Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5814/19.5T8ALM-C.L1-2
Relator: SUSANA MESQUITA GONÇALVES
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
BENEFÍCIO DO APOIO JUDICIÁRIO
HONORÁRIOS E DESPESAS DO AGENTE DE EXECUÇÃO
CUSTAS DE PARTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2025
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Sumário: (elaborado pela Relatora, nos termos do artigo 663, n.º 7, do Código de Processo Civil)
I - O art.º 26º, n.º 6, do RCP, deve ser interpretado nos seus precisos termos, ou seja, no sentido de que, quando o vencido goze do benefício de apoio judiciário, o IGFEJ apenas fica vinculado a reembolsar o vencedor das taxas de justiça por este suportadas, com exclusão dos demais encargos previstos no n.º 3 desse normativo.
II - Assim, beneficiando os executados de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não será de impor ao IGFEJ o reembolso ao exequente dos valores pagos a título de honorários e despesas ao agente de execução.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados:
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I. Relatório:
C (…), S.A.” veio instaurar o presente processo executivo contra F (…) e I (…).
Teve lugar a citação prévia dos Executados.
Citados, ambos os Executados apresentaram junto do “Instituto de Segurança Social, IP” requerimentos de proteção jurídica nas modalidades de “dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo” e “nomeação e pagamento da compensação de patrono”.
Por despachos proferidos pelo “Instituto de Segurança Social, IP” em 05.11.2019, foram deferidos os referidos requerimentos nas modalidades pretendidas, na sequência do que foi nomeado patrono oficioso a ambos os Executados.
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Em 22.12.2020 foi junto aos autos pela Sra. SE “Auto de Penhora” relativo à penhora de “1/3 da pensão auferida pelo executado F (…) aufere mensalmente e que lhe é paga pela G (…)”.
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Em 10.10.2021 foi junto aos autos pela Sra. SE “Auto de Penhora” relativo à penhora de “Crédito fiscal que o executado tem a receber da ADM FISCAL a título de reembolsos IRS 2020”, no valor de 347,43 €.
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Em 09.01.2022 a Sra. SE dirigiu um requerimento ao processo, do qual, designadamente, consta:
“(…)
A AE Signatária apenas pode extinguir a execução adjudicando directamente os descontos à Exequente após liquidada a responsabilidade dos Executados, nos termos artigo 716, nº 2 e 3 CPC e 779 nº 3 CPC.
Nesta data, a AE Signatária irá promover a notificação das partes da nota de liquidação da responsabilidade dos Executados e para da mesma reclamarem no prazo de 10 dias, e apenas após essa data e se não for apresentada reclamação poderá ser extinta a execução (…).
No que respeita às custas judiciais, requer-se ao Tribunal esclareça a AE Signatária se o apoio judiciário de que os Executados beneficiam na modalidade de pagamento de taxas de justiça e demais custas processuais, inclui as despesas e honorários AE, incluindo remuneração variável, a qual tomará em consideração o valor da responsabilidade dos executados para com a Exequente na nota de liquidação responsabilidade executados que irá juntar aos autos nesta data.”
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Em 22.03.2023 foi proferido o seguinte despacho, o qual, na parte que aqui releva, se transcreve:
“(…)
O executado litiga com apoio judiciário na modalidade, entre outras, de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, pelo que os honorários devidos ao AE devem ser suportados pelo exequente – art. 721.º, n.º 1, do CPC – e, depois, sob reclamação deste, caberá ao Estado suportar os valores que foram satisfeitos pelo exequente, reembolsando-o nos mesmos e exactos termos do reembolso de taxas de justiça previstos no art. 26.º, n.º 6, do RCP – cfr., entre outros, Ac. RL de 18/2/16, relatora Teresa Pardal, de 7/2/19, relatora Isoleta Costa, de 17/11/20, relatora Maria João Areias, de 1/7/21, relator António Moreira, e de 17/03/22, relator Carla Mendes in www.dgsi.pt.
Notifique.
Esse despacho foi notificado à Sra. SE, á Exequente e aos Executados.
*
Em 28.06.2022 foi junto aos autos pela Sra. SE “Auto de Penhora” relativo à penhora de “Crédito fiscal que o executado tem a receber da ADM FISCAL a título de reembolsos IRS 2022”, no valor de 84,10 €.
