Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6776/23.0T8LSB-A.L1-4
Relator: SUSANA SILVEIRA
Descritores: SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
DESPEDIMENTO POR EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
COMPENSAÇÃO
DEVOLUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Dos preceitos que regulam o procedimento cautelar de suspensão de despedimento e a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que se lhe associa decorre que ambas as acções devem considerar-se intentadas ao mesmo tempo.
II. A lei não faz derivar da propositura do procedimento cautelar de suspensão do despedimento e da acção de impugnação que se lhe associa o efeito de ilisão da presunção de aceitação do despedimento nos casos em que, aquando daquela propositura, o trabalhador não haja ainda recebido do empregador a compensação pelo despedimento por os efeitos deste último terem sido diferidos, por força do aviso prévio, para momento ulterior.
III. Naqueles casos, a impossibilidade inicial de devolução da compensação não tem a virtualidade de se estender para toda e qualquer fase do processo, daí que o trabalhador tenha que a devolver ou colocar à disposição do empregador logo que a receba.
IV. Não é susceptível de ilidir a presunção de aceitação do despedimento a conduta do trabalhador que, não obstante não tivesse ainda recebido a compensação pela extinção do posto de trabalho aquando da propositura do procedimento cautelar de despedimento, vem a recebê-la no seu decurso, apenas a devolvendo ao cabo de cerca de seis meses.
V. Um procedimento de impugnação de despedimento encetado antes do recebimento da compensação impõe ao trabalhador cautela redobrada, pois que, à luz da jurisprudência uniformizada, não beneficia, em ordem à devolução da compensação que, entretanto, receba, do prazo mais lato da acção, posto que a já intentou.
(sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. AA propôs acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento1, sob a forma do Processo Especial, contra a “Delegação Económica e Comercial de Macau”.
2. No âmbito do procedimento cautelar a que foi apensa a presente acção, não se logrou a conciliação das partes, tendo a entidade empregadora sido notificada para apresentar o articulado motivador do despedimento e os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades legais.
Concluiu a entidade empregadora pela improcedência da acção com fundamentos em três essenciais premissas: (i) ter-se por verificada a excepção peremptória de aceitação do despedimento por parte do trabalhador, presumida pela falta da restituição da compensação recebida; (ii) não se verificar nenhum dos fundamentos de ilicitude do despedimento previstos no artigo 381.º, do Código do Trabalho; e (iii) terem sido cumpridas as formalidades exigidas no artigo 384.º, do Código do Trabalho, e verificados os requisitos de que depende a licitude do despedimento do trabalhador por extinção do respectivo posto de trabalho.
3. O trabalhador contestou, alegando, em síntese, que: (i) a entidade empregadora apenas pagou a totalidade dos créditos laborais devidos, bem como a compensação legal pela suposta extinção do seu posto de trabalho, tudo num total de € 3.758,26 (três mil, setecentos e cinquenta e oito euros e vinte e seis cêntimos), em 08.09.2023, isto é, muito depois da instauração dos presentes autos e, curiosamente, um dia útil imediatamente antes da audiência final da providência cautelar, agendada e realizada no dia 11.09.2023; (ii) só aquando da notificação do articulado motivador, por meio do qual a empregadora invocou a presente exceção, tomou conhecimento de que havia recebido esse montante, sendo que aquela não o notificou de que havia realizado essa transferência, sendo que já procedeu à sua devolução; (iii) ao invocar a dita excepção, a entidade empregadora age em abuso de direito e litiga de má-fé; (iv) a entidade empregadora não concretizou os reais motivos da necessidade da extinção do posto de trabalho, apresentando argumentos genéricos, e nem indicou os critérios para seleção dos trabalhadores a despedir.
Conclui o trabalhador no sentido da procedência da acção, devendo, por conseguinte, ser a entidade empregadora condenada na sua reintegração no seu posto de trabalho e, bem assim, no pagamento das retribuições que deixou de auferir, em concreto, retribuição base, proporcionais de férias, subsídio de férias, subsídio de Natal, e subsídio de refeição, desde a data de cessação do contrato de trabalho – 28.04.2023 – até trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida nos presentes autos.
Em reconvenção, peticionou o trabalhador a condenação da entidade empregadora no pagamento da quantia de € 5.000,00, a título de danos de natureza não patrimonial.
4. A entidade empregadora respondeu à contestação do trabalhador, pugnando, a final, pela improcedência do pedido reconvencional por aquele formulado.
Mais requereu a condenação do trabalhador como litigante de má-fé.
5. A Mm.ª Juiz a quo, considerando conterem os autos todos os elementos que a habilitavam a conhecer do mérito da causa, maxime, da excepção da aceitação do despedimento por via do pagamento e recebimento da compensação devida pela extinção do posto de trabalho do trabalhador, proferiu sentença cujo dispositivo é o seguinte:
«Por todo o exposto, o Tribunal julga a excepção de aceitação do despedimento procedente, e nessa medida absolve a R. do pedido».
6. O trabalhador, irresignado com o assim decidido, interpôs recurso para esta Relação.
Apresentou as suas alegações, rematando-as com a seguinte síntese conclusiva:
«A. O presente Recurso é interposto da Decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a “exceção de aceitação do despedimento”.
B. A sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de nulidade e erro no julgamento da matéria de facto, porquanto, por um lado, é ambígua e obscura, e, por outro, não considerou assentes ou provados factos alegados pelas partes e não controvertidos, com prova documental não impugnada, ou, ainda, factos que o Tribunal a quo tinha (e tem) a obrigação de conhecer por força do exercício das suas funções, todos absolutamente essenciais à boa decisão da causa, os quais, se considerados assentes ou provados (como deveriam ter sido), obrigariam a uma decisão manifestamente contrária à que foi proferida face ao Direito aplicável e jurisprudência preconizada.
C. O Tribunal a quo não indica, na sentença sindicada, os meios de prova que lhe permitiram considerar assentes a maioria desses factos não enunciando, ainda que sumariamente, as razões ou os motivos substanciais que relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador para a sua consideração ou desconsideração, impossibilitando, por isso, ao Autor, aqui Apelante, aferir o raciocínio que esteve subjacente à sua convicção, desde logo, a razão da ciência que o levou a considerar assentes alguns factos em detrimento de outros tão ou mais essenciais, alegados e não controvertidos ou do seu conhecimento oficioso.
D. Um desses factos, é que a presente ação se iniciou com um procedimento cautelar de suspensão do despedimento por extinção do posto de trabalho, em 13 de março de 2023, o qual veio a ser julgado procedente, por decisão datada de 10 de outubro de 2023, ambos do conhecimento do Tribunal a quo, mas que não consta dos factos assentes.
E. Tendo o Tribunal a quo considerado assente que a Ré pagou ao Autor a compensação legal pela cessação do seu contrato por extinção de posto de trabalho em 28 de abril de 2023 [vide alíneas g) e h) da sentença – no que não se concede, cfr. Conclusão vertida em H)], teria forçosamente de concluir que o Autor, à data da instauração da presente ação – recorde-se em 13.03.2023 – não podia devolver o que ainda não tinha recebido.
F. Não há comportamento que evidencie de forma mais expressa, inequívoca e cabal a não aceitação de um despedimento e, por conseguinte, capaz de ilidir, sem qualquer dúvida, a presunção da aceitação a que alude o n.º 5 do referido artigo 366.º, que a instauração de uma ação judicial pelo trabalhador despedido por meio da qual requer a suspensão do seu despedimento e o impugna simultaneamente, ainda antes de ter recebido a respetiva compensação legal devida.
G. Neste contexto, refira-se o recente Acórdão o Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2024, de 17.04.2024, proferido no âmbito do processo n.º 474/21.6T8MTS.P1.S1, que fixou a jurisprudência nos seguintes termos: “para que possa ser ilidida a presunção de aceitação do despedimento constante do n.º 4 do artigo 366.º do Código do Trabalho (Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, com as alterações que, entretanto, lhe foram introduzidas) a totalidade da compensação recebida pelo trabalhador deverá ser devolvida por este até à instauração do respetivo procedimento cautelar ou ação de impugnação do despedimento, sendo esse o significado da expressão ‘em simultâneo’ constante do n.º 5 do mencionado artigo 366.º”
H. Acresce que a Ré reconhece(u) expressamente, no artigo 22.º da sua Réplica (o que foi desconsiderado pelo Tribunal a quo), que “o pagamento da totalidade da compensação e outros créditos laborais apenas se concretizou no dia 8 de setembro de 2023”, o que tem de ser considerado.
I. Na esteira do citado Acórdão do STJ, o Autor teria, no limite, até à impugnação do despedimento por extinção do posto de trabalho, que deve ocorrer consabidamente no prazo de 60 dias, para devolver a compensação à Ré.
J. É certo que a ação de impugnação já se encontrava pendente, mas, ainda assim, será de considerar, para efeitos de interpretação do conceito “em simultâneo”, neste caso concreto, os 60 dias previstos para a impugnação do despedimento referido pelo STJ.
K. Ora, o Autor devolveu a totalidade da compensação à Ré (e não apenas parte dela como refere o Tribunal a quo), no montante de € 1.380,72, em 27.10.2023, isto é, precisamente “37 dias depois de a ter recebido”, conforme reconhecido na sentença em sindicância, logo dentro daquele prazo de 60 dias, pelo que, também por aqui, não existe fundamento para não se considerar ilidida a presunção a que se referem os n.ºs 4 e 5 do artigo 366.º do CT.
L. Ademais, o Tribunal a quo refere que “os pagamentos feitos em setembro (a fls. 103) eram ainda acertos de contas do anterior contrato que o A. dispunha, e que foi julgado como contrato sem termo, eram relativos aos pagamentos dos salários intercalares devidos, assim como os valores ainda em dívida pelo contrato a termo que constam do recibo de abril de 2023”.
