Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA MÓNICA PAVÃO | ||
Descritores: | VEÍCULO AUTOMÓVEL COMPRA E VENDA DEFEITO DESCONFORMIDADE BEM DE CONSUMO ÓNUS DA PROVA DIREITOS DO COMPRADOR DIREITOS DO CONSUMIDOR | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/19/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I -No âmbito da venda de bens de consumo, regulada pelo DL nº 84/2021, de 18 de Outubro (aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre consumidores e profissionais), é ao comprador/consumidor qua cabe o ónus de alegar e provar o defeito de funcionamento da coisa, isto é, a sua desconformidade com o contrato, e que esse efeito existia à data da entrega da coisa, embora disponha de presunções legais de não conformidade que facilitam tal prova (cf. art.s 12º e 13º do DL nº 84/2021) II-Verificada a falta de conformidade, é sobre o vendedor que recai o ónus de demonstrar que a coisa vendida reúne todas as qualidades por si indicadas, bem como as que sejam adequadas ao uso específico e às utilizações habitualmente dadas a outros do mesmo género e ainda as qualidades e desempenho habituais do tipo a que pertencem. III- Apurando-se a referida desconformidade, o consumidor tem direito à reparação ou substituição do bem viciado. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO A apresentou reclamação, para intervenção do Centro de Arbitragem do Sector Automóvel (CASA), contra Mais Carros Unipessoal, Lda, Carclasse Comércio de Automóveis, SA, Jaguar e Land Rover Portugal. S.A e Garagem Reparadora de Cascais Lda, pretendendo a reparação do veículo marca Land Rover Velar e matrícula ...-XX-... (sendo o valor da reparação estimado em € 25 945,55) e, não sendo possível, a sua substituição e entrega ao reclamante de outro com as mesmas caraterísticas (cf. art 57º do requerimento inicial de arbitragem). Alegou, em síntese, que: - No dia 13/7/2022 adquiriu à reclamada Mais Carros o veículo automóvel Land Rover Velar (L560), de matrícula ...-XX-..., com 74.800 Kms. - No dia 7/10/2022, cerca da meia-noite, quando conduzia o veículo, ocorreu um incêndio que o imobilizou. - Em 10/10/22 o veículo foi rebocado para as oficinas da “A. YY... – Manutenção e Reparação de Viaturas, Lda”, tendo sido apresentado um orçamento para reparação da viatura, datado de 25/10/22, no montante de €24 791,66. - Na sequência de acordo entre a reclamada Mais Carros e a reclamante, o veículo foi enviado para o concessionário da marca. - A Jaguar e Land Rover Portugal. S.A recusou assumir a responsabilidade, concluindo pela inexistência de defeito de fabrico, considerando que a avaria se deveu a uma utilização do veículo em inobservância dos parâmetros de utilização e manutenção preconizados pela marca (v.g. óleo insuficiente ou incompatível com mas características do veículo). - A Jaguar e Land Rover Portugal. S.A apresentou um orçamento para reparação da viatura no montante de €25 945,55. - A reclamada Mais Carros recusou assumir a responsabilidade pelos danos e reparação, concluindo que o sinistro se deveu a má utilização do veículo. - A avaria interna do motor foi provocada por um defeito de fabrico do mesmo. - O reclamante não colocou óleo no veículo, tendo as revisões sido efectuadas em duas oficinas do importador, uma na Car Classe Comércio de Automóveis, SA, e outra na Garagem Reparadora de Cascais Lda. e em momento algum o veículo indicou falta de óleo no painel. - O requerente sempre colocou combustível compatível com o veículo. Não foi possível a resolução amigável do litígio, tendo o processo seguido para julgamento arbitral. A reclamada Mais Carros Unipessoal, Lda apresentou contestação, onde invocou sob o título “das excepções – do litisconsórcio necessário – e da conexa incompetência material”, a ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário passivo e a consequente incompetência do tribunal arbitral. Mais se defendeu por impugnação, concluindo pela improcedência da reclamação e sua absolvição do pedido. Deduziu pedido reconvencional visando a condenação das restantes reclamadas ou do ora reclamante a ressarcir a reclamada Mais Carros Unipessoal, Lda do montante pago e daquele que vier a suportar. Em 4/6/2024 o Tribunal Arbitral proferiu a seguinte decisão: “No presente processo, foi arguida pelas Reclamadas Jaguar, Carclasse e Garagem Reparadora de Cascais a exceção de ilegitimidade, considerando a circunstância de, por um lado, não serem aderentes ao presente Centro e, ademais, de o valor do litígio exceder €5.000. Sendo o reclamante inequivocamente um consumidor, para efeitos legais, e não o sendo nenhuma das reclamantes, o presente litígio é suscetível de configurar um conflito de consumo, como tal sujeito à legislação aplicável a esta tipologia de conflitos. Nesta conformidade, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 14.º Lei n.º 24/96, de 31 de julho (na redação introduzida pela Lei n.º 63/2019, de 16 de agosto): “2 - Os conflitos de consumo de reduzido valor económico estão sujeitos a arbitragem necessária ou mediação quando, por opção expressa dos consumidores, sejam submetidos à apreciação de tribunal arbitral adstrito aos centros de arbitragem de conflitos de consumo legalmente autorizados. 3 - Consideram-se conflitos de consumo de reduzido valor económico aqueles cujo valor não exceda a alçada dos tribunais de 1.ª instância.” Considerando que o presente litígio excede o valor da alçada dos tribunais de 1.ª instância (atualmente €5.000), não se encontra preenchido o pressuposto indispensável para que a arbitragem dos conflitos de consumo assuma caráter necessário. Assim sendo, a sujeição de uma parte à arbitragem assume caráter voluntário, dependendo a sua vinculação ao Tribunal Arbitral de uma cláusula arbitral ou compromisso arbitral (art.º 1.º da Lei de Arbitragem Voluntária). Não tendo as indicadas reclamadas aderido expressamente ao Centro de Arbitragem Automóvel e, por outro lado, tendo recusado expressamente a adesão ad hoc para os presentes autos, manifestamente nenhuma das reclamadas é parte legítima neste processo. Ademais, inexiste qualquer litisconsórcio necessário entre o vendedor do bem (in casu, a reclamada Mais Carros) e as demais reclamadas que invocaram a exceção da ilegitimidade, porquanto a procedência desta última (nos termos expostos) impede que as mesmas possam ser demandadas neste Tribunal e, ainda, porque tal ilegitimidade não prejudica os direitos do reclamante (que, aliás, confirmou que o pedido principal é dirigido contra o vendedor), nem do vendedor (que poderá assacar ulteriormente eventuais responsabilidades às reclamadas declaradas partes ilegítimas). A tal não obsta o disposto no art.º 42.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro, de acordo com o qual “O profissional pode exercer o direito de regresso na ação judicial intentada pelo consumidor, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 1 do artigo 317.º do Código de Processo Civil”: com efeito, tal disposição não impõe que o exercício deste direito de regresso tenha lugar no processo movido pelo consumidor, sendo antes legítimo o seu exercício em ação ulterior, em prazo assaz generoso conferido pelos n.ºs 2 e 3 do mesmo art.º 42.º. Nesta conformidade, conclui-se pela ilegitimidade das Reclamadas Jaguar, Carclasse e Garagem Reparadora de Cascais, o que implica a respetiva ilegitimidade processual, a qual configura uma exceção dilatória que implica a respetiva absolvição da instância, nos termos dos art.ºs 577.º, alínea e) e 278.º, n.º1, alínea d), do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do art.º 42.º, n.º 2, do Regulamento do CASA. Em consequência, determina-se o prosseguimento dos autos apenas contra a Reclamada Mais Carros Unipesssoal, Lda.” (realces nossos) Foi realizada audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença em 6/6/24, com o seguinte dispositivo: «Em face do exposto e na total procedência da reclamação, condena-se a Reclamada a pagar ao Reclamante a quantia de €25.945,55, coincidente com o custo de reparação do UM. Fixa-se o valor da causa em €25.945,55, conforme indicação do reclamante, sem oposição da reclamada, de acordo com o disposto no n.º 6 do art.º 50.º do Regulamento do CASA, nos termos do qual “O valor da causa corresponde ao valor atribuído ao pedido formulado pelo reclamante”. Notifiquem-se as Partes.» Inconformada com a sentença, veio a reclamada MAIS CARROS UNIPESSOAL, LDA. dela interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: 1. A sentença em crise, do digníssimo tribunal arbitral “a quo” viola a lei e não confere no caso concreto a devida justiça, julgando mal os factos e aplicando mal o direito. 2. A decisão interlocutória de que se recorre em conjunto, decide de modo desconforme ao direito. 3. A decisão interlocutória e a sentença ora em crise violam, entre outros o disposto O nº4, do artigo 40º, 42º e 44º do Dec. Lei 84/2021, de 18.10.; Os n.ºs 2 e 3 do art.º 14.º Lei n.º 24/96, de 31 de julho; O disposto pela Lei n.