*
Em 09.07.2023 a Sra. SE juntou aos autos uma notificação dirigida ao Exequente com o seguinte teor:
ART. 721º, nº 1 CPC
Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 721º nº 1 do Código Processo Civil, fica V. Exa. notificado, na qualidade de mandatário da Exequente no processo acima identificado, da nota de remuneração e despesas do AE, elaborada de acordo com a Portaria 282/2013, nos termos da qual deve a Exequente a importância de 5.448.79 EUR a título de despesas e honorários do AE, atento o valor já entregue a título de provisões, acrescido da quantia de 0.81 € (referente à despesa emissão REF MB, cuja factura/recibo será emitida pelo MILLENIUM BCP à Exequente, cfr ficha informativa anexa).
Poderá, no prazo de dez dias*, pedir a reforma ou reclamar da referida nota de remuneração e despesas
Não pedindo a reforma ou apresentando reclamação, deverá proceder, no mesmo prazo, ao pagamento da importância de 5.448.79 € + 0.81 € (despesa emissão Ref MB cfr referido supra).
O pagamento da nota remuneração e despesas deverá ser efectuado através de depósito ao balcão do (…) na conta AE com o n.º (…) ou através da referência multibanco indicada na guia que se anexa (data validade: 19.07.2023) - alterações introduzidas à Portaria 331-B/2009 de 30/3 pela Portaria 308/2011 de 21/12.
ADVERTÊNCIA: Nos termos do n.º 5 do artigo 721º do CPC, a nota remuneração ( que não tenha sido objecto de reclamação), acompanhada da presente notificação constitui título executivo, podendo ser instaurada execução para penhora de bens caso não procedam ao pagamento da mesma.
(…).
*
Em 07.09.2023 a Exequente juntou aos autos um requerimento com o seguinte teor:
C (…), S.A., Exequente nos autos à margem identificados, em que são Executados F (…) e outro, vem, muito respeitosamente, e nos termos do disposto no artigo 25.º do Regulamento das Custas Processuais, requerer a V. Exa. Se digne admitir a junção aos autos da nota discriminativa e justificativa de custas de parte que ora se junta como doc. 1.
Consta dessa “Nota discriminativa e justificativa de custas de parte:
(…)
Responsáveis pelas custas: Executados.
- Proporção: 100%.
Considerando que os Executados litigam com apoio judiciário na modalidade, entre outras, de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, os honorários devidos à Exma. Agente de Execução foram suportados pela Exequente (cf. Comprovativo de pagamento que ora se junta em anexo como doc. N.º 1). Deste modo, conforme consignado no douto despacho proferido a 22/03/2023, que ora se junta em anexo como doc. N.º 2, caberá ao Estado, através do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, suportar os valores que foram satisfeitos pela Exequente, reembolsando-a nos mesmos termos do reembolso de taxas de justiça, ao encontro do que preceitua o n.” 6 do art.” 26.” Do RCP.
Neste sentido, conforme resulta do comprovativo junto como documento n.º 1, foi pago pela Exequente o seguinte montante:
- 5.450,40 € (cinco mil, quatrocentos e cinquenta euros e quarenta cêntimos), sendo este o valor que deverá ser, na íntegra, restituído.
O montante das custas de parte (5.450,40 €) deverá ser pago por transferência bancária, indicando-se, para tanto, o seguinte IBAN: (…).
Com esse requerimento foi junto documento comprovativo do pagamento pela Exequente à Sra. AE do valor de 5.450,40 €.
*
Perante esse requerimento, em 18.10.2023 foi proferido o seguinte despacho:
Req. de 07-09-2023:
O executado litiga com benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, pelo que o IGFIJ apenas suportará, em seu lugar, o reembolso da taxa de justiça de acordo com a norma especial contida no n.º 6 do art. 26.º do RCProcessuais.
Notifique.
Esse despacho foi notificado à Sra. SE, á Exequente e aos Executados em 25.10.2023.
*
Em 13.11.2023, não se conformando com o teor desse despacho, a Exequente dele veio interpor recurso.
*
Em 19.01.2024 foi proferido o seguinte despacho:
Recurso de 13-11-2023:
A recorrente tem razão:
No despacho de 22 de Março de 2023 foi decidido que “O executado litiga com apoio judiciário na modalidade, entre outras, de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, pelo que os honorários devidos ao AE devem ser suportados pelos exequente – art. 721.º, n.º 1, do CPC – e, depois, sob reclamação deste, caberá ao Estado suportar os valores que foram satisfeitos pelo exequente, reembolsando-o nos mesmos e exactos termos do reembolso de taxas de justiça previstos no art. 26.º, n.º 6, do RCP – cfr., entre outros, Ac. RL de 18/2/16, relatora Teresa Pardal, de 7/2/19, relatora Isoleta Costa, de 17/11/20, relatora Maria João Areias, de 1/7/21, relator António Moreira, e de 17/03/22, relator Carla Mendes in www.dgsi.pt. “; e, por sua vez,
No despacho de 18 de Outubro de 2023, foi decidido que:
“O executado litiga com benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, pelo que o IGFIJ apenas suportará, em seu lugar, o reembolso da taxa de justiça de acordo com a norma especial contida no n.º 6 do art. 26.º do RCProcessuais.”
