando as suas especificidades. Por isso, o conceito de mercado tem que ser devidamente adaptado à situação dos autos, considerando a natureza da ré e o seu objecto. Aliás, os motivos de mercado a que se alude na al. a) do n.º 2, do art.º 359º, são concretizados como redução da actividade da empresa provocada por diminuição previsível da procura de bens ou serviços (no caso da procura do serviço de auditoria) ou de impossibilidade superveniente de os colocar no mercado.
A FENACAM não podia, perante as opções tomadas por terceiros e a ausência de solicitação dos serviços do SAUD por parte das suas clientes Caixas Agrícolas, alterar a esfera de actuação daquele serviço, dirigindo-a a outra clientela e alargando o seu mercado, por a tal obstar a sua qualidade de federação e as finalidades que estatutariamente prossegue.
É certo, como afirmam os autores, que o mercado do SAUD não desapareceu; as Caixas Agrícolas continuam a existir e a necessitar de realizar as auditorias impostas pelo art.º 37º do RJCAM; mas esse mercado deixou efectivamente de recorrer ao SAUD, pelo que tem que se considerar, para os efeitos em análise, que desapareceu, pois deixou de contratar as auditorias ao SAUD.
É também correcto afirmar-se, em face do que se provou, que foi a CAIXA CENTRAL que tomou a decisão de implementar um conceito de auditoria de Grupo distinto do até então praticado, o que fez pelas razões já explanadas e dentro dos poderes que a lei lhe confere, enquanto organismo central, que exerce actividade bancária e tem por função coordenar e representar o sistema integrado de crédito agrícola mútuo, com as concretas funções já acima descritas (factos 58 a 62).
Repete-se que desde 1991, com a alteração introduzida no RJCAM, as Caixas Agrícolas deixaram de ser obrigadas a recorrer ao serviço de auditoria da FENACAM, podendo, deste então, contratar entidade diversa para a realização das auditorias impostas pelo art.º 37º do RJCAM, contando que a mesma fosse dirigida por um Revisor Oficial de Contas. Como se disse, apesar dessa faculdade, as Caixas Agrícolas continuaram a recorrer à FENACAM até 2016 e esta manteve-se disponível e organizada para dar resposta a essas solicitações.
A decisão adoptada de, a partir de 2016, as auditorias do art.º 37º do RJCAM passarem a ser contratadas a uma empresa externa ao Grupo Crédito Agrícola, teve por inevitável consequência a extinção do serviço de auditoria da ré FENACAM, por ausência de destinatários do serviço, por ausência de objecto.
Contudo, não é possível afirmar ter sido a CAIXA CENTRAL a decidir a extinção do SAUD. Não se provou ser essa entidade quem toma todas as decisões estratégicas e vinculantes para o futuro da ré FENACAM nem se apuraram factos que permitam afirmar que no Grupo Crédito Agrícola todas as entidades, incluindo a FENACAM, funcionam de forma integrada, sendo a autonomia, essencialmente, formal. Tal papel poder-se-á afirmar, eventual e parcialmente, relativamente às Caixas de Crédito Agrícola inseridas no SICAM, mas não já às demais instituições que fazem parte desse grupo, mormente, quanto à FENACAM, que sequer é uma instituição de crédito. Aliás, a CAIXA CENTRAL não detém a FENACAM, como decorre dos factos 63 e 64.
O facto de ter sido a ré FENACAM quem comunicou às Caixas Agrícolas que, relativamente ao SICAM, as Autoridades de Supervisão preconizam a aplicação de um modelo distinto do actual, pretendendo-se a contratação de entidade externa que assegure a realização sistemática de auditorias e que o serviço prestado pelo Serviço de Auditoria da FENACAM (SAUD) não seria solução elegível para o efeito, e que, a seu tempo, a implementação da medida imposta determinará a extinção do SAUD, pois que o serviço ainda hoje prestado pela FENACAM acabará esvaziado no seu conteúdo e sentido (cfr. circular CA/05/2016 do Conselho de Administração da FENACAM de 07/06/2016, facto provado 144), não coloca em causa a fundamentação da decisão de despedimento.
