Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26591/22.7T8LSB-A.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: INTERVENÇÃO PRINCIPAL
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
INDIVISIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Na acção de divisão de coisa comum, a tramitação processual a observar é enformada, basicamente, por duas distintas fases:
- Uma fase declarativa, determinando que, apresentados os articulados, deverá o juiz conhecer das questões suscitadas pelas partes no pedido de divisão, produzida que seja a prova necessária, o que deve ocorrer, preferencialmente, mediante recurso às regras dos incidentes da instância – cf., artºs. 926º, nº. 2, 294º e 295º, todos do Cód. de Processo Civil.
Apenas nos casos em que o julgador entender que as questões decidendas, devida á sua natureza ou complexidade, não podem ser decididas mediante aquele mecanismo processual mais célere, mandará então seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum – cf., o nº. 3, do mesmo artº. 926º ;
- Uma segunda fase, rotulada como executiva, no âmbito da qual é convocada uma conferência de interessados, onde se operará a adjudicação.
II - Sendo a coisa indivisível, é nesta fase executiva que se procurará o acordo dos interessados na adjudicação a algum ou a alguns deles, preenchendo-se em pecunia a quota dos demais ; inexistindo acordo sobre tal adjudicação, a coisa é vendida, podendo os consortes concorrer à venda – cf., os nºs. 1 e 2, do artº. 929º, do mesmo diploma ;
III – A acção especial de divisão de coisa comum caracteriza-se por ter de englobar todos os consortes, com o desiderato prático de cessação da compropriedade, pois, não se trata, apenas, de concretizar a quota de um ou vários requerentes na coisa comum, mas antes a de dissolver a relação de compropriedade entre todos os consortes ;
IV - Decorrendo, assim, a sua natureza ou carácter universal, no respectivo processo têm de intervir todos os consortes, seja na posição activa ou na posição passiva, estando-se, deste modo, perante um evidente caso de litisconsórcio necessário, ou seja, para que possa efectivar-se judicialmente a divisão da coisa comum, é mister a intervenção de todos ose consortes, sob pena de ilegitimidade ;
V – A intervenção provocada de terceiros, credores comuns dos comproprietários do imóvel dividendo, não se impõe por litisconsórcio necessário, pois aqueles não são titulares da relação material controvertida em equação no presente processo especial de divisão de coisa comum, antes pertencendo tal titularidade às partes primitivas, enquanto comproprietários do imóvel dividendo ;
VI – A intervenção daqueles também não se evidencia como necessária à efectivação da reivindicada divisão do imóvel comum, podendo esta produzir totais e operacionais efeitos sem que aqueles intervenham nos autos ;
VII – Por outro lado, não sendo aqueles terceiros sujeitos passivos da relação material em controvérsia, também não está em equação o evidenciar de um qualquer interesse atendível por parte da Ré Chamante, nem é invocado que os mesmos possam ser contitulares do direito à divisão invocado pelo Autor Requerente ;
VIII – efectivamente, os enunciados credores Chamandos não possuem legitimidade para a acção de divisão, sendo-lhes alheia a relação material em controvérsia, pois, caso se evidencie que são efectivamente credores, será com fundamento noutra relação material controvertida que poderão vir a exercer e impulsionar o seu direito de crédito ;
IX - Perante tal pretenso direito de crédito comum dos terceiros Chamandos responde a totalidade dos bens dos devedores, conforme dispõe o artº. 601º, do Cód. Civil, em virtude do património do devedor constituir a garantia geral das obrigações por si assumidas ;
X – Caso tais terceiros fossem titulares de uma garantia real sob o imóvel objecto de divisão – e não o são -, sempre se justificaria o seu chamamento na eventual fase executiva da presente acção, o qual seria mesmo obrigatório no caso da venda do imóvel, conforme dispõe o nº. 2, do artº. 549º, do Cód. de Processo Civil, com consequente aplicabilidade do prescrito nos artºs. 786º e 788º, ambos do mesmo diploma, e não na presente fase declarativa da acção, a qual tem apenas por desiderato decidir sob a existência e termos do invocado direito à divisão.
Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
               
I – RELATÓRIO
1 G............................................, residente na ………………….., instaurou acção especial de divisão de coisa comum, contra L............................................, residente na …………………………….., pugnando pela venda de imóvel comum que identifica, fazendo-se a sua divisão entre Autor e Ré.
