Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
49/13.3IDFUN-F.L1
Relator: FLORBELA SANTOS A. L. S. SILVA
Descritores: MANDADO DE BUSCA
DETENÇÃO
PRISÃO
BUSCA DOMICILIÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I. No caso em apreço o Tribunal a quo ordenou a emissão de mandados de busca domiciliária como forma de dar cumprimento aos mandados de detenção e condução do arguido ao EP em cumprimento de pena de prisão que lhe foi aplicada por decisão transitada em julgado, legalmente emitidos em momento anterior, mandados esses que, na prática, não vieram a ser executados porquanto o arguido acabaria por ser detido na rua.
II. Ora, não só nada nos permite concluir que o disposto no artº 174º nº 2 do CPP tenha de impor uma prisão definitiva, sendo que a norma em causa faz referência à mera “detenção”, como a detenção em si, desde que efectuada nos termos legais, não viola a Constituição da República Portuguesa como se retira do disposto no nº 3 do citado artº 27º.
III. Pelo que uma pessoa pode ser legalmente detida sem que haja aplicação de uma pena de prisão efectiva, quer porque lhe foi aplicada uma medida de coacção privativa da liberdade, quer porque foi “apanhada” em flagrante delito e há que a conduzir a autoridade judiciária, quer ainda porque se verificam os restantes condicionalismos contidos nas alíneas c) a h) do nº 3 do artº 27º.
IV. Assim, a busca domiciliária prevista no nº 2 do artº 174º do CPP, quando está em causa a detenção de pessoas físicas, tem uma função meramente instrumental, visando apenas localizá-las e restringi-las no respectivo espaço a fim de as poder fisicamente conter com vista a cumprir outra ordem judicial: a detenção da pessoa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. No âmbito de processo comum singular, que corre termos pelo Juízo Local Criminal do Funchal, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, sob o nº 49/13.3IDFUN, foi proferido despacho em 25-09-2020, com a refª 48982856 (fls. 1753 e ss dos autos principais) que faz fls. 5 da certidão que instrui os presentes autos, com o seguinte teor:
“Nos presentes autos, foi o arguido condenado, por sentença transitada em julgado, na pena de um ano e seis meses de prisão.
Há mais de quatro meses que foram emitidos mandados de detenção do arguido, para cumprimento dessa pena, sem que, até hoje, tenha sido logrado o seu cumprimento, não obstante os esforços da PSP nesse sentido.
Veio a PSP do Funchal, encarregada do cumprimento desses mandados, informar que o arguido se tem “refugiado” em casa, para se eximir ao cumprimento dos mandados, o que representa a causa de dificuldade de cumprimento dos mesmos.
Um dos pressupostos materiais, previstos no artº 174º, nº 2 do C. P. Penal, para que seja ordenada uma busca, é que o arguido ou qualquer outra pessoa que deva ser detida se encontre em local reservado ou não livremente acessível ao público.
Se esse local for uma casa habitada ou uma sua dependência fechada, tal busca diz-se domiciliária e, salvo situações especiais, tem de ser ordenada por Juiz.
Tal ordem tem, assim, de constar de despacho judicial que justifique a sua necessidade, já que uma busca domiciliária representa uma compressão significativa de importantes direitos fundamentais ligados à privacidade das pessoas que nesse domicílio habitem.
No caso concreto, tendo os mandados de detenção do arguido sido emitidos há meses, sem que a PSP os consiga cumprir e informando este O. P. C. que as dificuldades do seu comprimento derivam do facto de o arguido se “refugiar” no interior da casa onde actualmente habita, resulta claro que, por um lado, o arguido condenado está a colocar significativos entraves ao cumprimento da pena de prisão a que foi condenado nos autos e, por outro, que apenas o acesso ao domicílio onde o Ministério Público entende que ele se encontra pode eficazmente remover tais obstáculos. Acresce que já vai avançado o prazo de prescrição da pena em que o arguido foi condenado nestes autos, pois que prescreve em quatro anos e já se passaram dois, o que confere, também, alguma urgência à detenção do arguido.
É, pelo exposto, na perspectiva do Tribunal, perfeitamente justificada a pretensão do Ministério Público, de que sejam emitidos mandados de busca domiciliária ao domicílio onde se presume que o arguido se encontre, pois que tais mandados se afiguram ser a única forma viável para o cumprimento dos mandados para a sua detenção, há muito emitidos nos autos.
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos arts. 174.°, nº 2, 176.º, nºs 1 e 2 e n.º 1 do art.177.º todos do Código de Processo Penal, determino a realização de busca domiciliária à casa de habitação situada na Rua ..., no Funchal, bem como aos seus anexos e/ou dependências da mesma com, caso seja necessário, recurso ao arrombamento.
Tais buscas têm como exclusiva finalidade a localização e detenção do arguido destes autos, para o efeito de ser conduzido ao EP do Funchal, em cumprimento dos mandados de detenção para cumprimento de pena já anteriormente emitidos.
Antes de proceder à busca, será entregue a quem tiver disponibilidade do lugar em que a diligência se vai realizar, cópia de presente despacho, no qual se faz constar que pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança e que se apresente sem delonga (n.º 1 do art. 176.° do Código de Processo Penal).
Faltando o visado nestes mandados ou não estando presente quem tiver a disponibilidade do lugar em que a diligência se vai realizar, com cópia deste despacho é, sempre que possível, entregue a um parente, a um vizinho, ao porteiro, ou a alguém que o substitua.
Passe e entregue ao Ministério Público mandados de busca relativos à morada acima referida, com validade temporal de 30 dias, bem como cópia deste despacho.”
II.  Inconformado com a decisão veio o arguido interpor recurso em 30-09-2020, com a refª 36649468, (fls. 1761 dos autos principais) junto a fls. 2 e ss da certidão que instrui os presentes autos, através do qual oferece as seguintes conclusões:
“I. O despacho recorrido ordenou a passagem de mandados de busca domiciliária, com vista à captura e condução do Recorrente à prisão.
II. Indexou, o Meritíssimo Juiz o quo esta decisão a permanecerem emitidos, no presente caso, mandados de captura/condução à cadeia do Recorrente, por trânsito da sentença que o condenou.
III. Contudo, trata-se, quanto a esta condenação, de uma pena de prisão parcelar de um cúmulo jurídico a haver, tal como, aliás, o Meritíssimo Juiz a quo já reconheceu por despacho.
IV. Assim, vistos os artigos 77.º e 78.º do CP, a pena parcelar de prisão aplicada ao Recorrente, no caso de aqui e agora não é exequível, porque ilíquida.
V. E não depõe contra esta manifesta e objetiva iliquidez da pena de prisão em jogo a circunstância legal de poder ser descontada no cumprimento da pena unitária, uma prisão sofrida pelo arguido, face a face de uma pena parcelar.
VI. É que, este segmento legal, na sua subsidiariedade manifesta, cotejada na letra e literalidade expressiva do artigo 78.º n.º 1 do CP, onde está a exigência, segundo o princípio da proporcionalidade da compressão do direito fundamental de liberdade, de apenas funcionar quando, e se, e só se, não houver notícia processual de ocorrente caso dum cúmulo jurídico de penas.
VII.  Não é assim no caso sub judice, como já decorre destas conclusões.
VIII. Por conseguinte, a emissão dos mandados de busca remete para um mero arbítrio justicialista, por de fora das exigências e prescrições do artigo 18.º n.º 1 da CRP.