O art.º 359º do Código do Trabalho elege como fundamento válido para a cessação de contratos de trabalho através de despedimento colectivo decisões empresariais de encerrar uma ou várias secções ou estruturas equivalentes, desde que fundadas em objectivos motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos.
Como se viu, a FENACAM tinha reais motivos de mercado que sustentam e justificam plenamente a sua decisão de encerrar o seu departamento Serviço de Auditoria, dado o evidente desaparecimento de procura dos serviços que aquele prestava (realização de auditorias às Caixas de Crédito Agrícola).
Evidentemente que manter a estrutura de custos do SAUD, sem que este tivesse qualquer actividade, não seria uma decisão economicamente viável ou desejável. Daí a necessidade de reestruturar a sua organização, eliminando o departamento dedicado à realização daquelas auditorias.
Não se provaram quaisquer factos que permitam afirmar, como fazem os autores, que a decisão de acabar com o serviço de auditoria da FENACAM foi arbitrária e não atendeu a critérios de interesse da empresa e das suas clientes Caixas Agrícolas, desconsiderando critérios de custos e de competência.
Como ficou demonstrado, foram as próprias Caixas Agrícolas, sob orientação da CAIXA CENTRAL, que decidiram deixar de recorrer ao serviço de auditoria da FENACAM, sem que tal tenha sido resultado de qualquer ponderação ao nível dos respectivos custos. Por um lado, não foi a FENACAM quem tomou essa decisão e, por outro, a motivação subjacente a essa opção visou, como se viu, propósitos diversos. Deste modo, é irrelevante saber se a entrega das auditorias a uma entidade diversa da empregadora dos autores apresenta ou não vantagens económicas para as Caixas Agrícolas e se estas passaram, em concreto, a pagar mais ou menos pelo serviço em causa, por comparação com os custos que suportavam com as auditorias da FENACAM.
Também é irrelevante, para apreciação dos fundamentos do despedimento colectivo, saber se o serviço prestado pela FENACAM era, em termos qualitativos, melhor do que aquele que passou a ser prestado pela PWC, se os auditores tinham experiência acumulada e reconhecida, se a equipa era estável, se tinha acesso ilimitado a toda a informação, se a periodicidade entre auditorias era menor ou se o serviço da FENACAM tinha ou não interesses comerciais. São questões totalmente irrelevantes para a apreciação da ilicitude do despedimento, visto que não cumpre ao tribunal imiscuir-se em assuntos de índole estratégica e/ou empresarial.
Da mesma forma, também escapa ao objecto do litígio apurar se por trás da decisão de entregar a auditoria do art.º 37º a entidade externa ao grupo esteve algum incómodo da auditadas em relação ao trabalho desenvolvido nas auditorias da FENACAM.
Não cumpre, ainda, questionar neste âmbito o acerto da decisão económica de passar a realizar as auditorias impostas pelo RJCAM através de uma empresa externa e de, consequentemente, extinguir o Serviço de Auditoria.
(…)
Conclui-se, face a todo o exposto, que a ré FENACAM logrou demonstrar a veracidade dos motivos invocados na decisão de despedimento para o justificar.
Por outro lado, mais resulta demonstrado que existe relação directa e causal entre os motivos invocados (ausência de clientes para o serviço de auditoria), a decisão de acabar com o serviço de auditoria da FENACAM e, consequentemente, com os postos de trabalho dos auditores que permaneciam ao seu serviço e abrangidos pelo despedimento (os únicos auditores que na data do despedimento ainda se encontravam ao serviço da FENACAM, que eram os autores e a trabalhadora II).
Portanto, os motivos são reais e, para além disso, congruentes com os postos de trabalho abrangidos.
Tudo ponderado, conclui-se pela procedência dos motivos invocados para fundamentar o despedimento colectivo movido pela ré FENACAM.» (sublinhado nosso).
Concordamos com esta fundamentação.
Refere ainda a sentença recorrida:
«(…) a possibilidade de reconversão ou reclassificação profissional foi tratada no momento próprio do próprio procedimento de despedimento colectivo, resultando evidenciado que não foram apresentadas alternativas ao despedimento nos quadros da FENACAM, nem por empregadora, nem pelos trabalhadores.
