Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1265/21.0KRLSB.L1-3
Relator: CRISTINA ISABEL HENRIQUES
Descritores: MENSAGENS
TELEFONEMAS
GRAVAÇÃO
VITIMA
PROIBIÇÃO DE PROVA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
MEDIDA DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I - Na jurisprudência, nos últimos anos, até atenta a evolução tecnológica, que permite uma ampla divulgação em meios de comunicação social e inclusive em redes sociais, de uma série de gravações feitas por particulares de ilícitos criminais, tem-se tornado cada vez mais pacífica a permissão de utilização de mensagens e chamadas telefónicas gravadas pela vítima, quando se destinam a prova de um crime, que é também cometido através desses meios de comunicação entre ausentes.
II - Na verdade, quando as pessoas enviam mensagens, de texto, sms, ou chamada, as quais consubstanciam elas próprias a comissão de um crime, sabem, seguramente, que tais mensagens podem ser vistas por outros, prescindindo da sua própria privacidade para lograrem o cometimento de um ilícito criminal.
III - Seria no mínimo violador dos direitos da vítima, que não pudesse usar estas mensagens e que ao fazê-lo incorresse na prática de um crime, quando apenas pretende defender-se e provar a existência de um crime, no caso, um crime que se comete, as mais das vezes, entre quatro paredes, e cuja prova, por isso mesmo, se torna difícil.
IV - A medida da pena fixada pelo Tribunal recorrido e os poderes deste Tribunal de Recurso para a apreciar, têm que ser compreendidos dentro de alguns limites consubstanciados no princípio da mínima intervenção.
V - Significa isto que, sendo a determinação e fixação de uma pena apreciada dentro dos limites da moldura penal estatuída pela norma violada, a sua graduação concreta envolve para o juiz, uma certa margem de liberdade individual , não podendo, no entanto, esquecer-se que ela é, e nem podia deixar de o ser, estruturalmente, aplicação do direito , devendo ter-se em apreço a culpabilidade do agente e os efeitos da pena sobre a sociedade e na vida do delinquente, por força do que dispõe o art.º 40.º n.º 1 , do CP.
VI - Na verdade, o Tribunal de recurso deverá sindicar o quantum da pena, e a sua natureza, tendo em atenção os critérios de determinação utilizados pelo Tribunal recorrido, e a fundamentação de todo o processo cognitivo que foi seguido, intervindo, no sentido da alteração se se revelarem falhas que possam influenciar essa mesma determinação ou se a mesma se revelar manifestamente desproporcionada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, os Juízes da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO:
Nos autos de Processo n.º 1265/21.0KRLSB.L1 foi proferido acórdão no qual foi decidido condenar o arguido AA, melhor identificado nos autos, pela prática:1) em autoria material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, na pessoa de BB, p.p. pelo artigo 152º, n.º 1 alíneas a) e c) e n.º 2 alínea a) do CP, na pena de três anos e seis meses de prisão; 2) em autoria material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, na pessoa de CC, p.p. pelo artigo 152º, n.º1 alíneas d) e e) e n.º2 alínea a) do CP, na pena de três anos e três meses de prisão; 1) em autoria material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, na pessoa de DD, p.p. pelo artigo 152º, n.º1 alíneas a) e c) e n.º2 alínea a) do CP, na pena de dois anos e cinco meses de prisão; 4) em autoria material, na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2 alínea l) e artigos 4º, n.º1 e 86º, n.º1 alínea d) da Lei 5/2006 de 23.02 na pena de quatro meses de prisão; 5) em cúmulo jurídico na pena única de 5 anos e 4 meses de prisão efectiva. Foi ainda condenado nas penas acessórias de proibição de estabelecer quaisquer contactos e por qualquer meio com os ofendidos pelo período de 5 anos contados do trânsito em julgado do presente acórdão; obrigação de frequência do programa específico de prevenção da violência doméstica e proibição de uso e porte de armas.
Não conformado com tal acórdão, veio o arguido, acima melhor identificado, interpor recurso para este Tribunal, juntando para tanto as motivações que constam dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, concluindo nos seguintes termos, que se transcrevem:
1. O Juiz só deve condenar se ficar efetivamente convencido, quanto à culpa do arguido, através da atividade probatória levada a cabo pelo Ministério Público ou pela investigação levada a cabo por si.
2. O princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dúbio pro reo. Além de ser uma garantia subjetiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os fatos decisivos para a solução da causa e significa que o arguido está isento do ónus de provar a sua inocência, a qual aparece imposta (ou ficcionada) pela lei; o que carece de prova é o contrário, ou seja, a culpa do arguido, concentrando a lei o esforço probatório na acusação.
3. Da conjugação do princípio da liberdade com o da presunção de inocência decorre o princípio in dúbio pro reo, que não se trata de uma regra de valoração da prova, como por vezes erradamente se pensa, mas apenas de um critério de valoração da duvida sobre a prova e […] como o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da decisão condenatória, a dúvida sobre os fatos que alegadamente provam a sua
4. A prova enquanto atividade probatória- é o esforço metódico através do qual são demonstrados os fatos relevantes para a existência do crime, a punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis, cabendo ao Julgador,
5. A livre apreciação da prova, enquanto atividade submetida à Constituição Penal, impõe ao Juiz, e bem, a prorrogativa de investigar oficiosamente todos os fatos que possam permitir, de forma imparcial, alcançar o alicerce da decisão.
6. O crime de violência doméstica comporta um elemento objetivo e subjetivo, importando perceber se a conduta do agente, por ser violenta ou pelo desejo de prevalência de domínio sobre a vítima pode ser entendida, ao invés, como um crime de maus-tratos.
7. A prova proibida é aquela que não cumpre com os parâmetros normativos definidos pela lei, contrariando normas de direitos fundamentais, podendo revestir essa ilicitude um carater direto, quando viola diretamente um direito fundamental, ou um carater indireto, quando a prova em si só não viola um direito fundamental, mas surge ligada a um ato que é violador de tais direitos.
8. A consequência da existência de uma prova ilícita, em qualquer das suas vertentes, direta ou indireta, implica a sua exclusão do processo, nos termos do artigo 32.º n.º 1 e 8 da Constituição.
9. A gravação de telefonemas por particulares constitui crime p. e p. pelo artigo 199.º do Código Penal, porquanto, atenta contra o direito fundamental previsto no artigo 26.º da Constituição.
10. Assim, nos termos do artigo 125.º do Código de Processo Penal as gravações de telefonemas por particulares não podem ser valoradas como prova e, assim, deve ser declarada nula, nos termos do artigo 126.º do Código de Processo Penal.
11. O arguido impugna a matéria de fato em relação a eventos considerados provados, quanto à assistente BB, constantes nos pontos 6, 12, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 45 ,46, 47, 49, 55, 60, 136, 137, 138, 139, 140,142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 165, 166, 167 da decisão recorrida.
12. Para o efeito de impugnação da matéria de fato aludida no ponto antecedente, a prova que impõe decisão diversa são as mensagens juntas aos autos, os depoimentos da assistente BB, nas suas declarações para memória futura e as prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, os depoimentos do assistente DD e CC, as suas declarações para memória futura e as prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como as declarações do arguido, tudo devidamente considerado.
13. Concretizando, em síntese conclusiva, quanto ao ponto 6, é o próprio Acórdão que se contradiz quando considera como provado que:
“10. Após o casamento, o casal foi residir para uma casa que o arguido havia adquirido em ....
15. Nessa altura, e porque a casa onde residiam foi entregue pelo arguido ao Banco para solver a dívida, o casal mudou-se para a freguesia da ... e fixaram residência na ..., ....
17. No entanto, o arguido e BB mantiveram o relacionamento e a coabitação até ... de ... de 2020, data em que a ofendida descobriu que o arguido mantinha uma relação amorosa com EE e decidiu sair da casa de morada de família, mantendo por pressão do arguido, a guarda partilhada das crianças. (destaque e sublinhado nosso). –
14. Quanto ao ponto 12, junto aos autos encontram-se recibos verdes que comprovam que até agosto de 2006 o arguido prestou serviços ao Instituto, tendo o filho do arguido e da ofendida nascido em abril de 2006.
15. Quanto ao ponto 16, o Acórdão recorrido, mais uma vez, entra em contradição, quando no ponto 159 se lê, “a separação conjugal foi por mútuo acordo.”
16. Quanto ao ponto 17, considerou-se as declarações da assistente prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento a 06.02.2024, com início às 11h36, minuto 00:56:00: “Assistente: volta a história a repetir-se o Don Juan, que tinha sido um erro a pessoa, a pessoa maravilhosa que eu era. Mas eu disse-lhe que não vamos voltar a viver juntos. Juiz: e atividade sexual? Assistente: Sim, voltamos a estar.” Minuto 00:59:47 “Juiz: mas voltaram a viver juntos? Assistente: Nunca mais vivemos juntos. Juiz: Mas fizeram férias juntos em 2021, no Verão? Assistente: sim.” Minuto 00:42:38 “Juiz: mas quando foi a última vez que se separaram definitivamente? Assistente: Em setembro de 2021.”
17. Quanto ao ponto 18, considera-se o depoimento da assistente, prestado em sede de audiência de discussão e julgamento em 06.02.2024, com início às 11h36 que a mesma viveu em casa da mãe e de uma amiga. Minuto 01:00:19 “Eu vivi em casa da minha mãe ou em casa da minha amiga FF.”
18. Quanto ao ponto 19, a prova consta das declarações da assistente em 06.02.2024. Minuto 00:42:38 “Juiz: mas quando foi a última vez que se separaram definitivamente? Assistente: Em setembro de 2021.”
19. Quanto ao ponto 20, considerou-se as declarações da assistente a 20.02.2024, prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, 1 “Minuto 00:11:23 Mandatária do arguido: Afirmou que ele a tratava por rameira? 00:11:40 Juiz: presumo que saiba o que é uma rameira? Assistente: sim, sim eu sei. 00:11:44 Mandatária do arguido: e porque continuou a viver com ele? Estava no início da relação, não é? Portanto, porque continuou a namorar com ele? 00:11:53 Assistente: Não estava no início da relação, porque no início da relação fomos viver para .... Tudo correu lindamente em ....”
20. Ponto 21, a indeterminação da data ofende os direitos de defesa do arguido.
21. Quanto ao ponto 22 da prova produzida, mormente, das declarações da assistente em 06.02.2024, resulta ao minuto 00:23:48 “Assistente: Nós tínhamos acesso aos e-mails um do outro.”
22. Ponto 23, a prova a considerar são as declarações para memória futura prestadas em 30.11.2021, do filho de ambos “o pai irrita-se e profere os palavrões contra a mãe, és uma vaca, és uma porca, és uma puta. A mãe também respondia és um boi, és um merdas, isso acontecia muitas vezes”, bem como, a fls. 1092, consta um e-mail da ofendida, enviado ao arguido, em ........2021 onde se lê “vai-te foder” e a fls. 1105, consta um e-mail da ofendida, enviado ao arguido, a ........2021 onde se lê “és um filho da puta”.
23. Ponto 24, as iniciais PC são as iniciais do nome da assistente, BB.
24. Ponto 26, inexiste prova testemunhal ou documental que corrobore a convicção da assistente de que foi o arguido que praticou tais atos.
25. Assim como, quanto ao ponto 27 e 28, inexiste qualquer prova a não ser a mera convicção da assistente.
26. O ponto 29 encontra-se em clara contradição com o ponto 17 dos fatos provados.
27. Ponto 30, durante os três meses, entre junho de 2021 e setembro de 2021, não existem comunicações entre arguido e ofendida. Sempre resta a dúvida de que não existe prova dessa comunicação, porquanto, os mesmos durante esses três meses coabitavam.
28. Quanto aos pontos 31, 32, 33 e 34, a prova a considerar são as declarações do menor DD, em 30.11.2021 a minutos 00:03:14 a 00:04:08, “Juiz: Olha, e agressões, alguma vez viste o teu pai a agredir a tua mãe? DD: Diretamente que eu me lembre, não […] a minha mãe estava a sair para ir para o elevador e gritou, eu não estava lá, mas fui lá ter e a minha mãe estava agarrada ao cabelo a chorar. Juiz: Portanto, viste o teu pai a agarrar o cabelo nessa situação? DD: Não vi.”
29. Quanto à prova documental junta aos autos, e mormente na denúncia feita à APAV em novembro de 2021, a ofendida começa por dizer que este episódio terá sido a ... de ... de 2021, bem como, uma fotografia junta aos autos datada de ... de ... de 2021, no almoço de aniversário da ofendida, em que não se vislumbra qualquer marca de agressão.
30. Acrescem as declarações da assistente prestadas em 06.02.2024, em sede de audiência de discussão e julgamento, minuto 01:09:40 “Assistente: Quando fomos para o batizado do filho do HH que aconteceu dia ........2021. Mandatária do arguido: Então e não ficaram lá a dormir em ..., onde foi o batizado? Assistente: Viemos para casa na ... e ficámos juntos.”
31. Quantos aos pontos 45, 46, 47 e 49, resultam das declarações do menor DD, em 30.11.2021 a minutos 00:03:14 a 00:04:08, “Juiz: Olha, e agressões, alguma vez viste o teu pai a agredir a tua mãe? DD: Diretamente que eu me lembre, não […] a minha mãe estava a sair para ir para o elevador e gritou, eu não estava lá, mas fui lá ter e a minha mãe estava agarrada ao cabelo a chorar. Juiz: Portanto, viste o teu pai a agarrar o cabelo nessa situação? DD: Não vi.”
32. Quanto ao ponto 55 inexiste prova testemunhal ou documental.
33. Ponto 60, a prova consta do e-mail referido no ponto 143 dos fatos provados, em que o arguido diz para deixar a chave de casa e não roubar mais nada.
34. Quanto aos pontos 136, 137, 138, 139, 140, 142 e 143, a assistente, nas declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento em 06.02.2024, ao minuto 00:23:48 diz. “Assistente: Nós tínhamos acesso aos e-mails um do outro.”
35. Por toda a prova referida nos pontos supra, devem dar-se por não provados, na medida da impugnação direta que consta da motivação de recurso, aqui sumariada, em consequência os pontos 144, 145, 146, 147, 148, 149, 165,166 e 167.
36. Assim, e em suma, defende o arguido que deve ser considerado provado que:
37. O arguido e a ofendida mantiveram uma relação amorosa com início no ano de 2004 e até ........2021, pautada por períodos de coabitação.
38. O arguido prestou serviços ao ... até agosto de 2006.
39. O arguido e a ofendida divorciaram-se em 2019.
40. Tendo, porém, e apesar do divórcio, mantido a relação amorosa até setembro de 2021, com um acordo de regulação das responsabilidades parentais em vigor, com residência alternada.
41. O arguido e a ofendida, durante o ano de 2020 e até ........2021, residiram alternadamente com os filhos na residência sita na .... Após, porque reataram a relação amorosa, e até ........2021 passaram a coabitar.
42. A relação entre o arguido e a ofendida pautou-se por ofensas mútuas.
43. Em ........2021 a assistente abandonou em definitivo a residência. Consequentemente, o arguido em ........2021 trocou a fechadura da porta da residência sita na ....
44. Não se podem considerar provados os seguintes fatos:
45. Que a relação entre o arguido e a ofendida desde o início se pautou por comportamentos agressivos verbais por parte do arguido.
46. Que em 2017 o arguido agrediu fisicamente a assistente.
47. Que após junho de 2020 o arguido, por telefone e e-mail, injuriou a assistente.
48. Que o arguido tenha o número da assistente gravado no seu telemóvel com a siglas “PC” por se referir à mesma como “Puta Cabra”.
49. Que o arguido tenha partido as plantas e rasgado a lingerie da ofendida.
50. Que o arguido tinha ciúmes da ofendida.
51. Que o arguido tenha instalado uma câmara na residência alternada para vigiar a assistente e controlar o que esta fazia.
52. Que entre junho de 2021 e setembro de 2021 o arguido e a ofendida não voltaram a viver juntos.
53. Que no dia ... de ... de 2021 o arguido tenha esmurrado a assistente no nariz, tal como se comprova pelo registo fotográfico de ........2021 junto aos autos.
54. Que o arguido tenha tido um comportamento agressivo quando a ofendida comunicou que iria para casa da mãe.
55. Que foi o arguido o autor dos e-mails enviados à ofendida, pois que, também a assistente tinha acesso ao e-mail do arguido tal como a própria o assume, vide declarações da assistente em 06.02.2024, resulta ao minuto 00:23:48 “Assistente: Nós tínhamos acesso aos e-mails um do outro.”
56. O arguido impugna os fatos considerados provados, quanto aos ofendidos DD e CC, constantes nos pontos 35, 36, 37, 38, 39, 40, 42, 43, 44, 50, 51, 52, 53, 59, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 148, 149, 163, 168, 169, 170, 171, 172, 173, do Acórdão ora recorrido.
57. Sendo que, a prova que impõe decisão diversa são as mensagens juntas aos autos, os depoimentos da assistente BB, nas suas declarações para memória futura e as prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, os depoimentos do assistente DD e ofendido CC, nas suas declarações para memória futura e as prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como as declarações do arguido.
58. Concretizando, quanto ao ponto 35 a prova a ter-se em consideração deverá ser as declarações do filho do arguido em sede de audiência e discussão e de julgamento, em 30.04.2024, quando a minutos 00:22:44 a 00:22:57 “Juiz: Pronto e relativamente a este tipo de abordagem do pai ao CC, quando é que tem memória dele? Se começar a chatear consigo? CC: 14 ou 15 anos”.
59. Quanto ao ponto 37, as declarações do filho CC, prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento em 30.04.2024, a minutos 00:47:16 a 00:48:04, na sequência da conversa sobre a nota menos boa que havia tirado,” CC: eu disse que no próximo teste eu iria ter uma nota superior a 16”. Será isso vais ter + 16 exatamente pronto, porque eu disse-lhe que ia ter mais que 16 nesse teste e ele escreveu aí. “Que já não dá para devolver o livro porque não era meu era da escola” Juiz: No fundo passou a lembrar-se desde dia e na obrigação que tinha de cumprir, é isso? CC: Exato.”
60. Quanto ao ponto 38, em sede de audiência de discussão e julgamento a 30.04.2024, o menor, CC, diz a minutos 00:45:31 a 00:46:46 1 “CC: “[…] Recordo vivamente foi ele retirar o cinto, colocar o cinto em cima da mesa e não dizendo exatamente que iria utilizá-lo”. Juiz: E depois, o que é que aconteceu? CC: Depois acabou por não concretizar porque eu cheguei a errar uma ou duas durante a correção.”
61. Ponto 39, em sede de audiência de discussão e julgamento a 30.04.2024, o menor, CC, refere “CC: Isso foi num dia em que eu estava a resolver exercícios num caderno de atividades e estava a falar com uma amiga pelo computador e quando o meu pai entrou no quarto, olhou para a tela, viu que estava no computador, não viu o livro porque como eu estava de costas não tinha como ver os fones, o fio dos fones foi partido, ele puxou o fio…” Juiz: E CC estavas a fazer, portanto, estava a falar com uma amiga, mas ela também estava a ver. É isso? CC: Ela não estava a ver, era só voz sim”.
62. Quantos aos pontos 40, 59, 105, 106, 107, 108, 109 e 110, alicerça-se a prova nas cinco mensagens escritas juntas aos autos, datadas de ........2021 e referidas no fato provado 103, bem como, nas declarações da assistente prestadas a 06.02.2024, a minutos 00:23:18 “E continua a Assistente. O meu filho mais velho, o que eu pretendo é que o CC não volte ao contato com o pai.”
63. Pontos 43, 44 e 51, a prova que sustenta estes fatos é nula, porquanto obtida através de meios ilícitos, cfr. artigo 126.º do CPP.
64. Ponto 50, declarações do filho CC prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, em 30.04.2024, “CC: Houve uma situação com um saco de lixo que pronto foi atirado contra mim no meio de uma discussão qualquer para levar o lixo acho, tenho essa impressão. Vivamente o que aconteceu, sei que foi por causa do lixo, não sei outros. Juiz: Mas nessa situação em concreto, o que é que aconteceu […] Já não conseguindo contextualizar bem o que é que depois o pai em concreto fez com o saco do lixo? CC: (sussurro pensativo) …atirou contra mim o saco do lixo. Juiz: e o saco abriu-se, fico sujo? CC: Ah não, na altura nem sequer me magoei, não devia ter nada de vidro nem nada lá dentro.”
65. Quanto aos pontos 52 e 53, minutos 00:57:20 a 00:57:56 pelo depoimento do filho CC, de onde se retira que o que o pai lhes disse foi “como na semana em que estavam com a mãe não ligavam ao pai, então quando estavam com o pai também não ligariam para a mãe”, e pelo filho DD, a minutos 00:08:49 a 00:09:27, “Juiz: Quando estavas com o teu pai, ele deixava-te telefonar à tua mãe? DD: Inicialmente sim, mas a partir de uma altura deixou de nos permitir que contatássemos com a mãe porque impunha-nos a obrigação de nas semanas da mãe lhe ligar duas vezes ao dia e trocar mensagens […] e às vezes não cumpríamos. Então o meu começou a dizer-nos que como não nos preocupávamos com ele também não ia deixar-nos preocupar com a mãe. Então não nos permitia ligar muitas vezes.”
66. Pontos 148 e 149, em consequência de toda a prova produzida, e aqui concretizada, não se podem considerar provados.
67. Ponto 163, declarações do menor CC, prestadas em 30.04.2024, a minutos 00:00:38 a 00:02:18 “Mandatária da Assistente: Perguntava-lhe, atualmente sente diariamente os efeitos deste processo ou de outros? CC: Não, não me sinto, não sinto diariamente afetado… Mandatária da Assistente: O que é que o angustia ainda neste momento? CC: A CPCJ. Já houve uma que pronto estava tudo bem e depois também fizeram visita para verem as condições de vida. Juiz: Ou seja, sente-se incomodado por estar sempre alguém no fundo a sindicar a forma como vive? CC: Como é obvio.”
68. Ponto 168, carece de concretização.
69. Ponto 169, a mesma prova que sustenta os pontos 52 e 53.
70. Pontos 170 e 171, as declarações de DD a minutos 00:16:58 a 00:18:16, em sede de audiência de discussão e julgamento em 30.04.2024 “Juiz: Temos aqui umas fotografias no processo em que vocês aparecem e também já ouvimos aqui o teu mano, com umas pressões de ar e com umas armas na mão lá em .... É isso? Vocês gostavam de disparar, era uma coisa que vocês gostavam de fazer? Eram vocês que pediam? DD: Sim, sim. Juiz: Portanto, eram vocês que pediam ao pai para dispararem com a pressão de ar? DD: Eu gostava de disparar com a pressão de ar. Juiz: E tu sabias que o pai tinha armas de fogo a sério ou não? E algum dia pegaste nessas armas do pai? DD: Sabia. Peguei sim. Juiz: E também porque foste tu que pediste? - DD: eu não me lembro bem, mas acredito que o meu pai tenha aparecido com a arma, mas mesmo que me pedisse, eu não recusaria. Juiz: E vocês pediram para experimentar? É uma coisa que gostam é isso? Olha e sempre que estavam a atirar, seja com a pressão de ar, seja com a arma do pai, o pai estava por perto, é isso? DD: Sim, sim. Juiz: Punham umas latas como que tiro ao alvo para brincar? DD: em ...? Juiz: Aí tinha um alvo, e, portanto, quer com a pressão de ar quer com a arma do pai, tentavam acertar no alvo, é isso? DD: Sim, sim.”
