Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13526/22.6T8LSB.L1-6
Relator: ELSA MELO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
REPRESENTAÇÃO DAS SEGURADORAS
SEGURADORA ESTRANGEIRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/06/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O representante para sinistros em Portugal, designado por empresa de seguros estrangeira, embora disponha de poderes para regularizar sinistros ocorridos com lesado português no estrangeiro, não dispõe, nessa qualidade, com base no disposto no artigo 67.º n.º 3 do Decreto lei n.º 291/2007, 21.08 que aprovou o regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, de poderes de representação judicial da seguradora, salvo se esta os conferir, não podendo, assim, enquanto representante de sinistros, ser demandado em acção judicial proposta pelo lesado com vista a obter da seguradora indemnização dos danos para ele emergentes de acidente de viação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório:             
R(…), Lda., ora Recorrente, intentou contra a D(…), SA, acção de condenação, peticionando que a Ré “D(…), S.A.”, na qualidade de representante em Portugal da Companhia de Seguros Espanhola P(…) Reaseguros, fosse condenada a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais a quantia de €40.614,79, sofridos como consequência directa e necessária do acidente de viação ocorrido em 03/06/2021, em Espanha, na estrada nacional 601, sentido Madrid-Leon, por culpa exclusiva do condutor do veículo de matrícula espanhola ...HHM, segurado na “P(…) Reaseguros”.
A Ré, na sua contestação, veio arguir a sua ilegitimidade, invocando ser “um gabinete de regularização de sinistros” e que, conforme a legislação que invoca, a presente acção teria de ser interposta contra o Gabinete Português de Carta Verde, mais informando que não tem poderes para representar a seguradora estrangeira em juízo, nem tem legitimidade para ser demandada por responsabilidade civil emergente de acidente de viação.
Exercido o contraditório, e após pronúncia pela A./ora recorrente, foi a Recorrida convidada a juntar aos autos contrato de prestação de serviços tendo esclarecido em juízo que não existia qualquer contrato de prestação de serviços, e que « a D(…), S.A atua como representante da Seguradora P(…) Reaseguros por indicação desta feita diretamente ao Gabinete Português de Carta Verde, através do Gabinete Congénere Espanhol, ao abrigo do artigo 9º da Convenção Tipo Inter-Gabinetes e artigo 4º da Convenção Multilateral de Garantia, indicação que foi aceite pelo Gabinete Português de Carta Verde.». Na sequência do que foi proferida decisão declarar a R. D(…), SA parte ilegítima e absolvendo-a da instância.
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É a seguinte a fundamentação da decisão que importa convocar:
«Temos assim, que especificamente nas acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil emergente de acidentes de viação, se o pedido não exceder o limite fixado para o seguro obrigatório, a acção deverá ser instaurada, sob pena de ilegitimidade, apenas contra a respetiva seguradora e, em conjunto, contra a seguradora e o civilmente responsável no caso de o pedido ultrapassar esse limite, nos termos do artigo 64º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, não podendo ser intentada contra o representante para sinistros da seguradora, nos termos do artigo 67º, n.º 3, do mesmo diploma, salvo se este tiver poderes de representação.
No caso vertente, e na medida em que a Ré D(…), SA alegou que desenvolve a sua actividade em regime de prestação de serviços, sendo que não tem poderes nem mandato conferido para receber citações em nome da P(…) Reaseguros, nem tem mandato para a representar em juízo, não pode actuar em substituição processual da mesma, importando declarar a sua ilegitimidade processual.
Ante o exposto, julgo verificada a excepção de ilegitimidade passiva e, em consequência, declaro a Ré D(…), SA parte ilegítima na presente acção, absolvendo-a da instância, nos termos dos artigos 278º, n.º 1, alínea d), 576º, n.ºs 1 e 2, 577º, alínea e), e 578º, todos do Código de Processo Civil.
 Sendo vencida, é a Autora responsável pelo pagamento integral das custas processuais, nos termos do artigo 527º do Código de Processo Civil.
Registe-se e notifique-se.»
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A Recorrente insurge-se contra esta decisão, apresentando as seguintes conclusões do recurso:
«EM CONCLUSÃO:
 I - INTROITO
1)- A Autora, ora Recorrente, intentou contra a Ré/Recorrida, acção de condenação, pedindo que a Ré “D(…), S.A.”, na qualidade de representante em Portugal da Companhia de Seguros Espanhola P(…) Reaseguros, fosse condenada a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais a quantia de €40.614,79, sofridos como consequência directa e necessária do acidente de viação ocorrido em 03/06/2021, em Espanha, na estrada nacional 601, sentido Madrid-Leon, por culpa exclusiva do condutor do veículo de matrícula espanhola ...HHM, segurado na “P(…) Reaseguros”.
2)- Sucede que a Ré, na sua contestação, veio arguir a sua ilegitimidade, dizendo ser “um gabinete de regularização de sinistros” e que, conforme a legislação que invoca, a presente acção teria de ser interposta contra o Gabinete Português de Carta Verde, mais informando que não tem poderes para representar a seguradora estrangeira em juízo, nem tem legitimidade para ser demandada por responsabilidade civil emergente de acidente de viação.
3)- E concluindo que não é parte legítima na acção, devendo ser absolvida da instância, nos termos do n.º 2, do artigo 576.º do Código de Processo Civil.
4)- Foram considerados como provados (indevidamente) pelo tribunal recorrido, entre outros, os seguintes factos: “6) A Ré D(…)S.A não é uma seguradora nem celebra contratos de seguro ou tem segurados, no âmbito das suas competências, apenas intervindo como representante das seguradoras estrangeiras em fase extrajudicial, não tendo poderes para as representar em juízo; 7) A Ré D(…), S.A. desenvolve a sua actividade em regime de prestação de serviços e não tem poderes nem mandato conferido para receber citações em nome da P(…) REASEGUROS; 8) Nem tem mandato para a representar em juízo.”
5)- Assim, o presente recurso, sobre matéria de direito e sobre matéria de facto, assenta: ▪ por um lado, erro na apreciação da prova, que implica alteração de matéria de facto dada como provada (que seguidamente se impugnará), pois esses pontos da matéria de facto não reflectem uma correcta valoração da prova,
▪ e por outro, erro de julgamento, por desconformidade com o Direito, violação de lei expressa e dos factos apurados, ou seja, incorrecta valoração da matéria de facto para a decisão proferida e incorrecta aplicação e interpretação do Direito aos factos.
6)- Findas as sucessivas posições das partes (quer no tocante aos articulados, quer no tocante aos documentos), foi proferida decisão a julgar procedente a alegada excepção dilatória – ilegitimidade passiva da Ré – com a consequente absolvição da instância, ao abrigo do disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea e) e 578.º, todos do Código de Processo Civil.
7)- É dessa decisão que ora se interpõe recurso, sobre matéria de direito e sobre matéria de facto, assentando: ▪ por um lado, em erro na apreciação da prova, que implica alteração de matéria de facto dada como provada (que seguidamente se impugnará), pois esses pontos da matéria de facto não reflectem uma correcta valoração da prova (que é inexistente); ▪ e por outro, erro de julgamento, por desconformidade com o Direito, violação de lei expressa e dos factos apurados, ou seja, incorrecta valoração da matéria de facto para a decisão proferida e incorrecta aplicação e interpretação do Direito aos factos.
II – DO RECURSO SOBRE MATÉRIA DE FACTO
II.A – Dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados e da decisão que sobre os mesmos deve recair
8)- Na sentença recorrida foram dados como provados sob os itens 6, 7 e 8 que se transcrevem: « 6) A Ré D(…), S.A não é uma seguradora nem celebra contratos de seguro ou tem segurados, no âmbito das suas competências, apenas intervindo como representante das seguradoras estrangeiras em fase extrajudicial, não tendo poderes para as representar em juízo. 7) A Ré D(…), S.A. desenvolve a sua atividade em regime de prestação de serviços e não tem poderes nem mandato conferido para receber citações em nome da P(…) REASEGUROS. 22 8) Nem tem mandato para a representar em juízo.»
9)- Factos que foram considerados provados, segundo o Tribunal Recorrido, por segundo este (Tribunal Recorrido) ter havido acordo das partes, o que não corresponde à verdade.
10)- Com efeito, perante a alegação, por parte da Ré, de sua ilegitimidade para a presente acção, a Autora, ora Recorrente, em «resposta» - tendo sido previamente notificada para se pronunciar quanto à matéria de excepção - pugnou pela improcedência da excepção de ilegitimidade, não tendo aceite a referida ilegitimidade nem tendo aceite, consequentemente, os factos alegados pela Ré a esse respeito.
11)- Acrescidamente, não consta qualquer prova documental do processo (nem nenhuma prova testemunhal foi produzida, pois nem se chegou a tal fase) no sentido de a Ré/Recorrente «D(…), S.A.» não ser uma seguradora nem celebrar contratos de seguro, nem de ter segurados, nem de no âmbito das suas competências apenas intervir como representante das seguradoras estrangeiras em fase extrajudicial, nem no sentido de não ter poderes para as representar em juízo e para em seu nome e representação receber notificações e ser demandada em ações, nem no sentido de apenas desenvolver a sua atividade em regime de prestação de serviços.
12)- Alegação e prova que competia à Ré e que esta não fez, nada tendo junto a esse respeito ao processo, não podendo o Tribunal Recorrido dar como provado os fatos acima referidos sob os itens 6, 7 e 8 apenas e só com base na alegação da parte, ou seja, a Ré apenas alegou, mas não fez prova de tais factos e impunha-se que a fizesse.
13)- Além disso, os factos provados sob os itens 6, 7 e 8 são contraditórios com o próprios factos dados como provados sob os itens 4) e 5) da matéria de facto provada, de acordo com o qual a Ré D(…), S.A., dedica-se «à prestação de quaisquer serviços (…) para o sector automóvel e segurador (…) e representação de seguradoras estrangeiras que operem em Portugal em regime de livre prestação de serviços», « (…) actua em Portugal em representação de 23 companhias seguradoras estrangeiras, nomeadamente, e no caso em apreço, em representação da seguradora P(…) REASEGUROS».
14)- Voltamos a frisar que a Ré/Recorrente «D(…), S.A.» actua, conforme consta expressamente dos itens 4 e 5 dos factos provados, “em representação de seguradoras estrangeiras”, não constando nem no seu objecto social nem em qualquer documento junto ao processo que a representação que faz de seguradoras estrangeiras é apenas e só na fase extrajudicial.