De resto refira-se que os autores em momento algum da sua petição inicial sustentam que existiam no seio da FENACAM alternativas válidas à subsistência da relação laboral. Apenas o fazem de forma genérica relativamente à possibilidade de afectação a outras instituições do Grupo, sem concretizar quais, sendo a este respeito que pugnam pela desconsideração da personalidade jurídica do Grupo Crédito Agrícola.
Mas será que se demonstraram factos que permitam concluir que a personalidade jurídica do colectivo que integra o Grupo foi utilizada pela FENACAM de modo ilícito ou abusivo, com o intuito de prejudicar terceiros, no caso, os autores que, como defendem, é pressuposto da pretendida desconsideração?
Como se provou, a ré FENACAM era a empregadora dos autores. Empregador é aquele perante o qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar-lhe a sua actividade, no âmbito da respectiva organização e sob sua autoridade (art.º 11º do Código do Trabalho).
Cumpre mencionar que, como resulta dos factos provados, a ré CAIXA CENTRAL não era entidade empregadora dos autores, por não se verificar relativamente à mesma qualquer dos pressupostos de que depende a existência de um vínculo laboral. Os factos provados sob os pontos 266 a 278 são, a esse respeito, inteiramente esclarecedores.
Aliás, a qualidade de empregadora da FENACAM - para quem os autores, aliás, alegam que trabalhavam em regime de exclusividade -, e a sua legitimidade para promover o despedimento colectivo não são postas em causa pelos autores nas suas peças processuais. Apenas a respeito da possibilidade de subsistência da relação de trabalho os autores trazem à colação em concreto as questões relacionadas com o Grupo em que a FENACAM se encontra inserida.
Como é sabido, a mera relação empresarial ou societária de Grupo não determina a extensão da posição de empregador ao Grupo ou aos seus membros, o que apenas sucede nos casos de pluralidade de empregadores. Nestas situações, com consagração legal no art.º 101º do Código do Trabalho, o trabalhador obriga-se a prestar trabalho a vários empregadores entre os quais existe uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou que tenham estruturas organizativas comuns.
Os autores não alegam, em momento algum, que se encontravam vinculados a mais do que uma empregadora, nem tal resulta da factualidade provada.
Porém, a respeito da verificação da possibilidade de subsistência da relação laboral, pretendem que se reconheça como real e efectivo empregador o Grupo Crédito Agrícola, cuja personalidade jurídica pretendem, para o efeito, seja desconsiderada. Nesse âmbito alegam que apesar da autonomia formal de cada uma das instituições do Grupo Crédito Agrícola, é a CAIXA CENTRAL quem dita as decisões estratégicas e que efectua a gestão central de todas as empresas do mencionado Grupo.
No que respeita à alegada dependência entre as instituições que integram o Grupo Crédito Agrícola, cumpre referir que se provou ser o mesmo um grupo financeiro cooperativo de âmbito nacional, que integra a CAIXA CENTRAL - Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, C.R.L., as 75 Caixas de Crédito Agrícola Mútuo suas Associadas, as empresas de serviços auxiliares participadas, directa ou indirectamente, pela CAIXA CENTRAL, e a FENACAM (facto provado 52).
À FENACAM, federação de cooperativas fundada em 29/11/1978 (anos antes da criação da CAIXA CENTRAL), compete, em geral, a promoção, o desenvolvimento e aperfeiçoamento do Crédito Agrícola Mútuo, a representação de interesses económicos sociais e colectivos das caixas agrícolas, suas associadas, e do Crédito Agrícola Mútuo aos níveis nacional e internacional e a defesa dos seus legítimos interesses, e desde 29/12/2015, tem por fins a representação e o desenvolvimento do crédito agrícola mútuo, o reforço do espírito de solidariedade e de cooperação entre as associadas, bem como a promoção, coordenação e realização de actividades de interesse comum para as mesmas, e, em especial, representar as caixas agrícolas e as uniões regionais suas associadas perante quaisquer entidades nacionais, estrangeiras ou internacionais na realização e defesa dos direitos e interesses das associadas e promover o cooperativismo no seio do Grupo (factos 53 a 56).
