Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
179/17.2PJOER.L1-3
Relator: MARIA PERQUILHAS
Descritores: TRÁFICO
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS
FAVOR DEFENSIONIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Se o arguido teve oportunidade de se defender da imputação que lhe foi feita na acusação pública subsumida apenas à previsão do art.º 21.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, punido com pena de prisão de 4 a 12 anos e o  tribunal entendeu que a ilicitude do facto se mostrava consideravelmente diminuída, realizando uma subsunção dos factos favorável ao arguido, e determinou a pena nos termos e à luz do previsto no art.º 25.º, n.º 1, al. A) cuja penalidade abstratamente aplicável é de prisão de um a cinco anos, tal não envolve efeito surpresa com a alteração da qualificação jurídica, nem violação do contraditório, nem das garantias de defesa, porquanto o arguido teve oportunidade de se defender contra aqueles factos e qualificação jurídica na sua forma mais gravosa.
Sendo os factos os mesmos, o ilícito o mesmo, basta atentar o bem jurídico protegido e para os elementos constitutivos do crime, que são os do art.º 21.º ou 22.º por remissão expressa do art.º 25, a alteração da incriminação não exige, da parte do Tribunal, qualquer advertência ao arguido.  O fundamento da comunicação a que se refere o art.º 358.º, n.º 1, o favor defensionis, está respeitado.  
A qualificação jurídica realizada não tinha que ser antecedida do cumprimento do n.º 1 do art.º 358.º do CPP, não consubstanciando este entendimento nenhuma ofensa à lei fundamental.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão proferida na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
L_______  veio recorrer da decisão que o condenou como co-autor material de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos art.ºs 25.º, al. a) e 21.º, n.º 1, do Dec- Lei n.º, 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de 5(cinco) anos, sob regime de prova, direcionado para a aquisição de competências formativas/laborais, e para a consolidação de competências que lhe permitam manter um comportamento ajustado ao normativo social,
Para o efeito apresentou as seguintes conclusões:
I. Por Acórdão proferido nos Autos em epígrafe, foi o Arguido L_______  condenado como co-autor material de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos art.ºs 25.º, al. a) e 21.º, n.º 1, do Dec- Lei n.º, 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de 5(cinco) anos, sob regime de prova, direcionado para a aquisição de competências formativas/laborais, e para a consolidação de competências que lhe permitam manter um comportamento ajustado ao normativo social.
II. No processo supra identificado o arguido L_______, é acusado pela prática de um crime Tráfico ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22de Janeiro, por referência às tabelas anexas I-B, e I-C.
III. Foi efetuado o julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo e foi proferido Acórdão que julgou a acusação parcialmente procedente por parcialmente provada e, consequentemente:
IV. Absolveu o arguido L_______   do imputado crime de tráfico de estupefacientes, p. e p., pelo artigo 21.º, n.º 1, do D.L. n.º15/93, de 22 de Janeiro e 27.º do Código Penal por que vinha acusado.
V. Convolando os fatos deduzidos na Acusação pública o tribunal “a quo” condenou o arguido como co-autor material de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos art.ºs 25.º, al. a) e 21.º, n.º 1, do Dec- Lei n.º, 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de 5 (cinco) anos, sob regime de prova, direcionado para a aquisição de competências formativas/laborais, e para a consolidação de competências que lhe permitam manter um comportamento ajustado ao normativo social.
VI. O arguido L_______  foi, então, condenado como co-autor material de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos art.ºs 25.º, al. a) e 21.º, n.º 1, do Dec- Lei n.º, 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal na pena de 5(cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de 5(cinco) anos, sob regime de prova, direcionado para a aquisição de competências formativas/laborais, e para a consolidação de competências que lhe permitam manter um comportamento ajustado ao normativo social, condenação esta por crime diverso daquele de que vinha acusado, após convolação feita no Acórdão.
VII. O arguido L_______   vinha acusado da prática de um crime Tráfico ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às tabelas anexas I-B, e I-C, do qual foi absolvido.
VIII. Inconformado o arguido L_______, vem interpor Recurso pugnando pela Revogação do Acórdão, a fim de ser cumprido o disposto no art.º 358.º, n.º 1 e n.º 3 do Código Processo Penal.
IX.O Acórdão alterou a qualificação jurídica dos factos feita na acusação sem que se desse cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 358º C. P. Penal, pelo que enferma da nulidade prevista no artigo 379º/1 alínea b), do Código Processo Penal;
X.A Alteração da qualificação jurídica resultante de no Douto Acórdão, se ter convolado a acusação pelo crime de Tráfico ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22de Janeiro, por referência às tabelas anexas I-B, e I-C, e ter condenado o arguido pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25º al. a) do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-B e I-C anexas a esse diploma legal, tem de ser previamente comunicada ao arguido, nos termos do art.º 358.º, n.ºs 1 e3, do Código de Processo Penal, sob pena de nulidade de sentença, conforme art.º 379.º, al. b) , do Código de Processo Penal.
XI. Violou o Douto Tribunal a quo no Acórdão proferido o princípio do acusatório, consagrado na C.R.P. no art.º 32, n.º 5, segundo o qual são a acusação ou a pronúncia que definem e fixam o objeto do processo.
XII.A simples alteração da qualificação jurídica (ou convolação) ainda que se traduza na submissão de tais factos a uma figura criminal menos grave não deixa de ser uma diferente qualificação jurídico-penal dos factos.
XIII. Não comunicando o douto tribunal ao arguido a diferente qualificação jurídico-penal o arguido não foi prevenido da nova qualificação e não se lhe deu quanto a ela a oportunidade de defesa, violando-se o princípio constitucional previsto no art.º 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.
XIV. No caso do processo identificado em epígrafe o tribunal Coletivo efectuou uma alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação no Acórdão que proferiu, condenando o arguido por crime diferente daquele de que vinha acusado, violando manifestamente a obrigação da comunicação que o artigo 358º/3 C P Penal exige, impossibilitando a defesa do arguido L______.
XV. A Mma. Juíza Presidente do Tribunal Coletivo não poderia ter procedido à alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação sem comunicar ao arguido essa alteração, concedendo-lhe prazo para preparação da sua defesa, ocorrendo assim a nulidade a que se refere o artigo 358º/3 e o artigo 379º alínea b) C P Penal;
XVI. Violou o Acórdão recorrido o disposto nos art.ºs 358º/3 e 379º/1 alínea b), do C. P. Penal.
XVII. Pugnando o arguido pela revogação do Acórdão proferido pelo Tribunal Coletivo assim, devendo o mesmo ser considerado nulo por não ter sido cumprido o disposto no artigo 358º/1 e 3 C P Penal, relativamente à alteração da qualificação jurídica dos factos praticados pelo arguido.
