Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6647/2007-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: INTERVENÇÃO PROVOCADA
REQUERIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: Apesar de os réus terem deduzido incidente de intervenção principal provocada, ainda que imperfeitamente traduzido no texto do requerimento se o que os RR pretendem ao fim e ao cabo é a intervenção acessória do chamado empreiteiro, nada obsta a que o tribunal proceda à correcção oficiosa da forma incidental desde que o requerimento comporte os elementos fundamentais da forma incidental adequada ao caso.
(V.G.)
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes na 2.ª secção (Cível) do Tribunal da Relação de Lisboa

I- RELATÓRIO

REQUERENTE DO INCIDENTE DE INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA E AGRAVANTE: M  E OUTROS. (representados em juízo pelos ilustres advogados E e F, advogados com escritório em Lisboa, como certificado a fls. 13)

Inconformados com o teor da decisão de 05/03/07 (certificada a fls. 14/17) e que indeferiu o incidente de intervenção principal provocada de L S, dela agravaram os RR, requerentes, onde concluem:
1. Os compromissos assumidos pelo chamado nos termos do contrato que celebrou com os RR, para a realização da obra em causa justificaram o pedido do mesmo a título principal (CPC – art.ºs 325, n.ºs 1 e 3);
2. A parte contrária não se opôs a esse chamamento a tal título; não obstante,
3. O despacho ora recorrido indeferiu o pedido por julgar que a intervenção do chamado teria de ser a título acessório, entendendo estar em causa, apenas, o direito de regresso dos RR por eventual condenação destes, o que se impugna; sem prejuízo
4. O despacho recorrido não considera a possibilidade prevista no art.º 289 do CPV e deveria ter facultado aos RR tal possibilidade;
5. O despacho recorrido também não facultou aos RR a possibilidade de estes querendo aperfeiçoarem o seu articulado apresentando novo pedido de intervenção de acordo com os princípios emanados dos art.ºs 467 e 289 do CPC;
6. O que, além de útil, sempre seria possível uma vez que,
7. a causa de pedir apresentada pelos RR no pedido de intervenção principal que deduziram e foi rejeitado é idóneo e suficiente para suportar também o pedido de intervenção acessória provocada;
8. Porque ficou explícito o direito de regresso que aos RR assistiria relativamente ao chamado (face ao com este contratado) em caso de condenação.
Concluem pedindo que se admita a intervenção principal provocada do chamado nos termos do disposto no art.º 325, n.º 1 do CPC ou quando assim se não entenda que seja facultado aos requeridos a possibilidade de apresentarem novo e reformulado pedido de intervenção provocada do empreiteiro, neste caso a título acessório, nos termos do art.º 330 e dos princípios da economia processual que emanam dos art.ºs 289 e 476, 1.ª parte todos dos CPC

Não houve contra-alegações.

Recebido o recurso, foram os autos aos vistos nada obstando ao seu conhecimento.