M. Contudo, não resulta dos autos, a não ser do alegado pela Ré (e impugnado expressamente pelo Autor), que os montantes pagos em 08.09.2023 respeitavam a acerto de contas.
N. O Autor, por indicação do Tribunal a quo, esclareceu, no seu último requerimento, que desconhecia a que acertos diziam respeito o montante recebido em 08.09.2023, porque disso não foi de todo informado ou enquadrado pela Ré.
O. A este propósito, importa referir que, mal andou o Tribunal a quo, quando refere expressamente, na primeira folha da sentença, que “pediu esclarecimentos sobre os pagamentos efetuados e ambas as partes se pronunciaram”, quando tal facto não corresponde à verdade. Basta para o efeito consultar o despacho (referência 434769144) que ordenou às partes a prestação de esclarecimentos, bem como os requerimentos subsequentes que foram submetidos aos autos para, rapidamente, se concluir que apenas o Autor respondeu ao ordenado pelo Tribunal.
P. Mais, não pode o Tribunal a quo afirmar, como fez na sentença, que a compensação legal foi paga no dia 28.04.2024, somente porque no recibo de vencimento de abril de 2023 consta uma rubrica de COMP. TERMO CONTRATO, quando, aqui sim como resulta dos autos, se pode concluir que a Ré fez mais do que um pagamento ao Autor após a cessação do seu contrato de trabalho, curiosamente um dia antes da audiência de partes – 08.09.2023 – a título, alegadamente, de acerto de contas.
Q. Estes são alguns dos exemplos entre todos os outros descritos no presente Recurso dos factos que deveriam ter sido considerados assentes ou provados ou desconsiderados, pelo Tribunal a quo, e que não foram e que, por essa razão, determinou uma decisão cuja justiça carece de ser reposta».
Conclui o recorrente no sentido de dever ser «dado provimento ao Recurso (…) e, em consequência, ser declarada nula a sentença proferida pelo Tribunal a quo com fundamento nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ex vi do artigo 1.º, a) do CPT com as necessárias consequências e, caso assim não se entenda, ser alterada a matéria de facto considerada assente ou provada nos termos descritos no presente Recurso, em virtude de erro de julgamento da matéria de facto pelo Tribunal a quo com as necessárias consequências».
7. A entidade empregadora contra-alegou, pugnando, a final, pela improcedência do recurso apresentado pelo trabalhador.
8. O recurso foi admitido por despacho datado de 20 de Setembro de 2024.
9. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de não dever ser concedido provimento ao recurso.
10. Ouvidas as partes, pronunciou-se o recorrente quanto ao Parecer do Ministério Público.
11. Cumprido o disposto na primeira parte do n.º 2 do art.º 657.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art.º 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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II. Objecto do Recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – art.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art.º 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho –, são as seguintes as questões suscitadas: (i) da nulidade da sentença por padecer de ambiguidade ou obscuridade (art.º 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil); (ii) da nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil); (iii) da falta de fundamentação dos factos dados como provados; (iv) da violação das regras do direito probatório material por, do elenco dos factos provados, não constarem os que resultam provados por documento, por acordo das partes e factos que o tribunal a quo tinha o dever de conhecer pelo exercício das suas funções; (v) da presunção de aceitação do despedimento por extinção do posto de trabalho e a devolução da compensação.
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III. Das Nulidades da Sentença
1. Nas suas alegações de recurso e, bem assim, nas respectivas conclusões, aduz o recorrente padecer a sentença recorrida de nulidade (…) porquanto (…) é ambígua e obscura» (cfr., a alínea B), das conclusões da alegação de recurso que se traduzem na mera repetição do alegado no corpo das alegações).
A final, conclui o recorrente pela procedência do recurso interposto, devendo «ser declarada nula a sentença proferida pelo Tribunal a quo com fundamento nas alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC (…)».
2. O art.º 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, estatui, no que ora releva, que:
«1 – É nula a sentença quando:
(…)
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento.
(…)».
Incumbe ao julgador, sem dúvida, o dever de fundamentar a decisão (arts. 154.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil) já que daí deriva a garantia do controlo sobre a sua legalidade, do mesmo passo que só assim se assegura o exercício esclarecido do contraditório. A fundamentação da decisão deverá ser clara, suficiente, congruente e imune a interpretações dúbias, habilitando o destinatário à compreensão do seu teor e razão de ser.
Do mesmo passo, incumbe também ao julgador conhecer de todas as questões que lhe foram submetidas pelas partes, com excepção das que porventura resultem prejudicadas pela solução conferida a outras, e não pode senão ocupar-se das questões temáticas centrais, integrantes do thema decidendum, constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e excepções.
Se o julgador está adstrito aos apontados deveres, idêntico ónus deverá exigir-se às partes no que respeita à enunciação das questões cujo conhecimento pedem ao tribunal, enunciação essa que, naturalmente, não se satisfaz com a mera enumeração de preceitos ou recurso a expressões contidas na lei, antes devendo ser explicitadas e densificadas de modo inteligível, claro e congruente de molde a que sobre elas o tribunal possa tomar posição esclarecida.
3. No presente caso, e como deixámos já exposto, o recorrente entende padecer a decisão recorrida dos vícios que deixou enunciados. Assim o entende, contudo, com base nas únicas expressões que também se deixaram transcritas, não curando por enunciar que parte ou partes da decisão se revelam obscuras ou ambíguas e que, por isso, o impossibilitaram de a(s) compreender, do mesmo passo que também não diz que questões não foram conhecidas e o deveriam ter sido e que questões foram conhecidas e não o poderiam ter sido. Isto é, o recorrente apela apenas a conceitos inscritos na lei e alude aleatoriamente a preceitos, sem curar de densificar os fundamentos aptos à subsunção nas realidades por aqueles pressupostos.
E se assim é, como se nos afigura ser, não pode este tribunal dedicar-se ao conhecimento de questões cuja densificação desconhece, na medida em que inapreensíveis no contexto da alegação e das conclusões do recurso, já que não sabe que parte ou partes da decisão recorrida são ambíguas ou obscuras, também não alcançando em que é que se traduzem as invocadas omissão ou excesso de pronúncia.
Em derradeiro termo dir-se-á, não obstante o exposto, que, cotejada a decisão recorrida, não se vislumbra, de todo, que padeça de qualquer um dos apontados vícios, sendo clara, concisa e congruente nos seus termos, apreensível quanto aos seus fundamentos – claramente percepcionados pelo recorrente, como deflui das suas alegações –, tendo dedicado expressa pronúncia a questão suscitada por uma das partes e que, em função da solução que lhe foi dada, determinou que o conhecimento das demais questões resultasse prejudicado.
Improcedem, pois, as invocadas nulidades da decisão recorrida, sendo que a eventual omissão, no elenco dos factos provados, de factos que a parte reputa relevantes para a boa decisão da causa não se inscreve, manifestamente, em nenhum dos vícios invocados, mas antes no erro de julgamento da matéria de facto, a apreciar no quadro do disposto no art.º 662.º, do Código de Processo Civil.
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IV. Fundamentação de Facto
1. O recorrente, não colocando em causa os factos dados como provados, aduz que a «sentença sindicada» não indica «os meios de prova que lhe permitiram considerar assentes a maioria desses factos não enunciando, ainda que sumariamente, as razões ou os motivos substanciais que relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador para a sua consideração ou desconsideração, impossibilitando, por isso, ao Autor, aqui Apelante, aferir o raciocínio que esteve subjacente à sua convicção, desde logo, a razão da ciência que o levou a considerar assentes alguns factos em detrimento de outros tão ou mais essenciais, alegados e não controvertidos ou do seu conhecimento oficioso».
1.1. O vício na fundamentação da matéria de facto tem enquadramento no disposto no art.º 662.º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Civil, estando a previsão ali contida vocacionada para a insuficiente ou omissa fundamentação da decisão de facto reportada a factualidade essencial para o julgamento da causa.
O vício em questão colide com o dever geral de fundamentação de qualquer decisão, dever esse de particular significância na fundamentação de facto por ser por esta via que o julgador exprime a sua convicção em função da prova produzida, apreciando-a criticamente e explicitando a maior ou menor valia que entendeu ser de conceder aos meios de prova, permitindo, por essa via, não apenas a facilitação do reexame da causa em caso de recurso, mas, de sobremaneira, a transparência do processo decisório.
1.2. No caso em apreço, não teve lugar, como decorre do relatório que antecede, a fase da instrução, propriamente dita, com produção de prova em sede de audiência de julgamento.
A Mm.ª Juiz a quo, no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art.º 595.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, entendeu que o estado do processo lhe consentia, em fase de despacho saneador, conhecer da matéria de excepção invocada pela entidade empregadora e, assim procedendo, a solução que lhe conferiu importou que ficassem prejudicadas as demais questões que se suscitavam nos autos.
Em ordem a decidir a matéria exceptiva, a Mm.ª Juiz a quo convocou os factos que, no seu ver, eram os relevantes, assim os enunciado em momento prévio ao conhecimento do direito.
E, quanto aos factos que elegeu para decidir o direito, teve a Mm.ª Juiz a quo o cuidado de indicar os meios de prova em que se fundamentaram e que, no caso, não sendo particularmente complexos, se traduziram no acordo das partes, aferido em função da posição que cada uma assumiu nos seus articulados, bem como na prova documental oferecida e que, sempre que relevante, a Mm.ª Juiz a quo fez constar no facto respectivo.
Não pode, pois, o recorrente imputar à decisão recorrida o vício da falta de fundamentação quando a verdade é que naquela peça estão explícitos e são apreensíveis os meios de prova dos quais se socorreu a Mm.ª julgadora para alcançar a sua decisão de facto.
Sendo este um juízo global, sustentado na análise da decisão e da fundamentação de facto, não vislumbra este tribunal, com todo o respeito, qual o raciocínio que, subjacente à decisão da Mm.ª Juiz a quo, o recorrente não aferiu ou se viu impossibilitado de aferir, cumprindo salientar, aliás, que a forma genérica por via do qual sustenta, neste conspecto, a sua posição sequer habilita este tribunal a compreender a que factos ou grupo de factos se refere.