XVIII. Deve o Acórdão ser nulo atendendo ao disposto no artigo 379º alínea b) C P Penal – condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º.
XIX. Assim como a alteração da qualificação jurídica não foi comunicada ao arguido L_______ como impõe o artigo 358º/3 C P Penal, acarretará a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379º alínea b) C P Penal.
XX. O arguido não pode ser surpreendido com uma “decisão surpresa”. Cuja proibição está também prevista no art.º 3.º do C. Processo Civil.
XXI. A alteração de qualificação jurídica tem de ser comunicada ao arguido nos termos do n.º 1 do artigo 358.º, uma vez que o n.º 3 desse artigo manda aplicar esse regime.
XXII. Tal comunicação é oficiosa ou efectuada a requerimento e, se o arguido o requerer, é-lhe concedido prazo para preparação da sua defesa, pelo tempo estritamente necessário.
XXIII. Foi isto que não foi feito pelo tribunal Coletivo, implicando a nulidade da decisão, nos termos do artigo 379º alínea b).
XXIV. A mera alteração da qualificação jurídica não constitui alteração de factos (substancial ou não substancial), mas é-lhe aplicado o regime jurídico da alteração não substancial dos factos.
XXV. Não pode ser prejudicado o direito de defesa do arguido pela omissão da comunicação da alteração.
XXVI. Ao não haver cumprimento do disposto no artigo 358º/3, incorreu-se na nulidade prevista pela alínea b) do artigo 379º C P Penal, incorrendo-se na anulação do processado se lhe seguiu.
*
***
*
O MP na primeira instância respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo:
1. O arguido encontrava-se acusado da prática de um crime de tráfico menor gravidade, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, com referência às tabelas I-B e I-C, anexas ao referido diploma legal.
2. No acórdão recorrido procedeu-se à alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação relativamente ao arguido ora recorrente, tendo-se concluído que, relativamente ao arguido recorrente, a ilicitude do facto ainda se mostra consideravelmente diminuída, conforme preceitua o art.º 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, pelo que se subsumiu a conduta do mesmo ao crime de tráfico menor gravidade, p. e p. pelo art.ºs 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, com referência às tabelas I-B e I-C, anexas ao referido diploma legal.
3. Ao contrário do alegado pelo arguido recorrente, não tinha que ser previamente dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do art.º 358.º do Código de Processo Penal.
4. Com efeito, no caso em apreço, os factos imputados ao arguido são os constantes da acusação, sendo que da alteração da qualificação jurídica operada resulta a imputação do mesmo crime, mas na sua forma privilegiada.
5. Assim, não tendo resultado da diversidade do tipo incriminador uma alteração essencial do sentido da ilicitude típica do comportamento do arguido, as garantias de defesa do mesmo não foram afectadas, e, por isso, não há necessidade de proceder à prévia comunicação da alteração, não se verificando qualquer violação do princípio do contraditório.
6. Neste sentido, vide o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 10.10.2012 (n.º 104/09.4PCPRT.P1, relator Élia São Pedro), in www.dgsi.pt, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03.04.1991, publicado na CJ (STJ), XVI, II, 17, e o acórdão do Tribunal Constitucional, de 17-09-97 (n.º 330/97), in http://www. tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19970330.ht ml.
7. Pelo exposto, não enferma o acórdão recorrido da nulidade prevista no art.º 379.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, nem se verificou violação do princípio do acusatório, consagrado no art.º 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.
8. Conclui-se, então, não padecer o douto acórdão recorrido de quaisquer irregularidades ou ilegalidades, tendo sido proferida a decisão correcta quanto ao ora recorrente, pelo que deve ser mantido in totum.
*
***
O MP junto desta Relação aderiu à resposta ao recurso apresentada pelo MP na primeira instância, pugnando pela manutenção do decidido.
*
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP.
*
II - O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar art.ºs 403º e 412º nº 1 CPP[1] sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – art.º 410º nº 2 CPP.
*
Como se verifica das conclusões de recurso, está em causa saber se a decisão proferida enferma dos vícios (i) da nulidade prevista no artigo 379º/1 alínea b), do Código Processo Penal, decorrente da alteração da qualificação jurídica dos factos feita na acusação sem que se desse cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 358º C. P. Penal, com violação do disposto no art.º 358.º do CPP, ao condenar o arguido L________ pela prática de um crime p.p. pelo art.º p. e p. pelos art.ºs 25.º, al. a) e 21.º, n.º 1, do Dec- Lei n.º, 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal, quando o mesmo vinha acusado de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p., pelo artigo 21.º, n.º1, do D.L. n.º15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-B e I-C, e 27.º do Código Penal.
*
III – Motivação:
A - A Decisão de facto constante da decisão recorrida, não colocada em crise pelo arguido e sem que se mostre afetada de qualquer das nulidades de conhecimento oficioso previstas no art.º 410.º, n.º 2 do CPP, é do seguinte teor:
Fundamentação
2.1.      Factos provados
1- Desde pelo menos 11/10/2017 que o arguido R______ se dedica à venda a terceiros de produtos estupefacientes – canábis resina e cocaína – o que faz no interior da sua habitação sita na Rua …, em Paço de Arcos, Oeiras.
 2- o arguido L_______ , residente na Rua   , em Paço de Arcos (Bairro) também se dedica à venda de produtos estupefacientes – canábis resina e cocaína – quer ao arguido R______  quer a terceiros que com ele contactam na habitação ou em locais previamente acordados.
3- O arguido L________   vendeu e cedeu ao arguido R______   haxixe e cocaína, para este último vender a terceiros que se deslocam propositadamente a sua casa, na Rua., dividindo ambos os lucros resultantes da venda desse estupefaciente aos consumidores do Bairro.
4- As vendas directas pelo arguido L________  ocorreram nomeadamente no 02/07/2018 pelas 12:00m, na Rua , local onde vendeu a AS_____ duas embalagens de cocaína (duas "quartas”), com o peso de 0,503 gramas, pelo valor de 10€, e no dia 12/10/2018, pelas 19h:40m em que o arguido vendeu 4,023 gramas de canábis resina a P_____.
5- O arguido J______ auxiliou o arguido L________  cedendo a sua habitação sita na Rua …, 1º Esquerdo, em Paço de Arcos, Oeiras, para ser guardado produto estupefaciente e também para proceder ao corte, divisão e embalagem do produto estupefaciente vendido pelo segundo e fazendo entregas nomeadamente ao arguido R_______ .