Questão a resolver: Saber se ocorre erro de julgamento na não admissão do incidente de intervenção principal provocada do empreiteiro; não ocorrendo esse erro não sendo o incidente deduzido o próprio, saber se o tribunal recorrido deveria ter convidado os requeridos a apresentarem novo e reformulado requerimento de intervenção do empreiteiro a título acessório nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 330, 289 e 476 do CPC.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Resulta certificado dos autos:
1. C opuseram contra os ora agravantes acção declarativa de condenação com processo ordinário distribuída à 8.ª Vara Cível de Lisboa, 1.ª secção em 28/09/06 onde pede a condenação a pagar-lhe a quantia de € 14.000,68 mais juros de mora em suma alegando que no dia 26/09/1958 celebrou com a sociedade “J F” um contrato de arrendamento por escrito, tendo por objecto o arrendamento das lojas 17a 21 do prédio da Praça Luís e n.ºs 2 a 8 da Rua da H S do prédio sito em Lisboa do arrendamento destinado à instalação dos serviços, nos termos da cláusula 4.ª do contrato, ficando a senhoria sujeita conforme cláusula 5:º a todas as condições estabelecidas na lei do inquilinato em vigor e obrigada a efectuar as obras necessárias para a segurança e conservação da casa sempre que se tornem precisas e a autorizara o arrendatário a efectuar à sua custa as obras de adaptação necessárias à instalação daqueles serviços; em 29/10/81 foram celebrados dois novos adicionais ao contrato em causa visando a alteração da cláusula da renda e fixação da data do seu pagamento, tendo sido celebrado em Março de 2003 novo adicional em que intervieram os RR agora na qualidade de proprietários e senhorios da qual consta que ficam autorizados a efectuar obras de remodelação do locado que serão plena propriedade do senhorio sem direito a indemnização ou retenção; em 31/03/03 os RR assinaram uma declaração-autorização permitindo que a Autora efectuasse no locado obras de remodelação e de modificação; em 26/05/2003 os RR informaram a Autora que por imposição da Câmara Municipal de Lisboa seriam levadas a efeito obras de reabilitação/conservação no prédio com início previsível em Junho de 2003, obras essas que tiveram inicio em data não determinada entre Junho e Outubro de 2003. Estando as obras em curso em 2 de Outubro de 2003 os trabalhadores da Autora que prestavam serviço, ao procederem à sua abertura depararam-se com inundação no seu interior, inundação provocada por água em virtude das obras referidas da responsabilidade dos RR, provocando estragos vários naqueles valor sendo da responsabiliadde do locados nos termos do art.º 11 do RAU.
2. Os RR contestaram aceitando que realizaram as mencionadas obras por imposição camarária, obras essas volumosas e difíceis pela vetustez, volumetria e localização do imóvel que determinaram a sua persistência durante vários meses; durante as obras os RR tiveram conhecimento de uma situação de entrada de águas pluviais em pisos inferiores através das janelas dos pisos superiores atingindo a  Autora, desconhecendo se a Autora teve prejuízos e o valor dos mesmos, não aceitando a responsabilidade dos mesmos por ser do empreiteiro L R e eventualmente à seguradora para quem aquela transferiu a responsabilidade decorrente do referido contrato de empreitada; Deduziram incidente de intervenção principal provocada da mencionada empreiteira em suam alegando que celebraram com ela um contrato de empreitada para a reabilitação do prédio em causa como imposto pela Câmara Municipal, nos termos do qual o empreiteiro assumiu inteira responsabilidade pelos serviços da obra e pelos danos e prejuízos dela eventualmente decorrentes, tendo a chamada apresentado garantias bancárias de bom cumprimento do contratado; nos termos do contrato a responsabilidade não é dos RR antes do empreiteiro.
3. Por decisão de 21/02/07 encetando-se que à relação material controvertida  tal como é delineada pela Autora é estranha a chamada, não tendo esta legitimidade para intervir como parte principal a chamamento dos RR nos termos do art.º 325, n.º 1 do CPC, já que a relação material controvertida tal como é delineada pela Autora é uma relação de responsabiliadde civil em que são responsáveis os RR e não a chamada que é parte de um contrato de empreitada celebrado com os RR relação essa conexa com a relação controvertida e que se funda no contrato de empreitada celebrado com os RR, pela qual poderá ser responsabilizada pelo dano resultante para os RR da perda da demanda, o que fundaria o incidente de intervenção acessória provocada o que não ocorreu

III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A acção intentada pela arrendatária contra o senhorio suporta-se expressamente no disposto nos art.ºs 11 do RAU (aprovado pelo DL 321-B/90 de 15/10) e 493 do CCiv por a arrendatária entender que os senhorios e proprietários RR têm a seu cargo a realização das obras de conservação ordinária e suportam os encargos inerentes, e porque na execução dessas obras os proprietários senhorios têm a obrigação de adoptar todas as medidas necessárias a prevenir ou a evitar o perigo criado pela realização das mesmas, responsabilizando-se pela inobservância do mesmo na medida dos prejuízos causados pelo ilícito como decorre do art.º 493 do CCiv.

Pode ler-se no n.º 1 deste último preceito: “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar e bem assim quem tiver assumido o encargo de vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.”

E o n.º 2 por seu turno: “Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.”