15)- E, não tendo a Ré realizado qualquer prova nesse sentido, e reitera-se, nem a podendo fazer, porquanto seria subverter todo o regime legal relacionado com os «Representantes para Sinistros de Seguradoras Estrangeiras» e com as Empresas de Seguros autorizadas a explorar na União Europeia o Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil, tendo a Ré/Recorrente, enquanto representante para sinistros da Seguradora Estrangeira P(…) Reaseguros, de dispor de poderes suficientes para representar a empresa de seguros junto das pessoas lesadas e para satisfazer plenamente os seus pedidos de indemnização, conforme expressamente previsto no artigo 21.º, n.º 5, da Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/09/2009, 16)- sendo que, independentemente da designação dada pela própria Ré ao contrato celebrado entre si enquanto representante (Ré «D(…), S.A.») e a sua representada seguradora estrangeira «P(…) Reaseguros», ao ser especificado, quer pelo legislador europeu, quer pelo legislador nacional, “representante para sinistros” tal implica obrigatoriamente que a primeira tenha poderes de representação da segunda, caso contrário outra designação teria sido adoptada e outra legislação também.
17)- E tais poderes de representação implicam, conforme jurisprudência abundante sobre a matéria (tais como Acórdão da Relação de Coimbra de 26/02/2013, Proc. n.º 444/11.2TBANS-A.C1; Acórdão do Tribunal de Justiça da EU de 10/10/2013; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20/10/2016, no processo n.º 77/16.7T8BGC), poderes da representante «D(…), S.A.» de representação da sua representada seguradora estrangeira «P(…) REASEGUROS» na fase judicial ou em juízo e, consequentemente, poderes para em seu nome receber notificações e ser demandada em acções, caso contrário, de nada valeria quer a 24 existência e nomeação de um «representante para sinistros de seguradoras estrangeiras» comunicada ao Instituto de Seguros de Portugal devidamente, quer a inscrição e identificação nas respectivas bases de dados e sites do referido Instituto ou de outras entidades oficiais (como a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de pensões, entre outros) da «D(…), S.A.» como representante de sinistros em Portugal da representada seguradora estrangeira «P(…) REASEGUROS».
18)- E, não constando a especificação dos referidos poderes de representação no site do Instituto de Seguros de Portugal para que a pessoa lesada os possa consultar, nem tendo de constar, porque os referidos poderes de representação (incluindo os poderes de representação em juízo, os poderes de receber citações e de ser demandada) estão implícitos por força da legislação que lhe está subjacente.
19)- Não podendo a pessoa lesada com o sinistro ser prejudicada com a não pormenorização de tais poderes de representação, nem tendo a mesma meios de os averiguar já que não constam publicitados nem têm de constar (vide artigo 23.º, n.º 3, alínea c), da Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/09/2009),
20)- por força da sua abrangência (dos poderes de representação dos representantes para sinistros de seguradoras estrangeiras) decorrente do regime legal, relacionado com Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, previsto na Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/09/2009.
 21)- Constando especificamente da Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/09/2009 o seguinte considerando sob o número 37: «é conveniente prever que o Estado-Membro em que a empresa de seguros se encontra autorizada exija que a mesma nomeie representantes para sinistros residentes ou estabelecidos nos outros Estados-Membros, que reunirão todas as infrações necessárias relacionadas com os processos de indemnização resultantes deste tipo de acidentes e que tomarão todas as medidas adequadas para a sua regularização em nome e por conta da empresa de seguros, incluindo o pagamento dessa indemnização. Os representantes para sinistros deverão ter poderes suficientes para representar a empresa de seguros perante sinistros que tiverem sofrido danos devido a esses acidentes, bem como para representar a empresa de seguros junto das autoridades nacionais, incluindo, se necessário, os tribunais, na medida em que tal seja compatível com as regras de direito internacional privado relativas à atribuição de competência jurisdicional.» (Sublinhado e negrito nossos)
22)- Resultando de tal considerando e da letra e espírito da referida Directiva, o que já é entendido pela jurisprudência portuguesa, ou seja, de que: ▪ «Independentemente de se desconhecer o âmbito do mandato conferido pela seguradora, é de considerar que o representante para sinistros cuja nomeação foi comunicada ao Instituto de Seguros de Portugal está ope legis habilitado a representar a seguradora em acção judicial.
23)- «É a interpretação que deve fazer-se do direito comunitário e do artigo 242.º, n.º 2, alínea b), da Lei 147/15, de 9 de Setembro, segundo o qual as empresas de seguros devem conferir aos representantes para sinistros “poderes suficientes para a representar ou, se necessário, para a fazer representar perante os tribunais e autoridades portuguesas no que respeita aos mencionados pedidos de indemnização»;
24)- Com efeito, o artigo 242.º, da Lei 147/15, de 9 de Setembro, refere que: “1-As empresas de seguros que pretendam cobrir, em livre prestação de serviços, no território português, riscos cuja cobertura seja obrigatória, nos termos da lei, devem comunicar à ASF o nome e a morada de um representante para sinistros residente habitualmente ou estabelecido em Portugal. 2 - O representante referido no número anterior deve reunir todas as informações necessárias relacionadas com os processos de indemnização e dispor de poderes suficientes para: a) Representar a empresa de seguros junto dos sinistrados que possam reclamar uma indemnização, incluindo o respectivo pagamento; b) Representar a empresa de seguros ou, se necessário, a fazer representar perante os tribunais e autoridades portuguesas no que respeita aos pedidos de indemnização; c) Representar a empresa de seguros, perante a ASF, no que se refere ao controlo da existência e validade das apólices de seguro e respectivo registo nos termos do artigo 42.º 3 - Se a empresa de seguros não tiver designado o representante referido nos números anteriores, as suas funções são assumidas, no que se refere aos riscos referidos na alínea j) do artigo 8.º, pelo representante designado em Portugal pela empresa de seguros para o tratamento e a regularização no país de residência da vítima dos sinistros resultante da circulação de veículos automóveis ocorridos num Estado distinto do da residência desta.”
25)- Significa isto que o dever imposto às seguradoras de conferir poderes de intervenção em seu nome nos processos judiciais não significa necessariamente que eles existam, mas basta que se prove ter havido a indicação do representante para se concluir pela existência do mandato, devendo presumir-se “juris tantum” que ele abrange a regularização e gestão dos sinistros, extrajudicialmente e nos tribunais (artigo 344º do Código Civil).
26)- Essa presunção deve ser elidida por banda de quem invoca a ilegitimidade com base na alegação e prova de que o mandato para a regularização e gestão do sinistro é restrito à fase extrajudicial (ou pela entidade obrigada à fiscalização do cumprimento dos deveres legais, caso detenha elementos bastantes, designadamente o contrato de mandato) – anota-se que o referido acórdão do Tribunal de Justiça da EU faz alusão ao §171 do Cód. de Processo Civil do País que suscitou a questão prejudicial, que estabelece regime idêntico ao fazer impender sobre o representante o dever de apresentar por escrito prova do mandato. 27)- Sendo que “o artigo 21°, n.° 5, da Directiva 2009/103/CE deve ser interpretado no sentido de que, entre os poderes suficientes de que deve dispor o representante para sinistros, figura a sua habilitação para receber validamente a  notificação dos actos judiciais necessários à instauração de um processo para reparação dos danos de um sinistro perante o órgão jurisdicional competente”, conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20/10/2016, no processo n.º 77/16.7T8BGC, e de tantos outros, alguns deles já acima identificados.
28)- Assim, tais factos sob os itens 6), 7) e 8) considerados erradamente provados pelo Tribunal de 1.ª Instância, apenas podiam ser provados por documento escrito e, nessa medida, não podem ser (nem podiam, atendendo à posição adoptada pela ora Recorrente) considerados admitidos por acordo.
29)- Contexto em que:
▪ por um lado, por total inexistência de prova que competia à Ré/Recorrida (e também por inexistência de prova por acordo das partes o que resulta claramente do contraditório exercido pela Autora/Recorrente quanto à exceção de ilegitimidade alegada e não provada, segundo o já referido neste recurso, pela Ré/Recorrida),
▪ por outro, por contradição entre os factos sob os itens 6), 7) e 8) que foram considerados erradamente como provados (e que aqui se deixam impugnados em recurso sobre matéria de facto) com os factos provados sob os itens 4) e 5) (não impugnados neste recurso de matéria de facto)
e por fim por violação da aplicação e interpretação da legislação acima referida (Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/09/2009; Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril), atendendo à sua letra e espírito,
30)- os factos sob os itens 6), 7) e 8) considerados erradamente como provados pelo Tribunal Recorrido, têm de se considerar como não provados.
II – DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA RÉ
31)- Quando é lesante, como no caso “sub judice”, um veículo estrangeiro e lesado um português, a função e legitimidade dos representantes para sinistros é a mesma, e são eles os primeiros que devem ser demandados, tal como resulta agora da Directiva 2009/103/CE e do Regulamento Geral.
32)- Importa ainda dizer que no site do ISP, no item dos “representantes para sinistros” em Portugal, se encontra, quanto à “P(…) Reaseguros”, como sua representante para sinistros “D(…),S.A.
33)- Ou seja, contra tudo aquilo que a Ré tem negado, ela consta dos registos daquele Instituto como “representante para sinistros” da “P(…) Reaseguros”.
34)- Sendo assim, quando é lesante um veículo estrangeiro e lesado um português, a função e legitimidade dos representantes para sinistros é a mesma, e são eles os primeiros que devem ser demandados, tal como resulta agora da Directiva 2009/103/CE e do Regulamento Geral.
35)- Desde logo, e antecipando outras citações, o considerando (37) da Directiva 2009/103, consagra o seguinte: « (37) É conveniente prever que o Estado-Membro em que a empresa de seguros se encontra autorizada exija que a mesma nomeie representantes para sinistros residentes ou estabelecidos nos outros Estados-Membros, que reunirão todas as informações necessárias relacionadas com os processos de indemnização resultantes deste tipo de acidentes e que tomarão todas as medidas adequadas para a sua regularização em nome e por conta da empresa de seguros, incluindo o pagamento dessa indemnização. Os representantes para sinistros deverão ter poderes suficientes para representar a empresa de seguros perante sinistrados que tiverem sofrido danos devido a esses acidentes, bem como para representar a empresa de seguros junto das autoridades nacionais, incluindo, se necessário, os tribunais…» 36) - E, em conformidade, a Directiva 2009 prescreve o seguinte: «Artigo 18.º Direito de acção directa Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para que as pessoas lesadas por acidentes causados por veículos cobertos pelo seguro referido no artigo 3.º (responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento 29 habitual no seu território) tenham direito de demandar directamente a empresa de seguros que cubra a responsabilidade civil do responsável; e Artigo 21.º (…) 4. (…) A exigência de designação de um representante para sinistros não exclui o direito de a pessoa lesada ou a sua empresa de seguros accionarem directamente a pessoa que causou o sinistro ou a sua empresa de seguros. 5. Os representantes para sinistros devem dispor de poderes suficientes para representar a empresa de seguros junto das pessoas lesadas …e para satisfazer plenamente os seus pedidos de indemnização.»