Para tal efeito, a FENACAM criou, desenvolveu e dinamizou vários serviços de apoio e suporte à actividade das Caixas Agrícolas existentes em todo o território nacional, sendo as mais relevantes avaliações, apoio administrativo e financeiro, auditoria e produção documental e aprovisionamento (facto 57).
Já a CAIXA CENTRAL é uma cooperativa, constituída em 1984, tendo por objecto o exercício de funções de crédito e a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária, nos termos previstos na legislação aplicável e a promoção da constituição do sistema integrado do crédito agrícola mútuo e, como seu organismo central coordená-lo e representá-lo. O seu objecto manteve-se, no essencial, em 2010, após criação do SICAM (Sistema Integrado das Caixas de Crédito Agrícola, composto pela CAIXA CENTRAL e pelas Caixas Agrícolas Associadas, que permite uma configuração enquadrada dentro das exigências normativas europeias de funcionamento do sistema bancário), sendo o seu objecto social ajustado para exercício da actividade bancária, incluindo todas as operações acessórias, conexas ou similares compatíveis com essa actividade e permitidas por lei; como seu organismo central, coordenar e representar o sistema integrado de crédito agrícola mútuo; exercer quaisquer outras atribuições que lhe sejam conferidas por lei ou por contrato (factos 58 e 59).
É certo que à CAIXA CENTRAL compete, no âmbito dos seus poderes de actuação definidos na lei ou enquanto interlocutora entre o SICAM e o Banco de Portugal, dirigir orientações às Caixas Agrícolas integrantes do SICAM, que, por regra, estas cumprem, sendo que o não acatamento pelos destinatários das orientações da ré CAIXA CENTRAL, emitidas no âmbito referido no ponto anterior, implica pelo menos o reporte da situação ao Banco de Portugal. Não está evidenciado nos factos provados o cariz vinculativo de todas e quaisquer indicações, orientações ou directrizes que a CAIXA CENTRAL entenda a cada momento dirigir às Caixas Agrícolas inseridas no SICAM, mas aquelas que emanam dos poderes conferidos especificamente por lei.
De todo o modo, tais poderes não se estendem à FENACAM que, para além de não pertencer ao SICAM, sequer é uma instituição bancária. Ficou provado que a CAIXA CENTRAL não dirige ordens nem orientações à FENACAM, e dela sequer é associada (factos provados 236-238). A circunstância de ter um papel relevante na negociação de protocolos referentes à prestação de serviços de produção documental da FENACAM ao SICAM (e não às Caixas Agrícolas que não integram o SICAM ou outras entidades do Grupo), como resulta dos factos provados 232 a 235, não demostra ser a CAIXA CENTRAL quem dita as decisões estratégicas da FENACAM. Antes revela que tem uma posição negocial forte, decorrente do seu papel de representação de todo o SICAM que, como emana dos factos provados, é relevante destinatário dos serviços prestados pela FENACAM. Mas não demonstra mais do que isso.
A FENACAM é detentora de mais de 98% do seu capital social, materializado em títulos de capital detidos pelas Caixas de Crédito Agrícolas suas associadas, e apenas o remanescente é detido pelas entidades que integram o SICAM. Possui os seus próprios órgãos sociais, eleitos em assembleia, os quais são distintos dos da CAIXA CENTRAL (factos 63 a 65, 156 a 159 e 229).
Não se provou que a ré FENACAM trabalhe mediante as ordens e direcção da ré CAIXA CENTRAL. Para além disso, a Federação, tal como, aliás, cada uma das Caixas de Crédito Agrícola, tem autonomia decisória quanto à generalidade dos aspectos da respectiva actividade, designadamente, para contratar os trabalhadores que entende, definir livremente as respectivas condições de trabalho e fazer cessar os vínculos nos termos que julgue necessário. Por outro lado, a CAIXA CENTRAL não dirige, nem dirigiu, os trabalhadores da ré FENACAM nem presta, nem prestou, à ré FENACAM serviço de gestão de recursos humanos, designadamente processamento de salários ou marcação de faltas e férias (factos 276-278).