º 63/2019, de 16 de agosto), nomeadamente o artigo 18º da Lei nº 63/2011, de 14.12; O artigo 33º, 35º, 316º e mormente, o artigo 317º e ss. e os artigos 607º, 608º e 615º do Código de Processo Civil; O artigo 18º, 30º, 36º (especial relevo dos seus nºs 3, alínea a) e c)); 39º, 42º, da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro - Lei da arbitragem voluntária; Os artigos 341º e ss, e artigos 349º e ss do Código Civil; e os artigos 20º e 202º da Constituição da República Portuguesa. 4. Resulta claro da decisão interlocutória a omissão de pronúncia sobre a invocada exceção de incompetência material do Tribunal arbitral e consequente preterição das garantias processuais do reclamado resultado do impedimento à discussão com suporte na necessidade do litisconsórcio para a efetiva composição do litígio; 5. resultando na pronúncia sobre a ilegitimidade dos remanescentes reclamados, não obstante a magistral necessidade de intervenção dos mesmos para a efetiva composição do litígio e dos interesses em confronto. 6. Resulta, pois, desde logo, por omissão de pronuncia sobre a invocada exceção de incompetência material, a nulidade da decisão interlocutória e da sentença, em decorrência do disposto nos artigos 608, nº 2 e 615 do CPC. 7. Erro sobre o julgamento da matéria de facto, nomeadamente quanto à não valoração do único efetivo relatório pericial junto aos autos, preterido quanto às suas valências probatória a favor de presunções judiciais in sustentadas e contrárias à prova produzida. 8. Erro sobre o enquadramento e soluções jurídicas preconizadas. 9. Vicio do julgamento, revelado pela incongruência entre a decisão sobre a matéria de facto, a prova produzida e o direito aplicado. 10. A desconformidade da consequência jurídica extraída dos factos, nomeadamente a imputação de responsabilidade onde as não há, resultando no erro da solução preconizada, mormente, quando se irrevela a prova pericial, socorrendo-se ilicitamente de presunções judiciais e do ónus da prova, exigindo da parte da reclamada prova que cumpre e é possível apenas à reclamada. 11. Carece, pois, de sustento probatório ou legal, ou qualquer fundamento a utilização de presunções judiciais in sustentadas, sem que seja possível á parte afastá-las por manifesta impossibilidade de o fazer. 12. A desconforme e consequente decisão sobre o pedido reconvencional, julgado improcedente em resultado da injusta e desconforme procedência do pedido do reclamante, que deve ser substituída por outra que condene o mesmo ao ressarcimento das despesas havidas pela reclamada por conta do reclamante. Termina a recorrente requerendo que: «se DECLAREM NULAS A DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E, AINDA, CONSEQUENTEMENTE, A SENTENÇA ARBITRAL EM CRISE, E, SEM CONCEDER, CASO ASSIM NÃO ENTENDA, revogueM a DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E A Sentença ARBITRAL em crise, substituindo-a por outra que absolva A RECLAMADA E APELANTE Do pedido. e AINDA QUE REVOGUE A DECISÃO SOBRE A IMPROCEDENCIA DO PEDIDO RECONVENCIONAL DECIDINDO-SE PELA CONDENAÇÃO DO RECLAMADO NOS TERMOS PETICIONADOS.» A recorrida JAGUAR LAND ROVER PORTUGAL – VEÍCULOS E PEÇAS, LDA. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões: A. O presente litígio não se insere no âmbito da arbitragem de conflitos de consumo de caráter necessário, à luz do valor da reclamação (€25.945,55). B. Encontrando-se o presente litígio enquadrado no âmbito da arbitragem voluntária, a Recorrida não se encontra sujeita à jurisdição do Ilustre Tribunal Arbitral a quo, na medida em que não aceitou a competência deste para dirimir o litígio sub judice e não é aderente do CASA. C. Consequentemente, não merece censura a decisão do Ilustre Tribunal Arbitral a quo que declarou a ilegitimidade processual das Recorridas/Reclamadas e, por conseguinte, a sua absolvição da instância. D. Cumpridos os pressupostos para o efeito, um hipotético direito de regresso da Recorrente poderá vir a ser exercido numa ação intentada posteriormente pela mesma, não existindo qualquer obrigação legal que imponha tal exercício na presente sede. E. As garantias processuais da Recorrente não se encontram, sob qualquer prisma, prejudicadas. F. O Ilustre Tribunal Arbitral a quo aferiu, expressamente, da sua competência para conhecer do mérito do presente litígio, pelo que a Sentença Arbitral não enferma de nulidade por omissão de pronúncia. O reclamante A respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões: 1. Conforme resulta da contestação, e das alegações de recurso da Recorrente (cfr. pág 5 e 6), a questão da incompetência foi suscitada como conexa com o litisconsórcio necessário. 2. O Tribunal a quo não tinha de se pronunciar relativamente à excepção da (in) competência, uma vez que esta questão surge prejudicada, no contexto da sentença, pelo reconhecimento jurisdicional da legitimidade da Recorrente, e inexistência de litisconsórcio necessário, não se verificando qualquer nulidade nos termos e para os efeitos da alínea d) do nº 1 do art. 615º do CPC. (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de 16/02/05, Processo nº 05S2137 in www.dgsi.pt). Sem conceder sempre se dirá que, 3. O CASA é competente para apreciar do presente litígio relativamente à Recorrente nos termos dos arts. 5º nº 2, art. 2º, art. 24º do RCASA, não o tornando incompetente pelo facto das demais Demandadas terem sido absolvidas da instância. 4. Nos termos dos arts. 30º do CPC a Recorrente é parte . 5. A legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, e é nestes termos que tem de ser apreciada. (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02/02/23, Processo nº 5885/21.4T8GMR.G1 e acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/10/21, Processo nº 1910/20.4T8PNF.P1, ambos in www.dgsi.pt) 6. Conforme resulta expresso da reclamação quem é responsável perante o Recorrido é a Recorrente - foi esta a entidade que vendeu o veículo ao Recorrido – veículo este que tem um defeito que causou o incêndio, imobilizando-o (até à data). 7. Nos termos do DL 84/2021 DE 18/10, em particular nos termos do art. 12º deste diploma legal, o vendedor (in casu a Recorrente), é responsável perante o Recorrido pela falta de conformidade do bem. 8. De acordo com o art. 40º daquele diploma legal, o vendedor pode optar, querendo, por demandar o produtor – esta norma prevê a solidariedade passiva do produtor e do vendedor perante o consumidor mas em regime de litisconsórcio voluntário passivo, nos termos e para os efeitos do nº 2 do art. 32º do CPC. 9. O art. 42º, não exige a intervenção do produtor na acção judicial apresentada pelo consumidor. 10. Pelo contrário, esta norma, estipula prazos para que o vendedor aja contra o produtor, estipulando o nº 3 nomeadamente que “O profissional deve exercer o seu direito no prazo de seis meses a contar da data da satisfação do direito ao consumidor.” 11. Face ao exposto, nos presentes autos não estamos perante nenhuma situação de litisconsórcio necessário, sendo a Recorrente parte legítima, devendo assim manter-se na íntegra a decisão recorrida. 12. Não cumpre a Recorrente com o ónus que lhe é imposto no art. 640º do CPC, aplicável por força do art. 42º do RCASA. 13. A Recorrente não indica qualquer concreto ponto de facto que considera incorrectamente julgado; limita-se a insurgir-se contra as conclusões/fundamentação do Tribunal a quo. 14. Pelo que, nenhuma alteração deverá ser feita à matéria de facto provada. Sem conceder sempre se dirá que, 15. O ónus da prova cabia à Recorrente, e não ao Recorrido, nos termos do art. 13º do DL 84/2021 DE 18/10 (cfr. Tribunal da Relação de Guimarães de 11.01.24, Processo nº 7087/21.0T8BRG.G2, Tribunal da Relação de Coimbra de 13/09/22 Processo nº 135/21.6T8LRA.C1, Tribunal da Relação de Lisboa de 15/06/23, Processo nº 8544/19.4T8ALM.L1-6, todos in www.dgsi.pt) 16. É evidente que o bem não está conforme porquanto encontra-se absolutamente inutilizável – o que a Recorrente não põe em causa (cfr. ponto 33 dos factos provados). 17. Tendo a “falta de conformidade” sido manifestada no prazo de dois anos a contar da data de entrega do veículo (cfr. pontos 2 e 12 da matéria de facto provada). 18. A Recorrente não afastou a presunção legal de culpa que sobre si impende. 19. A análise feita pelo Tribunal a quo às provas produzidas não merece qualquer censura. 20. O Tribunal a quo não formou a sua convicção com base em “opiniões pessoais”, o julgador formou a sua convicção com base na prova produzida – documentos, testemunhas e confissão da Recorrente. 21. Contrariamente ao alegado, o relatório da Jaguar é o único que não deverá ser considerado porquanto não tinha qualquer adesão com a realidade. 22. Conforme resulta do ponto 25 dos factos provados “Todos os relatórios detetaram a existência de uma quebra/rutura no bloco do motor, com consequente fuga de óleo.” 23. E conforme resulta do ponto 27 da matéria de facto provada “Outros veículos com a mesma motorização do UM têm apresentado problemas de motor.” 