Alega, em suma, o seguinte:
§ Autor e Ré viveram em união de facto desde 2006 até 2016, encontrando-se separados ;
§ não conseguem entender-se relativamente à questão da casa que têm em compropriedade ;
§ enquanto viveram em união de facto por escrito particular assinado em 18 de julho de 2008, o A e Ré compraram, a fração autónoma designada pelas letras “BI” correspondente ao sexto andar – H, com arrecadação e lugar de garagem, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na ………………………., número 2, freguesia de Carnide, concelho de Lisboa, descrita na Conservatória de Registo Predial de Carnide sob o nº …………………. e inscrita na respetiva matriz sob o artigo ………….da freguesia de Carnide, com o valor patrimonial de 107.276,83 (cento e sete euros mil euros, duzentos e setenta e seis euros e oitenta e três cêntimos) ;
§ pelo montante global de 195.000,00 (cento e noventa e cinco mil euros) ;
§ para pagamento do valor da casa contraíram junto do Banco Santander Totta um empréstimo ao abrigo do crédito à habitação, nº …, no montante de 180.000,00 euros, do qual se confessaram e constituíram devedores ;
§ cuja prestação mensal tem vindo a ser paga por ambos em partes iguais até aos dias de hoje, sendo actualmente de 407,90 que, dividindo por dois, dá 203,95 euros ;
§ ainda devem ao banco o valor de 120.343,17 Euros ;
§ não pretende continuar na referida situação de comproprietário com a Ré, sendo-lhe lícito exigir judicialmente a respetiva divisão ;
§ sendo certo que tal imóvel não é divisível em substância e não tendo sido possível acontecer amigavelmente a divisão, vem o A. requerer, nos termos do artigo 925º e ss do C. Processo Civil, a sua divisão, devendo para o efeito ser o imóvel supra descrito vendido e o resultado da venda depois de pago o empréstimo ser dividido em partes iguais ;
§ Sendo que actualmente o valor de mercado do imóvel deve rondar os cerca de 400.000,00 (quatrocentos mil euros).
2 – Devidamente citada, juntamente com a contestação, veio a Ré deduzir Incidente de Intervenção Principal Provocada, de:
· JJ………….. e
· MM…………………….., ambos residentes na Rua ………………., em Lisboa,
alegando, em súmula, o seguinte:
· Os pais da Ré, e ora Chamados, são credores do A. e da Ré, por força da coisa adquirida no valor de 228.582,56€ (duzentos e vinte e oito mil quinhentos e oitenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos), conforme consta dos documentos juntos ;
- Estamos perante uma responsabilidade solidária do A. e da Ré, visto que, os empréstimos concedidos pelos intervenientes, se destinaram a pagar as despesas da família constituída pelo A. e pela Ré e pelos filhos, incluindo as prestações ao banco, seguros e demais encargos ;
- No incidente de intervenção provocada, dispõe o artigo 316º do CPC, norma essa que permite a qualquer das partes chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa – como é o caso dos Pais da Ré, posto que os intervenientes são credores de valores sobre a coisa que o autor pretende dividir, sem, no entanto, falar em pagar as dividas que haverão de ser pagas pelo produto da venda – se for o caso ;
- Pelo que a Ré apresenta o incidente de intervenção provocada, por legal e tempestivo, para que os terceiros interessados possam fazer valer o seu direito na ação.
Conclui, pela admissibilidade do pedido de intervenção de terceiros, ordenando-se a citação dos Intervenientes para os termos do incidente e bem assim, para que lhes seja reconhecido o direito de crédito de 228.582,56€, a sair do valor da venda do bem.
Pugna, ainda, que os autos sigam os seus ulteriores termos, com o reconhecimento do crédito dos terceiros, que haverá de ser tido em conta na divisão do bem comum, bem como a citação do credor hipotecário, para os termos da ação.
3 – O Autor veio responder ao incidente deduzido, alegando, em súmula, que:
§ não existe qualquer facto, uma vez que não os reproduziram em sede de intervenção, que justifique o chamamento, nem os dão como reproduzidos em qualquer outra sede ;
§ com efeito, os documentos apenas provam factos ;
§ pelo que o requerimento de Intervenção de terceiros é nulo, ou seja, é inepto ;
§ caso assim não se entenda, não há neste chamamento qualquer fundamento legal que o permita porquanto, ao invés daquilo que a lei processual impõe para admitir este tipo de incidente, os chamados em relação ao objecto da causa não possuem qualquer legitimidade, seja como seu associado seja como associado da parte contrária ;
§ o que o A. e a Ré pretendem é dividir um bem que se encontra em compropriedade ;
§ nunca se tendo posto em causa que só eles são os exclusivos proprietários do imóvel a dividir e, por consequência, só eles têm direito a decidir do destino da fracção dos autos, nomeadamente adjudicando-a e/ou fazendo licitações no caso de concorrência de interesses, pelo que não se verifica a necessidade de terceiros intervirem nesta causa ;
§ não se verificando, assim, nenhuma das hipóteses previstas no nº 2 e 3 alíneas a) e b) do artº 316 do C.P.Civil, nem tão pouco a previsão do artº 317 do mesmo Código.
§ Ou seja, conclui-se que os chamados são completamente estranhos ao interesse que se discute na acção que é tão só a divisão do imóvel que está em compropriedade, devendo assim ser indeferido o incidente do chamamento/intervenção de terceiros.
4 - Em 16/10/2023, foi proferida decisão, exarando-se o seguinte:
“II. Do incidente de intervenção de terceiros de JJ…………….. e MM ………………
G............................................ intentou a presente acção de divisão de coisa comum contra L............................................, tendo por objecto a fração autónoma designada pelas letras “BI” correspondente ao ………………, com arrecadação e lugar de garagem, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …………………………….., número …, freguesia de Carnide, concelho de Lisboa; descrita na Conservatória de Registo Predial de Carnide sob o nº ……………….., e inscrita na respetiva matriz sob o artigo ….. da freguesia de Carnide, de que Requerente e Requerida são comproprietários.