Os despachos são contraditórios entre si, como afirma a recorrente.
O primeiro despacho fez esgotar o poder jurisdicional sobre a questão do âmbito do reembolso à exequente dos valores por si despendidos a título de custas, pelo que não podia ter sido proferido o segundo despacho sobre a mesma questão e em sentido diferente – art. 613.º, n.º 1, do CPC.
Por consequência, reformo o despacho de 18 de Outubro de 2023, o que significa não produzir o mesmo qualquer efeito neste processo por força do despacho anterior, proferido a 20 de Março de 2023.
Considera-se, como tal, finda a instância de recurso por via da presente reforma, que irradica do processo o despacho de 18 de Outubro de 2023.
Posto isto.
O despacho de 22 de Março de 2023 decidiu, relembre-se, que “caberá ao Estado suportar os valores que foram satisfeitos pelo exequente, reembolsando-o nos mesmos”, pelo que torna-se necessário notificar o Estado, parte directamente prejudicada com tal decisão, na pessoa do Ministério Público, o que ainda não teve lugar.
É o que agora se ordena a secção de processos faça.
Notifique.
*
Notificado do despacho proferido em 22.03.2023, não se conformando com o seu teor, o Ministério Público, em representação do “Instituto Público – IGFEJ, IP”, dele veio recorrer.
Reproduzem-se aqui as respetivas conclusões recursivas:
II- Conclusões
1. O M. Público não se conforma com o teor do despacho proferido pelo Tribunal “a quo”, porquanto não houve uma apreciação correta do direito.
2. Os pagamentos no âmbito do apoio judiciário, são atribuição de um instituto público, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio – o IGFEJ I.P.
3. Em sede de execução cabe ao executado suportar, na íntegra, o custo da atividade jurisdicional, pelo que sobre ele impende a responsabilidade pelo pagamento das custas, incluindo os honorários e despesas devidas ao agente de execução, não só porque saem precípuas do produto dos bens penhorados, como também cabe ao executado reembolsar o exequente das despesas por este efetuadas arts. 541º e 721º, nº 1 do CPC.
4. No pagamento dos honorários e despesas ao agente de execução a primeira regra é a da sua precipuidade (art. 541º do CPC) e no caso de aqueles encargos não puderem ser satisfeitos com o produto dos bens penhorados ou com os valores depositados decorrentes do pagamento voluntário, serão suportados pelo exequente, e não pelo IGFEJ I.P.
5. Na presente execução, há produto de bens penhorados (penhora de pensão), ora, havendo produto de bens penhorados na execução, o executado, ainda que com apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, suporta as despesas e honorários do agente de execução por via da regra da precipuidade das custas prevista no art. 541º do CPC.
6. Foram violados os arts. 3º, al. e) do DL 164/2012, 3º, al. k) da Portaria 391/2012 e 541º e 721º, nº 1 do CPC.
Pelo exposto, requer-se a V. Exas que revoguem o douto despacho, como é de JUSTIÇA.
*
Notificada, a Exequente contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
Conclusões:
a) O Recorrente interpôs recurso do douto despacho proferido pelo Tribunal a quo em 22.03.2023, que consignou que, considerando que os Executados beneficiam de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, a ora Recorrida deveria assegurar o pagamento da nota de despesas e honorários da Exma. Agente Execução e, após, devia o IGFEJ reembolsá-la dos valores pagos, baseando tal decisão na interpretação extensiva do n.º 6 do art.º 26.º do RCP.
b) Considera o Recorrente, que, em primeira linha, deverá valer a regra da precipuidade e, caso assim não seja possível, que sempre terá de ser a Recorrida, na qualidade de Exequente, a assegurar o referido pagamento.
c) Desde já se adianta que nenhum reparo merece o douto despacho recorrido, conforme melhor se exporá infra.
d) A título de breve contextualização, na sequência da instauração da ação executiva, os Executados requereram proteção jurídica, que veio a ser deferida na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento de patrono.
e) No âmbito da referida execução, foi penhorada a pensão auferida pelo Executado AA.
f) Uma vez que não foram identificados quaisquer outros bens suscetíveis de penhora além da referida penhora, a Exma. Agente de Execução considerou que o processo deveria ser extinto por adjudicação direta da penhora de pensão do Executado, nos termos preceituados na alínea b) do n.º 4 do art.º 779.º do C.P.C..