37)- Este n.º 5, foi objecto de apreciação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que decidiu que “…o artigo 21.°, n.º 5, da Directiva 2009/103 (…) deve ser interpretado no sentido de que, entre os poderes suficientes de que deve dispor o representante para sinistros, figura a sua habilitação para receber validamente a notificação dos actos judiciais necessários à instauração de um processo para reparação dos danos de um sinistro perante o órgão jurisdicional competente”.
38)- Por seu lado, o artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento Geral, prescreve: «2. Quando recebe um pedido de indemnização na sequência de um acidente ocorrido nas condições acima descritas, o serviço nacional, caso tenha sido autorizado um correspondente da seguradora, transmite-lhe esse pedido sem demora com vista à respectiva gestão e regularização, de acordo com o disposto no artigo 4.º Se não houver um correspondente autorizado, o serviço nacional informa imediatamente a seguradora que emitiu a carta verde ou a apólice de seguro ou, se for caso disso, o serviço nacional envolvido, de que recebeu um pedido de indemnização ao qual vai dar seguimento, ou relativamente ao qual vai providenciar a respectiva tramitação por parte de um mandatário cuja identidade deve igualmente comunicar.»
39)- Acrescentem-se também, neste passo, os n.ºs 4, 5 e 6 do artigo 4.º do Regulamento Geral, que dispõem o seguinte: 30 “4.4 - O correspondente deverá gerir todas as participações em conformidade com todas e quaisquer disposições legais e regulamentares aplicáveis no país do acidente relativo à responsabilidade, à compensação das partes lesadas e do seguro automóvel obrigatório, em nome do Gabinete que o haja aprovado e por conta da seguradora que haja requerido a sua aprovação, decorrentes de acidentes ocorridos naquele país envolvendo veículos segurados pela seguradora que haja requerido a sua aprovação”.
40)- A questão que subsiste, será, pois a de se saber se, aceites, pelo menos, os poderes para a fase extrajudicial, o regime legal “permite que um Tribunal cível notifique validamente para uma acção o «representante para sinistros» quando este não disponha de um mandato expresso do réu”, o representado.
41)- Do parecer do advogado geral no citado acórdão do TJUE, Processo C-306/12, de 10-10-2013, cabe realçar as seguintes proposições: i - «“…a Comissão manifestava a importância de manter uma referência aos tribunais «a fim de inviabilizar a interpretação no sentido de as competências dos representantes para sinistros poderem ser limitadas aos organismos administrativos e não em juízo…” ii - Ora, é pelo menos surpreendente que, uma vez efetuadas as formalidades iniciais directamente com o representante e gozando a pessoa lesada de um direito de acção directamente contra a seguradora, a notificação dos actos judiciais não possa também ser feita na pessoa do representante, cuja função é, de acordo com os objectivos da Directiva 2009/103, permitir à pessoa lesada a apresentação do seu pedido de indemnização e, se necessário, intentar uma acção de indemnização.»
42)- E o referido acórdão, com os fundamentos acima expostos, veio a decidir que “o artigo 21.º, n.º 5, da Directiva 2009/103 deve ser interpretado no sentido de que, entre os poderes suficientes de que deve dispor o representante para sinistros, figura a sua habilitação para receber validamente a notificação dos actos judiciais necessários à instauração de um processo para reparação dos danos de um sinistro perante o órgão jurisdicional competente”.
43)- No mesmo sentido do acórdão do TJUE, e em especial sobre a questão da legitimidade passiva, foi invocada jurisprudência assaz pertinente e praticamente unânime sobre a definição da legitimidade dos representantes para sinistros, mesmo que estes sejam sociedades reguladoras e “tanto em sede de regularização extrajudicial do litígio, como na de definição judicial do direito, assumindo a satisfação plena dos pedidos de indemnização”.
44)- Conjugando tudo isto com os actos que a Ré desde sempre praticou, como representante da “P(…) Reaseguros”, por delegação comprovada e assente, e com os actos por ela já praticados perante o Tribunal, não podem restar quaisquer dúvidas sobre a sua plena legitimidade para esta acção.
45)- Mas, apesar disto, e de todo o já exposto, em especial do conteúdo da petição e da caracterização da causa de pedir, veio a ser proferida a decisão aqui recorrida, absolvendo a Ré da instância, com o fundamento de que ela não tem “poderes nem mandato conferido para receber citações em nome da P(…) Reaseguros, nem tem mandato para a representar em juízo, não pode actuar em substituição processual da mesma.”
46)- O direito de acção directa contra a empresa de seguros que cobre a responsabilidade civil…, consignado no considerando (30) da Directiva 2009, está expressamente previsto no artigo 18.º da Directiva, no artigo 64.º do SORCA e nos considerandos (31), (34), (36) e (37) da Directiva 2009, que diz que os representantes “deverão ter poderes suficientes para representar a empresa de seguros perante sinistrados …bem como para representar a empresa de seguros junto das autoridades nacionais, incluindo, se necessário, os tribunais”.
47)- E sendo este o regime regra, teria o sistema de prever a protecção dos lesados em situações anómalas, o que foi alcançado com a criação de um organismo próprio, conforme se consigna no considerando (47): - “organismo de indemnização ao qual a pessoa lesada possa dirigir-se… a fim de garantir que a pessoa lesada não deixe de ter a indemnização a que tem direito”.
48)- E as situações que justificam a demanda desse organismo são: a) - quando a empresa de seguros não tiver designado um representante para sinistros; ou b) - tenha uma actuação manifestamente dilatória; ou c) - quando não for possível identificar a seguradora.
49)- Além destas situações, prevê-se que “a intervenção do organismo de indemnização deverá limitar-se aos raros casos individuais em que a empresa de seguros não cumpra as suas obrigações, apesar dos efeitos dissuasores da ameaça de sanções” - cfr. considerandos (40) e (41) da Directiva e artigos 40.º, n.º 2 e 86.º do SORCA.
50)- E mais se especifica, no considerando (48), que “o papel desempenhado pelo organismo de indemnização é o de regularizar o pedido de indemnização no que respeita a perdas ou danos sofridos pela pessoa lesada apenas em casos objectivamente determináveis e, por conseguinte, este organismo deverá limitar a sua actividade à verificação de que o representante para sinistros fez uma proposta de indemnização dentro dos prazos e segundo os procedimentos estabelecidos, sem avaliação do mérito” – cfr. artigos 31.º a 46.º, em especial os artigos 38.º e 39.º do SORCA.
51)- Tudo isto, e o que mais se expôs acima, evidencia que, em casos como o presente, a demanda está correcta e legalmente bem intentada contra a Ré, não tendo qualquer sentido que fosse demandado o GPCV, sobretudo como “representante para sinistros”, como disse a Ré na sua contestação.
52)- Com todo o até agora exposto, a intervenção do GPCV, nos termos do artigo 90º ocorrer ser apenas nas apontadas circunstâncias, não tendo apoio a sua competência exclusiva, sobretudo para casos como o presente, em que há uma seguradora, há uma correspondente e há delegação desta numa entidade reguladora de sinistros, casos em que o normativo deste artigo 90.º não passa de uma disposição final avulsa, estritamente necessária para dar substância ao artigo 2.º do Acordo entre Serviços Nacionais.
53)- E mesmo assim, esse artigo 90º restringe a competência do GPCV à “satisfação, ao abrigo desse Acordo, das indemnizações devidas nos termos da presente lei aos lesados por acidentes ocorridos em Portugal e causados (…), sendo que “…ao abrigo desse Acordo…”, é ao abrigo dos seus considerandos e dos seus artigos 1.º e 2.º, de onde resulta que “Os serviços nacionais abaixo assinados comprometem-se, no contexto das suas relações recíprocas…” e que os poderes reciprocamente conferidos se referem “ao pagamento de indemnizações 33 decorrentes de acidentes, dentro do âmbito de aplicação e dos objectivos do Regulamento Geral”.
54)- E “…dentro do âmbito de aplicação e dos objectivos do Regulamento Geral”, outra coisa não é senão para os casos em que os Serviços Nacionais são chamados a intervir em substituição das empresas de seguros (ou dos representantes), ou seja, quando não tiver sido designado um representante, quando houver actuação manifestamente dilatória ou quando não for possível identificar a empresa de seguros.
55)- É, afinal, o que ficou prescrito no artigo 3.º, n.º 3 do Regulamento: “O serviço nacional (se não houver um correspondente aprovado, como resulta expressamente do nº 2) está autorizado (para se alcançar a protecção dos lesados) a resolver amigavelmente qualquer sinistro e a recorrer a quaisquer procedimentos de natureza extrajudicial ou judicial susceptíveis de implicar o pagamento de uma indemnização”.
56)- No âmbito do Acordo entre os Serviços Nacionais ficou a declaração expressa de que a resolução de sinistros deveria ser feita “dentro do âmbito de aplicação e dos objectivos do Regulamento Geral”, isto é, a resolução apenas se referia a todos os sinistros que de acordo com o Regulamento lhes coubesse resolver e, por outro, com a condição natural e implícita do primado do direito comunitário e de cada um dos direitos nacionais.
57)- Posto isto e após o périplo legal supra referido, dir-se-á que os lesados residentes em Portugal com direito a uma indemnização, dispõem de mecanismos de protecção (no caso de acidente causado por veículos estacionados e segurados noutro Estado membro), designadamente: disponibilização de um centro de informação, de organismos de indemnização e de um representante para sinistros da empresa de seguros do veículo causador do acidente.
58)- As funções de Centro de Informação cabem, em Portugal, à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundo de Pensões; entre os Organismos de Indemnização, figura o Gabinete Português da Carta Verde (artigo 90.º do Decreto Lei 291/07).