Em sede de contestação, a Requerida, não colocando em causa a compropriedade do imóvel, veio sustentar, em síntese, que o mesmo foi em parte adquirido com recurso à ajuda monetária dos seus pais, que igualmente vêm contribuindo para a liquidação das prestações bancárias tendentes à amortização do empréstimo contraído para a sua aquisição e, bem assim, para o sustento do agregado familiar, designadamente em substituição do Requerente, pelo que requer a intervenção daqueles, para que lhes seja reconhecido o direito de crédito que invoca e que tal crédito seja pago com o produto da venda do imóvel.
Notificado da contestação, veio o Requerido opor-se à intervenção.
Cumpre, pois, aferir se os requisitos de admissibilidade da requerida intervenção principal provocada de JJ ……………… e MM………………, atenta a invocada qualidade de credores do comproprietários (partes primitivas), se encontram reunidos.
Os incidentes de intervenção de terceiros constituem excepção ao princípio da estabilidade da instância, segundo o qual, citado o réu, a instância deve manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir (cfr. artigos 260.º e 262.º do Código de Processo Civil).
A norma nuclear nesta matéria é o artigo 316.º do Código de Processo Civil, que estatui o seguinte:
1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2 - Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
3 - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;
b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor”.
Os presentes autos seguem a forma especial de divisão de coisa comum, tendo como escopo pôr termo à compropriedade da fracção autónoma acima identificada, sendo esse o pedido formulado.
O Requerente e a Requerida são comproprietários dessa fracção e, consequentemente, são titulares do direito a pôr termo à compropriedade consagrado no artigo 1412.º do Código Civil.
A acção destinada a pôr termo à compropriedade não pode ser decidida se na mesma não forem parte todos os comproprietários, tratando-se de um caso evidente de litisconsórcio necessário – artigo 33.º, n.º 1 do Código do Processo Civil.
Com efeito, o litisconsórcio configura-se quando a relação material controvertida respeita a uma pluralidade de partes principais que se unem no mesmo processo para discutirem uma só relação jurídica material, dizendo-se voluntário nas situações em que é permitido que só uma das partes intervenha, embora possam participar as restantes, e necessário naquelas em que é exigida a intervenção de todas em conjunto.
Ora, os credores dos comproprietários, na medida em que não são comproprietários, não têm direito a pôr termo à indivisão, nem têm qualquer direito legal a pronunciar-se sobre isso.
Com efeito, os mesmos apenas são titulares de um direito de crédito sobre os devedores, crédito esse que, de resto, de acordo com o alegado, nem mesmo beneficia de qualquer garantia real sobre o imóvel, pelo que pelo mesmo respondem todos os bens do devedor (artigo 601.º do Código Civil).
Face a isto, não é possível afirmar que os credores dos comproprietários, independentemente da contribuição que possam ter tido para a aquisição do imóvel comum, têm o mesmo interesse que estes ou que da procedência da ação de divisão lhes advém qualquer prejuízo, sendo certo que a venda do imóvel terá como contrapartida a entrada do valor correspondente ao preço no património dos comproprietários.
Por outro lado, a eventual adjudicação do prédio a um dos comproprietários, homologada por sentença, não terá qualquer efeito nos créditos de que tais credores são titulares, designadamente o de os extinguir ou de exonerar algum ou alguns dos devedores, porquanto esse não é um efeito da sentença da acção de divisão de coisa comum.
A extinção da dívida ou a desoneração de algum dos devedores pode resultar de qualquer das causas de extinção das obrigações legalmente previstas ou de algum ato dependente da vontade do credor, questões que extravasam o objeto da ação de divisão de coisa comum e não fazem parte da sua tramitação.
Assim, é forçosa a conclusão de que os alegados credores, que no caso são credores comuns, não têm um interesse igual ao dos comproprietários, em sede de acção de divisão de coisa comum, e que da procedência da ação não lhes advém qualquer benefício ou prejuízo.
Em suma, os credores não têm legitimidade para a acção de divisão, enquanto parte dela, sendo certo que a relação material controvertida em apreço não lhes diz respeito, sendo distinta da relação que intercede entre aqueles e as partes nesta acção, pelo que os mesmos, querendo, deverão exercer os respectivos direitos em acção autónoma.
Em face do exposto, não estão reunidos os pressupostos da admissibilidade da intervenção principal provocada de JJ……………… e MM ………………., pelo que se indefere o chamamento.
Custas do incidente pela Requerida, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia – artigo 539.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Notifique”.
5 – Inconformada com o decidido, a Requerida/Ré interpôs recurso de apelação, por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
1.ª
Considerando que:
a) O autor promoveu a ação para divisão de coisa comum;
b) Que, no âmbito da ação, a Ré apelante, na sua contestação, apresentou incidente de intervenção de terceiros, provocada;
c) Que, esses terceiros, têm interesse e legitimidade na ação, ao lado da Ré, posto que na composição dos quinhões de cada um dos comproprietários, haverá que ter em conta:
i) O valor que cada um deles pagou das prestações para a sua aquisição;
ii) O valor dos empréstimos contratados pelos comproprietários, credores do A. e R.;
iii) A que acresce ainda a intervenção do banco credor na reclamação dos créditos hipotecários, na sua fase executiva.
2.ª
O artigo 316.º n.º 1 do CPC permite assim que a Ré, comproprietária da coisa, provoque a intervenção dos credores, posto que tal intervenção haverá de provocar uma alteração, substancial, no valor dos quinhões de cada um dos comproprietários.