Improcede, pelo exposto e nesta vertente, o recurso.
2. O recorrente, nas suas alegações de recurso, defende que ao elenco dos factos provados deverão ser aditados outros que, no seu entendimento e por se revelarem imprescindíveis à boa decisão da causa, se mostram aceites por acordo das partes ou provados por documentos.
São eles os seguintes (consignando-se que deles se eliminarão os que já constam do elenco dos factos provados na redacção que a eles foi emprestada, bem como os meios de prova em que assentam):
«a)
A Requerida, Delegação Económica e Comercial de Macau, em Lisboa (adiante também designada como “DECM”), é um serviço de representação e apoio da Região Administrativa Especial de Macau (adiante “RAEM”) em Portugal, que funciona na direta dependência do Chefe do Executivo da RAEM.
(…)
b)
Depois do seu anterior posto de trabalho no então denominado Centro de Promoção e Informação Turística de Macau em Portugal (“CPITMP”) ter sido extinto, por ordem do Governo da RAEM e do Requerente ter sido devidamente indemnizado, nos termos legalmente determinados,
(…)
c)
foi o Autor admitido ao serviço da Ré no dia 1 de setembro de 2021, para desempenhar funções na área administrativa e de gestão de biblioteca nas instalações da DECM, com a categoria profissional de Assistente Técnico Administrativo, conforme “Contrato de Trabalho a Termo Certo” outorgado entre ambos.
(…)
No dia 6 de março de 2023, data da sua reintegração na Ré, esta entregou ao Autor uma carta a comunicar a extinção do respetivo posto de trabalho de Assistente Técnico Administrativo, com funções na área administrativa e de gestão de biblioteca, com efeitos a partir de 5 de abril de 2023, e cujo teor a seguir se transcreve:
“Assunto: Comunicação de extinção de posto de trabalho
Face às necessidades operacionais da Delegação Económica e Comercial de Macau em Lisboa (doravante “DECM”) e na sequência das instruções do Sr. Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, no decorrer do ano de 2022, a DECM teve necessidade de proceder à reestruturação algumas das valências e dos seus departamentos internos, como aliás acreditamos já ter sido transmitido a V. Exa. No contexto do processo judicial laboral interposto por V. Exa contra a DECM.
Na sequência dessa reestruturação, a DECM deixou de contar, entre outros, com a biblioteca que era precisamente a unidade à qual V. Exa. Se encontrava adstrito, nos termos do contrato de trabalho outorgado entre V. Exa. E a DECM, datado de 1 de setembro de 2021.
Daí que, tendo em conta, que por decisão da tutela, foi promovido o encerramento da valência para a qual V. Exa. Havia sido contratado, nos termos acima referidos e tendo em conta os critérios legalmente fixados para o efeito, designadamente o facto de V. Exa. Ser, entre outros, o trabalhador com menor antiguidade na DECM, vê-se a DECM obrigada a comunicar a V. Exa. a extinção do seu posto de trabalho de Assistente Técnico Administrativo, com funções na área administrativa e de gestão de biblioteca, para efeitos do disposto no artigo 369.º do Código do Trabalho, com efeitos a partir do dia 5 de abril de 2023.
Não obstante a presente comunicação só produzir efeitos a partir da supra referida data, a DECM comunica-lhe ainda, que V. Exa. Se encontra desde já desobrigado de comparecer ao seu posto de trabalho durante o período que dista entre a presente comunicação e a supra referida data em que esta comunicação produzirá efeitos, sem prejuízo dos respetivos direitos laborais de V. Exa.
Mais se comunica a V. Exa. que nos termos do legalmente imposto à DECM, o pagamento da compensação, dos créditos laborais vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho será efetuado em breve pelos respetivos serviços da DECM e sempre até ao termo do prazo de aviso prévio acima referido.
Com os melhores cumprimentos,
(…)
i)
Da referida carta resulta expressamente que “o pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigidos por efeito da cessação do contrato de trabalho será efetuado em breve pelos respetivos serviços da DECM e sempre até ao termo do prazo de aviso prévio acima referido, isto é, até 05.04.2023.
(…)
j)
No dia 13 de março de 2023, o Autor instaurou procedimento cautelar de suspensão do despedimento, do qual os presentes autos constituem apenso A.
(…)
k)
Em 28 de março de 2023, a Ré envia segunda comunicação ao Autor de despedimento por extinção do posto de trabalho com efeitos a partir de 28 de abril de 2024, cujo teor a seguir se transcreve:
“Assunto: Comunicação da decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho”
No seguimento da comunicação que lhe foi entregue no dia 6 de Março de 2023, vimos por este meio, nos termos do disposto no artigo 371.º, n.º 3 do Código Trabalho, comunicar-lhe a decisão final da Delegação Económica e Comercial de Macau, em Lisboa (doravante “DECM”), do despedimento de V. Exa., com fundamento na extinção do posto de trabalho.
Conforme informado na última comunicação, sendo já do seu conhecimento, a DECM, na sequência das instruções do Sr. Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, procedeu a uma reorganização interna no decorrer do ano de 2022.
Na sequência dessa reorganização, a DECM deixou de possuir, entre outros, com a biblioteca que era precisamente a unidade à qual V. Exa. Se encontrava adstrito, nos termos do contrato de trabalho outorgado entre V. Exa. E a DECM, datado de 1 de setembro de 2021.
Daí que, tendo em conta, que por decisão da tutela, foi promovido o encerramento da valência para a qual V. Exa. Havia sido contratado.
Ora, os requisitos de que depende o despedimento por extinção de posto de trabalho encontram-se reunidos, porquanto:
- O motivo invocado (supra) não foi devido a nenhuma conduta culposa da DECM ou de V. Exa.;
- É impossível a subsistência da relação de trabalho, uma vez que a biblioteca já deixou de existir;
- Não existem, na DECM, contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho de V. Exa.;
- Não é aplicável o despedimento coletivo por V. Exa. ser o único trabalhador abrangido pelo presente procedimento;
Por outro lado, não obstante existir na DECM uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico ao de V. Exa., tendo em conta os critérios legalmente fixados para o efeito nos termos do artigo 368.º, n.º 2, designadamente o facto de V. Exa. ser, entre outros, o trabalhador com menor antiguidade na DECM, ser o trabalhador com menor experiência profissional na respetiva função, somos a informar V. Exa. da extinção do seu posto de trabalho de Assistente Técnico Administrativo, com funções na área administrativa e de gestão da biblioteca, para efeitos do disposto nos artigos 369.º e ss. do Código do Trabalho, com efeitos a partir do dia 28 de abril de 2023.
Mais se comunica a V. Exa. que nos termos do legalmente imposto à DECM, o pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho, no montante total de € 7.079,82 (sete mil e setenta e nove euros e oitenta e dois cêntimos), será efetuado até ao termo do prazo de aviso prévio acima referido.
Com os melhores cumprimentos,
(…)
l)
É, nesta carta segunda carta de despedimento, datada de 28.03.2023, que a Ré menciona que “o pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho, no montante total de € 7.079,82 (sete mil e setenta e nove euros e oitenta e dois cêntimos), será efetuado até ao termo do prazo de aviso prévio acima referido”, isto é, 28.04.2023.
(…)
m)
Por decisão datada de 10 de outubro de 2023 (referência 429009361), a providência cautelar indicada em j) foi julgada totalmente procedente.
(…)
“O pagamento da totalidade da compensação e outros créditos laborais apenas se concretizou no dia 8 de setembro de 2023”».
2.1. Em termos gerais e no exercício dos poderes-deveres de reapreciação da decisão de facto impugnada, a Relação tem autonomia decisória: não se circunscreve a sua actuação à verificação da existência de erro notório por parte do tribunal a quo, antes lhe competindo a reapreciação do julgado sobre os pontos que hajam sido impugnados, tudo com vista a formar a sua própria convicção em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir.
De entre os poderes que, no referido âmbito, competem à Relação insere-se o previsto no art.º 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, donde decorre que lhe caberá, oficiosamente ou a impulso do recorrente, reapreciar a decisão de facto advinda do tribunal a quo, sempre que, no confronto da adequada aplicação das regras vinculativas do direito probatório material, se imponha a sua modificação, com respeito, todavia, pelo objecto e efeito útil para o recurso interposto e, bem assim, o eventual caso julgado parcelar2 3.
O efeito útil para o recurso tem por significado o interesse ou a pertinência dos factos a relevar para efeitos da sua apreciação de direito, de sorte que, por apelo aos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, «o Tribunal ad quem não deva reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil (arts. 2º, n.º 1 e 130º, ambos do C.P.C.)»4
2.2. Previamente à apreciação de cada um dos factos que o recorrente entende que devem passar a integrar o elenco dos factos provados, será útil relembrar que a decisão recorrida se debruçou, tão-somente, sobre a matéria de excepção invocada pela recorrida, tendo eleito os factos que, a respeito, considerou serem os idóneos e pertinentes ao seu conhecimento. E tendo concluído pela procedência da excepção invocada e pela daí decorrente improcedência dos pedidos formulados pelo trabalhador, ora recorrente, naturalmente que não coligiu quaisquer outros factos, ainda que porventura pudessem eles estar provados por acordo ou por documento, na medida em que deles nenhuma utilidade resultaria.
Do que ora vem de ser dito decorre que para a apreciação da questão suscitada pelo recorrente não poderá este tribunal, face à substância da matéria de direito a apreciar, ponderar outros factos que não os que estritamente relevem para o seu conhecimento, sendo de desconsiderar quaisquer outros que, na economia do objecto do thema decidendum, a ele apenas se associem remotamente, no contexto de uma relação laboral cujas demais vicissitudes não cumpre apreciar ou decidir nesta sede recursória.
