Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUTE SABINO LOPES | ||
Descritores: | EXECUÇÃO INDEFERIMENTO LIMINAR UTILIZAÇÃO DE ESTACIONAMENTO EM ESPAÇO PÚBLICO COMPETÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/08/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | (da responsabilidade da relatora): É da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais a tramitação da ação que visa o pagamento da contrapartida devida pela utilização de estacionamento em espaço público, interposta pela entidade concessionária da exploração desse estacionamento. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO 1 Na sequência da interposição da ação executiva pela ora recorrente, o tribunal de primeira instância proferiu decisão de indeferimento liminar do requerimento executivo, com fundamento na incompetência dos tribunais comuns para a sua tramitação. 2 A apelante, inconformada, com a decisão do tribunal de primeira instância, recorreu. Concluiu as alegações, em suma, da seguinte forma: CONCLUSÕES DA APELANTE a) O tribunal a quo decidiu julgar a incompetência material do Juízo Local Cível de Ponta Delgada, para cobrança dos créditos da Exequente. b) No âmbito da sua atividade, a Exequente celebrou contrato com a Câmara Municipal de Ponta Delgada, através do qual lhe foi cedida a exploração particular de zonas de estacionamento automóvel na cidade sem cedência de quaisquer poderes de autoridade, ou de disciplina. c) Enquanto utilizador do veículo automóvel …., o Executado estacionou o mesmo em diversos Parques de Estacionamento que a Exequente explora comercialmente na cidade de Ponta Delgada, sem proceder ao pagamento do tempo de utilização, num total em dívida de € 1.447,20 que o Executado recusa pagar. d) A natureza jurídica da quantia paga pelos utentes em contrapartida da prestação do serviço de parqueamento é a de um preço e não de um encargo ou contrapartida com natureza fiscal ou tributária. e) Sendo as taxas verdadeiros tributos (Art.º 3.º, n.º 2 da LGT), que visam a satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas e sendo a receita da utilização dos parqueamentos. propriedade da Data Rede, tal contrapartida escapa, por definição, ao conceito de taxa. f) As ações intentadas pela Exequente contra os proprietários de veículos automóveis incumpridores, que não tenham procedido ao pagamento dos montantes devidos, não se inserem em prorrogativas de autoridade pública munida de ius imperii, mas sim no âmbito da responsabilidade civil contratual. g) A Recorrente ao atuar perante terceiros, não se encontra munida de poderes de entidade pública, agindo como mera entidade privada, pelo que, contrariamente ao entendimento do Tribunal “a quo”, o contrato estabelecido entre si e os automobilistas, relativo à utilização dos parqueamentos explorados, é de natureza civil, cuja violação é suscetível de fazer o utilizador incorrer em responsabilidade por incumprimento do contrato. h) A doutrina qualifica este tipo de contrato como uma relação contratual de facto - em virtude de não nascer de negócio jurídico - assente em puras atuações de facto, em que se verifica uma subordinação da situação criada pelo comportamento do utente ao regime jurídico das relações contratuais, com a eventual necessidade de algumas adaptações. i) O estacionamento remunerado, apresenta-se como uma afloracão clara da relevância das relações contratuais de facto e a relação entre o concessionário e o utente resulta de um comportamento típico de confiança. j) Comportamento de confiança, que não envolve nenhuma declaração de vontade expressa, e sim uma proposta tácita temporária de um espaço de estacionamento, mediante retribuição. k) Proposta tácita temporária da Exequente, que se transforma num verdadeiro contrato obrigacional, mediante aceitação pura e simples do automobilista, o qual, ao estacionar o seu automóvel nos parques explorados pela Exequente, concorda com os termos de utilização propostos e amplamente publicitados no local. l) O conceito de relação jurídica administrativa pode ser tomado em diversos sentidos, seja numa aceção subjetiva, objetiva, ou funcional, sendo certo que nenhuma das acessões permite englobar a presente situação. m) A DATA REDE SA., não efetua atos de fiscalização, não tendo poderes para autuar coimas ou multas por incumprimento das regras estradais, tarefa que está exclusivamente atribuída às autoridades públicas de fiscalização do espaço rodoviário da cidade. n) Nos termos do disposto no artigo 2.