71. E as declarações do menor CC a minutos 00:42:45 a 00:44:05, na mesma data, “Juiz: Relativamente a essa questão das armas, vocês sabiam que o pai tinha armas em casa? CC: Certo. Sim. Sabíamos que tinha, não sabíamos exatamente onde estavam, mas sabíamos que ele tinha. Juiz: E vocês alguma vez pediram ao pai para ensinar a atirar, seja com pressão de ar ou isso lá em ...? CC: Ah sim. Nós pedíamos para disparar com a pressão de ar, porque foi uma coisa que eu e o meu irmão gostamos, é uma dinâmica interessante. Juiz: Pode chegar aqui? Nós temos aqui umas fotografias para veres em que aparecem aqui. Eu só queria perceber se eram vocês que queriam ou se era o pai no fundo que queria que vocês soubessem disparar. CC: Éramos nós. […] Juiz: Então e isto é uma pistola? Um revolver? Parece-me. CC: É um revolver, era um dos dois que o pai tem. Juiz: Essa é um revolver então a que o seu irmão disparou. Juiz: Mas foram vocês que pediram ao pai para disparar com a arma dele verdadeira ou foi ele que vos obrigou? CC: Tenho impressão que fomos nós na altura. […] Juiz: Em ..., isso era uma coisa que vocês gostavam de fazer, é isso? CC: Sim. Juiz: Foi o pai que vos ensinou a disparar, é isso? CC: Sim.”
72. Quanto ao ponto 172, declarações do menor DD, a minutos 00:03:14 a 00:04:08, “Juiz: Olha, e agressões, alguma vez viste o teu pai a agredir a tua mãe? DD: Diretamente que eu me lembre, não […] a minha mãe estava a sair para ir para o elevador e gritou, eu não estava lá, mas fui lá ter e a minha mãe estava agarrada ao cabelo a chorar. Juiz: Portanto, viste o teu pai a agarrar o cabelo nessa situação? DD: Não vi.”
73. As declarações do menor em audiência de julgamento a minutos 00:02:04 a 00:03:00, “Juiz: Insultos entre os teus pais, lembras-te? DD: Sim sempre houve muitas discussões, mas acho que começou a piorar quando foi cada um para sua casa, quando se separaram […] Juiz: E alguma vez ouviste o teu pai chamar à tua mãe nomes, ou ao contrário, a tua mãe a chamar ao teu pai? DD: Sim, já ouvi sim.”
74. E ainda, cfr. decorre das declarações para memória futuras prestadas em 30.11.2021, “o pai irrita-se e profere os palavrões contra a mãe, és uma vaca, és uma porca, és uma puta. A mãe também respondia és um boi, és um merdas, isso acontecia muitas vezes”.
75. No que concerne aos pontos 80, 86, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, assume especial relevância o depoimento de II, “Juiz – Começava por lhe perguntar, há quanto tempo é que segue o Dr. AA? (00:01:44) Testemunha – Comecei a segui-lo, vi-o pela primeira vez em dezembro de 2021 e sigo-o semanalmente, em apoio terapêutico e psicofarmacológico. (00:01:49) Juiz – Segue o Dr. desde dezembro de 2021 até ao presente. (00:02:04) Testemunha – Exatamente. (00:02:06) Testemunha – Até ao presente. (00:02:09) Testemunha – Semanalmente. (00:02:11) Juiz – Faz também psicoterapia, foi o que disse? (00:02:18) Testemunha – […] faço uma psicoterapia psicanalítica. (00:02:20) Testemunha – Por isso também é que ele está medicado. (00:02:26) Juiz – Está medicado como? (00:02:30) Testemunha – Antidepressivos, ansiolíticos e indutores do sono. (00:02:32) Juiz – Dra. pode-nos explicar em pormenor, obviamente, qual é a situação do Dr. AA, do que é que ele sofre? (00:02:52). Testemunha – Pronto, eu trato os meus pacientes pelo nome, portanto, quando o Dr. AA me procura estava profundamente magoado com a ideação suicida. Lembro-me que na altura as queixas fundamentais era ele tinha perdido o pai em agosto de 2021 e referiu-me que não via os filhos desde novembro de 2021 e teve a decisão da colocação da pulseira eletrónica. Portanto, lembro-me que nesta altura e, fundamentalmente o que eu trabalhei foi que ele não se suicidasse. (00:03:09) Testemunha – Estava extremamente deprimido, muito ansioso, muito aflito com o que lhe estava a acontecer, não tinha sentido, enfim. (00:04:07) Testemunha – Depois ao longo deste tempo que tenho vindo a trabalhar estas questões. (00:04:15) Juiz – Que há tendências suicidas? (00:04:21) Juiz – E levou isso a sério? (00:04:28 – som de risos) Testemunha – Eu só posso. (00:04:32) Juiz – Pronto. (00:04:36) Testemunha – Não havia só uma ideação suicida, havia um plano de suicídio, nomeadamente, enfim, na altura lembro uma das coisas que me inquietou foi ele contar me que entre a praia grande e a praia da arrifana umas falésias que ele me referiu serem sobre o mar e fiquei muitíssimo preocupada na altura. (00:04:58) Testemunha – O meu papel enquanto terapeuta é levar a pessoa de alguma maneira a refletir e que a vida tem saídas e que há esperança. (00:05:33) Testemunha – Porque a questão essencial durante esse tempo e isso foi qualquer coisa que na tónica que era ele perder os filhos. O que é que era dos filhos? O que é que era o futuro dos filhos? (00:05:56) E que a atuação, a educação da mãe não era a melhor. (00:05:56) Testemunha – Qual seria o futuro deles? Os seus filhos. E, fundamentalmente não saber deles nem os ver, portanto, isso era uma coisa que ele aceitava muito mal. (00:06:04 e 00:06:08) Mandatária da Assistente – Quantas vezes é que viu o paciente? Qual era a periodicidade com que via o Dr. AA? (00:53:35) Testemunha – Não lhe posso precisar, posso consultar. (00:53:52) Testemunha – Não posso precisar. Sei que neste momento o vejo semanalmente. Como é óbvio quando eu começo a ver um paciente e ele tem riscos de suicídio, acompanho com a assiduidade que eu entendo ser necessária […]
76. Assim, entende o arguido, face à produção de prova e à prova junta aos autos, que deve ser dado como provado que:
77. As vezes que o arguido dirigiu impropérios ao filho CC foram assentes e consequência direta do mau comportamento deste.
78. O arguido escreveu no livro escolar do filho CC que este teria mais de 16 valores no próximo elemento de avaliação.
79. O arguido retirou o cinto e colocou-o em cima da mesa, não tendo feito qualquer uso do mesmo para agredir o menor.
80. Que após muitas insistências para que estudasse, o arguido entrou no quarto do filho CC e partiu o jack de ligação dos auscultadores.
81. Ao invés, deve ser considerado como não provado que:
82. O arguido começou a ter comportamentos agressivos com o filho CC quando este tinha 10 (dez) anos de idade.
83. Que o arguido tenha injuriado o filho e arremessado contra o mesmo o saco de lixo.
84. Que o arguido agiu dolosamente.
85. Que a depressão pela qual o filho se encontra a passar tenha sido causada pelo arguido, assim se prova pelos relatórios elaborados pela psicóloga do Externato frequentado pelos filhos do arguido.
86. Que o menor não podia telefonar à mãe quando estava em casa do pai, cfr. relatórios de chamadas juntos aos autos.
87. Que o arguido tenha obrigado o filho menor a disparar uma arma, pondo em perigo a sua vida.
88. Que o ofendido tenha assistido a violência física e verbal perpetuada pelo arguido contra o seu irmão e a sua mãe.
89. Encontrando-se, assim, verificado um erro na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal.
90. Não se encontram verificados, no caso concreto que nos ocupa, os elementos típicos (objetivos e subjetivos) do crime de violência doméstica.
91. Porquanto, o que existiu entre o arguido e a ofendida nos 17 (dezassete) anos que mantiveram a relação, foi um clima de conflitualidade, pautado por injúrias mútuas e traições do arguido, que frustravam a ofendida, e a faziam sair da casa onde moravam.
92. Na mesma linha de pensamento, e resultado da frustração em educar crianças indisciplinadas, não aceita o arguido ter cometido dois crimes de violência doméstica contra os seus filhos menores.
93. Resta apenas qualificar as ações do arguido como injúrias, crime p.e.p. pelo artigo 181.º do Código Penal.
94. Ao proceder à gravação de chamada telefónica sem consentimento a assistente praticou um crime, nos termos do artigo 199.º do Código Penal.
95. Assim, a obtenção deste meio de prova é proibida por lei, nos termos do artigo 126.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.
96. A necessária e óbvia consequência do meio de prova utilizado é a sua nulidade. O arguido foi condenado:
97. No que ao crime de violência doméstica perpetrado na pessoa da ofendida BB, a pena de 3 anos e 6 meses de prisão (art.º 152.º, n.º 1, alíneas a) e c) e n.º 2, alínea a) do Código Penal);
98. No que ao crime de violência doméstica perpetrado na pessoa do ofendido CC, a pena de 3 anos e 3 meses de prisão (art.º 152.º, n.º 1, alíneas d) e e) e n.º 2, alínea a) do Código Penal);
99. No que ao crime de violência doméstica perpetrado na pessoa do ofendido DD, a pena de 2 anos e 5 meses de prisão (art.º 152.º, n.º 1, alíneas d) e e) e n.º 2, alínea a) do Código Penal);
100. No que ao crime de detenção de arma proibida, a pena de 4 meses de prisão (art.º 3.º, n.º 1 e n.º 2, alínea l), art.º 4.º, n.º 1, 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro).
101. O que resultou, após o cúmulo jurídico, a uma pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão efetiva.
102. O bastão foi encontrado na viatura que habitualmente o arguido conduzia, sendo certo, e encontra-se provado nos autos, que não só o veículo não era propriedade do arguido, como nesse mesmo dia foi o arguido detido, encontrando-se, assim a mais de 90 km de onde se encontrava a viatura estacionada numa propriedade que também não lhe pertence.
103. Sendo estes fatos o suficiente para se gerar uma dúvida razoável quanto à detenção do bastão.
104. Talvez por essa razão, o Tribunal a quo não logrou fundamentar a aplicação da pena ao arguido pelo crime de detenção de arma proibida, em violação ao estabelecido no artigo 71.º, n.º 3 do Código Penal.
105. Não aceita o arguido que se encontre provada a prática de 3 (três) crimes de violência doméstica, devendo o mesmo ser absolvido dos mesmos.
106. Considerando, sem conceder, que a se encontrar provada a prática de três crimes de violência doméstica, sempre se dirá que a pena se mostra claramente excessiva, face às condições pessoais e sociais do arguido, bem como, a ausência de qualquer averbamento no seu registo criminal, devendo ser aplicada uma pena inferior a 5 (cinco) anos, suspensa na sua execução (tal como promovido pelo Ministério Público).
107. O artigo 411.º, n.º 5 do CPP consagra o princípio da oralidade, o qual, permite que o recorrente possa ver discutidos e debatidos concretos pontos da sua motivação de recurso.
***
Respondeu o MºPº, pugnando pela manutenção da decisão, nos seguintes termos:
1. O recorrente não cumpre de forma cabal o disposto no art.º 412º, n.º 1, 3 e 4 º do CPP, nomeadamente na indicação que faz nas suas conclusões, que definem o objecto do recurso.
2. Não foi violado qualquer dos vícios plasmados no art.º 410º do CPP.
3. A prova foi correctamente avaliada face aos elementos probatórios existentes nos autos em conjugação com as regras da experiência comum.
4. O Tribunal “a quo” não se suportou em meios de prova proibidos.
5. Face aos factos dados como provados, a subsunção jurídica dos mesmos mostra-se correcta e sem reparo.
6. Não foi violado o princípio do “in dúbio pro reo” nem o princípio da presunção de inocência.
7. As medidas das penas parcelares e da pena única mostram-se adequadas nos moldes em que foram fixadas.
8. A decisão recorrida só deverá ser revogada e corrigida nos moldes supra expostos, mantendo-se quanto ao mais.
***
Neste Tribunal o Ilustre Procurador-Geral Adjunto pugnou pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
O Tribunal notificou o arguido para proceder à correcção/aperfeiçoamento das suas alegações de recurso, o que este fez, tendo sido cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 5 do CPP.
Procedeu-se a audiência, de acordo com as legais formalidades, conforme consta da acta.
2. FUNDAMENTAÇÃO:
Cumpre assim apreciar e decidir.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
***
É a seguinte a decisão (relatório, matéria de facto e fundamentação):
RELATÓRIO
Em processo comum, para julgamento em Tribunal Colectivo, foi pronunciado, nos mesmos termos da acusação deduzida pelo Ministério Público:
AA, filho de JJ e de KK, nascido a ........1961, natural de ..., divorciado, ..., residente no ...
Imputando ao arguido a prática de um crime de violência doméstica, p.p. pelo art.º 152.º, n.º 1 alíneas a) e c) e n.º 2, alínea a) do Código Penal na pessoa de BB e de dois crimes de violência doméstica, p.p. pelo art.º 152.º, n.º 1 alínea d) e n.º 2, alínea a) do Código Penal nas pessoas dos menores DD e CC; e de um crime de detenção de arma proibida (bastão), p.p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e n.º 2, alínea l), art.º 4.º, n.º 1, 86.º, n.º 1 alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações posteriores.
*
O Ministério Público, invocando a tutela eficaz das exigências de prevenção especial que se fazem sentir no caso concreto, promoveu que, caso o arguido venha a ser condenado, lhe sejam aplicadas as seguintes penas acessórias:
a. obrigação de frequência de programa específico de prevenção de violência doméstica;
b. a pena acessória de obrigação de proibição de contactos físicos ou por qualquer meio, com as vítimas BB, DD e CC, a graduar entre seis meses e cinco anos, com efetivo afastamento da respetiva residência, a ser fiscalizada por meios técnicos de controlo distância, nos termos do art.º 152.º, n.ºs 4 e 5 do Código Penal;
c. inibição do exercício de responsabilidades parentais por um período não inferior a 4 anos;
d. mproibição de uso e porte de armas.
O Ministério Público promoveu ainda que, em caso de condenação pela prática de crime de violência doméstica, a observância do art.º 21.º, n.º 2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro e art.º 82.º-A n.º 1 do Código de Processo Penal, arbitrando-se uma indemnização por parte do arguido a BB, DD e CC.
*
A ofendida BB, deduziu pedido de indemnização civil, pedindo a condenação do arguido no pagamento de 8.000,00€, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
*
O ofendido menor, DD, deduziu igualmente um pedido de indemnização civil, pedindo a condenação do arguido no pagamento de 4.666,25€, a título de danos não patrimoniais e patrimoniais, acrescidos de juros vincendos, até integral pagamento.
O arguido apresentou contestação impugnando todos os factos constantes da acusação pública, oferecendo o merecimento dos autos e as circunstâncias atenuantes que resultarem da audiência de julgamento
Nos termos do disposto no art.º 370.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, oficiosamente, solicitou-se a elaboração de relatório social com vista à determinação da sanção a aplicar ao arguido o qual se mostra junto aos autos.
*
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, com observância do legal formalismo, conforme decorre das respectivas actas.
*
Em sede de audiência de julgamento, sem prejuízo de os ofendidos terem, em sede de inquérito, prestado declarações para memória futura determinou-se, oficiosamente, a sua inquirição, a qual veio a ocorrer.
SANEAMENTO
Posteriormente ao despacho que designou dia para a audiência, não ocorreram quaisquer excepções, nulidades, questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa.
FACTOS PROVADOS
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido AA e a ofendida BB conheceram-se em data indeterminada de 2004, no ..., entidade para a qual a ofendida trabalhava, quando o arguido ali se deslocou para apresentar uma formação destinada a gestores hospitalares.
2. Cerca de duas ou três semanas depois, as Irmãs comunicaram à ofendida que iriam contratar o arguido para trabalhar no Instituto como assessor da direcção.
3. Algum tempo depois, o arguido e a ofendida iniciaram um relacionamento amoroso, passando pouco tempo depois a partilhar mesa, cama e habitação, vivendo como se casados fossem, numa casa em ... que o arguido arrendou, e onde o casal residiu cerca de um ano.
4. A ofendida resolveu pôr fim à relação quando foi confrontada com uma ex-namorada do arguido, de nome LL, que se deslocou à casa onde residiam, e que revelou à ofendida que andava a dormir com o arguido.
5. No dia seguinte ao ocorrido, a ofendida abandonou a casa onde residia com o arguido, e foi viver para casa da mãe.
6. Apesar de não terem voltado a viver juntos, o arguido e a ofendida mantiveram a sua relação amorosa.
7. Pouco tempo depois, a ofendida engravidou do filho mais velho do casal.
8. Ao comunicar tal circunstância ao arguido, este disse-lhe que não queria ser pai e que a ofendida devia pôr termo à gravidez, chegando inclusive a marcar um aborto em ..., o que a ofendida recusou.
9. Porém, o arguido e a ofendida acabaram por reatar a relação e vieram a contrair casamento em ... de ... de 2006, uma semana antes do nascimento do filho mais velho, CC, nascido a ... de ... de 2006.
10. Após o casamento, o casal foi residir para uma casa que o arguido havia adquirido em ....
11. O segundo filho do casal, DD, viria a nascer em ... de ... de 2008.
12. O arguido foi despedido do ... quando as Irmãs descobriram que a ofendida estava grávida, vindo a trabalhar algum tempo depois por conta da ..., até ser novamente despedido.
13. O arguido veio a ser declarado insolvente em ... de ... de 2013. Em ... de ... de 2014, foi iniciado procedimento de exoneração do passivo restante do arguido.
14. A ofendida BB foi declarada insolvente em ... de ... de 2014, vindo o processo a ser declarado encerrado em ... de ... de 2014. Em ... de ... de 2019 foi decretada a exoneração do passivo restante da ofendida.
15. Nessa altura, e porque a casa onde residiam foi entregue peto arguido ao Banco para solver a dívida, o casal mudou-se para a freguesia da ... e fixaram residência na ...
16. O arguido e BB viriam a divorciar-se em ... de ... de 2019, por iniciativa da ofendida, e regularam por acordo o exercício das responsabilidades parentais.
17. No entanto, o arguido e BB mantiveram o relacionamento e a coabitação até ... de ... de 2020, data em que a ofendida descobriu que o arguido mantinha uma relação amorosa com EE e decidiu sair da casa de morada de família, mantendo por pressão do arguido, a guarda partilhada das crianças.
18. Na sequência desse acordo, os filhos comuns continuaram a viver na casa de morada de família, na ..., passando o arguido e BB a viver, uma semana cada um, de forma alternada, nessa mesma casa e outra semana nas suas respetivas casas, o arguido na ... (sem n.º), em ..., e BB com a sua mãe, na ..., fazendo a troca aos Domingos.
19. O arguido e a ofendida reataram a sua relação cerca de dois meses após a separação, mas não voltaram a viver juntos.
20. A relação entre o arguido e a ofendida, desde o seu início, foi pautada por comportamentos agressivos verbais por parte do arguido para com a ofendida que a chamava, entre outras, de "rameira".
21. Em data indeterminada de 2017, o arguido agrediu BB com uma bofetada, na sequência de uma discussão.
22. O arguido, após Junho de 2020, passou a dirigir-se a BB, por inúmeras vezes, em datas indeterminadas, por telefone, por e-mail ou através de mensagens do "WhatsApp", chamando-a: "puta", "cabra", "cadela" e dizendo-lhe que "ela tinha arruinado a família".
23. O arguido manteve uma postura autoritária determinando a BB a forma como a interação entre os dois devia ocorrer, chamando-a inúmeras vezes "cadela", "monte de merda", "és uma merda" e dizendo-lhe "vou-te destruir"; tu já estás cá pouco tempo"; "já vais ter pouco tempo de vida" e "deus não está a dormir".
24. Em data indeterminada, mas após Junho de 2020, o arguido bloqueou BB no "WhatsApp", fazendo exclusivamente comunicação por e-mail, tendo-lho dito e referindo-se à fotografia dela no "WhatsApp":" Esta merda de retrato mete nojo ... vê se o tiras definitivamente quando me contactares" substituindo no seu telemóvel o nome de BB pelas iniciais "PC," chamando-lhe "Puta Cabra".
25. Em datas indeterminadas, entre Setembro e ... de ... de 2021, aos domingos, antes da troca de semana e antes de BB chegar à residência sita na ... o arguido enviou-lhe por duas vezes mensagens "sms", dizendo-lhe que tinha feito uma coisa muito má.
26. Em data indeterminada, entre Setembro e ... de ... de 2021, num domingo, o arguido rasgou algumas peças de lingerie que tinha oferecido a BB e noutra ocasião o arguido partiu "ramo a ramo" todas as plantas de BB que se encontravam na residência sita na ....
27. O arguido tinha ciúmes de BB acusando-a frequentemente de ter relacionamentos sexuais com vários homens e de os levar para casa.
28. Em ... de ... de 2021, o arguido instalou uma câmara com ligação ao seu telemóvel, na casa sita na ... na sala, por baixo da televisão, para filmar a ofendida quando fosse a semana daquela naquela casa com os filhos, para ver o que a mesma fazia durante esses períodos, e para assim a poder controlar.
29. Após a morte do pai da ofendida, que ocorreu em Junho de 2021, o arguido e a ofendida voltaram a relacionar-se, tendo o arguido assegurado que havia terminado a sua relação com a EE.
30. No entanto, arguido e ofendida não voltaram a viver juntos.
31. Em ... de ... de 2021, o arguido irritou-se com BB por esta estar a assinar um documento da escola do filho CC na qualidade de encarregada de educação e desferiu-lhe um murro no nariz.
32. Em consequência, BB sofreu dores.
33. O arguido disse-lhe que estava arrependido e que lhe tinha doído mais a ele do que a ela e que nunca mais iria repetir tal acto.
34. Esta agressão ocorreu no interior da casa onde BB estava a residir, estando os filhos no quarto, os quais se aperceberam daqueles factos.
35. O arguido, desde os dez anos do seu filho mais velho, CC, passou a ter um comportamento igualmente agressivo com o mesmo, agredindo-o frequentes vezes com puxões de cabelo e bofetadas na cara, sendo frequente dirigir-se ao filho dizendo-lhe: "és uma merda, nunca irás ser nada na vida, não estudas".
36. Ao longo do último ano de 2020 e 2021, em datas indeterminadas, em diversas ocasiões e sempre que o dirigia-lhe as expressões "filho da puta, cabrão, és umas merdas, nunca vais ser nada na vida".
37. Em ... de ... de 2021 o arguido escreveu num livro escolar do filho CC, causando-lhe ansiedade e preocupação por este saber que os livros escolares devem ser devolvidos à escola sem rasuras.
38. No final de Outubro de 2021, quando o menor CC recebeu a nota do teste de Português de 10 valores, o arguido quis fazer a correção do teste em voz alta, tirou o cinto das calças e disse ao menor que a cada pergunta que ele errasse lhe dava com o cinto.