Por outro lado, é também necessário notar que o recorrente, nas conclusões da alegação de recurso, e com excepção do que consta da alínea D), não enumera os factos que devem, também, ser dados como provados com vista à boa decisão da causa. Na verdade, pese embora à Relação incumba, por via dos poderes oficiosos que lhe são atribuídos pela lei, suprir eventuais insuficiências da matéria de facto quando da denominada prova vinculada resultem factos relevantes para a boa decisão da causa, nem por isso a parte está desonerada, quando tanto alegue, de, nas conclusões da alegação de recurso, identificar justamente todos os factos que, no seu ver e por apelo àquela prova, entende que estão também provados. Assim não procedeu o recorrente, acolhendo esses factos e os meios probatórios que os sustentam no corpo das suas alegações, apenas fazendo constar das conclusões de recurso o que, como dito, resulta da respectiva alínea D).
Sem prejuízo do exposto, não deixará este tribunal de se debruçar justamente quanto a todos os factos, na medida em que tanto não só consubstancia um seu poder dever – visto traduzir-se no apelo às regras do direito probatório material – mas também porque deve dar-se primazia, neste âmbito, à substância em detrimento da forma, salientando-se, ainda, que, nas suas conclusões e ainda que genericamente, o recorrente acaba por mencionar esta realidade.
Vejamos pois.
2.3. O recorrente pretende que aos factos provados sejam aditados os seguintes (que, por uma questão de sistematização se enunciarão em pontos distintos).
2.3.1. «A Requerida, Delegação Económica e Comercial de Macau, em Lisboa (adiante também designada como “DECM”), é um serviço de representação e apoio da Região Administrativa Especial de Macau (adiante “RAEM”) em Portugal, que funciona na direta dependência do Chefe do Executivo da RAEM» e que o «seu anterior posto de trabalho no então denominado Centro de Promoção e Informação Turística de Macau em Portugal (“CPITMP”)» foi extinto «por ordem do Governo da RAEM» e que foi, então, «devidamente indemnizado, nos termos legalmente determinados».
Os factos, tal como transcritos, não assumem, no contexto do presente recurso, qualquer relevância para a sua boa decisão, sendo indiferente, para aferir da presunção de aceitação do despedimento e seus pressupostos, saber qual a natureza jurídica da recorrida e o seu modo de funcionamento, do mesmo passo que é indiferente a pretérita relação jurídica havida entre o recorrente e o então denominado Centro de Promoção e Informação Turística de Macau em Portugal.
Nesta medida e ainda que os factos em apreço possam resultar, como afirma o recorrente, do acordo das partes, não se tratam eles de factos essenciais ou com utilidade para boa decisão da causa, pressuposto essencial do qual dependia a sua inserção na matéria de facto provada, daí que, nesta parte, improceda a pretensão do recorrente.
2.3.2. Subsequentemente, pretende o recorrente que passe a constar dos factos provados ter sido «admitido ao serviço da Ré no dia 1 de setembro de 2021, para desempenhar funções na área administrativa e de gestão de biblioteca nas instalações da DECM, com a categoria profissional de Assistente Técnico Administrativo, conforme “Contrato de Trabalho a Termo Certo” outorgado entre ambos».
Na decisão recorrida consta que o recorrido trabalhou por conta e sob a direcção da recorrida [facto provado constante da alínea a)], mais dela constando as vicissitudes entretanto ocorridas com tal vínculo que culminaram, no que ora releva, com a sua reintegração ao seu serviço (alíneas b) a d), dos factos provados, cuja redacção e relevância não foi sindicada).
Não sendo controvertido que entre as partes existiu uma relação laboral, o que não deixou de se consignar nos factos provados, concede-se, por uma questão de maior rigor e aproximação à realidade subjacente, que a data do seu início, o modelo contratual eleito e as funções que nele foram acolhidas e acometidas ao recorrente deverão constar dos factos provados.
Nesta conformidade, ao facto que constava da alínea a), dos Factos Provados, dar-se-á a seguinte redacção, com base no documento, não impugnado, junto aos autos a fls. 53-56:
- Por via do convénio outorgado no dia 1 de Setembro de 2021, que as partes denominaram “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, o trabalhador foi admitido, naquela mesma data, ao serviço da entidade empregadora para prestar funções na área administrativa e de gestão de biblioteca, com a categoria profissional de Assistente Técnico Administrativo.
2.3.3. Pretende, também, o recorrente que as duas missivas que lhe foram entregues pela recorrida – referentes ao procedimento por extinção do posto de trabalho – sejam transcritas nos factos provados.
A segunda das missivas consta das alíneas f) e g), dos factos provados, sendo o seu teor ali dado por reproduzido.
A primeira das missivas não consta do elenco dos factos provados, embora tenha sido com base no seu teor que o recorrente intentou o procedimento cautelar a que os presentes autos estão apensos.
Ora, atendendo a que o procedimento por extinção do posto de trabalho é eminentemente um procedimento escrito, formal, por via do qual se anunciam medidas com directa influência na relação jurídica das partes, não repugna ao tribunal que esse iter procedimental fique explicitado nos pontos assentes, na medida em que estruturante da causa de pedir e cujos termos poderão ter influência ou relevar do ponto de vista do direito.
Por outro lado e por uma questão de clareza, todo o escrito deverá ser reproduzido no elenco dos factos provados, ao invés da opção para a remissão para documentos que, no contexto em apreço, representam, em rigor, o essencial da factualidade a apreciar. Pela mesma razão, só o escrito constará dos factos e não a contextualização que dele é feita, seja pela parte, seja a que já constava dos factos provados.
Finalmente e quanto ao primeiro dos documentos entregues, consigna-se que se enunciará a respectiva data, sendo indiferente, do ponto de vista do iter procedimental ou do objecto do recurso, saber se tanto coincidiu ou não com a data em que foi operada a reintegração do recorrente na sequência de pretérita acção judicial que promoveu contra a recorrida.
Adita-se, pois, aos factos assentes o seguinte, com base no documento de fls. 94 e 94v., dos autos, não impugnado:
- Datada de 6 de Março de 2023, a entidade empregadora entregou ao trabalhador, que a recebeu na mesma data, missiva cujo teor é o seguinte:
«Assunto: Comunicação de extinção de posto de trabalho
Face às necessidades operacionais da Delegação Económica e Comercial de Macau em Lisboa (doravante “DECM”) e na sequência das instruções do Sr. Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, no decorrer do ano de 2022, a DECM teve necessidade de proceder à reestruturação algumas das valências e dos seus departamentos internos, como aliás acreditamos já ter sido transmitido a V. Exa. No contexto do processo judicial laboral interposto por V. Exa contra a DECM.
Na sequência dessa reestruturação, a DECM deixou de contar, entre outros, com a biblioteca que era precisamente a unidade à qual V. Exa. Se encontrava adstrito, nos termos do contrato de trabalho outorgado entre V. Exa. E a DECM, datado de 1 de setembro de 2021.
Daí que, tendo em conta, que por decisão da tutela, foi promovido o encerramento da valência para a qual V. Exa. havia sido contratado, nos termos acima referidos e tendo em conta os critérios legalmente fixados para o efeito, designadamente o facto de V. Exa. ser, entre outros, o trabalhador com menor antiguidade na DECM, vê-se a DECM obrigada a comunicar a V. Exa. a extinção do seu posto de trabalho de Assistente Técnico Administrativo, com funções na área administrativa e de gestão de biblioteca, para efeitos do disposto no artigo 369.º do Código do Trabalho, com efeitos a partir do dia 5 de abril de 2023.
Não obstante a presente comunicação só produzir efeitos a partir da supra referida data, a DECM comunica-lhe ainda, que V. Exa. se encontra desde já desobrigado de comparecer ao seu posto de trabalho durante o período que dista entre a presente comunicação e a supra referida data em que esta comunicação produzirá efeitos, sem prejuízo dos respetivos direitos laborais de V. Exa.
Mais se comunica a V. Exa. que nos termos do legalmente imposto à DECM, o pagamento da compensação, dos créditos laborais vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho será efetuado em breve pelos respetivos serviços da DECM e sempre até ao termo do prazo de aviso prévio acima referido».
Também os factos que já estavam assentes sob as alíneas f) e g), cuja prova assenta no documento de fls. 87 e 87v., dos autos, não impugnado, passarão a um único facto, com a seguinte redacção:
- Datada de 28 de Março de 2023, a entidade empregadora entregou ao trabalhador missiva, recebida por este na mesma data, sendo o seguinte o seu teor:
«Assunto: Comunicação da decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho”
No seguimento da comunicação que lhe foi entregue no dia 6 de Março de 2023, vimos por este meio, nos termos do disposto no artigo 371.º, n.º 3 do Código Trabalho, comunicar-lhe a decisão final da Delegação Económica e Comercial de Macau, em Lisboa (doravante “DECM”), do despedimento de V. Exa., com fundamento na extinção do posto de trabalho.
Conforme informado na última comunicação, sendo já do seu conhecimento, a DECM, na sequência das instruções do Sr. Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, procedeu a uma reorganização interna no decorrer do ano de 2022.
Na sequência dessa reorganização, a DECM deixou de possuir, entre outros, com a biblioteca que era precisamente a unidade à qual V. Exa. Se encontrava adstrito, nos termos do contrato de trabalho outorgado entre V. Exa. e a DECM, datado de 1 de setembro de 2021.
Daí que, tendo em conta, que por decisão da tutela, foi promovido o encerramento da valência para a qual V. Exa. havia sido contratado.