g) Contudo, o valor da nota de despesas e honorários da Exma. Agente de Execução ainda não se encontrava acautelado pelo produto da penhora em curso, razão pela qual aquela questionou o Tribunal a quo que posição devia tomar em matéria de custas judiciais.
h) Em resposta, foi proferido pelo douto Tribunal, em 22/03/2023, o despacho que nesta sede em sindicância.
i) Neste seguimento, a Recorrida foi notificada pela Exma. Agente de Execução, em 09/07/2023, para proceder ao pagamento da respetiva nota de despesas e honorários, no valor de 5.448.79 € (cinco mil, quatrocentos e quarenta e oito euros e setenta e nove cêntimos), o que veio a fazer em 06/09/2023.
j) Após o referido pagamento, a Recorrida procedeu à junção aos autos do respetivo comprovativo e da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, por forma que o douto Tribunal ordenasse, em conformidade com o despacho de Março de 2023, que o IGFEJ procedesse à respetiva devolução.
k) Contudo, o Recorrente, em representação do IGFEJ, vem agora, já após o pagamento ter sido efetuado em conformidade com o douto despacho sindicado, defender que não deverá haver lugar a qualquer reembolso.
l) Alinhado que foi o contacto fáctico, importa agora incidir sobre o mérito da questão, começando por dizer-se que, estando em curso a penhora de pensão do Executado, a instância só seria extinta por adjudicação direta da penhora de vencimento após se encontrar integralmente acautelado o pagamento da nota de despesas e honorários da Exma. Agente de Execução, conforme resulta do art.º 541.º do C.P.C., que é invocado pelo Recorrente.
m) Contudo, na decisão proferida em 22/03/2023 ficou claro que o IGFEJ reembolsaria a Recorrida das custas por si liquidadas, só assim se justificando que a execução tenha sido extinta antes de liquidada a nota de despesas e honorários da Exma. Agente de Execução, contornando-se, assim, a regra da precipuidade prescrita naquele art.º 541.º do C.P.C..
n) Recorde-se que, em conformidade com o douto despacho, a Recorrida de imediato procedeu ao pagamento da nota, no valor de 5.450,40€.
o) A argumentação do Recorrente poderia ter alguma viabilidade se tivesse sido apresentada em momento anterior ao pagamento, pela Recorrida, da nota de despesas e honorários. Contudo, nesta fase processual, a linha argumentativa da Recorrente já não apresenta qualquer sentido útil.
p) Acresce que, o Executado F (…), em relação ao qual se encontrava a decorrer penhora de pensão, faleceu em 03/10/2023, não existindo quaisquer outros bens suscetíveis de penhora.
q) Destarte, mais nenhum valor será recuperado pela Recorrida, sendo que, na nota elaborada pela Exma. Agente de Execução, foi considerado o montante de 4.335,80€ a título de remuneração variável, calculado por referência à recuperação integral da quantia exequenda, quando, ante o falecimento do Executado, mais nenhum valor será recuperado!
r) Está, assim, afastada a regra da precipuidade prevista no art.º 581.º do C.P.C. não é aplicável in casu.
s) À parte disso, na hipótese de se considerar que, uma vez que os Recorridos beneficiavam de apoio judiciário, o pagamento da nota em mérito não lhes competia, sempre se dirá que, então, esse pagamento seria da responsabilidade do Estado, através do IGFEJ.
t) Isto porque, sendo o Estado que concede o benefício do apoio judiciário, é a esta entidade que cabe acautelar as consequências advenientes desse facto, sob pena de desvirtuação do sistema de apoio judiciário.
u) Em jeito de constatação do óbvio, por algum motivo os Executados requerem apoio judiciário junto do Estado e não dos Exequentes!
v) E é justamente este o entendimento jurisprudencial dominante, como são exemplos, entre tantos outros, os seguintes Acórdãos, todos do Tribunal da Relação de Lisboa: de 17/03/2022, proferido no âmbito do processo 1188/12.3TBPDL; de 01/07/2021, proferido no âmbito do processo 1408/11.1T2SNT; de 07/02/2019, proferido no âmbito do processo 2702/13.2YYLSB; e de 18/02/2016, proferido no âmbito do processo 2052/09.9TBPDL.
w) E bem se compreende que assim seja, porquanto não teria qualquer respaldo legal a circunstância de a parte vencida – neste caso, a Exequente, ora Recorrida – assegurar o pagamento das custas da responsabilidade da parte vencida!