º do DL 146/2014 de 09 de outubro, a atividade de fiscalização incide exclusivamente na aplicação das contraordenações previstas no artigo 719 do Código da Estrada, o qual estabelece as coimas aplicáveis às infrações rodoviárias ali identificadas. o) Os montantes cobrados pela DATA REDE SA., também não consubstanciam a aplicação de quaisquer coimas, nem a empresa processa quaisquer infrações praticadas pelos utentes dos parqueamentos. p) Quaisquer infrações ou coimas que devam ser aplicadas aos automobilistas prevaricadores de regras estradais, ficam a cargo da Autarquia, sem qualquer intervenção ou conexão com a atividade da empresa concessionária. q) A Data Rede, ao contrário o que vem referido na douta sentença, nunca atuou nem quis atuar, em substituição da autarquia, munida de poderes públicos concessionados. r) Entender que os tribunais competentes são os administrativos e de entre estes os fiscais, corresponde a esvaziar de conteúdo e utilidade o Contrato de Concessão de Exploração dos Parqueamentos por retirar à concessionária o poder de reclamar judicialmente os seus créditos, em frontal violação do seu direito constitucional à tutela jurisdicional efetiva - Artigo 20.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. s) Fundamental é que a Recorrente carece de poderes de autoridade, fiscalização ou ordenação efetiva, apenas podendo registar os incumprimentos de pagamento e tentar recuperá-los judicialmente. sem acesso direto a título executivo, ou aos tribunais tributários. t) Julgar a incompetência dos tribunais comuns, para recuperar os créditos de uma entidade privada, sociedade comercial, que lhe tenham sido sonegados. em violação da relação contratual de confiança, pelos utentes, equivale a negar à Exequente o acesso à tutela jurisdicional efetiva. u) Não estando em causa a natureza pública do contrato celebrado entre a Câmara Municipal e a Data Rede SA.. não pode, contudo, este primeiro contrato, contagiar ou ser equiparado, aos posteriores contratos tacitamente celebrados entre a Data Rede e os utentes, pois tais contratos têm natureza privada, até só pela forma como os seus intervenientes atuam. v) Refira-se finalmente que, ainda que se entenda estarmos perante a prestação de serviços de natureza pública, o que apenas se concebe para mero efeito de raciocínio, as competências dos tribunais administrativos e fiscais estão hoje definidas no artigo 4..º do ETAF (Lei 13/2002, de 19 de fevereiro, aplicável nestes autos com a redação introduzida pelo DL 214-G/2015, de 2 de outubro que alterou as alíneas e) e f) do n.º 1 do Art.4.º do ETAF e posteriormente pela Lei 114/2019, de 12 de setembro, que introduziu a alínea e) ao n.º 4 do Art.º 4.º do E.T.A.F). w) Da alteração introduzida pelo DL 214-G/2015, resultou que a matéria que antes se encontrava na alínea f) do Nr.1 do Art.4.º do ETAF, passou para a alínea e) do mesmo número, mas com conteúdo muito diferente, que não alude às circunstâncias acima referidas, que antes colocavam situações como a dos autos na esfera de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais. x) Sendo certo que o contrato de utilização temporária de espaço público para estacionamento em causa nos autos, celebrado entre a empresa privada, ora apelante, e o utilizador privado, ora apelado, não é um contrato administrativo, não é um contrato celebrado nos termos da legislação sobre contratação pública, não é celebrado por pessoa coletiva de direito público, e não é celebrado por qualquer entidade adjudicante. y) Da alteração introduzida pela Lei 114/2019, por sua vez, resulta que nos termos da alínea e) do n.