Ora, os requisitos de que depende o despedimento por extinção de posto de trabalho encontram-se reunidos, porquanto:
- O motivo invocado (supra) não foi devido a nenhuma conduta culposa da DECM ou de V. Exa.;
- É impossível a subsistência da relação de trabalho, uma vez que a biblioteca já deixou de existir;
- Não existem, na DECM, contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho de V. Exa.;
- Não é aplicável o despedimento coletivo por V. Exa. ser o único trabalhador abrangido pelo presente procedimento;
Por outro lado, não obstante existir na DECM uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico ao de V. Exa., tendo em conta os critérios legalmente fixados para o efeito nos termos do artigo 368.º, n.º 2, designadamente o facto de V. Exa. ser, entre outros, o trabalhador com menor antiguidade na DECM, ser o trabalhador com menor experiência profissional na respetiva função, somos a informar V. Exa. da extinção do seu posto de trabalho de Assistente Técnico Administrativo, com funções na área administrativa e de gestão da biblioteca, para efeitos do disposto nos artigos 369.º e ss. do Código do Trabalho, com efeitos a partir do dia 28 de abril de 2023.
Mais se comunica a V. Exa. que nos termos do legalmente imposto à DECM, o pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho, no montante total de € 7.079,82 (sete mil e setenta e nove euros e oitenta e dois cêntimos), será efetuado até ao termo do prazo de aviso prévio acima referido».
2.3.4. Pretende, depois, o recorrente que, com base na confissão operada pela recorrida no artigo 22.º, da réplica, se dê como provado que «o pagamento da totalidade da compensação e outros créditos laborais apenas se concretizou no dia 8 de setembro de 2023».
O assim alegado pela recorrida, sendo uma evidência constar do seu articulado de réplica, não pode, contudo, como o recorrente não pode desconhecer, ser descontextualizado do que, anteriormente, é pela parte alegado na mesma peça processual. E o que ali se diz é o seguinte:
«19.
A Ré vem esclarecer que o montante de 3.758,26 (três mil, setecentos e cinquenta e oito euros e vinte e seis cêntimos), correspondente ao crédito vencido, que se integra nos salários intercalares de Abril de 2022 a Fevereiro de 2023, a que o Autor tem direito na sequência da sentença proferida no processo 10901/22.0T8LSB – o que não se confunde com a compensação da extinção do posto de trabalho.
20.
O não pagamento do referido montante de imediato deveu-se à insuficiência de fundos que a Ré tinha na altura - no início de março de 2023, estando a mesma à espera da transferência do Governo do RAEM.
21.
Nessa sequência, foi acordado entre o Autor e a Ré que o referido montante seria pago quando a Ré recebeu o fundo para o efeito, o que não sucedeu pela falha interna da Ré.
22.
Por conseguinte, o pagamento da totalidade da compensação e outros créditos laborais apenas se concretizou no dia 8 de setembro 2023».
Face, pois, ao teor da réplica da recorrida não pode este tribunal anuir na retirada cirúrgica de apenas um dos artigos daquela peça, sem a sua contextualização, que, como se nos afigura evidente, não está vocacionada à realidade cujo objecto é sugerido pelo recorrente.
A recorrida, embora, de forma infeliz, concede-se, aluda a uma compensação no artigo 22.º, da réplica, está, como se nos afigura linear e claro, a referir-se aos créditos descritos no artigo 19.º, da mesma peça, e não à compensação pela extinção do posto de trabalho. Mais, assentes estando o valor que, com a cessação do contrato, a recorrida anunciou ao recorrente pagar e a data do seu pagamento, aliado ao valor correspondente ao da compensação – € 1.380,72 –, exactamente o mesmo que o recorrente devolveu, não se alcança que mais, da totalidade da compensação, estaria por liquidar em 8 de Setembro de 2023. Não se alcança e o recorrente também não o diz.
O facto em apreço, na medida em que não decorre de qualquer confissão e está, aliás, face à sua contextualização, endereçado a outra tipologia de factos, não constará do elenco dos factos provados, improcedendo, nesta medida, o recurso.
2.3.5. Por fim, requer o recorrente que a propositura do procedimento cautelar de suspensão do despedimento que promoveu, tendente a suspender o despedimento originado pela extinção do posto de trabalho desencadeado pela recorrida, e, bem assim, o seu resultado, sejam transpostos para os factos provados.
Sem embargo de a tramitação de uma acção, sobretudo quando a presente lhe surge, por imposição do disposto no art.º 36.º-A, al. c), do Código de Processo do Trabalho, na sua dependência, poder ser atendida no contexto da apreciação do tribunal, por resultar do próprio processo globalmente considerado, não repugna ao tribunal, por uma questão de clareza e também porque, no objecto do recurso, o momento da propositura do procedimento cautelar assume relevância, que o primeiro facto sugerido pelo recorrente conste do elenco dos factos provados.
O mesmo não será de dizer do resultado desse procedimento que, neste conspecto, é irrelevante por força da relação de instrumentalidade do procedimento cautelar com referência à, na verdade, acção principal, tanto mais que as questões ali discutidas sequer se confundem com o que veio a ser decidido nesta última.
Assim, apenas procede, nesta parte, o recurso do recorrente, sendo que, no elenco dos factos provados passará a constar o seguinte:
- No dia 13 de Março de 2023, o trabalhador instaurou procedimento cautelar de suspensão do despedimento a que a presente acção está apensa.
3. São, pois, os seguintes os Factos Materiais relevantes para a boa decisão da causa (resultantes dos que já constavam da decisão do tribunal a quo e, também, do decidido sob os pontos IV.2., sem prejuízo da harmonização de terminologia que se nos afigura importante introduzir, mas que não tem qualquer repercussão no sentido dos factos):
1. Por via do convénio outorgado no dia 1 de Setembro de 2021, que as partes denominaram “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, o trabalhador foi admitido, naquela mesma data, ao serviço da entidade empregadora para prestar funções na área administrativa e de gestão de biblioteca, com a categoria profissional de Assistente Técnico Administrativo. (facto alterado por via do decidido em IV.2.3.2).
2. No dia 17 de fevereiro de 2022, a entidade empregadora comunicou a caducidade do contrato a termo do trabalhador.
3. O trabalhador reagiu judicialmente contra tal decisão e pugnou pelo facto de se tratar de um contrato sem termo e pediu a sua reintegração.
4. Por decisão judicial transitada em julgado, o trabalhador foi reintegrado na entidade empregadora e considerado o seu vínculo como sendo sem termo.
5. A mesma decisão determinou o pagamento das retribuições, férias e subsídio de férias e de natal desde 30/3/2022 até ao transito em julgado da decisão.
6. Datada de 6 de Março de 2023, a entidade empregadora entregou ao trabalhador, que a recebeu na mesma data, missiva cujo teor é o seguinte:
«Assunto: Comunicação de extinção de posto de trabalho
Face às necessidades operacionais da Delegação Económica e Comercial de Macau em Lisboa (doravante “DECM”) e na sequência das instruções do Sr. Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, no decorrer do ano de 2022, a DECM teve necessidade de proceder à reestruturação algumas das valências e dos seus departamentos internos, como aliás acreditamos já ter sido transmitido a V. Exa. No contexto do processo judicial laboral interposto por V. Exa contra a DECM.
Na sequência dessa reestruturação, a DECM deixou de contar, entre outros, com a biblioteca que era precisamente a unidade à qual V. Exa. Se encontrava adstrito, nos termos do contrato de trabalho outorgado entre V. Exa. E a DECM, datado de 1 de setembro de 2021.
Daí que, tendo em conta, que por decisão da tutela, foi promovido o encerramento da valência para a qual V. Exa. havia sido contratado, nos termos acima referidos e tendo em conta os critérios legalmente fixados para o efeito, designadamente o facto de V. Exa. ser, entre outros, o trabalhador com menor antiguidade na DECM, vê-se a DECM obrigada a comunicar a V. Exa. a extinção do seu posto de trabalho de Assistente Técnico Administrativo, com funções na área administrativa e de gestão de biblioteca, para efeitos do disposto no artigo 369.º do Código do Trabalho, com efeitos a partir do dia 5 de abril de 2023.
Não obstante a presente comunicação só produzir efeitos a partir da supra referida data, a DECM comunica-lhe ainda, que V. Exa. se encontra desde já desobrigado de comparecer ao seu posto de trabalho durante o período que dista entre a presente comunicação e a supra referida data em que esta comunicação produzirá efeitos, sem prejuízo dos respetivos direitos laborais de V. Exa.
Mais se comunica a V. Exa. que nos termos do legalmente imposto à DECM, o pagamento da compensação, dos créditos laborais vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho será efetuado em breve pelos respetivos serviços da DECM e sempre até ao termo do prazo de aviso prévio acima referido». (facto aditado por força do decidido em IV.2.3.3.).
7. Datada de 28 de Março de 2023, a entidade empregadora entregou ao trabalhador missiva, recebida por este na mesma data, sendo o seguinte o seu teor:
«Assunto: Comunicação da decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho”
No seguimento da comunicação que lhe foi entregue no dia 6 de Março de 2023, vimos por este meio, nos termos do disposto no artigo 371.º, n.º 3 do Código Trabalho, comunicar-lhe a decisão final da Delegação Económica e Comercial de Macau, em Lisboa (doravante “DECM”), do despedimento de V. Exa., com fundamento na extinção do posto de trabalho.
Conforme informado na última comunicação, sendo já do seu conhecimento, a DECM, na sequência das instruções do Sr. Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, procedeu a uma reorganização interna no decorrer do ano de 2022.
Na sequência dessa reorganização, a DECM deixou de possuir, entre outros, com a biblioteca que era precisamente a unidade à qual V. Exa. Se encontrava adstrito, nos termos do contrato de trabalho outorgado entre V. Exa. e a DECM, datado de 1 de setembro de 2021.
Daí que, tendo em conta, que por decisão da tutela, foi promovido o encerramento da valência para a qual V. Exa. havia sido contratado.