IX. Neste âmbito e alcance, e para prevenir recurso de constitucionalidade, alega o Recorrente a infração à Lei Fundamental do artigo 174.º n.º 2 do CPP, em confronto com os artigos 18.º n.º 1 e 3, 27.º n.º 1 e 30.º n,º 5, todos da CRP.
X. Enfim, o despacho recorrido, salvo melhor opinião, desrespeita, pois, o artigo 174.º n.º 2 da CRP que cita: deve ser revogado para que sejam recolhidos os mandados de busca com vista à captura do Recorrente, os quais serão, entretanto, sustados, pelo eminente efeito suspensivo a atribuir, desde já, ao presente recurso.
Vossas Excelências, com douto suprimento, decidirão, porém, como é de JUSTIÇA.”
III. O recurso foi admitido por despacho de 13-10-2020, com a refª 49053533, (fls. 1802e ss dos autos principais), constante de fls. 6 e ss da certidão que instrui os presentes autos, tendo sido fixado efeito devolutivo.
IV. Respondeu o MºPº, em 13-11-2020, com a refª 13318, (fls. 1948 e ss dos autos principais), através de contra-alegações juntas a fls. 10 e ss da certidão que instrui os presentes autos, pugnando pela improcedência do recurso interposto pelo arguido, e consequente confirmação do despacho recorrido, oferecendo as seguintes conclusões:
“- O recorrente, condenado por sentença transitada há mais de 2 anos, tem multiplicado desde então recursos e reclamações para as instâncias superiores até ao TC, invocando violação de direitos fundamentais, pretensões todas rejeitadas.
- Inexiste qualquer direito a permanecer em liberdade após trânsito em julgado de sentença condenatória a pena de prisão efetiva.
- O tribunal realiza a justiça quando ordena a emissão de mandados de busca, sabendo que o condenado se oculta com ajuda de terceiros em local reservado, impossibilitando durante meses a sua detenção em local público.
- A permanência do recorrente em liberdade mais de dois anos após o trânsito de sentença condenatória contraria as finalidades da realização da justiça e promove sentimentos de impunidade.
- A realização de cúmulo jurídico de penas transitadas não implica que o arguido aguarde em liberdade a sua concretização.
Deste modo, deve negar-se provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, mantendo-se a decisão, nos seus precisos termos, com o que se fará JUSTIÇA!”
V. Foi aberta vista nos termos do disposto no artº 416º nº 1 do CPP, tendo a Exmª Srª. Procuradora-Geral Adjunta proferido douto parecer em 26-11-2020 (refª 16339731), fls. 43, no qual pugna pela improcedência do recurso, acompanhando os argumentos do MºPº da 1ª instância.
VI. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
VII: Analisando e decidindo.
O objecto do recurso, e portanto da nossa análise, está delimitado pelas conclusões do recurso, atento o disposto nos artºs 402º, 403º e 412º todos do CPP devendo, contudo, o Tribunal ainda conhecer oficiosamente dos vícios elencados no artº 410º do CPP que possam obstar ao conhecimento do mérito do recurso.[1]
Das disposições conjugadas dos artºs 368º e 369º, por remissão do artº 424º nº 2, e ainda o disposto no artº 426º, todos do Código de Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso, pela seguinte ordem:
1º: das questões que obstem ao conhecimento do mérito da decisão, aqui incluindo-se as nulidades previstas no artº 379º e os vícios constantes do artº 410º, ambos do CPP;
2º: das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do artº 412º do CPP;
3º: as questões relativas à matéria de Direito.
O arguido recorrente entende que:
- os mandados de busca assentam em mandados de detenção que, na sua óptica, são prematuros porque visam tornar exequível uma pena meramente parcelar de prisão, ficando ainda por liquidar a pena única da qual o arguido deve ser alvo em sede de cúmulo ainda por realizar;
- consequentemente, a interpretação seguida pelo Tribunal a quo relativamente à aplicabilidade do disposto no artº 174º nº 2 do Código de Processo Penal (CPP) infringe o disposto nos artºs 18º nºs 1 e 3, 27º nº 1 e 30º nº 5 todos da Constituição da República Portuguesa;
- o despacho recorrido viola o disposto no artº 174 nº 2 do CPP.[2]
Está, assim, em causa decidir neste recurso:
a) se os mandados de busca foram legalmente emitidos;
b) se o artº 174º nº 2 do CPP viola o disposto nos artºs 18º nºs 1 e 3, 27º nº 1 e 30º nº 5 todos da Constituição da República Portuguesa.
Antes de entrarmos na análise do recurso vejamos, primeiro, os factos processuais subjacentes ao pleito:
a) o arguido foi condenado por sentença de 14-12-2016 (fls. 1060 e ss dos autos principais) numa pena de um ano e seis meses de prisão efectiva, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada;
b) tal sentença foi confirmada na íntegra pelo Acórdão proferido nesta mesma Relação (9ª Secção) em 11-01-2018;
c) notificado do acórdão de 11-01-2018, veio o arguido requerer a correcção do mesmo ao abrigo do disposto nos artºs 380º e 425º nº 4 CPP;
d) sobre esse requerimento recaiu o Acórdão de 19-04-2018, através do qual a 9ª Secção indeferiu a requerida correcção;
e) não satisfeito, veio então o arguido arguir a nulidade do segundo acórdão, tendo sobre tal recaído terceiro Acórdão da 9ª Secção, prolatado em 13-09-2018, indeferindo as arguidas nulidades;
f) consequentemente, baixaram os autos desta Relação em 18-10-2018, tendo sido certificado em 25-10-2018, o trânsito em julgado da sentença condenatória de 14-12-2016, trânsito esse ocorrido em 18-10-2018 (cfr. certidão com a refª 46262908);
g) por despacho proferido em 25-10-2018, com a refª 46242641, foi então determinada a emissão de mandados de detenção para cumprimento da pena de prisão confirmada na Relação;
h) por requerimento de 25-10-2018, com a refª 30519438, veio o arguido, além de pedir a “aclaração” do despacho que ordena a passagem de mandados de detenção, informar que em 24-10-2018 havia interposto na Relação recurso de revista para o STJ;
i) por segundo requerimento do mesmo dia 25-10-2018, com a refª 30519538, veio o arguido requerer a sustação do mandado de detenção;
j) por despacho de 19-10-2018, com a refª 46272654, por mera cautela, determinou-se a sustação dos mandados de detenção;
k) o recurso de revista para o STJ foi admitido por despacho da 9ª Secção desta Relação em 06-12-2018, cfr. refª 13745678;
l) por decisão sumária proferida em 12-09-2019, com a refª 8606314, o STJ rejeitou o recurso de revista interposto pelo arguido;
m) não satisfeito, veio então o arguido interpor recurso para o Tribunal Constitucional, tendo o STJ, por decisão de 17-10-2019, com a refª 8844610, rejeitado o referido recurso para o TC;
n)  veio, então, o arguido, em 30-09-2019, reclamar para o Tribunal Constitucional, através de requerimento com a refª 33874043;
o) indeferida a pretensão do arguido pelo Tribunal Constitucional, por Acórdão nº 13/2020 de 14-01-2020, baixaram os autos à 1ª instância em 18-02-2020, a título definitivo tendo a sentença condenatória proferida nos autos mantido a sua data de trânsito em 18-10-2018;
p) em 12-05-2020, após algumas contingências processuais, o MºPº promove a passagem de novos mandados de detenção e condução do arguido ao respectivo EP, conforme promoção com a refª 48498894;