24. Da matéria de facto provada não resulta qual era o nível de óleo e quantidade de óleo do veículo – o que seria relevante para se poder considerar o relatório elaborado pela Jaguar. 25. Por um lado, a Recorrente não provou – como lhe competia – a quantidade e qualidade de óleo existente à data do acidente. 26. Por outro lado, resulta provado que: i) o motor tinha sido lavado (ponto 19 dos factos provados), e ii) para extinguir o incêndio houve utilização de um extintor (pó) e de espuma. (ponto 15 da matéria de facto provada). 27. Pelo que, não se poderia nunca concluir, como pretende a Recorrente, que o incêndio tivesse ocorrido por falta ou má qualidade do óleo. 28. Não se verifica na sentença qualquer presunção judicial. 29. O Tribunal a quo, com base nos factos provados, teceu as considerações jurídicas, não fazendo qualquer presunção judicial. 30. Face ao exposto, resulta evidente que a sentença recorrida não merece qualquer censura, sendo a Recorrente, enquanto vendedora, responsável perante o Recorrido nos termos do DL 84/2021 DE 18/10, pelo que, naturalmente, não tendo ficado provado qualquer facto imputável ao Reclamante, nenhuma outra decisão seria equacionável para além da absolvição do pedido reconvencional. Nesta instância recursiva, ao abrigo do art. 617º/5 do Código de Processo Civil, foi determinada a remessa do processo ao CASA a fim de o Tribunal Arbitral se pronunciar acerca da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, invocada pela apelante. O Tribunal Arbitral veio pronunciar-se sobre a arguição da nulidade, remetendo para o despacho que proferiu em 4/6/2024, que deu por reproduzido, concluindo nos seguintes termos: «Salvo melhor opinião, da improcedência da exceção de ilegitimidade invocada pela Recorrente decorre, inevitavelmente, a assunção da competência do Tribunal para dirimir o litígio, uma vez que, na própria perspetiva da Recorrente, a incompetência adviria, única e exclusivamente, da existência de um litisconsórcio necessário passivo entre todas as entidades Demandadas. Por isso, quando foi proferida a decisão arbitral, por questões de notória economia processual e uma vez que tal questão havia sido já objeto de pronúncia anterior (no mencionado despacho interlocutório), não se debruçou o Tribunal novamente sobre a matéria das aludidas exceções. Em face do exposto e salvo melhor juízo, não enferma a decisão recorrida de qualquer nulidade por omissão de pronúncia, tendo as exceções em causa (relativamente às quais, alegadamente, a decisão final se não teria pronunciado) já sido objeto de apreciação (e de rejeição) em anterior pronúncia do Tribunal.» Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II. QUESTÕES A DECIDIR Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados nos artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importa, no caso, apreciar e decidir das seguintes questões: - Nulidade decisória; - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto; - Responsabilidade da reclamada/apelante pela reparação/substituição do veículo do reclamante/apelado. * III. FUNDAMENTAÇÃO III.1. Factos Factos provados O tribunal arbitral julgou provados os seguintes factos [transcrição]: 1. O reclamante adquiriu à reclamada um automóvel da marca Land Rover Velar (L560), INGENIUM I4, com a matrícula ...-XX-.... 2. O referido XX foi adquirido em 13/7/2022, como usado (1.ª matrícula de 2018). 3. O referido XX possui um motor 2.0 Diesel, de 4 cilindros. 4. Na data da aquisição, o XX havia percorrido cerca de 74.800 Kms. 5. Na data da aquisição, o XX possuía a inspeção periódica de veículos atualizada. 6. Na data de aquisição, o XX havia sido objeto de duas manutenções programadas (vulgo, revisões), uma primeira na Carclasse e uma segunda na Garagem Reparadora de Cascais. 7. A segunda destas intervenções ocorreu quando o XX tinha percorrido 64.395 kms. 8. Qualquer das duas oficinas que efetuou as manutenções é representante autorizado da marca do XX. 9. O XX deve submeter-se a manutenções programadas depois de percorrer cerca de 32.000 kms. 10. A reclamada não efetuou qualquer intervenção técnica no XX antes da sua alienação ao reclamante, não tendo adicionado óleo do motor ou verificado o respetivo nível. 11. O XX encontrava-se abrangido por um contrato de garantia subscrito com a sociedade RPM GARANTIE, S.A. 12. No dia 7/10/2022, cerca da meia-noite, quando circulava na Autoestrada n.º 1 (A1), o reclamante detetou a saída de fumo do motor do XX. 13. A luz de falta de óleo não se encontrava acesa, nem nesse momento, nem em nenhum outro desde a aquisição do XX pelo reclamante. 14. Confrontado com o sucedido, o reclamante imobilizou o XX, tendo acorrido ao local os bombeiros e uma viatura da concessionária da A1. 15. Após a abertura do capot, constatou-se a existência de um incêndio no XX, cuja extinção implicou a utilização de um extintor (pó) e de espuma. 16. Na data do incêndio, o XX havia percorrido cerca de 6.000 kms desde a sua aquisição à reclamada. 17. O reclamante contactou o vendedor da reclamada (testemunha G…), solicitando a indicação da oficina para a qual deveria encaminhar o UM. 18. No dia 10/7/2022, por indicação da reclamada, o XX foi encaminhado para a oficina “A YY... – Manutenção e Reparação de Viatura, Lda.”, tendo a reclamada suportado o custo do reboque (€184,50) 19. A oficina “A YY... – Manutenção e Reparação de Viatura, Lda.” procedeu a um diagnóstico do XX, tendo procedido a uma lavagem do motor, indispensável para a deteção da causa do incêndio, mas sem proceder à retirada e desmontagem do mesmo. 20. A luz do painel indicativa da falta de óleo do painel de instrumentos não se encontrava acesa. 21. Esta intervenção foi custeada pela reclamada, no montante de €826,56. 22. Após a intervenção, a oficina “A YY... – Manutenção e Reparação de Viatura, Lda.” elaborou um relatório técnico, complementado com um orçamento de reparação no valor de €24.791,66. 23. Posteriormente, em 31/10/2022, foi solicitado um novo diagnóstico e consequente relatório técnico à entidade “ASIRB – Serviços Rodoviários, S.A.” 24. Em 14/11/2022, foi solicitado um novo diagnóstico e consequente relatório técnico à entidade “IWS S.A.”. 25. Todos os relatórios detetaram a existência de uma quebra/rutura no bloco do motor, com consequente fuga de óleo. 26. Em face destes 3 relatórios técnicos a reclamada, em 21/11/2022 e com a concordância do reclamante, remeteu uma comunicação à JAGUAR LAND ROVER PORTUGAL – Veículos e Peças, Lda., instando-a a assumir responsabilidade pelos danos do XX, atenta a existência de um defeito no respetivo motor. 27. Outros veículos com a mesma motorização do XX têm apresentado problemas de motor. 28. A JAGUAR LAND ROVER PORTUGAL – Veículos e Peças, Lda. procedeu a uma inspeção ao XX, com desmontagem do motor. 29. A JAGUAR LAND ROVER PORTUGAL – Veículos e Peças, Lda não assumiu qualquer responsabilidade pelo sucedido ao XX, alegando que a causa do dano residiria, em alternativa, na falta de óleo ou na qualidade deste (porque incompatível com as características do veículo e, ainda, que o óleo apresentava diluição em água). 30. A JAGUAR LAND ROVER PORTUGAL – Veículos e Peças, Lda. apresentou um orçamento de reparação do XX no valor de €25.945,55 31. Na mesma data da missiva remetida à JAGUAR LAND ROVER PORTUGAL – Veículos e Peças, Lda. (21/11/2022), reclamante e reclamada celebraram um acordo, nos termos do qual, se a JAGUAR LAND ROVER PORTUGAL – Veículos e Peças, Lda. não assumisse a responsabilidade pela reparação (até 30/4/2023), a reclamada se comprometia a fazê-lo. 32. Em 10/7/2023, a reclamada notificou o reclamante, tendo a JAGUAR LAND ROVER PORTUGAL – Veículos e Peças, Lda. concluído que os danos se ficaram a dever a má utilização do veículo, não poderia a reclamada assumir qualquer responsabilidade pela indemnização dos danos reportados no XX. 33. O XX ainda não foi reparado. 34. A reclamada é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de veículos automóveis. 