Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
792/23.9PTLSB.L1-3
Relator: JOÃO BÁRTOLO
Descritores: VIOLÊNCIA NO DESPORTO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
IN DUBIO PRO REO
MEDIDA DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: O recurso alargado quanto à matéria de facto exige a especificação nas conclusões dos excertos factuais cuja impugnação é pretendida, acompanhado das referências probatórias que sustentam posição diversa da assumida pelo tribunal recorrido, fazendo uma ligação fundamentada entre eles, por forma a que este Tribunal da Relação possa dirigir a sua apreciação de modo criterioso.
Tendo a Meritíssima Juiz apreciado as provas produzidas criteriosamente, sem demonstrar alguma dúvida no seu juízo probatório, nem este se impondo necessariamente em face das considerações efectuadas na fundamentação, não é possível concluir pela violação do princípio do in dubio pro reo.
O montante diário da multa, nos termos do art.º 47.º, n.º 2, do Código Penal, o mesmo foi fixado em 6 euros, numa moldura abstracta que variava de 5 a 500 euros. Considerando que o mínimo legal deve corresponder às pessoas mais indigentes, uma vez que o arguido vive com a sua mãe, aufere 850 euros mensais, contribuindo para o seu agregado familiar e para um seu empréstimo, mas sem depender unicamente desse rendimento para a sua sobrevivência, e lembrando, como o faz o tribunal recorrido, que a pena de multa deve implicar um sacrifício – precisamente porque é uma consequência da prática de crimes – nenhum censura é possível efectuar à mencionada determinação do montante diário da multa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
No âmbito dos autos n.º 723/23.9PTLSB do Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 3 – após julgamento, foi proferida sentença que decidiu, na parte relevante para a apreciação deste recurso:
“(…)
e) Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria material, de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 33.º, n.º 1, da Lei n.º 39/2009 de 30 de Julho (Lei segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos), na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), na pessoa do ofendido BB;
f) Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria material, de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 33.º, n.º 1, da Lei n.º 39/2009 de 30 de Julho (Lei segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos), na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), na pessoa do ofendido CC;
g) Em cúmulo jurídico das penas referidas em e) e f), condenar o arguido AA na pena única de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros) o que perfaz a quantia de € 1.200,00 (mil e duzentos euros);
h) Condenar o arguido AA, na pena acessória de obrigação de proibição de acesso a recintos desportivos pelo período de 1 (um) ano (artigos 35.º, n.º 1, da Lei n.º 39/2009 de 30 de Julho).
(…)”.
Inconformado com esta decisão interpôs recurso o arguido AA que formulou, após a motivação, as seguintes conclusões:
“I – O presente recurso segue interposto contra a sentença condenatória proferida, especialmente delimitado quanto à matéria de facto dada como provada, pelo que impugna a condenação e requer a sua absolvição, e, subsidiariamente, quanto à medida concreta da pena.
II – O Ministério Público acusou três arguidos, pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 33.º, da Lei n.º 39/2009 de 30 de Julho (Lei segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos).
III – Entretanto, o ora Recorrente, assim como os coarguidos, foram condenados por ambos os crimes, a uma pena única de 200 dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros) o que perfaz a quantia de € 1.200,00 (mil e duzentos euros).
IV – Em sede de julgamento, o ora Recorrente, não prestou declarações, tendo apenas se pronunciado quanto às suas condições socioeconómicas.
V – Sucede que a M.ma Juíza de Direito, julgou à convicção, ao declarar que se convenceu de que: “é manifesto que os arguidos em sede de contexto de jogo de futebol interpelaram os ofendidos questionando-os a propósito da sua opção clubística e, por duvidarem da seriedade da resposta dada, o arguido DD agride o ofendido CC e os arguidos EE e AA agrediram o ofendido BB”.
VI – O ora Recorrente foi condenado à convicção, em atenção às supostas regras de experiência comum, que fizeram a Mma. Juíza concluir que este também teria cometido os crimes, em um alegado plano delineado com os coarguidos.
VII – O mero facto de se tratar de um jogo, “derby” da cidade de Lisboa, entre Sporting e Benfica, no Estádio José Alvalade, e ser natural que eventualmente pessoas apresentassem os ânimos mais exacerbados, com maioria de adeptos da equipa “da casa”, jamais pode ser invocado como suficiente para presumir que o ora Recorrente cometeu os crimes de ofensa à integridade físicas contra os ofendidos.
VIII – Recorde-se que os próprios ofendidos não reconheceram o ora Recorrente, em sede de Auto de Reconhecimento, feito na esquadra da PSP de Benfica, que foi negativo.
IX – Os próprios ofendidos nunca reconheceram o ora Recorrente como sendo um dos autores das agressões e, mesmo em sede de Audiência, nunca apontaram o dedo ao arguido como estando envolvido na situação.
X – Quanto às testemunhas, Agentes da Polícia de Segurança Pública, que intervieram na ação de abordagem, não há elementos que provem que o Recorrente incorreu na prática dos crimes de ofensa à integridade física.
XI – Até porque o mero facto de o ora Recorrente ser amigo dos coarguidos, jamais pode ser suficiente para determinar a sua condenação.
XII – Ninguém, absolutamente ninguém, que testemunhou neste processo, foi capaz de trazer elementos que provem a prática dos crimes pelo Recorrente; nenhum dos presentes viu as supostas agressões, e o facto de os Agentes da PSP terem visto duas pessoas a correrem e outras três também a correr não quer dizer que houve agressões e provas dos crimes.
XIII – Uma agressão física, como crime, só pode ser constatada com base em elementos sólidos, e não por mera opinião, diante do facto relatado no auto de notícia, que se restringe a certificar que os arguidos estariam a correr, tal e qual os ofendidos.
XIV – Não existe coerência em abordar o instituto da coautoria, expressa ou tácita, para fins de incriminação do Recorrente, pois para que houvesse coautoria teria que ter existido um plano comum, idealizado por todos os arguidos em idêntico propósito e comunhão de esforços.
XV – Dos relatos dos supostos ofendidos, resta acertado que foi o arguido DD quem os interpelou e iniciou uma suposta agressão, sem testemunhas oculares, meio à tanta multidão no estádio.
XVI – Nenhum dos dois ofendidos, afirmou reconhecer o Recorrente como sendo um dos seus agressores, facto que foi simplesmente ignorado pela Mma. Juíza, que o decidiu condenar à convicção.
XVII – Logo, existe fundada dúvida e inexatidão quanto à análise das provas da prática dos alegados crimes, motivo pelo qual deveria incidir o princípio do in dubio pro reo, e absolver o arguido, ora Recorrente.