6- Para realizar esta operação L________  e JD________ tinham em casa deste último produtos líquidos, como amoníaco e outros medicamentos, onde misturam o pó branco da cocaína, a após misturam esse produto com recurso a um moinho ou batedeira, deixando de seguida o produto secar e, quando está de novo em pó, é dividido de novo em doses individuais, permitindo assim com esse “corte” ou adulteração do produto estupefaciente vender mais doses de cocaína a terceiros consumidores e realizar assim maiores lucros pecuniários.
7- Além de L________  e JD________ usarem a casa deste último para o cozimento, “corte” e divisão de cocaína, estes arguidos também procediam à venda a terceiros de cocaína dentro de casa de JD_____, recebendo este último parte do lucro com essa venda, para além de receber ele próprio cocaína que consome em casa.
8- O arguido R_______  efectuou, no interior da sua habitação identificada em 1 dos factos provados, vendas de produto estupefaciente a terceiros, pelo menos, nos dias 10/10/2017 entre as 14h:20m e as 17h:18m, 11/10/2017 entre as 19h:50m e as 22h:31, no dia 13/10/2017 entre as 16h:37m e as 21h:22m, no dia 27/2/2018 entre as 17h;57m e as 20h:38m, no dia 26/7/2018 entre as 10h:47m e as 13h:46, 27/9/2018, entre as llh:28m e as 12h:26m e no dia 02/10/2018 entre as 16h:00m e as 17h:46m.
9- No dia 11/12/2018, pelas 07:10, em execução dos mandados de busca domiciliária emitidos nos presentes autos, o arguido L________   tinha em sua casa, na Rua …, 1º Esq., no Bairro:
-           dois sacos com 41 embalagens de cocaína, com o peso total de 5,552 gramas, que o arguido arremessou da janela do seu quarto para a rua assim que se apercebeu da entrada da polícia em casa,
10- Dentro de sua casa, o arguido L________   tinha:
- escondido dentro de um balde na prateleira do móvel da sala, um pedaço de canábis resina com o peso de 2,056 gramas;
- no chão, escondido dentro de um saco junto a esse móvel, um cartucho com resíduos de haxixe, habitualmente usado para acondicionar um quilo desse estupefaciente;
- dentro do seu quarto:
. dois cigarros contendo haxixe no interior (vulgo “charros”);
. uma faca com resíduos de haxixe, três telemóveis e um caderno com notas manuscritas relativas ao tráfico de estupefacientes;
.dois sacos habitualmente usados para acondicionar cocaína; e 
. € 340,00 em notas de 50 €, de 20€, de 20€, de 10€ e de 5€,
11- No dia 11/12/2018, pelas 07h:05m, em execução dos mandados de busca domiciliária emitidos nos presentes autos, o arguido R______   tinha em sua casa, sita na Rua no Bairro, em Paço de Arcos, Oeiras:
- um saco com 36 bolotas de canábis resina com o peso de 327,400 gramas;
- 2 bolotas de canábis resina com 7,400 gramas;
- pedaços de canábis resina com o peso de 14,260 gramas;
- 8,851 gramas de cocaína;
- um secador e um moinho com resíduos de haxixe, material usado para o aquecimento e amolecimento desse estupefaciente prévio ao seu corte;
- um caderno com notas manuscritas relativas ao tráfico de estupefacientes; e
- €655,40 em notas e em moedas.
12- No dia 11/12/2018, pelas 08:10, em execução dos mandados de busca domiciliária emitidos nos presentes autos, o arguido JD________ tinha:
- dentro do quarto de sua casa, sita na Rua …, 1º Esq., no Bairro, em Paço de Arcos, Oeiras, uma embalagem com 10 ml de amónia usada para misturar (“cozer”) com a cocaína, dando origem a mais doses desse estupefaciente mas com menor grau de pureza; e
- um moinho (batedeira) de marca moulinex com resíduos de fenacetina, usado para misturar com a cocaína, antes de ser de novo seca e dividida em mais doses para venda a terceiros.
13- Os arguidos L________  e R______ , detinham todo esse produto estupefaciente em suas casas para venda a terceiros que se deslocavam às suas residências para adquirir haxixe e cocaína, com o intuito de realizarem proventos económicos com a venda de tais substâncias, apesar de saberem que essa actividade é proibida e punida por lei.
14- As quantias monetárias apreendidas aos arguidos L________   e R______, eram provenientes da venda a terceiros da cocaína e do haxixe.
15- Os arguidos, L________ , R______  e JD________ detinham em suas casas diversos instrumentos, como secadores, balanças, facas, frascos de amoníaco, moinhos e batedeiras, sacos e cartuchos, tudo material usado para a cozedura, o corte, a divisão e o acondicionamento do produto estupefaciente que vendiam, designadamente para preparar a venda a terceiros de haxixe e cocaína em doses individuais.
16- Os arguidos, L________ , R______  e J_____, sabiam que a detenção, a produção, a preparação e venda a terceiros de produtos estupefacientes como haxixe e cocaína constitui crime e, não obstante tal conhecimento, não se abstiveram de produzir, deter e vender essas substâncias a terceiros com a finalidade de realizar proveitos económicos.
17- Os arguidos L________ , R______  e JD________ agiram, em todas as descritas circunstâncias, de forma livre, deliberada e consciente, em conjugação de esforços, dividindo tarefas de acordo com o que planearam entre si, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, e ainda assim não se coibiram de agir da forma descrita.
Factos atinentes às condições pessoais dos arguidos:
18- O arguido R_______   vive juntamente com a companheira, com quem mantém uma relação afectiva há cerca de 8 anos.
19- A data dos factos, a progenitora do arguido integrava o seu agregado de origem, padecendo a mesma da doença de Alzheimer, e sendo o arguido o seu único cuidador.
20- De um relacionamento afectivo anterior, o arguido R_______ tem um filho com 10 anos de idade, com quem tem uma relação de grande afectividade e proximidade.
21- Este arguido concluiu o 12º ano de escolaridade através de um curso de formação profissional de “Técnico Comerciar’, promovido pela Associação Empresarial da Região de Lisboa, frequentou ainda um curso de informática e um curso profissional de mecânico automóvel mas que não concluiu.
22- Ao nível laborai, desenvolveu diversas actividades sempre ligadas ao atendimento ao público e, à data dos factos, trabalhava como efectivo numa loja de artigos de desporto, efectuando ainda, por conta própria, pequenos trabalhos de mecânica e restauro de mobiletes para posterior venda.
23- O arguido R_______   é consumidor de substâncias estupefacientes (canabinóides), hábito que manteve até à sua detenção, encontrando-se, actualmente, abstinente de tais consumos.
24- O arguido L________   vive juntamente com o avô, pai, tio e irmão mais novo, tendo vivido dos nove aos dezoito anos em instituições da segurança social, bem como os dois irmãos.