q) por despacho de 13-05-2020, com a refª 48507097, é então determinada passagem de novos mandados de detenção e condução do arguido ao EP;
r) novamente insatisfeito, veio o arguido dirigir requerimento em 15-05-2020, com a refª 35562157, através do qual informa que reclamou junto do Tribunal Constitucional em 28-01-2020, e que até que seja proferida decisão por aquele Tribunal a sentença proferida nos autos não se tem por transitada em julgado, pelo que conclui requerendo a devolução, sem cumprimento, dos mandados de detenção, invocando, ainda a aplicabilidade da lei penal mais favorável ao seu caso, pelo qual deve previamente ser reaberta audiência para esse efeito;
s) sobre este requerimento recaiu o despacho de 18-05-2020, com a refª 48519667, a indeferir o mesmo;
t) por requerimento de 19-05-2020, com a refª 35588667, veio o arguido insistir pela sustação dos mandados de detenção desta vez sob a égide do artº 7º da Lei nº 1-A/2020 de 19-03, pretensão que foi indeferida por despacho de 22-05-2020 com a refª 48534933;
u) veio então o arguido, em resposta aos despachos de 18-05-2020 e 22-05-2020, que lhe indeferiram a pretensão (repetida) de sustação dos mandados de condução à EP, suscitar através de requerimento de 25-05-2020, com a refª 35621661, incidente de recusa de juiz, pedindo efeito suspensivo dos autos;
v) esse incidente de recusa viria a ser julgada totalmente improcedente, por infundada, nesta mesma 3ª Secção da Relação de Lisboa, por Acórdão de 09-09-2020, com a refª 16010680 (que faz o apenso A), sendo Relatora a Exmª Srª Desembargadora Drª Cristina Almeida e Sousa;
w) além de suscitar incidente de escusa veio ainda o arguido interpor recurso em 08-06-2020, com a refª 35727775, da decisão de 18-05-2020, na parte que lhe indefere a aplicação da lei mais favorável;
x) esse recurso viria a ser distribuído a esta mesma 3ª Secção, sendo Relatora, a Exmª Srª Desembargadora Drª Maria Perquilhas, tendo sido proferido Acórdão em 09-12-2020, com a refª 16372716, que faz apenso D, o qual veio negar provimento ao recurso e confirmar a decisão de 18-05-2020, tendo tecido, entre outras coisas, a seguinte consideração:
“Assim, a exequibilidade da decisão é determinada pelo seu trânsito em julgado e não pela realização ou não de eventual cúmulo jurídico de outras penas que tenham sido aplicadas ao arguido.
A decisão condenatória transitou em julgado, como se referiu já, nada impedindo a sua execução, a não ser a atuação do arguido que manifestamente lançou mão de todos os expedientes dilatórios para obviar à administração da justiça e impedir o cumprimento da decisão, o que conseguiu durante quase dois anos desde o trânsito em julgado (a decisão de primeira instância é de 14 de dezembro de 2016).” – sublinhado nosso
y) em 15-06-2020, é junto aos autos principais e-mail proveniente do Tribunal Constitucional a confirmar o indeferimento da reclamação aí apresentada pelo arguido (“com vista a obstar ao trânsito em julgado”[3]), e consequente confirmação do Acórdão do TC nº 13/2020;
z) na sequência do incidente de escusa suscitado pelo arguido veio o Mmº Juiz a quo entender que lhe estaria vedada a possibilidade de se pronunciar sobre requerimentos entretanto juntos pelo arguido, um deles, novo recurso, cfr. despachos de 09-06-2020 (refª 48591228) e 17-06-2020 (refª 48628933), tendo o arguido, por requerimento de 25-06-2020, com a refª 35888568, junto a fls. 1559 a 1560 dos autos principais, e a convite do Tribunal, referido, entre outras coisas, o seguinte que enumera como ponto nº 10:
“Posto isto, e ao abrigo do artigo 8º do CPC, aplicável ex vi artigo 4º do CPP, não pode o arguido deixar de colocar a Vª Exa. Meritíssimo Juiz a seguinte questão: surpreende-o que na sustentação do despacho de 09-06-2020(aliás, interessante do ponto de vista jurídico e de oportunidade) não se tenha referido ao principal problema e obstáculo da exequibilidade imediata dos mandados de condução à cadeia, a saber – império normativo do cúmulo jurídico da pena aqui aplicada com as penas proferidas nos seguintes processos nº 606/08.1IDLSB, nº 137/09.6IDFUN, nº 172/10.6IDFUN, nº 185/07.5IDFUN, nº 60/08.6IDFUN e 64/15.2IDFUN.”
aa) a este requerimento veio o Tribunal a quo responder por despacho de 26-06-2020, com a refª 487677316, junto a fls. 1561 dos autos principais, através do qual determinou, entre outras coisas, o seguinte:
“Requerimento de 25/06/20 – Regista-se que o arguido mantém o interesse no recurso interposto a 12/06/20, do despacho proferido a 09/06/20.
Ponto 10 desse requerimento – Nesta fase da tramitação do processo, já deveria ser claro para o arguido que, na perspectiva deste Tribunal, não existe problema nem obstáculo rigorosamente nenhum ao cumprimento dos mandados de detenção emitidos para cumprimento da pena de prisão a que foi condenado nestes autos, por sentença transitada em julgado, há cerca de dois anos. Rectius, não existe obstáculo jurídico, pois que subsiste o obstáculo de a PSP, há semanas, os não conseguir cumprir, o que indicia que o arguido se estará a eximir ao seu cumprimento. Os obstáculos que pudessem existir já foram, oportunamente, superados pelas doutas intervenções dos Venerandos Tribunal da Relação de Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça e Tribunal Constitucional. Nessa medida, este Tribunal não deixou de se pronunciar sobre rigorosamente nada de que devesse pronunciar-se. Por outro lado, é a este Tribunal, e não ao arguido, que compete tramitar o processo, determinando a sua marcha e a oportuna prática dos actos – cúmulos jurídicos e todos os demais que a lei preveja. Ao arguido compete, em contrapartida, nesta fase da tramitação processual, apresentar-se perante a Justiça da República Portuguesa, que bem sabe que o demanda. (…)
bb) após inúmeros requerimentos intercalares, veio o arguido, por requerimento de 10-07-2020, com a refª 36044574, solicitar novamente ao Tribunal a quo a sustação dos mandados de detenção e condução ao EP;
cc) a este requerimento promoveu o MºPº, através de vista de 03-09-2020, com a refª 48872266, que se solicitasse à PSP que informasse os motivos pelos quais ainda não foram cumpridos os mandados uma vez que, na sua óptica, nada obsta à execução dos mesmos;
dd) foi então proferido despacho em 04-09-2020, com a refª 48880005, através do qual, deferindo ao promovido, foi determinada a notificação da PSP em conformidade;
ee) por ofício de 10-09-2020, veio a PSP informar que até ao momento não tinha sido possível executar os mandados por o arguido se encontrar “refugiado no interior da sua residência”;
ff) após vista nos autos o Tribunal a quo proferiu despacho em 17-09-2020, com  refª 48931356, junto a fls. 1737 e ss dos autos principais, com o seguinte teor:
“Por seu requerimento de 10/07/20, veio o arguido solicitar ao Tribunal a recolha imediata dos mandados de detenção emitidos nestes autos, para cumprimento da pena de prisão em que aqui foi condenado, por sentença transitada em julgado.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de não ter fundamento o requerido, pois que a eventual necessidade de realização de um cúmulo jurídico que integre a pena de prisão em que o arguido foi condenado nestes autos não obsta a que a mesma seja executada.