XVIII – Subsidiariamente, caso assim não entenda o Tribunal da Relação, o Recorrente reivindica que seja avaliada a medida concreta da pena a que foi condenado, de forma a reduzir a pena de multa arbitrada nos crimes singularmente e em cúmulo jurídico, por entender pelo excesso e totalmente desproporcional ao caso dos autos.
XIX – O Recorrente não tem quaisquer antecedentes criminais, sempre esteve inserido social, profissional e familiarmente, critérios que, tendo em atenção ainda as exigências de prevenção especial e geral, permite concluir que a pena aplicada é extremamente injusta.
XX – Não há prova da prática dos crimes por parte do Recorrente, e oque resulta após ouvir as testemunhas, em audiência, é incapaz de fazer concluir nesse sentido sem se ferir o princípio da presunção de inocência e do in dubio pro reo.
XXI – A reforma da sentença pretendida é substancial para que haja uma decisão justa e em conformidade com a matéria de facto e de direito presentes, esperando-se disso a absolvição do Recorrente, ou, subsidiariamente, o que apenas por cautela se requer, a redução das pena de multa para um valor que corresponda à proporção do caso.
XXII – Nesse sentido, a medida da pena, consoante a moldura penal abstrata, é determinada em função das necessidades de prevenção e da culpa do agente, nos termos do disposto no artigo 71.º do Código Penal, visando desse modo a proteção de bens jurídicos, de acordo com o artigo 40.º do mesmo diploma.
XXIII – O Recorrente repisa a sua posição de que deve ser absolvido, mas, ainda assim, caso seja mantida a condenação, resta evidente que qualquer condenação, sempre lhe representaria um sacrifício real, que, claro, sobre a situação financeira torna-se ainda mais dispendioso.
XXIV – Até porque o Recorrente aufere mensalmente uma quantia muito próxima do ordenado mínimo, e, atento ao facto de ter um orçamento mensal totalmente comprometido, diante das despesas básicas, torna um sacrifício injustificado e irrazoável, pelo que nunca se concorda com a pena aplicada, que é excessiva e desproporcional, conforme previsto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.
XXV – Não se pode pela dinâmica dos acontecimentos, depreender que a culpa é elevada, e, de igual modo, as exigências de prevenção especial apresentam-se reduzidas, sendo que o Recorrente nunca teve qualquer averbação criminal e é uma pessoa totalmente integrada. Portanto, na remota hipótese de manutenção da condenação, deve ser reduzida para taxa diária mínima de € 5 (cinco euros) e atenuado para o terço do quantitativo de dias multa fixados em sentença.
TERMOS EM QUE, E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE SER REVOGADA A SENTENÇA, SENDO SUBSTITUÍDA POR OUTRA DECISÃO QUE DETERMINE A ABSOLVIÇÃO DO RECORRENTE DA PRÁTICA DO CRIME DE OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA NA PESSOA DO OFENDIDO BB, ASSIM COMO DO MESMO CRIME NA PESSOA DO OFENDIDO CC.
NA REMOTA HIPÓTESE DE ESTE NÃO SER O ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO, SUBSIDIARIAMENTE, O RECORRENTE REQUER QUE SEJA REVOGADA A SENTENÇA, SENDO SUBSTITUÍDA POR OUTRA DECISÃO QUE REDUZA AS PENAS DE MULTA ARBITRADAS NA SENTENÇA, PELA PRÁTICA DOS CRIMES, BEM COMO SUBSTANCIALMENTE ATENUADA A PENA ÚNICA, DEFINIDA EM CÚMULO JURÍDICO, TENDO COMO LIMITES A TAXA DIÁRIA DE € 5 (CINCO EUROS) E ORDENAR A REDUÇÃO DO QUANTITATIVO DOS DIAS MULTA PARA UM TERÇO DO QUE FOI FIXADO NA SENTENÇA.
FAZENDO-SE, ASSIM, A COSTUMADA JUSTIÇA”.
O Ministério Público em 1.ª instância respondeu a este recurso em suporte da decisão recorrida, com a apresentação das seguintes conclusões:
1. Nestes autos, foi o arguido condenado pela prática, em co-autoria material, de dois crimes de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 33.º, n.º 1, da Lei n.º 39/2009 de 30 de Julho (Lei segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos), na pena única de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros) o que perfaz a quantia de € 1.200,00 (mil e duzentos euros); e na pena acessória de obrigação de proibição de acesso a recintos desportivos pelo período de 1 (um) ano (artigos 35.º, n.º 1, da Lei n.º 39/2009 de 30 de Julho).
2. Não se conformando com a sentença, entendeu por bem o arguido levá-la à censura de V. Exªs., requerendo a sua revogação por acórdão que o absolva, porquanto e, em síntese, não foi produzida em audiência prova suficiente da prática dos crimes de ofensa à integridade física, devendo operar o princípio in dúbio pro reo.
3. Em tom subsidiário, invoca ainda o Recorrente que a pena única de multa é excessiva e desproporcional, pugnando pela sua redução “para um terço do que foi fixado em sentença”.
4. O Ministério Público entende que o presente recurso deve ser julgado improcedente.
5. Na fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida, consta a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e o respetivo processo lógico e racional que foi seguido na apreciação dessas provas, não se vislumbrando a existência de qualquer arbitrariedade nessa apreciação, nem contradição.
6. Ao analisarmos a fundamentação - que cumpriu os requisitos exigidos no artigo 374º, nº 2, do Código do Processo Penal, indicando e examinando criticamente as provas que serviram para formar a convicção do tribunal -, verificamos que nela se explicitou de forma clara o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido que ali se deixou consignado.
7. O tribunal indicou os meios de prova em que se baseou, tendo feito a análise dos depoimentos das testemunhas, que conjugou com toda a prova documental dos autos, bem como com as imagens constantes do auto de visionamento e do próprio CD, bem como explicitou o processo que seguiu para a formação da sua convicção, o que permite aferir das regras e critérios de valoração seguidos e se o resultado probatório surge como o mais aceitável.
8. A Mmª Juiz a quo seguiu um processo lógico e racional, observando regras de experiência comum (regras de probabilidade e razoabilidade), sendo a decisão convincente pela explicitação do substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse naquele sentido e pela forma como valorou os diversos meios de prova, indicando a razão porque uns merecem credibilidade em detrimento de outros, não merecendo por isso qualquer reparo.
9. Entende o Ministério Público que o tribunal apreciou corretamente a prova produzida em audiência e fundamentou com clareza e objetividade a sua convicção, em observância das regras que norteiam a apreciação da prova, sendo por isso insuscetível de crítica.
10. Do cotejo crítico e conjugado da prova e à luz das regras da experiência comum e da adequação social, nada vislumbramos nos factos dados por provados, que importe a existência de um errado juízo na apreciação e valoração da prova, sendo que os mesmos não se contrariam entre si, nem se opõem ao que se fez constar da fundamentação da sentença.