3.ª
O direito dos intervenientes, é de crédito sobre A. e R. na aquisição da coisa que o A. pretende vender no âmbito da ação.
4.ª
A intervenção provocada é legal e os intervenientes irão apresentar direito próprio, paralelo ao da Ré que suscitou o incidente.
5.ª
No entendimento da apelante, a R. decisão, violou:
Do CPC:
- Artigo 316.º e 925º, na medida em que se entende estarem verificados os legais pressupostos para ser admitida a intervenção”.
6 – O recurso foi admitido por despacho de 18/09/2024, como apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
7 – Não se mostram juntas aos autos quaisquer contra-alegações.
8 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.

**
II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pela Recorrente Apelante, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede consubstancia-se em:
§ aferir se o incidente de intervenção principal provocada, suscitado pela Requerida/Ré, deve ser deferido ;
§ ou se, ao invés, justifica-se o seu indeferimento, nos termos pugnados pela decisão sob sindicância.
O que implica, in casu, a análise acerca do incidente de intervenção principal de terceiros e dos requisitos deste.
**
III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos, as ocorrências e a dinâmica processual a considerar encontram-se expostos no precedente relatório.
**
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A decisão apelada, que indeferiu liminarmente o deduzido incidente de intervenção principal provocada de terceiros (suscitado pela Requerida/Ré), raciocinou, basicamente, nos seguintes termos:
  • Cumpre aferir se se encontram reunidos os requisitos de admissibilidade da requerida intervenção principal provocada de JJ............................................e MM............................................, a tenta a invocada qualidade de credores dos comproprietários (partes primitivas) ;
  • Os incidentes de intervenção de terceiros constituem uma excepção ao princípio da estabilidade da instância ;
  • A presente acção segue a forma especial de divisão de coisa comum e tem como finalidade colocar termo à compropriedade da fracção autónoma, pelo que devem estar presentes na acção todos os comproprietários, tratando-se de um evidente caso de litisconsórcio necessário ;
  • Os credores dos comproprietários, na medida em que não são comproprietários, não têm direito a pôr termo à divisão, nem têm qualquer direito legal a pronunciarem-se sob tal ;
  • Efectivamente, apenas são titulares de um direito de crédito sob os devedores, o qual, de acordo com o alegado, não beneficia de qualquer direito real sob o imóvel ;
  • Respondendo por tal crédito todos os bens dos devedores ;
  • Assim, os alegados credores dos comproprietários, independentemente da sua contribuição para a aquisição do imóvel comum, não têm o mesmo interesse que estes, nem pode pertinentemente afirmar-se que da procedência da acção lhes advém qualquer prejuízo ;
  • Assim, caso ocorra a venda do imóvel, tal sempre terá como contrapartida a entrada do valor correspondente ao preço no património dos comproprietários ;
  • E, a eventual adjudicação do imóvel a um dos comproprietários, não terá qualquer efeito nos créditos de que tais credores são titulares (nomeadamente, na sai extinção ou exoneração) ;
  • Os alegados credores, que são comuns, não têm um interesse igual ao dos comproprietários, em sede de acção de divisão de coisa comum, nem da procedência da acção lhes advém um qualquer benefício ou prejuízo ;
  • Efectivamente, a relação material controvertida em apreço não lhes diz respeito, pelo que não têm legitimidade para esta acção ;
  •  Donde, não estão reunidos os pressupostos da admissibilidade da intervenção principal provocada de JJ............................................e MM............................................, pelo que indefere-se o chamamento.
    Analisemos.
    - da intervenção principal – seus requisitos
    Ajuizando acerca da intervenção de litisconsorte, no âmbito da intervenção de terceiros, principal e espontânea, aduz o artº. 311º, do Cód. de Processo Civil que “estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º” (sublinhado nosso).
    Por sua vez, prevendo acerca do âmbito da intervenção de terceiros, principal e provocada, prescreve o artº. 316º, do Cód. de Processo Civil que:
    1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
    2 - Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
    3 - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
    a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;
    b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor” (sublinhado nosso).
    O princípio da estabilidade da instância encontra-se plasmado no artº. 260º, ainda do Cód. de Processo Civil, ao referenciar que “citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”, entre as quais figura a enunciada na alínea b), do artº. 262, que prevê poder modificar-se a instância “quanto às pessoas: em virtude dos incidentes da intervenção de terceiros”.
    Através da modificação subjectiva da instância “opera-se a substituição de alguma das partes, chamando a juízos outros sujeitos da relação jurídica processual”, constituindo assim a intervenção de terceiros “uma exceção ao princípio da estabilidade da instância (art. 260º) na sua vertente subjectiva (art. 262º, al. b))”.
    Deste modo, e de acordo com o legalmente equacionado nos artigos 311º a 350º, “a intervenção de terceiros pode assumir as formas de intervenção principal (espontânea ou provocada), de intervenção acessória (provocada, do Ministério Público e assistência) e de oposição (espontânea, provocada e mediante embargos de terceiro[2].
    Conforme decorre do citado artº. 311º, a intervenção principal “está restringida a intervenção litisconsorcial: permite-se constituir ou ampliar litisconsórcios, em sentido próprio, tanto voluntários (cf., artigo 32º), como necessários, incluindo entre marido e mulher (cf., artigos 33º e 34º)[3].