35. O reclamante é uma pessoa individual, que adquiriu o XX para seu uso pessoal. * III.2. Mérito do recurso III.2.1. Nulidade decisória A apelante Mais Carros Unipessoal, Lda arguiu, ao abrigo do art. 615º/1 d) do CPC e do art. 18º da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro), a nulidade das decisões recorridas (despacho interlocutório e sentença proferidos respectivamente em 4/6/24 e 6/6/24) por omissão de pronúncia, alegando que o tribunal arbitral não se pronunciou sobre a excepção da incompetência material invocada na contestação (cf. art. 22º a 29º deste articulado – ref. citius 714524), limitando-se a apreciar a excepção da ilegitimidade na decisão interlocutória, também sob recurso, proferida em 4/6/24. Os apelados pugnaram pela improcedência da nulidade. Dispõe o art. 615º/1 d) do Cód. Proc. Civil que “a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.” O vício em apreço consubstancia a sanção para a violação do dever processual previsto no art. 608º/2 do Cód. Proc. Civil, que determina que o julgador na sentença (e nos próprios despachos: cr. art. 613º/3 do Cód. Proc. Civil) “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, não podendo “ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” É entendimento pacífico que a omissão de pronúncia se circunscreve à omissão de questões em sentido técnico, questões de que o tribunal tenha por dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido. A invocação de um facto ou a produção de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal se não tenha pronunciado não pode constituir omissão de pronúncia para efeitos do disposto no preceito legal em referência. O que significa que, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes – cf., por todos, na Jurisprudência: Acórdão do STJ de 22/06/99, Ferreira Ramos, CJ 1999 – II, p. 161; Acórdão da Relação de Lisboa de 10/02/2004, Ana Grácio, CJ 2004 – I, p. 105; Acórdão da Relação de Lisboa de 04/10/2007, Fernanda Isabel Pereira; e, Acórdão da Relação de Lisboa de 06/03/2012, Ana Resende, ambos acessíveis em www.dgsi.pt. Nas palavras de Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, V Vol., p. 143, “(…) são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” Quer dizer que a omissão de pronúncia se circunscreve às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado. Por conseguinte, a nulidade por omissão de pronúncia só se verifica quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e excepções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas (cf. acórdão do STJ de 21/12/2005, Pereira da Silva, acessível em www.dgsi.pt.) ou quando o tribunal se estribe em argumentos diversos daqueles que as partes usaram. Volvendo ao caso presente, como vimos, a excepção da ilegitimidade, invocada pela ora recorrente na contestação, foi apreciada na decisão interlocutória proferida em 4/6/24, aí se concluindo pela ilegitimidade das reclamadas Jaguar, Carclasse e Garagem Reparadora de Cascais, com a sua consequente absolvição da instância, sendo determinado o prosseguimento dos autos apenas contra a reclamada Mais Carros Unipesssoal, Lda. O que a recorrente sustenta é que o tribunal arbitral não se pronunciou quanto à excepção da incompetência material. É certo que na aludida decisão de 4/6/24 não se fala expressamente na questão da competência do tribunal. Porém, não podemos deixar de entender que da improcedência da excepção de ilegitimidade invocada pela recorrente decorre, inevitavelmente, a assunção da competência do tribunal arbitral para dirimir o litígio, uma vez que, na própria perspectiva da reclamada/recorrente, a incompetência adviria, única e exclusivamente, da existência de um litisconsórcio necessário passivo entre todas as entidades demandadas. Assim, sendo julgada não verificada a excepção da ilegitimidade, prejudicada ficava a questão da incompetência, como resulta do afirmado pelo tribunal na sentença, ao consignar que “o tribunal é competente”, afirmando-se aí expressamente a verificação de tal pressuposto processual. Em suma, tendo em conta a estreita conexão entre as duas questões suscitadas pela recorrente, ao julgar improcedente a excepção da ilegitimidade, implicitamente o tribunal reconheceu a competência para o julgamento da acção [sobre decisões implícitas veja-se o acórdão do STJ de 12/09/2007, P. 07S923, Sousa Peixoto, acessível em www.dgsi.pt, onde se pode ler que: “decisão implícita é aquela que está subentendida noutra, é aquela que, apesar de não ser claramente expressa, está tacitamente contida noutra decisão (expressa)”]. Destarte, é manifesto que nenhuma das decisões recorridas padece da nulidade prevista no art. 615°/1/d), 1ª parte, do Código Processo Civil (omissão de pronúncia), improcedendo as conclusões 4 a 6 do recurso. III.2.2. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto Sob o ponto 7 das conclusões do recurso, invoca a apelante “erro sobre o julgamento da matéria de facto, nomeadamente quanto à não valoração do único efectivo relatório pericial junto aos autos, preterido quanto às suas valências probatórias a favor de presunções judiciais sustentadas e contrárias à prova produzida.” Nos termos do disposto no art. 662º/1 do Cód. Proc. Civil, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Dispõe, por sua vez, o art. 640º/1 do Cód. Proc. Civil que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: “a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” Tais ónus são de cumprimento cumulativo, sob pena de imediata rejeição do recurso, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento quanto ao recurso da decisão da matéria de facto (neste sentido, v. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, pág. 199; e os seguintes acórdãos: do STJ de 27/10/2016, Ribeiro Cardoso; de 27/09/2018, Sousa Lameira; de 3/10/2019, Maria Rosa Tching; e de 2/2/2022 - revista n.º 1786/17.9T8PVZ.P1.S1-1ª Secção, Fernando Samões; e do TRG de 19/06/2014, Manuel Bargado; de 18/12/2017, Pedro Damião e Cunha; e de 22/10/2020, Maria João Matos – todos acessíveis em www.dgsi.pt.). Acresce que a reapreciação do julgamento de facto pela Relação destina-se primordialmente a corrigir invocados erros de julgamento que, atento o preceituado no citado artigo 662º/1 do CPC, se evidenciem a partir dos factos tidos como assentes, da prova produzida ou de um documento superveniente, impondo decisão diversa. Significa que não basta que a prova produzida nos autos permita decisão diversa, necessário é que a imponha. Por esta razão, a lei exige ao recorrente que motive as alegações de recurso, dizendo as razões que determinam, em seu entender, diverso juízo probatório, para que a Relação possa aquilatar se os meios de prova por aquele indicados impõem ou não decisão diversa da recorrida quanto aos concretos pontos de facto impugnados. No que tange à rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 200-201, elenca as situações em que deve verificar-se tal rejeição: “a) Falta de conclusão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4, e 641º, nº 2, al. b)); b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a)); c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.): d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.” Como sustenta o mesmo autor, estas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, sendo “uma decorrência do princípio de autorresponsabilidade das partes, impedindo que a decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” (ob. cit. pág. 201). Conforme se afirmou no acórdão do STJ de 24.04.2018 (P.140/11.0TBCVD.E1, disponível em www.dgsi.pt), «o art. 640º, nº 1 do CPCivil impõe um certo número de ónus à parte que impugne a decisão sobre a matéria de facto. Compreendem-se sem dificuldade estas exigências legais, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não está concebido em termos de reescrutínio indiscriminado ou global da materialidade subjacente à causa, mas sim em termos de aferição de pontuais erros de julgamento (os concretamente identificados pelo recorrente). E, de outro lado, visa a lei o rigor na forma de acusação do mau julgamento dos factos, de modo a obviar a impugnações dilatórias, levianas ou carecidas de fundamento probatório objectivo». À luz deste enquadramento, cumpre verificar se a ora apelante deu cumprimento aos ónus previstos no art. 640º do Código de Processo Civil. Como decorre do alegado sob o título “o julgamento da matéria de facto”, a apelante insurge-se genericamente contra a decisão sobre a matéria de facto e de direito, sem identificar concretamente qual ou quais os factos que pretende impugnar, incumprindo manifestamente o ónus imposto pela alínea a) do art. 640º/1 do Código Processo Civil (cf. art. 40º/2 e 42º do Regulamento do Centro de Arbitragem do Sector Automóvel e art. 39º/4 da Lei de Arbitragem Voluntária). Da leitura da alegação recursória resulta que a recorrente se limita a transcrever diversos segmentos da sentença, extraídos do ponto 2 relativo à “subsunção do caso concreto”, não distinguindo matéria de facto e matéria de direito. Após o que conclui assim: “esta conclusão não encontra qualquer sustento probatório nos autos. Trata-se, sem margem para qualquer dúvida, de uma mera conclusão sem base pericial ou probatória” Seguidamente, a recorrente parte da análise do documento 4, afirmando que “o motor não foi desarmado nem desmontado por completo, nem pela Gouv – doc. 1, nem pela Controlauto – doc. 2”, na sequência do que afirma: “Ressalvando o enorme respeito pelo Sr. Juiz arbitral, é manifesto que a formação de convicção que resulta do aresto em crise baseia-se por tal em meras consideração conclusivas, sem sustento técnico, resumindo-se a mera opiniões pessoais do julgador em desconsideração pela prova, não tendo sido secundada por quaisquer novas perícias ao veiculo, tendo sido efetuada sem consideração pela incompetência técnica do digníssimo tribunal arbitral, que, não obstante, não procurou prova adicional por fia oficiosa, de modo a sustentar a decisão. Como o que consta dos autos, a decisão não podia ser no sentido que resulta do aresto em crise.” Após, remetendo para a perícia ao veículo efectuada pela Jaguar