59)- Os lesados (quer em caso de danos resultantes de acidentes de viação em Portugal causados por veículos automóveis de matrícula estrangeira, quer em caso de acidentes no estrangeiro causados por veículos automóveis habitualmente estacionados noutros Estados Membros), podem apresentar os pedidos indemnizatórios junto dos Organismos de indemnização (não obstante esteja prevista a intervenção destes num regime de subsidiariedade), não lhes retirando, contudo, o direito de acção directa contra a seguradora responsável.
60)- E, neste caso, o artigo 64.º do DL 291/07 (emanação desse princípio), transpõe para a Ordem Interna a Directiva 2000/26/CE.
61)- Por seu turno, a Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Setembro de 2009, enfatiza em suas considerações, esse direito de acção directa contra a empresa de seguros para qualquer pessoa vítima de acidentes rodoviários (30.ª), explicitando que “constitui um complemento lógico da designação dos representantes para sinistros” (36.ª) e evoca na 32.ª o n.º 2 do artigo 11.º, conjugado com a alínea b), do n.º 1 do Regulamento (CE), n.º 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000 (revogado pelo Regulamento (CE) 1215/2012), que permite aos lesados demandar directamente o segurador no Estado-Membro em que tiverem o seu domicílio.
62)- De tudo resulta que a questão primordial é saber se se deve considerar validamente exercida essa acção directa, sendo a acção proposta contra a “D(…),S.A.”, pessoa colectiva em que a “P(…) Reaseguros” havia delegado a gestão dos sinistros, sendo que a resposta deverá ser positiva e que se considere que nos poderes delegados estão incluídos não apenas a gestão extrajudicial de sinistros, como também a intervenção em processos judiciais.
63)- Segundo o artigo 242.º, da Lei 147/15, de 9 de Setembro: “1-As empresas de seguros que pretendam cobrir, em livre prestação de serviços, no território português, riscos cuja cobertura seja obrigatória, nos termos da lei, devem comunicar à ASF o nome e a morada de um representante para sinistros residente habitualmente ou estabelecido em Portugal. 2 - O representante referido no número anterior deve reunir todas as informações necessárias relacionadas com os processos de indemnização e dispor de poderes suficientes para: a) Representar a empresa de seguros junto dos sinistrados que possam reclamar uma indemnização, incluindo o respectivo pagamento; b) Representar a empresa de seguros ou, se necessário, a fazer representar perante os tribunais e autoridades portuguesas no que respeita aos pedidos de indemnização; c) Representar a empresa de seguros, perante a ASF, no que se refere ao controlo da existência e validade das apólices de seguro e respectivo registo nos termos do artigo 42.º 3 - Se a empresa de seguros não tiver designado o representante referido nos números anteriores, as suas funções são assumidas, no que se refere aos riscos referidos na alínea j) do artigo 8.º, pelo representante designado em Portugal pela empresa de seguros para o tratamento e a regularização no país de residência da vítima dos sinistros resultante da circulação de veículos automóveis ocorridos num Estado distinto do da residência desta.”
64)- Como referido supra, o Acórdão do Tribunal de Justiça da EU, de 10/10/2013, na resolução de uma questão prejudicial, colocada por um Tribunal da Alemanha, o considerou que “o artigo 21.°, n.° 5, da Directiva 2009/103 deve ser interpretado no sentido de que, entre os poderes suficientes de que deve dispor o representante para sinistros, figura a sua habilitação para receber validamente a notificação dos actos judiciais necessários à instauração de um processo para reparação dos danos de um sinistro perante o órgão jurisdicional competente”.
65)- A doutrina ali vertida, veio a ser sufragada pela Relação de Guimarães, por Acórdão datado de 20/10/2016, no âmbito do Processo 77/16.7T8CBC, aí se tendo entendido válida a citação da seguradora responsável demandada (parte na acção) na pessoa do seu representante para sinistros “independentemente de se desconhecer o âmbito do mandato a este conferido”, bastando que a sua nomeação tenha sido comunicada ao ISP para se considerar estar ope legis habilitado a representar a seguradora na acção judicial.
66)- E a situação “sub judice” não merece tratamento distinto, não obstante a acção tenha sido dirigida contra a “D(…), S.A.”, na qualidade de representante (que é) da “P(…) Reaseguros”.
67)- O dever imposto às seguradoras de conferir poderes de intervenção em seu nome nos processos judiciais não significa necessariamente que eles existam, mas basta que se prove ter havido a indicação do representante para se concluir pela existência do mandato, devendo presumir-se “juris tantum” que ele abrange a regularização e gestão dos sinistros, extrajudicialmente e nos tribunais (artigo 344.º do Código Civil).
68)- Essa presunção deve ser ilidida (após alegação e prova, o que não aconteceu no caso “sub judice”) por banda de quem invoca a ilegitimidade com base na alegação de que o mandato para a regularização e gestão do sinistro é restrito à fase extrajudicial (ou pela entidade obrigada à fiscalização do cumprimento dos deveres legais, caso detenha elementos bastantes, designadamente o contrato de mandato) – anota-se que o referido acórdão do Tribunal de Justiça da EU faz alusão ao §171 do Cód. de Processo Civil do País que suscitou a questão prejudicial, que estabelece regime idêntico ao fazer impender sobre o representante o dever de apresentar por escrito prova do mandato.
69)- E, ponderando tudo o acima exposto, está demonstrado plenamente que a Ré é parte legítima, quer por apelo a disposto no artigo 30.º do Código de Processo Civil, quer pela consequente inversão do ónus da prova sobre os poderes delegados pela “P(…), Reaseguros” à Ré, quer, ainda, pela aplicação das normas legais e regulamentares aplicáveis.
70)- Com efeito, o interesse em contradizer, definido no n.º 1.º do artigo 30.º do diploma legal citado – “o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer” –, tem de ser apreciado com referência ao n.º 2 – “o interesse em contradizer [exprime-se] pelo prejuízo que dessa procedência advenha” –, restando o n.º 3 para os casos de “falta de indicação da lei em contrário” (Acórdão STJ, de 16-11-2006, Processo n.º 06B3630) caso em que “são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal «como é configurada pelo autor”.
71)- “…em contrário”, significa que a legitimidade se presume sempre de acordo com “a relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”, salvo se houver uma lei que diga o contrário, isto é, que defina expressamente a ilegitimidade da pessoa demandada ou, também expressamente, a legitimidade de outra pessoa.
72)- Ora, além do mais, e de ser manifesto, pelas regras dos n.º s 1 e 2 do artigo 30.º, que a Ré tem interesse em contradizer pelo prejuízo que lhe pode advir da procedência da acção, não há norma que expressamente afaste a presunção prevista no n.º 3, ou seja, a Ré tem interesse relevante para o efeito da legitimidade, como sujeito da(s) relação(ões) controvertida(s), tal como é (são) configurada(s) pelo autor.
73)- O representante para sinistros é parte legítima na acção em que é pedida indemnização decorrente de acidente de viação imputando responsabilidade a segurado da sua representada, sendo que à questão da legitimidade é inteiramente alheia a determinação concreta dos termos da representação, relevando antes a configuração do litígio na petição inicial - Ac. TRL. de 17-10- 2013, Processo 1458/12.0TVLSB.B1.6.
74)- Assim, fez o Tribunal Recorrido uma errada interpretação e aplicação do Direito, resultando violados, entre outros, os artigos 242.º, da Lei 147/15, de 9 de Setembro, 1.º, 2.º, n.º 4, 3.º, 4.º, 5.º, e 6.º do Regulamento Geral, 31.º a 46.º, 64.º e 90.º do SORCA, artigo 344.º do Código Civil, artigos 18.º, 19.º, 21.º e 24.º da Directiva 2009/13 e considerandos 30, 31, 34, 36, 37 e 40 da aludida Directiva e artigos 30.º, 574.º e 587.º do Código de Processo Civil.
75)- Devendo, consequentemente, a sentença recorrida ser totalmente revogada, decidindo-se que a Ré é parte legítima, para com ela a acção prosseguir seus termos. Termos em que, e nos demais de Direito aplicáveis, deve a presente apelação ser procedente, revogando-se a sentença recorrida, nos termos supra ou em outros que V. Exas suprirão, para assim se fazer Justiça!»
*
A Recorrida contra- alegou apresentando as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES:
1. A Ré D(…), S.A foi citada pessoalmente para os presentes autos, através de carta registada com aviso de receção, datada de 01/06/2022, rececionada a 06/06/2022, dando-lhe conhecimento que foi instaurado contra si um processo na qualidade de Ré, peticionando-se a final a sua condenação; 2. A Ré D(…), S. A é um gabinete de regularização de sinistros que atua em Portugal em representação de companhias Seguradoras estrangeiras, nomeadamente;
3. A D(…), S.A não é uma seguradora nem celebra contratos de seguro ou tem segurados, no âmbito das suas competências, devidamente estabelecidas na lei, apenas intervém como representante das seguradoras estrangeiras em fase extrajudicial;
4. A Ré D(…), S. A, não tem poderes nem mandato conferido para receber citações em nome da seguradora estrangeira P(…) REASEGUROS.
 5. Nem tem mandato para a representar em juízo.
6. Ao Gabinete Português da Carta Verde compete a satisfação das indemnizações devidas por acidentes ocorridos em Portugal sempre que a responsabilidade seja atribuída a seguradoras inscritas em gabinetes congéneres estrangeiros nas condições previstas no DL 291/2007 de 21 de agosto, designadamente no artigo 90º.
7. Nos termos da Lei, deveria a Autora ter acionado o GPCV e a citação feita junto do GPCV, entidade que verdadeira e legalmente representa as seguradoras estrangeiras em Portugal ou, em última instância deveria ter sido acionada, diretamente, a seguradora P(…) REASEGUROS para a qual estava à data transferida a responsabilidade civil pela circulação automóvel e a citação feita na sua pessoa;
8. A legislação portuguesa não permite a interposição de ações judiciais destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação contra entidade que não seja empresa de seguros – cfr. artigo 64º DL 291/2007.
9. O decreto-lei n.º 291/2007 de 21 de agosto, aplicável aos presentes autos, nos artigos 64º, n.º 1, alínea a) e 90º, identifica claramente as entidades com legitimidade para serem demandadas em juízo como parte principal.
10. A D(…), S.A não pode ser acionada pessoalmente na qualidade de parte demandada, nem peticionada a sua condenação, pois cabe-lhe apenas a regularização extrajudicial dos pedidos de indemnização reclamados pelos lesados contra companhias de seguro estrangeira que esta representa.
11. Este é o entendimento maioritário do Supremo Tribunal de Justiça sufragado no Acórdão proferido no processo 7147/17.2T8VNG.P1. S1, 2ª seção, disponível em www.dgsi.pt/jstj, datado de 04/07/2019.