A decisão do Tribunal sobre esta específica questão, agora, novamente, suscitada pelo arguido, já foi tomada no despacho proferido a 26/06/20, oportunamente notificado ao arguido, nos termos do qual foi decidido que não existe obstáculo rigorosamente nenhum ao cumprimento dos mandados de detenção emitidos nestes autos, nada mais tendo o Tribunal a acrescentar ao decidido nesse despacho e que já respondia cabalmente à questão em apreço.
Notifique o arguido e o Ministério Público.”
gg) por ter sido requerido em 25-09-2020, pelo MºPº, a passagem de mandados de busca domiciliária, como forma de poder dar cumprimento aos mandados de detenção, foi então proferido o despacho em 25-09-2020, com a refª 48982856, constante de fls. 1753 e ss dos autos principais, do qual ora se recorre no âmbito destes autos, o qual se transcreve (novamente):
“Nos presentes autos, foi o arguido condenado, por sentença transitada em julgado, na pena de um ano e seis meses de prisão.
Há mais de quatro meses que foram emitidos mandados de detenção do arguido, para cumprimento dessa pena, sem que, até hoje, tenha sido logrado o seu cumprimento, não obstante os esforços da PSP nesse sentido.
Veio a PSP do Funchal, encarregada do cumprimento desses mandados, informar que o arguido se tem “refugiado” em casa, para se eximir ao cumprimento dos mandados, o que representa a causa de dificuldade de cumprimento dos mesmos.
Um dos pressupostos materiais, previstos no artº 174º, nº 2 do C. P. Penal, para que seja ordenada uma busca, é que o arguido ou qualquer outra pessoa que deva ser detida se encontre em local reservado ou não livremente acessível ao público.
Se esse local for uma casa habitada ou uma sua dependência fechada, tal busca diz-se domiciliária e, salvo situações especiais, tem de ser ordenada por Juiz.
Tal ordem tem, assim, de constar de despacho judicial que justifique a sua necessidade, já que uma busca domiciliária representa uma compressão significativa de importantes direitos fundamentais ligados à privacidade das pessoas que nesse domicílio habitem.
No caso concreto, tendo os mandados de detenção do arguido sido emitidos há meses, sem que a PSP os consiga cumprir e informando este O. P. C. que as dificuldades do seu comprimento derivam do facto de o arguido se “refugiar” no interior da casa onde actualmente habita, resulta claro que, por um lado, o arguido condenado está a colocar significativos entraves ao cumprimento da pena de prisão a que foi condenado nos autos e, por outro, que apenas o acesso ao domicílio onde o Ministério Público entende que ele se encontra pode eficazmente remover tais obstáculos. Acresce que já vai avançado o prazo de prescrição da pena em que o arguido foi condenado nestes autos, pois que prescreve em quatro anos e já se passaram dois, o que confere, também, alguma urgência à detenção do arguido.
É, pelo exposto, na perspectiva do Tribunal, perfeitamente justificada a pretensão do Ministério Público, de que sejam emitidos mandados de busca domiciliária ao domicílio onde se presume que o arguido se encontre, pois que tais mandados se afiguram ser a única forma viável para o cumprimento dos mandados para a sua detenção, há muito emitidos nos autos.
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos arts. 174.°, nº 2, 176.º, nºs 1 e 2 e n.º 1 do art. 177.º todos do Código de Processo Penal, determino a realização de busca domiciliária à casa de habitação situada na Rua ..., nº 1, no Funchal, bem como aos seus anexos e/ou dependências da mesma com, caso seja necessário, recurso ao arrombamento.
Tais buscas têm como exclusiva finalidade a localização e detenção do arguido destes autos, para o efeito de ser conduzido ao EP do Funchal, em cumprimento dos mandados de detenção para cumprimento de pena já anteriormente emitidos.
Antes de proceder à busca, será entregue a quem tiver disponibilidade do lugar em que a diligência se vai realizar, cópia de presente despacho, no qual se faz constar que pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança e que se apresente sem delonga (n.º 1 do art. 176.° do Código de Processo Penal).
Faltando o visado nestes mandados ou não estando presente quem tiver a disponibilidade do lugar em que a diligência se vai realizar, com cópia deste despacho é, sempre que possível, entregue a um parente, a um vizinho, ao porteiro, ou a alguém que o substitua.
Passe e entregue ao Ministério Público mandados de busca relativos à morada acima referida, com validade temporal de 30 dias, bem como cópia deste despacho.”
hh) em 30-09-2020, o arguido veio, então, interpor 3 recursos:
- o primeiro com a refª 36649392 com referência ao despacho de 17-09-2020 (refª 48931356), junto a fls. 1757 e ss dos autos principais;
- o segundo com a refª 36649438 com referência a um despacho prolatado em 22-09-2020 com a refª 48962488;
- o terceiro, com a refª 36649468 com referência ao despacho de 25-09-2020 (refª 48982856), junto a fls. 1761 e ss dos autos principais, que traduz os presentes autos que somos chamados a decidir;
ii) por despacho de 12-10-2020, com a refª 49053533, o Tribunal a quo pronunciou-se acerca dos três recursos interpostos em 30-09-2020, nos seguintes termos:
“Por seu requerimento de fls. 1757 e ss[4]., vem o arguido LMC______ interpor recurso do primeiro despacho de fls. 1737. Este despacho estatui, em suma, que nada há a acrescentar ao que já havia decidido o Tribunal no seu despacho de fls. 1561[5]. De facto, o despacho ora recorrido explicitou que a questão colocada no requerimento que o suscitou já tinha sido decidida no despacho de fls. 1561, de 26/06/2020, pelo que não seria, novamente, objecto de pronúncia jurisdicional.
O objecto deste recurso consiste, tout court, (cfr. as suas conclusões) na questão de saber se a necessidade de realização de um cúmulo jurídico superveniente, integrando a pena de prisão em que o arguido foi condenado nestes autos, por sentença transitada em julgado, torna inexequível esta pena até que tal cúmulo seja realizado e, concomitantemente, devam ser sustados os mandados de detenção emitidos para essa finalidade.
Esta questão já havia sido suscitada ao Tribunal, pelo arguido, no ponto 10 do seu requerimento de fls. 1569 e 1570, onde ele argui que a necessidade de efectivação de um cúmulo jurídico superveniente, englobando a pena em que o arguido foi condenado nestes autos constitui um obstáculo à exequibilidade desta pena de prisão. É manifesto que o arguido suscita um pedido de decisão jurisdicional, como resulta do seu recurso à expressão “() não pode o arguido deixar de colocar a V. Exª Meritíssimo Juiz a seguinte questão: ().
Ora, no mencionado despacho de fls. 1561 (e, para que não surgissem dúvidas que o Tribunal estava a tomar posição sobre a questão enunciada nesse ponto 10, epigrafou a sua decisão como “Ponto 10 desse requerimento -”) foi taxativamente decidido que, e cita-se “não existe problema nem obstáculo rigorosamente nenhum ao cumprimento dos mandados de detenção emitidos para cumprimento da pena de prisão a que foi condenado nestes autos, por sentença transitada em julgado”. Poderá existir maior clareza que o Tribunal decidiu que não irá determinar a sustação ou recolha desses mandados de detenção? Pois se afirma, taxativamente, a propósito de um putativo obstáculo ao cumprimento desses mandados, invocado pelo arguido, que não há obstáculo rigorosamente nenhum ao cumprimento dos mandados de detenção emitidos nestes autos!