    Pelo que, no apelo ao referenciado no douto Acórdão desta Relação de 02/12/2008 [4], possuem “legitimidade para intervir num processo pendente, no quadro deste incidente, aqueles que, em relação ao objecto do processo, pudessem inicialmente ter demandado ou ser demandados, por terem um interesse igual (ou paralelo) ao do autor ou do réu (da acção pendente)”.
    O incidente de intervenção principal configura-se, assim, como “uma forma sucessiva de litisconsórcio ou de coligação de autores [5], sendo que na modalidade de provocada é admitido nas situações de “litisconsórcio necessário ; litisconsórcio voluntário por iniciativa do autor ; litisconsórcio voluntário por iniciativa do réu”. Acresce que o “litisconsórcio voluntário passivo pode constituir-se por iniciativa de qualquer das partes, sendo livre a do autor e condicionada a do réu a este mostrar ter nisso um interesse atendível (nºs. 2 e 3-a)[6].
    Nas palavras de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa – Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, Reimpressão, pág. 367 e 368 -, tal como sucede com a intervenção espontânea, “a intervenção provocada é circunscrita à figura do litisconsórcio”, cobrindo o primeiro caso, enunciado no nº. 1, do artº. 316º, do Cód. de Processo Civil, “a situação de ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário ativo ou passivo (arts. 33º e 34º), caso em que qualquer das partes primitivas pode requerer o chamamento de terceiro que se associe a si ou à parte contrária, para assegurar a legitimidade (316º, nº. 1)”.
    Para além das situações de intervenção principal provocada suscitada pelo Autor, nas situações de litisconsórcio voluntário, enunciadas no nº. 2, do mesmo normativo, a acrescer às situações de litisconsórcio necessário, pode o próprio réu “promover o chamamento de terceiros para a lide, em duas situações. A primeira ocorre quando haja outros sujeitos passivos da relação material controvertida objecto dos autos e pretenda fazer intervir, em regime de litisconsórcio voluntário e a si associados, os demais sujeitos”, exigindo-se, para tal, “que o réu revele «interesse atendível» na intervenção (art. 316º, nº. 3, al. a))”.
    A segunda situação em que é admissível ao réu formular requerimento de intervenção de terceiros “tem lugar quando o autor primitivo não seja o único titular da pretensão deduzida em juízo e o réu queira que estejam nos autos os demais contitulares, que deverão associar-se ao autor (art. 316º, nº. 3, al. b)). Assim sucederá nos casos suscetíveis de configurar litisconsórcio voluntário ativo, mas em que a lei permite que um só dos titulares faça valer o direito comum (v.g. arts. 512º, nº. 1, 1405º, nº. 2, e 2078º, nº. 1, do CC)”.
    Efectivamente, “num quadro destes, a eventual improcedência da ação e a consequente absolvição do réu do pedido não coloca este a salvo de futuras demandas, que poderão, no limite, ser tantas quantos forem os demais contitulares do pretenso direito. É que a primeira decisão de improcedência não é oponível aos outros contitulares, e assim sucessivamente (art. 618º). De modo a evitar esse risco e para poder beneficiar em definitivo da eventual absolvição do pedido, o réu pode promover a intervenção de todos os restantes contitulares, os quais, assim, ficarão vinculados à decisão a proferir (art. 328º)”.
    Em idêntico sentido, aduz Salvador da Costa – Os Incidentes da Instância, 10ª Edição Atualizada e Ampliada, Almedina, págs. 85, 87 e 91 – que a “intervenção principal provocada consubstancia-se, em regra, no chamamento ao processo, por qualquer das partes, de terceiros interessados na intervenção, seja como seus associados, seja como associados da parte contrária, sobretudo em situações de litisconsórcio. Não tem, porém, a virtualidade de servir para o réu se fazer substituir na ação pela pessoa que julga ser o sujeito passivo da relação jurídica material invocada pelo autor”.
    Tem, assim, como essencial desiderato “chamar à ação terceiros interessados, para se associarem à parte requerente, ou à parte contrária, em quadro de relações de litisconsórcio”.
    Deste modo, o nº. 1 do citado artº. 306º, do CPC, prevê “a preterição do litisconsórcio necessário, e estatui que qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa como seu associado ou associado da parte contrária”, destinando-se tal normativo “para o caso de preterição do litisconsórcio necessário do lado ativo ou do lado passivo que o normativo em análise permite a qualquer das partes o chamamento a juízo, como seu associado ou da parte contrária, do interessado com legitimidade para o efeito, definida pelo interesse do chamado igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 33º e 34º. Assim, o próprio autor pode chamar a intervir alguém, seja na posição de autor, seja na posição de réu, e este pode chamar a intervir outrem em posição paralela à sua ou à do autor”.
    No que concerne ao nº. 3, do mesmo normativo, veicula-se “uma mera especialidade de procedimento em relação ao regime geral do incidente de intervenção principal, cuja motivação deriva do facto de se tratar de intervenção passiva suscitada pelo réu, substitutiva do antigo incidente de chamamento à demanda.