12. Bem andou o tribunal a quo ao julgar verificada a exceção de ilegitimidade passiva do Ré D(…);
13. Bem andou o tribunal a quo ao proferir o saneador sentença absolvendo a Ré D(…) da Instância.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. se dignarem suprir, deverá o presente recurso improceder mantendo-se a decisão proferida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»

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O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Quaestio Iudicio:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº 4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº 2 do CPC).
A questão a resolver é a que consta das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que se resume a apreciar:
- Da legitimidade da Ré D(…), S.A para representar a seguradora P(…)REASEGUROS em juízo;
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III - Fundamentação
Os elementos fácticos relevantes para a decisão são os supra elencados e bem assim, a seguinte factualidade considerada pelo Tribunal a quo:
«Consideram-se provados, por acordo entre as partes, nos termos dos artigos 574º, n.ºs 1 e 2 e 587º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1) A Autora intentou a presente ação declarativa de condenação contra a Ré D(…), SA, com fundamento num acidente automóvel ocorrido no dia 03.06.2021, cerca das 14h30m, na Estrada Nacional 601, sentido Madrid/Leon, em Espanha.
2) Foram intervenientes no sinistro o veículo com a matrícula ..-NH-.. e o veículo com a matrícula estrangeira ...HHM.
3) Por conta do referido acidente peticiona a Autora a condenação da D(…), S.A no pagamento do valor total de 40.614,79 (quarenta mil, seiscentos e catorze euros e setenta e nove cêntimos).
4) A Ré D(…), S.A tem como objecto social:
1. A prestação de serviços relativos à gestão de frotas e à peritagem automóvel;
2. A prestação de quaisquer serviços administrativos, técnicos, logísticos, de marketing, de consultoria e gestão de clientes, para o sector automóvel e segurador, incluindo, sem limitação, a avaliação de danos em veículos automóveis, realização de relatórios e avaliações técnicas automóveis, reconstituição e relatórios de acidentes automóveis, a averiguação e investigação de acidentes automóveis e a valorização de todos os tipos de veículos a motor;
3. Licenciamento de software específico para o sector automóvel e segurador;
4. Prestação de serviços de metrologia industrial, legal e científica, recorrendo às actividades de ensaio, calibração, análise e inspecção;
5. A prestação de serviços de certificação, auditoria, inspeção e formação;
6. A regularização de sinistros; auditoria a processos de sinistros; contact center; para seguradoras e outros operadores; consultoria à gestão de sinistros; serviços direta e/ou indiretamente relacionados com a prestação de serviços administrativos e comerciais de âmbito nacional e internacional; serviços direta e/ou indiretamente relacionados com peritagens e perícias médicas para avaliação e quantificação de danos corporais e patrimoniais; análises de mercado do sector segurador e representação de seguradoras estrangeiras que operem em Portugal em regime de livre prestação de serviços.
5) A Ré D(…), S.A é um gabinete de regularização de sinistros que actua em Portugal em representação de companhias Seguradoras estrangeiras, nomeadamente, e no caso em apreço, em representação da seguradora P(…) REASEGUROS, seguradora para a qual estava transferida a responsabilidade pela circulação do veículo ...HHM.
6) A Ré D(…), S.A não é uma seguradora nem celebra contratos de seguro ou tem segurados, no âmbito das suas competências, apenas intervindo como representante das seguradoras estrangeiras em fase extrajudicial, não tendo poderes para as representar em juízo.
7) A Ré D(…), S.A. desenvolve a sua atividade em regime de prestação de serviços e não tem poderes nem mandato conferido para receber citações em nome da P(…) REASEGUROS,
8) Nem tem mandato para a representar em juízo.»
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Da modificabilidade da decisão de facto
O nº 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil preceitua que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, o que resulta também do disposto nos artigos 389º, 391º e 396º do Código Civil, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal; desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do artigo 607º).
Cumpre realçar que a “livre apreciação da prova” não se traduz obviamente numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 655).
“Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância” (Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 591).
De facto, dispõe o n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto  (Ac. TRG, 26.10.2017 in www.dgsi)
O legislador impõe por isso ao recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto tal ónus de especificar, sob pena de rejeição do recurso.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve, pois, ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este conclua, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância.
Os pontos da matéria de facto em causa são os seguintes:                 
«6) A Ré D(…), S.A não é uma seguradora nem celebra contratos de seguro ou tem segurados, no âmbito das suas competências, apenas intervindo como representante das seguradoras estrangeiras em fase extrajudicial, não tendo poderes para as representar em juízo.
7) A Ré D(…), S.A. desenvolve a sua atividade em regime de prestação de serviços e não tem poderes nem mandato conferido para receber citações em nome da P(…) REASEGUROS,
8) Nem tem mandato para a representar em juízo»
Sustenta a Recorrente que houve erro no julgamento da matéria de facto não devendo ser considerados provados os factos alegados pela R., e que foram considerados pelo Tribunal a quo como provados por acordo das partes, desde logo porque foram objecto de impugnação pela A. na resposta à contestação e como tal não poderiam ter sido dados como provados por acordo das partes, mais acrescentando que os mesmos foram, assim, dados como provados por mera alegação da R. sem que esta tivesse feito qualquer prova sobre os mesmos, limitando-se a alegar que não é uma seguradora, nem tem poderes de representação judicial da seguradora P(…) Reaseguros.
No presente recurso invoca, pois, a Recorrente que tais factos foram considerados erradamente provados pelo Tribunal de 1.ª Instância, sendo que apenas podiam ser provados por documento escrito e, nessa medida, não podem ser (nem podiam, atendendo à posição adoptada pela ora Recorrente) considerados admitidos por acordo.
Conclui, assim, a Recorrente que por um lado, por total inexistência de prova que competia à Ré/Recorrida (e também por inexistência de prova por acordo das partes ); e, por outro, por contradição entre os factos sob os itens 6), 7) e 8) que foram considerados erradamente como provados (e que aqui se deixam impugnados em recurso sobre matéria de facto) com os factos provados sob os itens 4) e 5) (não impugnados neste recurso de matéria de facto) e, por fim, por violação da aplicação e interpretação da legislação acima referida (Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/09/2009; Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril), atendendo à sua letra e espírito, os factos sob os itens 6), 7) e 8), têm de se considerar como não provados.
Vejamos:
Ora, desde logo mencionar que assiste razão à Recorrente quando invoca que não poderia tal factualidade ter sido dada como provada por acordo das partes, na medida em que a. impugnou a alegação da R. na sua resposta à excepção de ilegitimidade.
Sucede que, analisada a referida factualidade vertida nos pontos 6), 7) e 8) forçoso se torna concluir que os referidos pontos nem deveriam ter sido levados à factualidade relevante para apreciação da acção, na medida em que encerram matéria conclusiva e matéria de direito.
Ademais, os pontos 4 e 5 encerram, desde logo, a matéria de facto resultante do objecto social da Ré, e é a partir do objecto social da R. que podemos então retirar as devidas conclusões, sobre se a R. é ou não uma seguradora ou se tem poderes de representação judicial da seguradora P(…).

Senão vejamos:
Como se sabe, a matéria de facto “não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”  (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Processo Civil, 312), pelo que as questões de direito que constarem da seleção da matéria de facto devem considerar-se não escritas (embora o actual CPC não contenha norma correspondente à ínsita no art.º 646º, n.º 4, 1ª parte, do anterior CPC, chega-se à mesma conclusão interpretando a contrario sensu o atual art. 607.º, n.º 4, segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz declara os “factos” que julga provados) (cfr. AC. STJ, 11.09.2024 in www.dgsi.pt ).
Embora só acontecimentos ou factos concretos possam integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão (“o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstratos com que os descreve a norma legal, por que tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste”(Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, 268-269), são ainda de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes. (Cfr. Anselmo de Castro, ibidem).
Deste modo, também na expressão de Anselmo de Castro, “a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são flutuantes” (Cfr. Anselmo de Castro, ibidem).
Identicamente, e com o mesmo critério, como tem sido sustentado pela jurisprudência, são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio, ou seja, na expressão do Ac. de 09.12.2010 deste Supremo Tribunal (Proc. 838/06.5TTMTS.P1.S1), que invadam o domínio de uma questão de direito essencial.
Compreende-se que assim seja, uma vez que, como refere o Acórdão do STJ de 22.02.2022, Proc. nº 116/16. 1T8OLH.E1.S1 (6ª Secção), “a atividade probatória só poderá incidir sobre factos concretos e não sobre juízos valorativos ou conclusões de direito, sob pena de se colocar a atividade de produção de prova num sistema de ligação direta e automática com interpretação e aplicação da lei (…), como se não estivessem em causa dois planos rigorosamente distintos que não se confundem nem se sobrepõem”.
Desta forma, por conter matéria que consubstancia na realidade uma questão de direito ou um juízo de natureza conclusiva/valorativa, como sucede in casu, sendo objeto de disputa das partes se a R. tem ou não poderes de representação em juízo da seguradora Pelayo, deverá ser julgada não escrita, a matéria constante dos artigos 6, 7, 8. (cfr. AC. STJ, 11.09.2024 in www.dgsi.pt ).
A Recorrente invoca ainda, erro de julgamento da matéria de facto, dos pontos 6), 7) e 8) por contradição com a factualidade constante dos pontos 4) e 5) entendendo que cabia à R. provar o por si alegado de que não está mandatada pela seguradora Pelayo para a representar em juízo, exercendo a sua actividade em prestação de serviços e não tendo poderes nem mandato conferido para receber citações em nome da P(…) Reaseguros.
Assim, cabe indagar a quem compete provar e demonstrar tais factos invocados pela R.: trata-se de um facto negativo e, por isso, de prova impossível, não compete à Ré a prova de um facto negativo, ou seja, de que o mandato para receber citações não existia. A Ré, alegou esse facto, e a parte contra quem é o mesmo alegado deve fazer a prova do facto inverso, ou seja deve provar o facto positivo que se lhe opõe visto que é com base nesse facto positivo que a. demanda a R..
A causa de pedir é "o acto ou facto jurídico de que procede a pretensão do autor" (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, 1945, pág. 369. Sobre este conceito pode ainda ver-se o mesmo autor em Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 1950, pág. 121) e ela é "consubstanciada tão só pelos factos que preenchem a previsão da norma que concede a situação subjectiva alegada pela parte." (Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. I, 3.ª Reimpressão, pág. 193 e 194).