Ora, os requisitos de que depende o despedimento por extinção de posto de trabalho encontram-se reunidos, porquanto:
- O motivo invocado (supra) não foi devido a nenhuma conduta culposa da DECM ou de V. Exa.;
- É impossível a subsistência da relação de trabalho, uma vez que a biblioteca já deixou de existir;
- Não existem, na DECM, contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho de V. Exa.;
- Não é aplicável o despedimento coletivo por V. Exa. ser o único trabalhador abrangido pelo presente procedimento;
Por outro lado, não obstante existir na DECM uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico ao de V. Exa., tendo em conta os critérios legalmente fixados para o efeito nos termos do artigo 368.º, n.º 2, designadamente o facto de V. Exa. ser, entre outros, o trabalhador com menor antiguidade na DECM, ser o trabalhador com menor experiência profissional na respetiva função, somos a informar V. Exa. da extinção do seu posto de trabalho de Assistente Técnico Administrativo, com funções na área administrativa e de gestão da biblioteca, para efeitos do disposto nos artigos 369.º e ss. do Código do Trabalho, com efeitos a partir do dia 28 de abril de 2023.
Mais se comunica a V. Exa. que nos termos do legalmente imposto à DECM, o pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho, no montante total de € 7.079,82 (sete mil e setenta e nove euros e oitenta e dois cêntimos), será efetuado até ao termo do prazo de aviso prévio acima referido». (facto alterado por via do decidido em IV.2.3.3.).
8. No dia 28/4/2023 foi feita a transferência do valor de € 7.079,82 para a conta do trabalhador, com a descrição cessação do contrato de trabalho.
9. No recibo de abril de 2023 do trabalhador, é efetuado um pagamento de retribuições, subsídios e de uma rúbrica designada COMP. TERMO CONTRATO no valor de € 1.380,72.
10. Com data de 8/9/2023, foi pago ao trabalhador, pela entidade empregadora, o valor de € 3.758,26 com a descrição acerto de contas.
11. No dia 27/10/2023, o trabalhador procede à transferência para a entidade empregadora da quantia de € 1.380,72.
12. No dia 13 de Março de 2023, o trabalhador instaurou procedimento cautelar de suspensão do despedimento a que a presente acção está apensa. (facto aditado pelo decidido em IV.2.5.)
*
V. Fundamentação de Direito
1. O procedimento de despedimento por extinção do posto de trabalho promovido pela recorrida produziu os seus efeitos, com a decisão de despedimento, no dia 28 de Abril de 2023, daí que para o conhecimento da questão que do recurso é objecto sejam convocáveis a normas que regem essa tipologia de despedimento, previstas nos artigos 367.º a 372.º e 381.º e 384.º, do Código do Trabalho de 20095, em especial o art.º 366.º, por remissão do art.º 372.º.
2. Nos termos do disposto no art.º 366.º, n.º 4, aplicável ex vi do disposto no art.º 372.º, «[p]resume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo».
Por sua vez, o n.º 5, do mesmo preceito legal, determina que «[a]presunção referida no número anterior pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último».
No âmbito da LCCT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, entendia-se que o art.º 23.º, n.º 3, consagrava uma presunção inilidível: o recebimento da compensação correspondia, sem mais, à aceitação do despedimento. No entanto, tal presunção veio a ser abolida com a entrada em vigor da Lei n.º 32/99, de 18 de Maio, que eliminou o referido normativo.
Com o Código do Trabalho de 2003, veio a restabelecer-se a presunção legal da aceitação do despedimento, conforme emergia do disposto no art.º 401.º, n.º 4, pese embora agora sujeita ao regime ínsito no art.º 350.º, n.º 2, do Código Civil, nos termos do qual «[a]s presunções legais podem, todavia, ser ilidias mediante prova em contrário (…)»
O Código do Trabalho de 2009 manteve a presunção de aceitação do despedimento com o recebimento da compensação, mas estabeleceu, como dito, que a mesma apenas poderá ser ilidida conquanto, em simultâneo, o trabalhador entregue ou coloque, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade da compensação pecuniária recebida, a significar que, em 2009, o legislador quis consagrar a forma de ilisão da presunção, inovando, assim, no que respeita ao regime que vinha do pretérito. Decorre, assim, do actual regime legal, de forma clara e inequívoca, que a ilisão da presunção de aceitação do despedimento exige a devolução ou a colocação à disposição da entidade empregadora do montante da compensação recebida6.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Dezembro de 20107, o legislador revela-se particularmente hostil ao acto do recebimento da compensação pelo trabalhador quando este, não obstante esse recebimento, ainda pretenda questionar o despedimento de que foi alvo e inviabiliza, na prática, qualquer reacção do trabalhador que conserve em seu poder a compensação recebida, não devendo olvidar-se que subjacente à opção legislativa está uma verdadeira proibição de venire contra factum proprium8.
Em qualquer das questões que envolvam a disponibilização da compensação, o comportamento das partes tem relevantes efeitos substantivos e a sua análise deve fazer-se, pois, à luz do princípio da boa-fé.
A este respeito, ponderou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Abril de 20139 que «[e]sta disponibilização também exige boa fé por parte do trabalhador que, caso não aceite o despedimento, deverá devolvê-la ou colocá-la à disposição do empregador, de imediato, ou logo que da mesma tenha conhecimento, inibindo-se da prática de quaisquer actos que possam ser demonstrativos do apossamento do quantitativo que lhe foi disponibilizado.
Na verdade, conforme decorre do artigo 119.º, n.º 1 do Código de Trabalho de 2003, o “empregador e o trabalhador, no cumprimento das respectivas obrigações, assim como no exercício dos correspondentes direitos, devem proceder de boa fé”.
A retenção da compensação por parte do trabalhador quando não concorde com o despedimento colectivo de que é objecto seria manifestamente contrária ao princípio da boa fé, decorrente daquela norma como princípio geral.
Na verdade, a disponibilização da compensação não visa antecipar o pagamento de quaisquer indemnizações a que o trabalhador se sinta com direito decorrente de uma eventual ilicitude do despedimento, ou resolver os problemas sociais derivados do despedimento, conforme acima se referiu, não conferindo o sistema jurídico qualquer direito sobre esse quantitativo ao trabalhador despedido que pretenda impugnar o despedimento e não concorde com o mesmo.
A devolução do quantitativo disponibilizado surge, assim, como um imperativo decorrente do princípio da boa fé nas relações entre as partes na relação de trabalho, sendo a respectiva retenção ilícita, nos casos em que o trabalhador não concorde com o despedimento».
A introdução, na lei, da expressão em simultâneo foi, desde então, foco de muita atenção doutrinária e jurisprudencial, avultando, na análise das questões que a propósito foram sendo colocadas à apreciação dos tribunais, evidente tomada de posição em função de cada caso concreto, porque a vida e a realidade são diversas e nem sempre a solução jurídica conferida a um caso é capaz, face às especificidades de outro, ser aplicável de igual modo ou com idêntica linearidade.
Sem prejuízo, foi possível perscrutar, de entre as decisões que conheceram da dita questão, um traço a todas comum: a da necessidade da devolução, pelo trabalhador, da compensação no mais curto espaço de tempo, podendo ser este até incompatível ou desassociado do prazo de impugnação do despedimento. No fundo, a prontidão da devolução da compensação recebida – em simultâneo, refere o mencionado art.º 366.º, n.º 5 – reporta-se à indisponibilidade da quantia em causa, significando o inverso a aceitação do despedimento, pois não seria curial que o trabalhador pudesse dela dispôr»10.
Tal como, a propósito, se explicitava no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de Julho de 201511, «(…) a devolução da compensação (entrega ou colocação à disposição do empregador) necessária àquela ilisão deve verificar-se de imediato ou num prazo curto e que não permita dúvidas quanto à vontade do trabalhador no sentido da não integração das quantias pecuniárias pagas na sua disponibilidade patrimonial. Não sufragamos a tese de que a expressão ‘em simultâneo’ constante do n.º 5 do artigo 366.º afaste totalmente a hipótese de uma devolução posterior ao próprio momento em que a compensação é recebida. Particularmente quando o pagamento se realiza por transferência bancária, não é geralmente exequível uma tal devolução imediata.
Mas também não se nos afigura coerente com o regime traçado, lançar mão do prazo de 60 dias que a lei concede para instaurar a competente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento – artigo 387.º, n.º 2 do Código do Trabalho –, prazo este que foi estabelecido com uma finalidade diversa e que, pela sua dilação, dificilmente se coadunaria com a exigência de simultaneidade expressa no artigo 366.º, n.º 5 do Código do Trabalho e dificilmente corresponderia ao objectivo de rápida estabilização que esteve na base da previsão da referenciada presunção».
O Supremo Tribunal de Justiça, porém, em muito recente Acórdão, veio uniformizar Jurisprudência no seguinte sentido:
«Para que possa ser ilidida a presunção de aceitação do despedimento constante do n.º 4 do artigo 366.º do Código do Trabalho (Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, com as alterações que, entretanto, lhe foram introduzidas) a totalidade da compensação recebida pelo trabalhador deverá ser devolvida por este até à instauração do respetivo procedimento cautelar ou ação de impugnação do despedimento, sendo esse o significado da expressão ‘em simultâneo’ constante do n.º 5 do mencionado artigo 366.º»12.
Considerou-se, em ordem a um tal juízo, que «deverão ser os prazos para a instauração do procedimento ou da ação a servir de limite para a restituição da compensação, de forma ao trabalhador poder dispor do tempo necessário para se aconselhar e ponderar se pretende ou não impugnar o despedimento, situação sempre impactante na sua vida e de difícil gestão, não se justificando qualquer redução nesse período»13.
3. Na decisão sob recurso não se antevê alusão ao citado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência o que porventura terá sido ditado pela circunstância de, à data da sua prolação, não ter aquele ainda sido publicado em Diário da República.
A Mm.ª Juiz a quo delineou o seu juízo decisório com base na seguinte argumentação:
«[O] que resulta inequívoco é que a presente ação não tem a virtude de constituir rejeição do despedimento ou modo de ilidir a presunção da sua aceitação.
Invoca o A. que apenas tomou conhecimento do depósito feito tardiamente mais tarde.