11. A decisão recorrida mostra-se lógica, conforme às regras de experiência comum e é fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, que não se mostra violado.
12. Mais, não resulta da decisão recorrida que ao tribunal tenha restado qualquer dúvida incidente sobre a factualidade que deu como provada, ou sobre o processo de formação da sua convicção.
13. Pelo contrário: o que se retira da fundamentação vertida na decisão recorrida é uma análise cuidada de todos os meios de prova produzidos, alicerçando a sua convicção na prova documental e pessoal produzida, destrinçando as provas convergentes, e usando de modo lógico e racional os juízos fácticos decorrentes da experiência comum.
14. Inexiste, pois, qualquer violação do princípio in dubio pro reo.
15. No que respeita à medida concreta da pena única aplicada ao arguido/Recorrente cumpre desde já salientar que a Mmª Juiz ponderou todas as circunstâncias a que a lei manda atender, sendo a decisão em causa clara e explícita.
16. O crime de ofensa à integridade encontra-se tipificado no artigo 33.º, n.º 1, da Lei n.º 39/2009 de 30 de Julho (Lei segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos).
17. Na sentença foi devidamente efetuada a ponderação de aplicação da lei mais favorável, nos termos do disposto no artigo 2º, nº4 do Código Penal, ali bem se decidindo ser de aplicar a redação vigente à data da prática dos factos.
18. Na sequência, bem decidiu a Mma. Juiz a quo, aplicando os critérios legalmente definidos, optar pela aplicação ao Recorrente de uma pena de multa.
19. In casu, no que tange à pena de multa, a moldura penal abstrata para cada um dos crimes de ofensa à integridade física tipificado no artigo 33º da Lei nº39/2009, de 30 de julho é de 10 (dez) a 600 (seiscentos) dias.
20. Os critérios legais para a determinação da medida concreta da pena encontram-se cristalizados nos artigos 71º, nºs 1 e 2 e 40º, nº 2, ambos do Código Penal, os quais determinam que a mesma é efetuada em função da culpa do agente (limite máximo) e das exigências de prevenção geral (limite mínimo) e especial (critério determinante dentro da moldura encontrada pela culpa e pela prevenção geral).
21. No caso, considerou a Mmª Juiz a quo como fatores determinantes da medida concreta da pena de multa que as exigências de prevenção geral positiva que in casu se fazem sentir são “moderadas altas”, “face ao número crescente de casos de violência que, fazendo apelo ao recurso à via privada como forma privilegiada de resolução de conflitos, perturbam a paz individual e comunitária, causando ainda alarme social”.
22. No que concerne à prevenção especial, o grau de ilicitude do facto que entendeu elevado “atenta a forma de cometimento do ilícito”; o dolo direto; e “igualmente a motivação apurada e que levou à conduta, relacionada esta com opções clubísticas e rivalidades entre estas”. O Recorrente não tem antecedentes criminais.
23. Ora, tendo em consideração que a moldura penal aplicável é de 10 (dez) a 600 (seiscentos) dias para cada um dos ilícitos criminais, e que nos termos do art.º 40º, nºs 1 e 2 do Código Penal a aplicação de uma pena visa a “proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente da sociedade” e que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” e tendo ainda em consideração que nos termos do art.º 71º do mesmo diploma a pena concreta é encontrada em função da culpa e das exigências de prevenção e atendendo também a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o arguido, temos de concluir que a pena que lhe foi aplicada pela Mma. Juiz, não merece qualquer censura – 150 (cento e cinquenta) dias de multa, por cada um dos crimes praticados.
24. Mais, no que concerne à fixação do quantitativo diário, bem se vê que foi devidamente valorada a situação económica e financeira do Recorrente, a qual resultou das declarações por este prestadas em audiência e que reverteram e bem para os factos dados como provados.
25. Com efeito, a fixação do quantitativo diário no montante de €6,00, portanto, muito próximo do montante mínimo legalmente previsto (5,00€, devendo este ficar reservado para as situações enquadrados no conceito de “mínimo existencial, mínimo vital e de sobrevivência condigna” que o Estado não pode subtrair aos cidadãos), parece-me, portanto, perfeitamente adequado e nada excessivo.
26. Nada apontamos também quanto à medida de pena única obtida por aplicação do artigo 77º do Código Penal.
Assim, porque nada encontramos que nos mereça censura na sentença ora recorrida, sendo que não violou qualquer norma ou princípio legal, deve negar-se provimento ao recurso, confirmando-se in totum a mesma.
Contudo, V.ªs Ex.ªs decidindo farão Justiça!”.
Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, mantendo os argumentos apresentados em 1.ª instância.
Feito o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos remetidos à conferência - cfr. Art.º 419.º n.º 3, c), do Código de Processo Penal.
II. Fundamentação.
A Decisão Recorrida.
Na sentença recorrida o tribunal considerou os seguintes factos provados:
1. No dia 21 de maio de 2023, no período compreendido entre as 18H35 e as 18H50, os arguidos encontravam-se no exterior do Estádio Alvalade XXI, local onde se iriam defrontar as equipas de futebol profissional do Sporting Clube de Portugal SAD e do Sport Lisboa e Benfica SAD, a contar para 33.ª jornada da “Liga Bwin”, quando verificaram que ali junto à porta n.º 3, se encontravam os ofendidos CC e BB, pelo que, desconfiados de que os mesmos seriam adeptos do “Benfica” decidiram abordá-los e, caso confirmassem a sua filiação clubística, investirem fisicamente sobre os mesmos.
2. Assim, aproximaram-se dos mesmos e rodearam-nos.
3. De seguida, os arguidos EE e AA e DD colocaram-lhes a seguinte questão: “Vocês para que porta é que vão? São adeptos do Benfica?”
4. Temeroso por aquilo que lhes pudesse acontecer caso revelasse a sua cor clubística, o ofendido CC, respondeu não ser adepto do Benfica.
5. Não obstante, o arguido DD convencido de que o mesmo não estaria responder com verdade, desferiu-lhe um soco no rosto, que o fez cair por terra.
6. Por sua vez, os restantes arguidos desferiram um pontapé na zona abdominal e um soco ou uma chapada no rosto de BB.
7. Enquanto os arguidos agiam da forma acima descrita, apodavam os ofendidos de “filhos da puta”.
8. As se aperceberem que elementos da Polícia de Segurança Pública acorriam ao local, os arguidos abandonaram o local em fuga, o que ainda assim não obstou a que fossem intercetados e identificados por elementos da Polícia de Segurança Pública, em serviço de policiamento ao evento.