25- Na sequência da separação dos pais, os menores que estavam entregues aos cuidados da avó paterna foram retirados do grupo familiar, alegadamente devido ao deficitário acompanhamento educativo.
26- Antes de integrar o actual agregado o arguido viveu algum tempo no concelho de Cascais, com uma tia que se responsabilizou pela sua integração quando deixou de estar institucionalizado.
27- O percurso escolar deste arguido esteve marcado por insucesso, não tendo concluído os módulos correspondentes ao 9º ano. Desistiu de estudar, não obstante ter sido proposto o seu ingresso no centro de formação profissional da Aldeia de Stª Isabel.
28- No plano laborai o arguido não desenvolveu hábitos de trabalho. Esteve em Inglaterra, há cerca de dois anos por um período de cinco meses, com uma prima ali residente, tendo mantido nesse período ocupações laborais pouco consistentes, como operário fabril.
29- Desde então mantém-se numa situação de desocupação, evidenciando uma atitude pouco pró-activa no sentido de se integrar num projecto formativo ou admitindo a possibilidade de regressar a Inglaterra, contando com o apoio da irmã e familiares.
30- Refere que faz alguns biscates na recolha de “ferro-velho” contudo não tem meios de subsistência económica, dependendo do apoio do grupo familiar que detém uma situação económica deficitária.
31- O arguido JD________ vive juntamente com o pai, tendo a sua progenitora já falecido, e tem uma irmã que vive em Inglaterra há vários anos.
32- Frequentou o sistema de ensino até à conclusão do 4º ano de escolaridade.
33- Este arguido iniciou o consumo de substâncias estupefacientes aos 11 anos de idade, consumindo cocaína e heroína injectada.
34- O arguido apresenta um estado de saúde grave e complexo, quer a nível físico (é portador de doença do foro infetocontagioso com carácter irreversível) quer a nível psicológico e de saúde mental, tendo a este nível sido sujeito a internamentos em psiquiatria ao longo dos anos, quer em meio prisional (Clínica de Psiquiatria do Hospital Prisional S. João de Deus) quer no Departamento de psiquiatria do Hospital Egas Moniz, sendo actualmente acompanhado simultaneamente pelos serviços de psiquiatria comunitária e pelos serviços de tratamento de toxicodependência também da comunidade. A nível psiquiátrico J________ tem um acompanhamento próximo, tomando um injectável adequado à patologia de que padece com uma periodicidade de 3-3 semanas, o qual se tem afigurado decisivo para a contenção e relativa estabilidade do mesmo.
35- Ao nível da toxicodependência, J_______ mantém a frequência do programa de desvinculação de drogas através de metadona, sendo que mantém consumos de estupefacientes que refere como ocasionais mas em continuidade, quer de haxixe quer de cocaína.
36- O estilo de vida do arguido é caracterizado pela ausência de participação em actividades estruturadas, dedicando grande parte do tempo à permanência em casa e convívio com pares do meio social de inserção.
37- A situação económica do arguido e do pai é precária, assente na pensão de reforma de ambos, sendo que J_______ recebe uma pensão de invalidez dos Serviços de Segurança Social no valor de €276,00.
Antecedentes criminais dos arguidos:
38- O arguido R______, foi condenado:
a) Por sentença do Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, datada de 11/04/2011, transitada em julgado em ______, no âmbito do processo sumário nº. _______, pela prática, em 09/04/2011, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 75 dias de multa.
b) Por sentença do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, datada, transitada em julgado, no âmbito do processo sumário, pela prática, em, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 45 dias de multa.
c) Por sentença do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, datada de 30/05/2012, transitada em julgado em, no âmbito do processo comum singular nº., pela prática, em 28/07/2010, como autor material de um crime de detenção de arma proibida e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena única de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa e, posteriormente, por 100 horas de trabalho a favor da comunidade.
d) Por sentença do Juízo Local Criminal de Oeiras, datada de 14/07/2015, transitada em julgado em 29/09/2015, no âmbito do processo abrevado nº. 68/14.2 PJOER, pela prática, em 17/12/2014, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade e de um crime de detenção de arma proibida, nas penas de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 20 meses e de 300 dias de multa. Por despacho proferido em 17/10/2017 foi declarada extinta a pena de prisão suspensa na sua execução.
39- O arguido L________   foi condenado:
- Por sentença de 16/09/2016, transitada em julgado em 20/04/217, proferida no processo comum singular do Juízo Local Criminal de Oeiras, pela prática, em 12/12/2015, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 80 dias de multa.
40- O arguido JD______ foi condenado:
a) Por acórdão do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Cascais, datado de, já transitado em julgado, no âmbito do processo comum colectivo nº., pela prática, em 15/12/1991, como autor material de um crime de furto, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos;
b) Por sentença do 1º Juízo do Tribunal de Oeiras, datada de 25/09/1992, já transitada em julgado, no âmbito do processo comum singular n, pela prática, em, como autor material de um crime de furto qualificado, na pena de 1 ano de prisão;
c) Por acórdão do 3º Juízo Criminal do Tribunal de Oeiras, datado de 07/10/1992, já transitado em julgado, no âmbito do processo comum colectivo pela prática, em 13/05/1992, como autor material de um crime de furto qualificado, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos;
d) Por sentença do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Oeiras, datada de 06/05/1993, já transitado em julgado, no âmbito do processo comum singular nº. pela prática, em 25/11/1991, como autor material de um crime de furto qualificado, na pena de 6 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa;
e) Por sentença do 3º Juízo do Tribunal de Oeiras, datada de 02/07/1993, já transitada em julgado, no âmbito do processo comum singular n.º______, pela prática, em 19/11/1991, como autor material de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos;
f) Por sentença do 3º Juízo do Tribunal de Oeiras, datada de 03/11/1993, já transitada em julgado, no âmbito do processo comum singular n-________, pela prática, em 05/12/1991, como autor material de um crime de furto qualificado; 
g) Por acórdão do 3º Juízo do Tribunal de Oeiras, datado de 03/11/1993, já transitado em julgado, no âmbito do processo comum colectivo nº. _________, pela prática, em 04/10/1991, como autor material de um crime de furto roubo;
h) Por acórdão do Juízo Criminal do Tribunal de Oeiras, datado de 20/04/1994, já transitado em julgado, no âmbito do processo comum colectivo nº. _________, pela prática, em 29/01/1994, como autor material de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de 1 ano de prisão;
i) Por acórdão do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Oeiras, datado de 22/03/1995, já transitado em julgado, no âmbito do processo comum colectivo n.º________, pela prática, em 29/06/1994, como autor material de um crime de roubo, na pena de 18 meses de prisão;
j) Por acórdão do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Oeiras, datado de 16/11/1995, já transitado em julgado, no âmbito do processo comum colectivo nº. ______, pela prática, em 06/10/1990, como autor material de um crime de furto qualificado, na pena de 18 meses de prisão, incidindo perdão sobre a mencionada pena;
k) Por acórdão do 4º Juízo Criminal do Tribunal de Cascais, datado de 09/06/1998, já transitado em julgado, no âmbito do processo comum colectivo n.º________, pela prática, em 05/11/1997, como autor material de um crime de roubo, na pena de 2 anos de prisão;
l) Por acórdão da 5ª Vara Criminal de Lisboa, datado de 18/04/2002, já transitado em julgado, no âmbito do processo comum colectivo n.º_____, pela prática, em 23/06/1998, como autor material de um crime de homicídio na forma tentada, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos;
m) Por sentença do Juízo Local Criminal de Oeiras, datada de 29/09/2016, já transitada em julgado, no âmbito do processo comum singular n.º______, pela prática, em 25/10/2014, como autor material de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e com regime de prova.