No entanto, no seu requerimento de fls. 1701 vº, de 10/07/20, o arguido vem, novamente, requerer a recolha imediata dos mandados de detenção, com fundamento no facto de não ser líquida a pena em que o arguido foi condenado nestes autos (estando subjacente o entendimento que tal falta de liquidez resulta da necessidade de integração dessa pena num futuro cúmulo jurídico). Ou seja, o arguido, por mais alteração de sujeitos e predicados a que recorra, vem colocar a mesmíssima questão, e a questão é: “os mandados de detenção emitidos para um arguido cumprir uma pena de prisão em que foi condenado, por sentença transitada em julgado, podem ser cumpridos enquanto se não fizer o cúmulo jurídico que englobará essa pena noutras em que o arguido foi igualmente condenado?” A sustação, a suspensão, a recolha dos mandados de detenção (por inexequibilidade da pena que pretendem fazer cumprir) e a exequibilidade da pena que pretendem fazer cumprir não são questões diversas; São, pelo contrário, exatamente, a mesma questão. A inexequibilidade da pena impede a sustação dos mandados emitidos e a manutenção dos mandados emitidos resulta necessariamente de se considerar a pena exequível, pois que, se o Tribunal concluísse que a pena é inexequível, daria sem efeito, como é óbvio, os mandados de detenção emitidos. Ora, perante o despacho de fls. 1561, onde o Tribunal já havia decidido, (a pretexto da invocada inexequibilidade dos mandados de detenção, por eventual necessidade de realização de cúmulo jurídico superveniente) que “não há obstáculo rigorosamente nenhum” à exequibilidade dos mandados (de onde resulta, como é claro), um juízo de validade e exequibilidade dos mandados de detenção emitidos, o arguido tenta insistir nesse argumento, suscitando outra vez a questão, em novo requerimento (de fls. 1701 vº) ensaiando diferente terminologia, mas com um sentido idêntico, que se cinge a saber (e reitera-se, ad nauseam) se a eventual realização de um cúmulo jurídico superveniente constitui obstáculo à imediata execução de um pena de prisão integrante desse futuro cúmulo e implica, concomitantemente, a resposta à questão na necessidade de recolha dos mandados de detenção emitidos para essa finalidade.
A resposta a esta questão já resulta do despacho de fls. 1561. Nem é legítimo que o Tribunal decida, repetidamente, o que já anteriormente se decidiu nem é licito ao arguido suscitar, repetidamente, a mesma questão, dando-lhe diversa “roupagem” linguística, para obter o efeito de poder recorrer sobre um “thema decidendum” já anteriormente decidido.
Ora, o prazo para recorrer do despacho de fls. 1561 já se esgotou. Não pode o arguido repristinar esse prazo, suscitando a mesma questão jurídica que já anteriormente havia suscitado (embora invocando que a questão não é bem a mesma, ou que o Tribunal não  decidiu formalmente sobre ela, ou que, quando decidiu sobre ela, o arguido não lhe havia pedido que se pronunciasse sobre ela, etc.).
Pelo exposto, não se recebe, por extemporaneidade, o recurso interposto do despacho de fls. 1757, que se limita a remeter para o despacho já anteriormente proferido, a fls. 1561.
Notifique.
Recurso de fls. 1761[6] – Dão-se aqui integralmente por reproduzidas as considerações que antecedem, expostas a propósito do indeferimento liminar do recurso interposto do despacho de fls. 1701 vº. Novamente, neste recurso está em causa a questão de saber se a prevista realização de um cúmulo jurídico que integre a pena de prisão (transitada em julgado) em que o arguido foi condenado nestes autos representa um obstáculo à exequibilidade dessa pena, questão que já foi decidida pelo Tribunal, no seu despacho de fls. 1561, transitado em julgado. Na perspectiva deste Tribunal a quo, pelas razões mencionadas a propósito do despacho liminar sobre o recurso de fls. 1757, torna-se duvidosa a admissibilidade deste recurso, por já estar transitada em julgado a resposta à questão jurídica que o motiva. Ainda assim, não deixa de se levar em consideração que este recurso é interposto a propósito de um despacho que ordenou a emissão de busca domiciliária. Tal busca é destinada à tentativa de execução de mandados de detenção anteriormente emitidos, para cumprimento de pena de prisão transitada em julgado, fundamentada numa situação em que a PSP, há meses, os não consegue cumprir, por o arguido se refugiar sistematicamente no interior de uma casa de habitação. Vistas as conclusões do recurso, não se afigura que o arguido coloque em causa a legalidade da emissão, per se, desse mandado de busca, colocando antes em causa a temática, já anteriormente decidida nos autos, da validade dos mandados de detenção, cuja necessidade de cumprimento acabou por determinar a emissão do mandado de busca. Ou seja, a determinação do mandado de busca, que o arguido parece não colocar em causa, serve-lhe apenas de pretexto para suscitar, mais uma vez, o tema de saber se a prevista realização de um cúmulo jurídico que integre a pena de prisão (transitada em julgado) em que o arguido foi condenado nestes autos representa um obstáculo à exequibilidade dessa pena/à exequibilidade dos mandados de detenção emitidos para a sua execução/à concomitante validade do mandado de busca exclusivamente destinado a conseguir a execução dos mandados de detenção.
Quem assim não entenda (ou seja, para quem entenda que é suscitada no recurso a questão da validade do mandado de busca) pode considerar existir um sentido útil no recurso interposto e, assim, ser o mesmo admissível. Salvaguardando esta perspectiva - que, reitera-se, não é a que resulta da interpretação que este Tribunal faz das conclusões do recurso – e respaldado pelo facto de o juízo de admissibilidade deste recurso ser sindicável pelo Tribunal ad quem, que poderá sempre recusar a sua admissibilidade, irá admitir-se o recurso interposto.
Pelo exposto, admite-se o recurso interposto do despacho de fls. 1753 e 1753 vº, que é para o Tribunal da Relação de Lisboa, subindo imediatamente, em separado e com efeito devolutivo (cfr. artºs 399º, 400º a contrario, 401º, nº 1, al. b), 406º, nº 2, 407º, nº 2, al. b), 408º a contrario e 411º, nº 1, todos do C. P. Penal.
Notifique.
Requerimento de interposição de recurso de fls. 1765 e ss[7]. – Se bem se compreende o seu teor, o efeito útil pretendido pelo recurso ora interposto/providência solicitada ao Tribunal ad quem (cfr. respectiva conclusão V) é que o Tribunal a quo instrua o apenso de recurso em separado interposto a 08/06/20 com o requerimento do arguido apresentado de fls. 1739 e 1740 (apresentado a 17/09/20). Ora, em nenhuma das duas conclusões ao seu requerimento de fls. 1739 e 1740, o arguido (ao contrário do que estatui na conclusão III do recurso ora apresentado) requer isso a este Tribunal: as duas únicas coisas que se afigura ter pedido são, sob a al. a), a aclaração do seu precedente despacho e, sob a al. b), “que os autos subam ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, a quem cabe a fixação definitiva do efeito do recurso, para que este conheça das referidas questões objecto de recurso”. O Tribunal pronunciou-se expressamente sobre a primeira questão e, por o considerar despiciendo, não se pronunciou expressamente sobre a segunda, por considerar evidente que, se o recurso foi admitido, subirá necessariamente ao TRL, para conhecimento das questões nele enunciadas, logo que cumprida a sua tramitação (que inclui o prazo de 30 dias para resposta do Ministério Público). Este Tribunal, não só nunca recusou que tal recurso seja instruído com o requerimento de fls. 1739 e 1740, como nunca formulou tal desígnio e, se essa for a pretensão do arguido, se lhe afigura que o disposto no artº 414º, nº 6 do C. P. Penal não obsta ao seu deferimento, pelo que, desde já, se comunica ao arguido que essa parte do processo (requerimento de fls. 1739 e 1740), integrará o auto de recurso em separado que, oportunamente, subirá.