9. Em consequência da conduta dos arguidos os ofendidos sofreram dores nas zonas impactadas pelos golpes desferidos.
10. Os arguidos agiram com o propósito concretizado de ofender o corpo e a saúde dos ofendidos, bem sabendo aqueles que no local, onde se iria realizar um evento de natureza desportiva.
11. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo da sua reprovabilidade em termos penais.
Da situação económica e pessoal dos arguidos
(…)
Quanto ao arguido AA
19. O arguido vive com a mãe.
20. A casa onde residem é arrendada, desconhecendo o arguido o montante pago a título de renda.
21. O arguido trabalha auferindo vencimento líquido mensal no montante de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros).
22. O arguido contribuiu para o agregado familiar com quantia entre € 300,00 (trezentos euros) e os € 400,00 (quatrocentos euros).
23. O arguido suporta uma prestação mensal com crédito para aquisição de viatura automóvel no montante de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros).
24. O arguido tem como habilitações literárias o 12.º ano de escolaridade
Dos Antecedentes Criminais
25. O arguido não possui antecedentes criminais registados.
(…)”.
Foi a seguinte a fundamentação apresentada na sentença recorrida quanto aos factos:
“A convicção do Tribunal acerca da factualidade provada e não provada alicerçou-se na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica das provas.
Assim, vejamos.
Os arguidos não prestaram declarações quanto aos factos, fazendo-o apenas quanto à situação económica e pessoal.
A testemunha BB, disse conhecer os arguidos apenas da situação em causa, tendo quanto aos factos referido que tinha ido ver o jogo SCP-Benfica com o amigo CC, tendo sido ambos abordados pelos arguidos, quando estavam à procura da porta, os quais questionaram se eram do Benfica, ao que responderam que não.
Referiu o depoente que após responderem o agrediram com um pontapé “fraquinho” na zona da barriga, o que levou a que colocasse às mãos na frente da cara para se defende, e ao CC, deram-lhe um soco na cara, não recordando de que lado, mas que fez com que aquele caísse ao chão, o que não impediu que o continuassem a agredir, sendo essa situação que levou o depoente a empurra-los para que se afastassem.
Disse a testemunha que não identificaram os arguidos porque a polícia foi atrás deles, porque fugiram assim que avistaram a chegada destes. Salientou a testemunha que a polícia os mandou dispersar, tendo então se dirigido ao cinema, sendo nessa ocasião que perceberam que tinham um telemóvel com eles que não lhes pertencia, mencionando que apenas agarraram no telefone, porque este ficou caído no chão e o depoente pensou ser do amigo CC, e que apenas se aperceberam porque começou a tocar é que o CC percebeu que não era dele e por isso entregaram o mesmo no segurança do Centro Comercial.
Relativamente às consequências da agressão, disse que ficou com o nariz dorido, mas que a barriga, onde foi dado o pontapé, não doeu.
Relativamente ao amigo disse que viu uma marca vermelha na cara, mas que nenhum dos problemas os impediu de irem ver o jogo, tendo sido a polícia que os acompanhou até à porta de entrada.
Questionado disse não conseguir precisar quem o agrediu e ainda que quando apanharam o telefone do chão, apenas estavam no local o depoente e o amigo.
As declarações da testemunha muito embora sendo o ofendido, não foram parciais, relatando apenas aquilo de que se lembrava, esclarecendo a dinâmica dos factos, contribuindo para a convicção do Tribunal e permitindo a resposta aos pontos 1. a 9. dos factos provados.
A testemunha CC, disse conhecer os arguidos da situação dos autos, tendo quanto aos factos referido que chegou ao estádio de Alvalade com o BB, tendo sido nessa ocasião abordados por trás, tendo um dos arguidos e colocado à frente e questionado se eram do Benfica, o que levou o depoente a dizer que não.
Disse a testemunha que aquilo que o podia identificar como sendo do Benfica estava escondido, mencionando que foi o arguido DD quem os interpelou, a após a resposta dada, de imediato lhe desfere um soco na cara que fez com que caísse ao chão, e que quando se tentava levantar surgiu a polícia, negando ter agredido quem quer que fosse, assim como lhes chamaram nomes.
Esclareceu o depoente que viu o arguido EE e o arguido AA a baterem na barriga do amigo BB, com murros e pontapés. Relativamente ao posicionamento dos arguidos mencionou que o amigo se encontrava de pé à esquerda do depoente e os arguidos à direita da testemunha, a cerca de 1 a 2 metros de distância.
Salientou a testemunha, que quando se levantou já não se encontrava no local a pessoa que lhe tinha batido, tendo igualmente surgido a polícia no local pelo lado direito do depoente, que agarra os arguidos e os conduz para outra zona.
Mais disse que o depoente e o amigo se deslocaram para dentro do Centro Comercial, tendo descido mais tarde e contactado com os agentes da PSP que se encontravam na zona da restauração, deslocando-se até à zona da casa de banho para retirarem quaisquer elementos que os associassem ao Benfica, somente de pois é que entraram no estádio para ver o jogo, altura em que foram identificados.
Questionado quanto ao telemóvel disse o depoente que inicialmente julgaram que era de um deles, apenas quando começou a tocar é que constataram que não era, razão pela qual o foram entregar ao segurança que ali se encontrava.
Relativamente a lesões, disse que do soco não ficou magoado, apenas sentiu dor, não tendo ficado com quaisquer marcas, no que respeita ao amigo, disse que este se queixava da barriga, mas que não lhe viu quaisquer marcas.
Quanto ao surgimento da PSP no local, disse que estava mais gente presente e que aqueles os separaram.
As declarações da testemunha muito embora sendo o ofendido, não foram parciais, relatando apenas aquilo de que se lembrava, esclarecendo a dinâmica dos factos, contribuindo para a convicção do Tribunal e permitindo a resposta aos pontos 1. a 9. dos factos provados.
A testemunha FF, disse ser agente da PSP e conhecer os arguidos do exercício de funções, tendo quanto aos factos referido que se encontrava em serviço remunerado junto à porta 3 do Estádio de Alvalade, quando foi alertado para uma situação de desordem entre adeptos, constatando dois jovens a correr para dentro do Centro Comercial, sendo os arguidos identificados por um adepto que se encontrava no local. Salientou igualmente que foram testemunhas no local que indicaram a zona onde se verificaram as agressões, bem como os “supostos” agressores sendo nessas circunstâncias que os arguidos foram identificados, os quais se encontravam, ao que se recorda com roupas do Sporting e diziam que eles é que mandavam ali e só entrava quem eles quisessem.
Referiu ainda que foram outros colegas que tentaram ir identificar os ofendidos, tendo outros ficado junto dos arguidos.
Questionado disse que na altura ninguém falou em telemóvel, do qual apenas se soube mais tarde.