O que os RR vêm dizer foi que não foram eles que realizaram as obras antes o empreiteiro que, contratualmente, assumiu a responsabilidade por todos os prejuízo mesmo os pela Autora invocados, donde não ser ela a responsável antes o empreiteiro.

Adianta-se que não está em causa a responsabilidade contratual decorrente da violação por parte do senhorio da sua obrigação de assegurar o gozo da coisa ao arrendatário (cfr. Art.ºs 1031, alínea a) e 1037 do CCiv); o senhorio cumpriu a sua obrigação contratual e legal de realizar as obras por forma a assegurar o gozo do arrendado à Autora pelo que nenhuma responsabilidade contratual ocorre. O que a A. alega é que a R., ao cumprir essa sua obrigação contratual, não o terá feito com a diligência e cuidados inerentes, violando o dever de prevenção de perigo, e, por isso, terão ocorrido infiltrações de águas no arrendado, infiltrações essas que provocaram prejuízos nos bens pertencentes à Autora e a terceiros, consequente necessidade de realização de obras de limpeza e de reparação que a Autora custeou e lucros cessantes decorrentes do encerramento provocado pelas infiltrações. Nenhuma referência é feita na petição inicial à intervenção de uma empreiteira e/ou dos seus trabalhadores. Só os RR é que trazem à colação a referência a essa empreiteira.

A acção foi intentada em 23/09/2006, sendo, por isso aplicável o Código de Processo Civil na redacção que lhe foi introduzida, no que às disposições que aqui relevam, pelo DL 329-A/95 de 12/12, por força do art.º 16 deste último diploma.

Estatui o art.º 325, n.º 1 do CPC: “Qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.”

O chamamento de co-devedores ou do principal devedor, suscitado pelo Réu que nisso mostre interesse é deduzido obrigatoriamente na contestação ou, não pretendendo o réu contestar, no prazo em que esta deveria ser apresentada (cfr. art.º 329, n.º 1 do CPC); tratando-se de obrigação solidária e sendo a prestação exigida na totalidade a um dos co-devedores, pode o chamamento ter ainda como fim a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir (cfr. n.º 2 do art.º 329 do CPC).


Estas últimas situações têm a ver com o litisconsórcio voluntário; mas as situações de litisconsórcio necessário também são fundamento do incidente deduzido pelo Réu.

Diz-se no art.º 28 n.º 1. “Se, porém a lei, o negócio exigir a intervenção de vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.”

No litisconsórcio necessário todos os interessados devem demandar ou ser demandados, originando a falta de qualquer deles uma situação de ilegitimidade. Os critérios que orientam a previsão do litisconsórcio necessário são essencialmente dois: o critério da indisponibilidade individual (ou da disponibilidade plural) do objecto do processo e o critério da compatibilidade dos efeitos produzidos. Aquele primeiro critério tem expressão no litisconsórcio legal e convencional e este último no litisconsórcio natural. O litisconsórcio necessário legal é aquele que é imposto pela lei (cfr. art.ºs 28, n.º 1 e 28.ºA do CPC) e exemplo disso são as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação que devem ser instauradas contra a seguradora e o sujeito civilmente responsável quando o pedido ultrapassa os limites do seguro obrigatório, assim como devem ser propostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e contra o responsável civil que for conhecido e não beneficiar de um seguro válido e eficaz; outro exemplo é o caso de acções que têm por objecto facto praticado por ambos os cônjuges, dívidas contraídas por ambos os cônjuges pelos quais respondem os bens comuns do casal, acções relativas a bens que apenas ambos os cônjuges possam dispor. O litisconsórcio necessário convencional é aquele que é imposto pela estipulação das partes de um negócio jurídico (art.º 28, n.º 1 do CPC), sendo necessário avaliar o regime das obrigações divisíveis e indivisíveis: sendo a obrigação divisível, o litisconsórcio é, em princípio, voluntário, porque se não estiverem presentes todos os interessados activos ou passivos o tribunal conhece apenas da quota-parte do interesse ou da responsabilidade dos sujeitos presentes em juízo (cfr. art.º 27 do CPC); assim quanto a uma obrigação divisível, o litisconsórcio só é necessário se as partes estipularem que o seu cumprimento só é exigível por todos os credores ou de todos os devedores; sendo a obrigação indivisível (por natureza, estipulação legal ou convenção das partes), havendo vários devedores, o art.º 535 do CCiv estipula que o cumprimento só pode ser exigido de todos eles, reconduzindo-se a situação a um litisconsórcio necessário legal. O litisconsórcio natural é aquele que é imposto pela realização do efeito útil normal da decisão do Tribunal (cfr. art.º 28, n.º 2 do CPC). Decorre do art.º 28, n.º 2, 2.ª parte do CPC que, na determinação do litisconsórcio, releva apenas a eventualidade de uma sentença não compor definitivamente a situação jurídica das partes, por esta poder ser afectada pela solução dada numa outra acção entre outras partes. Numa acção de divisão de coisa comum é necessária a intervenção de todos os interessados pois que qualquer outra divisão da mesma coisa afectará sempre a divisão efectuada na primeira acção.[1]