Por outro lado, arguido estatui, neste seu recurso, que não é recorrível o despacho que fixe os efeitos, designadamente o efeito devolutivo, do recurso (cfr. respectivo artº 13).
Resta, por isso, uma última, possível questão, que é a do indeferimento da aclaração requerida, não sendo claro, em face do ponto V das conclusões do recurso, se a obtenção da mesma ainda representa uma pretensão do arguido, que ele pretenda alcançar por via do recurso interposto.
Atento o exposto, convida-se o arguido a, no prazo de dez dias, declarar se mantém o interesse neste recurso interposto ou se dele desiste.
Notifique.”
jj) do segundo recurso interposto em 30-09-2020 com a refª 36649438 viria o arguido desistir nos termos do seu requerimento de 26-10-2020 com a refª 36925173;
kk) da não admissão do primeiro recurso de 30-09-2020, com a refª 36649392 interposto em relação ao despacho de 17-09-2020 (refª 48931356), junto a fls. 1757 e ss dos autos principais, veio o arguido reclamar para a Relação, em 02-11-2020, com a refª 37000935, junto a fls. 1935 e ss dos autos principais, tendo a sua reclamação sido indeferida pela Exmª Srª Presidente desta Relação através de despacho de 23-11-2020, com a refª 16316019, junto ao apenso E, com o seguinte teor:
“LMC______, arguido nos autos, reclama, nos termos do disposto no art. 405.º do CPP, do despacho proferido pelo Tribunal reclamado em 13/10/2020, o qual não admitiu o recurso por si interposto do despacho de 17/9/2020, de fls. 16 destes autos, pedindo que o recurso seja mandado admitir com os fundamentos de fls. 34 a 35 verso, que aqui se dão como reproduzidos.
Conhecendo.
Pretende o reclamante que seja admitido o recurso que interpôs do despacho proferido em 17/9/2020.
Acontece, porém, que o despacho de 17/9/2020 limita-se a referir que sobre a pretensão do arguido, ora reclamante, já se havia pronunciado no despacho de 26/6/2020, que oportunamente lhe havia sido notificado, que nada havia a acrescentar ao decidido naquele despacho, que já respondia cabalmente à questão em apreço.
Ou seja, o despacho de 17/9/2020 nada decidiu de novo que não tivesse já sido decidido no despacho de 26/6/2020, pelo que, é o mesmo irrecorrível.
Recorrível seria o despacho de 26/6/2020, mas que transitou em julgado porque relativamente a esse não foi interposto qualquer recurso.
Bem andou, pois, o tribunal reclamado ao não ter admitido o recurso interposto do despacho proferido em 17/9/2020.
Pelas razões apontadas, indefere-se a reclamação.”
ll) a 21-10-2020 dá entrada no processo ofício da PSP com a devolução dos mandados de busca domiciliária e a informação de que não foi necessário cumprir os mesmos, tendo ao arguido sido detido no dia 19-10-2020, na Rua da Infância, pelas 19:03, cfr. devolução dos mandados de detenção em 26-10-2020;
mm) por requerimento de 21-10-2020, com a refª 36863872, o arguido suscita incidente de habeas corpus tendo a STJ proferido decisão em 29-10-2020, através da qual indefere o pedido, confirmando, assim, a prisão do arguido tendo ainda formulado os seguintes juízos:
“Quanto à questão de a pena em cumprimento vir a integrar uma pena única conjunta resultante de um concurso de crimes de conhecimento superveniente e, daí, não ser uma pena que possa ser executada por ser ilíquida, na expressão do requerente, o que para já ainda não é líquido é a pertinência de realização do próprio cúmulo jurídico, para tanto estando o processo a recolher elementos para tal determinar.
Mas ainda que tal pena venha integrar uma pena única, por força do concurso de crimes, nada obsta à execução em curso, que desde logo deixa marcado o início do seu cumprimento, essa sendo, de resto, a situação normal dos casos de conhecimento superveniente do concurso, sendo certo também (ainda que pouco plausível no caso) que o eventual cumprimento da pena parcelar não deixaria de ser descontado no cumprimento da pena única que viesse a ser aplicada (artº 78º nº 1, do CP).
De todo o exposto se conclui que a situação de prisão em que o requerente se encontra foi determinada por autoridade competente, foi motivada por facto pelo qual a lei permite, o qual se traduz na execução de uma pena de prisão resultante de condenação transitada em julgado e cujo prazo de cumprimento está ainda longe de se esgotar, pelo que se não verifica nenhum dos fundamentos legais invocados, das alíneas b) e c) do nº 2 do artº 222º do CPP, razão por que se mostra infundada a pretensão.”
Questão Prévia:
Em face da decisão proferida pelo Venerando STJ no âmbito do processo de habeas corpus e da possível inutilidade superveniente do presente recurso, cuja finalidade era impedir a execução dos mandados de detenção e condução do arguido ao EP, através da impugnação dos mandados de busca domiciliária, foi o arguido/recorrente notificado para informar se mantinha interesse no presente recurso tendo respondido afirmativamente e o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto pugnado pela inutilidade deste recurso.
Optámos por elaborar acórdão com vista a decidir de mérito do recurso interposto apesar de, como o próprio arguido refere no ponto 9 da sua motivação “se porventura, o Recorrente for capturado e conduzido à cadeia, qualquer posterior anulação do despacho que mandou emitir os mandados de busca, permite, irreversível, o dano da ilegalidade levada à impugnação judicial de apelo à 2ª instância”, porquanto o mesmo invocou a inconstitucionalidade da norma contida no artº 174º nº 2 do CPP e já anunciou a sua intenção de recorrer ao Tribunal Constitucional, sendo certo que, da forma incessante que demonstra pleitear, recorrendo e reclamando de tudo e mais alguma coisa, até mesmo suscitando, sem fundamento legal, a escusa do Mmº Juiz a quo, sem aparente preocupação pelas respectivas custas processuais, que está convencido não vai pagar por que, conforme alegou perante o Tribunal Constitucional aquando da apresentação da conta, foi declarado insolvente e não tem bens nem trabalho com o qual pagar, tudo aponta para que o arguido pudesse vir arguir nulidades, ou pedir aclarações ou suscitar um qualquer outro incidente processual caso optássemos por considerar tout court que o presente recurso não tem – e efectivamente não tem – utilidade prática alguma uma vez que o que o arguido pretendia com este recurso era evitar ser preso o que, entretanto, já aconteceu.
Assim, e entrando, agora no mérito do recurso há a referir o seguinte:
Dos factos processuais supra elencados podemos concluir com toda a segurança jurídica que:
A sentença que condenou o arguido numa pena de prisão efectiva de um ano e seis meses transitou em julgado em 18-10-2018.
A questão sobre a (i)legalidade dos mandados de detenção e condução do arguido ao EP para cumprir a pena de prisão já se mostra resolvida uma vez que o arguido não veio recorrer da decisão que se pronunciou sobre essa validade e do recurso interposto de decisão posterior, onde tentou abordar de novo a questão, esse recurso foi rejeitado na 1ª instância e a reclamação interposta para a Relação foi indeferida.
Aliás, é o próprio arguido que no nº 5 da sua motivação do presente recurso transcreve ipsis verbis as conclusões que constam do recurso (oferecido na mesma data, 30-09-2020 com a refª 36649392) interposto da decisão de 17-09-2020, conclusões essas que abordam a mesma questão jurídica aqui focada nas conclusões III a VI, ou seja, a violação do disposto nos artºs 77º e 78º do CPP, isto é, é o próprio arguido que demonstra que este e aquele recurso têm a mesma finalidade, que é a de impugnar a exequibilidade dos mandados de detenção e condução ao EP, conforme bem notado pelo Mmº Juiz a quo no seu despacho de 12-10-2020.