Land Rover - do qual resultou que o incêndio foi consequência de uma avaria no motor e que tal se deveu ao funcionamento do motor em condições de baixa lubrificação, não se evidenciando que a avaria em causa se tenha devido a defeito do veículo, tendo antes resultado da inobservância dos parâmetros de utilização e manutenção preconizados pela marca – diz a apelante que face a este exame pericial não se compreendem as conclusões que sustentam a decisão recorrida. Conclui que “deveria resultar manifestamente claro que a causa dos danos e do prejuízo causado foi provocado, ou por má utilização do veículo automóvel, ou, alternativamente, por má manutenção do mesmo.” E acrescenta: “De qualquer modo, não se pode aceitar a imposição da impossibilidade probatória que é imposta ao reclamado, para que prove a utilização que o reclamante fez do veículo. Tal imposição remete-nos para a ausência de necessária isenção quanto ao julgamento, constituindo prova impossível, remetendo-nos para o regime do previsto nos artigos 341 e ss. do Código Civil. Quando muito e estando essa prova na disposição apenas da reclamante, invertendo-se esse ónus, caberia à mesma a sua realização. Por último, sustenta a apelante que “carece de sustento ou fundamento a utilização de presunções judiciais in sustentadas, sem que seja possível á parte afastá-las por manifesta impossibilidade de o fazer” (…) “Subjaz, por tal, um nítido erro nas conclusões jurídicas extraídas do caso em apreço, resultando numa sentença que não se fundamenta na lei aplicável ao caso concreto, com um efeito devastador para a justiça que o mesmo merecia.” Flui de tais asserções que a recorrente não indica os concretos meios probatórios que determinariam uma decisão diversa, não cumprindo, assim, também o ónus previsto na alínea b) do nº 1 do art. 640º. Por outras palavras, a apelante não procedeu à apreciação crítica dos meios de prova, em momento algum fazendo referência à prova produzida em audiência ou à motivação da decisão de facto vertida na sentença, abstendo-se de valorar, em conjugação com a prova documental e pericial, a prova testemunhal, o que, aliás não podia fazer, dado que a audiência de julgamento não foi gravada (circunstância que impede a reapreciação da matéria de facto – v. acórdão desta secção proferido em 5/1/2021, P 2318/20.7YRLSB, Micaela Sousa; e acórdão do TRP de 2/12/2019, P. 296/19.4YRPRT, Jorge Seabra, disponível em www.dgsi.pt, constando nos ponto II e III deste último aresto: “II - Invocando o Juiz-Árbitro para a formação da sua convicção sobre a factualidade provada e não provada os meios de prova pessoal produzidos em audiência (depoimentos e declarações de parte, conjugados com documentos sujeitos à livre apreciação do julgador), mas não tendo esses meios de prova sido objecto de gravação, o Tribunal da Relação não está em condições de reapreciar esse julgamento por não ter acesso a essa prova pessoal e poder, portanto, formar um juízo sobre a valoração crítica dessa prova e, nesse contexto, se ocorreu um erro de valoração que justifique a alteração da decisão de facto proferida. III - As partes, ao aceitar submeter o litígio a arbitragem voluntária e, por inerência, ao aceitar as regras do processo arbitral (mais abreviado e informal), que não prevêem, por isso, a obrigatoriedade ou sequer a possibilidade de gravação dos meios de prova produzidos em audiência, aceitaram, logicamente, de forma livre e voluntária, que a decisão de facto, baseada na livre apreciação desses meios de prova não gravados, não possa ser reapreciada pelo Tribunal de recurso.”) Acresce que a apelante não indica, em sede de conclusões, o concreto sentido da modificação pretendida, o que de acordo com a jurisprudência recentemente firmada pelo STJ (no AUJ nº 12/2023, de 17/10/2023, publicado no DR, 1ª série, de 14/11/2023, rectificado pela Declaração de rectificação nº 25/2023, de 28/11/2023, passando o sumário do aresto a ter a seguinte redacção: “«Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações»), não constitui violação do ónus da alínea c) do nº 1 do art. 640º/1 do CPC, desde que se possa retirar da motivação do recurso a decisão alternativa pretendida. Sucede que no caso vertente, não retiramos da alegação recursória o sentido da decisão alternativa, porque tal não é minimamente explicitado. Ora, impendendo sobre a recorrente o cumprimento das apontadas exigências legais e não o tendo feito, não delimitou o objecto do recurso. Como sumariado no acórdão do TRE de 12/7/2018 (P. nº 581/15.4T8ABT.E1, relatado por Albertina Pedroso, publicado in www.dgsi.pt): “(…) III - Ao tribunal da Relação não incumbe ir identificar de entre aqueles pontos de facto, provados e não provados, onde previsivelmente se poderia encontrar o dissentimento do Recorrente relativamente à matéria de facto que vem fixada da primeira instância. IV - De facto, não só isso significaria obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso, como se nos afigura que a tal sempre obstaria o princípio do pedido que enforma todo o processo civil e não pode deixar de ser aplicado na fase de recurso, sob pena de potencial violação de outros princípios processuais como seja o princípio da igualdade das partes.” Neste conspecto, pode ler-se no acórdão do TRP de 4/11/2011, P. 3319/17.8T8PRT.P1, Jerónimo Freitas, “o recorrente não cumpre os ónus impostos pelo art. 640º/1 do Código Processo Civil quando procede a uma mera indicação genérica da prova que, na sua perspetiva, justifica uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, em relação a um conjunto de factos, sem especificar quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas” (no mesmo sentido, v. acórdão do TRG de 22/10/2020, P. n.º 5397/18.3T8BRG.G1-Maria João Matos). É este o caso dos autos, em que a recorrente não indica que facto/s quer impugnar, nem procede à necessária uma apreciação crítica dos meios probatórios que justificassem uma decisão diversa (que também não indica em concreto), sendo manifesto que a apelante não concorda, isso sim, com a valoração dos factos efectuada na sentença, em sede de fundamentação jurídica, o que não constitui fundamento de impugnação dos factos. Pelo exposto, atento o incumprimento dos ónus a que alude o citado artigo 640º/1 alíneas a), b) e c), impõe-se a imediata rejeição do recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto, o que se decide. * III.2.3. Apreciação jurídica Sob as conclusões 8 e 9 da alegação recursória, invoca a apelante “erro sobre o enquadramento e soluções jurídicas preconizadas” e “vício do julgamento, revelado pela incongruência entre a decisão sobre a matéria de facto, a prova produzida e o direito aplicado”. Como decorre de toda a motivação do recurso, a recorrente não distingue a impugnação dos factos do seu enquadramento jurídico, insurgindo-se genericamente contra o decidido quanto à matéria de facto e de direito, realçando que o tribunal arbitral se socorreu indevidamente de presunções judiciais. Como se extrai da sentença sob recurso e adiante melhor se explicitará, a decisão recorrida não se baseou em presunções judiciais, mas apenas em presunções legais. A decisão arbitral, que condenou a reclamada Mais Carros Unipessoal, Lda. a pagar ao reclamante A a quantia de €25 945,55 (coincidente com o custo de reparação do veículo de matrícula ...-XX-...), entendeu que “a relação jurídica em causa nestes autos é uma relação jurídica de consumo, razão pela qual o reclamante, para além da proteção jurídica conferida pela Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de julho, na sua atual redação), encontra-se tutelado pelo regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro.”, afirmando que este diploma (DL 84/2021) “abrange os contratos celebrados entre profissionais e consumidores, (art.º 3.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro.” Mostra-se correcto o enquadramento jurídico assim efectuado. Com efeito, no caso sub judice está demonstrado, na parte que agora interessa considerar, que: - Em 13/7/22, o reclamante A adquiriu à reclamada Mais Carros Unipessoal, Lda/ora apelante, um automóvel da marca Land Rover Velar (L560), INGENIUM I4, com a matrícula ...-XX-..., com cerca de 74.800 Kms; - No dia 7/10/2022, cerca da meia-noite, quando circulava na Autoestrada n.