Não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa.
2.2. Factos não provados 
Não resultaram provados os factos acima não descritos e os factos contrários àqueles que resultaram provados, sendo certo que o Tribunal se debruçou especificadamente sobre cada um dos factos não provados.
Assim, não se provou:
a) Que o arguido R________, a data da prática dos factos, não tinha qualquer outro meio de sustento.
*
Perante os factos que considerou apurados, acima transcritos, e que não são colocados em causa pelo recorrente, o Tribunal a quo procedeu à respetiva subsunção jurídica nos termos que de seguida se reproduz:
2.4. O direito
2.4.1. Enquadramento jurídico-penal dos factos provados
Os arguidos encontram-se acusados da prática, em co-autoria material, de crime de tráfico de estupefacientes p. e p. peio art.º 21º, nº 1, do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
Antes de mais, importa tecer algumas considerações jurídicas acerca do crime de tráfico de estupefacientes.
Decorre do disposto no art.º 21º nº. 1 do Dec.-Lei nº. 15/93, de 22.01 - diploma legal a que pertencem todos os artigos que se venham a citar seguidamente sem indicação da respectiva proveniência - que comete o crime de tráfico de estupefacientes, punível com pena de prisão de 4 a 12 anos: quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver - fora dos casos previstos no artº, 40º do citado Dec.-Lei nº 15/93 plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III - anexas ao Dec.-Lei em referência.
Por sua vez, estatui o artº. 25º al. a), que: “Se, nos casos previstos nos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou quantidade daquelas plantas, substâncias ou preparações”, a pena é de prisão de um a cinco anos se se tratar de preparações compreendidas nas tabelas I a III.
É entendimento pacífico que o normativo do art.º 21º «define o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefaciente, pelo qual se punem diversas actividades ilícitas, cada unia delas dotada de virtualidade bastante para integrar o elemento objectivo do crime; e no art.º 25º é definido um tipo privilegiado em relação ao tipo fundamental do art.º 21º» (cfr. Ac. do STJ de 08/07/98, in C.J.- Acs. do STJ, Ano VI, t. 2, pág. 244). O acento tónico do privilegiamento é explicitamente colocado na sensível diminuição do grau de ilicitude do facto, ou seja, no menor desvalor da acção, na sua menor gravidade, portanto, revelada pela valoração em conjunto dos diversos factores, alguns deles enumerados na norma, a título exemplificativo (meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade e quantidade das plantas, substâncias e preparados (cfr. Ac. STJ de 28/03/96, in CJ, t. I, pág. 240 e ss., e ainda Lourenço Martins, Droga e Direito, 1994, pág. 127).
Para se aquilatar do preenchimento do tipo legal do art.º 25º, haverá que proceder a uma “valorização global do facto”, não devendo o intérprete deixar de sopesar todas e cada uma das circunstâncias a que alude aquele artigo, podendo juntar-lhes outras, «permitindo, desse modo, ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa da punição, em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, fica aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art.º 21º e têm resposta adequada dentro da moldura penal prevista na norma do art.º 25º (cfr. Acs. do STJ de 01/03/01, in CJ-STJ, 2001, t 1, pág. 236 e de 7/12/99, proferido no proc. 1005/99, citado no Ac. do STJ de 01/07/04, proc. 3642/03, in internet, www.dgsi.pt/jstf).
Como se decidiu em acórdão do STJ de 08/10/98 (in CJ-STJ, Ano 1998, t. 3, pág. 188), o art.º 25º, al. a), do Dec.-Lei nº. 15/93, de 22.01, constitui uma «válvula de segurança do sistema», destinado a evitar que se parifiquem os casos de tráfico menor aos de tráfico importante e significativo.
De referir que os crimes previstos nos enunciados art.º 21º, nº 1, 24º e 25º são crimes de perigo abstracto ou presumido, que, como tal «não pressupõem nem o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para causar um perigo para um desses bens jurídicos» (Ac. do T.C., nº 426/91, de 6 de Novembro, in B.M.J. nº 411, págs. 53 e segs.).
Significa isso que a simples detenção de estupefacientes, não se provando que se destina ao consumo exclusivo do agente, é punível como tráfico, visto que traduz um perigo de lesão dos interesses jurídicos que o legislador pretende proteger - maxime a saúde publica perigo esse cuja verificação concreta a lei não exige (cf., entre outros, Acs. do S.T.J. de 01/07/04, citado supra e de 18/2/1996 in B.M.J. nº 412, pág. 206).
Importa, por outro lado, referir que para a verificação do crime de tráfico e a condenação de um arguido pela prática de tal ilícito não é necessário que tenha sido apreendido o produto ou que o mesmo tenha sido examinado (cfr. entre outros, Ac. do S.T.J., de 21/10/1992, in BMJ nº. 420, pág. 230 e Ac. da R.L., de 02/11/2000, in CJ, 2000, t V, pág. 134). Essencial é que se prove a sua participação em actos que se traduzam em crimes de tráfico, não constituindo aquela apreensão, nos casos em que ocorre, mais do que um elemento probatório que noutros casos pode ser substituído por outros elementos que conduzem à formação da convicção do julgador.
Vêm os arguidos acusados em co-autoria, relativamente ao ilícito que lhes é imputado. 
O artigo 26º do Código Penal estatui que é punível como co-autor do crime, para além do mais, quem tomar parte directa na execução, por acordo um juntamente com outro ou outros.
São, assim, dois os requisitos da co-autoria:
1º - A existência de acordo, com outro ou outros, para a realização conjunta do facto, podendo tal acordo ser expresso ou tácito (neste último caso, podendo manifestar-se através de qualquer comportamento concludente), exigindo, todavia, sempre uma consciência de colaboração que terá de assumir carácter bilateral:
2º - Que haja participação directa na execução do facto juntamente com outro ou outros; um exercício conjunto do domínio do facto típico, uma contribuição objectiva para a realização do mesmo, que tem a ver com a causalidade, ou seja, o agente tem de deter o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do típo, de tal forma que, numa perspectiva ex ante, a omissão do seu contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada.