    Entra no processo, como réu, ao lado do réu primitivo, um dos sujeitos passivos da relação jurídica material controvertida que à ação serve de causa de pedir. O referido interesse do requerente é suscetível de se consubstanciar, por exemplo, na defesa conjunta, no acautelamento do direito de regresso ou da sub-rogação legal ou na formação de caso julgado contra o chamado”. 
    Ora, justifica-se o chamamento, no âmbito da intervenção principal provocada, dos identificados JJ............................................e mulher MM............................................, pais da Ré, enquanto alegados credores dos comproprietários (partes primitivas na acção), no âmbito da presente acção de divisão de coisa comum ?
    É pertinente o chamamento efectuado daqueles terceiros, por parte da Ré, no âmbito do deduzido incidente de intervenção principal provocada, fundado na circunstância daqueles, alegadamente, terem ajudado monetariamente na aquisição do imóvel objecto de divisão, na liquidação das prestações bancárias tendentes á amortização do empréstimo contraído para tal aquisição e no sustento familiar do casal comproprietário ?
    Justifica-se tal chamamento, de forma a que aos chamados seja reconhecido o alegado direito de crédito, assim se salvaguardando que este seja pago com o produto da eventual venda do imóvel ?
    Vejamos.
    - do processo de divisão de coisa comum
    Prevendo acerca do direito de exigir a divisão e do processo da divisão, extrai-se do estatuído nos artºs. 1412º e 1413º, ambos do Cód. Civil, que, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa, “nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão”, podendo a divisão ser operacionalizada “amigavelmente ou nos termos da lei de processo”, sendo que, neste caso, somos remetidos para o âmbito do processo especial legalmente equacionado nos artigos 925º a 929º, do Cód. de Processo Civil.
    Realiza-se, assim, através do presente processo especial, o direito dos comproprietários à divisão, sendo que, caso se conclua pela indivisibilidade material da coisa dividenda [7], pode:
    - existir acordo na sua adjudicação a algum dos titulares do direito de compropriedade, preenchendo-se os quinhões (ou quinhão) dos demais (do demais) com dinheiro ;
    - ou, inexistindo acordo, procede-se à venda da coisa e subsequente repartição do produto da mesma, pelos vários interessados, na proporção das quotas de cada um.
    E, caso se conclua pela divisibilidade material da mesma coisa dividenda, ocorrerá como que uma fragmentação ou segmentação do direito de compropriedade, quer no que concerne aos sujeitos, quer no que respeita ao objecto.
    O que configura e traduz, em virtude de sempre ocorrer uma modificação subjectiva e objectiva do direito real que incide sobre a coisa dividenda, que a acção de divisão de coisa comum se configure como uma acção de natureza real constitutiva.
    Decorre daqueles normativos que a tramitação processual a observar é enformada, basicamente, por duas distintas fases.
    Uma fase declarativa, determinando que, apresentados os articulados, deverá o juiz conhecer das questões suscitadas pelas partes no pedido de divisão, produzida que seja a prova necessária, o que deve ocorrer, preferencialmente, mediante recurso às regras dos incidentes da instância – cf., artºs. 926º, nº. 2, 294º e 295º, todos do Cód. de Processo Civil.
    E, apenas nos casos em que o julgador entender que as questões decidendas, devida á sua natureza ou complexidade, não podem ser decididas mediante aquele mecanismo processual mais célere, mandará então seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum – cf., o nº. 3, do mesmo artº. 926º.
    Uma segunda fase, rotulada como executiva, no âmbito da qual é convocada uma conferência de interessados, onde se operará a adjudicação.
    Sendo a coisa indivisível, é nessa sede que se procurará o acordo dos interessados na adjudicação a algum ou a alguns deles, preenchendo-se em pecunia a quota dos demais ; inexistindo acordo sobre tal adjudicação, a coisa é vendida, podendo os consortes concorrer à venda – cf., os nºs. 1 e 2, do artº. 929º, do mesmo diploma.
    Caracteriza-se, desta forma, a acção especial de divisão de coisa comum por ter de englobar todos os consortes, com o desiderato prático de cessação da compropriedade, pois, não se trata, apenas, de concretizar a quota de um ou vários requerentes na coisa comum, mas antes a de dissolver a relação de compropriedade entre todos os consortes.
    Decorrendo, assim, a sua natureza ou carácter universal, no respectivo processo têm de intervir todos os consortes, seja na posição activa ou na posição passiva, estando-se, deste modo, perante um evidente caso de litisconsórcio necessário, ou seja, para que possa efectivar-se judicialmente a divisão da coisa comum, é mister a intervenção de todos os consortes, sob pena de ilegitimidade.
    Sumariou-se no douto Acórdão da RG de 10/01/2019 – Relator: José Alberto Martins Moreira Dias, Processo nº. 293/12.0TBCMN-D.G1, in www.dgsi.pt, citado pela Recorrente nas alegações -, que “no incidente da intervenção principal é chamado um terceiro, que poderá inicialmente associar-se, em termos de litisconsórcio ou de coligação, a uma das partes primitivas da ação, para associar-se a uma dessas partes, a fim de fazer valer, na ação, um direito próprio, paralelo ao do Autor ou do Réu, assumindo esse terceiro, respetivamente, na ação pendente, a qualidade de co-autor ou co-réu”.