Mas não lhe assiste razão.
Por vários motivos.
Desde logo, o A. olvida que teve uma relação laboral que foi declarada por decisão judicial como sendo de contrato sem termo e nessa medida condenada a R. a pagar os salários intercalares desde 31 de março de 2022 até trânsito em julgado.
E foi isso que a R. fez no “acerto de contas”. Em rigor o A. nem cuidou de ler a sua decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho, nem ler a descrição dos pagamentos que recebeu.
O valor que a decisão de extinção do posto de trabalho referiu como sendo o da compensação pela extinção do posto de trabalho era de €7.079,82 e a decisão referia que iria ser pago até 28/4/2023.
E efetivamente nessa data foi pago, com essa exata descrição, cfr. fls. 88.
Os pagamentos feitos em setembro (a fls. 103) eram ainda os acertos de contas do anterior contrato que o A. dispunha, e que foi julgado como contrato sem termo, eram relativos aos pagamentos dos salários intercalares devidos, assim como os valores ainda em dívida pelo contrato a termo que constam do recibo de abril de 2023.
Por outro lado, o A. nunca cuida de ver a sua conta bancária. Não estranha o pagamento de €7.079,82, o exato valor que a decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho refere ser o valor da compensação a pagar, nem cuida de proceder a essa devolução.
Mas atenta no valor de €1.380,72 como estando no recibo de vencimento de abril de 2023 do A., descrito como COMP. TERMO CONTRATO.
Agora note-se. O recibo de vencimento tinha ins[cr]isto[s] determinados valores, que ascendem a €4.491,04 e que o A. nunca afirma que não foram pagos nessa altura. Tratam-se de créditos laborais e não de compensação pelo despedimento. Porém mesmo que fosse uma compensação crucial seria que o A. devolvesse nessa altura esse valor de €1.380,72. Mas só o faz a 27/10/2023, ou seja, seis meses depois.
Por fim, o que se trata é de algum bom senso na ótica da razoabilidade da diligência do homem médio. Pois alguém que foi despedido, quer-se insurgir contra o despedimento e sabe que existem trâmites e prazos a observar ainda assim não se inibe consultar o seu saldo bancário e emitir uma ordem de pagamento de devolução de tal quantia?! E existe diligência nesta conduta? Cremos que não. Mesmo que a compensação só tivesse sido paga em setembro e incluída no acerto de contas (que como vimos não está) então o A. só a devolveria um mês e 19 dias depois sem cuidar de atentar no facto de ter recebido valores quando corre termos uma ação judicial de impugnação de despedimento?!
O A. impugna um despedimento por extinção do posto de trabalho, em setembro de 2023, é notificado do articulado motivador do despedimento em 10/10/2023 e só 17 dias depois, ao ler a exceção deduzida veio depositar a compensação. E para tanto alega que só tomou conhecimento desse deposito com esse articulado.
Salvo o devido respeito, mesmo que assim fosse, cabia-lhe estar atento pois sabe que existem prazos curtos para proceder à devolução da compensação.
O A. foi, pois, despedido por carta de 28[/]3/2023, a produzir efeitos em 28/4/2023. Nessa data de 28/4/2023 foi depositado o valor de compensação mencionado na carta. E o A. só devolve a quantia que leu no seu recibo de abril de 2023 (e que nunca diz não ter sido paga nessa altura) ter entendido como sendo a compensação, apesar de saber que tinha outros valores por receber resultantes da outra ação judicial que intentou.
O tempo com que agiu na devolução da compensação – de 28 de abril de 2023 a 27/10/2023, em que devolveu apenas parte da mesma - excederam claramente o limite de diligência mediano exigível ao trabalhador para ilidir a presunção devolvendo a quantia da compensação em causa.
E nem mesmo quando o A. preenche o formulário para impugnar o despedimento procede à devolução da compensação. Quando comparece na audiência de partes também não, só o fazendo vários dias depois, e vários dias depois de receber a notificação do articulado motivador onde tal exceção é levantada.
Andou mal o A.. Ou agiu sem a diligência que lhe era exigível, ou desconhecia a obrigação legal de proceder “em simultâneo” (leia-se, de imediato, no mais curto espaço de tempo possível) à devolução de tais valores.
Não existiu qualquer circunstância exterior à sua vontade que o impedisse de o fazer (como seria o caso de porventura tal valor ser penhorado e não ter meios de o devolver).
Em suma, ao devolver a compensação que tinha recebido por força do despedimento por extinção do posto de trabalho, quando tomou conhecimento desse recebimento em momento muito anterior (abril de 2023), ou disso tinha obrigação de conhecer, e sabendo com um mês de antecedência, quando receber a carta de despedimento que a dita quantia que a mesma iria ser creditada e numa conta onde sempre foi a conta onde recebeu o valor do seu vencimento mensal, o A. agiu sem a diligência necessária para ilidir a presunção do art.º 366º nº 5 do CT, tendo-se pois por aceite o despedimento».
4. Visto o juízo decisório alcançado na 1.ª instância, não se antevê razão válida para o alterar, posto que assente nos factos provados e no direito que lhes é aplicável, cumprindo salientar que o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, a que apela o recorrente nas suas alegações, de modo algum acomoda a sua pretensão.
É evidente que à data da propositura do procedimento cautelar o recorrente não poderia devolver o que ainda não tinha recebido. É uma evidência, visto o procedimento cautelar ter sido ajuizado em 13 de Março de 2023 e o valor da compensação e dos créditos vencidos e exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho, no montante total de € 7.079,82, apenas ter sido pago em 28 de Abril de 2023.
Mas é esta realidade que se associa à tipologia de despedimento em presença: por um lado, considerando o aviso prévio a conceder ao trabalhador em função da sua antiguidade, os efeitos do despedimento são diferidos para um momento posterior ao da respectiva comunicação, podendo a compensação, os créditos vencidos e os exigíveis por efeito da cessação ser pagos até ao termo do prazo de aviso prévio (art.º 363.º); por outro, estando o trabalhador impelido a, querendo suspender o despedimento por via cautelar, intentar a respectiva acção no curto prazo de cinco dias úteis (art.º 386.º) – prazo inferior a qualquer uma das durações dos avisos prévios previstos na lei – naturalmente que, nessa data e a menos que a empregadora haja antecipado os pagamentos para data anterior ao termo do aviso prévio –, nada terá para devolver porquanto também ainda nada recebeu.
O circunstancialismo exposto não tem, contudo, a virtualidade de dispensar o trabalhador de proceder à devolução da compensação, na suposição que a impugnação do despedimento, seja por via cautelar, seja por via da propositura da acção, são já evidência suficiente da sua inconformação com o despedimento que foi objecto. Ao invés e com todo o respeito, um procedimento de impugnação de despedimento encetado antes do recebimento da compensação impõe ao trabalhador cautela redobrada, pois que, à luz da jurisprudência uniformizada, não beneficia, em ordem à devolução da compensação que, entretanto, receba, do prazo mais lato da acção, posto que a já intentou.
Na verdade, não pode ignorar-se o que, do ponto de vista processual, decorre da interdependência entre o procedimento cautelar de suspensão de despedimento e a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que se lhe associa. No fundo e bem visto o que resulta da lei adjectiva, as acções – o procedimento cautelar e a acção – devem considerar-se intentadas ao mesmo tempo, caso contrário não se exigiria ao trabalhador a declaração a que alude o art.º 34.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho, não se dispensava, nesse caso, a entrega do formulário (art.º 98.º-C, do Código de Processo do Trabalho), e não se praticavam no procedimento cautelar actos típicos da acção, por assim dizer, principal (arts. 36.º, n.º 4, e 98.º-F, n.º 3, ambos do Código de Processo do Trabalho), sendo o que decorre do art.º 36.º-A, do Código de Processo do Trabalho, um claro desvio – em benefício do trabalhador – ao que, por regra, sucede nos demais procedimentos cautelares, nos quais o requerente não está, não obstante a propositura do procedimento cautelar, desonerado da obrigação da propositura da acção principal.
Desta feita, instaurado o procedimento cautelar e, por via da interdependência deste com a acção principal, também a instauração desta última, o recorrente teria que devolver a compensação – cujo valor e data lhe foram anunciadas na decisão de despedimento – num curtíssimo espaço de tempo o que, como vimos, não sucedeu, sendo indiferente, pois, que o procedimento ou a acção estivessem já a correr os seus termos, posto que a lei não faz derivar de nenhum deles o efeito de ilisão da presunção de aceitação do despedimento. A impossibilidade – real – a que o recorrente faz apelo aquando da instauração do procedimento cautelar não tem a virtualidade de se estender para toda e qualquer fase do processo, desonerando-o da devolução da compensação que entretanto lhe haja sido paga ou possibilitando a devolução no momento e data que bem lhe aprouver.
Ao recorrente foi paga, como decorre dos factos provados, a quantia de € 7.079,82 em 28 de Abril de 2023, quantia essa que, na sua comunicação, a recorrente refere ser a correspondente à compensação e aos créditos vencidos e exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho. Aliás, a recorrida repete-o aquando da oposição ao procedimento cautelar, apresentada em 10 de Setembro de 2023, e esse facto foi feito constar na respectiva sentença prolatada em 10 de Outubro de 2023.
Na presença de múltiplos actos por via dos quais foi dado a conhecer ao recorrente o valor que, por força da extinção do posto de trabalho, lhe seria e foi pago pela recorrida, se apenas em 27 de Outubro de 2023 procede à sua devolução não há como isentar de efeitos o seu comportamento, não sendo de todo de relevar o agora aduzido argumento traduzido no desconhecimento dos títulos a que, em dois momentos, lhe foram, pela recorrida, pagas quantias. Na verdade, não só os € 7.079,82 correspondem ao que lhe foi anunciado pela empregadora como sendo o valor da compensação a que teria direito e demais créditos, como também não colhe, face ao resultado do demais por si alegado em sede recursória, o argumento que só em Setembro de 2023 lhe foi paga a totalidade da compensação. Ainda que porventura tamanha indecisão reinasse no seu espírito, o certo é que nem num curto espaço de tempo após Abril de 2023 e nem num curso espaço de tempo após 8 de Setembro de 2023, o recorrente devolve o que quer que seja, apenas assim procedendo após a notificação do articulado motivador do despedimento (datado este de 10 de Outubro de 2023), não tendo alegado e, por conseguinte, provado, qualquer ocorrência excludente de, durante tanto tempo, não ter podido devolver o que lhe fora pago.