Existe ainda co-autoria na situação em que embora não tenha havido acordo prévio expresso, as circunstâncias em que os arguidos actuaram indiciam um acordo tácito, assente nas regras da experiência comum e vontade de colaboração, aferidas à luz dessas regras.
E como vem sendo entendimento uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, para incorrer na co-autoria, não é necessário que cada um dos agentes execute ou intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes a alcançar o resultado final, basta que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção daquele resultado (neste sentido, cfr, Acs, do S.T.J., de 22/02/1995, de 08/07/2003, in, respectivamente, C.J. - S.T.J., 1995, t. 1, pág. 221, e internet, in www.dgsi.pt/isti.
Neste contexto jurídico e confrontando os factos provados (e extraindo as devidas consequências dos não provados), somos levados a concluir que, reportando-se as respectivas condutas a actos (de aquisição, transporte, guarda, preparação, corte, entrega, venda, cedência e detenção, de haxixe e cocaína, substâncias incluídas nas Tabelas I-B e I-C anexas ao D.L. 15/93) que a lei tipifica como tráfico de estupefacientes e tendo os arguidos agido com dolo, desde já se adianta, que se constituíram autores materiais de tal crime, apreciando-se seguidamente qual a modalidade típica que a cada um dos arguidos se ajusta.
Assim:
Quanto ao arguido R_______ '.
Decorre dos factos provados que, pelo menos desde 11/10/2017 e até 11/12/2018 (data da sua detenção), vinha-se dedicando à venda a terceiros, de cocaína e canábis resina, em quantidades variadas, com a finalidade de obtenção de lucros pecuniários, contando com a colaboração dos arguidos L________  e JD____, quer na preparação, pesagem e embalamento, quer na venda de tais substâncias.
No interior da sua habitação, o arguido efectuou vendas de produto estupefaciente a terceiros, designadamente, nos dias 10/10/2017, 11/10/2017, 13/10/2017, 27/2/2018, 26/7/2018, 27/9/2018 e no dia 02/10/2018.
Na sequência de busca efectuada à sua residência foram apreendidos: um saco com 36 bolotas de canábis resina com o peso de 327,400 gramas; 2 bolotas de canábis resina com 7,400 gramas; pedaços de canábis resina com o peso de 14,260 gramas; 8,851 gramas de cocaína; um secador e um moinho com resíduos de haxixe, material usado para o aquecimento e amolecimento desse estupefaciente prévio ao seu corte; um caderno com notas manuscritas relativas ao tráfico de estupefacientes; e €655,40 em notas e em moedas, que era proveniente da venda de estupefacientes.
As quantidades de cocaína supra descritas correspondiam a 18 doses individuais e, as de canábis correspondiam, no seu todo, a 2.428 doses individuais, destinadas à venda.
Atenta a matéria factual provada, entendemos que a conduta deste arguido integra a prática de um crime de tráfico, p. e p, pelo artigo 21º, nº. 1. do Dec.- Lei nº. 15/93. com referência às Tabelas I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal.
Quanto ao arguido L_______:
Provou-se que este arguido dedicou-se à preparação e venda de estupefacientes, designadamente canabis resina e cocaína, a troco de dinheiro, utilizando a residência do co-arguido JD________ para o cozimento, “corte” e divisão de cocaína.
Este arguido vendeu e cedeu ao arguido R______   haxixe e cocaína, para este último vender a terceiros que se deslocavam propositadamente a sua casa, dividindo ambos os lucros resultantes da venda desse estupefaciente aos consumidores do Bairro.
As vendas directas pelo arguido L________  ocorreram nomeadamente no 02/07/2018, na Rua …, local onde vendeu a AS______ duas embalagens de cocaína (duas "quartas”), com o peso de 0,503 gramas, pelo valor de 10€, e no dia 12/10/2018, em que o arguido vendeu 4,023 gramas de canábis resina a P______.
Na sequência da busca realizada à sua residência, foram encontrados: um pedaço de canábis resina com o peso de 2,056 gramas; um cartucho com resíduos de haxixe, habitualmente usado para acondicionar um quilo desse estupefaciente; dois cigarros contendo haxixe no interior; uma faca com resíduos de haxixe, três telemóveis e um caderno com notas manuscritas relativas ao tráfico de estupefacientes; dois sacos habitualmente usados para acondicionar cocaína; e €340,00 provenientes da venda a terceiros de substâncias estupefacientes.
As quantidades de cocaína supra descritas correspondiam a 78 doses individuais e, as de canábis correspondiam, no seu todo, a 3 doses individuais, destinadas à venda.
Teremos então em conta: a quantidade de produto estupefaciente detida pelo arguido, as vendas por este realizadas e o período de tempo em que as concretizou; além de que nada mais de concreto se provou, no tocante aos meios utilizados pelo arguido, às quantidades concretas de estupefaciente transacionadas/preparadas, à modalidade e às circunstâncias da acção e da colaboração com o arguido R_______, conducente a uma mais acentuada censura do desvalor desta última; que deve haver a já referida valorização global do facto, impondo-se que sejam «valoradas complexivamente todas as concretas circunstâncias do caso, com vista à obtenção de um resultado final, qual seja o de saber se objecüvamente, a ilicitude da acção é de relevo menor que a tipificada nos artigos anteriores», mormente no artigo 21º (cfr. Ac. do S.T.J., de 01/03/2001, in C.J.-STJ, Ano 2001, t. 1, pág. 236) - concluímos que a ilicitude do facto ainda se mostra consideravelmente diminuída, conforme preceitua o artigo o 25º , ai. a), do D.L. no 15/93, sendo, consequentemente, a conduta do arguido L________ subsumível ao crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-A e I-B anexa ao mesmo diploma legal.
Relativamente ao elemento subjectivo do tipo, considerando a matéria de facto provada, dúvidas não subsistem de que o arguido preencheu tal elemento subjectivo, tendo em conta que resultou provado que o mesmo conhecia as características estupefacientes do produto que detinha e que cedeu a terceiros, e agiu de forma livre e consciente, sabendo que não o podia deter, por a tal não estar autorizado, e que tal conduta não lhe era permitida e é punida por lei.
Concluímos, assim, que os factos descritos e dados como provados, considerando os elementos objectivos e subjectivos do tipo, integram a prática peio arguido, em autoria material, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos art.º 25.º, al. a) do D,L. no 15/93. de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas 1-B e 1-C anexas a esse diploma lesai, inexistindo causas que excluam a ilicitude ou a culpa do mesmo.