º 1 (A1), o reclamante detetou a saída de fumo do motor do XX. - A luz de falta de óleo não se encontrava acesa, nem nesse momento, nem em nenhum outro desde a aquisição do XX pelo reclamante. - Confrontado com o sucedido, o reclamante imobilizou o XX, tendo acorrido ao local os bombeiros e uma viatura da concessionária da A1. - Após a abertura do capot, constatou-se a existência de um incêndio no XX, cuja extinção implicou a utilização de um extintor (pó) e de espuma. - Na data do incêndio, o XX havia percorrido cerca de 6.000 kms desde a sua aquisição à reclamada. - No dia 10/7/2022, por indicação da reclamada, o XX foi encaminhado para a oficina “A YY... – Manutenção e Reparação de Viatura, Lda.”, tendo a reclamada suportado o custo do reboque (€184,50) - A oficina “A YY... – Manutenção e Reparação de Viatura, Lda.” procedeu a um diagnóstico do XX tendo procedido a uma lavagem do motor, indispensável para a deteção da causa do incêndio, mas sem proceder à retirada e desmontagem do mesmo. - A luz do painel indicativa da falta de óleo do painel de instrumentos não se encontrava acesa. - Após a intervenção, a oficina “A YY... – Manutenção e Reparação de Viatura, Lda.” elaborou um relatório técnico, complementado com um orçamento de reparação no valor de €24.791,66. - Posteriormente, em 31/10/2022, foi solicitado um novo diagnóstico e consequente relatório técnico à entidade “ASIRB – Serviços Rodoviários, S.A.” - Em 14/11/2022, foi solicitado um novo diagnóstico e consequente relatório técnico à entidade “IWS S.A.”. - Todos os relatórios detetaram a existência de uma quebra/rutura no bloco do motor, com consequente fuga de óleo. - Em face destes 3 relatórios técnicos a reclamada, em 21/11/2022 e com a concordância do reclamante, remeteu uma comunicação à JAGUAR LAND ROVER PORTUGAL – Veículos e Peças, Lda., instando-a a assumir responsabilidade pelos danos do XX, atenta a existência de um defeito no respetivo motor. - Outros veículos com a mesma motorização do XX têm apresentado problemas de motor. - A JAGUAR LAND ROVER PORTUGAL – Veículos e Peças, Lda. procedeu a uma inspeção ao XX, com desmontagem do motor. - A JAGUAR LAND ROVER PORTUGAL – Veículos e Peças, Lda não assumiu qualquer responsabilidade pelo sucedido ao XX, alegando que a causa do dano residiria, em alternativa, na falta de óleo ou na qualidade deste (porque incompatível com as características do veículo e, ainda, que o óleo apresentava diluição em água). - A JAGUAR LAND ROVER PORTUGAL – Veículos e Peças, Lda. apresentou um orçamento de reparação do XX no valor de €25.945,55 - Em 10/7/2023, a reclamada notificou o reclamante, tendo a JAGUAR LAND ROVER PORTUGAL – Veículos e Peças, Lda. concluído que os danos se ficaram a dever a má utilização do veículo, não poderia a reclamada assumir qualquer responsabilidade pela indemnização dos danos reportados no XX. - O XX ainda não foi reparado. - A reclamada é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de veículos automóveis. - O reclamante é uma pessoa individual, que adquiriu o XX para seu uso pessoal. Flui da factualidade apurada que o contrato de compra e venda em causa nos autos foi celebrado entre uma pessoa singular (o reclamante) e uma sociedade comercial, cuja actividade é a compra e venda de veículos automóveis (a reclamada/apelante), pelo que perfilando-se a presente acção no âmbito da responsabilidade contratual, é aplicável o DL nº 84/2021, de 18 de Outubro, que regula os direitos do consumidor na compra e venda de bens, conteúdos e serviços digitais, diploma que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva (EU) 2019/771 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019 [tendo esta directiva “como objetivo contribuir para o bom funcionamento do mercado interno, garantindo simultaneamente um nível elevado de proteção dos consumidores, estabelecendo regras comuns quanto a certos requisitos relativos aos contratos de compra e venda celebrados entre o profissional e o consumidor, em especial regras quanto à conformidade dos bens com o contrato, aos meios de ressarcimento em caso de falta de conformidade, às modalidades para o exercício desses meios e às garantias comerciais.” – cf. preâmbulo do DL 84/20221 e art. 1º/1 a)]. Nos termos do art. 3º/1 a) do DL 84/2021, “O presente decreto-lei é aplicável: a) Aos contratos de compra e venda celebrados entre consumidores e profissionais, incluindo os contratos celebrados para o fornecimento de bens a fabricar ou a produzir; Não se nos oferece dúvidas de que o contrato de compra e venda firmado entre as partes (regulado nos art.s 874º e seguintes do Código Civil) se inscreve no âmbito de aplicação do citado diploma legal (cuja entrada em vigor, em 1/1/22, é posterior ao contrato dos autos), sendo que o reclamante A beneficia do estatuto de consumidor definido pela alínea g) do art. 2º («Consumidor», uma pessoa singular que, no que respeita aos contratos abrangidos pelo presente decreto-lei, atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional). Aliás, a apelante não pôs em crise o quadro legal em que se estribou a decisão recorrida. A divergência entre as partes centra-se na responsabilidade pela ocorrência da avaria do veículo do reclamante, imputando-o este a um defeito de fabrico, enquanto que a reclamada responsabiliza o reclamante por má utilização da viatura (v.g. falta de óleo ou utilização de óleo indevido e/ou diluído em água). Qualificando o contrato em apreço como relação jurídica de consumo, o tribunal recorrido, discorreu assim: «Nos presentes autos está em causa a garantia do veículo automóvel em si, nomeadamente se a mesma abarca ou não os danos reportados pelo reclamante nesse mesmo veículo. Ora, no âmbito deste quadro legal, comprova-se a responsabilidade do vendedor perante o consumidor por qualquer falta de conformidade do bem nos 3 anos posteriores à entrega do bem (art.º 12.º, n.º 1), podendo ser reduzido a 18 meses (salvo se o bem for anunciado como um bem recondicionado, sendo obrigatória a menção dessa qualidade na respetiva fatura), nos contratos de compra e venda de bens móveis usados e por acordo entre as partes (art.º 12.º, n.º 3). Mais ainda, do mesmo regime resulta a presunção que falta de conformidade que se manifeste num prazo de dois anos a contar da data de entrega do bem se presume existente à data da entrega do bem, salvo quando tal for incompatível com a natureza dos bens ou com as características da falta de conformidade (art.º 13.º, n.º 1). Contudo, previamente, é necessário demonstrar a existência de uma “desconformidade”, sendo que o art. 5.º do citado Decreto-Lei n.º 84/2021, o vendedor deve entregar os bens ao consumidor cumprindo os requisitos subjetivos e objetivos de conformidade. Mais concretamente, são considerados conformes com o contrato de compra e venda os bens que (art.º 6.º): “a) Correspondem à descrição, ao tipo, à quantidade e à qualidade e detêm a funcionalidade, a compatibilidade, a interoperabilidade e as demais características previstas no contrato de compra e venda; b) São adequados a qualquer finalidade específica a que o consumidor os destine, de acordo com o previamente acordado entre as partes; c) São entregues juntamente com todos os acessórios e instruções, inclusivamente de instalação, tal como estipulado no contrato de compra e venda; e d) São fornecidos com todas as atualizações, tal como estipulado no contrato de compra e venda”. Mais ainda, os bens devem (art.º 7.º): “a) Ser adequados ao uso a que os bens da mesma natureza se destinam; b) Corresponder à descrição e possuir as qualidades da amostra ou modelo que o profissional tenha apresentado ao consumidor antes da celebração do contrato, sempre que aplicável; c) Ser entregues juntamente com os acessórios, incluindo a embalagem, instruções de instalação ou outras instruções que o consumidor possa razoavelmente esperar receber, sempre que aplicável; e d) Corresponder à quantidade e possuir as qualidades e outras características, inclusive no que respeita à durabilidade, funcionalidade, compatibilidade e segurança, habituais e expectáveis nos bens do mesmo tipo considerando, designadamente, a sua natureza e qualquer declaração pública feita pelo profissional, ou em nome deste, ou por outras pessoas em fases anteriores da cadeia de negócio, incluindo o produtor, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.” Contudo e ainda que se verifique uma desconformidade, esta deve ser denunciada pelo consumidor, sem que, ao invés do que sucedia no regime anterior, se encontre obrigado a respeitar um prazo para o efeito. De facto, o mais precisamente porque o art.º 5.º-A, n.º 2, do anterior Decreto-Lei n.º 67/2003 (revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2021) determinava que “Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado”. Atualmente não existe tal prazo, apenas determinando a lei a caducidade do direito do consumidor “decorridos dois anos a contar da data da comunicação da falta de conformidade” (art.º 17.º, n.º 1). Por fim, cumpre dar nota de uma hierarquização entre os direitos do consumidor (art.º 15.º), porquanto, num primeiro nível, o consumidor pode optar pela reparação ou substituição do bem (salvo se o meio escolhido for impossível ou implicar custos desproporcionados), só depois tendo direito de optar pela redução do preço ou resolução do contrato (salvo casos excecionais). 