A ficção de qual se socorre o recorrente nas suas alegações – a de os 60 dias apenas se deverem contar a partir de 8 de Setembro de 2023 – parte de duas premissas insusceptíveis de acolhimento: uma, por via do soçobrar, nessa parte, do recurso em sede de matéria de facto; a outra, por tudo quanto se expôs a propósito da interdependência entre o procedimento cautelar e a acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento que inviabiliza a transposição do raciocínio exposto no Acórdão Uniformizador para o quadro da presente acção.
Finalmente, as considerações tecidas na decisão recorrida assentam nos factos provados, considerados na sua globalidade, na relação temporal que deles deriva e na apreciação que deles retirou o tribunal a quo. A alocação dos pagamentos efectuados pela recorrida, ora por força da extinção do posto de trabalho, ora por força da antecedente acção judicial que opôs as partes, e a indefinição que, por essa via, se pretende prevalecer o recorrente por via recursória não tem, com todo o respeito, qualquer respaldo nos factos provados, bastando, para o efeito, a mera associação dos que constam dos pontos 7. e 8. e a circunstância de a devolução a que procedeu não ter, nem mesmo remotamente, nenhuma correlação com o facto provado constante do ponto 10..
Em síntese, o recorrente, pese embora haja proposto o procedimento cautelar visando a suspensão do despedimento que fora alvo e, por essa via, também a correspectiva acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, em momento em que ainda não lhe havia sido disponibilizada a compensação, terá que, em simultâneo com o seu recebimento, proceder à sua devolução, não sendo idóneo à ilisão da presunção de aceitação do despedimento a propositura daquelas acções e sendo manifestamente inapto ao preenchimento do conceito de simultaneidade a devolução, em Outubro de 2023, de uma compensação recebida em Abril do mesmo ano.
Improcede, pelo exposto, o recurso, sendo de confirmar, na íntegra, a decisão da 1.ª instância.
5. Porque ficou vencido em ambas as instâncias, as custas são a cargo do recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que beneficia (documentado no procedimento cautelar a fls. 151).
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VI. Dispositivo
Por tudo quanto se deixou exposto, decide-se:
a. Julgar parcialmente procedente o recurso na parte da impugnação da matéria de facto e, por conseguinte:
i. Aditar-se aos factos provados os pontos 6. e 12., com a seguinte redacção:
«6. Datada de 6 de Março de 2023, a entidade empregadora entregou ao trabalhador, que a recebeu na mesma data, missiva cujo teor é o seguinte:
«Assunto: Comunicação de extinção de posto de trabalho
Face às necessidades operacionais da Delegação Económica e Comercial de Macau em Lisboa (doravante “DECM”) e na sequência das instruções do Sr. Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, no decorrer do ano de 2022, a DECM teve necessidade de proceder à reestruturação algumas das valências e dos seus departamentos internos, como aliás acreditamos já ter sido transmitido a V. Exa. No contexto do processo judicial laboral interposto por V. Exa contra a DECM.
Na sequência dessa reestruturação, a DECM deixou de contar, entre outros, com a biblioteca que era precisamente a unidade à qual V. Exa. Se encontrava adstrito, nos termos do contrato de trabalho outorgado entre V. Exa. E a DECM, datado de 1 de setembro de 2021.
Daí que, tendo em conta, que por decisão da tutela, foi promovido o encerramento da valência para a qual V. Exa. havia sido contratado, nos termos acima referidos e tendo em conta os critérios legalmente fixados para o efeito, designadamente o facto de V. Exa. ser, entre outros, o trabalhador com menor antiguidade na DECM, vê-se a DECM obrigada a comunicar a V. Exa. a extinção do seu posto de trabalho de Assistente Técnico Administrativo, com funções na área administrativa e de gestão de biblioteca, para efeitos do disposto no artigo 369.º do Código do Trabalho, com efeitos a partir do dia 5 de abril de 2023.
Não obstante a presente comunicação só produzir efeitos a partir da supra referida data, a DECM comunica-lhe ainda, que V. Exa. se encontra desde já desobrigado de comparecer ao seu posto de trabalho durante o período que dista entre a presente comunicação e a supra referida data em que esta comunicação produzirá efeitos, sem prejuízo dos respetivos direitos laborais de V. Exa.
Mais se comunica a V. Exa. que nos termos do legalmente imposto à DECM, o pagamento da compensação, dos créditos laborais vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho será efetuado em breve pelos respetivos serviços da DECM e sempre até ao termo do prazo de aviso prévio acima referido».
«12. No dia 13 de Março de 2023, o trabalhador instaurou procedimento cautelar de suspensão do despedimento a que a presente acção está apensa»;
ii. Alterar-se a redacção que constava dos factos provados sob as alíneas a), f) e g), dando-lhes a seguinte, agora enunciada nos factos provados nos pontos 1. e 7.:
«1. Por via do convénio outorgado no dia 1 de Setembro de 2021, que as partes denominaram “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, o trabalhador foi admitido, naquela mesma data, ao serviço da entidade empregadora para prestar funções na área administrativa e de gestão de biblioteca, com a categoria profissional de Assistente Técnico Administrativo»;
«7. Datada de 28 de Março de 2023, a entidade empregadora entregou ao trabalhador missiva, recebida por este na mesma data, sendo o seguinte o seu teor:
«Assunto: Comunicação da decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho”
No seguimento da comunicação que lhe foi entregue no dia 6 de Março de 2023, vimos por este meio, nos termos do disposto no artigo 371.º, n.º 3 do Código Trabalho, comunicar-lhe a decisão final da Delegação Económica e Comercial de Macau, em Lisboa (doravante “DECM”), do despedimento de V. Exa., com fundamento na extinção do posto de trabalho.
Conforme informado na última comunicação, sendo já do seu conhecimento, a DECM, na sequência das instruções do Sr. Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, procedeu a uma reorganização interna no decorrer do ano de 2022.
Na sequência dessa reorganização, a DECM deixou de possuir, entre outros, com a biblioteca que era precisamente a unidade à qual V. Exa. Se encontrava adstrito, nos termos do contrato de trabalho outorgado entre V. Exa. e a DECM, datado de 1 de setembro de 2021.
Daí que, tendo em conta, que por decisão da tutela, foi promovido o encerramento da valência para a qual V. Exa. havia sido contratado.
Ora, os requisitos de que depende o despedimento por extinção de posto de trabalho encontram-se reunidos, porquanto:
- O motivo invocado (supra) não foi devido a nenhuma conduta culposa da DECM ou de V. Exa.;
- É impossível a subsistência da relação de trabalho, uma vez que a biblioteca já deixou de existir;
- Não existem, na DECM, contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho de V. Exa.;
- Não é aplicável o despedimento coletivo por V. Exa. ser o único trabalhador abrangido pelo presente procedimento;
Por outro lado, não obstante existir na DECM uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico ao de V. Exa., tendo em conta os critérios legalmente fixados para o efeito nos termos do artigo 368.º, n.º 2, designadamente o facto de V. Exa. ser, entre outros, o trabalhador com menor antiguidade na DECM, ser o trabalhador com menor experiência profissional na respetiva função, somos a informar V. Exa. da extinção do seu posto de trabalho de Assistente Técnico Administrativo, com funções na área administrativa e de gestão da biblioteca, para efeitos do disposto nos artigos 369.º e ss. do Código do Trabalho, com efeitos a partir do dia 28 de abril de 2023.
Mais se comunica a V. Exa. que nos termos do legalmente imposto à DECM, o pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho, no montante total de € 7.079,82 (sete mil e setenta e nove euros e oitenta e dois cêntimos), será efetuado até ao termo do prazo de aviso prévio acima referido»;
b. Julgar, no mais, improcedente o recurso, confirmando-se, nessa parte, a sentença recorrida.
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Custas a cargo do recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que beneficia.
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Lisboa, 20 de Novembro de 2024
Susana Martins da Silveira
Alves Duarte
Alexandra Lage
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1. Propositura que decorreu de procedimento cautelar de suspensão de despedimento prévio.
2. Cfr., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 2023, proferido no Processo n.º 6495/20.9T8BRG.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
3. Cfr., António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 795 e 796.
4. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2 de Novembro de 2017, proferido no Processo n.º 501/12.8TBCBC.G1, acessível em www.dgsi.pt.
5. Diploma a que nos referiremos de ora em diante sem menção de outra origem.
6. Cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016, proferido na Revista n.º 1274/12.0TTPRT.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
7. Proferido na Revista n.º 4158/05.4TTLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
8. Cfr., neste sentido, João Leal Amado, in Contrato de trabalho, Coimbra, 3.ª edição, 2011, pág. 390.
9. Proferido na Revista n.º 1777/08.0TTPRT.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
10. Cfr., o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7 de Maio de 2012, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Abril de 2013, e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Março de 2014 e de 16 de Junho de 2015, respectivamente, processos n.º 940/09.1TTLSB.L1.S1 e n.º 962/05.1TTLSB.L1.S1, todos publicados in www.dgsi.pt.
11. Proferido no Processo n.º 1274/12.0TTPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt.
12. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 7/2024, de 17 de Abril de 2024, publicado no DR n.º 119/2024, Série I, de 21 de Junho de 2024.
13. Fundamentação constante do aresto uniformizador a que fizemos alusão.