Assim, tendo o recurso interposto da decisão de 17-09-2020 sido liminarmente rejeitado por a questão já ter sido decidida por despacho judicial transitado em julgado (e a consequente reclamação para a Exmª Srª Presidente da Relação sido indeferida) óbvio se torna ver que o presente recurso não pode versar o objecto daquele outro.
Em todo o caso, as questões materiais subjacentes à legalidade dos mandados de detenção e condução do arguido ao EP, também já se mostram judicialmente resolvidas pois que, quer o argumento referente à necessidade de se abrir nova audiência de julgamento para se aferir da aplicação do regime mais favorável (tratado no recurso do apenso D), quer o argumento de que é preciso fazer-se previamente o cúmulo e encontrar-se uma pena única antes do arguido poder iniciar o cumprimento de prisão (tratado no incidente de habeas corpus bem como no recurso do apenso D) se mostram já tratados a nível jurisprudencial não podendo, consequentemente, ser alvo deste recurso que ora analisamos o qual terá de se cingir à questão da legalidade tout court dos mandados de busca domiciliária e da sua conformidade constitucional.
Assim, e no que tange aos mandados de busca, olhemos a sua sede legal, contida no artº 174º do Código de Processo Penal, o qual diz o seguinte:
“1 - Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer animais, coisas ou objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista.
2 - Quando houver indícios de que os animais, as coisas ou os objetos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.
3 - As revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.
4 - O despacho previsto no número anterior tem um prazo de validade máxima de 30 dias, sob pena de nulidade.
5 - Ressalvam-se das exigências contidas no n.º 3 as revistas e as buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos:
a) De terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa;
b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; ou
c) Aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão.
6 - Nos casos referidos na alínea a) do número anterior, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação.” – sublinhado nosso
No caso em apreço o Tribunal a quo ordenou a emissão de mandados de busca domiciliária como forma de dar cumprimento aos mandados de detenção e condução do arguido ao EP em cumprimento de pena de prisão que lhe foi aplicada por decisão transitada em julgado, legalmente emitidos em momento anterior (conforme já decidido judicialmente), mandados esses que, na prática, não vieram a ser executados porquanto o arguido acabaria por ser detido na rua.
Assim, os mandados de busca mostram-se até inócuos dado que não chegaram a ser sequer executados.
Independentemente dessa realidade, verifica-se que a sua emissão mostra-se conforme com o disposto no artº 174º nº 2 do CPP, não havendo qualquer ilegalidade do despacho que ordenou a emissão dos mandados de busca domiciliária com vista a localizar o arguido, que se encontrava refugiado em casa, como forma de evitar ser detido.
Aliás, não se compreende a argumentação despendida pelo arguido no seu recurso pois que, num primeiro momento invoca a inconstitucionalidade da norma contida no artº 174º nº 2 do CPP (na 9ª conclusão do seu recurso afirma: “Neste âmbito e alcance, e para prevenir recurso de constitucionalidade, alega o Recorrente a infração à Lei Fundamental do artigo 174.º n.º 2 do CPP, em confronto com os artigos 18.º n.º 1 e 3, 27.º n.º 1 e 30.º n,º 5, todos da CRP”) para invalidar do despacho que ordenou a busca ao abrigo dessa norma mas, depois, invoca a desconformidade do despacho judicial sob escrutínio com o disposto no artº 174º nº 2 do CPP (na 10ª conclusão do seu recurso afirma: “Enfim, o despacho recorrido, salvo melhor opinião, desrespeita, pois, o artigo 174.º n.º 2 da CRP que cita…”).
Afinal o arguido entende que o artº 174º nº 2 do CPP é legal e conforme com o quadro constitucional ou não?
Ou entende que tal norma poderá ser válida ou não conforme melhor lhe aprouver no momento para impedir o efeito útil do despacho do qual recorre?
Não sendo o despacho sob escrutínio desconforme com o disposto no artº 174º nº 2 do CPP vejamos, agora, se existe alguma inconstitucionalidade.
Entende o arguido que o artº 174º nº 2 do CPP viola os preceitos constitucionais contidos nos artºs 18º nºs 1 e 3, 27º nº 1 e 30º nº 5, quando aplicado no sentido de abranger penas de prisão que não sejam líquidas e definitivas (artºs 17º e 18º da motivação).
Vejamos.
O artº 18º da Constituição da República Portuguesa (CRP), subordinado à epígrafe “força jurídica” diz o seguinte:
“1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”
Do confronto do disposto no artº 174º nº 2 do CPP com o preceito constitucional acabado de citar não se vislumbra qualquer desconformidade com o quadro constitucional.
Em primeiro lugar, sendo invocada a inconstitucionalidade de uma norma jurídica, proveniente de um órgão de soberania com competência para legislar na respectiva matéria não se vê o sentido do arguido invocar a violação do disposto no nº1 do artº 18º da CRP.
Como não se vê o sentido de se considerar que a norma contida no artº 174º nº 2 do CPP, que é uma norma geral e abstracta, não respeita o disposto no nº 3 do citado artº 18º da CRP.
O artº 27º da CRP, cuja epígrafe é “direito à liberdade e à segurança” dispõe o seguinte:
“1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.
2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
3. Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:
a) Detenção em flagrante delito;
b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;
c) Prisão, detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão;
d) Prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente;
e) Sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente;
f) Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente;
g) Detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários;
h) Internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.
4. Toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos.
5. A privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer.”
Ora, não só nada nos permite concluir que o disposto no artº 174º nº 2 do CPP tenha de impor uma prisão definitiva, sendo que a norma em causa faz referência à mera “detenção”, como a detenção em si, desde que efectuada nos termos legais, não viola a Constituição da República Portuguesa como se retira do disposto no nº 3 do citado artº 27º.
É que uma pessoa pode ser legalmente detida sem que haja aplicação de uma pena de prisão efectiva, quer porque lhe foi aplicada uma medida de coacção privativa da liberdade, quer porque foi “apanhada” em flagrante delito e há que a conduzir a autoridade judiciária, quer ainda porque se verificam os restantes condicionalismos contidos nas alíneas c) a h) do nº 3 do artº 27º.
Aliás, a busca domiciliária prevista no nº 2 do artº 174º do CPP tem uma função meramente instrumental, visando apenas, quando está em causa a detenção de pessoas físicas, localizá-las e restringi-las no respectivo espaço a fim de as poder fisicamente conter com vista a cumprir outra ordem judicial: a detenção da pessoa.
De outra forma a pessoa procurada poder-se-ia esconder para todo o sempre, furtando-se à justiça, na sua casa pois que o mandado de detenção não permitiria de per si a invasão domiciliária com vista a restringir a pessoa em causa.
Mas, no caso em apreço, até existe uma sentença condenatória com trânsito em julgado, mostrando-se, assim preenchido o nº 2 do citado artº 27º CRP.
Essa norma constitucional nada refere acerca de uma prisão líquida, no contexto de um cúmulo jurídico.
Na realidade ao arguido foi aplicada uma pena de prisão efectiva e é isso que interessa em termos constitucionais.