2. Subsunção do caso concreto Uma vez analisado o quadro legal, procuramos agora nele subsumir os factos em análise. Começando pela denúncia dos defeitos, alega a reclamada que o reclamante, logo após o incêndio, o reclamante comunicou diretamente as anomalias ao vendedor (funcionário da reclamada), tendo encaminhado o XX para uma oficina indicada pela mesma reclamada, pelo que não pode alegar esta o desconhecimento da desconformidade ou a ausência de denúncia por parte do reclamante. Assim sendo, a desconformidade no XX foi levada ao conhecimento da reclamada pelo reclamante, não podendo aquela negar esse mesmo conhecimento (o que, aliás, não fez). É igualmente patente que a anomalia se manifestou quando ainda se encontrava vigente o prazo de garantia, porquanto ocorreu menos de 3 meses após a celebração do contrato de compra e venda do XX entre reclamada e reclamante. No que concerne às desconformidades propriamente ditas, em face dos 3 relatórios técnicos e até do próprio relatório da marca, dúvidas não restam da existência de uma anomalia/ desconformidade no motor do XX, apenas divergindo a posição das partes na imputação da responsabilidade pela ocorrência da mesma. Mais precisamente, resulta provado da matéria fatual que o motor do XX apresentava uma quebra/fratura, sendo que o reclamante imputa tal anomalia a um defeito originário do motor (estribando-se nos 3 primeiros relatórios técnicos e, ainda, na informação existente acerca de defeitos em motores análogos ao implantado no XX), enquanto a reclamada, suportada no relatório da marca, responsabiliza o reclamante, atenta a má utilização do veículo (nomeadamente a falta de óleo ou a utilização de óleo indevido e, ou, diluído em água). Do quadro legal acima reproduzido decorre que, uma vez demonstrada a desconformidade (que, no caso concreto, é patente), cabe ao vendedor afastar a presunção de responsabilidade pela desconformidade (art.ºs 12.º, n.º 1 e 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 84/2021). Vejamos, então, se a reclamada logrou afastar esta presunção de culpa. Antes de mais e como se frisou reclamada ancora a sua posição naquela outra assumida pela JAGUAR LAND ROVER PORTUGAL, a qual, recorde-se, alega que a causa do dano residiria, em alternativa, na falta de óleo ou na qualidade deste (porque incompatível com as características do veículo e, ainda, que o óleo apresentava diluição em água). A este propósito, importa recordar que, em face do incêndio que eclodiu o XX, acorreram ao local os bombeiros e uma viatura da concessionária da A1, tendo a extinção implicado a utilização de um extintor (pó) e de espuma, fluídos estes que, em face da quebra / fratura no motor, se poderão naturalmente ter infiltrado no interior deste. Ademais, a própria lavagem do motor, indispensável para a deteção da causa do incêndio, levada a cabo pela oficina A Gouv é suscetível de, considerando a aludida quebra / fratura no motor, ter conduzido à entrada de água no mesmo motor. Assim sendo, é perfeitamente percetível a razão pela qual o motor apresentava, para além de óleo, outros fluidos, incluindo água, sendo que tal circunstância não é imputável a má utilização do reclamante (nomeadamente por ter utilizado óleo ou combustível adulterado), mas unicamente ao incêndio ocorrido no XX e à necessidade de o extinguir e, posteriormente, de apurar as suas causas. Mais ainda, o reclamante nunca adicionou óleo ao carro, desde logo porque, como se verá a seguir, jamais o painel de instrumentos acusou a falta de óleo. No que respeita a uma hipotética utilização de combustível adulterado, constitui um facto notório que os combustíveis em Portugal, independentemente da respetiva marca, são objeto de um rigoroso controlo de qualidade (vide https://www.ense-epe.pt/relatorios-de-qualidade-dos-combustiveis/), pelo que, incumbindo à reclamada a prova do uso de combustíveis adulterados, manifestamente essa prova não foi feita. Quanto ao segundo argumento, uma suposta insuficiência de óleo, constitui um facto notório que, quando se verifique, desencadeia, o acender de uma sinalização no painel de instrumentos, o que nunca aconteceu desde que o reclamante adquiriu o XX e nem mesmo quando este veículo foi inspecionado na oficina A Gouv: ora, é manifesto que o XX não padecia de falta de óleo no momento ao acidente, tanto mais que fora sujeito a uma manutenção programada aos 64.395 kms e a próxima seria apenas cerca de 32.000kms depois: ora, tendo cerca de 80.000kms na data do incêndio, manifestamente ainda não se encontrava sujeito a necessidade de mudança ou adicionamento de óleo. Em suma, não logrou a reclamada demonstrar o mau uso do XX por parte do reclamante e, em consequência, afastar a presunção legal de culpa que sobre si impende. Nesta conformidade, resta ao Tribunal atestar a existência de desconformidades no XX e imputar, nos termos da aludida presunção legal, a responsabilidade pela sua eliminação à reclamada. Em face do atual regime legal e como se referiu, é dada primazia à reparação em detrimento da resolução do contrato, pelo que deverá a reclamada ser condenada no custo dessa mesma reparação. Relativamente ao custo da reparação, este consta de orçamento elaborado para o efeito pela marca fabricante (no montante de €25.945,55), coincidente com o valor do pedido, pelo que deverá ser este o montante da condenação da reclamada.» Subscrevemos a solução do caso vertida na decisão recorrida, tendo-se como acertada a subsunção dos factos ao quadro legal aplicável. Na verdade, de acordo com o art. 5º do DL 84/2001, “O profissional deve entregar ao consumidor bens que cumpram os requisitos constantes dos artigos 6.º a 9.º, sem prejuízo do disposto no artigo 10.º”, estabelecendo o art. 6º os requisitos subjectivos de conformidade [(…) São conformes com o contrato de compra e venda os bens que: a) Correspondem à descrição, ao tipo, à quantidade e à qualidade e detêm a funcionalidade, a compatibilidade, a interoperabilidade e as demais características previstas no contrato de compra e venda; b) São adequados a qualquer finalidade específica a que o consumidor os destine, de acordo com o previamente acordado entre as partes (…)] e o art. 7º/1 os requisitos objectivos de conformidade [(…) 1 - Para além dos requisitos previstos no artigo anterior, os bens devem: a) Ser adequados ao uso a que os bens da mesma natureza se destinam; b) Corresponder à descrição e possuir as qualidades da amostra ou modelo que o profissional tenha apresentado ao consumidor antes da celebração do contrato, sempre que aplicável; c) Ser entregues juntamente com os acessórios, incluindo a embalagem, instruções de instalação ou outras instruções que o consumidor possa razoavelmente esperar receber, sempre que aplicável; e d) Corresponder à quantidade e possuir as qualidades e outras características, inclusive no que respeita à durabilidade, funcionalidade, compatibilidade e segurança, habituais e expectáveis nos bens do mesmo tipo considerando, designadamente, a sua natureza e qualquer declaração pública feita pelo profissional, ou em nome deste, ou por outras pessoas em fases anteriores da cadeia de negócio, incluindo o produtor, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem. (…)]. Em matéria de responsabilidade do profissional em caso de desconformidade, estatui o art. 12º que: 1 - O profissional é responsável por qualquer falta de conformidade que se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem. 2 –(…) 3 - Nos contratos de compra e venda de bens móveis usados e por acordo entre as partes, o prazo de três anos previsto no n.º 1 pode ser reduzido a 18 meses, salvo se o bem for anunciado como um bem recondicionado, sendo obrigatória a menção dessa qualidade na respetiva fatura, caso em que é aplicável o prazo previsto nos números anteriores. 4 - O prazo referido no n.º 1 suspende-se desde o momento da comunicação da falta de conformidade até à reposição da conformidade pelo profissional, devendo o consumidor, para o efeito, colocar os bens à disposição do profissional sem demora injustificada. 5 - A comunicação da falta de conformidade pelo consumidor deve ser efetuada, designadamente, por carta, correio eletrónico, ou por qualquer outro meio suscetível de prova, nos termos gerais. Quanto ao ónus de prova, estabelece o art. 13º que: “1 - A falta de conformidade que se manifeste num prazo de dois anos a contar da data de entrega do bem presume-se existente à data da entrega do bem, salvo quando tal for incompatível com a natureza dos bens ou com as características da falta de conformidade. 2 - O disposto no número anterior é aplicável aos bens com elementos digitais de ato único de fornecimento de conteúdo ou serviço digital. 3 - Nos casos em que as partes tenham reduzido por acordo o prazo de garantia de bens móveis usados nos termos do n.º 3 do artigo anterior, o prazo previsto no n.º 1 é de um ano. 4 - Decorrido o prazo previsto no n.