Mencionou a testemunha que os três arguidos estavam inicialmente bastante exaltados tendo sido abordados junto à porta 3, mas posteriormente tiveram um comportamento mais correcto, no entanto, foram impedidos de assistir ao jogo no estádio.
A testemunha foi confrontada com o auto de notícia constante de fls. 2 a 3, cujo teor confirmou.
As declarações da testemunha forma prestadas de forma esclarecedora, quer quanto aos factos de que teve conhecimento, quer quanto à forma como dos mesmos teve conhecimento, pelo que foram merecedoras de credibilidade e permitiram ao Tribunal a resposta aos pontos 8. e 9. dos factos provados.
A testemunha GG, disse conhecer o arguido EE há 16 anos, conhecendo também os demais arguidos e não conhecer os ofendidos, referindo-se apenas à personalidade do arguido EE, porquanto não presenciou quaisquer factos, descreveu-o como sendo uma pessoa calma, tranquila, que não se mete em confusões, e, trabalha.
Mencionou que saem juntos nas férias de Verão e fins de semana, assim como jogam futsal.
As declarações da testemunha uma vez que se pronunciou quanto à personalidade do arguido EE, mereceram credibilidade.
A testemunha HH, disse conhecer o arguido EE há cerca de 10 anos e conhece também os demais arguidos, não conhecendo os ofendidos, pronunciou-se quanto à personalidade do arguido não só em contexto desportivo, como em contexto social.
Disse que conheceu o arguido através de jogos de futebol que faziam às 4.ªs e 5.ªs feiras, assim como já assistiu a vários jogos de futebol na companhia do arguido, quer em casa, quer nos estádios, e que nessas ocasiões o arguido foi sempre pacífico.
Descreveu o arguido como sendo uma pessoa reservada, tranquila e amiga do seu amigo, não o vislumbrando, a entrar em confusões gratuitamente.
As declarações da testemunha uma vez que se pronunciou quanto à personalidade do arguido EE, mereceram credibilidade.
A testemunha II, disse ser agente da PSP referindo que as caras dos arguidos lhe são familiares, tendo quanto aos factos mencionado que se encontrava em serviço remunerado no Estádio de Alvalade, num jogo Sporting – Benfica em Maio de 2023, encontrando-se o depoente como chefe de equipa de 6 elementos.
Disse a testemunha que algumas pessoas avisaram que junto ao Centro Comercial estavam a haver problemas, tendo a equipa então detectado 3 adeptos do Sporting, os quais foram conduzidos para uma zona mais reservada, mencionando ainda que os outros intervenientes, do Benfica, se tinham dirigido para o interior do Centro Comercial.
Do que se apercebeu envolveram-se em questões relacionada com o futebol, tendo todos sido identificados pelo cartão de cidadão.
Mais esclareceu que os arguidos estavam de início bastante exaltados, devido ao facto de acharem que os adeptos do Benfica não podiam estar naquela zona, situação que depois foi confirmada pelos dois ofendidos.
No que respeita à roupa que os ofendidos traziam vestida, disse que um deles tinha uma camisola de cor vermelha, mas sem qualquer menção, estando os dois bastante perplexos com o facto de terem sido abordados e agredidos naquelas circunstâncias.
Questionada a testemunha disse que não se apercebeu de quaisquer marcas, mas os mesmos queixavam-se, no entanto, não quiseram ir ao hospital, esclarecendo que posteriormente os dois ofendidos foram encaminhados para a zona dos adeptos do Benfica.
No que respeita às agressões disse que nada presenciou, e que não foi o primeiro a chegar ao local, mencionando que as testemunhas que existiam não foram logo identificadas por razões de segurança, não o tendo igualmente sido possível posteriormente.
Mencionou ainda que os arguidos informalmente confidenciaram que se haviam envolvido em desacatos.
As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora, quer quanto aos factos de que teve conhecimento, quer quanto à forma como dos mesmos teve conhecimento, pelo que foram merecedoras de credibilidade e permitiram ao Tribunal a resposta aos pontos 8. e 9. dos factos provados.
A testemunha JJ, disse ser agente da PSP e não se recordar dos arguidos, mencionando que se encontrava de serviço remunerado junto à porta 5 do estádio de Alvalade.
Esclareceu a testemunha que auxiliou a efectuar o perímetro de segurança aos arguidos/suspeitos, e que junto à porta 3 passaram duas pessoas que tinham sido agredidas, envergando uma das pessoas uma camisola vermelha, aludiu ainda que alguém terá referido quem eram a três pessoas que vinham atrás dos dois indivíduos.
Questionado disse que foram populares que deram conta da situação que teria ocorrido do lado esquerdo do estádio (atenta a posição de costas para o estádio), razão pela qual foi dada ordem para se verificar o que se passava, no entanto, já não constataram qualquer agressão, porque os dois indivíduos que tinham sido agredidos vinham a correr e os três agressores no seu encalce.
Mais disse que foi o agente FF quem procedeu à identificação dos três indivíduos que vinham atrás, limitando-se o depoente a efectuar perímetro de segurança.
As declarações da testemunha forma prestadas de forma esclarecedora, quer quanto aos factos de que teve conhecimento, quer quanto à forma como dos mesmos teve conhecimento, pelo que foram merecedoras de credibilidade e permitiram ao Tribunal a resposta aos pontos 8. dos factos provados.
A testemunha LL, disse ser agente da PSP e não se recordar dos arguidos, salientando que se encontrava de serviço remunerado em Maio de 2023 quando de um jogo Sporting – Benfica no estádio de alvalade, tendo quanto aos factos referido que estava integrado numa equipa de 6/7 elementos chefiada pelo Chefe II, estando o depoente junto da porta 3, quando foram alertados por populares que estavam a ocorrer agressões junto a uma das portas 4 ou 5 do estádio, razão pela qual se deslocaram ao local, tendo, todavia, o depoente permanecido junto à porta 3 onde foi estabelecido um perímetro de segurança, por forma a ser possível proceder-se à identificação dos intervenientes.
Disse a testemunha que não viu quaisquer agressões, apenas tendo visto as pessoas que foram identificadas pelo agente FF, não tendo percebido como estas foram identificadas.
Mais disse que se apercebeu dois indivíduos estarem a contar o que se havia passado, mas não se apercebeu do teor da conversa.
As declarações da testemunha forma prestadas de forma esclarecedora, quer quanto aos factos de que teve conhecimento, quer quanto à forma como dos mesmos teve conhecimento, pelo que foram merecedoras de credibilidade e permitiram ao Tribunal a resposta aos pontos 8. dos factos provados.
A testemunha MM, disse ser agente da PSP e conhecer os arguidos do exercício de funções, tendo quanto aos factos referido que foram informados da existência de uma desordem entre indivíduos do Sporting e do Benfica.