x) Se, pelo contrário, fossem os Exequentes a assegurar o pagamento das custas, designadamente da nota de despesas e honorários do Agente de Execução, tal circunstância representaria o fim da ação executiva, na medida em que, consoante o valor do crédito, poderia não compensar instaurar a ação face aos honorários que iriam ter que assegurar.
y) Não menos importante salientar é o facto de não existir fundamento legal que justifique uma dualidade de critérios em matéria de custas consoante os Executados beneficiem, ou não, de apoio judiciário: se nas execuções em que os Executados não beneficiam daquele apoio vale a regra da precipuidade – isto é, são os Executados a liquidar as custas -, o mesmo raciocínio terá de se aplicar quando não gozam desse benefício, assumindo o Estado, neste último caso, a responsabilidade de proceder ao pagamento.
z) Posto isto, cumpre ainda referir que, a vingar a interpretação defendida pelo Recorrente, estar-se-á perante uma violação do princípio da igualmente, consagrado no art.º 13.º da Lei Fundamental.
aa) Com efeito, tal interpretação concede um benefício manifestamente inconstitucional ao Estado, porquanto, nos casos em que é este a parte vencida – ou, melhor dizendo, se substitui à parte vencida no pagamento das custas –, só é possível exigir o reembolso das taxas de justiça, ao passo que, sendo a parte vencida qualquer outra entidade, é exigível o reembolso da totalidade das custas.
bb) E é justamente por esse motivo que a jurisprudência tem feito uma interpretação extensiva do preceito em causa, procurando igualar as condições fixadas para o Estado e para os demais, na medida em que é princípio basilar de qualquer estado democrático que nenhuma entidade está acima da Lei, nem o próprio Estado.
cc) À luz de tudo o que antecede, é por demais evidente que deverá a Recorrente ser reembolsada da totalidade do valor que liquidou, a saber 5.450,40 €, reembolso esse que caberá ao IGFEJ.
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O Executado faleceu em 03.10.2023, encontrando-se habilitados os seus herdeiros.
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O recurso foi corretamente admitido, com o efeito e modo de subida adequados.
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II. Questões a Decidir:
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal é a seguinte:
- Da responsabilidade pelo pagamento dos honorários e despesas devidas ao agente de execução.
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III. Fundamentação de Facto:
Os factos a considerar são os que constam do antecedente relatório.
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IV. Mérito do Recurso:
- Da responsabilidade pelo pagamento dos honorários e despesas devidas ao agente de execução.
Nos termos do art.º 541º do CPC, “As custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados”.
Nos casos em que o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas devidos ao agente de execução não possa ser satisfeito através do produto dos bens penhorados, o art.º 721º, n.º 1, do CPC, determina que “Os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no artigo 541.º”.
Em sintonia com o disposto no art.º 721º, n.º 1, do CPC, o art.º 45º, n.º 1, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, estabelece que “Nos casos em que o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do agente de execução não possa ser satisfeito através do produto dos bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes do pagamento voluntário, integral ou em prestações, realizados através do agente de execução, os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo autor ou exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao réu ou executado”.
A reclamação ao executado das quantias pagas pelo exequente a título de honorários e despesas ao agente de execução, prevista nos citados artigos 721º, n.º 1, do CPC e 45º, n.º 1, da Portaria n.º 282/2013 de 29.08, será efetuada em sede de reclamação de custas de parte, ao abrigo do disposto no art.º 26º, n.º 3, b), do RCP.
Com base nesses normativos, a questão que o Ministério Público/Apelante coloca em sede de recurso desdobra-se em duas vertentes, a saber:
- Beneficiando o executado, como no caso dos autos, de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, tem aplicação a regra da precipuidade prevista no art.º 541º do CPC?
- Existindo esse benefício de apoio judiciário, os valores a tal título suportados pelo exequente, em conformidade com o disposto nos artigos 721º, n.º 1, do CPC e 45º, n.º 1, da Portaria n.º 282/2013 de 29.08, podem ser reclamados em sede de custas de parte, considerando-se para o efeito abrangidas no art.º 26º, n.º 6, do RCP?
De acordo com este último normativo, “Se a parte vencida for o Ministério Público ou gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P.”.
Analisemos.
Cumpre começar por esclarecer que, conforme resulta dos autos, a Sra. SE já entregou ao Exequente o produto dos únicos bens penhorados (proveniente da penhora da pensão do Executado e de créditos relativos ao reembolso de IRS), sendo que o Executado, entretanto, já faleceu.
Também já elaborou e apresentou ao Exequente a sua nota de remuneração e despesas, nos termos da qual lhe cobra o valor de 5.448,79 € a título de despesas e honorários do agente de execução.