º 4 do Art.4º, “estão... excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva”. z) Da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 167/XIII-4, que esteve na origem da L 114/2019, consta: “A necessidade de clarificar determinados regimes, que originam inusitadas dificuldades interpretativas e conflitos de competência, aumentando a entropia e a morosidade, determinaram as alterações introduzidas no âmbito da jurisdição. aa) Da Lei dos Serviços Públicos (Lei n.º 23/96, de 26 de julho) resulta claramente que a matéria atinente à prestação e fornecimento dos serviços públicos aí elencados constitui uma relação de consumo típica, não se justificando que fossem submetidos à jurisdição administrativa e tributária; concomitantemente, fica agora clara a competência dos tribunais judiciais para a apreciação destes litígios de consumo.” bb) O serviço de estacionamento não é um dos serviços elencados no Art.º 1.º, n.º 2 da L 23/96, mas, tal como ocorre nos serviços públicos essenciais, a relação entre o prestador do serviço e o utente é uma relação de direito privado. Veja- se por tudo, o Douto Acórdão da Veneranda Relação de Lisboa de 18.12.2024. proferido no âmbito do Processo 16685/24.OYIPRT da 8ª Secção e a Douta Decisão Singular da Veneranda Relação de Lisboa de 07.02.2025 proferida no âmbito do Processo 118028/34.7YIPRT da 2.ª Secção. cc) Mal andou o tribunal “a quo” ao declarar-se incompetente em razão da matéria, motivo pelo qual foram violados, entre outros, os artigos 96.º, 97.º 99.º n.º 1, 278.º, n.º.1 al. a), 576.º, 577.º, al. a) e 578.º, do Código de Processo Civil e ainda o artigo 4.º n.º. 1, al. e) do ETAF, quer ainda o artigo 40.º da lei 62/2013 de 26 de agosto OBJETO DO RECURSO 3 O objeto do recurso é delimitado pelo requerimento recursivo, podendo ser restringido, expressa ou tacitamente pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC). O tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC). 4 À luz do exposto, o objeto deste recurso consubstancia-se em analisar e decidir se o tribunal de primeira instância julgou acertadamente ser incompetente para tramitar estes autos. FUNDAMENTOS DE FACTO 5 Para decidir, o Tribunal leva em consideração o que resulta do relatório e ainda o seguinte: · A apelante interpôs ação executiva contra o apelado, apresentando como título executivo requerimento de injunção no qual foi aposta a fórmula executória, por falta de oposição. · O requerimento de injunção visava o pagamento da quantia de € 1.447,20, acrescida de juros de mora vencidos, relativa à falta de pagamento pelo requerido, nas máquinas instaladas pela apelante em vários locais da cidade de PONTA DELGADA, dos espaços de estacionamento que utilizou para parquear a sua viatura. · Apresentado o requerimento executivo a despacho, o tribunal de primeira instância decidiu julgar o tribunal incompetente em razão da matéria e indeferir o requerimento executivo. CONHECIMENTO DO OBJETO DO RECURSO Nota prévia 6 Na análise das questões objeto de recurso, todas as referências jurisprudenciais respeitam a acórdãos publicados em www.dgsi.pt, exceto quando expressamente mencionada publicação diferente. Enquadramento legal 7 O enquadramento legal relevante a considerar na análise e solução deste caso é o seguinte: Artigo 212.º, n.º 3, da CRP 3. Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. Artigo 64.º, do Código de Processo Civil São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. Apesar do cuidado e rigor colocados no presente conteúdo, não se dispensa a consulta dos respetivos diplomas nas suas publicações oficiais. Artigo 40.º, n.º 1, da LOSJ 1 - Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. Artigo 4.º, n.º 1, al. e), do ETAF 1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes. Artigo 4.º, n.