Na sua petição inicial a autora alegou que a R. representava a Seguradora P(…) Reaseguros em Portugal, daí que a demandasse, peticionando o pagamento de uma indemnização decorrente de um acidente de viação ocorrido em Espanha em que o veículo causador do acidente é segurado pela Seguradora P(…) Reaseguros, representada pela R., peticionando a condenação da R no pagamento de indemnização no montante de € 40.614,79.
  Por sua vez, o n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil consagra o princípio de que "àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado". E "isto quer os factos sejam positivos quer sejam negativos (Alberto dos Reis, em Código de Processo Civil Anotado, III, pág. 228; Antunes Varela, em Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 116.°, pág. 341, e no Manual de Processo Civil, 2.ª ed., pág. 455; Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, III, pág. 194)." (Neste sentido veja-se Ac. STJ de 7-2-2008 no Proc. 07A4705, www.gde.mj.pt.).
Contrariamente ao que está subjacente à alegação da autora, "não é pelo facto de estarmos perante um "facto negativo" que se inverte o ónus da prova nem tão-pouco pela dificuldade que isso naturalmente representa." (cfr. Ac. STJ de 7-2-2008 no Proc. 07A4705, www.gde.mj.pt).
A regra negativa non sunt probanda, "quando entendida no sentido de que não carecem de prova os factos negativos, não parece ser de aceitar, pois, se o direito, que se faz valer, tem como requisito um facto negativo, deve este facto ser provado por quem exerce o direito, precisamente como os factos positivos que sejam requisitos dos direitos exercidos. Não há motivos para soluções diferentes nos dois casos, dado que os factos negativos não têm que se presumir pela mera circunstância de o serem, nem seria razoável que se impusesse à outra parte o ónus de provar o facto positivo contrário" (Vaz Serra, Provas, BMJ, 110, pág. 116).
Face à dificuldade de prova dos factos negativos somente se deverá admitir uma menor exigência quanto à sua demonstração (Neste sentido veja-se Ac. STJ de 17-10-2006 no Proc. 06A2741, www.gde.mj.pt e Pereira Coelho, RLJ, 117, pág. 95.).
Ora, os factos constitutivos de um direito são os "momentos constitutivos do facto jurídico (simples ou complexo) que representam o título ou a causa desse direito" (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 201).
Assim, a alegação de que a Ré é a Companhia de Seguros, representante em Portugal da Companhia de Seguros espanhola P(…) Reaseguros e, como tal, responsável pelo pagamento da indemnização peticionada, é um dos factos constitutivos do direito invocado pela A, o mesmo é dizer que era sobre si que recaía o ónus de provar tal facto (cfr. Ac. TRG 24.11.2016, in www.dgsi.pt).
Ou seja, o que havia a provar era que a R. era uma seguradora, com mandato da companhia de seguros espanhola para, em Portugal, a representar em juízo, o que foi alegado mas não resultou provado, não existindo qualquer presunção iuris tantum conforme invocado pela recorrente, da existência do mandato judicial a partir do momento em que há o dever imposto às seguradoras de conferir poderes de intervenção em seu nome a entidades por si indicadas nos diversos países, nem tão pouco que o mandato abrange a regularização e gestão dos sinistros, extrajudicialmente e nos tribunais (artigo 344º do Código Civil).
Em suma, devem ser eliminados os pontos 6), 7) e 8) da matéria de facto provada por se afigurarem conclusivos e conterem matéria de direito.
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Destarte, atenta a apreciação supra da impugnação da matéria de facto, resulta com relevância para a decisão da causa a seguinte factualidade:
Consideram-se provados, por acordo entre as partes, nos termos dos artigos 574º, n.ºs 1 e 2 e 587º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1) A Autora intentou a presente ação declarativa de condenação contra a Ré D(…), S.A, com fundamento num acidente automóvel ocorrido no dia 03.06.2021, cerca das 14h30m, na Estrada Nacional 601, sentido Madrid/Leon, em Espanha.
2) Foram intervenientes no sinistro o veículo com a matrícula ..-NH-.. e o veículo com a matrícula estrangeira ...HHM.
3) Por conta do referido acidente peticiona a Autora a condenação da D(…), S.A no pagamento do valor total de 40.614,79 (quarenta mil, seiscentos e catorze euros e setenta e nove cêntimos).
4) A Ré D(…), S.A tem como objecto social:
1. A prestação de serviços relativos à gestão de frotas e à peritagem automóvel;
2. A prestação de quaisquer serviços administrativos, técnicos, logísticos, de marketing, de consultoria e gestão de clientes, para o sector automóvel e segurador, incluindo, sem limitação, a avaliação de danos em veículos automóveis, realização de relatórios e avaliações técnicas automóveis, reconstituição e relatórios de acidentes automóveis, a averiguação e investigação de acidentes automóveis e a valorização de todos os tipos de veículos a motor;
3. Licenciamento de software específico para o sector automóvel e segurador;
4. Prestação de serviços de metrologia industrial, legal e científica, recorrendo às actividades de ensaio, calibração, análise e inspecção;
5. A prestação de serviços de certificação, auditoria, inspeção e formação;
6. A regularização de sinistros; auditoria a processos de sinistros; contact center; para seguradoras e outros operadores; consultoria à gestão de sinistros; serviços direta e/ou indiretamente relacionados com a prestação de serviços administrativos e comerciais de âmbito nacional e internacional; serviços direta e/ou indiretamente relacionados com peritagens e perícias médicas para avaliação e quantificação de danos corporais e patrimoniais; análises de mercado do sector segurador e representação de seguradoras estrangeiras que operem em Portugal em regime de livre prestação de serviços.
5) A Ré D(…), S.A é um gabinete de regularização de sinistros que actua em Portugal em representação de companhias Seguradoras estrangeiras, nomeadamente, e no caso em apreço, em representação da seguradora P(…) REASEGUROS, seguradora para a qual estava transferida a responsabilidade pela circulação do veículo ...HHM.
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IV- Do Direito:

Estabilizado o quadro factual do litígio, cumpre analisar juridicamente a pretensão da Recorrente, à luz do mesmo.
No recurso em apreço, alega a Recorrente que é válida a citação da seguradora responsável demandada (parte na acção) na pessoa do seu representante para sinistros “independentemente de se desconhecer o âmbito do mandato a este conferido”, bastando que a sua nomeação tenha sido comunicada ao ISP para se considerar estar ope legis habilitado a representar a seguradora na acção judicial.
Mais alegando que, o dever imposto às seguradoras de conferir poderes de intervenção em seu nome nos processos judiciais não significa necessariamente que eles existam, mas basta que se prove ter havido a indicação do representante para se concluir pela existência do mandato, devendo presumir-se “juris tantum” que ele abrange a regularização e gestão dos sinistros, extrajudicialmente e nos tribunais (artigo 344.º do Código Civil). E essa presunção deve ser ilidida (após alegação e prova, o que não aconteceu no caso “sub judice”) por banda de quem invoca a ilegitimidade com base na alegação de que o mandato para a regularização e gestão do sinistro é restrito à fase extrajudicial (ou pela entidade obrigada à fiscalização do cumprimento dos deveres legais, caso detenha elementos bastantes, designadamente o contrato de mandato). E, ponderando tudo o acima exposto, conclui que está demonstrado plenamente que a Ré é parte legítima, quer por apelo a disposto no artigo 30.º do Código de Processo Civil, quer pela consequente inversão do ónus da prova sobre os poderes delegados pela “P(…)” à Ré, quer, ainda, pela aplicação das normas legais e regulamentares aplicáveis.
Alegando, ainda, que o interesse em contradizer, definido no n.º 1.º do artigo 30.º do diploma legal citado – “o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer” –, tem de ser apreciado com referência ao n.º 2 – “o interesse em contradizer [exprime-se] pelo prejuízo que dessa procedência advenha” –, restando o n.º 3 para os casos de “falta de indicação da lei em contrário” (Acórdão STJ, de 16-11-2006, Processo n.º 06B3630) caso em que “são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal «como é configurada pelo autor”, salvo se houver uma lei que diga o contrário, isto é, que defina expressamente a ilegitimidade da pessoa demandada ou, também expressamente, a legitimidade de outra pessoa, o que entende não suceder in casu, não existindo norma que afaste a presunção prevista no n.º 3 do art.º 30.º CPC.
E desta forma conclui que fez o Tribunal Recorrido uma errada interpretação e aplicação do Direito, resultando violados, entre outros, os artigos 242.º, da Lei 147/15, de 9 de Setembro, 1.º, 2.º, n.º 4, 3.º, 4.º, 5.º, e 6.º do Regulamento Geral, 31.º a 46.º, 64.º e 90.º do SORCA, artigo 344.º do Código Civil, artigos 18.º, 19.º, 21.º e 24.º da Directiva 2009/13 e considerandos 30, 31, 34, 36, 37 e 40 da aludida Directiva e artigos 30.º, 574.º e 587.º do Código de Processo Civil.
Devendo, consequentemente, a sentença recorrida ser totalmente revogada, decidindo-se que a Ré é parte legítima, para com ela a acção prosseguir seus termos.
Resulta do disposto no art.º 67.º n.ºs 3 e 4 do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto que:
“3 - O representante para sinistros deve ainda dispor de poderes suficientes para representar a empresa de seguros junto das pessoas lesadas nos casos referidos no n.º 1 e satisfazer plenamente os seus pedidos de indemnização e, bem assim, estar habilitado a examinar o caso na língua ou línguas oficiais do Estado membro de residência da pessoa lesada.
4 - O representante para sinistros deve reunir todas as informações necessárias relacionadas com a regularização dos sinistros em causa e, bem assim, tomar as medidas necessárias para negociar a sua regularização”.
Preceituando o n.º 1 de tal preceito que: “As empresas de seguros sediadas em Portugal, bem como as sucursais em Portugal de empresas com sede fora do território do espaço económico europeu, autorizadas para a cobertura de riscos do ramo Responsabilidade civil de veículos terrestres a motor, com excepção da responsabilidade do transportador, têm liberdade de escolha do representante, em cada um dos Estados-Membros para o tratamento e regularização, no país de residência da vítima, dos sinistros ocorridos num Estado distinto da residência desta (“representante para sinistros”)”.
Sendo que segundo o n.º 5 desse mesmo preceito “A designação de representante para sinistros previsto no presente artigo não prejudica o disposto no artigo 64.º, relativamente aos acidentes em que seja devida a aplicação da lei portuguesa”.