    Assim, “a intervenção principal provocada pelo Autor apenas é admissível quando: a) ocorra preterição de litisconsórcio necessário, destinando-se o incidente a sanar a ilegitimidade ativa ou passiva; ou b) nos casos de litisconsórcio voluntário, em que o Autor pretenda chamar a juízo algum dos litisconsortes dos Réus que não tenha demando inicialmente a fim de contra ele, também, dirigir o pedido; ou c) nos casos em que o Autor pretenda dirigir o pedido contra esse terceiro, a título subsidiário, no quadro de pluralidade subjetiva subsidiária previsto no art. 39º do CPC”.
    Pelo que, “requerendo o Autor, em ação de divisão de coisa comum, a intervenção principal provocada de um terceiro com fundamento na circunstância desse terceiro se arrogar proprietário de uma parte do terreno que integra o prédio dividendo, esse incidente não pode ser admitido uma vez que o terceiro não é chamado à ação de divisão de coisa comum para nela exercer um direito próprio, paralelo ao do Autor ou dos Réus (mas um direito incompatível com o direito de compropriedade destes sobre o prédio dividendo), sequer por entre Autor, Réus e o terceiro interceder qualquer relação litisconsorcial”.
    Por sua vez, no douto aresto desta RL de 04/02/2021 – Relatora: Teresa Pardal, Processo nº. 11259/18.7T8SNT.L1-6, in www.dgsi.pt -, estando em equação pretensão recursória de revogação da decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente a excepção de preterição de litisconsórcio necessário passivo, por não ter sido demandado credor hipotecário do empréstimo bancário contraído para a aquisição do imóvel comum, começou por referenciar-se que a acção de divisão de coisa comum “comporta duas fases, a primeira declarativa destinada a apurar a natureza comum da coisa, a sua natureza divisível ou indivisível em substância, bem como a fixação das quotas (artigos 925º e seguintes) e, após a definição dos direitos daí resultantes, tem lugar a segunda fase, que os executa, com o preenchimento dos quinhões por acordo ou por sorteio ou, se a coisa for indivisível em substância, com a adjudicação ou venda (artigo 929º)”.
    Acrescenta-se que “apenas os comproprietários extraem utilidade da procedência ou improcedência do pedido na fase declarativa da acção, só eles tendo legitimidade para demandar ou ser demandadas à luz do artigo 30º do CC, pelo que, “havendo credor hipotecário, titular de hipoteca sobre a totalidade do prédio como é o caso, o mesmo não tem interesse em intervir como parte, pois o seu direito não será afectado com a definição dos direitos a efectuar na fase declarativa do processo.
    Assim, “a intervenção do credor hipotecário só será legalmente obrigatória no eventual caso de venda do bem na fase executiva, face ao artigo 549º nº2 do CPC, que, regulando as disposições dos processos especiais, manda aplicar as formas estabelecidas para o processo de execução sempre que haja lugar a venda de bens, o que determina a aplicação dos artigos 788º e seguintes do mesmo código, com a citação dos credores com garantia real sobre o prédio a vender” (sublinhado nosso), o que determinou juízo de improcedência quanto à invocada verificação da excepção de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário.
    Referenciemos, por fim, o doutamente exposto no Acórdão da RP de 04/05/2022 – Relator: João Ramos Lopes, Processo nº. 6269/16.1T8VNG-A.P1, in www.dgsi.pt -, no qual estava em equação a intervenção em acção de divisão de coisa comum de terceiro titular de direito real de garantia sobre o prédio objecto de divisão (direito de retenção), por alegadas benfeitorias realizadas no imóvel, estando a residir no mesmo, por ter desempenhado função de casa de morada de família.
    Entendeu-se que “para efeitos de apreciação liminar do incidente (art. 315º do CPC), não poderia negar-se à apelante interesse litisconsorcial, atenta a sua qualidade de titular de direito real de garantia sobre a coisa objecto da acção”, ou seja, era de “reconhecer à apelante o imprescindível interesse litisconsorcial para intervir na causa”.
    Pelo que, acrescentou-se que “o processo especial para divisão de coisa comum comporta duas fases fundamentais: uma primeira de natureza declarativa, visando decidir sobre a existência e os termos do direito à divisão invocado; a segunda de índole executiva, em que se materializa (fundamentalmente por meio de perícia) o direito já definido na fase declarativa, tendo-se em vista o preenchimento dos quinhões em espécie ou por equivalente (fase cujos termos dependem de se ter decidido a divisibilidade ou indivisibilidade material da coisa).
    Fases distintas duma mesma causa, sendo que o termo desta (enquanto causa judicial) só ocorrerá com o termo da fase de índole executiva – ou seja, no caso de divisão em substância da coisa, com a adjudicação dos quinhões (art. 929º, nº 1 do CC)”.
    Assim, “os efeitos de caso julgado da acção de divisão de coisa comum que importa estender ao titular de direito real de garantia (que impõem se conclua pela necessidade da sua demanda, sob pena de preterição de litisconsórcio necessário) não se circunscrevem à primeira fase do processo (à decisão sobre existência e termos do invocado direito à divisão); pelo contrário, importa que ao titular daquele direito se torne oponível também a decisão que venha a decidir os concretos termos da divisão da coisa e a adjudicação, concluindo-se, então, ser de “reconhecer que a apelante, à qual não pode negar-se (em termos de apreciação liminar – à luz do art.. 315º do CPC) interesse litisconsorcial, atenta a sua qualidade de titular de direito real de garantia sobre a coisa objecto da acção, se apresentou tempestivamente a deduzir o incidente de intervenção principal espontânea por mera adesão (fê-lo estando a causa ainda pendente)”.