º 1, al. f), do ETAF, na versão anterior à dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2/10 f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objeto passível de ato administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspetos específicos do respetivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que atue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público. * Artigo 527º, nº 1 do Código de Processo Civil A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. Competência dos tribunais judiciais para tramitar a presente ação 8 Em nota prévia, verificamos que a execução se mostra fundada numa injunção à qual foi aposta fórmula executória. O tribunal de primeira instância analisou a questão da incompetência material para a tramitação da execução, sem expressamente aduzir que a mesma radica já, preteritamente, no processo de injunção a partir do qual se formou o título executivo e que o título que se formou no processo de injunção não se teria formado, caso tivesse sido submetido a apreciação jurisdicional, considerando a evidência da incompetência, como veremos. Nem se diga que se formou caso julgado pela aposição de fórmula executória quanto a essa questão, na medida em que a aposição de fórmula executória pelo Secretário Judicial, na sequência de falta de oposição, não tem força constitutiva de caso julgado, não precludindo a apreciação da exceção no procedimento injuntivo – ver em sentido idêntico TRL, de 15/12/2018, Pr. 2825/17.9T8LSB.L1-6. 9 De qualquer forma, a questão a decidir, à luz dos fundamentos de recurso interposto é tão só a competência dos tribunais judiciais para a tramitação de ações que visem a cobrança de valores liquidados por empresa concessionária de estacionamento, inferindo-se, dessa forma, da decisão recorrida que se questiona igualmente o título de suporte. Competência dos tribunais comuns e tribunais administrativos 10 A apelante não tem razão quanto à questão da competência dos tribunais judiciais para a tramitação desta ação. 11 Os tribunais judiciais têm competência material atribuída, não apenas pelo critério da atribuição positiva (causas que a lei reconhece serem da sua competência), como pelo critério de competência residual, ou de exclusão de partes. Isto é, também lhes cabe apreciar todas as causas que não sejam atribuídas a tribunal especial – cf. artigo 64.º do Código de Processo Civil e 40.º da LOSJ. 12 A delimitação da competência residual faz-se pela análise da atribuição de competência a outros tribunais. 13 Com fundamento constitucional (artigo 212.º, n.º 3, do Constituição da República Portuguesa), no caso da jurisdição administrativa, o fator atributivo da competência aos tribunais administrativos depende da verificação dos pressupostos vertidos no artigo 4.º, do ETAF no contexto de uma relação jurídica administrativa – cf. Acórdãos TRL nos processos 7325/20.7YIPRT.L1-7, 27/4/2021, Micaela Sousa, e 111178/21.3YIPRT.L1-2, 25-05-2023, Nelson Borges Carneiro (ambos em www.dgsi.pt). 14 A relação jurídica administrativa confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à administração, perante particulares. Nessa medida, todas as relações jurídicas em que uma organização administrativa e um particular. 15 Neste caso, o Município pretendendo regular o estacionamento na área geográfica que o abrange, em vez de o fazer de forma direta, concessionou o serviço à apelante e, por força da concessão, recebe da apelante os valores acordados. Por sua vez, esta cobra aos utilizadores do estacionamento. Como primeira conclusão, consideramos que não foi a circunstância da regulação do estacionamento ter passado a ser intermediado pela apelante que a regulação do estacionamento deixou de ser um serviço publico. Continua a sê-lo, no interesse público e do Município, ainda que desempenhado por uma entidade particular. Por isso se diz que é um serviço público concessionado por via de um contrato administrativo celebrado com uma entidade particular, a apelante. 16 No artigo 4.º, n.º 1, al. e) do ETAF estabelece-se que está abrangida na competência dos tribunais administrativos a execução de quaisquer contratos celebrados nos termos da legislação sobre a contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes – aqui se prevendo as relações jurídicas estabelecidas com concessionários e particulares. 17 Desta forma, a relação contratual que se estabelece entre a apelante e os utilizadores de estacionamento é uma relação que integra o artigo 4.º, n.º 1, al. e), do ETAF. A apelante desenvolve funções concessionadas pelo Município, que são da competência deste e que este em vez de explorar diretamente, acordou com a apelante que esta exerceria essas funções. Ao fazê-lo, investiu a apelante dos necessários poderes para cobrar pela utilização do estacionamento, pelo que a relação contratual da apelante deve considerar-se integrada no artigo 4.