E o Exequente já pagou esse valor, tendo, na sequência, apresentado a sua nota discriminativa e justificativa de custas de parte, na qual, considerando que os Executados litigam com apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, pede o reembolso, designadamente, desse valor, através do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, ao abrigo do art.º 26º, n.º 6, do RCP.
Neste enquadramento, encontra-se prejudicada a análise da questão relativa à aplicação, no caso dos autos, da regra da precipuidade prevista no art.º 541º do CPC.
Resta então apurar se, beneficiando os Executados de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o valor suportado pelo Exequente a título de honorários e despesas do agente de execução pode ser reclamado, nos termos do art.º 721º, n.º 1, do CPC e 45º, n.º 1, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, em sede de custas de parte, ao abrigo do art.º 26º, n.º 6, do RCP.
A questão tem sido objeto de discussão jurisprudencial, não obtendo resposta unânime.
Parte da jurisprudência, que aqui seguimos, entende que não.
Conforme já acima se referiu, é a seguinte a redação do art.º 26º, n.º 6, do RCP:
Se a parte vencida for o Ministério Público ou gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P.”.
De acordo com o seu teor literal, esse normativo apenas contempla a possibilidade de reembolso pelo IGFEJ das taxas de justiça pagas pelo exequente.
Será que o mesmo pode ser interpretado no sentido de contemplar o valor pago pelo exequente a título honorários e despesas do agente de execução?
Entendemos que não.
O art.º 26º, n.º 6, do RCP, é uma norma especial relativamente à norma geral contida no art.º 533º, n.º 2, c), do CPC, de acordo com a qual se incluem nas custas de parte as remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efetuadas.
Em tais circunstâncias, conforme se refere no Acórdão da RL de 27.04.2021, Proc. n.º 17985/12.7YYLSB-C.L1-7, disponível em www.dgsi.pt, a letra da lei ganha especial relevo, pois nos termos do art.º 11º do CC a aplicação analógica é proibida, sendo que a interpretação extensiva, apesar de permitida, terá de observar o disposto no art.º 9º, n.º 2, do mesmo diploma, o qual estabelece que “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, tendo sempre presente, de acordo com o n.º 3 do mesmo normativo, que “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
Ora, a lei é perentória ao falar apenas em “taxas de justiça”, deixando de fora os “demais encargos” (de cuja dispensa o executado, que beneficia de apoio judiciário na referida modalidade, goza). Assim, não pode ser dado aos “demais encargos”, por interpretação extensiva, o mesmo tratamento das “taxas de justiça” e impor-se ao IGFEJ uma responsabilidade que a lei não prevê.
Acresce que o art.º 26º do RCP, no seu n.º 3, ao delimitar a amplitude da responsabilidade da parte vencida a título de custas de parte, inclui expressamente na respetiva condenação “Os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução” (al. b)) e “Os valores pagos a título de honorários de agente de execução” (al. d)).
No entanto, no seu n.º 6, apesar de se poder limitar a remeter para o n.º 3, de modo a abarcar tudo o que nele se prevê, apenas se cinge às “taxas de justiça”.
Atento o exposto, entendemos que o art.º 26º, n.º 6, do RCP deve ser interpretado nos seus precisos termos, ou seja, no sentido de que, quando o vencido goze do benefício de apoio judiciário, o IGFEJ apenas fica vinculado a reembolsar o vencedor das taxas de justiça por este suportadas, com exclusão dos demais encargos previstos no n.º 3 de tal normativo.
Acresce que tal interpretação, contrariamente ao que defende o Exequente/Apelante nas suas contra-alegações, não viola o princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da CRP.
O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 2/2015, publicado no DR n.º 130/2015, Série II, de 7 de julho de 2015, decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 6, do RCP, na redação conferida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, quando interpretada no sentido de que apenas é devido à parte vencedora, quando a parte vencida litiga com apoio judicial, o reembolso da taxa de justiça paga e não de outras importâncias devidas a título de custas de parte.
Concluiu-se nesse Acórdão que tal interpretação não viola o princípio da igualdade.