Se a relação entre os RR recorrentes e o executor de obra fosse uma relação de subordinação, expressa numa qualquer relação de comissão (art.º 500 do CCiv), seria de admitir uma situação de co-responsabilidade de obrigação solidária (art.º 512 do CCiv), reflectiva processualmente em litisconsórcio, a justificar a intervenção principal do chamado. Acontece que no contrato de empreitada, não obstante o direito de fiscalização que assiste ao dono da obra (art.ºs 1207 e 1209 do CCiv), o empreiteiro goza de autonomia e de independência na sua execução, o que é incompatível com qualquer relação de comissão do art.º 500. Poder-se-ia questionar, tanto que existe corrente jurisprudencial no Supremo Tribunal de Justiça nesse sentido, se não ocorre uma situação de solidariedade imposta pelo art.º 800, n.º 1 do CCiv, mas este preceito, inserto na responsabilidade contratual tem a ver com a utilização pelo devedor (por obrigação decorrente de responsabilidade contratual) de pessoas para o cumprimento da obrigação e dos seus actos, perante o credor. E, com o devido respeito, não nos parece ser de aplicar o preceito nessa sede. Seria diferente a situação se o A caracterizasse factos ilícitos concretos causadores de prejuízos, circunstância em que o empreiteiro a par do dono da obra responderia perante terceiro pelos ilícitos (art.ºs 483, 497 e 512 do CCiv). Mas não o faz a A.

A causa de pedir do pedido de indemnização formulado pela Autora contra as aqui RR sustenta-se em suma no seguinte: a A é arrendatária das lojas sitas nos n.ºs 17 a 21 de prédio sito na Praça e n.ºs 2 a 8 da Rua da H do prédio sito no n.º 22da mesma Praça, em Lisboa, prédio da qual a J C à data do arrendamento em 58 era proprietária, propriedade agora das RR (art.sº 1 a 721 da p.i.); nos termos do referido contrato, por força do cujo art.º 5 a senhoria ficou obrigada a nos termos da lei efectuar as obras necessárias para a segurança e conservação da casa sempre que se tornem necessárias e autoriza o arrendatário a efectuar à sua custa as obras de adaptação necessárias (art.º 9.º); em 26/05/03 os RR informam a A que por imposição da Câmara Municipal de Lisboa, seriam levadas a efeito obras de reabilitação/conservação no referido prédio, com início previsível em Junho de 2003, obras que tiveram início em data indeterminada entre Junho e Outubro de 2003 (art.ºs 23 a 25); em 2/10/03, decorrendo já as obras, os trabalhadores da Autora depararam-se com inundação no seu interior, com água a escorrer pelas paredes e goteiras provenientes do tecto do piso térreo (rés-do-chão), as quais provocavam a queda e o depósito de água sobre o balcão de atendimento, equipamento informático, secretárias, cadeiras, etc e na cave à semelhança do piso superior estava também inundada, sendo certo que no dia em causa chovia o que acontecia há uns dias atrás (art.ºs 25 a 31); a inundação foi provocada pela água que por falta dos devidos cuidados ou pela incorrecta e/ou imprópria utilização dos meios de protecção do imóvel que se impunham se infiltrou no interior da Estação (art.º 32).