E o art.º 64.º n.º 1 prescreve que: “1 - As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer sejam exercidas em processo civil quer o sejam em processo penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente:
a) Só contra a empresa de seguros, quando o pedido formulado se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório.
b) Contra a empresa de seguros e o civilmente responsável, quando o pedido formulado ultrapassar o limite referido na alínea anterior”.
É manifesto, perante o que preceituam os n.ºs 3 e 4 do art.º 67.º que o representante para sinistros dispõe de um mandato legal para representar as empresas de seguros, regularizando os sinistros, podendo perante ele ser reclamada (extrajudicialmente) indemnização pelo lesado.
Todavia, nada obsta a que, independentemente da existência de um representante de seguros, o lesado possa demandar directamente a empresa de seguros, podendo, no entanto, o lesado optar por apresentar o seu pedido de indemnização ao representante para sinistros (cfr. art.º 68.º do DL n.º 291/2007,21.08).
Preceitua ainda o n.º 7 que “a designação do representante para sinistros não equivale, por si, à abertura de uma sucursal, não devendo o representante para sinistros ser considerado um estabelecimento para efeitos de determinação de foro, nomeadamente para a regularização judicial de sinistros”.
Mesmo demandando-o em Tribunal, como decorre do considerando (38) Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16.09.2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, onde se escreve que “os representantes para sinistros deverão ter poderes suficientes para representar a empresa de seguros perante sinistrados que tiverem sofrido danos devido a esses acidentes, bem como para representar a empresa de seguros junto das autoridades nacionais, incluindo, se necessário, os tribunais, na medida em que tal seja compatível com as regras de direito internacional privado relativas à atribuição de competência jurisdicional”. E isto na linha dos considerandos (14) e (15) da anterior directiva 2000/26/CE que acabou por ser transposta para a ordem jurídica portuguesa pelo DL n.º 291/2007, de 21.08, que aprovou o regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e, desde que o mandato para regularização de sinistros inclua o poder de representação judicial, ou seja, nos casos em que a seguradora estrangeira confira ao representante para regularização de sinistros o poder de a representar judicialmente (cfr Acórdão TRP de 15.11.2018 in www.dgsi.pt).

No que concerne aos poderes conferidos ao representante para sinistros, estabelece o art. 21º, nº 5 da Diretiva 2009/103/CE que «Os representantes para sinistros devem dispor de poderes suficientes para representar a empresa de seguros junto das pessoas lesadas nos casos referidos no n.o 1 do artigo 20.o e para satisfazer plenamente os seus pedidos de indemnização». «Neste contexto legal, ou seja, na falta de uma norma que atribua, expressamente, aos representantes das seguradoras que exerçam a respetiva atividade no estrangeiro, incluindo nos países da União Europeia, legitimidade para serem demandados em juízo, por cidadãos nacionais de um Estado Membro da União Europeia, em função de acidentes ocorridos no Estado Membro da sua residência, mas ante o teor do art. 21, nº 5 da 6ª Diretiva 2009/103/CE, idêntico ao do art. 41º, nº 3 do DL nº 522/85 (Lei do Seguro Obrigatório, entretanto revogada), na redação do citado DL nº 72-A/2003 de 14/4, e ainda do disposto no artº 67º nº3 e 7 do citado DL nº 291/2007 de 21/8, diferentes foram as respostas apresentadas para uma tal questão formando-se duas correntes jurisprudenciais.
Assim, nesta matéria, defendeu o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26.02.2013 (processo nº 444/11.2TBANS-A.C1) in www.dgsi.pt, que «em matéria de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel foi preocupação do legislador nacional, determinado pelo direito comunitário, proteger os lesados por acidente de viação ocorrido em Estado membro da União Europeia, v. g., permitindo a sua regularização plena dentro do seu espaço jurídico», concluindo que «a “representante para sinistros” em Portugal de seguradora estrangeira responsável pelo acidente é dotada de legitimidade passiva para ser judicialmente demandada na correspondente acção de indemnização».
Também nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17.11.2016 (processo 2156/14.6TBBRG) in www.dgsi.pt, considerou-se, fazendo apelo ao citado Acórdão do TJUE , de 10.10.2013, processo C-306/12 (Acórdão Spedition Welter) [19], que «o artigo 21º, nº 5, da Diretiva 2009/103 deve se interpretado no sentido de que, entre os poderes suficientes de que deve dispor o representante para sinistros, figura a sua habilitação para receber validamente a notificação dos atos judiciais necessários à instauração de um processo para reparação dos danos de um sinistro perante o órgão jurisdicional competente», pelo que «basta que se prove ter havido a indicação do representante para se concluir pela existência do mandato, devendo presumir-se juris tantum que ele abrange a regularização e gestão dos sinistros, extrajudicialmente e nos tribunais».
Mais se afirmou, no Acórdão desta mesma Relação de 20.10.2016 in www.dgsi.pt que «Independentemente de se desconhecer o âmbito do mandato conferido pela seguradora, é de considerar que o representante para sinistros cuja nomeação foi comunicada ao Instituto de Seguros de Portugal está ope legis habilitado a representar a seguradora em acção judicial. É a interpretação que deve fazer-se do direito comunitário e do nº1 do art. 66º do DL 94-B/98, de 17 de Abril, segundo o qual as empresas de seguros devem conferir aos representantes para sinistros “poderes suficientes para a representar ou, se necessário, para a fazer representar perante os tribunais e autoridades portuguesas no que respeita aos mencionados pedidos de indemnização”».
Todavia, diferente entendimento teve o Supremo Tribunal de Justiça, que no seu Acórdão de 11.01.2011 (processo nº 2357/08.6TVLSB.L1.S1)[21], acentuando a necessidade de analisar os poderes que resultam do acordo de representação, concluiu que «Em matéria de responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, ocorrido em Espanha, sujeito ao regime do seguro obrigatório, em que é responsável uma seguradora domiciliada em Espanha, tem legitimidade para ser demandada a seguradora domiciliada em Portugal que tem um acordo com aquela responsável em que esta incumbe aquela de resolver os litígios deste tipo, tendo a seguradora portuguesa perante aquela se obrigado a regularizar o sinistro, sem necessidade de obter autorização daquela responsável».
No mesmo sentido, pronunciou-se o Acórdão do STJ de 25.05.2017 (processo nº 806/12.8TBVCT.G1.S1 in www.dgsi.pt ), que, louvando-se nas conclusões do Advogado – Geral de 30 de maio de 2013 (processo C-306/12, onde foi proferido o já citado Acórdão Spedition Welter), concluiu que: «I. O representante para sinistros em Portugal, designado por empresa de seguros estrangeira, embora disponha de poderes para regularizar sinistros ocorridos com lesado português no estrangeiro, não dispõe, nessa qualidade, com base no disposto no artigo 67.º/3 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, que aprovou o regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, de poderes de representação judicial da seguradora salvo se esta os conferir, não podendo, assim, enquanto representante de sinistros, ser demandado em ação judicial proposta pelo lesado que não viu ser aceite pelo representante de sinistros o pedido de indemnização pelos danos emergentes de acidente de viação que junto daquele reclamou.
II - O representante de sinistros não equivale, por si, à abertura de uma sucursal e, por isso, não dispõe de legitimidade passiva para ser demandado em ações de indemnização propostas contra as suas seguradas (artigo 67.º/7 do Decreto-Lei n.º 291/2007).
III - No entanto, se, independentemente da qualidade de representante de seguros, a entidade que procede à regularização de sinistros for uma sucursal em Portugal da seguradora, ela pode ser demandada, verificada a previsão constante do artigo 13.º/2 do CPC/2013 desde que os tribunais portugueses sejam competentes em razão da nacionalidade.
IV - Não pode, no entanto, a sucursal ser demandada juntamente com a seguradora como se houvesse litisconsórcio voluntário, pois a relação material controvertida respeita apenas à seguradora, o interesse da sucursal é o interesse da ré, não podendo, assim, a sucursal, agência, filial ou delegação litigar em posição litisconsorcial com a parte principal que foi demandada, no caso, a empresa de seguros (artigo 32.º do CPC/2013)».
Neste mesmo sentido se pronunciou de forma clara o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão datado de 4 de julho de 2019 (in www.dgsi.pt), que apreciando de forma detalhada e minuciosa a problemática, conclui sumariamente que:
«I. A resposta a dar à questão de saber se nos poderes do representante para sinistros estão incluídos não apenas a gestão extrajudicial de sinistros, mas também os poderes de intervenção em processos judiciais, quer em representação da seguradora, quer para ser demandado em ação de indemnização movida contra a sua representada, tem de ser encontrada no seio da chamadas “Diretivas Automóveis” e à luz da interpretação dada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia ao artigo 4º da Diretiva 2000/26/CE, do Parlamento e do Conselho, de 16.5.2000, na redação que lhe foi dada pela Diretiva 2005/14/CE, do Parlamento e do Conselho, de 11/5/2005 e do artigo 21º, nº 5 da Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, bem como do regime de seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, vigente entre nós e que transpôs para o nosso direito interno as referidas diretivas.
 II. No quadro da referida legislação europeia, o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 15.12.2016, processo C- 558/15 (Acórdão Vieira de Azevedo e O.), declarou que: «O artigo 4º da Diretiva 2000/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de maio de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados – membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil, relativo à circulação de veículos automóveis e que altera as Diretivas 73/239/CEE e 88/357/CEE do Conselho (Quarta diretiva sobre o seguro automóvel) conforme alterada pela Diretiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, deve ser interpretado no sentido de que não impõe que os Estados-Membros prevejam que o próprio representante para sinistros ao abrigo desse artigo possa ser demandado, em vez da empresa de seguros que representa, numa ação de indemnização intentada no tribunal nacional por uma pessoa lesada abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 1. da Diretiva 2000/26, alterada pela Diretiva 20005/14». E o Acórdão do Tribunal de Justiça, da União Europeia de 10 de outubro de 2013, Processo C-306/12 (Acórdão Spedition Welter), declarou que: «O artigo 21º., nº 5, da Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, deve ser interpretado no sentido de que, entre os poderes suficientes de que deve dispor o representante para sinistros, figura a sua habilitação para receber validamente a notificação dos atos judiciais necessários à instauração de um processo para reparação dos danos de um sinistro perante o órgão jurisdicional competente».