Quanto ao arguido JD________:
Este arguido cedeu estupefaciente a terceiros, auxiliou o arguido L_______ cedendo a sua habitação sita na Rua …, Oeiras, para ser guardado produto estupefaciente e também para proceder ao corte, divisão e embalagem do produto estupefaciente vendido pelo segundo e fazendo entregas nomeadamente ao arguido R______.
Mais se provou que, para realizar esta operação JD_______ tinha em casa produtos líquidos, como amoníaco e outros medicamentos, onde misturam o pó branco da cocaína, a após misturam esse produto com recurso a um moinho ou batedeira, deixando de seguida o produto secar e, quando está de novo em pó, é dividido de novo em doses individuais, permitindo assim com esse “corte” ou adulteração do produto estupefaciente vender mais doses de cocaína a terceiros consumidores e realizar assim maiores lucros pecuniários.
Além de L________  e JD_______ usarem a casa deste último para o cozimento, “corte” e divisão de cocaína, estes arguidos também procediam à venda a terceiros de cocaína dentro de casa de JD_______, recebendo este último parte do lucro com essa venda, para além de receber ele próprio cocaína que consome em casa.
Na sequência da busca realizada à sua residência, foram encontrados: uma embalagem com 10 ml de amónia usada para misturar (“cozer”) com a cocaína, dando origem a mais doses desse estupefaciente mas com menor grau de pureza; um moinho (batedeira) com resíduos de fenacetina, usado para misturar com a cocaína, antes de ser de novo seca e dividida em mais doses para venda a terceiros.
Ponderando, no seu conjunto, as circunstâncias do caso concreto, designadamente, tendo em conta que: o arguido era, à data, dependente de opiácios, o que pressupõe que agiu também com a finalidade de conseguir algumas substâncias para seu consumo pessoal; a colaboração prestada, guardando e preparando os estupefacientes dos outros co-arguidos na sua residência e transportando-os com vista à venda dos mesmos a terceiros, tendo também ele procedido a essa venda, nada mais se provando, no tocante aos meios utilizados pelo arguido, à modalidade e às circunstâncias da acção, conducente a uma mais acentuada censura do desvalor desta última, sendo que, na residência do arguido nenhum produto estupefaciente foi apreendido, concluímos que, também relativamente a este arguido a ilicitude do facto mostra-se consideravelmente diminuída, conforme preceitua o artigo o 25º, al. a), do D.L. no 15/93, sendo, consequentemente, a conduta do arguido subsumível ao crime de tráfico de menor gravidade.
Relativamente ao elemento subjectivo do tipo, considerando a matéria de facto provada, dúvidas não subsistem de que o arguido preencheu tal elemento subjectivo, tendo em conta que resultou provado que o mesmo conhecia as características estupefacientes do produto que detinha e pretendia vender, e agiu de forma livre e consciente, sabendo que não o podia deter nem vender, por a tal não estar autorizado, e que tal conduta não lhe era permitida e é punida por lei.
Concluímos, assim, que os factos descritos e dados como provados, considerando os elementos objectivos e subjectivos do tipo, integram a prática pelo arguido JD_____, em autoria material, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos art.º 25º.. al. a) do D.L. no 15/93. de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas 1-B e I-C anexas a esse diploma legal, inexistindo causas que excluam a ilicitude ou a culpa do mesmo.
*
B - Apreciando e decidindo:
É facto assente que o Tribunal a quo não cumpriu o disposto no art.º 358, n.º 3 do CPP, tal como o é a identidade total entre os factos constantes da acusação pública e os factos provados, e definitivamente assentes (apenas foi considerado não provado um facto e respeitante a arguido que não o aqui recorrente).
E a questão reside exatamente em saber se tinha que o fazer. Defende o arguido que sim e, porque o não fez, o Tribunal incorreu em nulidade; no entender do MP nenhuma nulidade foi cometida porque não havia lugar ao cumprimento da citada norma.
Vejamos. Dispõe o art.º 358.º do CPP, sobre a alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, que
“1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia”.
No nosso caso é ponto assente, nem tão pouco o arguido o coloca em questão, que não se verifica qualquer alteração substancial ou não substancial da factualidade sobre a qual recaiu a aplicação do direito, mas apenas uma alteração da qualificação jurídica, alteração que pode cair na previsão do transcrito art.º 358.º, n.º 3 do CPP.
Sobre a interpretação a dar ao n.º 3 da norma supra transcrita verifica-se divergência de entendimento quer na jurisprudência quer na doutrina, chamando-se aqui à colação e remetendo-se para o elenco jurisprudencial e doutrinal constante do Acórdão desta mesma Secção deste Tribunal de Recurso, de 08-01-2020, proferido no Proc. n.º 56/17.7T9OER.L1-3, Relator Alfredo Costa, disponível in www.dgsi.pt, importando para decidir o recurso analisar os autos e tomar posição.
No caso concreto como nota o MP na sua resposta ao recurso e muito bem, não obstante a qualificação jurídica realizada pelo Tribunal a quo se mostrar diversa da constante da acusação, ela não se enquadra na previsão da citada norma.
Como se verifica da análise comparativa entre a acusação pública e o acórdão recorrido, concretamente dos factos considerados provados, todos os factos que o MP imputou ao arguido se provaram (com exceção de um facto relativo a outro arguido não recorrente), preenchendo os mesmos a facti speci do crime que o mesmo igualmente lhe imputa – o p.p. pelo art.º 21.º do D.L. no 15/93. de 22 de janeiro, com referência às Tabelas 1-B e I-C.
A única alteração existente entre a acusação e a decisão é que o tribunal é apenas ao nível da qualificação jurídica, entendendo o Tribunal que além da previsão do art.º 21.º igualmente estava preenchida a previsão do art.º 25.º, ambos do citado diploma legal.
 Ora, da simples leitura da desta última norma se conclui que, os factos considerados provados são os factos constantes da acusação e a qualificação jurídica que deles é realizada pelo tribunal a quo não diverge na sua essência da realizada pelo titular da ação penal na acusação.
O crime é sempre e ainda crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art.º 21.º como qualificado na acusação pública.
E para esta conclusão basta analisar com atenção a norma, princípio e fim de toda a interpretação, incluída pelo Tribunal – o art.º 25.º do dito diploma legal a propósito do tráfico de menor gravidade:
“Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º[2], a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações (…)”
Ou seja, para que a facti speci do art.º 25.º se encontre preenchida, e tal não é colocado em crise pelo arguido pois nem coloca em causa a matéria de facto considerada provada, é preciso que se verifique o preenchimento da facti speci das normas para as quais remete, os artigos 21.º ou 22.º, do diploma legal em causa.