Violação do dever de protecção do imóvel propriedade dos RR na execução das obras de reabilitação/conservação impostas pela Câmara.

Ora, tal como a Autora a configura a relação material controvertida não respeita aos RR e à empreiteira. Sublinhe-se a este respeito que o fundamento de responsabilização de uns e outra teria de ser diferente; enquanto os RR responderão por violação do disposto no art.º 493, seus números 1 e 2 do CCiv, em relação à empreiteira a responsabilidade teria de ser contratual (o contrato existente entre o dono da obra senhorio e o empreiteiro, violação das obrigações do empreiteiro na sua legis artis).

Por conseguinte a relação jurídica configurada pelo Autor não tem uma pluralidade de sujeitos em situação litisconsorcial; por outro lado, salvo melhor entendimento, não ocorre uma situação de pluralidade subjectiva subsidiária, por fundamentada dúvida sobre o sujeito da relação controvertida a justificar uma dedução subsidiária do mesmo pedido ou a dedução de pedido subsidiário em conformidade com o disposto no art.º 31-B do CPC. Também se não verifica a situação de coligação (art.ºs 320, alínea a) e 31 e 31 do CPC).

E a intervenção acessória nos termos do art.º 330 do CPC?

A acção de regresso envolve o direito de restituição ou de indemnização do réu contra o terceiro chamado, o que pode emergir da lei, do negócio jurídico, de facto gerador de responsabilidade civil e de enriquecimento sem causa, sendo que a “conexão exigível entre a relação jurídica da titularidade do autor e do réu e da titularidade do réu e de terceiro não é absoluta, bastando a relativa dependência consubstanciada no facto e a pretensão de regresso do réu contra o chamado se apoiar no prejuízo decorrente da perda da demanda”- (Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, Almedina, Coimbra 1999, pág. 123). Também Teixeira de Sousa nos seus “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 2.ª edição Lex, Lisboa, 1997, págs. 178/179 refere que a intervenção acessória provocada se destina a “permitir a participação de um terceiro responsável pelos danos produzidos no réu demandado pela procedência da acção, isto é, um terceiro perante o qual este réu possui, na hipótese de procedência da acção, um direito de regresso. Assim, para justificar esta intervenção não basta um simples direito de indemnização contra um terceiro; torna-se necessário que exista uma relação de conexão entre o objecto da acção pendente e da acção de regresso (cfr. 331, n.º 2, in fine): essa conexão está assegurada sempre que o objecto da acção pendente seja prejudicial relativamente à apreciação do direito de regresso contra terceiro.”
                                                                                               
O n.º 2 do art.º 331 do CPC não exige que o juiz julgue o pedido de regresso, já que não há neste incidente uma alteração do objecto da acusa, mas exige-se isso sim que o que invoca o direito de regresso alegue factos dos quais se possa avaliar da viabilidade da futura acção para efectivação desse direito e da sua conexão com a causa principal. (cfr. Ac da Relação de Lisboa, de 05/02/2004, no processo n.º 96482003, disponível on line no sítio www.dgsi.pt).

Este incidente visa permitir a participação de um terceiro perante o qual o réu possui, na hipótese de procedência da acção, um direito de regresso. Para justificar esta intervenção não basta um simples direito de indemnização contra um terceiro, tornando-se ainda necessário que exista uma relação de conexão entre o objecto da acção pendente e o da acção de regresso (cfr. art. 331º nº 2 in fine). E essa conexão está assegurada sempre que o objecto da acção pendente seja prejudicial relativamente à apreciação do direito de regresso contra o terceiro. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, págs. 178 e 179.
Com este incidente o réu obtém, não só o auxílio do chamado, como também a vinculação deste à decisão, de carácter prejudicial, sobre as questões de que depende o direito de regresso (art. 332º nº 4), direito que não coincide com o conceito de direito de regresso inserto nos artigos 497º nº 2, 521º nº 1 e 524º do Código Civil e que pode derivar de lei expressa, de contrato ou de acto ilícito gerador de responsabilidade civil, tal como acontecia com o suprimido incidente de chamamento à autoria (Acs STJ de 16.12.1987, BMJ 372/385, e de 31.3.1993, BMJ 425/473).