Referiu que do que se recorda, estavam junto à porta 3 do Centro Comercial e nessas circunstâncias foi pedida ajuda de populares que disseram estarem dois jovens a pedir ajuda perto do referido Centro Comercial, local que é de circulação de muitas pessoas, razão que os levou até ao local mencionado, tendo o depoente ficado a estabelecer perímetro de segurança.
Mencionou a testemunha não se recordar de quem efectuou a abordagem aos arguidos, os quais foram identificados nas suas costas, pelo que não sabe dizer de que modo o foram, não se recordando se tinham algum elemento identificativo como sendo do Sporting.
Relativamente aos dois indivíduos que pediram ajuda junto ao Centro Comercial, disse que um deles tinha uma camisola do Benfica, e que não viu quaisquer ferimentos.
Questionado disse que a porta 3 é de entrada de adeptos do Sporting.
As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora, quer quanto aos factos de que teve conhecimento, quer quanto à forma como dos mesmos teve conhecimento, pelo que foram merecedoras de credibilidade e permitiram ao Tribunal a resposta aos pontos 8. dos factos provados.
A testemunha NN, disse ser agente da PSP e não conhecer os arguidos, mencionando quanto aos factos ter uma vaga ideia dos mesmos, encontrando-se de serviço gratificado/remunerado, tendo participado no perímetro de segurança na parte exterior do complexo do estádio junto a um muro no caminho para o pavilhão João Rocha, não tendo memória de qualquer desacato.
As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora, quer quanto aos factos de que teve conhecimento, quer quanto à forma como dos mesmos teve conhecimento, pelo que foram merecedoras de credibilidade e permitiram ao Tribunal a resposta aos pontos 8. dos factos provados.
O tribunal teve igualmente em atenção os documentos juntos aos autos, nomeadamente, o auto de notícia de fls. 2 a 3, o auto de visionamento de fls. 11 a 15 e o respectivo CD de fls. 14.
Da concatenação da prova produzida em audiência com os documentos juntos aos autos, resulta à saciedade que no dia 21 de Maio de 2023, no estádio de Alvalade quando se disputava o derby Sporting – Benfica, ainda antes da hora do jogo, os ofendidos BB e CC foram abordados pelos arguidos, tendo aqueles sido questionados por estes acerca da porta para a qual se dirigiam dizendo “Vocês vão para que porta? São adeptos do Benfica?”, tendo nessa sequência o ofendido CC respondido que não, e em acto contínuo o arguido DD desfere-lhe um soco no rosto que provocou a queda de CC, assim como os outros arguidos desferiram um pontapé na zona abdominal e também uma chapada no rosto do ofendido BB, ao mesmo tempo que lhes chamavam “filhos da puta”.
Aqui chegados, muito embora os arguidos não tenham prestado declarações, não podemos deixar de considerar as declarações dos ofendidos, e ainda os depoimentos dos agentes da PSP, bem como as imagens constantes do auto de visionamento e do próprio CD.
Com efeito, referiram os agentes da PSP que foram alertados por populares que aguardavam a entrada no estádio de que existiam desacatos entre uns rapazes, o que levou à actuação da PSP no sentido de por termo aos mencionados desacatos, no entanto, a sua intervenção bastou-se com o estabelecimento de um perímetro de segurança por forma a impedir a perseguição que os arguidos se encontravam a fazer aos ofendidos, após estes terem conseguido fugir, dirigindo-se na direcção do Centro Comercial.
Atentas as regras da lógica e da experiência comum, face aos relatos que foram efectuados e as imagens constantes de fls. 12 a 13, das quais se alcança os arguidos tentarem colocar-se em fuga, por forma a obstar à sua identificação, mas igualmente à vontade de continuar a perseguir os ofendidos, o que apenas se mostra compatível com a conduta de alguém que acabou de cometer um ilícito.
Por outro lado, não podemos olvidar que se tratava de um derby da cidade de Lisboa, entre Sporting e Benfica no estádio de Alvalade, e já próximo do fim do campeonato nacional de futebol, altura em que os ânimos se mostram ainda mais exacerbados e a vertente clubística se mostra em alta, sem deixarmos ainda de considerar que os ofendidos se encontravam próximo da porta de entrada dos adeptos do Sporting.
Ora, tudo considerado, e independentemente de inexistirem marcas de agressão, face aquilo que foi relatado por ambos os ofendidos, não podemos deixar de referir que podem existir agressões sem que existam marcas visíveis, mas com a existência de dor no local da agressão, e nos presentes autos foi a situação que se verificou. Com efeito, os próprios ofendidos fizeram menção de que não existiam marcas visíveis, assim como os agentes da PSP que contactaram com os ofendidos, aliás diga-se, se as agressões fossem mais violentas, nunca que os ofendidos conseguiam assistir ao jogo como acabaram por o fazer, encaminhados então para a porta correcta pelos agentes.
Igualmente não podemos deixar de fazer referência à questão do telemóvel que os ofendidos agarraram do chão e que apenas, segundo as suas declarações, se aperceberam que não era deles, acabando por o entregar ao segurança do centro comercial.
A este propósito, os ofendidos pouco mais disseram e, conforme supra se referiu, os arguidos não quiseram prestar declarações quanto aos factos, o que não permitiu ao Tribunal apurar a sua versão quanto a este equipamento, mas não podemos deixar de considerar a explicação que foi dada pelos ofendidos.
Destarte, é manifesto que os arguidos em sede de contexto de jogo de futebol interpelaram os ofendidos questionando-os a propósito da sua opção clubística e, por duvidarem da seriedade da resposta dada, o arguido DD agride o ofendido CC e os arguidos EE e AA agrediram o ofendido BB.
Os factos atinentes ao elemento subjectivo extraíram-se dos respectivos factos objectivos, analisados à luz das regras da lógica e da experiência comum, sendo certo que o comum dos cidadãos medianamente inteligente e sagaz, como se presume ser o caso dos arguidos, não poderiam deixar de saber que constituía crime a prática dos factos em equação nos presentes autos.
Os antecedentes criminais dos arguidos, resultaram dos respectivos certificados de registo criminal junto aos autos sob as referências Citius n.º 41341340; 41341339 e 41341341.
As condições económicas e pessoais dos arguidos, alicerçaram-se ainda e exclusivamente nas declarações por estes prestadas em sede de audiência, as quais foram merecedoras de credibilidade”.
*
Objecto do recurso.
Conforme dispõe o art.º 412.º nº1 do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na respetiva motivação, nas quais o mesmo sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido por si formulado, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente se verifiquem, designadamente as referidas no disposto no art.º 410.º, n.º2,º do Código de Processo Penal.
De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, versando matéria de direito, “as conclusões indicam ainda:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada”.