III. Exposta a interpretação dada pelo Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 15.12.2016, processo C- 558/15 (Acórdão Vieira de Azevedo e O.) quanto ao alcance do artigo 4º da Diretiva 2000/26/CE, do Parlamento e do Conselho, de 16.5.2000, na redação que lhe foi dada pela Directiva 2005/14/CE, do Parlamento e do Conselho, de 11/5/2005 e consabido estarem os intérpretes e aplicadores do direito nacional vinculados ao princípio da “interpretação conforme”, sobre eles recaindo o dever de atribuir às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com o Direito da União vigente, impõe-se concluir que, no quadro da legislação nacional de 1998 e de 2007, o representante para sinistros, em Portugal, da seguradora que opera noutro Estado-Membro da União Europeia, não tem legitimidade passiva para ser demandado em ações de indemnização movidas contra a sua representada, na medida em que o representante e a seguradora representada constituem entidades diversas, tendo sido única intenção do legislador, no quadro da legislação europeia, melhorar a situação jurídica das pessoas lesadas na sequência de acidente de viação ocorrido fora do Estado-Membro de residência, mas já não já tornar o representante como que um garante ou simples mandatário da seguradora.
IV. Por outro lado, determinado pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, da União Europeia de 10 de outubro de 2013, Processo C-306/12 (Acórdão Spedition Welter), o alcance do mandato conferido ao representante de sinistros, que fica, deste modo, limitado à representação para efeitos de determinadas diligências processuais por forma a facilitar as diligências de notificação de atos judiciais, mas já não tornar o representante como um garante ou um simples mandatário da seguradora nem alterar as regras de atribuição da competência judiciária internacional, impõe-se concluir resultar claro, quer da génese da Diretiva 2000/13 (que codificou as anteriores cinco diretivas, 76/166/CEE Diretiva 84/5/CEE90/232/CEE Diretiva 2000/26/CE e 2005/14/CE, revogando-as), quer do estabelecido no seu 37 considerando e no seu art.º 21º, nº 5 (preceito que encontra correspondência quase integral no artigo 67º, nº 3 do DL nº 291/2007, de 21.08 ainda em vigor), que o facto destes preceitos conferirem poderes para regularização de sinistros extrajudicialmente e para receber validamente a notificação dos atos judiciais necessários à instauração de um processo para reparação dos danos de um sinistro perante o órgão jurisdicional competente, não significa que esse mandato inclua poderes de representação judicial.
V. O representante para sinistros em Portugal, designado por empresa de seguros estrangeira, embora disponha de poderes para regularizar sinistros ocorridos com lesado português no estrangeiro, não dispõe, nessa qualidade, com base no disposto no artigo 67.º, nº 3 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, que aprovou o regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, de poderes de representação judicial da seguradora, salvo se esta os conferir, não podendo, assim, enquanto representante de sinistros, ser demandado em ação judicial proposta pelo lesado com vista a obter da seguradora indemnização dos danos para ele emergentes de acidente de viação.».
De realçar, também neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24.01.2017 (processo nº 1273/12.1TBMCN.P1, in www.dgsi.pt), que por ter sido proferido na sequência, de um pedido de decisão prejudicial, formulado no mesmo processo ao Tribunal de Justiça da União Europeia, e que teve por objeto a interpretação objeto a interpretação do artigo 4º, nºs 4, 5 e 8, da Diretiva 2000/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de maio de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis (porquanto os factos que estiveram na origem do litígio ocorreram em 2007), assume especial relevo na medida em que assumiu os fundamentos do Acórdão do Tribunal de Justiça, de 15.12.2016, processo C- 558/15 (Acórdão Vieira de Azevedo e O.) proferido no âmbito do referido pedido de reenvio prejudicial e que declarou que: «O artigo 4º da Diretiva 2000/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de maio de 2000, relativa à aproximação das legislações dos Estados – membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil, relativo à circulação de veículos automóveis e que altera as Diretivas 73/239/CEE e 88/357/CEE do Conselho (Quarta diretiva sobre o seguro automóvel) conforme alterada pela Diretiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, deve ser interpretado no sentido de que não impõe que os Estados-Membros prevejam que o próprio representante para sinistros ao abrigo desse artigo possa ser demandado, em vez da empresa de seguros que representa, numa ação de indemnização intentada no tribunal nacional por uma pessoa lesada abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 1. da Diretiva 2000/26, alterada pela Diretiva 20005/14».
Assim, apreciando e decidindo o litígio em causa, à luz deste acórdão, concluiu este Acórdão da Relação do Porto que: « I - Do disposto nos artºs 43º nº 5 e 29º nº 1 al. a) D-L nº 522/85 de 21/12, na redacção do D-L nº 72-A/2003 de 14/4, e dos artºs 64º nº 1 al. a) e 67º nºs 5 e 7 da LSO de 2007 (D-L nº291/07 de 21/8) extrai-se que o representante para sinistros, em Portugal, da seguradora operando noutro Estado-Membro da União Europeia, não tem legitimidade passiva para ser demandado em acções de indemnização movidas contra a sua representada. II - O representante e a seguradora representada constituem entidades diversas, tendo sido única intenção do legislador, no quadro da legislação europeia (Directiva 2000/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Maio de 2000, conforme alterada pela Directiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005), melhorar a situação jurídica das pessoas lesadas na sequência de acidente de viação ocorrido fora do Estado-Membro de residência, não já tornar o representante como que um garante ou simples mandatário da seguradora, que sempre podia ser demandada em Portugal, independentemente de apenas exercer em outros Estados-Membros da U.E. a respectiva actividade».
E se é certo não ser aplicável ao caso dos autos, a referida Diretiva 2000/26/CE, porquanto os factos que estão na origem do presente litígio ocorreram em 2021 e, por isso, já na vigência da 6ª diretiva - Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, certo é também não se ter  registado nenhuma alteração substancial ao quadro legal traçado no que respeita ao representante para sinistros da empresa de seguros do veículo causador do acidente, na medida em que, tal como já deixamos dito, o art.º 21, nº 5 desta diretiva, que fixa os objetivos desta representação, continua a não especificar a extensão exata dos poderes confiados ao representante das seguradoras.
Mais se refere no mencionado Acórdão do STJ de 04.07.2019 in www.dgsi.pt que «1) O artigo 21º., nº 5, da Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, deve ser interpretado no sentido de que, entre os poderes suficientes de que deve dispor o representante para sinistros, figura a sua habilitação para receber validamente a notificação dos atos judiciais necessários à instauração de um processo para reparação dos danos de um sinistro perante o órgão jurisdicional competente. Ora, determinado, nestes termos, o alcance do mandato conferido ao representante de sinistros, que fica, deste modo, limitado à representação para efeitos de determinadas diligências processuais por forma a facilitar as diligências de notificação de atos judiciais, mas já não tornar o representante como um garante ou um simples mandatário da seguradora nem alterar as regras de atribuição da competência judiciária internacional, impõe-se concluir resultar claro, quer da génese da Diretiva 2000/13 (que codificou as anteriores cinco diretivas, 76/166/CEE Diretiva 84/5/CEE90/232/CEE Diretiva 2000/26/CE e 2005/14/CE, revogando-as), quer do estabelecido no seu 37 considerando e no seu art.º 21º, nº 5 (preceito que encontra correspondência quase integral no art.º 67º, nº 3 do DL nº 291/2007, de 21.08 ainda em vigor), que o facto destes preceitos conferirem poderes para regularização de sinistros extrajudicialmente e para receber validamente a notificação dos atos judiciais necessários à instauração de um processo para reparação dos danos de um sinistro perante o órgão jurisdicional competente, não significa que esse mandato inclua poderes de representação judicial.
E a verdade é que nem se vê que, desta forma, resulte qualquer prejuízo para o lesado, uma vez que este pode sempre demandar, no tribunal em que tiver residência, diretamente, a seguradora domiciliada noutro Estado-Membro, ao abrigo do estabelecido no Regulamento (CE) nº 1393/2007, do Parlamento e do Conselho, de 13 de Novembro, relativo à citação e à notificação de actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados Membros.».
Desta forma, resultando provado in casu que a D(…), S.A é um gabinete de regularização de sinistros que actua em Portugal em representação de companhias Seguradoras estrangeiras, nomeadamente, e no caso em apreço, em representação da seguradora P(…) REASEGUROS, seguradora para a qual estava transferida a responsabilidade pela circulação do veículo ...HHM (ponto 5 dos factos provados), tendo no seu objecto social a «1. A prestação de serviços relativos à gestão de frotas e à peritagem automóvel; 2. A prestação de quaisquer serviços administrativos, técnicos, logísticos, de marketing, de consultoria e gestão de clientes, para o sector automóvel e segurador, incluindo, sem limitação, a avaliação de danos em veículos automóveis, realização de relatórios e avaliações técnicas automóveis, reconstituição e relatórios de acidentes automóveis, a averiguação e investigação de acidentes automóveis e a valorização de todos os tipos de veículos a motor; 3. Licenciamento de software específico para o sector automóvel e segurador; 4. Prestação de serviços de metrologia industrial, legal e científica, recorrendo às actividades de ensaio, calibração, análise e inspecção; 5. A prestação de serviços de certificação, auditoria, inspeção e formação; 6. A regularização de sinistros; auditoria a processos de sinistros; contact center; para seguradoras e outros operadores; consultoria à gestão de sinistros; serviços direta e/ou indiretamente relacionados com a prestação de serviços administrativos e comerciais de âmbito nacional e internacional; serviços direta e/ou indiretamente relacionados com peritagens e perícias médicas para avaliação e quantificação de danos corporais e patrimoniais; análises de mercado do sector segurador e representação de seguradoras estrangeiras que operem em Portugal em regime de livre prestação de serviços» (ponto 4 dos factos provados) e, não tendo resultado provado que lhe foram conferidos poderes de representação judicial pela Companhia de Seguros Pelayo, forçoso se torna concluir que tendo a autora, na qualidade de lesada de acidente de viação ocorrido em Espanha e causado por veículo automóvel seguro na referida companhia seguradora, proposto a ação de indemnização contra a D(…), S.A, não há dúvida que esta não tem legitimidade passiva para ser demandada, nem em nome pessoal, nem em representação daquela seguradora.
Pelo exposto, importa concluir pela manutenção da decisão que apreciou a ilegitimidade da Ré e consequentemente pela sua absolvição da instância.
*
V- Decisão
Por tudo o exposto, decide-se julgar improcedente o recurso mantendo-se a decisão proferida nos termos da fundamentação supra.

Custas a cargo da Recorrente nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.

Notifique

Lisboa, 06.02.2025
Elsa Melo       
Jorge Almeida Esteves
Vera Antunes