Nada indica, portanto, que a FENACAM não disponha de autonomia na gestão dos seus assuntos. Não obstante a inserção no Grupo Crédito Agrícola de ambas as rés, estamos perante duas instituições distintas, com objectivos e funções diversas, ainda que, naturalmente, tenham entre si as ligações decorrentes do facto de pertencerem ao mesmo Grupo.
Por fim, cumpre referir que o denominado Grupo Crédito Agrícola não é uma pessoa colectiva nem é dotado de personalidade jurídica, não tendo sido demandado nesta acção, sendo certo que também não está evidenciado que a CAIXA CENTRAL, apelidada pelos autores de «cabeça do grupo», assuma a respectiva representação, não obstante o papel que desempenha no seu seio em determinadas matérias, atentas as competências que a lei lhe atribui e que acima já se deixaram elencadas.
Relativamente às políticas de mobilidade em vigor no Grupo Crédito Agrícola Mútuo, as mesmas têm assento no ACT aplicável (capítulo IV), estando sempre dependentes de acordos entre os envolvidos. As políticas de mobilidade consagradas na cláusula 31ª do ACT salvaguardam os casos de mudança definitiva de entidade patronal (soluções propostas aos autores em momento prévio ao início do processo de despedimento colectivo). O que se provou sob os pontos 79 a 85 nada demonstra a respeito da tese dos autores, porquanto se desconhece em absoluto em que circunstâncias ocorreram as transições de colaboradores aí descritas, sendo certo que se provou, sob ponto 240, estar a mobilidade interna no seio do Grupo Caixa Agrícola sempre dependente de negociação caso a caso.
Mais alegam os autores que a relação de grupo é reforçada pelas abordagens prévias com vista à sua contratação por outra entidade dentro do Grupo Crédito Agrícola Mútuo, o que justifica a conclusão de que todo o Grupo seria seu empregador, pelo que a manutenção dos postos de trabalho seria uma possibilidade.
Tal argumentação cai por terra pois dos factos assentes não decorre que qualquer das abordagens prévias ao despedimento e as hipóteses de contratação dos autores por outras entidades do Grupo (cfr. factos provados 88-94, 103-121, 241-261) consistissem em hipóteses de subsistência da relação laboral que a FENACAM se preparava para fazer cessar. Com efeito, todas essas abordagens implicavam a constituição de novos e diferentes vínculos jurídicos de trabalho e a cessação do vínculo com a FENACAM, ainda que com reconhecimento da antiguidade adquirida nas instituições abrangidas pelo ACT, em estrito cumprimento da respectiva cláusula 14ª («Para todos os efeitos previstos neste ACT, a antiguidade do trabalhador é determinada pela contagem do tempo de serviço prestado em instituições abrangidas por este Acordo»).
Aliás, a intervenção da FENACAM nas tentativas de contratação por outras entidades do Grupo é, como decorre dos factos provados, de mera intermediária e facilitadora de contactos, nunca tendo apresentado propostas de trabalho a qualquer dos autores. A intenção que decorre dos factos provados era a de, tal como sucedeu com outros auditores que integravam o SAUD, se encontrarem alternativas satisfatórias de emprego dentro do Crédito Agrícola também para os autores, razão por que, logo que se tornou evidente ser a extinção do SAUD uma inevitabilidade, o Director Geral da FENACAM prestou essa informação a todos os auditores, dando indicações para manifestarem colaboração e disponibilidade na procura de soluções de afectação a outros serviços, dentro do grupo Crédito Agrícola Mútuo, designadamente, apresentando candidaturas ao processo de selecção interna de colaboradores para a Direcção de Fiscalização, Orientação e Acompanhamento (DFOA) da CAIXA CENTRAL, recentemente colocado na plataforma informática (facto 76).
Esse mesmo desiderato é manifestado na comunicação que a FENACAM dirige às Caixas Agrícolas em Junho de 2016, em que é anunciado o inicio de estudo de alternativas de reafectação funcional, envolvendo também o Conselho de Administração Executivo da Caixa Central (facto provado 77).