E, por obediência ao estipulado no n.º 3 do mesmo art.º 412.º do Código de Processo Penal, pretendendo o recorrente impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, “o recorrente deve especificar, nas conclusões:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas”.
Para este efeito obriga do n.º 4 do mesmo artigo que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
Note-se, portanto, que o recorrente que queira ver reapreciados determinados pontos da matéria de facto tem que dar cumprimento a um duplo ónus, a saber:
- Indicar, dos pontos de facto, os que considera incorrectamente julgados – o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência ou mera referência a diversos números da sentença, onde constam diversos acontecimentos e aspectos de facto;
- Indicar, das provas, as que impõem decisão diversa, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação – o que determina que se identifique qual o meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa, que decisão se impõe face a esse meio de prova e porque se impõe. Caso o meio de prova tenha sido gravado, a norma exige a indicação do início e termo da gravação e a indicação do ponto preciso da gravação onde se encontra o fundamento da impugnação (as concretas passagens a que se refere o nº 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal).
Com este enquadramento, o arguido pretendeu ver apreciadas as seguintes questões:
a) erro de julgamento quanto aos factos provados;
b) violação do princípio do in dubio pro reo;
c) violação do disposto nos arts. 40.º, 47.º, n.º 2, 70.º e 71.º, todos do Código Penal, quanto à escolha e medida das penas singulares e da pena resultante do cúmulo jurídico.

a. Erro de julgamento quanto aos factos provados.
Conforme foi já exposto, o recurso alargado quanto à matéria de facto exige a especificação nas conclusões dos excertos factuais cuja impugnação é pretendida, acompanhado das referências probatórias que sustentam posição diversa da assumida pelo tribunal recorrido, fazendo uma ligação fundamentada entre eles, por forma a que este Tribunal da Relação possa dirigir a sua apreciação de modo criterioso.
Ora o arguido recorrente, nas suas conclusões (tal como na restante motivação do recurso), apenas expõe argumentação global de discordância em relação à fundamentação da matéria de facto provada, discorrendo sobre o que qualifica como um julgamento “à convicção” por parte da Meritíssima Juiz que proferiu a Sentença recorrida.
Em concreto é evidente que o recorrente não cumpre de qualquer forma o seu ónus de impugnação, nem quanto à indicação dos excertos que considera incorrectamente julgados, nem com referência ao teor dos meios de prova que suportam algum juízo distinto do ali feito, especificamente em cumprimento do disposto no art.º 412.º, n.º4, do Código de Processo Penal, pelo que se impõe a rejeição do recurso no que diz respeito ao julgamento alargado da matéria de facto.
b. Violação do princípio do in dubio pro reo
Em relação ao invocado desrespeito do princípio do in dubio pro reo, limita-se o recorrente a insistir na referência à impossibilidade de realização do juízo sobre a prova efectuado pelo tribunal recorrido.
Contudo, analisada a fundamentação de facto acima exposta, não é perceptível o ponto eventual de apoio da violação fundamental pretendida pelo arguido.
O tribunal recorrido explicou que considerou provada a responsabilidade de todos os arguidos com base em filmagens dos acontecimentos, em virtude da intervenção imediata da PSP (que já conhecia os arguidos), bem como pelo depoimento dos ofendidos, que fizeram especificação da actuação de cada arguido.
O princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal impõe que a prova seja apreciada segundo as regras da experiência e de acordo com a livre convicção do julgador1.
E foi isso que aconteceu, de acordo com o texto lógico e coerente da decisão recorrida.
Tendo a Meritíssima Juiz apreciado as provas produzidas criteriosamente, sem demonstrar alguma dúvida no seu juízo probatório, nem este se impondo necessariamente em face das considerações efectuadas na fundamentação, não é possível concluir pela violação do princípio do in dubio pro reo.
c) Violação do disposto nos arts. 40.º, 47.º, n.º 2, 70.º e 71.º, todos do Código Penal, quanto à escolha e medida das penas singulares e da pena resultante do cúmulo jurídico.
O arguido AA recorre da sentença proferida por discordar das penas singulares concretamente aplicadas e da pena resultante do cúmulo de penas, pretendendo terem sido violados os arts. 40.º, 47.º, n.º 2, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.
A sua posição mostra-se algo equivoca porque ele começa a sua motivação com uma citação do que ficou a constar do dispositivo da sentença (no ponto 3.º da sua motivação), que foi a da condenação (idêntica para todos os arguidos) nas penas singulares de 200 dias de multa, sendo a mesma condenação – de 200 dias de multa – a resultante do cúmulo de penas. Discorrendo posteriormente que discorda destas penas.
Contudo, o dispositivo da sentença apresenta um lapso de escrita comum a todos os arguidos, como decorre do teor claro da respectiva fundamentação jurídica, de onde consta que os arguidos deviam ter sido condenados no dispositivo da sentença nas penas singulares de 150 dias de multa, por seres estas as penas adequadas e determinadas em concreto. A pena única é que foi devidamente indicada como sendo de 200 dias de multa.
Embora se compreenda o lapso de escrita – cuja rectificação será determinada a final, de acordo com o disposto no art.º 380.º, n.º1, b) e n.º2, do Código de Processo Penal – não se percebe se o recorrente discorda do que leu no dispositivo (e repetiu na motivação) ou da sua condenação efectiva (como bem entendeu o Ministério Público).
Apesar disso, é notório que o arguido recorrente não discorda efectivamente da opção, que lhe é a mais favorável, por uma pena de multa, em obediência ao critério previsto no art.º 70.º do Código Penal (apesar de esta ser uma disposição supostamente mal aplicada pelo tribunal recorrido).
Como também não invoca qualquer disposição legal violada pelo tribunal recorrido em relação à determinação da pena única resultante do cúmulo das penas (como lhe era imposto pelo art.º 412.º, n.º 2, a), do Código de Processo Penal), nomeadamente algum incumprimento do disposto no art.º 77.º do Código Penal; pelo que o objecto do seu recurso, nessa parte, é reduzido a afirmações genéricas sobre a desproporcionalidade de tal pena única.
Por outro lado, há que recordar que na definição do quantum de cada uma das penas singulares de multa o tribunal recorrido efectuou as seguintes considerações:
O crime de ofensa à integridade física encontra-se tipificado n artigos 33.º, da Lei n.º 39/2009 de 30 de Julho (Lei segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos), correspondendo-lhe em abstracto uma pena de multa de 10 (dez) a 600 (seiscentos) dias.
Dispõe o preceituado no artigo 40.º n.º 1 do Código Penal, que «A aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.»