39. Em data indeterminada do ano de 2021, o arguido entrou no quarto do filho CC, e estando este a ouvir música com os auscultadores, dirigiu-se a ele e arrancou-lhe os auscultadores à força e dobrou-os, estragando-os e disse-lhe "filho da puta, cabrão, és umas merdas, caralho, foda-se", sendo tais palavras recorrentes em qualquer diálogo com o filho.
40.0 arguido nos anos de 2020 e 2021, em datas indeterminadas, por diversas vezes, quando falava com os menores sobre BB, a mãe destes, referia-se à mesma como "a porca", "a puta", nunca mencionando o nome da mesma.
41. O arguido costumava transmitir à ofendida que era uma péssima esposa, que não estava à altura do arguido, que tinha de procurar em prostitutas e amantes aquilo que não obtinha em casa.
42. Os menores têm medo do arguido e o filho mais novo, DD com medo de ser agredido nunca o confrontou e tenta não fazer nada que o possa irritar.
43. Em data indeterminada do mês de Outubro de 2021, o arguido fez um telefonema ao filho CC e no decurso desse telefonema foi ficando cada vez mais agressivo porque este não the tinha telefonado pela manhã e disse-lhe: "tu estás a ver se te vou ao cú", " vais entrar nos eixos como a puta que te pariu", "és um caralho de merda", "monte de merda", "no primeiro dia em que não me ligares fodo-te os queixos", "a vida vai mudar", "a partir de ontem vais cumprir regras comigo", "a brincadeira vai acabar", "meu monte de merda", "levas no focinho", "eu vou-te ao cu", "eu rebento-te", "liga-me para eu não te ir ao cú, levanto-te o cú e fodo-te", "vai para o caralho meu monte de merda", "eu vou ser o pior filho da puta, escreve o que eu te digo", "vais cumprir as regras ou choras ou fodes-te", "vai meu monte de merda, levas no focinho mal eu chegue", "não tenho medo de ninguém".
44. O arguido repetiu este comportamento ao longo dos anos de 2020 e 2021, por diversas vezes, em datas indeterminadas e sempre que se irritava com o menor e mesmo quando este não the obedecia.
45. No dia ... de ... de 2021, na altura de troca de semana, quando BB, abandonava a casa sita na ... e entrava no elevador para sair para o exterior, o arguido dirigiu-se a ela, puxou-a para fora do elevador pelos cabelos, tentando arrastá-la pelos cabelos para dentro de casa, dizendo-lhe que ela não iria a lugar nenhum, que o lugar dela era em casa.
46. Provocou por esta forma dores a BB e uma escoriação junto ao olho direito.
47. Esta situação foi presenciada peto filho mais novo do casal, DD que tentou interferir, pedindo ao pai para parar.
48. O arguido desde Setembro e até ... de ... de 2021, mandou mensagens a BB, dizendo-lhe "comigo vais abrir uma guerra", "vais durar pouco tempo de vida", "puta, cabra, nem ir-te ao dl me faria feliz, tens pouco tempo de vida, deus não dorme", "és realmente uma puta, é isso que irei provar aos teus filhos", "és desde que me agarraste emprenhando, santinha do caralho, realmente tenho-te asco e nojo de ti só se não puder é que não te fodo o resto da tua vida, com os mesmos métodos que usaste comigo, amor com amor se paga", "a culpa de a ter procurado como procurei muitas outras", "algumas a pagar tu sabes bem que foi tua, fodas são essenciais a um casamento, sem elas em casa fazem-se na rua", "ela não tem nada de puta, mas tu tens tudo...e és puta reles pois nem fodes", "a partir de agora vais ter o trato que me deste, abaixo de cadela, és esterco...pensa em matar-te...era a solução para todos, ias para santa, comigo abriste a maior guerra da minha vida, prepara-te eu não vou perder, realmente se morresses era mais simples".
49. Dando-se conta do agravamento do comportamento agressivo do arguido e temendo pela sua segurança, BB, decidiu deixar de passar a sua semana com os filhos naquela casa, decidindo que na semana que os filhos passassem consigo iriam passá-la em casa da sua mãe, avó materna daqueles.
50. No mês de Novembro de 2021, em data indeterminada, o arguido atirou com um saco de lixo ao filho CC, enquanto the dizia: "a vossa mãe é uma puta", sendo que tal expressão é repetida continuamente para os dois filhos, sempre que o arguido se refere a BB.
51. Em data indeterminada do mês de Novembro de 2021, o arguido no decurso do telefonema que o filho CC lhe fez, foi ficando cada vez mais agressivo e disse-lhe "olha que eu te vou ao cú", "levanto-te o cú e fodo-te todo, no dia seguinte nem podes levantar-te..., fodo-te os queixos eu vou ser o pior filho da puta com quem te meteste na tua vida".
52. Durante a semana que passavam com o arguido, os menores estavam proibidos pelo mesmo de contactar com a mãe, tendo os menores pedido a BB para ela não comentar com o arguido tal facto, com medo que o arguido soubesse que eles lhe tinham contado, mostrando-se ambos aterrorizados com as eventuais consequências que podiam sofrer caso o arguido se apercebesse que eles lhe tinham reportado tal proibição.
53. Devido a esse facto, sobretudo desde ... a ... de 2021, quando os filhos estavam na semana com o arguido, BB, apenas falava com eles no período em que eles se encontram na escola e posteriormente apagava os registos de chamadas e mensagens, para que o denunciado não se apercebesse das chamadas e exercesse represálias nos filhos.
54. A decisão de que os filhos na semana que passassem consigo iriam passá-la em casa da sua mãe, avó materna daqueles, foi comunicada por e-mail ao arguido no dia ... de ... de 2021, por BB.
55. O arguido reagiu de forma agressiva, tendo trocado uma das fechaduras da porta da casa, impedindo o acesso de BB à mesma e aos seus pertences e aos pertences dos seus filhos.
56. Desde o dia ... de ... de 2021, que BB se mudou definitivamente para casa da sua mãe na ... e ficou com os menores exclusivamente a seu cargo, tendo no dia ... de ... de 2021 informado o arguido para o e-mail deste (...@gmail.com) que iria apresentar queixa em Tribunal e que filhos ficariam consigo até haver decisão do tribunal quanto à guarda dos mesmos.
57. No mesmo e-mail, BB, informou o arguido que todas as chamadas que este lhe fizesse a partir daquela data seriam gravadas.
58. Em resposta, o arguido contactou BB, duas vezes telefonicamente proferindo as expressões: "se os miúdos não vierem ter comigo , vai-te sair a lotaria... não vou a tribunal nem preso, podes gravar, foderes com quem quiseres, seres a puta que és, mas tem cuidado comigo BB, tem cuidado comigo, avisei-te a tempo, escreve, grava, vai, estou a avisar-te à séria, tem cuidado comigo, estou a avisar-te à séria, tem cuidado, não sou eu juro, é deus que vai para cima de ti, não sou eu, põe-te a pau, pondera isso muito bem, isto já foi passado a um advogado de família, não tenho medo de ninguém, os miúdos é que vão decidir comigo... Mais ninguém estabelece regras entre nós, não voltes a fazer merdas destas... andas a levar no á de três pretos, era todosao mesmo tempo a encavarem-te no cú e na boca ao mesmo tempo , mas não me fodes , sou eu que trato diretamente com eles, senão faço-te a folha a ti, grava tudo que eu não tenho medo de ti...a vida vai- te correr mal a ti, podes gravar, tu ainda não percebeste bem...vai levar na peida, puta, puta do caralho, foda-se, és a vaca que engravidou agora que já me extorquiste mais nada, nem a vida ouviste...os meus filhos sabem , olha põe-te a pau com vida, estou a avisar-te podes dizer à APAV, às APAVS todas, põe- te a pau comigo, são os meus filhos que vão decidir comigo, nunca mais te falarei na puta da vida, nem no funeral te falo, oh! minha cabra de merda ouviste? grava essa merda toda, puta com essas fufas que andas a foder ..., eles vão saber isso vai para o caralho, caralho, puta de merda, és a vaca pior que me apareceu na vida , nem dos cães tenho tanto nojo como eu tenho de ti, tu estás a ir pelo caminho certo és tu e não os teus filhos que vão faturar, não mos tiras, olha que eu fodo-te ouviste? mesmo à seria, assinaste o papel que tu pus à frente", "never forget isso", "não te esqueças disso, o meu ódio é contra ti, simplesmente contra ti e mortal, escreve, já conseguiste isso de mim, já te avisei, desaparece de vista, os meus filhos vou tratar, podes ter a certeza disso...".
59. O arguido enviou também aos filhos menores uma cópia do e-mail que a BB, lhe tinha enviado e remeteu para o email dela ... cópia da mensagem que tinha remetido aos filhos CC e DD, dizendo: "vocês são os únicos a decidir o que eu farei convosco, .. nem a puta da vossa mãe nem o tribunal decidem nada disso... quem eu sou vocês sabem bem... tal como eu sei bem quem vocês são...os únicos a decidir como será a nossa vida dos 3 somos nós três... a puta da vossa mãe preparou isto tudo para vos tirar de mim quem irá decidir isso são exclusivamente vocês mais ninguém."
60. No dia ... de ... de 2022 cerca das 17h30m, quando BB na companhia da entidade policial se deslocou à morada da casa de família sita na ..., para proceder à retirada de alguns bens e pertences dos filhos comuns, facto de que o arguido tinha conhecimento, constatou que os boletins de saúde e passaportes de ambas as crianças, diversa roupa interior e sapatos, material escolar, Nintendo Switch e respectivos jogos, jogos das "playstations" 4 e 5 e óculos de realidade virtual e um cofre do menor CC contendo 100 euros, não se encontravam na residência, tendo sido informada por MM, um amigo do arguido que se encontrava no local, que a roupa e os sapatos dos menores tinham sido doados à ....
61. Entre Junho de 2020 e Novembro de 2021 o arguido e a ofendida BB trocaram entre si as seguintes mensagens:
62. Por mensagem datada de ... de ... de 2020, o arguido disse à ofendida que "Só li isto agora.... Não te aconselho a ires por este caminho.... Podes dar-te muito pior do que pensas... Mas de ti já não espero "surpresas...".
63. A ofendida respondeu "ameaçar não é o caminho AA", ao que o arguido respondeu "talvez seja".
64. Nesse mesmo dia, o arguido reiterou: "Agora volto a dizer para PAGAR DESPESAS VAI JÁ PROCURANDO OUTRO. POIS COMIGO VAIS ESTAR MUITO ENGANADA", acrescentando, "Mas a
procissão ainda nem saiu"; "Tem muito cuidado comigo que também nunca vivi à custa de ninguém... nem vou viver".
65. A ... de ... de 2020, o arguido disse: "Brincaste com o Fogo.... e FUDESTE-TE.... VAIS VER....", "Acesso a casa onde os meus estão TEREI SEMPRE", ao que a ofendida respondeu: "Para AA".
66. Prosseguindo o arguido dizendo: "Tu semeaste.... VAIS COLHER" e "Que de repente podes não estar à altura de ser a Mãe que os meus filhos precisam"; "Foi isto mesmo que Tu semeaste..", "Vais colher", "Agora estás FUDIDA COMIGO", "Tu saberás", "MAS O MAIS GRAVE PARA OS MEUS FILHOS É QUE COM AS TUAS ATITUDES EU ESTOU A COMEÇAR A GANHAR-TE ASCO E ISSO E FODIDO MESMO".
67. A ... de ... de 2020, o arguido disse à ofendida "Sempre foste a mesma merda", "Igual a ti própria", "Mas é o que És", "Cá se fazem Cá se pagam", "Ou ainda te atreves a pensar que a merda de vida que me proporcionaste nos 15 anos que te aturei se pode chamar CASAMENTO7m9", "Vai pro caralho", "Não me mereces", "Não tens pedigree", "SOMOS MESMO DE MUNDOS DIFERENTES", "Deixa-te de merda", "Santinha do Caralho", "Reza a ver de Deus te perdoa", "Mas eu não acredito", "Deus vai ter de te Castigar", "Quando não mereces nada", "És a Vitima... sempre irás Ser", "Nasceste para isso", "Mata-te", "Santinha do caralho", "Fizeste-me mais que as putas perder tempo precioso da minha vida", "Eu é que não vi mas tu sempre foste a mesma merda", "Estiveste foi pranha", "Foi a puta da rede com que me agarraste", "Voltar para quê?", "Para dormir como um poste?", "Sem te tocar Que hoje não estás lavada Amanhã doi-te a cabeça e depois de amanhã estarás menstruadam??",
Maldito Salazar que me convenceu que saberias fuder", "O caralho", "Como te atreves....não lês o que escrever, "Foste o maior pesadelo da minha vida", "Até no tanto tempo que me queimaste", "Fraquinha é o que tu és", "Chego a ter pena (por seres mãe dos meus filhos)".
68. A ... de ... de 2020, o arguido disse à ofendida “Paz nunca mais te darei”, “Ainda não percebeste bem onde te meteste” e “Mas vais perceber com o tempo".
69. A ... de ... de 2020, o arguido escrevia à ofendida "Queres guerra... vais ter", "Juro-te peta tua vida", "Eu vou fazer com os meus filhos o que achar que é o melhor para eles...e sem ti a empatar como sempre", "Olha que se te opuseres eu faço pedido ao tribunal", "Mesmo", "E se o tribunal se opuser ", "Eu também tenho soluçOes...piores para todos", "Pensa bem", "Vais perder comigo", "Garanto-te", "Quiseste Guerra vamos ter
guerra", "A paz que se foda", "Agora com os meus filhos se queres partir para a guerra já te disse QUE VAIS PERDER E MUITO E ELES UM DIA IRÃO PEDIR-TE POR CONTAS", "POR ÚLTIMO SE DECIDIRES IR PARA TRIBUNAL AVISO TE JÁ QUE VAIS TER DE PROVAR (A TUA ATUAÇÃO PIDESCA) EU IREI CONVOCAR OS CC E O DD PARA PRESTAREM DEPOIMENTO. E NOTIFICAR COMO TESTEMUNHAS AS TUAS FREIRAS; O TEU IRMÃ; E QUEM ME APECTEER MAIS GARANTO-TE QUE NÃO IREI LÁ PARA PERDER.... SER PAI EU SEI BEM O QUE É", "Escolhe se queres ter Paz ou GUERRA... terás uma vez mais o que escolheres", "Se decidires ir para Tribunal Vai SER TUDO COMO O TRIBUNAL DECIDIR....E MUITA COISA JÁ ESTÁ DECIDIDA como sabes sindicalista.... Agora sobre a Educação dos meus filhos DECIDIMOS OS DOIS e eu já te deixei liderar 14 anos. Acabou... Agora mudaste as regras... E eu também!", "Agora....daqui para a frente é que vais provar aos Teus Filhos e ao mundo a Santa ou a Puta que tens em ti! Depois não me responsabilizes estou a avisar-te a tempo. Eu não sou igual a ti".

70. A ... de ... de 2020, a ofendida remeteu ao arguido a seguinte mensagem Whatsapp: "Bom dia AA, Tenho optado por não te responder às tuas mensagens porque no fundo não fazes pergunta nenhuma. Estás apenas a vomitar pensamentos, alguns bastante preocupantes e que revelam o estado em que a tua cabeça se encontra. Mas tudo bem. Tenho que te dizer apenas três coisas. A primeira é que é criminal o que estás a fazer com os miúdos. Terrorismo emocional puro. Falar mal de mim a toda a hora, só revela a má pessoa que és e tem um impacto terrível nas crianças. Não no amor que têm por mim, por esse é incondicional, assim como o meu por elas e elas sabem bem disso. Por favor, faz a gestão da tua frustração para ti mesmo e poupa as crianças. Ao contrário do que possas pensar eu não falo mal de ti para elas. Às vezes digo-lhes que não faz sentido este ou aquele comportamento, mas que vamos ver como é. Em segundo lugar, eu não uso método nenhum e acho de um enorme mau gosto falar da PIDE. Como todas as mulheres do mundo, eu sabia/sentia na pele, pela tua frieza, afastamento, etc. que tinhas alguém. Perguntei-te mil vezes o que se passava, se tinhas alguém, sempre sem resposta, nem vontade de falar. Demorei algum tempo a perceber qual era o teu código do telemóvel (o que obtive observando apenas quando o digitavas). Quando durante uma noite linda de amor, o telemóvel não parava de receber mensagens, resolvi ver quem estava assim tão aflito e deparei-me com as imagens que tão bem conheces. Quando falei com ela, disse-me que desconfiava que estava na cama comigo, porque não lhe respondias às mensagens, mesmo durante a noite, como sempre fazias. Estes foram os métodos utilizados, nada sofisticados, até por acaso bastante arcaicos. Por fim, não te quero mal nenhum, bem pelo contrário. Se tu estiveres bem, os meus filhos estarão bem e eu estarei bem. Não inventes dragões onde só existes moinhos de vento. Se quiseres ficar semana sim, semana não, tudo certo. Se quiseres ficar como disseste, tudo certo também. Acho muito positivo que queiras ser pai, finalmente. Mas quando agires, pensa no bem-estar deles, não no teu, O.K, isso é que é ser pai. Não uses os miúdos, eles não merecem. Quero muito que sejas feliz. Eu olhei-me ao espelho e decidi que não queria mais viver sob medo dos teus insultos (puta, rameira, vaca, merda, ... entre muitos outros), de não ter amigos, vida social, família, porque tu afastas-te toda a gente. Eu sei que tenho valor (que tu me tentaste tirar durante 15 anos e continuas a tentar tirá-lo com as tuas mensagens), eu sei que posso ser eu, que posso ser feliz. E vou ser, mesmo. E não preciso de nenhum homem para me fazer feliz! Não me apetece lutar contigo, mesmo. Temos tanto para fazer em conjunto com os nossos filhos. Podemos focarmo-nos nisso? Acredita que tudo o que desejo é que sejas muito feliz, eu só aprendi a respeitar-me mais e a querer-me bem. Bj".
71. A ofendida, a ... de ... de 2020, reiterou que "Não me vejo a ser mal tratada o resto da vida. Mas não te quero mal, mesmo".
72. O arguido remeteu à ofendida via Whatsapp, a ... de ... de 2020 a seguinte mensagem: "Santinha de merda", "És mesmo um nojo", "Põe-te a pau comigo", "Posso fazer-te a vida negra", "Mesmo", "Andas a brincar com o fogo", "E explica a todos .... e até ao teus filhos... Porque é que eu PULAVA A CERCA....", "Tu realmente só prestas para PIDE", "E agora em relação aos miúdos Tens duas hipóteses.... comigo; Ou te portas bem....", "Ou te portas MAL".
73. Em ... de ... de 2020, o arguido mandou à ofendida a seguinte mensagem: "Pensa em matar-te", "Pode ser bêbada", "Mas pensa mesmo", "Era a solução pra todos", "Até pra ti", "Ias pra Santa", "Comigo", "Abriste a maior guerra da minha vida", "Prepara-te", "Que eu não vou perder", "Cuidado com o teu fucinho", "Já te avisei", "Vaca de merda és realmente um nojo".
74. Por mensagem via WhatsApp de ... de ... de 2020, o arguidoremeteu à ofendida a seguinte mensagem: diz oara
atenderem os telefones quando lhes ligo", "Senão saiem do pacote", "Tão simples quanto isto" e "Eles que me atendam quando lhe ligo SEMPRE". "Dos meus filhos enquanto estiverem contigo QUERO SABER SEMPRE"; "Podem ir para a china ...", "Mas EU QUERO SABER SEMPRE ONDE ESTÃO".

75. "Mas eles comigo vão ter que estar de outra maneira", "Mesmo", "Senão..."
76. Por mensagem via WhatsApp de ... de ... de 2020, o arguido remeteu à ofendida a seguinte mensagem: "Eles que me liguem duas vezes por dia", "mesmo sem lhes apetecer", "Isso vai Ser Regra", "Já hoje disse isso ao teu CC", "Comigo as coisas VÃO MUDAR MESMO".
77. E novamente a ... de ... de 2020: "Mas os meus filhos só irão para onde eu APROVAR".
78. E novamente a ... de ... de 2020 "Quanto aos sábados do CC e do DD Quando estiverem comigo não há outras actividades a não ser estarem comigo. Quando estiverem contigo. Eu quero saber previamente que actividade não que os inscreveste e já está".
79. E a ... de ... de 2020: "Esses cabroes", "Que me liguem", "Mostra-lhes", "Isso", "CU", "Migo", "Só vão brincar", "Enquanto eu deixar ...".
80. E por mensagem de ... de ... de 2021: "CC e DD", "Vejam se começam a ligar ao pai 2 vezes por dia cada um", "Pois já passaram muitos dias em que não ligaram ao pai", "Eu já vis expliquei as REGRAS", "Se não sabem cumprir.... Eu irei ensiná-los Se tiver de ser da pior maneira... vai ser".
81. E por mensagem de ... de ... de 2021: "Esse FdP que me ligue", "Eu não lhe ligarei".
82.A ... de ... de 2020, a ofendida dizia ao arguido que "Nunca fui contra eles aprenderem as coisas que tu sabes. Muito pelo contrário. Não pode ser é à base de insultos e deitar a baixo os miúdos", "Es burro, es sempre a mesma coisa, trongo, ","Isso não é ensinar", "É satisfazer o teu ego".
83. O arguido respondeu dizendo "não poupo ninguém", "como sabes", "bem", conforme mensagem de WhatsApp datada de ... de ... de 2020.
84. A ofendida, a ... de ... de 2021, depois de saber como é que o arguido tratara o filho mais velho, diz ao arguido "Estou triste com a forma como falas com o CC".
85. Em resposta o arguido limitou-se a dizer "Para isso eu estou a cagar-me", "Eu estou mais triste com a forma como ele me trata", "E vai mudar", "Podes ter a certezinha", "E tu vais ver".
86. A ... de ... de 2021, o arguido enviava ao filho CC mensagem dizendo "CC O pai está a acumular com esse teu comportamento", "Vê se mudas ... ou se queres que EU TE MUDE?"
87. A ... de ... de 2021, o arguido dizia-lhe "É uma merda a tua vida assim", "Mas ok", "Hás-de aprender.... eu vou ensinar-te".
88. O arguido remeteu ao filho CC as seguintes mensagens: "Então CC?", "Pensas que o pai está só a falar 100 vezes não CC não estou", "Tens que comigo
mudar a tua vida", "E deixar de pensar que és tu que sabes tudo", "Estou à espera que me ligues" (... de ... de 2020);

89. "CC O que combinámos e para ambos cumprimos, Mas tu estás a falhar também eu irei falhar", "A vida não é só jogos de computadores e filmes... mesmo com a tua mãe", "A tua vida é também comigo. Por isso vê se começas a falar com o teu pai de tudo o que quiseres", "Então CC estás à espera de quê para me ligares e falarmos????" (... de ... de 2020).
90. "CC", "Então", "O nosso acordo???", "Onde estás?", "O que estás a fazer", "A que horas acordaste?", "O DD???", "Vejam se ne ligam" e "Então" e "0 que estás a fazer agora??" (... de ... de 2020).