A tal propósito é nele dito que o princípio da igualdade, “(…) enquanto norma vinculativa da atuação do legislador, não lhe veda o estabelecimento de diferenciações de tratamento tout court, mas apenas de diferenciações de tratamento desprovidas de uma fundamentação ou justificação razoável. O princípio da proibição do arbítrio, enquanto vínculo negativo de controlo, basta-se com a existência de uma ligação objetiva e racionalmente comprovável entre os objetivos subjacentes à escolha legislativa e a diferenciação estabelecida, à luz de "critérios de valor objetivo constitucionalmente relevantes" (…)
Como se lê no acórdão n.º 153/2012 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
“(…)
A desigualdade de tratamento será consentida quando depois ou adquirido que os critérios de distinção erigidos pelo legislador se compatibilizam com os objetivos da lei, se concluir no sentido de a Constituição, à luz dos princípios que adota e dos fins que comete ao Estado, autorizar o tratamento diferenciado das situações delimitadas na lei ordinária, isto é, se conclua que a diferenciação está em consonância com o sistema jurídico.
(…)”
Ora, olhando ao que já foi veiculado, é de concluir que inexiste violação do princípio da proibição do arbítrio. Desde logo, a situação daquele que litiga contra beneficiário de apoio judiciário não é objetivamente idêntica, do ponto de vista do princípio da tendencial gratuitidade da justiça para o vencedor, à situação daquele que litiga contra pessoa que não beneficia daquele apoio. Como vimos, à posição do segundo inere o risco, introduzido pelo Código das Custas Judiciais e que se mantém com a legislação atualmente em vigor, de não pagamento, pela parte vencida, das quantias elencadas na nota de custas, entre elas, da própria taxa de justiça. Tal risco é significativamente menor na primeira hipótese, porquanto, não obstante as restrições quanto ao que pode ser reembolsado, o pagamento da taxa de justiça da parte vencedora é sempre assegurado pelos cofres do Estado.
Por outras palavras, se litigar é sempre uma “atividade arriscada”, sobretudo pelos custos que comporta e pela incerteza quanto ao resultado da lide, é também certo que essa escala de risco comporta diversas nivelações, havendo de reconhecer-se que ser-se parte vencedora num processo em que a parte vencida litiga com apoio judiciário acaba por revelar algumas especificidades diferenciadoras - algumas delas negativas, outras nem sempre prejudiciais para aquele que teve ganho de causa. Daí que não seja possível sustentar que a opção do legislador é intolerável ou inadmissível, procurando-se com a diferenciação de tratamento introduzida, atenta a diferença entre as situações, conciliar considerações associadas ao princípio da causalidade, por um lado, com imperativos de praticabilidade económica na administração da justiça e do sistema de apoio judiciário, por outro.”
E tal interpretação também não viola o princípio constitucional consagrado no art.º 20º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
Nesse sentido, veja-se o Acórdão da RG de 10.07.2019, Proc. n.º 1034/14.3TJVNF-C.G1, disponível em www.dgsi.pt, cujo entendimento partilhamos:
(…) poderia considerar-se que, apesar de o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 2/2015 (…) “não julgar inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 6, do Regulamento de Custas Processuais, na redação conferida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, quando interpretada no sentido de que apenas é devido á parte vencedora, quando a parte vencida litiga com apoio judiciário, o reembolso da taxa de justiça paga e não de outras importâncias devidas a título de custas de parte”, uma interpretação meramente literal e restrita do referido preceito, por forma a excluir o reembolso dos honorários e despesas do agente de execução, quando existam, violaria, o direito de acesso à justiça e aos tribunais na medida em que da referida norma resulte responsabilidade para o próprio exequente, por condicionar, desde logo, o referido direito dos exequentes. Na verdade, poderia entender-se que a lei consagra, expressamente, o direito do exequente a ser reembolsado das taxas de justiça pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP (art. 26º, n.º 6, do RCP) e nenhuma razão existir para excluir do direito ao reembolso os honorários devidos ao agente de execução e as despesas por ele efetuadas, suportados pelo exequente para poder fazer prosseguir a execução, no exercício do seu direito legal e constitucionalmente garantido. E, reconhecendo a lei o direito do exequente a ser reembolsado das taxas de justiça pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP (art. 26º, n.º 6, do RCP), nenhum sentido, faria não lhe ser assegurado, também, o reembolso dos, por si suportados, honorários e das despesas ao agente de execução, pelo que justo e equitativo nunca se mostraria fazer o exequente, particularmente, suportar um encargo que é de toda uma comunidade.