Se ao arguido deve depois ser efectuado um cúmulo jurídico englobando várias penas, todas elas de prisão efectiva e transitadas em julgado, é um questão que se situa no plano da ordem legislativa ordinária e cuja finalidade visa implementar o princípio vigente na nossa ordem jurídica de que as penas não se somam entre si, não devendo ser cumpridas sucessivamente, mas, antes, devem ser objecto de um juízo de valor unitário com respeito pelo tecto máximo previsto no artº 77º nº 2 do Código Penal.
Ou seja, o regime jurídico do cúmulo das penas é uma matéria que se situa na alçada do legislador ordinário, estando subtraída à ordem constitucional cuja finalidade é delimitar as acções através das quais o direito à liberdade individual de cada pessoa pode ser restringido.
A Constituição da República Portuguesa não é beliscada pelo facto do arguido poder estar a cumprir uma pena parcelar de prisão – o que, aliás, é a situação mais comum quando está em causa uma situação de conhecimento superveniente do concurso de crimes (artº 78º do CP) – quando ainda terá de lhe ser aplicada uma pena final, global, pois que não só o tempo que o arguido já tiver cumprido a nível parcelar é descontado a final cfr. artº 78º nº 1 do Código Penal, como a preocupação constitucional ínsita no artº 27º da CRP é obviar as prisões ilegais e/ou arbitrárias, isto é, a restrição da liberdade da pessoa sem qualquer fundamento legal e sem qualquer avaliação judicial prévia.
Não é o caso dos autos, pois o arguido foi condenado numa pena de prisão efectiva por decisão transitada em julgado, proferida por órgão de soberania com competência para tal, tendo o arguido tido todas as oportunidades – que usou até à exaustão – para impugnar a bondade dessa condenação.
Se o arguido deve ou não ser sujeito a novo julgamento para se fixar uma pena única de prisão, fruto de múltiplas condenações de que o arguido sofreu, é uma questão lateral que não se prende com a validade de cada uma dessas condenações em penas de prisão efectivas de serem abstractamente aplicadas.
O que se pretende evitar com o cúmulo jurídico é que um arguido seja sujeito ao cumprimento sucessivo de várias penas de prisão efectiva, porquanto esse cumprimento sucessivo pode bulir com o limite máximo de anos de prisão pelo qual a nossa ordem jurídico-penal entende ser aceitável e que se prende com a política criminal vigente em cada momento da sociedade portuguesa de que não há penas perpétuas ou ilimitadas na sua duração.
Pretende-se fazer uma censura unitária de vários comportamentos com índole penal, aplicando ao respectivo infractor, uma pena única.
Mas isso não significa, nem é lícito ao arguido retirar a ideia de que, cada pena parcelar de prisão efectiva não pode ser de imediato executada, ficando o cálculo do cúmulo para momento posterior como, aliás, é o normal na prática jurídica portuguesa.
O facto de uma pena de prisão poder ser, em cada momento, uma pena parcelar de uma pena global que ainda esteja por calcular não significa que não seja uma pena que não possa ser executada de imediato ou que esteja ilíquida e que, por esse facto, não é susceptível de imediata execução.
O arguido confunde a exequibilidade de uma pena de prisão, que só depende de uma decisão judicial transitada em julgado, com a liquidez de uma pena global.
As penas parcelares, enquanto tais, estão líquidas e são susceptíveis de serem executadas.
Até porque muitas vezes não só a prática de crimes anteriores não é de imediato conhecida, como também pode ocorrer o caso de não haver sequer lugar ao cúmulo se não forem verificados os condicionalismos previstos no artº 78º nº 2 do Código Penal.
Há penas de prisão que são cumpridas separadamente.
Sendo que o Venerando STJ, na decisão proferida em sede de habeas corpus, chamou a atenção para o facto de ainda nem sequer estar “líquida” a situação de necessidade de cúmulo pois que os autos ainda estavam a aguardar informação dos restantes processos para se aferir da aplicabilidade do disposto no artº 78º nº 2 do CP.
Assim, no caso em apreço, tendo o arguido sido condenado numa pena de prisão efectiva por sentença transitada em julgado, nos termos do disposto no artº 27º nº 2 da CRP nada obstava a que essa pena de prisão fosse executada e que, para essa execução, fossem utilizados mandados de busca domiciliária com vista a localizar e deter o arguido para cumprimento dessa pena.
Por fim diz o artº 30º da CRP, subordinado à epígrafe “limite das penas e das medidas de segurança” o seguinte:
“1. Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida.
2. Em caso de perigosidade baseada em grave anomalia psíquica, e na impossibilidade de terapêutica em meio aberto, poderão as medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade ser prorrogadas sucessivamente enquanto tal estado se mantiver, mas sempre mediante decisão judicial.
3. A responsabilidade penal é insusceptível de transmissão.
4. Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.
5. Os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respectiva execução.”
Não se vislumbra onde a redacção constante do disposto no artº 174º nº 2 do CPP, ainda que com o alcance previsto pelo arguido, possa violar o nº 5 do citado artº 30º da CRP.
Ao arguido foi aplicada uma pena de prisão de um ano e seis meses, sendo esse o limite da respectiva decisão judicial condenatória.
Se em momento posterior vier a fazer-se um cúmulo jurídico onde essa pena é englobada numa pena maior, à pena final e global é descontado o tempo de prisão entretanto já cumprido pelo arguido.
O que o artº 30º nº 5 da CRP prevê é a manutenção dos restantes direitos fundamentais do arguido que não são “arrastados” pela limitação imposta ao direito à liberdade em virtude do cárcere.
Ou seja, não é pelo facto de alguém estar a cumprir uma pena de prisão ou medida de segurança que lhe restrinja a sua liberdade (restrição essa consentida pela própria Constituição dentro dos limites aí previstos no artº 27º) que fica automaticamente afastada a protecção constitucional conferida aos restantes direitos, liberdades e garantias.
Assim, uma pessoa presa não pode ser alvo de tortura, nem objecto de humilhações, como mantém o direito à sua integridade física tendo de dar, por exemplo, o seu consentimento para a prática de qualquer acto médico ou prática clínica.
Não há assim qualquer violação da ordem constitucional quando se aplica o disposto no artº 174º nº 2 da CPP no sentido de permitir a execução de mandados de detenção e condução a EP de pessoa que tenha sido condenada em pena de prisão efectiva por sentença transitada em julgado mas que ainda aguarda a realização de eventual cúmulo jurídico.
Motivo pelo qual, não havendo qualquer ilegalidade no despacho recorrido, e muito menos inconstitucionalidade, o mesmo tem de ser confirmado, e o presente recurso indeferido in totum.
Decisão:
Em face do acima exposto, nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência, confirma-se o despacho recorrido.
Custas a cargo do arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) UC's (artºs 513º nº 1 CPP e 8º e 9º do Regulamento das Custas Processuais conjugando este com a Tabela III anexa a tal Regulamento).

Lisboa, 20 de Janeiro de 2021.
Florbela Sebastião e Silva
Alfredo Costa
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[1] Ver a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”.
[2] Embora na sua 10ª conclusão o arguido tenha escrito “CRP” afigura-se-nos tratar-se de lapso de escrita.
[3] Cfr. se refere na própria decisão sobre a reclamação.
[4] 1º Recurso de 30-09-2020 com a refª 36649392, referente ao despacho de 17-09-2020.
[5] Despacho de 26-06-2020, com a refª 487677316.
[6] O 3º recurso de 30-09-2020, com a refª 36649468, referente ao despacho de 25-09-2020 (fls. 1753 dos autos principais) e objecto dos presentes autos.
[7] O 2º recurso de 30-09-2020, com a refª 36649438 referente ao despacho de 22-09-2020.