Apesar desse envolvimento, certo é que não estava ao alcance da FENACAM determinar a contratação dos autores por entidades do Grupo Crédito Agrícola nem impor condições de contratação, por ser destituída de poderes para esse efeito.
Aliás, nem a CAIXA CENTRAL poderia determinar algo semelhante, apesar de lhe competir o desenvolvimento do processo, métodos e técnicas a utilizar para o recrutamento, selecção e mobilidade de pessoal no Grupo Crédito Agrícola, nos termos do Regulamento em matéria de admissões e de mobilidade interna de pessoal (facto provado 183, documento 92). Tal prerrogativa insere-se na previsão contida no art.º 75º, n.º 1, al. c), do RJCAM, de acordo com o qual, sem prejuízo das competências do Banco de Portugal, compete à CAIXA CENTRAL, no exercício das funções de orientação das suas associadas, definir regras gerais quanto à admissão, remuneração, formação e qualificação do pessoal. Não lhe cabe, porém, tomar decisões quanto à admissão de candidatos, como decorre do art.º 12º do referido Regulamento e da circunstância de as Caixas Agrícolas serem entidades jurídicas diversas. Nesse campo apenas lhe competiria apresentar aos autores propostas de lugares que tivesse na sua organização, como efectivamente fez, embora sem sucesso.
Em suma, as políticas de mobilidade existem e são instrumentos facilitadores de transferências no seio do Grupo Crédito Agrícola, mas não se substituem à vontade contratual e negocial das entidades jurídicas que compõem o Grupo de constituição, ou não, de vínculos laborais.
Por fim, a matéria provada sob os pontos 185 a 187 não afasta as conclusões alcançadas, pois é frequente e natural a criação e aproveitamento de sinergias, para efeitos operacionais e comerciais, sendo que estes últimos fomentam e promovem a marca Crédito Agrícola Mútuo, sem que daí se possa extrair qualquer ilação a respeito das relações laborais estabelecidas pelas entidades de compõem o Grupo.
Decorre do exposto que o Grupo Crédito Agrícola não funciona, do ponto de vista laboral, como única e efectiva entidade empregadora dos autores, pelo que a possibilidade de subsistência do vínculo laboral que os autores mantinham com a FENACAM não pode ser aferida por referência ao Grupo Crédito Agrícola. Ainda que tal fosse possível – que não é – para tal desiderato a análise a efectuar passaria por todas as entidades que integram o Grupo que, para além das aqui rés, são 75 Caixas de Crédito Agrícola Mútuo e todas as empresas de serviços auxiliares participadas.
De todo o modo, os autores também não demonstraram que existiam postos de trabalho disponíveis no Grupo para si, com as exactas características remuneratórias e com o nível de senioridade que ambos possuíam e pretendiam manter. Havia necessidade da função de auditor em algumas entidades do Grupo Crédito Agrícola, e tanto assim que lhes foram apresentadas algumas hipóteses de contratação. Porém, os autores não se mostraram disponíveis para as aceitar, por entenderem – no âmbito da sua liberdade negocial – que as condições contratuais propostas representavam um retrocesso remuneratório e nas respectivas carreiras.
Argumentam os autores que outros auditores que integravam o SAUD permaneceram no Grupo Crédito Agrícola e que só num caso se verificou descida de nível salarial, como se demonstrou sob pontos 244 e 245 dos factos provados. O que não altera as considerações tecidas, posto que, como já se referiu, a mobilidade interna no seio do Grupo Caixa Agrícola está sempre dependente de negociação caso a caso (facto 240), a qual, no caso dos auditores referidos nos factos 244 e 245, terá tido sucesso. Ao contrário do que sucedeu com os autores, em que as negociações encetadas, malogradamente, não chegaram a bom porto.