Efetivamente, poderia considerar-se, como o faz parte da jurisprudência, que as quantias de honorários e despesas ao agente de execução, não podendo ficar a cargo do executado, por beneficiar de apoio judiciário, não podem deixar de ser, numa equitativa interpretação atualista, e desde logo à luz do disposto no nº1, do art. 19º, do RCP - que estatui que, se a parte beneficiar de apoio judiciário, os encargos são adiantados pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, IP - reembolsadas ao exequente, impondo-se, por isso, fazer uma interpretação extensiva do referido preceito. E que se ao executado, que está em situação de insuficiência económica, tem de ser assegurado o direito de defesa, não o pode, contudo, ser à custa de violação de direitos do exequente e que nunca seria justo nem equitativo nuns processos o exequente poder ver satisfeito o seu direito ao reembolso e noutros, só porque ao executado foi concedido apoio judiciário, nunca o ver materializado, não podendo ser transferida, em termos definitivos, para o exequente, uma obrigação que não é exclusivamente sua, mas sim e, efetivamente, de toda a comunidade, tendo o respetivo reembolso ao exequente de ficar, tal como as taxas de justiça, por isso e porque se trata de despesas essenciais e necessárias ao prosseguimento da execução, também, a cargo do IGFEJ (…). E, ainda, que, na verdade, como conclui o apelante, quando o Exequente intenta a execução para cobrar uma dívida fá-lo no desconhecimento de benefício de apoio judiciário ao executado e impondo-se àquele a obrigação de pagar, suportando definitivamente, as despesas e honorários com Agente de Execução, pelo facto de o Executado gozar de apoio judiciário na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo, estão a criar-se acrescidos riscos para o exercício do direito do exequente, que pode, até, vir a ser surpreendido com o não compensar da execução.
Porém, na verdade, estes são os riscos normais que o exercício da atividade de litigar comporta.
Como refere o Tribunal Constitucional no mencionado acórdão entre esses riscos estão custos de vária ordem e, mesmo, a incerteza quanto ao resultado da lide e, por isso, está, sempre presente, em cada uma, a incógnita de o recurso à ação vir trazer benefício ou, até, somente comportar prejuízo, por nada se vir a conseguir encontrar no património do devedor.
E sendo concedido ao Executado o benefício do apoio judiciário, efetivamente, porque goza de apoio judiciário, na modalidade de “dispensa da taxa de justiça e demais encargos” com o processo, fica dispensado de pagar os honorários e as despesas que o exequente suportou com o Agente de Execução, e que o teve de fazer para poder exercer o seu direito à cobrança do seu crédito, sendo que, contudo, esclareça-se, tal dispensa nada tem a ver com situações legalmente consagradas de isenção de custas (cfr. art. 4º, do RCP).
Esta interpretação, que é a que decorre do regime do apoio judiciário, em nada viola o princípio constitucional da Tutela Jurisdicional Efetiva, previsto no artigo 20.º da CRP, pois que, a final, o não reembolso de importâncias suportadas em nada afeta o exercício do direito.
E, com efeito, do regime do apoio judiciário, conjugado com o regime das custas processuais, e da interpretação literal do nº6, do artigo 26º, do RCP, nenhuma responsabilidade decorre para o próprio exequente, nenhuma violação do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, assim como à tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artº 20º da CRP, resulta existir, não transparecendo que o exercício do direito à via jurisdicional se mostre afetado, ficando é aberta a possibilidade de materialização de riscos para o exequente, com que o mesmo, de antemão, podia contar (desde logo por a todos ser concedida, por lei, a possibilidade de requerer o apoio judiciário e ser de configurar a hipótese de o mesmo vir a ser concedido).
Acresce que, na verdade, olhando ao sistema e ao espírito do mesmo, verifica-se, até, que outras situações existem, mesmo mais gravosas, em que o Exequente, com vista à cobrança do seu crédito, tem de assumir despesas, correndo riscos de nunca, alcançar o fim visado, sequer ser reembolsado dos custos que teve de suportar. É, designadamente, o caso de falta ou insuficiência de bens do executado, fora de situação de benefício de apoio judiciário, sendo que no âmbito deste o exequente obtém, ao menos, o reembolso das taxas de justiça, suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas da Justiça, IP.
Assim, o direito de acesso à justiça, atividade arriscada, é um direito não totalmente gratuito, podendo aquele que o pretende exercer ter de suportar despesas e nunca delas ser ressarcido, mesmo que parte vencedora”.
Aqui chegados, em face de tudo quanto ficou exposto, conclui-se pela procedência do recurso, revogando-se a decisão recorrida.
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V. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível abaixo identificados em julgar procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida.
Custas pela Apelada.
Registe.
Notifique.
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Lisboa, 23.10.2025,
Susana Mesquita Gonçalves
Laurinda Gemas
António Moreira – Vencido, por entender que deveria ser mantida a decisão recorrida, tendo presente os fundamentos que ficaram a constar do acórdão proferido em 1/7/2021 na apelação 1408/11.1T2SNT.L1 desta 2ª Secção, onde fui relator, e que aqui dou por reproduzidos.