Nos art.ºs 25 a 32 o que os RR alegam é que celebraram com a chamada um contrato de empreitada para a realização das alegadas obras mediante o qual o empreiteiro assumiu total responsabilidade pelos serviços de obras e pelos danos e prejuízos dela decorrentes (documento, que protestaram juntar) tendo o empreiteiro apresentado garantias bancárias de bom cumprimento do contratado; na acção são alegadas causas relacionadas com as ditas obras empreitadas, e prejuízos. Nos termos do contrato de empreitada a responsabilidade não será dos RR mas sim do empreiteiro ou de um outro para o qual porventura tenha transferido a responsabilidade. Todavia, desconhecem-se os exactos termos da cláusula contratual em causa.

Embora imperfeitamente os RR alegam o direito de regresso (consubstanciado no tal contrato, cláusula de assunção de responsabilidade de prejuízos perante terceiros e garantias bancárias, alegadamente tituladas por documentos escritos que protestaram juntar), contra o empreiteiro ou outro eventual responsável (banco, seguradora). Quando dizem que o empreiteiro é responsável querem dizer que o empreiteiro é responsável perante eles RR por força do contrato e também o serão as entidades bancárias que prestaram as garantias bancárias mas cuja conteúdo exacto se desconhece, mas que servirão para reforçar a garantia de indemnização em caso de prejuízo causado pela empreitada perante o dono da obra, segundo decorre implicitamente da alegação. Alegada está, decerto de forma imperfeita, mas decorre do contexto do requerimento, a viabilidade dessa acção de regresso.

Assim, apesar de os réus terem deduzido incidente de intervenção principal provocada, ainda que imperfeitamente traduzido no texto do requerimento o que os RR pretendem ao fim e ao cabo é a intervenção acessória do chamado empreiteiro; nada obsta a que o tribunal proceda à correcção oficiosa da forma incidental desde que o requerimento comporte os elementos fundamentais da forma incidental adequada ao caso.

Este entendimento não é unânime na jurisprudência Cfr. o Ac. RC, de 24-10-89, CJ, tomo V, pág. 75, BMJ 244º/210 e 278º/133.. No entanto, como se escreveu no acórdão desta Relação proferido na apelação nº 9228/02, da 7ª secção, “A reforma do processo civil e a inequívoca opção do legislador por soluções que privilegiem aspectos de ordem substancial, desvalorizando questões de natureza formal, permite-nos sustentar aquele poder/dever.

Para além do recurso ao preceito que rege em situações análogas (o art. 508º nº 1 al. a)), uma tal solução poderia fundar-se no princípio geral contido no artigo 265º nº 2.”

Aliás, também o paralelismo com a solução legal consagrada para o erro na forma de processo (art. 199º nº 1) aponta para a solução propugnada.[2]

Sendo, no caso vertente, aproveitável o requerimento em que se deduziu o incidente de intervenção principal provocada para o incidente de intervenção acessória, que é o próprio, atenta a ritologia estabelecida nos artigos 331º a 333º, impõe-se a admissão deste incidente.

IV- DECISÃO

Tudo visto acordam os juízes em considerar convolado o incidente de intervenção principal provocada de L S, para o incidente de intervenção acessória do mesmo, procedendo nestes precisos termos o agravo ( em face das conclusões apresentadas), deferindo-se o incidente, devendo no Tribunal recorrido efectuar-se as diligências necessárias à citação da mesma nos termos do art.º 332 do CPC
Sem custas.
Lxa. 15/11/07
João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Américo Joaquim Marcelino
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[1] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo  Processo Civiul, Lex, 1997, págs. 156ª 162.
[2] Neste sentido, entre outros o Acórdão da Relação de Lisboa de 08/05/2003, no processo 10688 e relatado pela Meritíssima Juíza Desembargadora Fernanda Isabel Pereira e disponível on line no sítio www.dgsi.pt.