Como refere QQ in “As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 198 «§ 256 - Do que atrás ficou dito (§ 248) resulta já que a determinação definitiva da pena é alcançada pelo juiz da causa através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira, o juiz investiga e determina a moldura penal (dita também medida legal ou abstracta" da pena) aplicável ao caso; na segunda, o juiz investiga e determina, dentro daquela moldura legal, a medida concreta (dita também judicial ou individual) da pena que vai aplicar; na terceira - como veremos, não necessariamente posterior, de um ponto de vista cronológico, à segunda -, o juiz escolhe (dentre as penas postas à sua disposição no caso, através dos mecanismos das «penas alternativas» ou das «penas de substituição») a espécie de pena que efectivamente deve ser cumprida (negrito nosso)».
Seguir-se-ão ainda os critérios plasmados nos artigos 71.º, n. º1 e 40.º, n.ºs 1 e 2 todos do Código Penal.
Prescreve o artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, que «A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».
O limite mínimo é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, ale de constituir um elemento dissuasor. O limite máximo da pena é a culpa pessoal do agente, limite inultrapassável das finalidades preventivas, como consta do n.º 2 do artigo 40º do Código Penal. Dentro destes limites actua a socialização do delinquente – prevenção especial positiva – como forma eficaz de responsabilização e ressocialização do delinquente na sociedade.
O artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal refere:
«Na determinação da medida concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência:
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.»
Assim e seguindo de perto as palavras de Figueiredo Dias, in ob. cit. pág. 215 «A exigência legal de que a medida da pena seja encontrada pelo juiz em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime - ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente - limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção».
Destarte, são as finalidades de prevenção geral positiva de integração (protecção de bens jurídicos) e de prevenção especial (reintegração do agente) as que se consideram na escolha da pena, não sendo valorada a culpa do agente, que apenas se considera em sede de medida da pena.
Tendo em atenção as palavras da professora Anabela Miranda Rodrigues in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano I, 1991, onde refere que “(…) tendo uma orientação de prevenção, e agora de prevenção geral no seu grau mínimo – o único que deve afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial (…)”, importa concluir que de entre as duas finalidades é a prevenção especial que deve prevalecer na escolha da pena.
In casu, há que referir que as exigências de prevenção geral positiva fazem-se sentir neste caso de forma moderada alta, face ao número crescente de casos de violência gratuita, que, fazendo apelo ao recurso à via privada como forma privilegiada de resolução de conflitos, perturbam a paz individual e comunitária, causando ainda alarme social.
No que concerne à prevenção especial, há assim que considerar, o grau de ilicitude que é elevado, atenta a forma de cometimento do ilícito, bem como o dolo que é directo, e igualmente a motivação apurada e que levou à conduta, relacionada esta com opções clubísticas e rivalidade entre estas.
Ponderando todos os elementos acima referidos e tendo em conta a moldura abstracta da pena, a culpa do agente e as necessidades de prevenção, entende o Tribunal adequado aplicar a cada um dos arguidos uma pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, por cada um dos crimes praticados. *
De harmonia com o disposto no artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal, «cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500,00, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais», atenta a redacção introduzida pelo artigo 1º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, conjugado com o artigo único do Decreto-Lei n.º 136/2002, de 16 de Maio.
É ponto assente na jurisprudência que “o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixarem de lhes ser asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 1997, relator Conselheiro Abranches Martins, in Colectânea de Jurisprudência Online, Referência 10218/1997.
Considerando a matéria dada como provada, decide-se fixar como quantitativo diário o montante de € 6,00 (seis euros)”.
A leitura e análise desta parte da Sentença permite compreender que ali foram ponderados todos os elementos relevantes do caso concreto, o dolo do arguido recorrente, a sua motivações e influência clubística, as circunstâncias dos factos provados, as finalidades exigentes de prevenção geral e especial, ficando cada pena singular no quarto da moldura pena abstracta (e a pena única próxima desse marco).
Mostram-se, por isso, respeitadas as disposições que constam dos arts. 40.º e 71.º do Código Penal, com a fixação de cada pena singular de multa em 150 dias.
Relativamente ao montante diário da multa, nos termos do art.º 47.º, n.º 2, do Código Penal, o mesmo foi fixado em 6 euros, numa moldura abstracta que variava de 5 a 500 euros.
Ora, considerando que o mínimo legal deve corresponder às pessoas mais indigentes, uma vez que o arguido vive com a sua mãe, aufere 850 euros mensais, contribuindo para o seu agregado familiar e para um seu empréstimo, mas sem depender unicamente desse rendimento para a sua sobrevivência, e lembrando, como o faz o tribunal recorrido, que a pena de multa deve implicar um sacrifício – precisamente porque é uma consequência da prática de crimes – nenhum censura é possível efectuar à mencionada determinação do montante diário da multa.
Finalmente, note-se que o cumprimento das penas de multa pode ser efectuado de diversas formas, nos termos da lei penal, reservando-se uma pena de prisão subsidiária apenas para o caso de o recorrente se desinteressar desse cumprimento.
Em conclusão deve ser mantida a sentença recorrida, com a rectificação já exposta.
*
Decisão
Face ao exposto acordam os Juízes Desembargadores da 3ª. Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Rectificar o dispositivo da Sentença recorrida por forma a que dela passe a constar a condenação de cada um dos arguidos nas penas singulares de “150 (cento e cinquenta)” dias de multa, em lugar de “200 (duzentos)” dias de multa;
b) Considerar não provido o recurso apresentado pelo arguido AA.
Custas pelo arguido AA atenta a improcedência total do seu recurso e o disposto no art.º 514.º do Código de Processo Penal.

Lisboa, 09 de Abril de 2025,
(elaborado pelo 1.º signatário e revisto)
João Bártolo
Ana Paula Grandvaux
Alfredo Costa
_______________________________________________________
1. Conforme referido no Acórdão do STJ de 29/01/2025, proferido no processo 261/24.0YRCBR.S1, integral em www.dgsi.pt, “Este princípio, fora do contexto dos vícios ou erros de julgamento legalmente previstos, afasta todas as situações de valoração diferente de prova como fundamento para se concluir pela errada apreciação da mesma, tanto mais que a apreciação da prova nas instâncias onde é produzida é enriquecida pela oralidade e pela imediação o que habilita esses tribunais com uma maior capacidade para aferir da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos, já que teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também o modo como estes foram prestado. […]. Em resumo, por força do princípio da livre apreciação da prova, só nos casos excepcionais legalmente previstos, situações de prova legal não considerada, arbitrariedade ou juízos puramente subjectivos e imotiváveis, é possível sindicar a valoração efectuada pelo tribunal recorrido, sob pena de estarmos em presença de um novo julgamento in totum e não a corrigir possíveis erros, tal como o legislador pretende em matéria de apreciação do facto em sede de recurso”.