º 1, cabe ao consumidor a prova de que a falta de conformidade existia à data da entrega do bem.” Resulta, pois, do quadro normativo em análise que, no âmbito da venda de bens de consumo, é ao comprador/consumidor qua cabe o ónus de alegar e provar o defeito de funcionamento da coisa, isto é, a sua desconformidade com o contrato, e que esse efeito existia à data da entrega da coisa, embora disponha de presunções legais de não conformidade que facilitam tal prova. Ainda à luz do DL 67/2003, de 8 de Abril, que veio a ser revogado pelo DL 84/2021 (embora, na parte que agora nos interessa considerar, mantendo no essencial o regime anterior) - vejam-se os seguintes arestos: do TRG de 13/5/2021, P. 2927/18.4T8VCT.G1, Maria Cristina Cerdeira; do TRP de 24/1/2022, Eugénia Cunha e do TRP de 12/7/23, P. 2441/19.0T8PRT.P1, João Diogo Rodrigues (todos disponíveis em www.dgsi.pt), sumariando-se neste último: “I - No âmbito de uma relação contratual de consumo, o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato. Isto é, bens que tenham as qualidades indicadas pelo vendedor, que sejam adequados ao uso específico e às utilizações habitualmente dadas a outros do mesmo género e que apresentem as qualidades e desempenho habituais do tipo a que pertencem. II - Se assim não for, isto é, se faltar alguma destas características, pode concluir-se que tais bens não são conformes com o contrato. III - Para responsabilizar o vendedor pelas desconformidades encontradas nesses bens, o comprador tem o ónus de as alegar e comprovar. Por sua vez, ao vendedor cabe o ónus de comprovar o cumprimento da sua obrigação de garantia de conformidade. IV - Apurando-se alguma dessas desconformidades, o consumidor tem direito, para além do mais, à reparação ou substituição do bem viciado, bem como, provando-se os respetivos pressupostos, à indemnização pelos danos não patrimoniais daí decorrentes.” Flui do que vimos expondo que, no âmbito da disciplina aplicável à presente relação contratual de consumo, incumbe ao comprador apenas alegar e comprovar a falta de conformidade e, verificada esta, é sobre o vendedor que recai o ónus de demonstrar que a coisa vendida reúne todas as qualidades por si indicadas, bem como as que sejam adequadas ao uso específico e às utilizações habitualmente dadas a outros do mesmo género e ainda as qualidades e desempenho habituais do tipo a que pertencem. Volvendo ao caso vertente, do acervo factual provado decorre que o reclamante/apelado fez prova da desconformidade (com o contrato) do bem adquirido à reclamada, ou seja, da avaria do motor (quebra/ruptura no bloco do motor, com consequente fuga de óleo) que provocou o incêndio do veículo, ocorrido menos de três meses após a compra (logo, dentro do prazo de garantia) e percorridos cerca de 6000 kms desde a celebração do contrato. A lei (cf. art.s 12º e 13º do DL 84/2021) estabelece uma presunção, nos termos da qual a falta de desconformidade que se manifeste num prazo de dois anos a contar da data de entrega do bem se presume existente à data da entrega do bem, salvo se tal for incompatível com a natureza dos bens ou com as características de falta de conformidade. Ao invés do que sustenta a apelante, estamos perante uma presunção legal e não judicial. Nos termos do art. 349º do C. Civil, “presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”, podendo tratar-se de presunção legal ou judicial. O tribunal a quo, tal como o tribunal de recurso, pode fazer uso de presunções, nomeadamente presunções judiciais, em conformidade com o disposto no art. 351º do C. Civil e art. 607º/4 do CPC. Toda a prova indirecta se baseia, por natureza, em presunções, isto é, em ilações extraídas de um determinado facto (para outro) até se chegar ao facto principal, sendo que as presunções judiciais encontram a sua legitimação nas máximas (regras ou lições) da experiência, do curso ou andamento normal das coisas, da normalidade dos factos (regra da vida), nos ensinamentos e vivências e no saber de experiência feito, captados ou absolvidos (pelo juiz) através da observação empírica dos factos. Sem prejuízo de a força probatória das presunções judiciais, sendo livremente apreciada pelo juiz (ex vi art 351º do CC), poder ser arredada por simples contraprova e, por maioria de razão (argumento a fortiori), por prova do contrário – vide Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, 3ª ed. Almedina, vol. II, pág. 305 a 307. Como escreve o mesmo autor (ob. cit., vol I, pág. 115): “em sede de julgamento da factualidade controvertida não está vedado ao julgador o recurso a presunções judiciais (arts 349º a 351º do CC) às regras da experiência, sendo que, o uso destas últimas consubstancia também um critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto, pelo que, em sede de formação da sua convicção, há-de o convencimento do órgão jurisdicional operar-se à luz de critérios de racionalidade, utilizando-se aquelas máximas da experiência.” Diversamente, as presunções legais ou de direito são as que, porque estabelecidas pela própria lei substantiva, vinculam a liberdade de apreciação do juiz, isto pela razão de que quem tem a seu favor uma presunção legal está dispensado da prova do facto a que a mesma conduz (art. 350º do Código Civil). Importando a inversão do ónus de prova, ex vi no nº 1 do art. 344º do Código Civil, as presunções legais podem ser juris tantum (relativas) quando possam ser ilididas mediante prova em contrário (do facto contrário) e juris et de jure (absolutas ou irrefutáveis) quando não admitam prova do contrário. As presunções juris tantum são a regra, as presunções juris et de jure são a excepção; para que uma presunção seja de considerar juris et de jure torna-se necessário que a lei signifique, de modo inequívoco, que o facto em que a presunção se traduz não admite prova em contrário (v. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 305). No caso dos autos, afigura-se-nos evidente que na subsunção dos factos às normas aplicáveis o tribunal arbitral socorreu-se, e bem, das presunções – legais – previstas nos mencionados arts 12º e 13º do DL 84/2021 (carecendo de fundamento o alegado - pela recorrente - recurso a presunções judiciais, quando estamos em sede de apreciação jurídica do pleito). Posto isto, coloca-se a questão de saber se a reclamada, como lhe competia, logrou ilidir a presunção (juris tantum) de culpa que sobre ela impendia. Na esteira do que entendeu o tribunal arbitral, entendemos a reclamada/apelante não logrou afastar tal presunção. Na verdade, da matéria factual apurada não resulta que o incêndio que eclodiu no veículo XX se possa imputar ao reclamante/seu proprietário, designadamente por mau uso. A este respeito provou-se que (cf. factos 5, 6, 13, 20): - Na data da aquisição, o XX possuía a inspeção periódica de veículos atualizada. - Na data de aquisição, o XX havia sido objeto de duas manutenções programadas (vulgo, revisões), uma primeira na Carclasse e uma segunda na Garagem Reparadora de Cascais. - A reclamada não efetuou qualquer intervenção técnica no XX antes da sua alienação ao reclamante, não tendo adicionado óleo do motor ou verificado o respetivo nível. - No dia 7/10/22, a luz de falta de óleo não se encontrava acesa, nem nesse momento, nem em nenhum outro desde a aquisição do XX pelo reclamante. - Na oficina “A YY... – Manutenção e Reparação de Viatura, Lda.”, a luz do painel indicativa da falta de óleo do painel de instrumentos não se encontrava acesa. Não se podendo extrair de tal factualidade que seja imputável ao reclamante a avaria/quebra do motor que gerou o incêndio, tem de se concluir no sentido da culpa da reclamada, operando a presunção legal. Em suma, tal como se concluiu na sentença recorrida, o reclamante demonstrou a desconformidade do bem e a reclamada não afastou a presunção de responsabilidade por essa desconformidade. Consequentemente, atenta a pretensão deduzida pelo reclamante na presente acção e de acordo com o preceituado no art. 15º/1 a) e 2 do DL 84/2021, deve proceder o pedido formulado visando a reparação do veículo, sendo a reclamada condenada no pagamento do custo de tal reparação, estimado em €25 945,55, como decidiu a decisão recorrida. Em caso semelhante, ainda proferido à luz do DL 67/2003, veja-se o acórdão do TRL de 11/5/21, P. 27322/19.4T8LSB.L1-7, Conceição Saavedra, in www.dgsi.pt. Por último, insurge-se a recorrente contra o decidido no que respeita ao pedido reconvencional, pretendendo a condenação do reclamante no pagamento das despesas originadas pelo sinistro, suportadas pela reclamada. A apelante não indica, em sede de recurso, o valor do pedido reconvencional, embora tal resulte do art. 153º da contestação e do pedido formulado no final da contestação. A este respeito apenas ficou demonstrado que a reclamada procedeu ao pagamento do montante de €826,56 à oficina “A. YY...- Manutenção e Reparação de Viatura, Lda” (cf. factos provados 18, 19 e 21). Porém, considerando o que acima se disse quanto à responsabilidade da recorrente, não podem tais despesas ser imputadas ao reclamante, com a consequente improcedência da reconvenção, conforme foi decidido na sentença. Em síntese conclusiva, tendo sido rejeitada a impugnação da decisão da matéria de facto e não merecendo censura a análise jurídica da sentença, impõe-se a sua confirmação. * IV. DECISÃO Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida. Custas pela apelante (artigo 527º do CPC). Registe e notifique. Lisboa, 19 de Dezembro de 2024 Ana Mónica Mendonça Pavão Ana Rodrigues da Silva Paulo Ramos de Faria |