º, n.º 1 e) do ETAF. O interesse subjacente à exploração tem natureza pública. 18 No mesmo sentido da posição aqui defendida, citam-se os seguintes acórdãos: - TRE, Ac. de 16/12/2024, Pr. 42536/24.7YIPRT.E1; - Ac. TRL 23/1/2025, Pr. 118584/24.0YIPRT.L1-6; - Ac. TRE 30/1/2025, Pr. 42537/24.5YIPRT.E1; - Ac. TRL, 4/2/2025, Pr. 118032/24.5YIPRT.L1-7. 19 Não se alcança o argumento da apelante de que o entendimento de que os tribunais administrativos são os competentes, viola o seu direito constitucional à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa). Pois se o que está em causa é apenas uma questão de competência material para tramitar os processos em causa, não se vê como fica a apelante privada de alcançar a tutela dos seus direitos. Apenas não o poderá fazer na jurisdição dos tribunais comuns, por ser a competência exclusiva dos tribunais administrativos. 20 Aliás, a apelante nem substancia a sua posição. Conforme salienta Lopes do Rego, em Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 105, o Tribunal Constitucional tem entendido que (ênfase aditada): “incumbe ao recorrente fornecer ao tribunal uma justificação ou fundamentação mínima para a inconstitucionalidade que invoca: para além de ter necessariamente de confrontar o tribunal que irá proferir a decisão, impugnada perante o Tribunal Constitucional, com a indicação de quais são, na sua perspetiva, as normas ou princípios constitucionais violados, carece a parte de justificar, em termos inteligíveis e concludentes, a imputação de inconstitucionalidade que faz, articulando-a com um suporte argumentativo mínimo, problematizando a validade constitucional das normas questionadas com um mínimo de substanciação que permita ao tribunal saber que, antes de esgotado o seu poder jurisdicional, tem uma questão jurídico-constitucional para decidir (cfr., v.g. os Acórdãos n.ºs 269/94, 273/94, 16/06, 645/06, 708/06 e 630/08)” . 21 Na falta de uma invocação de inconstitucionalidade minimamente substanciada, não vemos como conhecer da inconstitucionalidade aflorada. 22 Em nota final, diremos que a posição aqui defendida era também a da jurisprudência, relativamente à versão do artigo 4.º do ETAF antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2/10 que, na então al. f) estabelecia, embora com redação diferente, mas com semelhante âmbito de aplicação, a competência dos tribunais administrativos. 23 Dessa jurisprudência salientamos a posição do tribunal de conflitos que, no recurso no âmbito do processo n.º 5/10-70, em que foi recorrente a agora também recorrente, tomou posição clara sobre a questão, em Acórdão de 6 de Junho de 2010, concluindo da seguinte forma: Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, declarando-se competente para conhecer da matéria objeto da ação intentada pela recorrente os tribunais da jurisdição administrativa. 24 No mesmo sentido, e ainda relativamente à mesma recorrente, se pronunciaram então, pelo menos, ainda o Tribunal de Conflitos, no Ac. de 2/3/2011, Pr. 024/10, o STJ, no Ac. de 12/10/2010, Pr. 1984/09.9TBPDL.L1.S1 e o TRL, no Ac. de 20/10/2009, Pr. 6149/08.4YIPRT.L1-7. 25 Importa ainda considerar que no Pr. 09703/13, a ora apelante invocou precisamente o Ac. acima referido do tribunal de conflitos, para fundamentar e pedir que fosse reconhecida a competência dos tribunais administrativos, num comportamento processual contraditório com a posição que aqui defende e que então igualmente defendia. 26 Em conclusão, à luz do que ficou exposto, e pelos fundamentos aduzidos nas decisões citadas, consideramos, sem necessidade de fundamentos adicionais, que deve ser mantida a decisão do tribunal de primeira instância. Custas 27 Nos termos do artigo 527.º, do Código de Processo Civil, a apelante deverá suportar as custas (na modalidade de custas de parte), porque vencida, face à decisão proferida na presente apelação. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pela apelante. O presente acórdão mostra-se assinado e certificado eletronicamente. Lisboa, 8 de abril de 2025 Rute Lopes José Capacete Luís Lameiras |