91. Bom dia CC Hoje as nossas regras mudaram", "Ou cumpres a tua parte", "Ou vamos ter de te fazer mesmo cumprir" (...) "Vê se cresces", "Já tens idade e eu estou farto de te ensinar", "CC vê se respondes ao pai", "E se ne ligas.... mesmo" - (... de ... de 2020);
92. CC temos que mudar esta nossa relação e mudarmos os nossos comportamentos", "Senão as coisas vão ficar muito complicadas entre nós", "CC Vê se te afinas comigo", "Eu disse quais eram as regras comigo", "Se não és capaz eu também não vou ser", "VEJAM AMBOS SE APRENDEM A LIDAR COM O PAI", "EU ESTOU FARTO DA FORMA COMO ME TÊM TRATADO", E COMIGO ASSIM NÃO VAI DAR", "vê se mudas.... ou se queres que EU TE MUDE", "É uma merda a tua vida assim", "Mas ok", "Hás-de aprender.... eu vou ensinar-te" (... de ... de 2020);
93. "Ontem chegaste tarde a uma aula", "Porque foi?", "CC vê se responde ao pai", "E se ne ligas.... mesmo", "CC já almoçaste?", "O quê?", "Comeste tudo", "CC vê se respondes ao pai quando te pergunto alguma coisa.", "E agora onde estás?", "Vais comprar calções com quem?", "Onde estás exatamente agora?", "CC Amanhã vestes o fato que levaste ao casamento do HH e mandas uma fotografia ao pai para ver se está bom".
94. A ... de ... de 2020, o arguido enviou uma mensagem ao filho dizendo: "Continuas sem falar com o pai", "E os dias a passar", "Vê se ouves o que te digo", "E se ligas e falas comigo".
95. O arguido remeteu ao filho DD as seguintes mensagens: "DD", "Ja te liguei", "Várias vezes", "Sempre ocupado", "Chamada de voz não atendida" (... de ... de 2020); "DD", "O que estás a fazer", "Esta tudo bem" (... de ... de 2020); "DD onde andas?", "E estás a fazer o quê?", "Gostas de estar aí?" (... de ... de 2020); "DD", "Já jantaram", "O que estás a fazer?" (... de ... de 2020); "DD", "O que estás a fazer?", "Hoje não falaste ao pai" (... de ... de 2020), "AA Hohe não falaste com o pai", "Porquê???", "O que estás a fazer???", "E o CC?", "Está tudo bem?", "Estás a fazer o quê???", "Jogar na net??" (... de ... de 2020); "DD temos que mudar muitas coisas entre nós E enquanto estiver a comer não estás a chafurdar", "Comigo não vais mesmo. Porque a vida tem regras e temos de saber" (... de ... de 2020); "VEJAM AMBOS SE APRENDEM A LIDAR COM O PAI", "EU ESTOU FARTO DA FORMA COMO TÊM TRATADO", "COMIGO ASSIM NÃO VAI DAR" (... de ... de 2021).
96. O arguido remeteu as seguintes mensagens para um grupo do WhatsApp que criou com os filhos: "CC e DD", "Criei este grupo só para nós os 3", "A vossa mãe está sempre sem comunicar comigo e sou eu sempre a comunicar", "Por isso é entre nós os três que vamos passar a comunicar", "CC e DD já almoçaram?", "O que foi o vosso almoço", "Já pararam de chafurdar???", "Vejam se falam com o pai por aqui", "Sempre a mesma coisa.... Aprendemos a falar os três todos os dias" (... de ... de 2020).
97. "Então CC e DD", "Ligar ao pai....", "O tempo é pouco para chafurdar na net", "Têm elgum sintoma de covidl9??", "Ja sebem as vossas notas???", "CC não gostei nada de ver as tuas notas", "DD Parabens", "CC temis mesmo de mudar de vida...senão não consegues fazer nada" (... de ... de 2020).
98. A ... de ... de 2021, o arguido enviou a seguinte mensagem aos dois filhos: "CC e DD", "Hoje deixaram a chave de casa na porta", "NUNCA MAIS VOLTAREI A SAIR ANTES DE VOCÊS", "POR ISSO VEJAM SE NÃO SE ESQUECEM DISTO", 'TEMOS QUE COMEÇAR A SER DIFERENTES TODOS OS DIAS".
99. A ... de ... de 2021, o arguido dirigiu ao filho mais velho a seguinte mensagem: "CC ANDAS MESMO A BRINCAR COM A TUA VIDA".
99. E no dia ... o arguido enviava aos filhos as seguintes mensagens: "Hoje vão acordar sozinhos", "Terão de se fazer Homens", "Eu estou cansado", "Vocês têm de aprender", "A Vida não é fácil".
101. No dia ... de ... de 2021, o Arguido dizia aos filhos "Vejam se ligam ao Pai", "Não vos vou estar a pedir isto todos os dias", "Eu não tenho mais paciência", "Se não querem nem precisam de me ligar digam", "Que havemos de tratar disso", "QUANDO ACABAREM DE JANTAR LIGUEM-ME", "Já acabámos", "ACABOU O TEMPO DE BRINCADEIRA COM O VOSSO PAI", "A PARTIR DE HOJE VAI SER A SÉRIO", "Se me continuarem a ignorar e só pensarem em vocês. Eu vou resolver isso", "Eu sou um Pai diferente de todos os outros... SOU O VOSSO PAI", "É uma grande oportunidade que têm de aprenderem como é a Vida".
102. No dia ... de ... de 2021, após a ofendida ter comunicado a existência de uma consulta de pediatria e o facto de pretender ir com os filhos à consulta, o arguido envia a seguinte mensagem aos filhos: "CC", "DD", CC e DD na segunda feira têm pediatra e como é a semana do Pai iremos os 3. A vossa mãe queria ir mas eu não quero que ela vá. Pois ela decidiu isso comigo", "Por isso eu já disse à vossa mãe que ao Pediatra iremos uma vez um outra vez o outro. A Vida passou a ser assim", "Por isso vejam se metem isso na Cabeça da vossa mãe, Cada um de nós tem 50%".
103. A ... de ... de 2021, o Arguido enviava aos filhos cinco mensagens com o seguinte teor: "Meus caros DD e CC", "Hoje tivemos uma manhã difícil e eu não quero que se venha a repetir pois todos sofremos com isso e nem sei qual de nós sofrerá mais...", "Por isso temos de mudar muitas coisas", "Uma que o Pai vos promete a partir de hoje é que NUNCA MAIS VOS IREI FALAR DA VOSSA MÃE", "Mas vocês e sobretudo o CC terá de fazer mudanças na sua vida oara o bem dele. Senão o Pai não está a conseguir fazer nada e estou a ficar muito preocupado".
104. Três dias depois, o arguido dirigia-se aos filhos dizendo: "CC e DD. PRIMEIRO SOU PAI....DEPOIS É QUE SOU VOSSO AMIGO".
105. E a ... de ... de 2021, na sequência do email que a ofendida enviou dando conta de que apresentaria queixa aconselhada pela APAV, o arguido dizia aos filhos: "Bom dia DD", "Bom dia CC", "CC e DD", "Isto foi o que a PUTA da vossa mãe me escreveu hoje";
106. "CC e DD VOCÊS SÃO OS ÚNICOS A DECIDIR O QUE EU FAREI CONVOSCO, NEM A PUTA DA VOSSA MÃE NEM O TRIBUNAL DECIDEM NADA DISSO. QUEM EU SOU VOCÊS SABEM BEM. TAL COMO EU SEI BEM QUEM VOCÊS SÃO";
107. "Os únicos a decidir como será a nossa vida dos 3 somos nós três";
108. "A PUTA DA VOSSA MÃE PREPAROU ISTO TUDO PARA VOS TIRAR DE MIM";
109. "MAS QUE IRÁ DECIDIR ISSO SÃO EXCLUSIVAMENTE VOCÊS MAIS NINGUÉM";
110. "CC E DD"; "EU NÃO SEREI NUNCA O PAI "CONAS" QUE VOS DEIXA PERDER AS OPORTUNIDADES DA VIDA. NEM O PAI PARA AS SOBRAS... E PARA PAGAR AS DESPESAS....DAS VOSSAS VIDAS. EU SÓ SEREI O VOSSO PAI PARA TUDO. PARA VOS EDUCAR E FAZER DE VOCÊS HOMENS PARA A VIDA. MAS ISSO VOCÊS SABEM BEM"; "A PUTA DA VOSSA MÃE ESTÁ A ABRI UMA GUERRA E A FAZER-VOS A CABEÇA. MAS VOCÊS NÃO TENHAM MEDO DELA. POIS SE FOR NECESSÁRIO O PAI ESTÁ AQUI SEMPRE".
111. O arguido, a ... de ... de 2020, enviou a seguinte mensagem à ofendida: "Vou mandar por email o novo texto de Acordo [das responsabilidades parentais] Para já para tu veres e vermos como correrá o futuro breve.... Depois ou assinado por ambos ou só por mim. Se tiver que ser... Será!".
112. E, perante a decisão da ofendida de remeter o mesmo acordo para apreciação dos advogados, o arguido envia as seguintes mensagens: "Podes arranjar os Advogados que quiseres", "A VERDADE fode-te", "Mas tal como te disse estou cá para ver", "Como te vais comportar com os miúdos e com o pai deles".
113. Nessa sequência, o arguido responde a ... de ... de 2020 "Depois.... também eu sou ...", "Vê se CUMPRES....".
114. A ... de ... de 2020, o arguido diz à ofendida: "REALMENTE SE MORRESSES ERA MAIS SIMPLES".
115. E mais tarde, a ... de ... de 2020: "Mas muda esse registo", "Comigo", "Ou vais FUDER MESMO À SÉRIA", "Poe-te mesmo a pau", "Comigo", "VAI-TE DAR MUITO MAL", Sobre os meus filhos poe-te a pau", "Ou eu Fodo-te", "Da puta da tua vida", "Faz o que bem quiseres", "Mas sobre eles TEM CUIDADO", "Estou a avisar-te", "Transcreve tudo para as putas com quem te estás a dar e oara a APAV".E, ainda, "Vai ser santa pra que te for ao Cu", "Comigo acabou".
116. E, no dia seguinte, "Queria mesmo não ter conhecido esta tua nova normalidade", "Este teu eu nojento, interceiro, frio... e essa tua auto perspectiva de que és quem sabe, quem é a dona da verdade, a "santa"....", "Não me leves a GUERREAR CONTIGO", "Vai ser muito mau", "O teu FIM já o decidiste há muito tempo" (... de ... de 2020).
117. A ofendida, a ... de ... de 2021, dirigiu ao arguido a seguinte mensagem de WhatsApp: "Bom dia AA. Ontem foi a última vez que me fizeste chorar. Eu também sei pôr pontos finais a sério. Deixei de ser o teu saco de boxe das frustrações. Não quero ninguém ao meu lado que me faça chorar. FIM. Só poderá estar ao meu lado quem me valorizar, quem me fizer dar uma boa risada, quem conseguir tornar a minha vida mais fácil. Por isso, falaremos sobre os miúdos, quando for necessario, tudo o resto seguiremos caminhos deferentes, definitivamente. Se alguma vez precisares de ajuda na tua vida eu estarei aqui para te ajudar como alguém que te estima, só. Beijo".
118. Em resposta o arguido dirigiu uma série de mensagens à ofendia que de imediato apagou e uma que não apagou que dizia simplesmente "És ESSA MERDA".
119. A ... de ... de 2021 a ofendida disse ao arguido: "Dá-me espaço AA. Estou falta destas mudanças constantes de humor. De falares mal de mim a toda a gente e a toda a hora. De tanta agressividade. Neste momento não consigo mesmo falar contigo. Dá-me espaço. Beijo".
120. A ... de ... de 2021 o arguido diz à ofendida: 'a única coisa É QUE COM OS MEUS FILHOS NOS TEUS 50% TERÁS DE TE PORTAR BEM. SENÃO EU FODO-TE! MAS COMO NUNCA IMAGINASTE. Pois os meus filhos são e serão o mais importante de mim", "És realmente uma Puta ressabiada".
121. A ... de ... de 2021, o arguido disse à ofendida: "NUNCA MAIS TE ESQUEÇAS NA PUTA DA TUA VIDA QUE NÃO ME ATENDESTE O TELEMÓVEL HOJE", "Vais pagar um preço muito caro por isso Juro-te pela tua vida", "E tiraste os azuis", "És uma Valente", "P", "U", "T", "A", "Estás a escolher o teu caminho".
122. E no dia seguinte, o arguido dizia à ofendida que "Tu
depressa te vais arrepender dessa decisão. De me teres posto fora da tua vida. Mas como sabes bem ÉS A ÚNICA CULPADA
DISSO. EU DEI-TE AS OPORTUNIDADES TODAS. TU É QUE ESTÁS NOUTRA ONDA! OU QUERES ENGANAR QUEM?", "Vais pagar muito caro isso", "Tu estás mesmo a ver se consegues e TERÁS DE MIM O MEU PIOR" (... de ... de 2021).
123. A ... de ... de 2021, o arguido dizia à ofendida, depois de esta apresentar as despesas dos filhos e de deixar o mesmo à vontade para pagar o que entendesse e não necessariamente metade das mesmas, "Deixa-te de ser PUTA A pedir DINHEIRO A TODA A HORA", "O tàtà morreu.... vai-te FUDER", "ÉS REALMENTE UM NOJO", "Vai pro Caralho eu deixei de aparar os teus jogos", "Eu ACORDEI MAS DE VEZ E ESTOU A APERCEBER-ME DA MERDA QUE TU ÉS".
124.A ofendida responde, dizendo "pára de julgar e COMUNICA", "Ninguém está contra ninguém".
125.O arguido responde "Eu estou contra ti", "Não te esqueças nunca" (... de ... de 2021).
126. A ... de ... de 2021, o arguido dizia à ofendida "És um nojo", "Mas vais ter o que mereces é Deus quem te vai dar", "És uma puta", "Do pior tipo", "Tive mesmo azar", "É de certeza de puta", "Ódio", "Vais ver", "Ainda não viste nada".
127. A ... de ... de 2021, o arguido dizia à ofendida: "Só para te aproveitares de mim não dá", "Para isso tenho as PUTAS TODAS DESTE MUNDO", "E são muitas", "Quando se Ama e se não é Puta.... é tão fácil", "Não te faças de P C", "Puta", "E", "Cabra", "Mesmo PC".
128. A ... de ... de 2021 dizia o arguido à ofendida: "DE MIM VAIS COLHER O QUE ANDAS A SEMEAR", "Não te iludas", "EU JÁ NÃO TENHO MEDO DE NADA", "E NÃO VOU APARAR-TE OS TEUS GOLPES....NEM COMIGO NEM COM OS MEUS FILHOS".
129. A ofendida respondeu "Eu não mereço AA", o que mereceu do arguido a seguinte resposta "DEIXA-TE DESSAS MERDA", "Isso já não pega", "Vais percebes que hás-de atingir a tua VIDA COMO A QUISERES", "Mas não será SÓ COMO TU QUERES", "Não me uses mais", "Isso vai-te CUSTAR MUITO CARO", "Segue o teu caminho de P e C mas não queiras mais ser a SANTA QUE NUNCA FOSTE", "Nem serás", "E eu NÃO TE QUERO PARA FODAS QUANDO TE APETECE".
130. A ..., o arguido dizia à ofendida: "Percebi que", "TENS TODO O DIREITO DE IRES PARA ONDE QUISERES E COM QUEM QUISERES E COMO QUISERES NA TUA VIDA", "MAS OS MEUS FILHOS NÃO TÊM", "SOU EU QUE IREI DEFINIR A CADA MOMENTO DA VIDA DELES ENQUANTO EU TIVER DIREITO A ISSO", "E não irei mais abri mão disso".
131. A ofendida responde, dizendo apenas: "Não sei o que se passa contigo", tendo o arguido respondido dizendo "Comigo vais ABRIR UMA GUERRA QUE TE PODE DESTRUIR... SE CONTINUAS A JULGAR QUE ÉS única a TER PODER PATERNAL", "Põe o CU a render", "Isso vai ajudar-te", "Já deves ter percebido que finalmente me cansaste", "Mas eu irei fazer-te perceber", "Vai pro Caralho", "O que é que isso te interessa Puta", "ESTÁ A CHEGAR A MINHA HORA DE TE TRATAR COMO TU ME TRATAS A MIM".
132. No dia seguinte, a ... de ... de 2021, o arguido dirigiu as seguintes mensagens à ofendida: "os que se seguirem terão o caminho aberto", "e deus queira que sejam muitos", "Has-de desCUbrir se Deus quiser da pior maneira possível", "ÉS VERDADEIRAMENTE UMA PUTA", "É o que irei recordar de ti até que morras".
133. No dia seguinte, o arguido enviou as seguintes mensagens: "O que nos estás a fazer ai três a mim e ais teus filhos", "Terá um preço alto que a vida te vai fazer pagar caro", "A vida vai-se revelar", "E tu vais entender isso quando menos esperares","Não sei quando mas Deus irá ajudar-me", "Fica descansada", "A partir de ontem NUNCA MAIS NADA SERÁ IGUAL".
134. No dia ... de ... de 2021, o arguido diz à ofendida, por mensagem: "Ainda bem que tens agora medo de mim", "Pois se calhar já vais viver pouco tempo", "Cá estarei para os meus 3 filhos permanentemente", "Ontem finalmente ACORDEI DEIXAR DE SER PALHAÇO QUE AMA CEGO. EM TROCA DE MIGALHAS. VAI-TE FUDER PUTA E CABRA", "Não tens nível para mim. Nem para os meus filhos", "PC tens realmente o logótipo do que és verdadeiramente".
135. E perante a decisão da ofendida de ir à reunião que ia haver na escota a propósito do filho CC, o arguido ainda acrescenta "Vais te arrepender", "Não te esqueças que por trás do Amor há Odio", "Vai prós CARALHOS TODOS TU MERECES", "Agora como te disse nada mais será apagado", "De ninguém", "Tu vais morrer em breve.... primeiro só pra mim", "Depois Deus saberá ", "Pena que tenha de ser assim", "Mas Tu és
escolheste", "E a culpa de a ter procurado como procurei muitas outras .... algumas a pagar tu sabes bem que foi tua", "Fadas são essenciais a um casamento", "Sem elas...em casa....fazem-se...na rua", "É uma realidade que não se pode mudar... faz parte da essência", "Ela NÃO TEM NADA DE PUTA","Mas tu tens Tudo e és puta reles nem fodes", "Para ti desejo
o que tive de ti. SÓ MERDA", "A partir de agora vais ter o trato que me deste", "Abaixo de Cadela", "És esterco", "Pra mim", "Nem ir-te ao CU me faria tao feliz".

136. A ... de ... de 2021, através de um email intitulado "a realidade", o arguido dirigia-se à ofendida dizendo "REALMENTE OS NOSSOS FILHOS MERECEM MUITO MAIS E MELHOR. MAS FOI ESTA MERDA DE PAIS QUE LHES CALHOU NA RIFA. SE CALHAR UM DE NÓS ESTÁ A MAIS... DEUS HÁ- DE DECIDIR. ...".
137. A ... de ... de 2021, o arguido dirigia-se à ofendida com um mail intitulado "Estás a pisar o risco comigo e com os nossos filhos".
138. Nesse e-mail, o arguido dirigia-se à ofendida, em capslock, dizendo "VOLTO A DIZER-TE PARA TERES CUIDADO COM O QUE ME ANDAS A FAZER A MIM E AOS NOSSOS FILHOS. POIS TUDO TERÁ UM PREÇO COMO JÁ ESTÁS A COMEÇAR A PERCEBER NAS TUAS DECISÕES DE QUERES SER A SANTA PUTA. É MELHOR QUE MUDES RAPIDAMENTE E NÃO CONTINUES A ACHAR QUE FAZES TUDO COMO QUERES. EU JÁ MUDEI RADICALMENTE EM RELAÇÃO A TI. COMO JÁ DEVES TER PERCEBIDO".
139. Nesse mesmo dia, também por email, desta feita intitulado "Vou passar a gerir bem as coisas", o arguido dizia "Podes gravar e mostra a quem te fode o Cu e a Cons".
140. Também nesse mesmo dia, o arguido envia email com o assunto "Liguei-te várias vezes", escrevendo à ofendida "Estás a fazer o teu caminho da pior maneira comigo. Como deves saber e bem...".
141. A ofendida enviou um email a 13 de Novembro ao arguido dando nota de que "Isto de estarmos a partilhar casa já vimos que não é positivo para ninguém. Pois isso, e tal como me tens solicitado, durante este fim de semana irei mudar-me definitivamente para casa da minha mãe. Domingo ainda cá estarei até às 18h, mas depois nas minhas semanas os rapazes estarão comigo em casa da minha mãe. É a solução possível, por agora. Só falei com os rapazes ontem à noite e eles perceberam a minha decisão".
142. A isto, o arguido respondeu "De verdade conseguiste que eu te tivesse apagado da minha vida definitivamente FOI ALIÁS ISSO QUE TU SEMPRE QUISESTE. SÓ A PENSARES EXLCUSIVAMENTE EM TI. NADA TENS QUE TE QUEIXAR. ESTÁS COMO QUERES! SÓ ESPERO QUE AS TUAS DECISÕES NÃO PREJUDIQUEM OS MEUS FILHOS QUE FELIZMENTE SÃO TEUS TAMBÉM. MAS EU NÃO IREI LEVAR NEM ENTREGAR OS MEUS FILHOS NA TUA MÃE NUNCA. POR ISSO TEREMOS DE VER QUE SOLUÇÃO IRÁS PROPOR. EU DEIXEI DE SER O PANHONHA SEMPRE DE "PERNAS ABERTAS" E A FAZER O QUE TE APETECE".
143. No dia ... de ... de 2021, o arguido dizia à ofendida: "DEIXA AS CHAVES O MAIS RÁPIDO POSSÍVEL PARA NÃO ROUBARES MAIS NADA. MAS VAIS PERCEBER QUE COMIGO NÃO VAI SER FÁCIL. FIZESTE TUDO COMO QUISESTE E TE APETECEU. ESTÁ FEITO".
144. As condutas assim descritas são fortemente ofensivas da dignidade pessoal da ofendida BB e dos seus filhos, provocando-lhes necessariamente lesões físicas, medo, angústia, ansiedade, receio e prejuízo na sua liberdade.
145. Ao agir da forma descrita o arguido quis e conseguiu maltratar a ofendida BB, mãe dos seus filhos, ofendendo-a na sua saúde física e psíquica, fazendo-a viver em permanente sobressalto por força das agressões físicas e expressões de cariz intimidatório, bem sabendo que lhe deve um dever especial de respeito e de proteção.
146. As expressões que o arguido dirigiu à ofendida foram proferidas de forma séria, bem sabendo que aquela acredita na seriedade das mesmas e que, por isso, constituem meio idóneo adequado a produzir, como produzem, profundo receio pela sua vida, integridade corporal e liberdade, humilhando-a, causando-lhe medo e inquietação permanente, sujeitando-a desse modo a um tratamento humanamente degradante e aviltante, fazendo-a sentir-se perseguida, controlada, desprezando a sua dignidade enquanto ser humano, o que quis e logrou conseguir.
147.O arguido praticou os factos no interior da habitação onde residia com BB e na presença dos filhos comuns menores.
148.O arguido sabia também que a sua conduta era suscetível de provocar sofrimento, receio e inquietação nos seus filhos CC e DD, provocando-lhes um sentimento de insegurança, intranquilidade e medo, afetando desse modo a sua paz e sossego individual, bem sabendo que o mesmos em virtude da sua idade, não têm a sua personalidade suficientemente estruturada e que a sua conduta lhes provoca efeitos psicológicos graves e duradouros, e ainda assim quis atuar do modo supra descrito.