Como se decidiu no Ac. do STJ de 21-09-2011, proferido no proc. n.º 556/08.0GVIS.C1.S1, Relator Souto Moura, disponível in www.dgsi.pt “O tipo fundamental é o do art.º 21.º, com uma estrutura altamente abrangente, ao compreender comportamentos tão diversos como a mera detenção, a importação, compra, exportação ou venda, o que só reforça a necessidade de análise do caso concreto”
Dito de outro modo, o tribunal não considerou preenchido o cometimento de um crime diverso daquele que o MP imputou ao arguido. Antes pelo contrário. Considerou-o verificado. Contudo, dado “a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída”, puniu-o com a pena menos grave, o crime é de tráfico, mas de menor gravidade, como da sua epígrafe consta.
Esta norma consagra expressamente uma atenuação especial do tipo base dos art.º 21.º e 22.º, sem que se mostre necessário, sempre a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, recorrer à norma geral da atenuação especial da pena do art.º 72.º do CP.
Ora, o arguido teve oportunidade de se defender da imputação que lhe foi feita na acusação pública e que se encontrava subsumida apenas à previsão do art.º 21.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, punido com pena de prisão de 4 a 12 anos. O tribunal entendeu que a ilicitude do facto se mostrava consideravelmente diminuída, ou seja realizou uma subsunção dos factos favorável ao arguido, e por isso determinou a pena nos termos e à luz do previsto no art.º 25.º, n.º 1, al. a), citado, cuja penalidade abstratamente aplicável é de prisão de um a cinco anos.
“De qualquer modo, se a alteração não implicar modificação do critério essencial do interesse protegido, não se vê como pode ficar afectado o direito de defesa do arguido.  É que, nestes casos, e seguindo aqui Germano Marques da Silva, não estamos perante uma diversidade essencial de qualificação quando da diversidade do tipo incriminador não resulta uma alteração essencial do sentido da ilicitude do comportamento do agente, como geralmente sucede sempre que as normas estão entre si numa relação de especialidade (cfr., Curso de Processo Penal, vol. III, Lisboa, 1994, pág. 272)”[3].
“Por isso se considera que a alteração resultante de um crime simples ou “menos agravado”, quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma qualificada ou mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravador inicialmente imputado, não deve ser comunicada, visto que o arguido ao defender-se do crime qualificado ou mais grave se defendeu, necessariamente, do crime simples ou “menos agravado”, ou seja defendeu-se em relação a todos os elementos de facto normativos pelos quais vai ser julgado”, anotação ao art. 358.º, Conselheiro Oliveira Mendes, in Código de Processo Penal, Comentado, Ed. Almedina, 2014, pág. 1128[4].
É que, e ninguém duvida, o mecanismo processual consagrado nos art.º 358.º e 359.º do CPP tem subjacente a “ideia do favor defensionis e que o arguido, em nome deste princípio, deve ser avisado para ter a possibilidade de preparar, reformular o seu plano de defesa (CPP-358,1 e 359,3)[5]
Ora, tendo sido assegurado, como foi, o direito de se defender da acusação pública e de apresentar prova, cujos factos imputados foram julgados provados, não se vê que defesa haveria a reformular relativamente a qualificação jurídica realizada pelo tribunal, que incidente sobre os mesmos factos, preenche o mesmo tipo de ilícito, mas com uma carga de ilicitude menor. Ou seja, uma subsunção jurídica mais favorável dos factos imputados ao arguido. Não há efeito surpresa com a alteração da qualificação jurídica, nem violação do contraditório, nem das garantias de defesa, porquanto o arguido teve oportunidade de se defender contra aqueles factos e qualificação jurídica na sua forma mais gravosa.
Deste modo, entendemos que neste caso particular, em que os factos são os mesmos, o ilícito é o mesmo, basta atentar o bem jurídico protegido e para os elementos constitutivos do crime, que são os do art.º 21.º ou 22.º por remissão expressa do art.º 25, a alteração da incriminação não exige, da parte do Tribunal, qualquer advertência ao arguido.  O fundamento da comunicação a que se refere o art.º 358.º, n.º 1, o favor defensionis, está respeitado.
“A ideia de diálogo a que o princípio do contraditório alude, «de tal modo que a decisão possa  ser um convencimento da comunidade e do arguido quanto à justiça da decisão» (G.M.Santos, op. cit., p. 58) foi concretizada, esse diálogo estabeleceu-se em pleno ou o arguido teve a possibilidade de o estabelecer em pleno com o acusatório”[6].
Na verdade, pergunta-se: que direito do arguido foi violado? O de contradizer uma qualificação jurídica que o beneficia?
Com todo o respeito não se vê como existe necessidade ou sequer interesse do arguido em contradizer o entendimento do tribunal…
Daqui decorre que, a qualificação jurídica realizada não tinha que ser antecedida do cumprimento do n.º 1 do art.º 358.º do CPP, não consubstanciando este entendimento nenhuma ofensa à lei fundamental.
Não foram violados direitos do arguido suscetíveis de qualquer censura jurídico-constitucional no caso concreto, nomeadamente o direito ao contraditório e de organização da defesa, assegurados pelo nº 1 do artigo 32º da CR.
Face a todo o exposto, impõe-se concluir que, não se mostra violado o disposto no art.º 358.º e, por conseguinte, nenhuma nulidade foi cometida, nem se mostra ferida de inconstitucionalidade a interpretação realizada.
***
*
IV - Decisão:
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação de Lisboa, em:
Julgar não provido o recurso interposto por L_______ e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
Custas pelo arguido, fixando-se em 3 UC’s a taxa de justiça.

Lisboa, 3 de junho de 2020
Processado e revisto pela relatora (art.º 94.º, nº 2 do CPP).
Maria Gomes Bernardo Perquilhas
Cristina Almeida e Sousa
_______________________________________________________
[1] Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e  na Col Acs. do STJ, Ano VII, Tomo 1, pág. 247 o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág. 271);  o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág. 263);
SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, p. 48; SILVA, GERMANO MARQUES DA 2ª edição, 2000 Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 335;
RODRIGUES, JOSÉ NARCISO DA CUNHA, (1988), p. 387 “Recursos”, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de  Processo Penal”, p. 387 DOS REIS, ALBERTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 362-363. 

[2] Sublinhado nosso.
[3] Ac. do TC 330/97 de 17 de abril de 1997, disponível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19970330.html).
[4] Citado no Ac. do TRC, de 22-02-2017, Proc. 19/16.0GAFIG.C1, Relatora Inácio Monteiro, disponível in www.dgsi.pt.
[5] Ac. TC citado.
[6] Ac. TC citado.