Ao contrário do alegado a respeito da proibição de baixa de categoria e da retribuição, não decorre dos factos assentes que a FENACAM pretendesse ou desejasse que isso sucedesse. Primeiro sequer se provou que tenha apresentado aos autores qualquer proposta concreta de contratação que visasse baixa de categoria ou de retribuição. A empregadora dos autores tinha razões objectivas para fazer cessar os contratos de trabalho que a vinculava a cada um dos autores e, não obstante, procurou promover a respectiva contratação por outras entidades pertencentes ao mesmo Grupo, sendo certo que a tal não estava vinculada nem, muito menos, obrigada a garantir a remuneração e categoria que os autores quando tinham ao seu serviço no SAUD.
Em suma, os autores não lograram demonstrar factos que permitam concluir que a personalidade jurídica do colectivo que integra o Grupo foi utilizada pela FENACAM de modo ilícito, abusivo ou em fraude à lei».
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Sobre a questão em apreço refere Catarina de Oliveira Carvalho in  “Cessação do contrato de trabalho promovida pelo empregador com justa causa objectiva no contexto dos grupos empresariais” ( “Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea” , Almedina, págs. 230 e 231) : « Antecipamos já o nosso entendimento no sentido de ser facilmente defensável, face ao direito vigente, pelo menos, a existência de uma obrigação de reclassificação quando, para além de uma estreita relação de grupo, a sociedade dominante tenha influenciado a esfera jurídica do trabalhador provocando a perda do seu posto de trabalho.» 
No caso concreto, a “Fenacam” é uma Federação de Cooperativas e não integra o SICAM e o mesmo grupo jurídico da R. “Caixa Central”. Inexiste a apontada “relação de domínio”.
Concordamos, por isso, com a sentença recorrida quando defende que a subsistência da relação de trabalho não deve ser aferida numa perspectiva do “Grupo Crédito Agrícola”.
Conforme refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.11.2017- www.dgsi.pt: justifica-se a desconsideração da personalidade jurídica quando «a personalidade colectiva é usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros».
Refere a sentença recorrida:
«Nos termos do art.º 334º do Código Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. (…)
O exercício lícito do direito de promover um despedimento colectivo, muito embora possa suscitar nos visados sentimentos subjectivos de injustiça material, não foi exercido em termos que ofendam o sentimento de justiça dominante na comunidade social.
Também não se identifica que exista qualquer contradição entre o modo e o fim com que a empregadora exerceu o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito, antes sendo, como supra se concluiu, integralmente congruentes entre si.»
 
Atentas as razões indicadas, inexistem elementos que nos permitam concluir que ocorreu abuso de direito e não se justifica a desconsideração da personalidade jurídica.
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Vejamos, agora, se não foram indicados os critérios de selecção.
Resultou provado sob 12:
12. Na mesma comunicação, a FENACAM incluiu os anexos mencionados na carta, constando do anexo III o quadro de trabalhadores respectivo, em número de 37, no anexo IV a indicação dos trabalhadores a incluir no despedimento, os aqui autores e a trabalhadora II, e no anexo V, como informações complementares, para além do mais, a indicação do período de tempo previsível para o despedimento e o método de cálculo da compensação.
No anexo II consta: «Não se verifica, pois, uma selecção de trabalhadores a despedir de entre outros com a mesma função, mas antes os trabalhadores visados constituem a totalidade do universo de auditores com vínculo contratual (contrato de trabalho) com Fenacam, em número de três.»
O critério adoptado foi o de abranger no despedimento os trabalhadores integrados no “Serviço de Auditoria” com o cargo de auditores (três).
Os restantes auditores já tinham saído antes e as secretárias exerciam funções diversas.
Foram, por isso, eliminados os três postos de trabalho de auditores que, à data do despedimento, exerciam ainda funções no “Serviço de Auditoria”.
A escolha desta categoria de trabalhadores é congruente com a motivação do despedimento.
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Vejamos, de seguida, se ocorreu violação do princípio da igualdade.
No que concerne ao princípio da igualdade, refere o Acórdão de 27.05.2020 desta Relação de Lisboa (relatora Desembargadora Celina Nóbrega) - www.dgsi.pt:
"Sobre o princípio da igualdade afirma o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 437/06, de 12.6.2006, citado no site da PGDL em anotação ao artigo 13º da CRP “O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e postula, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cfr. por todos acórdão n.º 232/2003, publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de Junho de 2003 e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 56.º Vol., págs. 7 e segs.)”.