149.O arguido agiu sempre de forma livre, voluntaria e conscientemente, com o propósito conseguido de agredir física e psicologicamente BB e os filhos comuns do casal, CC e DD bem sabendo serem todas as suas condutas proibidas e punidas por lei e, não obstante, não se coibiu de as praticar, atuando com o intuito de causar, como efetivamente causou, sofrimento e medo aos ofendidos, bem sabendo que a sua conduta é adequada a causar tais resultados.
150. No decurso das buscas domiciliárias e aos veículos efetuadas no dia ... de ... de 2021, foram apreendidas ao arguido armas e munições.
151. No veículo habitualmente conduzido pelo arguido, de marca "... ", de matrícula ..-HV -.., por debaixo do banco do condutor, o arguido detinha um (1) bastão rígido, tipo policial, sem marca, suscetível de ser utilizado como arma de agressão.
152. O arguido detinha consigo o supra referido bastão, cujas características conhecia bem, sabendo que a sua detenção era proibida, que não podia deter tal objeto, quis deter tal arma, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que tal comportamento é proibido e punido peta lei penal.
Mais se provaram os seguintes factos, atinentes à situação pessoal e social do arguido:
153. À data dos factos, DD e a ofendida BB, apesar de se terem divorciado em junho de 2020, continuavam a viver na casa morada de família, na sequência de um acordo entre ambos.
154. Passavam, de forma alternada, uma semana nessa mesma casa e outra semana nas suas respetivas casas, o arguido na casa da mãe em ..., e a ofendida na casa da mãe na ..., fazendo a troca ao domingo, e mantendo os dois filhos o local de residência, até à separação definitiva.
155. Em ... de 2019, o arguido e BB viriam a divorciar-se em resultado da situação financeira de ambos, tendo declarado insolvência e regularam por acordo o exercício das responsabilidades parentais, mas mantendo a relação.
156. À data dos factos, o arguido encontrava-se em situação de insolvência, estando desde o início de 2021 laboralmente ativo a desempenhar funções como ... num escritório, auferindo um montante de cerca 700 euros mensais.
157. O arguido mantém uma relação de namoro com EE, residindo com a namorada na casa que a mesma adquiriu.
158. De um primeiro casamento, o arguido tem uma filha atualmente com 32 anos, com quem mantém um bom relacionamento.
159. A separação conjugal foi por mútuo acordo.
160. O arguido mantém contacto regular com a mãe, residente em ..., devido ao seu estado de saúde fragilizado, que sempre o apoiou financeiramente.
161. O processo de crescimento do arguido desenrolou-se no seio da sua família de origem, em ..., com os progenitores e dois irmãos.
162. O arguido é licenciado em ….
163. Devido à violência verbal e psicológica para com a ofendida e para com os filhos, o arguido potenciou a que um dos filhos fosse diagnosticado com Depressão Major, o que determinou o acompanhamento num psicoterapeuta e mais recentemente num psicólogo.
164. O arguido não tem antecedentes criminais.
Do pedido de indemnização civil deduzido por BB
165. As expressões que o arguido dirigiu à ofendida foram proferidas de forma séria, bem sabendo o arguido que aquela acredita na seriedade das mesmas e que, por isso, constituem meio idóneo adequado a produzir, como produziram, profundo receio pela sua vida, integridade corporal e liberdade, humilhando-a, causando-lhe medo e inquietação permanente, sujeitando-a desse modo a um tratamento humanamente degradante e aviltante, fazendo-a sentir-se perseguida, controlada, desprezando a sua dignidade enquanto ser humano, o que o demandado quis e logrou conseguir.
166. O arguido ofendeu ainda a dignidade pessoal da ofendida e dos seus filhos menores e a sua saúde física e psíquica, causando-lhes ainda graves sentimentos de medo, pânico, angústia, vergonha e humilhação.
167. Desde então a ofendida vive constantemente sobressaltada e com medo e esta perturbação foi e é sentida pelos filhos menores da demandante e por aqueles que mais de perto consigo convivem.
Do pedido de indemnização civil deduzido por DD
166. Como consequência, directa e necessária, das descritas actuações do arguido, o ofendido DD sentiu medo, angústia, tristeza e receio do pai.
167. O ofendido sempre fez tudo para não irritar o pai, com medo de que fosse agredido, pelo que fazia tudo o que o pai exigia, e não podia telefonar para a mãe quando estava em casa com o pai.
168. O ofendido foi obrigado a disparar uma arma, e a permitir que o pai lhe tirasse fotografias para seu gozo pessoal, o que fez para que o pai pudesse ficar satisfeito e não o agredisse ou castigasse (cfr. fotografias de fls. 452 e 453 dos autos).
171. O arguido colocou em risco a vida do ofendido, seu filho, o que fez consciente dos danos que podia provocar, quer presentes quer futuros, no seu crescimento, com práticas perigosas e ilegais, gerando-lhe temor, ansiedade e intranquilidade na via do filho menor, demonstrando reiteradamente não zelar pelo seu bem-estar físico e psíquico.
172. O ofendido assistiu à violência física e verbal perpetrada pelo arguido, seu pai, sobre o seu irmão e mãe, o que foi traumatizante e lesivo para a sua saúde física e psíquica, e nomeadamente teve de colocar-se entre os pais para que o arguido cessasse a sua actuação no dia ... de ... de 2021.
173. O arguido sabia que com as suas condutas, de modo reiterado, molestava psiquicamente o ofendido, seu filho, provocando-lhe sofrimento, medo e angústia, condicionava a sua vida, liberdade e bem-estar psicossocial, conhecendo bem o perigo que a sua conduta representava para a saúde e equilíbrio mental do filho e ainda assim fê-lo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Não se provaram os seguintes factos:
O ofendido DD sofreu prejuízos causados pela circunstância do arguido ter retirado todos os seus bens do seu quarto na casa onde residia com o arguido, seu pai.
E ficou ansioso ate ao dia em que a polícia conseguiu entrar com a mãe para recuperação dos seus pertences pessoais, pelo que ao saber que o pai ofereceu todos os seus bens e nada estava no seu quarto, com excepção de uns poucos livros escolares, ficou com uma tristeza enorme.
Motivação da decisão de facto:
O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador, nos termos do art.º 127.º do Código de Processo Penal.
Assim, o Tribunal fundou a sua convicção baseada nos seguintes meios de prova:
A) Prova por declarações:
O arguido AA prestou declarações, começando por confirmar a data em que se casou com a ofendida BB e a data do divórcio. Negou os factos que constam do artigo 2.º da acusação, mais esclarecendo que propôs à ofendida o aborto quando esta engravidou "porque nada tinham em comum" (sic). Confessou o que consta dos artigos 3.º a 6.º da acusação, afirmando que foi a ofendida que o obrigou a comprar a casa em .... Negou os factos constantes do artigo 7.º da acusação, confessando, todavia, o que consta dos artigos 8.º a 10.º, nomeadamente que iniciou uma relação extraconjugal com uma amiga sua, de nome EE, relação que se iniciou em .../.../2019, sendo que a ofendida só viria a sair de casa em ... de 2020. Admite o que consta do artigo 11.0, mas apenas a partir de finais de 2020. Confessou o que consta do artigo 12.º, mas que tais expressões constavam de um e-mail. Admitiu igualmente o que consta do artigo 13º, esclarecendo que a situação tem a ver com a morte do pai da ofendida que ocorreu em .../2 O 21. Afirmou, contudo, que as iniciais "PC" queriam dizer BB e não "puta cabra", conforme consta da acusação. Acrescentou que no dia .../.../2021 a ofendida BB voltou para junto dele, terminando o arguido a sua relação com a EE, por causa dos filhos. Nega o que consta do artigo 14.º. No que concerne ao artigo 15.º negou que tenha partido flores, e que apenas cortou as peças de lingerie porque a ofendida as havia colocado em cima da sua cama. Negou o que consta do artigo 16º. No que toca ao artigo 17º, confessou que colocou a dita câmara, mas apenas com o propósito de vigiar os filhos, e não a ofendida, com o intuito de perceber se os mesmo estudavam. Negou os factos que constam dos artigos 18º a 23º. Relativamente ao artigo 24º, justificou a sua conduta pelo facto de o filho não estudar, tendo escrito "vais ter média de 17". Justificou-se, ainda, dizendo que os filhos perderam as regras de comportamento durante a pandemia COVID-19. Confessou parcialmente o que consta do artigo 25.º, designadamente que tirou o cinto. Nega o que consta do artigo 26º, sendo que o filho estava a jogar. Negou igualmente o que consta do artigo 27º, embora admitindo que tenha dirigido à ofendida a expressão "puta". Nega o que consta do artigo 28.º. Confessa o que consta do artigo 29º, mostrando-se arrependido, dizendo que se "passou". Nega o que consta do artigo 30º.
No que concerne ao artigo 31º, esclarece que a ofendida, ao cruzarem-se no átrio do prédio, lhe deu um "beijo com língua" (sia ao que ele, agarrando-a pelo braço, perguntou-lhe se estava a brincar, começando a ofendida a gritar. Nega, contudo, que lhe tenha provocado dores e uma escoriação junto ao olho direito, bem como que o seu filho mais novo tenha agido conforme descrito no artigo 33º. Confessou a factualidade constante do artigo 34º, acrescentando que a ofendida padecia de problemas ligados ao alcoolismo. O que consta do artigo 35º é o que consta igualmente do e-mail de .../.../2021. Relativamente ao artigo 36º apenas negou que tenha atirado um saco de lixo contra o seu filho. Admitiu como verdade o que consta do artigo 42º, sendo que em 13 de Novembro já não havia pertences da ofendida naquela residência. Confessou os factos constantes dos artigos 43.º a 46.º, sendo que relativamente ao artigo 47.º a ofendida já tinha levado consigo todos os bens referidos, tendo restado apenas algumas roupas dos filhos que doou.
*
A assistente BB, prestou declarações, começando por confirmar que conheceu o arguido em 2004, quando tinha 29 anos, no ..., onde trabalhava. Com efeito, o arguido foi contratado como assessor da direção, no seguimento de uma apresentação sobre gestão hospitalar que ali efectuou. Embora tenha admitido que iniciou a sua relação amorosa quando ambos trabalhavam naquele instituto, negou que tenha tido relações sexuais no estabelecimento, até porque trabalhava na clausura e tinha uma colega de gabinete. Refere que efetivamente começaram a conviver, que o arguido era um encanto de pessoa e que lhe perguntou inúmeras vezes se ele era casado. Tudo terá começado a seguir a um jantar quando foram juntos para um hotel. Após 2 meses recebeu um convite do arguido para passar um fim de semana no ..., onde acabaram por passar 3 semanas. Assim acabaram por arrendar uma casa em ..., onde viveram um ano, até que a ex-namorada do arguido, de nome LL, apareceu lá em casa pretendendo falar com o arguido. Este saiu de casa para não se confrontar com a ex-namorada. Por força deste episódio a assistente saiu de casa e foi viver com a mãe. Foi nesta altura que soube que estava grávida. Depois deste episódio perguntou ao arguido se tinha terminado tudo com a dita LL, ao que é que ele confirmou que sim. Ao saber que estava grávida, o arguido disse à assistente que não queria ter a criança, chegando a marcar-lhe um aborto em ..., ao que a assistente se recusou. Nesta altura assumiram que não voltariam a estar juntos. O filho mais velho do casal nasceu a .../.../2006. Não obstante uma semana antes do nascimento, o arguido e a assistente casaram um com o outro, dado que o arguido não pretendia ter filhos fora do casamento. Foram viver para ... para uma casa do arguido. A assistente declarou que o arguido era controlador, e que no início do casamento a ofendia chamando-a de rameira e porca. Quando ainda residiam em ... com o arguido disse que a assistente não sabia passar camisas. No ano 2008 engravidou do filho mais novo, sendo que o arguido a acusou de ter engravidado de propósito. A assistente declarou que o arguido teve relacionamentos extraconjugais com mulheres casadas. Neste particular, a assistente declarou que o arguido trocava mensagens electrónicas com as amantes, tendo a assistente acesso às mesmas. A assistente saiu de casa e foi viver para casa da mãe. Só aceitou voltar a viver com o arguido se fizessem terapia de casal, o que o arguido aceitou inicialmente, só vindo, no entanto, a fazer 3 sessões. Refere que o arguido foi despedido do instituto quando se soube que a assistente havia engravidado. Refere que o arguido é licenciado em direito e ..., tendo negócios na ... e .... Confirma que o arguido foi declarado insolvente. Depois de ter sido despedido do instituto o arguido foi trabalhar para a ..., do qual foi igualmente despedido. Por força das dívidas viram-se forçados a entregar a casa de telheiras ao Banco, indo viver para a .... Em 2017 o arguido desferiu-lhe uma bofetada porque se recusou a pedir à sua mãe que cuidasse do filho de um dos sócios com quem iam jantar. Após o encerramento da insolvência a assistente decidiu divorciar-se do arguido, sendo certo que depois do divórcio continuaram a viver juntos.
No que concerne à relação do arguido com os filhos refere que tanto o arguido era um pai carinhoso como um pai furioso, impondo um excesso de regras aos filhos.
Era habitual puxar os cabelos do filho mais velho.
Durante o casamento era habitual o arguido dizer-lhe que era uma péssima esposa má sexualmente, sendo por isso que recorria a prostitutas.
No dia 6/06/2020 a assistente, através de uma chamada, descobriu que o arguido e a EE mantinham uma relação amorosa há cerca de 1 ano, o que motivou a assistente a sair de casa. A assistente referiu que depois da separação o arguido voltou ao módulo "Dom Juan"(sic), pedindo-lhe para voltar. Em Junho de 2021 faleceu o pai da assistente, neste seguimento o arguido e a assistente voltaram a relacionar-se, tendo o arguido rompido com a EE. Todavia não voltaram a viver juntos.
A assistente declarou que em 30/09/2020 o arguido, dirigindo-se à mesma, disse-lhe "pensa em matar-te bêbada", tendo-a acusado, igualmente, de ser uma pervertida sexual. No que diz respeito às acusações de ingerir bebidas alcoólicas, referiu que apenas se embriagou uma vez, numa festa em casa do HH.
Declarou que tinha e tem muito medo do arguido, confirmando que o arguido, quando viviam na casa da ..., lhe desferiu um soco no nariz. Refere novamente que o arguido era muito exigente com o filho mais velho, tenho presenciado situações em que o arguido desferiu bofetadas ao mesmo. Neste particular confirmou que foi diagnosticada uma depressão ao CC, estando a ser medicado e a ter acompanhamento psiquiátrico. O CC não quer voltar a ver o pai. Confirmou o que consta do artigo 24 da acusação, mas não presenciou o que consta do artigo 25, embora tenha visto os auscultadores partidos. Confirma que depois da separação foi arguido que impôs o regime de guarda conjunta, tendo os filhos ficado a morar na casa da ..., revezando-se o arguido e a assistente uma vez por semana. Na semana em que estavam com o pai os filhos falavam com a assistente às escondidas. Diz que o filho mais novo, o DD, não confrontava o pai, e que o filho mais velho efetivamente jogava muito online. Todavia, nunca ouviu o filho dirigir-se aos amigos, quando jogava, nos termos que constam do art.º 29 da acusação. Ainda no que diz respeito ao que consta deste artigo da acusação confirma que gravou esta conversa que o filho lhe disse para mostrar a gravação a alguém.
No que se refere ao artigo 31 confirma a intervenção do filho DD. Confirmou que arguido tinha duas armas, uma no carro outra em casa, e um bastão. Tentou oferecer ao filho mais novo uma faca de mato.
Descobriu um saco com objetos sexuais quando fui buscar os seus pertences a casa de ..., tendo ficado em choque. Durante a pandemia o arguido instalou um varão no quarto de dormir. Disse que a família do arguido desculpava o seu comportamento por ser ribatejano.
Aquando da sua semana com os filhos, o arguido enviava aos mesmos mensagens de controlo, algumas das quais vinham em caps lock. Confirmou que depois de apresentar a queixa com o auxílio da APAV, foi buscar as suas coisas juntamente com a PSP e com a Dr.ª NN. Pediu à APAV para falar com a procuradora do Ministério Público para que o arguido não fosse preso.
O assistente CC, prestou declarações, começando por dizer, no que diz respeito à vivência familiar, que a mesma se caracterizava por mudanças bruscas de comportamento por parte do arguido, ou seja, num momento tudo estava bem e de repente tudo descambava, com insultos, puxões de cabelo e bofetadas, dependendo do estado de espírito do arguido. Referiu que o pai não gostava de ser contrariado, que a mãe sempre o ajudou nos estudos até ao 9.º ano, que começou a jogar por volta dos 10 anos, que não estava muitas horas de seguida a jogar, que jogava essencialmente Minecraft, Fortnite e GTA com amigos e que por vezes, em jogos mais competitivos, chamavam nomes uns aos outros, e que os pais por vezes ouviam.
Confirmou o teor das gravações mencionadas nos pontos 29 e 37 da acusação. Referiu que o pai era agressivo por que o seu avô também o tinha sido para o pai. Confrontado com a fotografia de fls. 450, confirmou que a mesma resultou de uma agressão perpetrada pelo pai. Relatou a agressão ocorrida no elevador, narrada no ponto 45 da matéria de facto provada e que sabia que o pai tinha armas. Confrontado igualmente com a fotografia de folhas 451, confirmou que o escrito foi ali aposto pelo pai e que o mesmo tirou o cinto das calças. Confrontado com a fotografia de folhas 695, confirmou que foi o pai que partiu os auscultadores. Confirmou que a mãe era a sua encarregada de educação, que foi retirado da conta da família do WhatsApp pelo pai, conforme se alcança de folhas 692 e seguintes, que numa ocasião o pai atirou lhe um saco de lixo, que nunca viu a mãe alcoolizada e muito menos a vomitar no carro, que por causa da situação vivenciada algumas das suas notas escolares baixaram, que conheceu a EE numa festa, que a mãe não costumava gritar, que não vê o pai desde a denúncia e que era usual o pai mandar mensagens escritas em caps lock. Foi confrontado com folhas 258 e 293 do CD de fls. 641.
O assistente DD, prestou igualmente declarações, começando por dizer que sempre houve discussões entre os pais. Que ouviu o pai dirigir à mãe expressões como "vaca", "puta" e "cabra". Nunca presenciou qualquer agressão do arguido à assistente, embora tenha visto a mãe com uma nódoa negra num dos olhos. Confirma a situação do elevador, referindo que o pai foi atrás da mãe quando ela desceu e que no decorrer da situação pediu ao pai para parar. Confirma que o pai costumava puxar o cabelo e desferir bofetadas no CC, afirmando ainda que o irmão não acatava as ordens do pai. Neste particular, o declarante referiu, no que a si diz respeito, que costumava acatar as ordens do pai porque tinha medo dele. Confirmou que na semana em que ficavam com o pai, este deixou de permitir que os filhos falassem com a mãe. Declarou que ocorreram vários episódios de violência contra o irmão na casa de ..., que muitas vezes o pai se referia a eles chamando-os de "filhos da puta, cabrões, montes de merda". Tem ideia de que o pai os pretende retirar da guarda da mãe. Referiu que a avó paterna não telefonou ao declarante no dia do seu aniversário. Referiu ainda que nunca viu a mãe alcoolizada e que viu umas plantas partidas.
*
B) Prova testemunhal:
- O depoimento da testemunha OO, mãe da ofendida BB, começou por dizer que a filha não comentava com ela o que se passava no seio do seu lar, e que nunca presenciou alguma atitude menos correcta por parte do arguido. Todavia, acabou por confirmar que a ofendida vive com ela há cerca de 2 anos, que o genro por vezes era agressivo e que o ouviu a proferir palavrões na casa da .... Neste particular, ouviu o arguido dirigir-se a um dos netos, dizendo "não vales nada nunca vais ser nada", e à ofendida chamando-a de "puta". Mais afirmou que o neto mais velho tem apoio psiquiátrico, que tinha medo do pai, que o arguido costumava puxar o cabelo aos filhos, sendo que o filho mais velho chegou a padecer de gaguez. O arguido nunca frequentou a casa da testemunha, todavia, quando ainda estavam juntos, costumava visitá-los em .... Nessa altura, a testemunha ajudava o casal, fazendo comida e pagando o colégio dos netos.
- O depoimento da testemunha EE, que conhece o arguido há 25 anos. Neste particular, afirmou que foi vítima de violência doméstica no namoro, e que foi o arguido que a resgatou, vindo a manter um curto namoro com ele por volta de 2000/2001. Sabe que o arguido e a ofendida iniciaram a sua relação em 2005 e que do que se apercebeu o relacionamento parecia normal. Em 2012 o arguido ficou desempregado, vindo a ser declarado insolvente. Divorciou‑se em outubro de 2019. Diz que recebeu um telefonema da ofendida, durante o qual esta a acusou de andar com o seu marido, apodando-a de puta, acusando-se de andar a dar cabo da família dela e que nunca engravidou de propósito. Disse ainda que o arguido sempre teve amantes. Relatou que durante uma conversa com o DD, filho do arguido, aquele lhe perguntou o que era um putanheiro, esclarecendo que tal questão se motivou pelo facto de a mãe afirmar que o pai é um putanheiro. Em Junho de 2020, relatou que voltou a encontrar-se com a ofendida no ..., qual novamente a insultou. Diz que já ouviu os filhos do arguido a proferirem palavrões quando estão a jogar online. Confirmou que após a morte do sogro, o arguido e a ofendida voltaram a estar juntos, por um breve período. Nunca ouvi o arguido insultar ou a bater nos filhos.
- O depoimento da testemunha PP, conheceu o arguido numa reunião de negócios há cerca de 12 anos, sendo que esteve uma vez na presença do casal num almoço, em .... Ficou surpreendido com a separação do casal, sendo que o conhecimento que tem dos factos lhe foram relatados pelo arguido. Admite que a relação do casal se alterou quando se descobriu que o arguido mantinha uma relação extraconjugal com a EE. Diz que o arguido se preocupa bastante com a educação dos filhos. Classifica o arguido como sendo um "bruto meigo" ou "bruto doce".
- O depoimento da testemunha QQ, amigo do arguido há cerca de 12 anos, referiu que a relação do arguido e da ofendia se pautava pela normalidade, afirmando que em certas ocasiões, nomeadamente em festas que organizava em casa, a ofendida se embriagava a ponto de ter de ser carregada pelo arguido para o carro.
- O depoimento da testemunha MM, o qual referiu ser amigo do arguido desde 2001, tendo-o conhecido na … sita em .... Conheceu a ofendida em 2005. Conhece também os filhos do arguido, referindo que o mesmo sempre os tratou bem e que nunca viu o arguido a ser mal-educado ou a dizer palavrões. Disse que a assistente e lhe pediu para retirarmos móveis de casa, pois queria mudar-se. Confirmou que o arguido do ou roupas de criança à ….
- O depoimento da testemunha RR, amigo do arguido há cerca de 10 anos e visita assídua na sua casa. Referiu que esteve com o casal em várias festas e que nessas ocasiões constatou que a assistente bebia em demasia, mas nunca viu o arguido a ofender quer a assistente, quer os filhos, antes pelo contrário, pois o arguido era muito carinhoso com a assistente. Diz que o arguido é um homem truculento.
- O depoimento da testemunha HH, amigo do arguido há cerca de 9 anos, disse que numa ocasião teve oportunidade de almoçar com o arguido, juntamente com os filhos, com o intuito de os chamar à razão. Também participou em festas conjuntamente com o arguido e a assistente, tendo visto a mesma embriagada. Nunca viu o arguido a beber. Referiu que uma vez ouviu a assistente a dizer "o AA nem sabe o que o espera".
- O depoimento da testemunha TT, a qual referiu que conhece o arguido desde 2008, e que conviveu com o casal em festas, aos fins de semana, onde constatou que a ofendida bebia muito, se bem que até 2020 nunca os viu a discutirem. Desde a separação nunca mais viu a ofendida. Nunca assistiu a nenhuma discussão do arguido com os filhos, referindo, contudo que os filhos dirigiam nomes feios ao arguido quando estavam ao computador. Nunca viu a ofendida ou os filhos com marcas de agressões. Referiu que a assistente lhe disse, quando saiu de casa, que o arguido tinha outra. Diz que o CC chamava "putanheiro" ao arguido, principalmente quando estava ao computador. Desconhece a razão que levou a ofendida a voltar para junto do arguido depois da morte do pai.
- O depoimento da testemunha UU, colaboradora da APAV, referiu que o primeiro contato com a ofendida ocorreu em inícios de novembro de 2021, primeiro telefonicamente e depois presencialmente. Diz que a ofendida denunciou situações de violência verbal e física, ameaças de morte e agressividade em relação aos filhos. No contato presencial aconselhou a ofendida a apresentar queixa por violência doméstica, mas aquela inicialmente não quis enveredar por esse caminho, pois acreditava que o arguido ainda podia corrigir o seu comportamento. Teve acesso às mensagens trocadas entre o arguido e o filho, mas, não obstante, a ofendida manifestou interesse em que os filhos mantivessem contacto com o pai, pese embora a agressividade com que este sempre os tratou. Neste particular, a ofendida relatou uma situação ocorrida com o CC em que o arguido o agrediu fisicamente, situação que foi detectada na escola, nomeadamente, um arranhão na sobrancelha. Relatou também que o arguido proibia os filhos de contactarem com a mãe quando estavam com ele, mesmo por mensagem escrita. Aconselhou a ofendida a mudar-se para uma casa abrigo, por causa da avaliação de risco, mas esta recusou. Esta pretendia que fossem aplicadas medidas de coação ao arguido, mas o mais leve possível. Não queria que o arguido fosse sujeito a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação, com medo dos efeitos que isso podia acarretar aos filhos. A ofendida tinha também receio das consequências que a apresentação de queixa podia provocar nomeadamente a destruição da sua vida pessoal. Quando levou os filhos da casa onde estes residiam, apenas levou roupa para uma semana, fazendo-os crer que estariam fora apenas uma semana. Só lhes comunicou a apresentação de queixa posteriormente.
- Mais elucidou que a ofendida contactou primeiro o gabinete da APAV de ..., que depois a encaminhou para o gabinete de .... Esteve presencialmente com a ofendida 3 ou 4 vezes, sendo que a sua principal preocupação era o bem-estar dos filhos. À data, a ofendida e o arguido já estavam divorciados, Tendo aquela confirmado a situação de alternância semanal na casa da ... onde os filhos continuaram a residir após o divórcio. Nunca conheceu presencialmente os menores. A ofendida relatou-lhe a situação ocorrida em outubro de 2021, quando o arguido e puxou os cabelos e a arrastou para casa, bem como que terá sido agredida com um soco no olho em setembro de 2021. Foi a testemunha que aconselhou a ofendida a gravar as conversas telefónicas do arguido com o filho. Da experiência da testemunha com o acompanhamento de casos similares, entende que as denúncias da ofendida lhe pareceram reais, não havendo indícios de conluio.
- O depoimento da testemunha VV, psicóloga de profissão, e que acompanha a ofendida em processo psicoterapêutico desde 2020. A ofendida, em consulta, relatou a ocorrência de conflitos violentos, manifestando tristeza, medo e preocupação com os filhos, em especial com o filho mais velho, por causa das situações de violência perpetradas pelo arguido contra ele. Naquela altura a ofendida ainda tinha esperança de que o casamento pudesse ser reatado e que o arguido mudasse de comportamento. Entende que a ofendida é uma mãe corajosa, tenaz e preocupada, sendo que esta situação criou um grande stress. A ofendida continua a ter acompanhamento psicológico, bem como o filho mais velho. Por fim relatou que a arguida nunca lhe transmitiu que queria afastar o arguido dos filhos.
- O depoimento da testemunha WW, psicóloga de profissão, afirmou conhecer a ofendida desde 2020, quando frequentaram juntamente uma pós-graduação. À medida que foram aprofundando a sua relação, a ofendida relatou-lhe os conflitos com o arguido, tendo a testemunha afirmado que presenciou um telefonema ocorrido entre o arguido e a ofendida num tom agressivo. Só teve conhecimento a posteriori da queixa por violência doméstica, não obstante ter aconselhado a ofendida a fazê-lo, sendo certo que que a relutância a ofendida se prendia com receio da eventual reação do arguido. Nunca viu marcas de agressões na ofendida, nem nunca a viu embriagada. Sabe que quando a ofendida saiu de casa não tinha dinheiro e só levou o básico. Mas declarou que conhece os filhos da ofendida e que, no seu entender, a ofendida é muito boa mãe.
- O depoimento da testemunha XX, amiga da ofendida desde 1984, relatou que, quando o CC tinha um ano de idade, o arguido pôs a ofendida na rua. A ofendida deslocou-se a uma esquadra policial, mas o polícia que a atendeu disse para a ofendida deixar que o arguido se acalmasse. A testemunha teve de ir ao supermercado comprar víveres e outras coisas para o bebé. Mais referiu que a ofendida tinha medo do arguido e que este andava armado. Participou num jantar familiar em que o arguido monopolizou a conversa, mais referindo que nunca viu a ofendida embriagada em eventos sociais, sendo que a mesma bebe socialmente. Na sua opinião a ofendida é uma excelente mãe. Também nunca viu marcas de agressão na ofendida.
- O depoimento da testemunha YY, amiga de ofendida há cerca de 18 anos, referiu que conheceu a ofendida através do trabalho, e que convivia e continua a conviver com a mesma. Embora resida no ..., a testemunha desloca-se ao continente cerca de 3 a 4 vezes por ano, e nessas ocasiões convive com a ofendida. Nunca presenciou conflitos entre a ofendida e o arguido, embora refira que a dinâmica do arguido com os filhos era pautada por rigidez e inflexibilidade. Tive ocasião de presenciar esta situação muitas vezes, nomeadamente quando jantava em casa deles. A ofendida era mais calma e próxima dos filhos, sendo que o arguido assumia sempre a pose de "quem manda sou eu". Quando se separaram a testemunha disponibilizou o seu apartamento à ofendida, sendo no mesmo que a arguida pernoitava na semana em que não estava com os menores. Entende que a ofendida resolveu sair de casa por causa dos filhos. Nunca viu o arguido agredir fisicamente os menores, apenas verbalmente.
- O depoimento da testemunha ZZ, gestora do gabinete da APAV de ... há 19 anos, e ex-mulher do irmão do arguido, referiu que convivia com o arguido e com a ofendida em eventos familiares, confirmando que o arguido por vezes era agressivo, mas que era da natureza dele. A este título disse que o arguido por exemplo ficava nervoso quando não lhe atendiam o telemóvel. No que concerne a relação entre o arguido e os filhos, referiu que o CC não quer estar com o pai, que numa ocasião a ofendida mostrou-lhe uma gravação de uma conversa telefónica entre o arguido e o CC tendo ficado chocada com o seu teor. Também presenciou uma situação em que o arguido maltratou a própria mãe só porque esta não lhe atendeu o telefone. Quanto à ofendida, referiu que a mesma tinha receio de apresentar queixa contra o arguido, com medo de que este pudesse atentar contra a sua vida ou integridade física. Não foi a testemunha que encaminhou a ofendida para a APAV de .... Os filhos da testemunha presenciaram uma situação em que o arguido puxou os cabelos ao CC apenas porque este não quis ir à feira. Na verdade, os filhos da testemunha referem-se ao arguido como o "tio maluco". Nunca viu a ofendida alcoolizada. Mais referiu ser normal em casos de violência doméstica a vítima voltar para casa com falsas esperanças quanto a mudança de atitude por parte do agressor, é a chamada fase da "lua de mel". A testemunha afirmou ter ouvido também uma gravação dirigida à ofendida peto arguido com ameaças, o que causou preocupação à testemunha. A ofendida foi ao funeral do sogro em agosto de 2021, quando já estava separada do arguido há quase um ano. Pensa que a separação do casal foi causada por uma a traição do arguido. Afirma que ouviu o arguido dizer palavrões, mas nunca a arguida. Afirmou que o arguido colocou uma câmara a vigiar o pai quando este ficou doente. Pensa que a situação entre o arguido e a ofendida se agravou em setembro de 2021. Relatou que em abril de 2022 colocou um post no Facebook sobre um acórdão que apreciou uma situação de violência doméstica e que o arguido lhe telefonou a pedir explicações. Desde essa data bloqueou o arguido no Facebook e no seu telemóvel. A testemunha encaminhou a ofendida para o Dr. AAA que a encaminhou para a Dra. UU. Nunca interveio junto da mesma, nem nunca falou com o arguido sobre esta questão em particular. Por fim referiu que acreditou na palavra da ofendida.
- O depoimento da testemunha BBB, o qual sofreu que conheceu a família em 2008 e que conviviam todos os fins de semana. Referiu que se davam todos muito bem e que os filhos eram uma riqueza. Em 2019 a ofendida começou a beber e a relação começou a deteriorar-se. Com efeito, a ofendida chamava nomes ao arguido. O arguido não gostava que os filhos andassem agarrados aos computadores. Não vê os filhos do arguido há cerca de 3 anos.
- O depoimento da testemunha CCC, referiu que não conhece a ofendida e que nunca a viu. Conheceu o arguido em ... quando trabalhou em casa do seu pai. No seu entender a relação do arguido com os seus filhos era boa, embora refira que o filho mais velho não obedecia ao pai. Presenciou uma cena em que o filho mais velho avançou em direção ao pai quando estava ao computador, numa altura em que o pai do arguido já estava acamado.
- O depoimento da testemunha DDD, refere que conhece o arguido há mais de 30 anos, tendo convivido com o arguido e com o ofendido algumas vezes. Sempre presenciou uma relação saudável entre o casal, sem da relação entre o pai e os filhos muito próxima e normal. O arguido desabafava com a testemunha sobre o vício dos filhos com computadores e telemóveis.
- O depoimento da testemunha EEE, sobrinha e afilhada do arguido, começou por afirmar que deixou de ver os seus primos, sendo o arguido uma pessoa íntegra, prestável e que gosta de ajudar. Mais disse que a ofendida controlava muito o arguido e as crianças, ameaçando o arguido que lhe ia tirar os filhos. O seu avô esteve doente 2 anos e morreu há 3 anos. Ouviu os primos a jogarem e a dizerem palavrões. No funeral do avô achou estranho a ofendida ter comparecido pois o tio já estava com outra pessoa.
- O depoimento de FFF, médica psiquiátrica e pedo-psiquiátrica, e que acompanha o CC desde 2021 até a presente data, semanalmente, têm receitado ao mesmo antidepressivos, ansiolíticos e indutores do sono. O jovem apresentava uma sintomatologia de depressão profunda, com pensamentos suicidas e muito ansioso. A testemunha levou a sério a a intenção suicida que o rapaz apresentava, pois, o mesmo apresentava um plano delineado. Presentemente tal situação está ultrapassada.
C) Prova pericial:
- Exame pericial
- Avaliação de risco de violência doméstica de fls. 592.
D) Prova documental:
- Certidão da Conservatória do Registo Civil de ... comprovativa do divórcio da ofendida e do arguido (fls. 9-11);
- Assento de nascimento do menor DD - fls. 13;
- Assento de nascimento do menor CC - fls. 16;
- Assento de casamento do arguido e da ofendida - fls. 66;
- Assento de nascimento da ofendida - fls. 68;
- Assento de nascimento do arguido - fls. 70;
- Auto de busca e apreensão de fls. 208 ao veículo de matrícula ..-BC-..;
- Auto de busca e apreensão domiciliária de fls. 245;
- Auto de busca e apreensão de fls. 227;
- Auto de busca e apreensão de fls. 231 ao veículo de matrícula ..-HV-..;
- Auto de busca e apreensão domiciliária de fls. 242;
- Fotos de fls. 245 a 249;
- Auto de exame e avaliação de fls. 256;
- Fotografias e print screens de fls. 450 a 464;
- CD's junto aos autos a fls. 59, 114, 484, 507 e 641.
*
Aqui chegados, cumpre efectuar o cotejo da prova supra elencada.
Antes de mais, cumpre fazer uma nota prévia quanto a assinalar-se que os crimes de violência doméstica se passam, as mais das vezes, no recato do lar, entre o agressor e a vítima, sendo raros os casos em que há testemunhas dos mesmos, pelo que, necessariamente, a convicção a formar por banda do Tribunal será obtida por confronto e/ou compatibilização das versões apresentadas por aqueles conjugadas com os depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento e demais prova junta aos autos.
Por outro lado, temos que compreender que, por vezes, as vítimas não guardam uma recolecção vívida e absoluta de tudo o que vivenciaram, sendo compreensível que assim seja pois que, as mais das vezes, aquelas querem é esquecer o que vivenciam às mãos do agressor não conseguindo relatar tudo como se um filme se tratasse e, ao invés, por vezes, apenas conseguem relatar frames daquele não se podendo extrair que estão a mentir ou sequer que os factos não ocorreram.
Assinala-se que a valoração da prova testemunhal ou por declarações de arguidos faz-se a partir da conjugação de múltiplos factores: em primeiro lugar, o conteúdo dos depoimentos e declarações propriamente dito, do qual se pode retirar a verosimilhança ou falta dela, dos factos sobre que versam esses depoimentos ou declarações; depois, a linguagem corporal e gestual, o tom de voz, os silêncios, hesitações, a fluidez dos discurso, ou seja, a forma como é feito o relato dos factos, a clareza e a serenidade ou firmeza com que são transmitidos, a coerência dos mesmos, ou a sua variabilidade ou consistência perante os diferentes interlocutores, no decurso da inquirição em audiência, podem ser muito reveladores da credibilidade do depoimento ou das declarações.
Somam-se outras circunstâncias atinentes à razão de ciência, ao interesse ou posicionamento da pessoa perante os factos objecto do processo e, no caso das testemunhas e dos assistentes, a sua postura de hostilidade ou de indiferença em relação ao arguido, o interesse que revelem ter em falar apenas sobre os factos acerca dos quais demonstram ter conhecimento directo e certezas, ou, pelo contrário, apenas se mostrem interessadas em incriminar o arguido, ou assentem os seus relatos em meras conjecturas ou suspeições, que podem contribuir de forma decisiva para credibilizar estes meios de prova.
O mesmo se diga da análise comparativa, entre si e com outros meios de prova, na consideração de determinados depoimentos ou declarações como credíveis e dignos de alicerçarem a convicção do Tribunal e de outros como inverosímeis ou inúteis para a fixação da matéria de facto.
"(...) o testemunho não é a exacta reprodução de um fenómeno objectivo, porque é modificado pela subjetividade da testemunha, e se, por isso, duas testemunhas dificilmente podem prestar depoimentos idênticos, deduzir da diversidade que se nota na sua acareação, que uma delas deva, necessariamente, estar de má fé, é um erro.
Efectivamente, às vezes, um depoimento sem lógica, contraditório, é considerado pouco fiel, porque se julga que a testemunha não se recorda bem, ou então insincero, ao passo que os testemunhos correntes dão uma impressão de fidelidade e de veracidade, e pode ser o contrário, provindo o primeiro de uma dificuldade em se exprimir, ou de um fenómeno de timidez, ao passo que a naturalidade do segundo pode derivar de uma hábil preparação
«Há, portanto, um certo coeficiente pessoal na percepção e na evocação mnemónica, que torna, necessariamente, incompleta a recordação, de forma que não há maior erro que considerara testemunha como uma chapa fotográfica, deduzindo de não ser completo o seu depoimento que ela é reticente" - cfr. Enrico Altavilla in "Psicologia Judiciária, Personagens do Processo Penal", 4º vol., Arménio Amado, Editor, Sucessor-Coimbra, 1959, pág. 112.
Mas num sistema, como o processual penal português, de livre apreciação da prova, não tem qualquer eficácia jurídica o aforismo testis unus testis nullus, pelo que, um único depoimento, mesmo sendo o da própria vítima, pode ilidir a presunção de inocência e fundamentar uma condenação, do mesmo modo que as declarações do arguido por si só, isoladamente consideradas, podem fundamentar a sua absolvição É hoje consensual que um único testemunho, pode ser suficiente para desvirtuar a presunção de inocência desde que ocorram: a) ausência de incredibilidade subjectiva derivada das relações arguido/vítima ou denunciante que possam conduzir à dedução da existência de um móbil de ressentimento, ou inimizade; b) verosimilhança - o testemunho há-de estar rodeado de certas corroborações periféricas de carácter objectivo que o dotem de aptidão probatória; c) persistência na incriminação, prolongada no tempo e reiteradamente expressa e exposta sem ambiguidades ou contradições"- cfr., entre outros, António Pablo Rives Seva, La Prueba en el Processo Penal-Doctrina de ta Sala Segunda dei Tribunal Supremo, Pamplona,1996, pp.181-187)" - cfr. Ac. do TRG de 07.12.2018, processo 40/17.0PBCHV.G1 in www.dgsi.pt.
E o que é, igualmente, certo é que um testemunho pode não ser necessariamente todo verdadeiro, nem necessariamente todo falso e ainda assim ser perfeitamente válido para fundamentar a convicção do Tribunal na consideração como provados de todos ou parte dos factos sobre que tenha incidido, desde que, à luz das regras de experiência comum, dos critérios de razoabilidade humana, das regras da ciência ou da técnica ou do valor probatório pleno de determinados meios de prova pré catalogados peta lei com essa especial eficácia, nas correlações que o Tribunal possa estabelecer com os demais meios de prova, tal depoimento se mostre credível e consistente.
Retomando o caso em apreço, não temos dúvidas em considerar como inteiramente credíveis as declarações prestadas pela ofendida BB, atento o modo sincero e sereno como foram prestadas, descrevendo os factos de forma circunstanciada, com naturalidade e espontaneidade, sem hesitações ou contradições.
Foi desta forma que revelou todo o circunstancialismo referente ao modo como conheceu o arguido, assumindo sem pejo os sentimentos que na altura sentia pelo mesmo, o seu modo sedutor de ser, contrastante com a sua agressividade e imprevisibilidade, o modo como a tratava e aos menores, assumindo que só decidiu apresentar queixa contra o arguido para proteger os seus filhos.
Por conseguinte, foi com base nas declarações da ofendida que o Tribunal deu como provados os factos descritos em 1 a 12,15 a 36, 41. O facto descrito em 42 resulta das declarações da ofendida em conjugação com as declarações prestadas pelos menores.
Os factos descritos em 37 e 38 resultaram das declarações prestadas peto menor CC, em conjugação com a foto de fls. 451.
A factualidade descrita em 43 resultou das declarações prestadas pelo menor CC, que confirmou o teor daquela conversa, tendo sido confrontado com a gravação da mesma em audiência de julgamento. O menor confirmou igualmente o facto descrito em 44.
A situação descrita em 45 a 47 resulta das declarações da ofendida BB, em conjugação com as declarações prestadas pelo menor DD, que a presenciou.
A factualidade narrada em 48 resulta igualmente das declarações prestadas pela ofendida em conjugação com a gravação daquelas mensagens constante do CD junto aos autos. A factualidade ínsita no ponto 49 teve também como base as declarações prestadas pela ofendida.
A factualidade narrada em 50 a 53 resulta da conjugação das declarações prestadas pela ofendida e pelos ofendidos menores, que a confirmaram, resultando os factos descritos em 54 a 60 das declarações da ofendida em conjugação com o teor do dito email e das gravações constantes do CD junto aos autos.
As comunicações transcritas em 61 a 143 constam do CD junto aos autos a fls. 641.
Pese embora tenha na generalidade admitido a prática dos factos descritos na acusação, a verdade é que o arguido nunca admitiu a factualidade que lhe era desfavorável, tal como as agressões perpetradas contra a ofendida, ou justificando a sua conduta com base em circunstâncias que não foram corroboradas por outros meios de prova. É o caso das expressões que o arguido dirigiu ao seu filho CC descritas em 43, que o arguido afirmou serem expressões utilizadas pelo filho quando jogava online com os seus amigos, expressões essas que o filho do arguido negou que proferisse.
Neste particular, o arguido insistiu amiúde que o presente processo não passava de uma cabala orquestrada pela ofendida em conluio com a APAV. Se bem que não se tenha vislumbrado qualquer indício dessa conspiração, a verdade é que, a existir, não se alcança qual a finalidade pretendida com a mesma.
Por outro lado, a prova testemunhal produzida é maioritariamente lateral, uma vez que nenhuma das testemunhas inquiridas presenciou directamente a prática dos factos de que o arguido vem acusado. Não obstante, revelaram-se cruciais para que o Tribunal pudesse aferir da personalidade do arguido, no que toca à sua faceta agressiva e intransigente.
Neste particular, nota-se que as testemunhas de defesa arroladas pelo arguido pretenderam demonstrar que a relação entre arguido e os ofendidos sempre se pautou pela normalidade; que o arguido era um pai e marido exemplar, ainda que exigente; que a ofendida BB apresentava problemas de alcoolismo; que no convívio social nunca presenciaram qualquer situação que demonstrasse conflito ou comportamentos violentos do arguido para com os ofendidos.
Naturalmente que os depoimentos prestados pelas testemunhas de defesa não se mostraram susceptíveis de colocar em crise as declarações prestadas pelos ofendidos.
As declarações prestadas, em especial, pela ofendida e o modo como as prestou são fracturantes e contrastantes com a versão trazida pelo arguido que se mostrou inconsistente e incompaginável com a demais prova produzida e carreada para os autos e até com as regras da experiência e da normalidade.
Por fim, considerou-se estar provado que o arguido tinha conhecimento dos factos acima descritos e que, ainda assim, quis agir pela forma mencionada, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, não só com base nos factos objectivos, dos quais é possível retirar tal conclusão, mas também com base nas regras da experiência comum e de normalidade da vida. Como refere MARIA FERNANDA PALMA, se da intenção depende o significado da acção, também é verdade que o acontecimento objectivo nos pode revelar a intenção, sendo que, acrescenta, em geral inferimos as intenções a partir dos comportamentos exteriores. [Da "tentativa possível" em direito penal, Almedina: Coimbra, 2006, p. 36].
A factuatidade descrita em 150 a 152 resulta essencialmente da análise do auto de busca e apreensão de fls. 231-232 e do exame pericial de fls. 546-546 verso.
A factualidade respeitante aos antecedentes criminais do arguido foi assim considerada atento o teor do CRC e a respeitante às suas condições pessoais, laborais e económicas foi assim considerada atento o teor do relatório social elaborado pela DGRSP.
Os factos não provados - alegados no pedido de indemnização civil deduzido peto ofendido DD - resultaram da falta de prova relativa aos mesmos, sendo que não foram sequer confirmados pelo ofendido aquando da prestação de declarações.
Assente a factualidade considerada como provada cumpre, agora, efectuar o enquadramento jurídico da mesma.
***
Atentas as conclusões do recurso, podemos delimitar o seu objeto, a saber:
No recurso são suscitadas as seguintes questões essenciais que importa apreciar:
a. Saber se a decisão se apoiou em prova ilícita, dada a valoração de gravação de mensagens e chamadas feita pela queixosa;
b. saber se a prova foi erradamente apreciada;
c. saber se ocorreu algum dos vícios a que alude o artigo 410º do CPP;
d. saber se o tribunal violou o princípio do in dubio pro reo e presunção de inocência
e. enquadramento jurídico;
f. justeza da medida da pena;
***
Da nulidade da prova obtida através da gravação de telefonemas por particulares:
Vem o arguido insurgir-se contra a prova utilizada porquanto em seu entender, os telefonemas e mensagens trocadas com a ofendida e filhos não poderiam ser utilizados porque essa gravação importaria a prática de um crime.
Nas conclusões, a este respeito, diz o arguido que a gravação de telefonemas por particulares constitui crime p. e p. pelo artigo 199.º do Código Penal, porquanto, atenta contra o direito fundamental previsto no artigo 26.º da Constituição.
E que, assim, nos termos do artigo 125.º do Código de Processo Penal as gravações de telefonemas por particulares não podem ser valoradas como prova e, assim, deve ser declarada nula, nos termos do artigo 126.º do Código de Processo Penal.
O Código de Processo Penal no artigo 125º estabelece que são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei.
No artigo 126º encontramos um catálogo das provas proibidas designadamente no n.º 1 onde se dispõe que: São nulas, não podendo ser utilizadas as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
De acordo com o n.º 3 deste mesmo artigo ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
Por seu turno, no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa estabelece-se que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
E o n.º 8 deste artigo estabelece que são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
No artigo 35º, n.º 5 da CRP estatui-se que é proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excepcionais previstos na lei.
Numa rápida pesquisa de jurisprudência sobre esta matéria, encontramos os seguintes acórdãos mais recentes e dos quais transcrevemos, com a devida vénia, o sumário:
Ac da RC de 18/05/2016, processo 148/12.9PBLMG.C1, in www.dgsi.pt
São lícitas as imagens obtidas, através de câmaras de vigilância, em espaços destinados à vida estritamente privada, como o interior de habitações, pelos legítimos utilizadores de tais espaços, visando a defesa dos seus bens pessoais e patrimoniais - independentemente de terem sido captadas com o conhecimento do visado, de autorização do mesmo, ou de esses sistemas de vigilância terem sido aprovados pela CNDP -, desde que não digam respeito ao núcleo duro da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, bens fundamentais esses que nunca estarão em causa quando as imagens documentam a prática de crimes por agentes estranhos ao espaço e que nele se introduziram ilegitimamente.
Ac da RP de 8/06/2022, processo 293/20.7PAVFR.P1, in www.dgsi.pt
I - Mensagens, vídeos, fotos e áudios trocadas/os via WhatsApp entre o arguido e a assistente e enviadas/os livremente, não se encontram protegidas pelos direitos constitucionais de reserva da intimidade da vida privada e da confidencialidade da mensagem pessoal. Tal como acontece no que concerne às mensagens SMS, tendo sido recebidas, lidas e guardadas, passam a ter a mesma essência da correspondência escrita enviada por correio tradicional.
Valem, pois, como prova, não sendo ilícitos, nem constituído prova proibida.
II - Dar ou não dar crédito ao que diz uma testemunha é uma questão de convicção. Quando a atribuição de credibilidade ou de falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não é racional, se mostra ilógica e é inadmissível face às regras da experiência comum.
Ac da RP de 9/01/2013, processo 1516/08.6PBGMR.P1, in www.dgsi.pt
I - Não integra o conceito de prova proibida, por intromissão numa comunicação telefónica, o depoimento de quem ouviu o teor de uma conversação telefónica entre o arguido e a vítima, por esta ter colocado o sistema sonoro do seu telemóvel em “alta voz”.
Ac da RC de 6/03/2013, processo 119/11.2GDAND.C1, in www.dgsi.pt
Não constitui prova proibida a divulgação de uma conversa telefónica pelo sistema de alta voz quando essa precisa comunicação telefónica é o meio utilizado para cometer um crime de ameaça ou injúria e a vítima consinta, de modo expresso ou implícito, na sua divulgação a terceiros como forma de se proteger de tais ameaças ou injúrias, sendo por essa razão permitido o depoimento de quem a ouviu.
Ac da RP de 20/03/2019, processo 950/15.0SMPRT.P1, in www.dgsi.pt
I – A mais recente orientação jurisprudencial é no sentido da admissibilidade de testemunho sobre conversas telefónicas que se escutaram.
II – A ideia base é a de que, quando a comunicação telefónica é o meio utilizado para cometer um crime, como seja a ameaça, se a vítima consente, de modo expresso ou implícito, na sua divulgação a terceiros (por exemplo accionando o sistema de alta voz) como forma de se proteger de tal ameaça, tal não constitui prova proibida, pois o agente ao comunicar via telefone tem que ter presente que a conversa pode ser escutada por outros além do destinatário, seja por estarem perto do auscultador seja por estar em alta voz, não se configurando qualquer intromissão ilícita nas telecomunicações que careça de ser salvaguardada, pois não existe sequer intromissão na privacidade.
III – Apesar de a ligação telefónica não ter sido estabelecida entre arguida e ofendida, mas sim entre a filha da arguida e esta, não se vê que exista qualquer intromissão do pai da E... (testemunha) e/ou da companheira do pai da E... (ofendida) na conversação telefónica que se estava a processar entra a E... e a sua mãe (a arguida), que passivamente se limitaram a ouvir o que estava ao alcance do seu sentido de audição, pelo que a razão do conhecimento dos factos não afeta o seu depoimento.
Ac da RP de 6/11/2019, processo 457/17.0PAVFR.P1, in www.dgsi.pt
I - As provas obtidas mediante intromissão na vida privada, domicílio, correspondência ou telecomunicações sem o consentimento do titular constituem, em princípio, métodos proibidos de prova – art.º 126º n.º 3 do CPP.
II - O consentimento do visado é determinante e, numa breve interpretação, parece não poder ser utilizada a gravação de uma chamada telefónica feita pelo receptor, sem o consentimento do emissor.
III - Porém, quando a gravação, efectuada pelo particular/vítima contém, em si, um meio para perpetrar um crime, a prova recolhida é válida, mesmo que sem consentimento do agente.
Na jurisprudência, nos últimos anos, até atenta a evolução tecnológica, que permite uma ampla divulgação em meios de comunicação social e inclusive em redes sociais, de uma série de gravações feitas por particulares de ilícitos criminais, tem-se tornado cada vez mais pacífica a permissão de utilização de mensagens e chamadas telefónicas gravadas pela vítima, quando se destinam a prova de um crime, que é também cometido através desses meios de comunicação entre ausentes.
Na verdade, quando as pessoas enviam mensagens, de texto, sms, ou chamada, as quais consubstanciam elas próprias a comissão de um crime, sabem, seguramente, que tais mensagens podem ser vistas por outros, prescindindo da sua própria privacidade para lograrem o cometimento de um ilícito criminal.
Seria no mínimo violador dos direitos da vítima, que não pudesse usar estas mensagens e que ao fazê-lo incorresse na prática de um crime, quando apenas pretende defender-se e provar a existência de um crime, no caso, um crime que se comete, as mais das vezes, entre quatro paredes, e cuja prova, por isso mesmo, se torna difícil.
Aderindo à jurisprudência acima citada, e com cujos argumentos se concorda, entendemos não ter sido valorada prova que não o pudesse ter sido.
A valoração das mensagens e chamadas telefónicas nas quais se percepciona a prática de crime, somente pela visualização das mesmas, não constitui qualquer meio de prova de proibido, sendo o recurso nesta parte, improcedente.
Da errada apreciação da prova e da impugnação da factualidade dada como provada (e não provada):
O arguido insurge-se contra a matéria de facto provada, na parte em que o tribunal dá como assente a ocorrência do crime, aludindo aos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, mormente os contidos nos artigos 6º, 12º, 16º, 17º, 18º, 19º a 24º, 26º a 34º, 45º a 47º, 49º, 55º, 60º, 136, 137 a 140, 142º, 143º a 149º, 165º a 167º.
O arguido, alega contra a valoração dos depoimentos das vítimas, designadamente em confronto com as suas declarações, e escrutinando e aventando inúmeros motivos pelos quais, em sua opinião, o tribunal não deveria ter valorado as declarações das testemunhas, mas sim as suas, e, eventualmente, de algumas testemunhas de defesa, apontando os factos impugnados, aqueles que considera deverem ter sido dados como provados e não provados e as provas, que, em seu entender, justificariam tais alterações fácticas.
No tocante ao artigo 6º da matéria de facto como provada, embora o arguido aluda a que o tribunal se contradiz nos factos dados como provados em 10º, 15º e 17º, a verdade é que isso não acontece, estando simplesmente o artigo 6º relacionado com os artigos 1º a 5º e não com os artigos posteriores que se reportam a outros momentos temporais.
Quanto ao ponto 12º a circunstância de existirem recibos posteriores não significa que o vínculo laboral se mantenha até à data em que foram passados. A passagem de recibos pode não coincidir com o momento da prestação dos serviços.
Quanto ao ponto 16º ele refere-se ao divórcio entre arguido e assistente, ao passo que o artigo 159º diz respeito ao divórcio do arguido da sua primeira mulher.
No que se refere aos pontos 17º a 19º, o tribunal tomou em consideração e bem o depoimento da assistente, dele ressaltando que arguido e assistente se separaram e reataram o relacionamento, ora com vivência em comum, ora apenas com relacionamento afectivo e sexual, nada havendo a apontar a matéria de facto, nem existindo qualquer prova que imponha solução diversa.
Diga-se o mesmo relativamente ao artigo 20º tendo o tribunal fundamentado e bem a sua convicção nas declarações da assistente que confirmou que o arguido lhe chamava rameira. O tribunal deu como provado que foi desde o início da relação que aconteceram agressões verbais e, de facto, é isso que se pode concluir do depoimento da assistente, do qual o arguido procura retirar excertos descontextualizados.
No tocante aos artigos 21º a 24º e 26º, o tribunal alicerçou a sua convicção nas declarações da ofendida, a qual considerou ter descrito os factos de forma circunstanciada, com naturalidade e espontaneidade, sem hesitações, nem contradições. O arguido negou tais factos, e nas suas alegações de recurso não logrou aludir a prova alguma que imponha decisão diversa, limitando-se ora a invocar que a indeterminação de uma data contende com os seus direitos (??), ora que não existe prova testemunhal ou documental que corrobore as declarações da ofendida, ora remetendo para as declarações do filho menor prestadas perante a polícia e as quais apelida de declarações para memória futura, que o não são (declarações perante os OPCS não são a mesma coisa nem têm o mesmo valor probatório que as declarações para memória futura), ora ainda aludindo a uma passagem das declarações da ofendida que não tem qualquer relevo para efeitos de impugnação da matéria de facto, qual seja a de que a mesma, em determinada altura, disse que tinham acesso aos emails um do outro, acrescentando (essa parte o arguido omite) que mesmo havendo esse acesso o arguido não se inibia de se corresponder com as amantes que foi tendo ao longo dos anos em que o relacionamento durou.
No que se refere aos factos dados como provados em 26º a 30º, o tribunal, uma vez mais, fundou a sua convicção nas declarações da ofendida e o arguido limita-se a afirmar quanto a tais artigos que não há prova que não seja a convicção da assistente, que lhe restam dúvidas acerca da matéria de facto ou ainda que o artigo 29º está em contradição com o artigo 17º, o que não corresponde à verdade porque o tribunal aponta e bem os momentos em que houve relacionamento mas não coabitação.
Também quanto a estes factos, o arguido não encontra qualquer prova que imponha decisão diversa, frisando uma vez mais que não há provas para além das declarações da assistente, parecendo olvidar que não é preciso mais do que isso para que o tribunal, se atribuir credibilidade ao depoimento, dê como provados tais factos.
No concernente aos artigos 31º a 34º e 45º, 46º, 47º e 49º, o arguido alude, mais uma vez, as declarações do menor de 30.11. de modo errado, porque não foi nesse dia que o menor prestou declarações para memória futura, em todo o caso, o menor, filho do arguido, efectivamente, afirmou que não viu as agressões, mas que ouviu a mãe gritar e foi imediatamente ter com ela, a pouco distância e a viu agarrada ao cabelo a chorar. O arguido pretendia retirar destas declarações do menor, o qual diz que não viu exactamente o puxão de cabelos, mas chegou nos segundos imediatos e viu a mãe agarrada ao cabelo a chorar, que a agressão não ocorreu e o menor não a presenciou? Para tal, era necessário que concluíssemos que o menor estava a mentir, e, em momento algum, o tribunal assim o considerou, nem este tribunal tem alguma razão válida para desconsiderar as declarações do menor, as quais ouviu, e foram prestadas de modo sincero e credível. Quanto à agressão descrita nos artigos 31º e seguintes, o tribunal considerou e bem as declarações da ofendida e o facto de o menor não a ter presenciado, não significa que não se tivesse apercebido dela (não é preciso ver para saber que uma coisa existe e ocorre).
Quanto aos artigos 55º e 60º, uma vez mais o tribunal fundamentou tais factos no depoimento da ofendida e o arguido limita-se a impugnar os mesmos porquanto não existirá prova. Perguntamo-nos se o arguido não terá conhecimento que a ofendida é sujeita processual destes autos e as suas declarações podem, quando credíveis, fundamentar o juízo do tribunal acerca dos factos. Por outro lado, o arguido afirma que o facto número 60º é contrariado pelo que consta do artigo 143º, mas os mesmos nem sequer estão relacionados, quanto mais o mail em causa impor decisão diversa.
Refere em seguida os artigos 136º a 143º, os quais se reportam a mensagens enviadas pelo arguido à ofendida por mail, e sendo certo que o tribunal baseou a sua convicção no CD de fls. 641, do qual constam. O arguido pretende que pelo facto de a ofendida ter dito que em determinada altura tiveram acesso aos mails um do outro (ainda durante o relacionamento), tais emails não teriam sido por ele enviados??
Claro que isso não decorre dessas declarações da ofendida, até porque a ofendida não especificou até que momento teve acesso aos mails do arguido.
Aliás, nem o próprio arguido afirma que não enviou tais mensagens e as mesmas foram extraídas dos telemóveis da ofendida e dos filhos, aquando do exame pericial realizado pela PJ.
Por essas mesmas razões improcede a impugnação da matéria de facto relativamente aos pontos 74ºa 81º, 84º a 109º.
No tocante aos pontos 144º a 149º e 165º a 167º, o arguido não referiu quaisquer provas concretas que imponham decisão diversa, limitando-se a, genericamente, remeter para a prova referida nos pontos supra, sendo certo que a impugnação é especificada e motivada, não se reportando a considerações genéricas sobre toda a prova, conforme o arguido fez.
Quanto aos artigos 35º a 39º o tribunal considerou e bem as declarações do filho do arguido, CC, o qual disse exactamente o que consta da matéria de facto provada. O arguido refere passagens cirúrgicas e descontextualizadas do depoimento do ofendido, mas ouvido o depoimento no seu conjunto, conforme fez este tribunal, com certeza que não são aquelas referências esparsas que impõe solução diversa quanto a matéria de facto provada.
Refere ainda o arguido quanto aos artigos 40º e 59º que a prova que impõe solução diversa são as declarações da assistente, mas as mesmas são no sentido de confirmar o que consta naqueles artigos, até porque secundados pelo email enviado pelo arguido e referido na motivação da decisão de facto.
No referente aos artigos 43º, 44º e 51º o arguido apenas refere que a prova é nula, o que, como acima decidimos, não acontece.
Ainda no concernente aos artigos 50º a 53º, 163º, 168º e 169º o tribunal fundou-se e bem nas declarações dos ofendidos e da assistente, até porque, efectivamente, ouvidas as declarações destes sujeitos processuais, outra coisa não podia acontecer.
Quanto ao dolo descrito nos artigos 170º e seguintes, certo é que o dolo resulta sempre da factualidade objectiva que se apura, e neste caso, está, efectivamente, em consonância com os factos dados como provados nos artigos antecedentes.
No tocante ao artigo 172º que se reporta ao facto de o ofendido DD ter assistido às agressões verbais e físicas perpetradas pelo arguido contra os mesmos, tal factualidade é concordante com as declarações do ofendido que revelou ter presenciado o pai a bater ao irmão, a chamar nomes à mãe e mesmo aos momentos imediatamente posteriores às agressões ocorridas contra a mãe.
Por fim, quanto à matéria dos artigos 80º, 86º, 88º a 104º, o tribunal fundou a sua convicção nas comunicações transcritas e que constam do CD junto a fls. 641, mal se compreendendo o porquê de o arguido aludir ao depoimento da psicóloga para por em causa matéria de facto que se reporta a comunicações escritas enviadas pelo arguido aos ofendidos.
Em síntese, o arguido pretendia que as suas declarações fossem valoradas e que as dos ofendidos o não fossem.
De acordo com o seu estatuto processual, o arguido não está obrigado a falar com verdade e é a essa luz que as suas declarações têm que ser valoradas e foi precisamente o que o tribunal fez e muito bem.
O tribunal descreveu os depoimentos dos ofendidos, das testemunhas e explicitou os motivos pelos quais atribui credibilidade às suas declarações, numa exposição simples, mas sólida e coerente, não se vislumbrando que em algum momento os ofendidos tenham apresentado versões contraditórias, incongruentes ou incompatíveis entre si e com a realidade da vida.
Assim sendo, e concluindo, não se vislumbra qualquer erro de julgamento, muito pelo contrário, e não foram violados quaisquer preceitos legais e/ou constitucionais na apreciação da prova que foi feita. A discordância do arguido quanto à convicção do tribunal não conduz a um julgamento injusto e em violação do princípio da presunção da inocência.
Dos vícios do artigo 410º do Código de Processo Penal e da violação do princípio do in dubio pro reo:
Quanto aos vícios a que alude o artigo 410º do CPP, o arguido faz referência ao erro notório na apreciação da prova, reportando-o, contudo, a tudo aquilo que já dissera sobre os erros cometidos pelo tribunal na fixação da matéria de facto, confundindo realidades que não se tocam.
Em todo o caso, vejamos se algum desses vícios se verifica.
Estatui o artigo 410º, n.º 2 do CPP que: mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum:
a. a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b. a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c. erro notório na apreciação da prova.
Através da consagração, no nº 2 do artigo 410º do CPP, do recurso de revista alargada, o legislador pretendeu que o recurso de revista visasse, tal como preconizava a melhor doutrina, também a finalidade de obtenção de uma “decisão concretamente justa do caso, sem perder de vista o fim da uniformidade da jurisprudência” – Castanheira Neves, Questão de facto – questão de direito ou o problema metodológico da juridicidade, I Coimbra, 1967, p. 34 e seguintes.
Os vícios elencados no n.º 2 do artigo 410º do CPP têm de resultar do contexto factual inserido na decisão, por si, ou em confronto com as regras da experiência comum, ou seja, tais vícios apenas existirão quando uma pessoa média facilmente deles se dá conta.
Quanto a aquilo que seja o chamado erro notório na apreciação da prova, escreve Maria João Antunes, no seu Conhecimento dos vícios previstos no artigo 410º, n.º2 do CPP, p.120, que é de concluir por um erro notório na apreciação da prova, sempre que, para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo Tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no artigo 127º do CPP, quando afirma que a prova é apreciada segundo as regras da experiência.
De acordo com o artigo 127º do CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A livre convicção é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade, portanto, uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores (Cavaleiro de Ferreira, ob cit. P 11 e 27).
Neste sentido, o princípio que esse postula, como salienta Teresa Beleza o valor dos meios de prova … não está legalmente pré-estabelecido. Pelo menos tendencialmente, todas as provas valem o mesmo: o tribunal apreciá-las-á segundo a sua livre convicção.
O mesmo é dizer: a liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação dada pelo treino profissional, o saber de experiência feito e honesto estudo misturado ou na expressão feliz de Castanheira Neves, trata-se de uma liberdade para a objectividade. (RMP, ano 19, 40).
Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da Universidade Católica Editora, salienta que o princípio constitucional de livre apreciação da prova é direito constitucional concretizado e não viola a constituição da república, antes a concretiza (ac. TC n.º1165/96, reiterado pelo ac. N.º 464/97): A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão e das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permitem ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisitos necessários para uma efectiva motivação da decisão.
A Constituição da República e a Lei estabelecem limites endógenos e exógenos ao exercício do poder de livre apreciação da prova. Estes limites dizem respeito: ao grau de convicção requerido para a decisão, à proibição dos meios de prova, à observância do princípio do in dubio pro reo. Os três primeiros são limites endógenos ao exercício da apreciação da prova no sentido de que condicionam o próprio processo de formação da convicção e da descoberta da verdade material. O último é um limite exógeno, no sentido de que sentido de que condiciona o resultado da apreciação da prova.
O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis. Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.
No caso dos autos, aquilo que a recorrente pretendia, através da invocação dos vícios do n.º 2 do artigo 410º do CPP, era discutir a valoração da prova feita pelo Tribunal a quo.
Contudo, são realidades bem diversas, os vícios da decisão que resultam do próprio texto da mesma, e a impugnação da matéria de facto dada como provada por via da reapreciação da prova gravada, até porque, em qualquer caso, o recorrente não conseguiu aludir a provas que impusessem uma decisão diversa.
Percorrida a decisão, não se vislumbram os invocados vícios.
Na decisão estão explanados os factos que conduziram à decisão e a possibilitaram, não há qualquer contradição na fundamentação, nem tão pouco é notório qualquer erro na apreciação da prova.
Nos factos provados estão descritas as condutas integradoras dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime, nenhuma insuficiência se detectando.
Por outro lado, não há nenhuma contradição na matéria de facto, entre a matéria de facto e a respectiva motivação ou a qualificação jurídica dada.
Não se descortina também nenhum clamoroso erro na apreciação da prova.
Defendeu também a recorrente que o tribunal a quo devia ter aplicado o princípio in dubio pro reo, designadamente quanto ao crime de detenção de arma proibida.
Face ao que supra ficou dito quanto à impugnação da matéria de facto, inexistiam razões para que o tribunal a quo tivesse dúvidas sobre a veracidade dos factos imputados ao arguido e como tal não tinha que lançar mão do princípio in dubio pro reo.
O princípio in dubio pro reo, como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. Afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal (cfr. Figueiredo Dias Dtº Processual Penal, pág 213).
Daí que a violação deste princípio só ocorra quando o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Não resultando da decisão recorrida que o tribunal tenha ficado na dúvida em relação a qualquer facto dado como provado não tem fundamento invocar a violação de tal princípio.
Não há na decisão recorrida qualquer omissão ou qualquer erro notório na apreciação da prova, sendo, aliás, muito linear quer a prova produzida, quer a decisão.
***
Do enquadramento jurídico:
Quanto ao enquadramento jurídico, entende o arguido que teria cometido contra os menores um crime de injúria e não de violência doméstica.
Afirma o arguido, designadamente, que no caso concreto que nos ocupa, os elementos típicos (objetivos e subjetivos) do crime de violência doméstica não estão preenchidos, porquanto, o que existiu entre o arguido e a ofendida nos 17 (dezassete) anos que mantiveram a relação, foi um clima de conflitualidade, pautado por injúrias mútuas e traições do arguido, que frustravam a ofendida, e a faziam sair da casa onde moravam. Na mesma linha de pensamento, e resultado da frustração em educar crianças indisciplinadas, não aceita o arguido ter cometido dois crimes de violência doméstica contra os seus filhos menores. Segundo ele, resta apenas qualificar as ações do arguido como injúrias, crime p.e.p. pelo artigo 181.º do Código Penal.
Não assiste razão ao arguido.
O arguido pretende que chamar nomes ordinários, brejeiros, porcos e bater nos filhos, humilha-los, rebaixa-los se trata de frustração em educar crianças indisciplinadas, o que só demonstra que não tem a mais leve noção do que seja ser um bom pai e que desvaloriza por completo o bem estar, a dignidade, o bom nome e o respeito pela integridade física, emocional e psíquica dos seus filhos.
O artigo 152º, n.º 1 do CP, estatui hoje que:
1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou a fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) a progenitor (…)
d) a pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica que com ele coabite (…)
e) a menor que seja seu descendente(..)
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Convém dizer que o artigo 152º está integrado no título dedicado aos crimes contra as pessoas.
Já no que se referia ao anterior crime de maus tratos, dizia Américo Taipa de Carvalho, no Comentário Conimbricense ao Código Penal, tomo I, p. 332, que a ratio do tipo está não na protecção da família ou da sociedade conjugal mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana.
No entender deste autor, o bem jurídico protegido por este crime é a saúde – bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental e bem jurídico este que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos (…) que afectem a personalidade.
Convém recordar que a nossa jurisprudência já antes de 2007 se encaminhava no sentido de que bastava um único acto para que houvesse um crime de maus-tratos.
Já no Acórdão do STJ de 14.11.97, in CJ III, p. 235 se podia ler que só as ofensas corporais, ainda que praticadas uma só vez, mas que revistam uma certa gravidade ou seja, que traduzam crueldade, insensibilidade ou até vingança desnecessária por parte do agente é que cabem na previsão do artigo 152º do CP.
Sendo assim, na esteira do Acórdão da Relação do Porto de 26.05.2010, relatado pelo Sr. Desembargador Joaquim Gomes, acessível em www.dgsi.pt, podemos assentar que no actual crime de violência doméstica da previsão do artigo 152º do CP, a acção típica aí enquadrada tanto pode revestir maus tratos físicos, como sejam as ofensas corporais, como de maus tratos psíquicos, nomeadamente humilhações, provocações, molestações, ameaças ou maus tratos, como sejam as ofensas sexuais e as privações de liberdade, desde que os mesmos correspondam a actos, isolada ou reiteradamente praticados, reveladores de um tratamento insensível ou degradante da condição humana da sua vítima.
A função deste artigo é prevenir as frequentes e, por vezes, tão subtis e camufladas formas de violência no âmbito da família. Neste sentido, a necessidade prática da criminalização das espécies de comportamentos descritos no art.º 152º, alínea a) resultou da consciencialização ético-social dos tempos recentes sobre a gravidade individual e social destes comportamentos. A neocriminalização, no sentido de que a disposição deste artigo é algo de relativamente recente, não significa novidade ou maior frequência deles, nos tempos actuais, mas sim uma saudável consciencialização da inadequação e da gravidade e perniciosidade desses comportamentos, de uma consciencialização recente da violência conjugal como problema social.
O crime de violência doméstica pressupõe um agente, um sujeito activo que se encontra numa determinada relação para com o sujeito passivo, a vítima, daqueles comportamentos. Assim sendo, estamos perante aquilo a que se chama um crime específico. Este denominado crime específico será impróprio ou próprio, consoante as condutas por si mesmas consideradas já constituam crime (estamos a lembrar-nos dos maus tratos físicos, sinónimo de ofensa à integridade física simples, de algumas formas de maus tratos psíquicos, como por exemplo, ameaças, injúrias ou difamações) ou não configurem em si mesmas qualquer tipo de crime.
E estes maus tratos podem ser infligidos de modo reiterado ou não. Anteriormente, à alteração introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro ao Código Penal, o tipo em análise pressupunha implicitamente uma reiteração das respectivas condutas. Um tempo longo entre dois dos referidos actos afastaria o elemento reiteração ou habitualidade. Contudo, existia já uma grande parte da jurisprudência, com a qual concordávamos, que considerava que uma conduta ainda que isolada podia configurar um crime de maus tratos desde que pela sua gravidade pusesse em causa a dignidade humana do cônjuge ofendido – cf. neste sentido Acórdão da Relação de Coimbra de 13/06/2007, in www.dgsi.pt.
Quanto ao tipo subjectivo de ilícito exige-se o dolo.
O nº 2 do preceito em análise, prevê uma agravação da moldura penal quando os factos forem praticados contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima.
No caso dos autos, dúvidas não restam de que os factos descritos na acusação são integradores de crimes de violência doméstica contra a mulher e filhos do arguido, a quem este escrevia textos inimagináveis, de um baixo nível atroz, que mal tratavam psicologicamente todos os ofendidos. Acresce que o arguido rebaixava, ameaça, provocava e, para dizer melhor, infernizava a vida de todos os que consigo tinham que conviver diariamente, utilizando a agressividade, a brutidade e a ordinarice extrema para castigar todos os seus familiares.
O arguido injuriou, ameaçou e bateu nos ofendidos, enquanto coabitaram, comportamentos tipicamente integradores do crime de violência doméstica.
Acresce que quis actuar como actuou, agindo, pois, dolosamente.
Estão, desta forma, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de violência doméstica, sendo o arguido condenado, e bem, pela prática de um crime cometido contra cada ofendido.
Da justeza da medida da pena:
Por fim, quanto à medida da pena e do cúmulo jurídico.
Transcreve-se a decisão recorrida que nesta parte diz o seguinte:
A determinação da medida da pena impõe a determinação:
- da medida legal ou abstrata da pena - num primeiro momento determina-se a moldura legal aplicável ao caso concreto;
- da medida judicial ou concreta da pena - num segundo momento determina-se a pena a aplicar directamente;
- da escolha (de entre as penas postas à disposição no caso, através dos mecanismos das penas alternativas ou das penas de substituição) a espécie da pena que efetivamente deve ser cumprida.
Com efeito, "o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena" - cfr. Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194.
"A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial" - cfr. Fernanda Palma, As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva, nas Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, 1998, AAFDL, pág. 25).
A culpa não é, pois, o fundamento da pena, antes constituindo, a um tempo, o seu suporte axiológico-normativo, não havendo pena sem culpa - nulla poena eine culpa
- e também o limite que a pena nunca poderá exceder.
- E é a culpa apreciada em concreto, de acordo com a teoria da margem da liberdade, segundo a qual os limites mínimo e máximo da sanção são ajustados à culpa, conjugada com os fins de prevenção geral e especial das penas.
- A determinação da medida concreta da pena (ou determinação da medida da pena) obedece, assim, ao critério global que se encontra plasmado no art.º 71.º, nº 1 do Código Penal.
- Do normativo em apreço se extrai que aquela determinação será feita em função das categorias da culpa e da prevenção (especial e geral) sendo nomeadamente as circunstâncias enunciadas no citado art.º 71º, nº 2 do Código Penal relevantes quer para a culpa, quer para a prevenção.
- Importa referir, neste campo, que os artigos 40º e 70º, ambos do Código Penal vigente, ao tomar posição sobre os fins das penas determinou que a sua aplicação tem como finalidade a prevenção geral (positiva, de integração: "proteção de bens jurídicos") e a prevenção especial ("reintegração do agente na sociedade").
- Acresce que, um dos princípios basilares do Código Penal actual reside na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta (normativo-concreta), pelo facto (e pela personalidade, nele refletida), pressuposto (não há pena sem culpa), mas também que a culpa não constitui apenas o pressuposto-fundamento da validade da pena firmando-se também como limite máximo da mesma.
- Na esteira dos ensinamentos do Prof. Figueiredo Dias in "Direito Penal Português ­As Consequências Jurídicas do Crime" págs. 221 a 225 somos de parecer que primordialmente a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto. É, assim, a prevenção geral positiva e não a culpa que fornece um "espaço de liberdade ou de indeterminação", uma "moldura de prevenção" (ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida de tutela dos bens jurídicos).
Assim, a culpa constitui o factor limitativo máximo superior da pena, ou seja, o limite máximo da pena adequada à culpa não pode, jamais, ser ultrapassado. Semelhante limitação resulta do princípio da culpa que impregna a legislação penal, segundo o qual não há pena sem culpa, nem a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa - cfr. art.º 1º da Constituição da República Portuguesa. É de salientar que a culpa deve referenciar-se ao concreto tipo de ilícito praticado que constitui o seu objecto, quer dizer, a culpa jurídico-penal não é uma culpa em si mas antes uma censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa plasmada em certo facto – art.º 40º, nº 2 do Código Penal.
Por outro lado, a medida da pena há-de ser dada pela necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto, ou seja, o seu Limite mínimo decorrerá de considerações ligadas à prevenção geral positiva, de integração, através da qual se pretende alcançar o reforço da consciência jurídica comunitária e o seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.
Por fim, atenta a moldura penal "concreta" desta forma encontrada, a exacta medida da pena será fruto das exigências de prevenção especial, quer na vertente de socialização, quer na de advertência individual do delinquente.
Aplicando agora os princípios sumariamente expostos ao caso em apreço não obnubilando e seguindo os três momentos referidos supra.
Assim, as molduras penais abstractamente aplicáveis são as seguintes:
- 2 a 5 anos de prisão no que ao crime de violência doméstica na pessoa de BB diz respeito;
- 2 a 5 anos de prisão no que ao crime de violência doméstica na pessoa de CC diz respeito;
- 2 a 5 anos de prisão no que ao crime de violência doméstica na pessoa de DD diz respeito;
- pena de prisão até 4 anos ou pena de multa até 480 dias, no que ao crime de detenção de arma proibida diz respeito.
- Dentro destes limites teremos de elaborar a dosimetria cingidos à regra do disposto no citado art.º 71.º do Código Penal valorando: a culpa do agente, a concorrência de circunstâncias agravantes ou atenuantes estranhas à tipicidade e a satisfação das exigências de prevenção (geral e especial).
- No que concerne ao grau de culpa do arguido assinala-se a intensidade dolosa, na modalidade de doto directo, tem sentido agravante na medida em que se trata do tipo de dolo mais intenso das modalidades enunciadas no art.º 14.º do Código Penal.
- Acresce que, de igual modo, mostra-se muito intensa a ilicitude das condutas, seja, ao nível do desvalor da acção, seja do resultado.
- Saliente-se o modo de execução dos ilícitos criminais, revelador de eficácia e determinação por banda do mesmo, de forma reiterada, no que aos crimes de violência doméstica diz respeito.
- A actuação do arguido não deixou de coartar os movimentos dos ofendidos, sendo inegável o sofrimento que lhes infligiu, sobretudo o psicológico, do qual nos apercebemos aquando da inquirição dos ofendidos.
- Mais se refira que o arguido negou a prática dos crimes de violência doméstica, alegando uma suposta cabala montada entre a ofendida BB e a APAV, o que bem espelha que o mesmo não só não se mostra arrependido mas também que não interiorizou, ainda, o desvalor da sua conduta denotando mesmo total indiferença pelas consequências típicas decorrentes da sua conduta na pessoa dos ofendidos.
- Mais importa sopesar, desfavoravelmente ao arguido, as graves consequências resultantes do seu comportamento para as vítimas, globalmente considerado e no que diz respeito aos ilícitos criminais pelos quais será punido, seja ao nível laboral (BB), seja ao nível do aproveitamento escolar (CC e DD), seja ao nível do equilíbrio emocional dos ofendidos, com sequelas que perduram até aos dias de hoje, materializadas no abalo psicológico que ainda sentem, por efeito dos factos em apreciação nestes autos.
Assim, forçoso é que se conclua que as necessidades de prevenção geral se mostram muitíssimo elevadas por força do alarme social que os crimes de violência doméstica geram na comunidade, em resultado da natureza dos bens jurídicos que a respectiva incriminação visa proteger espoletando na comunidade uma expectativa forte e legítima de reposição da justiça e dos comandos legais e, consequentemente, da necessidade de deter o indesejável e preocupante aumento deste tipo de criminalidade.
O arguido nem sequer revelou ter capacidade de auto-censura e sentido crítico seja para a gravidade e censurabilidade dos ilícitos criminais por si praticados, seja para as consequências decorrentes da prática dos mesmos na esfera pessoal das vítimas revelando, aliás, desinteresse das consequências dos actos que pratica.
Note-se que ambos os menores expressaram, em sede de audiência de julgamento, que não pretendem retomar o contacto com o arguido.
Por fim, o arguido mostra-se socialmente inserido, sem antecedentes criminais.
Tudo visto e ponderado, o Tribunal considera justa, adequada e proporcional à apurada conduta do arguido a aplicação das seguintes penas:
- no que ao crime de violência doméstica perpetrado na pessoa da ofendida BB, a pena de 3 anos e 6 meses de prisão (art.º 152.º, n.º 1, alíneas a) e c) e n.º 2, alínea a) do Código Penal);
- no que ao crime de violência doméstica perpetrado na pessoa do ofendido CC, a pena de 3 anos e 3 meses de prisão (art.º 152.º, n.º 1, alíneas d) e e) e n.º 2, alínea a) do Código Penal);
- no que ao crime de violência doméstica perpetrado na pessoa do ofendido DD, a pena de 2 anos e 5 meses de prisão (art.º 152.º, n.º 1, alíneas d) e e) e n.º 2, alínea a) do Código Penal);
- no que ao crime de detenção de arma proibida, a pena de 4 meses de prisão (art.º 3.º, n.º 1 e n.º 2, alínea l), art.º 4.º, n.º 1, 86.º, n.º 1 alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro).
- Do cúmulo jurídico de penas
- De harmonia com o disposto no art.º 77º, nº1,1' parte do C. Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa pena única.
- Cumpre, pois, efectuar cúmulo jurídico das penas de prisão ora vindas de aplicar ao arguido.
- Conforme dispõe o art.º 77º, nº 2 do C. Penal, a pena aplicável - ou seja, a moldura abstracta do concurso de crimes - tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, acrescentando o seu nº 3 que se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.
- Concluindo, verifica-se que a pena aplicável, no caso sub judicio, tem como limite máximo a pena de 9 anos e 7 meses de prisão (somatório das penas parcelares em concurso) e como limite mínimo a pena de 3 anos e 6 meses de prisão (correspondente à pena parcelar mais grave aplicada).
- Na determinação da pena conjunta deverá atender-se a critérios gerais e a um critério especial que entre si se conjugam e interagem.
- Na verdade, tal determinação obedece, em primeiro lugar, aos critérios gerais constantes do art.º 71º, nº 1 do C. Penal, já supra expostos.
- No que concerne ao critério especial alude, por seu turno, o art.º 77º, nº 1 in fine do CPenal, na medida em que são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
- De harmonia com este critério, a conjugar com os demais suprarreferidos, tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.
- Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa), ou tão só uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente.
- Releva intensamente contra o arguido as circunstâncias relativas ao elevado grau de ilicitude e de culpa, ao modo de execução dos crimes e à ausência de arrependimento.
- Por conseguinte, na determinação da pena única se, por um lado, não se pode deixar de ter em consideração um reiterado comportamento desviante dos valores sociais, por outro, não se deve olvidar que aquela deve, ainda, permitir a plena reintegração social do arguido a médio prazo.
- Tudo ponderado, atentas as fortes necessidades de prevenção geral e as igualmente fortes necessidades de prevenção especial, mas sem esquecer o que se acabou de referir, consideramos justo e adequado a imposição ao arguido da pena única de 5 anos e 4 meses de prisão.
Insurge-se o recorrente quanto à medida da pena que lhe foi fixada, bem como quanto à decisão de não lhe ser suspensa a sua execução.
Ora, a medida da pena fixada pelo Tribunal recorrido e os poderes deste Tribunal de Recurso para a apreciar, têm que ser compreendidos dentro de alguns limites consubstanciados no princípio da mínima intervenção.
Significa isto que, sendo a determinação e fixação de uma pena apreciada dentro dos limites da moldura penal estatuída pela norma violada, a sua graduação concreta envolve para o juiz, uma certa margem de liberdade individual , não podendo, no entanto, esquecer-se que ela é, e nem podia deixar de o ser, estruturalmente, aplicação do direito , devendo ter-se em apreço a culpabilidade do agente e os efeitos da pena sobre a sociedade e na vida do delinquente, por força do que dispõe o art.º 40.º n.º 1 , do CP.
Na verdade, o Tribunal de recurso deverá sindicar o quantum da pena, e a sua natureza, tendo em atenção os critérios de determinação utilizados pelo Tribunal recorrido, e a fundamentação de todo o processo cognitivo que foi seguido, intervindo, no sentido da alteração se se revelarem falhas que possam influenciar essa mesma determinação ou se a mesma se revelar manifestamente desproporcionada.
Na determinação da medida concreta da pena, o Tribunal deverá ter em atenção as funções de prevenção geral e especial das penas sem, contudo, perder de vista a culpa do agente (artigo 71º, nº 1 do Código Penal).
A medida da pena deverá constituir resposta às exigências de prevenção, tendo em conta na sua determinação certos fatores que, não fazendo parte do tipo legal de crime, tenham relevância para aquele efeito, estejam esses fatores previstos ou não na lei e sejam eles favoráveis ou desfavoráveis ao agente (artigo 71º, nº 2 do Código Penal).
Com efeito, hoje em dia, predominam as teorias relativas, as quais perspetivam as penas não como um fim em si mesmo (de retribuição ao agente do mal do crime – teorias absolutas), mas como um meio de prevenção criminal – prevenção geral positiva (de tutela da confiança na validade das normas, ligada à proteção de bens jurídicos, visando a restauração da paz jurídica) e de prevenção especial positiva de inserção ou reinserção social do agente, (Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, tomo I, 2ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 49 a 57).
São as considerações de prevenção geral que justificam que se fale de uma moldura da pena, cujo limite máximo corresponderá ao ponto ótimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, a pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas.
O limite mínimo da moldura corresponderá ao mínimo da pena que, em concreto, ainda protege com eficácia os bens jurídicos tutelados, o mínimo imprescindível a assegurar as expectativas de proteção da comunidade. A culpa funcionará como pressuposto e limite máximo inultrapassável da medida da pena, nos termos do disposto no artigo 40º, nº 2 do Código Penal – é o Princípio da Culpa, fundado nas exigências irrenunciáveis de respeito pela dignidade da pessoa humana (artigos 1º e 25º da Constituição).
Para além disso, a pena, na sua execução, deverá sempre ter um carácter socializador e pedagógico (artigo 40º, 1, in fine do Código Penal).
Retomando o caso dos autos, podemos verificar, face à fundamentação da escolha e fixação da pena concreta aplicada ao recorrente por parte do Tribunal recorrido, e que acima já transcrevemos, que foram devidamente ponderados os princípios que deverão presidir a essa decisão.
Na verdade, atendeu o Tribunal a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo do crime pelo qual foi condenado, depunham a seu favor e contra si, nomeadamente o seu dolo direto, em todos os comportamentos revelados na factualidade assente, no seu grau de ilicitude, que se entendeu ser elevado, sendo de realçar, as graves sequelas e consequências sofridas por todos os ofendidos, e ao modo de atuação (bateu, humilhou, rebaixou, injuriou, ameaçou, massacrou), e ao facto ainda de não ter antecedentes criminais e estar normalmente inserido na sociedade, tudo aliás de acordo com o disposto no artigo 71º do CP.
Também revela a fundamentação da sentença dada a recurso, a ponderação das necessidades de prevenção geral e especial que o caso devia merecer, sendo elevada quanto à primeira, e igualmente elevada quanto à segunda, até porque o arguido não revelou qualquer interiorização da gravidade e censurabilidade das suas condutas.
Ora, a atuação do arguido, nas circunstâncias reveladas pela factualidade assente como provada, configuram um comportamento que deverá ser energicamente censurado, sendo essencial combater o fenómeno da violência doméstica, flagelo social que se traduz em tantas mortes por ano e que tem imposto um cada vez maior empenho na adopção de uma série de políticas que convocam todos os serviços do Estado e levam ao dispêndio de elevadíssimas quantias ao erário público.
As atitudes e práticas do arguido são inqualificáveis e demonstram um tratamento degradante da mulher e filhos, mesmo sendo o arguido … de profissão e por isso com um dever acrescido de conhecer a lei e de reprimir atitudes como as descritas na matéria de facto.
Não se afigura verificar no caso, qualquer circunstância que nos habilite a compreender, aceitar ou justificar a conduta do recorrente, sendo certo que se as exigências de prevenção especial até poderiam ser menores face à inexistência de qualquer registo criminal e a sua normal inserção na sociedade, mas a gravidade do seu comportamento e o facto de não revelar qualquer arrependimento e/ou consciencialização da censura que os seus comportamentos merecem, designadamente tendo em atenção a forma desumana e cruel como tratou os seus filhos e a sua mulher, mantendo-os num clima de terror e pânico gratuito, apenas para satisfazer os seus desejos de domínio e poder, fazem com que não possamos dar especial ênfase a essas circunstâncias, e que consideremos muito elevadas as necessidades de prevenção especial.
Perante a moldura penal estatuída para os crimes cometidos pelo arguido, a sua fixação em penas concretas de 3 anos e seis meses de prisão, 3 anos e 3 meses de prisão, 2 anos e 5 meses (crimes de violência doméstica) e 4 meses (detenção de arma proibida) afigura-se ajustada à sua culpa e às finalidades da punição, sendo incontornável o largo período de tempo em que se desenrolou o seu comportamento e a intensidade do mesmo, espelhada na gravidade das consequências, a decisão não nos é merecedora e qualquer censura, pelo que e nesta parte o recurso não será provido.
Quanto ao cúmulo jurídico efectuado, de acordo com o já citado artigo 78º do CP, são aplicáveis as regras do artigo 77º do mesmo diploma quanto à medida do cúmulo.
Dispõe o artigo 77º, n.º 2 que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicáveis aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. E o n.º 3 do mesmo artigo que se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.
Face ao disposto nos mencionados preceitos o cúmulo jurídico efectuado, tendo em consideração que a pena deveria situar-se entre os 3 anos e seis meses de prisão e os 9 anos e seis meses de prisão, e a sua fixação em cinco anos e quatro meses de prisão, não merece também censura.
Dada a pena encontrada, não é possível a suspensão da execução da pena de prisão, pelo que não importa discutir tal questão.
Improcedem, pois, todos os fundamentos do recurso, o qual será totalmente improcedente.
3. DECISÃO:
Assim, e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pelo arguido que se fixam em 5 UCS.
Notifique.

Lisboa, 07 de Maio de 2025
Cristina Isabel Henriques (relatora)
Rui Miguel Teixeira (1º adjunto)
Ana Cristina Silva (2º adjunta)
Adelina Barradas de Oliveira (presidente)