    O que determinou que se sumariasse que “além da presença de todos os comproprietários, exigem também os princípios processuais aplicáveis em matéria de eficácia de caso julgado, em acção de divisão de coisa comum, a intervenção na causa dos titulares de direitos reais de gozo ou de garantia sobre a coisa objecto da lide (sublinhado nosso).
    Exposto o presente enquadramento, retornemos ao caso concreto.
    - da requerida  intervenção principal
    Conforme enunciámos, pugna a Requerente Ré pela intervenção principal provocada dos seus pais, por, alegadamente, o imóvel objecto do pedido de divisão ter sido adquirido com recurso à ajuda monetária daqueles, os quais vêm igualmente contribuído monetariamente na liquidação das prestações bancárias tendentes à amortização do empréstimo contraído para aquela aquisição, bem como para o sustento do agregado familiar, designadamente em substituição do interessado Requerente.
    Ora, a intervenção destes putativos chamados não se impõe por litisconsórcio necessário, pois estes não são titulares da relação material controvertida em equação no presente processo especial de divisão de coisa comum, antes pertencendo tal titularidade às partes primitivas, enquanto comproprietários do imóvel dividendo.
    Por outro lado, a intervenção daqueles também não se evidencia como necessária à efectivação da reivindicada divisão do imóvel comum, podendo esta produzir totais e operacionais efeitos sem que aqueles intervenham nos autos.
    Acresce que, não sendo aqueles sujeitos passivos da relação material em controvérsia, também não está em equação o evidenciar de um qualquer interesse atendível por parte da Ré Chamante, nem é invocado que os mesmos possam ser contitulares do direito à divisão invocado pelo Autor Requerente. Efectivamente, os enunciados credores não possuem legitimidade para a acção de divisão, sendo-lhes alheia a relação material em controvérsia, pois, caso se evidencie que são efectivamente credores, será com fundamento noutra relação material controvertida que poderão vir a exercer e impulsionar o seu direito de crédito.
    Com efeito, estamos perante alegados meros credores comuns dos comproprietários do imóvel dividendo, não possuindo sob este um qualquer direito real de garantia que o onere.
    Deste modo, tal como bem refere a decisão sob apelo, perante tal pretenso direito de crédito dos terceiros responde a totalidade dos bens dos devedores, conforme dispõe o artº. 601º, do Cód. Civil, em virtude do património do devedor constituir a garantia geral das obrigações por si assumidas.
    Ademais, a acção de divisão de coisa comum, por si só, nenhum prejuízo é susceptível de provocar no alegado crédito dos terceiros, pois, mesmo na eventualidade do imóvel vir a ser alienado na fase executiva da presente acção, tal determinará a entrada do correspondente valor de alienação no património dos comproprietários, alegados devedores.
    Por último, caso tais terceiros fossem titulares de uma garantia real sob o imóvel objecto de divisão – e não o são -, sempre se justificaria o seu chamamento na eventual fase executiva da presente acção, o qual seria mesmo obrigatório no caso da venda do imóvel, conforme dispõe o nº. 2, do artº. 549º, do Cód. de Processo Civil, com consequente aplicabilidade do prescrito nos artºs. 786º e 788º, ambos do mesmo diploma. E não na presente fase declarativa da acção, a qual tem apenas por desiderato decidir sob a existência e termos do invocado direito à divisão.
    Por todo o exposto, reconhecendo-se falência na pretensão recursória, mantém-se, na sua plenitude, a decisão recorrida, que se confirma.
    *
    Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo a Apelante decaído no recurso interposto, é responsável pelo pagamento das custas devidas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza.
    ***
    IV. DECISÃO
    Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
    a) Julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Apelante/Ré L............................................, em que figura como Apelado/Autor G............................................ ;
    b) Em consequência, confirma-se o despacho recorrido/apelado ;
    c) Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo a Apelante decaído no recurso interposto, é responsável pelo pagamento das custas devidas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza.
    --------
    Lisboa, 19 de Dezembro de 2024
    Arlindo Crua
    Laurinda Gemas
    António Moreira
    _______________________________________________________
    [1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
    [2] Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. I, 2ª Edição, 2017, Almedina, pág. 562 e 563.
    [3] Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª Edição, 2015, Coimbra Editora, pág. 269.
    [4] Relator: Rui Vouga, Processo nº. 6533/2008-1.
    [5] Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 563.
    [6] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 4ª Edição, Almedina, pág. 629 e 630.
    [7] O conceito de divisibilidade encontra-se enunciado no artº. 209º, do Cód. Civil, aí se prescrevendo serem “divisíveis as coisas que podem ser fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam”.
    Acerca deste conceito, mencionou-se no douto aresto do STJ de 05/11/2002 – in www.dgsi.pt que uma coisa é a indivisibilidade jurídica e outra é a indivisibilidade física ou material, já que constituem realidades de todo distintas, pois o conceito do art.º 209, do CC não é um conceito físico-material, mas sim jurídico, o que determina que, prima facie, pode considerar-se como indivisível algo que, à priori, até já está dividido.