E de acordo com o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 266/15, mesma fonte: «Recorre-se aqui à conhecida e abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa ao princípio da igualdade. Enquanto «vínculo específico do poder legislativo (pois só essa sua «qualidade» agora nos interessa), o princípio da igualdade não tem uma dimensão única. Na realidade, ele desdobra-se em duas «vertentes» ou «dimensões»: uma, a que se refere especificamente o n.º 1 do artigo 13.º, tem sido identificada pelo Tribunal como proibição do arbítrio legislativo; outra, a referida especialmente no n.º 2 do mesmo preceito constitucional, tem sido identificada como proibição da discriminação. Em ambas as situações, está em causa a dimensão negativa do princípio da igualdade. Do que se trata - tanto na proibição do arbítrio quanto na proibição de discriminação - é da determinação dos casos em que merece censura constitucional o estabelecimento, por parte do legislador, de diferenças de tratamento entre as pessoas. Mas enquanto, na proibição do arbítrio, tal censura ocorre sempre que (e só quando) se provar que a diferença de tratamento não tem a justificá-la um qualquer fundamento racional bastante, na proibição de discriminação a censura ocorre sempre que as diferenças de tratamento introduzidas pelo legislador tiverem por fundamento algumas das características pessoais a que alude - em elenco não fechado - o n.º 2 do artigo 13.º É que a Constituição entende que tais características, pela sua natureza, não poderão ser à partida fundamento idóneo das diferenças de tratamento legislativamente “(…) III - O princípio da igualdade (13º CRP) proclama tratamento igual para o que é essencialmente igual e tratamento diferenciado para o que é substancialmente diferente, sendo um travão a arbitrariedades.(…).
Ainda sobre o princípio da igualdade escreve-se no sumário do recente Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31.3.2020, pesquisa em www.dgsi.pt: “(…) III - O princípio da igualdade (13º CRP) proclama tratamento igual para o que é essencialmente igual e tratamento diferenciado para o que é substancialmente diferente, sendo um travão a arbitrariedades, não vedando, contudo, distinções fundadas em motivos objectivos e racionais (…)»
Retornando ao caso em apreço, diz a sentença recorrida: «Muito embora se tenha provado a existência de acordos de pré-reforma no seio de entidades do grupo Crédito Agrícola (cfr. facto provado 265 e documentos 138 a 146 de petição inicial), desconhecem-se as exactas circunstâncias em que os mesmos tiveram lugar, o que desde logo impossibilita a apreciação da questão do ponto de vista da violação do princípio da igualdade.»
Nas suas alegações de recurso referem, agora, os recorrentes que ocorreu discriminação « dado que dos 9 auditores que integravam o Serviço de Auditoria da Recorrida FENACAM , 6 permanecem no Grupo Crédito Agrícola e apenas num caso se verificou a descida de nível salarial (…) De igual modo os dois elementos afetos ao secretariado do Serviço de Auditoria da Recorrida FENACAM não foram abrangidos pelo despedimento dirigido à Recorrente AA e aos dois outros auditores.»
Também nesta situação não foram apuradas as circunstâncias concretas que estiveram na origem das invocadas situações contratuais, pelo que não poderemos concluir pela diversidade de tratamento e pela consequente violação do princípio da igualdade.
Uma vez que não resulta do exposto a ilicitude do despedimento, não cumpre decretar a reintegração dos recorrentes e determinar o pagamento das quantias peticionadas.
Dos autos não resultam elementos que permitam ao Tribunal concluir pela verificação dos requisitos da litigância de má fé consignados no art.º 542º, nº2 do CPC, pelo que as RR. não serão condenadas na referida qualidade.
Improcede, desta forma, o recurso de apelação.
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IV- Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes em partes iguais, sem prejuízo das decisões atinentes aos pedidos de apoio judiciário.
Registe e notifique.

Lisboa, 05 de Junho de 2024
Francisca Mendes
Alda Martins
Paula Pott 
Decisão Texto Integral: