Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ARLINDO CRUA | ||
Descritores: | NULIDADE DE SENTENÇA OMISSÃO DE PRONÚNCIA FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉCTRICA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/27/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | - o ónus de impugnação, legalmente equacionado no artº. 574º, do Cód. de Processo Civil, abrange toda a factualidade relevante, constitutiva da causa de pedir, alegada pelo autor, independentemente de estarmos perante factos essenciais ou factos instrumentais ; - a ausência de impugnação pelo demandado, onerado pelo ónus de impugnar, determina que os factos alegados pelo Autor devam ser considerados directamente pelo tribunal, incluídos mediante acordo das partes, pelo que, não estando carentes de prova, não deve sob os mesmos incidir qualquer actividade instrutória ; - A Lei 23/96, de 26/07 – Lei dos Serviços Públicos – veio consagrar “regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente” – cf., nº. 1, do artº. 1º -, prevendo expressamente a alínea b), do nº. 2, ser aplicável ao “serviço de fornecimento de energia eléctrica” ; - o legal desiderato previsto no nº. 2, do citado artº. 9º, ao prever que a factura tenha uma periodicidade mensal, deve ser entendido como reportando-se a períodos de facturação mensais, donde conste a devida especificação dos valores apresentados, tendo em atenção a discriminação equacionada no nº. 4 do mesmo normativo ; - é perfeitamente compreensível e entendível a existência de atraso na emissão das facturas pela entidade fornecedora/comercializadora de energia eléctrica, num quadro de acertos antecedentes em controvérsia, compensações efectuadas e litígio subsistente, não significando aquele apontado atraso (que no caso concreto não se prolongou por mais de dois meses), qualquer causa liberatória ou excludente do pagamento daqueles serviços facturados. Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]: I – RELATÓRIO 1 – EE..., S.A. – Sucursal em Portugal, com domicílio na Quinta da F..., Edif... M... I, P... Nº..., Ala ..., P... A... – O..., apresentou requerimento de injunção contra T... A P... – ORG... de E... D..., LDA., domiciliada na Rua J... M... B..., Nº... – P..., pedindo que a Requerida fosse notificada no sentido de lhe ser paga a quantia total de € 20.848,07, correspondendo € 20.130,66 a título de capital, € 524,41 a título de juros de mora já vencidos, à taxa legal, acrescida da penalização acordada de 1,5% ao ano sobre o montante em dívida, € 153,00, a título de taxa de justiça paga e € 40,00 a título de indemnização pelos custos administrativos de cobrança de dívida – cf., artº. 7º, do DL nº. 62/2013, de 10/05, acrescida de juros moratórios vincendos, até integral pagamento. Indicou como causa de pedir “um contrato de fornecimento de bens ou serviços”, indicando como data do contrato “27-05-2014” e o período de referência entre “03-12-2016 a 03-11-2017”. Alegou, em súmula, o seguinte: - A Requerente é uma sociedade que se dedica à comercialização de energia eléctrica ; - Em 27/05/2014, a Requerente outorgou um contrato de fornecimento de energia eléctrica com a Requerida, em que a Requerente se comprometeu a fornecer à Requerida, e esta a adquirir e a pagar à Requerente, a energia eléctrica consumida no local de consumo sito em Rua J... M... B..., Nº..., ...0-...0 – P..., identificado pelo Código de Ponto de Entrega (CPE) PT0002...........7GB ; - Apesar da Requerente ter fornecido a energia eléctrica contratada, a Requerida não pagou os consumos e serviços contratados, encontrando-se em dívida as seguintes facturas, emitidas e vencidas nas seguintes datas e com os seguintes montantes: a) Factura n.º RBN..1M0...6, emitida em 08-03-2017 e vencida em 07-04-2017, no montante de € 4.163,57, parcialmente paga, encontrando-se em dívida o montante de € 3.747,99, referente aos consumos de electricidade por parte da Requerida no período compreendido entre 23-01-2017 e 03-03-2017; b) Factura n.º BY..0Z0...3, emitida em 26-07-2017 e vencida em 25-08-2017, no montante de €2.846,04, parcialmente paga, encontrando-se em dívida o montante de € 2.481,30, referente aos consumos de electricidade por parte da Requerida no período compreendido entre 03-12-2016 e 27-12-2016; c) Factura n.º BY..0Z0...4, emitida em 26-07-2017 e vencida em 25-08-2017, no montante de €3.285,49, parcialmente paga, encontrando-se em dívida o montante de € 3.048,44, referente aos consumos de electricidade por parte da Requerida no período compreendido entre 27-12-2016 e 23-01-2017; d) Factura n.º BN..1M2...6, emitida em 25-07-2017 e vencida em 24-08-2017, no montante de €2.447,74, parcialmente paga, encontrando-se em dívida o montante de € 1.002,69, referente aos consumos de electricidade por parte da Requerida no período compreendido entre 03-06-2017 e 03-07-2017; e) Factura n.º BN..1M2...9, emitida em 05-10-2017 e vencida em 04-11-2017, no montante de € 2.657,34, referente aos consumos de electricidade por parte da Requerida no período compreendido entre 03-07-2017 e 03-08-2017; f) Factura n.º BN..1M2...0, emitida em 09-10-2017 e vencida em 08-11-2017, no montante de € 2.105,79, referente aos consumos de electricidade por parte da Requerida no período compreendido entre 03-08-2017 e 03-09-2017; g) Factura n.º BN..1M3...4, emitida em 13-10-2017 e vencida em 12-11-2017, no montante de € 2.525,62, referente aos consumos de electricidade por parte da Requerida no período compreendido entre 03-09-2017 e 03-10-2017; h) Factura n.º BN..1M3...2, emitida em 14-11-2017 e vencida em 14-12-2017, no montante de € 2.561,49, referente aos consumos de electricidade por parte da Requerida no período compreendido entre 03-10-2017 e 03-11-2017. 2 – Devidamente notificada, veio a Requerida apresentar oposição – cf., fls. 43 a 46 -, que motivou o prosseguimento dos autos sob a forma de processo comum – cf., artº. 10º, nº. 2, do DL nº. 62/2013, de 10/05. Alega, em resumo, na parte que ora importa, que: – As facturas peticionadas pela Requerente, através da presente injunção, não são devidas, na medida em que se encontram indevidamente emitidas ; – No início de 2017, a Requerente informou-a que havia sido detectada uma anomalia no seu sistema de medição, o que provocou uma incorrecção no registo dos consumos, durante o período compreendido entre 03/02/2016 e 27/12/2016 ; – Informando-a, consequentemente, que todas as facturas já emitidas e afectadas por tal anomalia seriam anuladas e posteriormente seriam emitidas novas facturas com os valores correctos ; – E, tendo tais facturas já sido pagas por débito directo, foi ainda a Requerida informada que tais valores serviriam para liquidar as facturas que entretanto se fossem vencendo ; – Apenas em 16/06/2017 a Requerida emitiu 11 novas facturas, referentes ao período de consumo compreendido entre 03 de Março de 2016 a 27 de Dezembro de 2016 ; – Tendo em 18/07/2017 enviado uma carta á Requerida exigindo o seu imediato pagamento ; – Apresentou, de imediato, reclamação junto da Requerente, uma vez que tais facturas encontravam-se indevidamente emitidas, algumas continham erros nos preços contratados, outras haviam sido emitidas em duplicado e outras tinham sido corrigidas para valores dez vezes superiores ao inicialmente facturado ; – Após novos e-mail da Requerente de 03 e 10 de Agosto de 2017, nos quais indicou as facturas alegadamente devidas, em 25/08/2017, comunicou-lhe que as facturas pela mesma peticionadas, referentes ao período compreendido entre 03/07/2016 e 23/01/2017, se encontravam prescritas ; – E, relativamente á única que assim não se encontrava – nº. BN..1M2...6 -, com vencimento em 24/08/2017, no valor de € 1.445,05, exigiu-lhe informação sobre os valores facturados, o que não lhe foi satisfeito, tendo-a vindo a pagar, em 19/09/2017, face à ameaça de corte de energia ; – Por cartas datadas de 11 e 20 de Setembro de 2017, a Requerente veio informar que as facturas devidas já não seriam as que constavam das suas anteriores missivas ; – O que foi feito apenas para contornar a alegada prescrição invocada pela Requerida, tendo apresentado devida resposta e participação de tais factos à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos ; – Indiferente ao ocorrido, a Requerente apresentou o presente procedimento de injunção, no qual peticiona o pagamento de facturas diferentes das anteriormente exigidas, inclusivamente facturas já anteriormente liquidadas ; – A Requerente veio ainda exigir, a título de vingança pela atitude assumida pela Requerida, o pagamento imediato de três facturas, que emitiu no período recorde de oito dias, entre 05/10/2017 e 13/10/2017, no valor global de € 7.288,75, referente a três meses de consuma de energia eléctrica ; – Bem sabendo que nos termos do artº. 9º da Lei nº. 23/96, de 26/07, o utente tem direito a uma factura que especifique devidamente os valores que apresenta, e que a factura deve ter uma periodicidade mensal, devendo discriminar os serviços prestados e as correspondentes tarifas ; – Não tendo tal sucedido, encontram-se as mesmas indevidamente emitidas e, como tal, os respectivos valores não são legalmente devidos. Conclui, requerendo: – Pela procedência das invocadas excepções de prescrição e caducidade e, consequentemente, ser a Requerida absolvida da instância e/ou pedido ; – Caso assim não se entenda, deve ser julgada procedente a oposição e, consequentemente, ser a Requerida absolvida do pedido. Juntou vários documentos. 3 – Por despacho de 22/02/2018 – cf., fls. 55 vº e 56 -, após determinação da ulterior tramitação dos autos sob a forma de processo comum, referenciou-se o seguinte: “Aplicando-se a forma de processo comum e embora não se afigure necessário, in casu, dirigir às partes convite ao aperfeiçoamento das peças processuais apresentadas, haverá que notificá-las para apresentarem e/ou complementarem os seus requerimentos probatórios, adequando, assim, a tramitação à forma de processo que os autos seguem agora. Pelo exposto, determina-se que se notifiquem as partes para, em 10 dias, apresentarem e/ou complementarem os seus requerimentos probatórios”. 4 – Em resposta a tal convite, veio a Requerente apresentar requerimento probatório, conforme fls. 57 a 67, Juntando cópias do contrato de fornecimento de energia eléctrica e das facturas enunciadas no requerimento inicial de injunção. 5 – Por requerimento de 19/03/2018, veio a Requerente EE..., S.A. – Sucursal em Portugal, nos termos do artº. 3º, nº. 3, do Cód. de Processo Civil, responder às excepções deduzidas Pela Requerida – tendo tal peça processual sido aproveitada, conforme teor da audiência prévia de 02/05/2018, conforme fls. 83 vº -, alegando, na parte que ora releva, o seguinte: – As facturas nºs. BN..1M2...9, emitida em 05-10-2017 e vencida em 04-11-2017, no montante de € 2.657,34, referente aos consumos de electricidade por parte da Requerida no período compreendido entre 03-07-2017 e 03-08-2017, n.º BN..1M2...0, emitida em 09-10-2017 e vencida em 08-11-2017, no montante de € 2.105,79, referente aos consumos de electricidade por parte da Requerida no período compreendido entre 03-08-2017 e 03-09-2017, n.º BN..1M3...4, emitida em 13-10-2017 e vencida em 12-11-2017, no montante de € 2.525,62, referente aos consumos de electricidade por parte da Requerida no período compreendido entre 03-09-2017 e 03-10-2017 e BN..1M3...2, emitida em 14-11-2017 e vencida em 14-12-2017, no montante de € 2.561,49, referente aos consumos de electricidade por parte da Requerida no período compreendido entre 03-10-2017 e 03-11-2017, não sofreram qualquer alteração e estão validamente emitidas, nos termos legais e contratuais ; – Especificam os valores, leituras e consumos e têm uma periodicidade mensal, devendo considerar-se validamente emitidas ; – Nos termos legais, a emissão de tais facturas está sujeita às leituras fornecidas pelo Distribuidor, neste caso a EDP – D...–E..., S.A. ; – Pretendendo apenas a Requerida aproveitar-se da situação dos acertos e correcções (ainda por cima a seu favor) para não proceder ao pagamento das facturas correspondentes aos consumos de que beneficiou ; – Pois, independentemente dos créditos aplicados a determinadas facturas, a Requerida continuou a consumir a energia eléctrica fornecida pela Requerente, não liquidando os montantes devidos. 6 – A audiência prévia veio a realizar-se, em 02/05/2018 e 18/05/2018,conforme actas de fls. 83 a 85 e 1 vº a 14. No âmbito desta, foi facultada às partes “a discussão de facto e de direito com base no pressuposto de que, no entendimento do tribunal, com os fundamentos que comunicou às partes, pelo menos no que concerne às facturas BY..0Z0...3, BY..0Z0...4, RN..1M0...6, BN..1M2...9, BN..1M2...0, BN..1M3...4 e BN..1M3...2, os autos dispõem, desde já, de todos os elementos que permitem ao Tribunal proferir decisão”, tendo a Ilustre Mandatária da Ré reiterado o que consta dos articulados e afirmado na discussão realizada na audiência prévia constante da gravação. Após saneamento do processo, entendeu-se estar o Tribunal em condições de conhecer, “em parte, do mérito da causa e da arguida excepção de prescrição e caducidade do direito da acção”, passando a conhecer da pretensão da Autora/Requerente, relativamente às seguintes facturas: 1. Factura n.º BY..0Z0...3; 2. Factura n.º BY..0Z0...4; 3. Factura n.º RBN..1M0...6; 4. Factura n.º BN..1M2...9; 5. Factura n.º BN..1M2...0; 6. Factura n.º BN..1M3...4 ; 7. Factura n.º BN..1M3...2. Exarou-se, então, Dispositivo decisório, nos seguintes termos (consta a negrito a parte que ora interessa): C.– Decisão: Pelo exposto e decidindo: I.– Julgando-se, desde já, procedentes as excepções peremptórias de prescrição e de caducidade do direito de acção, declaram-se prescritos os créditos reclamados pela Autora nos presentes autos relativos às facturas n.ºs BY..0Z0...3, BY..0Z0...4 e RBN..1M0...6, relativas, respectivamente, ao período de facturação de 3 a 27 de Dezembro de 2016, 27 de Dezembro de 2016 a 23 de Janeiro de 2017 e 23 de Janeiro a 3 de Março de 2017, no valor total de € 9.277,73, e respectivos juros e caducado o direito da Autora intentar contra a Ré acção/injunção para sua cobrança, absolvendo-se, desde já, a Ré do pedido nessa parte. II.– Julgando-se, desde já, parcialmente, procedente, por provada, a presente acção, condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia de € 9.850,24, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa supletiva legal, sucessivamente em vigor, para créditos de que são titulares empresas comerciais, acrescidos de 1,5%, desde: a.- 5 de Novembro de 2017, sobre o capital de € 2.657,34; b.- 9 de Novembro de 2017, sobre o capital de € 2.105,79; c.- 13 de Novembro de 2017, sobre o capital de € 2.525,62; d.- 15 de Dezembro de 2017, sobre o capital de € 2.561,49, até integral e efectivo pagamento. Custas, nesta parte, pela Autora e pela Ré, na proporção do respectivo decaimento. Notifique”. Determinou-se, ainda, o prosseguimento dos autos para apreciação do direito da Requerente/Autora relativamente a duas facturas: - nº. BN..1M2...6 (peticionada na acção principal) ; - nº. BN.81M/0...3 (peticionada na acção apensa). 7 – Inconformada com o decidido, a Autora/Requerente interpôs recurso de apelação, em 18/06/2018, por referência ao saneador/sentença prolatado. Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES: “1.– O Tribunal a quo decidiu julgar parcialmente procedente a presente ação, condenando a ora recorrente a pagar à ora recorrida a quantia de € 9.850,24, acrescida de juros de mora, calculados nos termos determinados na sentença recorrida. 2.– No entendimento da recorrente e salvo o devido respeito, existe erro notório na apreciação da matéria de facto dada como provada, face à flagrante desconformidade entre os factos alegados, os elementos de prova produzidos e aquela decisão. 3.– O Tribunal a quo “considerou, desde logo, provado que a Autora forneceu à Ré a eletricidade a que se reportam as faturas indicadas em 4. por se considerar que a recorrente não impugnou, quanto a facturas, que a energia elétrica e os serviços a que as mesmas reportam lhe tenham sido prestados” 4.– Considerou ainda o Tribunal a quo que, a defesa da ora recorrente quanto às facturas mencionadas em 4 dos factos provados é a vertida em 33º a 35º da oposição. 5.– Nada de mais errado, porquanto consta, claramente e expressamente, da oposição apresentada pela recorrente que (defesa por impugnação - artigos 16º a 35º) “as faturas peticionadas pela Requerente, através da presente injunção, não são devidas na medida em que se encontram indevidamente emitidas”. (sublinhado nosso) 6.– Resulta por isso evidente que, a recorrente, impugnou, através da sua oposição, todas as faturas peticionadas nos presentes autos, porquanto entendeu, como entende, que as mesmas se encontram indevidamente emitidas e como tal os respetivos valores não são legalmente devidos, tal como consta em 16º e 35º da oposição. 7.– A recorrente alegou ainda na sua oposição, bem como perante a recorrida, através dos diversos documentos juntos aos autos, que, as faturas peticionadas encontram-se indevidamente emitidas, já que algumas contêm erros nos preços contratados, outras foram emitidas em duplicado e outras foram corrigidas para valores dez vezes superiores ao inicialmente faturado. 8.– A recorrente alegou ainda que, as faturas peticionadas nos presentes autos foram emitidas com o único propósito de substituir outras faturas, anteriormente reclamadas pela recorrida, para assim se tentar contornar a alegada prescrição invocada pela recorrente. 9.– Ou seja, a recorrente não se limitou a alegar que as faturas indicadas em 4. foram indevidamente emitidas, na medida em que as mesmas não foram emitidas com uma periocidade mensal, conforme obriga a lei. 10.– Mesmo que assim não se entenda, o que apenas se admite por dever de patrocínio, sempre se dirá que, tendo a recorrente impugnado as faturas com data anterior às faturas indicadas em 4., por as mesmas terem sido substituídas sem qualquer razão, por apresentarem erros nos preços contratados, por terem sido emitidas em duplicado e corrigidas para valores dez vezes superiores ao inicialmente faturado, logicamente que as faturas subsequentes não poderão ter sido devidamente emitidas na medida em que, os respetivos valores são aferidos e calculados tendo por base as faturas anteriores. 11.– Assim sendo, jamais se poderá considerar como provado, conforme erradamente considerou o Tribunal a quo, que a energia elétrica e os valores referentes aos períodos de faturação que constam das faturas indicadas em 4., sejam exatamente aqueles que a recorrida fez constar das mesmas. 12.– Não foi produzida qualquer prova nos presentes autos que pudesse confirmar tais factos, uma vez que não foi junto qualquer documento, não foram inquiridas quaisquer testemunhas para o efeito, nem houve qualquer acordo entre as partes nesse sentido. 13.– Pelo contrário, a recorrente juntou aos autos inúmera prova documental, suficiente para provar que, as faturas peticionadas pela recorrida não se encontram devidamente emitidas e como tal caberia à recorrida demonstrar que, durante os respetivos períodos de faturação forneceu à recorrente a energia elétrica que consta de tais faturas e que os valores devidos pela recorrente são aqueles que constam das mesmas. 14.– Nenhuma prova foi feita nesse sentido pela recorrida, nem tão pouco foi permitido à recorrente produzir prova testemunhal que pudesse demonstrar, inequivocamente, perante o Tribunal, os erros evidentes constantes das faturas emitidas pela recorrida, designadamente através do seu funcionário C...T... que acompanhou todo o processo desde o seu inicio. 15.– Acresce que, ao não permitir a inquirição da testemunha arrolada pela recorrente, o Meritíssimo Juiz "a quo" cerceou o seu direito de defesa, legal e constitucionalmente consagrado. 16.– Em face disso, impediu o Meritíssimo Juiz "a quo" que tivessem sido carreados para os autos factos que importava apreciar com vista à boa decisão da causa. 17.– Deixou, portanto, de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, o que gera nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º, n.º 1 alínea d) do C.P.C, que desde já se invoca para os seus devidos e legais efeitos. 18.– Caso assim não se entenda, deverá a decisão proferida sobre matéria de facto ser alterada, na medida em que a prova produzida nos presentes autos impõe decisão diversa, nos termos do disposto no artigo 662º, n.º 1, do C.P.C”. Conclui, no sentido do provimento do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida. 8 – A Apelada/Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais apresentou as seguintes CONCLUSÕES: “I.– Vem o presente recurso interposto do Despacho Saneador/Sentença que julgou parcialmente procedente a presente Ação, condenando a Ré/Recorrente a pagar à Autora/Recorrida a quantia de € 9.850,24, que corresponde ao capital em dívida das faturas referidas em 4. dos factos provados, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, para créditos de que são titulares empresas comerciais, acrescidos de 1,5%, desde a data de vencimento das faturas respetivas. II.– A decisão ora posta em crise pela Ré/Recorrente foi proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Cível de Oeiras, Juiz 2, pelo que o Tribunal territorialmente competente para a apreciação e decisão do presente recurso é inquestionavelmente o Tribunal da Relação de Lisboa e não o Tribunal da Relação do Porto como indica a Ré/Recorrente. III.– Incompetência relativa que, desde já, se invoca e se requer seja declarada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 83º e 104º nº1 alínea a) do C.P.C., mais se determinando que sejam os autos remetidos para superior decisão do recurso interposto ao Tribunal da Relação de Lisboa. IV.– Da leitura e análise das conclusões do recurso apresentado pela Ré/Recorrente, emerge que o objecto do presente recurso está circunscrito a 4 (quatro) questões: 1.- Se existe erro notório na apreciação da matéria de facto dada como provada, face à desconformidade entre os factos alegados, os elementos de prova produzidos e a decisão; 2.- Se o Tribunal a quo cerceou o direito de defesa da Ré/Recorrente, legal e constitucionalmente consagrado, ao não permitir a inquirição da testemunha arrolada pela Ré/Recorrente, impedindo que tivessem sido carreados para os autos factos que importava apreciar com vista à boa decisão da causa; 3.- Se a decisão padece de nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1 alínea d) do Código do Processo Civil, porquanto o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar; 4.- Se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada, na medida em que a prova produzida nos presentes autos impõe decisão diversa, nos termos do disposto no artigo 662º, nº 1, do C.P.C. V.– Ao invés do que a Ré alega na conclusão 2 do seu recurso, a apreciação da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo não padece de erro notório, nem de desconformidade entre os factos alegados, os elementos de prova produzidos e a aquela decisão, devendo manter-se como provado que a Autora/Recorrida forneceu à Ré/Recorrente a electricidade a que se reportam as faturas indicadas em 4 dos factos provados, por se considerar que a Ré/Recorrente não impugnou, quanto a tais faturas, que a energia elétrica e os serviços a que as mesmas se referem lhe tenham sido prestados. VI.– Como bem considera o Tribunal a quo, a única defesa apresentada pela Ré/Recorrente quanto às faturas indicadas em 4 dos factos provados é a que se encontra vertida nos artigos 33º a 35º da sua oposição, a saber, que a Autora/Recorrida lhe exigiu o pagamento imediato de tais faturas a título de vingança pela atitude assumida pela Ré/Recorrente, não cumprindo o disposto no artigo 9º da Lei 23/96, de 26 de Julho (Lei dos Serviços Públicos), na medida em que tais faturas não foram emitidas com uma periodicidade mensal. VII.– Todos os outros artigos da oposição da Ré/Recorrente, bem como os documentos 1 a 9 juntos com este articulado, referem-se às faturas identificadas noutro ponto dos factos provados, mais concretamente no ponto 3, bem como a outras faturas que nem sequer foram peticionadas nos presentes autos. VIII.– Como bem considera o Tribunal a quo, quanto às faturas identificadas no ponto 4 dos factos provados, com os números BN..1M2...9, emitida em 5 de Outubro de 2017, BN..1M2...0, emitida em 9 de Outubro de 2017 e BN..1M3...4, emitida em 13 de Outubro de 2017, a Ré/Recorrente limita-se a invocar na sua oposição que a Autora/Recorrida exigiu o pagamento imediato de três faturas, que emitiu no período recorde de oito dias, entre 05/10/2017 e 13/10/2017, no valor global de € 7.288,75, referente a três meses de consumo de energia eléctrica, mais alegando que a periodicidade de tais faturas deve ser mensal (cfr. artigos 33º, 34º e 35º da Oposição). IX.– Quanto à fatura identificada no ponto 4 dos factos provados, com o n.º BN..1M3...2, emitida em 14 de Novembro de 2017, a Ré nem sequer toma posição definida na sua oposição, nada alegando concretamente quanto a esta factura, conforme consta na sentença proferida pelo Tribunal a quo. X.– Ora, a impugnação, para ser processualmente relevante e eficaz, tem de traduzir-se numa posição definida do impugnante perante os factos que pretende impugnar, nos termos do nº 1 do artº 574º do Código de Processo Civil, o que exige uma posição clara, frontal e concludente. XI.– In casu, a Ré/Recorrente não alegou qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da Autora/Recorrida a receber os montantes titulados nas faturas que constam identificadas no ponto 4 dos factos provados, relativos à contrapartida devida pelo fornecimento de energia elétrica no local/ponto de consumo em causa nos presentes autos. XII.– Acresce que após a apresentação do requerimento de injunção e da oposição, as partes foram notificadas para apresentar e ou complementar os seus requerimentos probatórios, por despacho proferido em 22/02/2018, com a referência no CTIUS 111667419, tendo a Autora/Recorrente apresentado o seu requerimento probatório em 05/03/2018, com a referência no CITIUS 11856687, mediante o qual requereu a junção aos autos do contrato de fornecimento de energia elétrica mencionado em 2 dos factos provados, bem como a junção das faturas identificadas em 4 dos factos provados. XIII.– A Ré/Recorrente foi notificada da apresentação do requerimento probatório apresentado pela Autora/Recorrida, bem como do contrato de fornecimento de energia elétrica mencionado em 2 dos factos provados e das faturas identificadas em 4 dos factos provados, não tendo apresentado resposta, nem impugnado tais documentos. XIV.– Face ao exposto, e conforme se pode facilmente verificar nos presentes autos, quanto às faturas indicadas em 4 dos factos provados, a Ré/Recorrente não as impugnou, nem muito menos alegou factos ou logrou provar com documentos o que ora alega em sede de recurso, nas conclusões 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 13, mais concretamente que tais faturas foram indevidamente emitidas, ou que contenham erros nos preços contratados, ou que tenham sido emitidas em duplicado, ou que tenham sido corrigidas para valores superiores ao inicialmente faturado. XV.– Ao invés do que a Ré/Recorrente alega nas conclusões 11 e 12 do seu recurso, a Autora/Recorrida alegou nos seus articulados e logrou provar com a apresentação dos documentos que se encontram juntos aos autos a fls. 18 verso a 27, os quais não foram impugnados: a celebração do contrato de fornecimento de energia eléctrica em causa nos presentes autos, a emissão das faturas relacionadas no ponto 4 dos factos provados, com os elementos descritos no requerimento de injunção e com o conteúdo constante das respetivas faturas e o fornecimento à Ré da electricidade a que se reportam as facturas indicadas em 4, porquanto tais factos e documentos não foram impugnados pela Ré/Recorrente. XVI.– Salvo o devido respeito e melhor opinião, o Tribunal a quo fez a sua valoração da prova produzida, tendo apresentado a respectiva motivação de facto, na qual explicitou minuciosamente os vários meios de prova (documentos juntos aos autos a fls. 18 verso a 27, que consubstanciam a cópia do contrato de fornecimento de energia eléctrica e as faturas), bem como tendo em conta a factualidade descrita nos articulados das partes, não impugnada. XVII.– Assim, nenhum juízo de censura merece a douta sentença recorrida quando considerou admitidos por acordo, por um lado, e demonstrados por prova documental, por outro, os factos que deu como assentes, nomeadamente que a Autora forneceu à Ré a eletricidade a que se reportam as faturas indicadas no ponto 4 dos factos provados, uma vez que a Ré não impugnou, quanto a estas faturas, que a energia elétrica e os serviços a que as mesmas se reportam lhe tenham sido prestados. XVIII.– Não existe qualquer transgressão legal ou constitucional por parte da douta sentença recorrida, nem o Tribunal a quo cerceou o direito de defesa da Ré/Recorrente. XIX.– A Ré/Recorrente foi citada e notificada de todos os articulados e documentos juntos aos presentes autos, para apresentar a sua defesa e teve oportunidade de exercer tal direito, bem como de se pronunciar sobre os factos articulados pela Autora/Recorrida e documentos por esta apresentados. XX.– O Tribunal a quo não impediu a Recorrente de carrear para os autos os factos que importava apreciar com vista à boa decisão da causa, sendo certo que a Ré/Recorrente teve várias oportunidades processuais para o fazer, nomeadamente (e sem limitar), em sede de Oposição, posteriormente quando foi notificada para apresentar e/ou complementar o seu requerimento probatório e na sessão da audiência prévia que teve lugar no dia 02/05/2018. XXI.– Conforme se pode ler na ata da primeira sessão da audiência prévia realizada em 02/05/2018, “Iniciada a presente audiência prévia, pelas 14h26m, Mm.ª Sr.ª Juiz conferenciou com as partes acerca do objeto do presente litígio, facultando-lhes a discussão de facto e de direito com base no pressuposto de que, no entendimento do tribunal, com os fundamentos que comunicou às partes, pelo menos no que concerne às facturas BY..0Z0...3, BY..0Z0...4, RN..1M0...6, BN..1M2...9, BN..1M2...0, BN..1M3...4 e BN..1M3...2, os autos dispõem, desde já, de todos os elementos que permitem ao Tribunal proferir decisão.” (sublinhado nosso). XXII.– Mais consta da ata da primeira sessão da audiência prévia realizada em 02/05/2018 que “Pela Ilustre Mandatária da Ré foi referido reiterar o que consta dos articulados e afirmado na discussão realizada na audiência prévia constante da gravação”, não constando que se tenha manifestado contra o entendimento supra exposto da Mm.ª Sr.ª Juiz do Tribunal recorrido. XXIII.– O despacho saneador/sentença, em que se conheça parcial ou totalmente do mérito da causa, pode ser proferido se o estado do processo o permitir, sem necessidade de marcação da audiência de julgamento e demais provas (cfr. artigo 595º nº 1 alínea b) do C.P.C.), como, in casu, sucedeu. XXIV.– In casu, sempre se deverá concluir que os autos dispunham de todos os elementos que permitiram ao Tribunal conhecer, desde logo e em parte, do mérito da causa, daí não resultado qualquer nulidade ou irregularidade processual, por o processo não prosseguir para a fase da audiência de discussão e julgamento. XXV.– Ao invés do que a Ré/Recorrente alega, a decisão do Tribunal a quo não padece de qualquer nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d) do C.P.C. XXVI.– Como uniformemente tem sido entendido no STJ, a omissão de pronúncia só se verifica quando o Juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença (cfr. Acórdão do S.T.J., publicado in http://www.dgsi.pt, no âmbito do processo 17/09.0TELSB.L1.S1). XXVII.– In casu, todos e cada um dos factos e aspectos em causa nos presentes autos mereceram atenção do Tribunal a quo, que analisou minuciosamente os factos alegados pelas partes e a prova documental carreada para os autos, emitindo a sua opinião, explicitando a fundamentação de facto e de direito, tomando posição de forma expressa. XXVIII.– O facto de a Ré/Recorrente não concordar com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, não se pode confundir, como a Ré/Recorrente pretende, com a alegação de que existe uma omissão de pronúncia. XXIX.– Subentende-se das alegações e conclusões do recurso apresentado pela Ré/Recorrente, que a mesma põe em causa a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, em razão de não ter sido feita a respetiva prova que, no seu entendimento, só teria lugar em audiência de discussão e julgamento. XXX.– Porém, da leitura das alegações e conclusões do recurso da Ré/Recorrente, sobre a pretendida alteração da matéria de facto, não se vislumbra a identificação de um único meio probatório que imponha decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto que foram considerados pelo Tribunal a quo, o que não obedece às regras e formalismos do artigo 640º nº 1 alíneas a), b) e c) do C.P.C., impondo a rejeição da pretendida impugnação da matéria de facto. XXXI.– Deve, igualmente ser rejeitada, a pretensão da Ré/Recorrente que consta da conclusão 18 do seu recurso, mais concretamente de que a decisão proferida sobre a matéria de facto seja alterada, nos termos e para os efeitos do artigo 662 nº 1 do C.P.C., um vez que, tal como bem entendeu o Tribunal a quo, os autos contêm prova documental bastante, não impugnada pela Ré/Recorrente, que permitem concluir pela celebração do contrato de fornecimento de energia elétrica, pela emissão das faturas relacionadas no ponto 4 dos factos provados e pelo fornecimento da electricidade e serviços a que se reportam tais faturas. XXXII.– Em face de tudo quanto foi exposto, é de concluir pela falta manifesta, completa e absoluta de fundamento do presente recurso, devendo manter-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, na parte em que condena a Ré/Recorrente a pagar à Autora a quantia de € 9.850,24, referente às faturas indicadas em 4. dos factos provados, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, para créditos de que são titulares empresas comerciais, acrescidos de 1,5%, desde o dia seguinte à data de vencimento de cada uma das faturas, até efetivo e integral pagamento”. Conclui, no sentido de que “deverá rejeitar-se o recurso interposto pela Ré, ora Recorrente, no que concerne à requerida alteração da matéria de facto, mais se julgando o recurso improcedente, por inexistência de infração de normas e das nulidades que a Ré/Recorrente alega, mantendo-se e confirmando-se o já decidido no despacho saneador/sentença proferido pelo Tribunal a quo, com o que se fará a COSTUMADA JUSTIÇA!”. 9 – O recurso foi admitido por despacho datado de 10/09/2018, como apelação, com subida em separado, de imediato e com efeito meramente devolutivo. 10 – Por despacho da mesma data – cf., fls. 39 vº e 40 -, nos termos do nº. 1, do artº. 617º, do Cód. de Processo Civil, considerou-se que a decisão recorrida não enferma da aponta nulidade. 11 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir. ** II–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que: “1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a)- As normas jurídicas violadas ; b)- O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c)- Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões: 1.– DA ALEGADA NULIDADE DA SENTENÇA (saneador sentença) PROFERIDA, ATENTO O FACTO DE TER DEIXADO DE SE PRONUNCIAR SOBRE QUESTÕES QUE DEVIA APRECIAR, nos termos do artº. 615º, nº. 1, alín. d), do Cód. de Processo Civil – cf., Conclusão recursória 17. e Conclusões contra-alegacionais XXV a XXVIII ; 2.– DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, invocando-se: a.- Erro notório na apreciação da matéria de facto dada como provada, existindo flagrante desconformidade entre os factos alegados, os elementos de prova produzidos e a decisão apelada – cf., Conclusões recursórias 1. a 8. e 10. a 13. e Conclusões contra-alegacionais V a XVII ; b.- Ter o Tribunal a quo cerceado o direito de defesa da Ré, legal e constitucionalmente consagrado, ao não permitir a inquirição da testemunha arrolada pela Requerida/Recorrente e impedindo o carrear para os autos de factos que visavam a boa decisão da causa - cf., Conclusões recursórias 14. a 16. e Conclusões contra-alegacionais XVIII a XXIV ; c.- Dever ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto, impondo a prova produzida decisão diversa - cf., Conclusão recursória 18. e Conclusões contra-alegacionais XXIX a XXXI. o que implica a REAPRECIAÇÃO DA PROVA ; 3.– Seguidamente: (i)- caso se conclua pela requerida modificação (total ou parcial) da matéria de facto fixada, determinar quais os efeitos daí decorrentes para a SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS ; (ii)- e, caso não ocorra qualquer modificação da matéria de facto fixada, aferir se as facturas identificadas no ponto 4. provado foram indevidamente emitidas, atento o facto de, nos termos alegados, não terem sido emitidas com uma periodicidade mensal - cf., Conclusão recursória 9., o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA. ---------- Aprioristicamente, e tendo também em atenção o teor das contra-alegações aduzidas pela Apelada/Recorrida, urge, ainda, conhecer acerca da seguinte questão: – Da alegada incompetência relativa do Tribunal da Relação – incompetência em razão do território. -------- QUESTÃO PRÉVIA: da alegada incompetência relativa do Tribunal da Relação Nas contra-alegações apresentadas, enuncia a Apelada que, atento o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, o Tribunal territorialmente competente para a apreciação e decisão do presente recurso é o Tribunal da Relação de Lisboa, e não o Tribunal da Relação do Porto, conforme indicação da Recorrente. Incompetência que invoca e pretende que seja declarada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 83º e 104º, nº. 1, alín. a), ambos do Cód. de Processo Civil, requerendo que os autos sejam remetidos ao Tribunal da Relação de Lisboa. Decidindo: Ora, conforme resulta do requerimento de interposição do recurso, a Apelante/Recorrente dirige-o ao Tribunal da Relação do Porto. Lapso manifesto, ao qual não será alheio, certamente, o domicílio profissional da sua Ilustre Mandatária. Todavia, conforme termo de remessa de fls. 86, os autos foram devidamente remetidos a este Tribunal da Relação de Lisboa, e aqui devidamente distribuídos – cf., artº. 83º, do Cód. de Processo Civil -, a quem compete a efectiva competência em razão do território para o seu conhecimento. Pelo exposto, definida a competência nos termos assertivos expostos, inexiste qualquer rectificação a operar, tramitando os autos no Tribunal de 2ª instância territorialmente competente. ** III–FUNDAMENTAÇÃO A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO No saneador sentença recorrido, foi considerado como PROVADO o seguinte: 1.– A Autora é uma sociedade que se dedica à comercialização de energia eléctrica; 2.– Em 27 de Maio de 2014, foi celebrado entre a Autora e a Ré o acordo, cuja cópia se encontra junta ao suporte físico dos autos a fls. 18 verso e 19, que aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual a Autora se obrigou a fornecer à Ré, e esta a adquirir e a pagar à Autora, a energia eléctrica consumida no local de consumo sito na Rua J... M... Branco, Nº..., no P..., identificado pelo Código de Ponto de Entrega PT0002...........7GB; 3.– No âmbito do acordo mencionado em 2. a Autora emitiu as seguintes facturas: a.- Factura n.º BY..0Z0...3, emitida em 26 de Julho 2017, com data limite de pagamento em 25 de Agosto de 2017, no valor de € 2.846,04, relativa ao período de facturação de 3 a 25 de Dezembro de 2016, cuja cópia se encontra junta ao suporte físico dos autos a fls. 20 verso e 21 que aqui se dá por integralmente reproduzida; b.- Factura n.º BY..0Z0...4, emitida em 26 de Julho de 2017, com data limite de pagamento em 25 de Agosto de 2017, no valor de € 3.285,49, relativa ao período de facturação de 27 de Dezembro de 2016 a 23 de Janeiro de 2017, cuja cópia se encontra junta ao suporte físico dos autos a fls. 21 verso e 22 que aqui se dá por integralmente reproduzida; c.- Factura n.º RBN..1M0...6, emitida em 8 de Março de 2017, com data limite de pagamento em 7 de Abril de 2017, no valor de € 4.163,57, relativa ao período de facturação de 23 de Janeiro de 2017 a 3 de Março de 2017; 4.– Ao abrigo do acordo referido em 2. a Autora forneceu à Ré, para o local de consumo ali indicado, a electricidade a que se referem as seguintes facturas: d.- Factura n.º BN..1M2...9, emitida em 5 de Outubro de 2017, com data limite de pagamento em 4 de Novembro de 2017, no valor de € 2.657,34, relativa ao período de facturação de 3 de Julho de 2017 a 3 de Agosto de 2017, cuja cópia se encontra junta ao suporte físico dos autos a fls. 23 verso e 24, que aqui se dá por integralmente reproduzida; e.- Factura n.º BN..1M2...0, emitida em 9 de Outubro de 2017, com data limite de pagamento em 8 de Novembro de 2017, no valor de € 2.105,79, relativa ao período de facturação de 3 de Agosto de 2017 a 3 de Setembro de 2017, cuja cópia se encontra junta ao suporte físico dos autos a fls. 24 verso e 25, que aqui se dá por integralmente reproduzida; f.- Factura n.º BN..1M3...4, emitida em 13 de Outubro de 2017, com data limite de pagamento em 12 de Novembro de 2017, no montante de € 2.525,62, relativa ao período de facturação de 3 de Setembro de 2017 a 3 de Outubro de 2017, cuja cópia se encontra junta ao suporte físico dos autos a fls. 25 verso e 26, que aqui se dá por integralmente reproduzida; g.- Factura n.º BN..1M3...2, emitida em 14 de Novembro de 2017, com data limite de pagamento em 14 de Dezembro de 2017, no montante de € 2.561,49, relativa ao período de facturação de 3 de Outubro de 2017 a 3 de Novembro de 2017, cuja cópia se encontra junta ao suporte físico dos autos a fls. 26 verso e 27, que aqui se dá por integralmente reproduzida; 5.– A Ré não pagou as facturas referidas em 4.; 6.– Nos termos das “Condições Gerais” do “Contrato de Fornecimento de Energia Eléctrica” referido em 2., “(…) Caso o cliente se atrase no pagamento de qualquer importância devida em cumprimento do presente contrato, a EE...,S.A. poderá cobrar juros de mora à taxa legal em vigor a cada momento acrescidos de 1,5 pontos percentuais, contados desde a data de vencimento, até à data do integral pagamento, e calculados sobre os valores em dívida não pagos, sem necessidade de pré-aviso por parte da EE...,S.A..” * 7.– O requerimento de injunção que deu origem aos presentes autos foi apresentado em 29 de Dezembro de 2017; 8.– A Ré foi notificada/citada em 18 de Janeiro de 2018. ** B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO I)–Da NULIDADE da SENTENÇA (saneador sentença) RECORRIDA Nas alegações recursórias, alega a Apelante que o Tribunal a quo, ao ter proferido decisão de mérito em sede de saneador sentença, impediu que tivessem sido carreados para os autos factos que importava apreciar com vista à boa decisão da causa. Pelo que, deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, o que configura causa de nulidade da sentença, nos quadros do artº. 615º, nº. 1, alín. d), do Cód. de Processo Civil. Tal entendimento é contestado pela Apelada, que refere que a omissão de pronúncia apenas se verifica quando o Juiz deixe de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes, as quais deve abordar ou resolver, ou sobre questões de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões “os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença”. In casu, as questões colocadas foram apreciadas, pelo que a discordância da Apelante com a decisão recorrida não deve confundir-se com a alegação de que existe omissão de pronúncia. Decidindo: Enunciando as causas de nulidade da sentença, prescreve a alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, ser “nula a sentença quando: d)- o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Por sua vez, o invocado nº. 2, do artº. 608º, prevendo acerca das questões a resolver e sua ordem, referencia que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva “a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova”. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz “na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado – por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere)” [2] [3]. Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os “vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades” [4]. A diferenciação ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que “é um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada. A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída – dependendo do sistema de recursos vigente” [5]. As nulidades de sentença – cf., artigos 615º e 666º -, integrando, juntamente com as nulidades de processo – artigos 186º a 202º -, “o género das nulidades judiciais ou adjectivas”, distinguem-se, entre si, “porquanto, às primeiras, subjazem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir uma ato prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido, enquanto que as segundas se traduzem na violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”. Como vício de limite, a nulidade de sentença enunciada na transcrita alínea d) divide-se em dois segmentos, sendo o primeiro atinente à omissão de pronúncia. Neste, em correspondência com o citado nº. 2 do artº. 608º, “deve o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”. Assim, “integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes” [6]. Na omissão de pronúncia, nas palavras de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [7], está em equação a vinculação do tribunal em “emitir pronúncia sobre todos os factos essenciais alegados carecidos de prova (arts. 607º, nº. 3, e 608º, nº. 2), sob pena de ocorrer uma omissão de pronúncia no julgamento da questão de facto. A omissão de pronúncia sobre um facto essencial gera a nulidade da sentença. Esta nulidade, presente na fundamentação da decisão final da causa, mas que se reporta à decisão de facto, deve ser arguida pela parte interessada, salvo quando impossibilite a reapreciação da causa pelo tribunal superior, sendo aqui de conhecimento oficioso (art. 662º, nº. 2, al. c))”. Ora, no caso em apreciação, o Tribunal a quo não deixou de pronunciar-se sobre qualquer questão que devesse apreciar. O que sucedeu foi antes que a Meritíssima Juíza a quo entendeu que o estado da causa, na parte ou segmento ora em equação, permitia, sem necessidade de produção de quaisquer outras diligências probatórias, a apreciação do mérito de parte do petitório deduzido. Ou seja, entendeu o Tribunal Recorrido que, relativamente a determinado segmento da pretensão accional apresentada, não era necessária, não se justificava, a produção de ulterior actividade probatória. E, é relativamente a este entendimento que a Recorrente manifesta discordância, entendendo que a oposição por si apresentada exigia tal actividade probatória, nomeadamente através da inquirição da testemunha por si arrolada, por entender existirem factos controvertidos que foram considerados provados na decisão intercalar de mérito proferida. Todavia, a configurar-se tal vício, este não resulta em qualquer omissão de pronúncia, antes sendo questionável em sede de impugnação da matéria de facto dada como assente (conforme se analisará infra), pois não traduz qualquer omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, da causa de pedir ou excepção aposta na contestação/oposição apresentada. Ou seja, não existiu qualquer omissão de pronúncia na sentença recorrida, nomeadamente que fosse susceptível de inquiná-la com o vício da nulidade. Pelo que, conclui-se, inexiste ou não é configurável qualquer nulidade da sentença (saneador sentença) proferida, nomeadamente a resultante de omissão de pronúncia, nos termos previstos no 1º segmento da alínea d), do nº. 1, do artº. 615º. O que determina, logicamente, nesta parte, nomeadamente no que concerne à conclusão inscrita sob o ponto 17., improcedência da presente apelação. II)– Da REAPRECIAÇÃO da PROVA decorrente da impugnação da matéria de facto Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que: “ 1– A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. 2 – A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a)- Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b)- Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c)- Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d)- Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”. Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma (já citado supra, ainda que parcialmente), o qual dispõe que: “ 1– Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2.– No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a)- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b)- Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3.– O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”. No caso sub judice, a prova considerada na decisão apelada fundou-se no acordo das partes e na análise da prova documental junta não impugnada, com base na qual se procederá á sua reapreciação, na consideração da sua potencialidade probatória. Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”. Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado” [8]. Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância. Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”. Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”. Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados” [9] (sublinhado nosso). Alega, fundamentalmente, a Ré Apelante, na impugnação deduzida: – Ocorrer erro notório na apreciação da matéria de facto dada como provada, existindo flagrante desconformidade entre os factos alegados, os elementos de prova produzidos e a decisão apelada ; – Ter o Tribunal a quo cerceado o direito de defesa da Ré, legal e constitucionalmente consagrado, ao não permitir a inquirição da testemunha arrolada pela Requerida/Recorrente e impedindo o carrear para os autos de factos que visavam a boa decisão da causa ; – Dever ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto, impondo a prova produzida decisão diversa. Ou seja, entende, no essencial, a Recorrente/Apelante que deduziu oposição, na qual sustentava concreta impugnação à factualidade dada como provada no ponto 4., ou seja, que nunca poderia terem-se considerado provados os fornecimentos e valores constantes das facturas aí referenciadas, pois alegou concretamente que as mesmas se encontram indevidamente emitidas. Assim, tendo-as impugnado, tais valores não são devidos, pois, para além de referenciar que as aludidas facturas não foram emitidas com uma periodicidade mensal, conforme legal exigência, aludiu, ainda, conterem algumas erros nos preços contratados, outras foram emitidas em duplicado e outras foram corrigidas para valores superiores, em dez vezes, aos inicialmente facturados. E isto, para além de terem sido emitidas com o único propósito de substituir outras facturas, anteriormente reclamadas, de forma a procurar contornar a invocada prescrição. E, mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que, “tendo a recorrente impugnado as faturas com data anterior às faturas indicadas em 4., por as mesmas terem sido substituídas sem qualquer razão, por apresentarem erros nos preços contratados, por terem sido emitidas em duplicado e corrigidas para valores dez vezes superiores ao inicialmente faturado, logicamente que as faturas subsequentes não poderão ter sido devidamente emitidas na medida em que, os respetivos valores são aferidos e calculados tendo por base as faturas anteriores”. Pelo que, deste modo, “jamais se poderá considerar como provado, conforme erradamente considerou o Tribunal a quo, que a energia elétrica e os valores referentes aos períodos de faturação que constam das faturas indicadas em 4., sejam exatamente aqueles que a recorrida fez constar das mesmas”. Acrescenta, deste modo, ter existido o alegado cerceamento do direito de defesa, ao não lhe ter sido permitida a inquirição da testemunha arrolada, de forma a trazer aos autos factualidade que permitisse a adequada decisão da causa, referenciando, ainda, ter junto “inúmera prova documental, suficiente para provar que, as faturas peticionadas pela recorrida não se encontram devidamente emitidas e como tal caberia à recorrida demonstrar que, durante os respetivos períodos de faturação forneceu à recorrente a energia elétrica que consta de tais faturas e que os valores devidos pela recorrente são aqueles que constam das mesmas”. Daí, decorre a pretensão final formulada, ou seja, que ocorra alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, pois a prova produzida impõe decisão diversa. A Apelada defende a manutenção de tal factualidade dada como provada, pois, tal como considerou o Tribunal Apelado, “a única defesa apresentada pela Ré/Recorrente quanto às faturas indicadas em 4 dos factos provados é a que se encontra vertida nos artigos 33º a 35º da sua oposição, a saber, que a Autora/Recorrida lhe exigiu o pagamento imediato de tais faturas a título de vingança pela atitude assumida pela Ré/Recorrente, não cumprindo o disposto no artigo 9º da Lei 23/96, de 26 de Julho (Lei dos Serviços Públicos), na medida em que tais faturas não foram emitidas com uma periodicidade mensal”. Acrescenta, então, que “todos os outros artigos da oposição da Ré/Recorrente, bem como os documentos 1 a 9 juntos com este articulado, referem-se às faturas identificadas noutro ponto dos factos provados, mais concretamente no ponto 3, bem como a outras faturas que nem sequer foram peticionadas nos presentes autos”. Aduz, ainda, que “a impugnação, para ser processualmente relevante e eficaz, tem de traduzir-se numa posição definida do impugnante perante os factos que pretende impugnar, nos termos do nº 1 do artº 574º do Código de Processo Civil, o que exige uma posição clara, frontal e concludente”, sendo que “in casu, a Ré/Recorrente não alegou qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da Autora/Recorrida a receber os montantes titulados nas faturas que constam identificadas no ponto 4 dos factos provados, relativos à contrapartida devida pelo fornecimento de energia elétrica no local/ponto de consumo em causa nos presentes autos”. Conduta que, ademais, manteve nos ulteriores termos processuais, nomeadamente ao não impugnar o teor de tais facturas, cujas cópias a Autora posteriormente juntou aos autos, nomeadamente que a energia eléctrica e os serviços a que as mesmas se reportam tenham sido prestados. Vejamos o aduzido na decisão apelada, relativamente á motivação/fundamentação da factualidade provada, ora questionada: “A convicção do Tribunal quanto à factualidade descrita resulta do acordo entre as partes e da análise da prova documental junta aos autos, não impugnada. De referir, desde logo, a este propósito que a Ré não impugnou ter celebrado com a Autora o acordo por esta alegado no requerimento de injunção, nem tão-pouco que por esta tenham sido emitidas as facturas aí relacionadas com os elementos que foram descritos nesse requerimento pela Autora, razão pela qual estes factos (acordo celebrado entre as partes, facturas emitidas e respectivo conteúdo) resultaria, desde logo, provada por acordo entre as partes. Coadjuvantemente, valoraram-se os documentos juntos aos autos a fls. 18 verso a 27 – cópia do “contrato de fornecimento de energia eléctrica” e de facturas). O Tribunal considerou, desde logo, provado que a Autora forneceu à Ré a electricidade a que se reportam as facturas indicadas em 4. por se considerar que a Ré não impugnou, quanto a facturas, que a energia eléctrica e os serviços a que as mesmas se reportam lhe tenham sido prestados. A defesa da Ré quanto às facturas mencionadas em 4. dos factos provados é a vertida em 33º a 35º da oposição e aí a Ré limita-se a invocar que a Autora exigiu de imediato três facturas, que emitiu num período de oito dias, por vingança pela atitude assumida pela Ré, mais alegando que essas facturas não estão devidamente emitidas porque o consumidor, nos termos da disposição legal que invoca, tem direito a uma factura que especifique devidamente os valores que apresentam e que a factura deve ter uma periodicidade mensal, devendo discriminar os serviços prestados e as correspondentes tarifas. Não obstante, não impugnou a Ré que tais facturas não tenham sido pagas, nem que a Autora lhe forneceu energia eléctrica nos períodos de facturação a que se reportam essas facturas, nem tão-pouco que os valores devidos pela Ré referentes a esses períodos de facturação sejam aqueles que a Autora fez constar dessas facturas. Nestas circunstâncias, entende-se, desde já, provada, por acordo a factualidade referida em 4. De referir, ainda, quanto a esta matéria que, embora em 33º da oposição a Ré não tenha identificado especificamente as facturas a que reportava, resulta do alegado que são as facturas descritas em a., b. e c. [existe aqui lapso na identificação, pois tratam-se das facturas identificadas sob as alíneas d., e. e f.] de 4. dos factos provados – pois são estas as emitidas entre 5 e 13 de Outubro de 2017 e são estas que totalizam a quantia de € 7.288,75. Por fim, de referir, também, que quanto à factura descrita em d. [existe aqui lapso na identificação, pois trata-se da factura identificada sob a alínea g.] de 4. dos factos provados a Ré sequer toma posição definida na sua oposição, nada alegando concretamente quanto a esta factura” (sublinhado nosso). Ora, atendendo ao âmbito da controvérsia apresentado, impõem-se as seguintes questões: - qual o teor e amplitude da oposição/contestação deduzida pela Ré relativamente a tais facturas de electricidade ? O âmbito de oposição ora reclamado nas conclusões recursórias, ou apenas o indicado na fundamentação da decisão apelada e corroborado pela Apelada nas contra-alegações recursórias ? - na oposição/contestação apresentada, observou a Ré o ónus de impugnação previsto no artº. 574º, do Cód. de Processo Civil, relativamente às facturas identificadas no ponto 4. provado ? Vejamos. Prevendo acerca do ónus de impugnação, prescreve o artº. 574º, do Cód. de Processo Civil, que: “1– Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor. 2– Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior. 3– Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário”. 4– Não é aplicável aos incapazes, ausentes e incertos, quando representados pelo Ministério Público ou por advogado oficioso, o ónus de impugnação, nem o preceituado no número anterior”. Defendem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [10] representar o nº. 1 deste normativo “um afloramento do dever das partes de colaborarem com o tribunal – não propriamente com a contraparte sua adversária – na descoberta da verdade material e na obtenção da justa composição do litígio, assente no entendimento de que «o silêncio pode ser gravemente nocivo à justiça da decisão»”. Defendendo a continuidade, neste normativo, do ónus de impugnação de todos os factos articulados pelo autor, acrescentam que “o aligeirar do ónus de impugnação colide sempre com a economia processual, brigando com a boa-fé e a cooperação processuais, devendo ser evitado”. Pelo que, “por regra, o réu deve tomar posição sobre todos os factos, não impugnando os que sejam verdadeiros (mesmo os instrumentais), assim se evitando que tenham que ser discutidos em audiência final”. Deste modo, “se ao autor cabe introduzir o litígio em juízo, ao réu cabe fixar os termos da controvérsia. No limite, aceitando a factualidade alegada pelo autor, limitará a controvérsia à questão de direito. Assim dispõem as partes do thema decidendum em matéria de facto”. Pelo que “a admissão é uma técnica processual que se situa a montante, na fase de delimitação da controvérsia. Apresentando o autor a sua narrativa dos factos, deve o réu delimitar o objecto da questão de facto (nº. 1), sinalizando os acontecimentos que considera estarem controvertidos”, funcionando assim as alegações do autor, “a um tempo, como proposta e como versão ou narrativa supletiva, sendo esta imediatamente admitida como fundamento da decisão se não for contrariada”. Decorre, assim, que “nada dizendo a contraparte sobre certo facto, presume-se – e não apenas ficciona-se – que o aceita, pois, se contesta, reconhecendo a contenda, mas não impugna o facto, a experiência permite concluir que admite a sua inclusão directa na base factual sobre a qual o tribunal decidirá – não que o tem como verdadeiro ou, sequer, vantajoso para qualquer das partes”. Abrange, desta forma, o ónus de impugnação “toda a factualidade relevante alegada pelo autor, quer estejamos perante factos essenciais, quer se trate de factos instrumentais. Não sendo impugnados, os factos alegados pelo autor consideram-se incluídos no acordo entre as partes sobre os factos que devem ser directamente considerados pelo tribunal, não estando carecidos de prova”, configurando-se a posição do réu perante o facto como “uma posição perante a verdade, tal como ela é alegada pelo autor”. Por sua vez, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [11]referenciam que a consequência da omissão de impugnar produz “o efeito de ficta confessio”, pois “a citação constitui o réu, não só no ónus de contestar, mas também no ónus de impugnar, de cuja inobservância resulta terem-se provados os factos alegados pelo autor sobre os quais o réu guarde silêncio”. Deste modo, “directa ou indirecta, a impugnação repousa normalmente numa certeza: o réu afirma que o facto alegado pelo autor não se verificou ou que se verificou outro facto com ele incompatível. Afirmação e negação constituem declarações de ciência, que são informações sobre a realidade, baseadas no conhecimento do declarante: trata-se de manifestações da esfera cognoscitiva sobre fragmentos da realidade que é objecto de conhecimento”. Jurisprudencialmente, refere-se no douto aresto do STJ de 04/05/2010 [12], a propósito do artigo 490º, do Cód. de Processo Civil, na redacção então vigente, antecedente ao presente artigo 574º, que ao constar não poderem “ser admitidos por acordo os factos que se encontrem em manifesta oposição com a defesa considerada no seu conjunto, tal significa que é preciso impugnar outros factos e explicitar as razões dessa impugnação, dando uma versão contrária ou, globalmente, contraposta à do autor, sendo certo que se o réu toma uma posição definida sobre um facto, tal não envolve a admissão por acordo relativamente aos factos, não impugnados, que sejam dependentes ou estejam condicionados pelo facto impugnado. Importa, pois, considerar, no seu conjunto, toda a matéria de facto articulada, por cada uma das partes, para se determinar quais os factos em que as mesmas divergem e quais aqueles outros em que estão de acordo. Se tudo o que o réu alegou exclui, necessariamente, a possibilidade de ser verdadeiro determinado facto invocado pelo autor, seria absurdo entender que aquele o aceitou como exacto, por o não ter impugnado, directa e especificadamente. Com efeito, a admissão da veracidade dos factos não impugnados assenta num presumido acordo das partes acerca da sua realidade, razão pela qual, faltando a base desta presunção, em virtude do conjunto da posição assumida pela respectiva parte a ilidir, resulta manifesto que esse hipotético acordo não existe”. Referencie-se, ainda, o douto Acórdão do mesmo Alto Tribunal de 04/12/2003 [13], ao mencionar que, exigindo a lei que o réu tome posição definida perante os factos articulados na petição (presentemente, perante os factos que constituem a causa de pedir), tal significa, “como é natural, que a maleabilização do ónus de impugnação não a dispensa. A posição definida sobre os factos articulados na petição exige que o impugnante assuma uma posição clara, frontal e concludente sobre eles, embora se não exija que o faça sob a forma especificada, facto por facto, podendo ser efectivada pela menção do número dos artigos inserentes dos factos narrados, sem necessidade de reprodução do conteúdo da alegação objecto de impugnação. Não se conforma, porém, a referida exigência com a impugnação genérica do articulado, conforme, aliás, se infere do n.º 3 do artigo do artigo 490º do Código de Processo Civil em que é pressuposto que a impugnação por ignorância se faça em relação a factos determinados. Dir-se-á, em síntese, tendo em conta que impugnar significa contrariar, refutar ou negar a veracidade de um facto, que a tomada de posição definida perante os factos articulados na petição implica a negação dirigida a determinada espécie factual, ou a um conjunto de factos, desde que assuma um recorte definido em função da sua densidade, heterogeneidade e extensão”. Exposto o presente enquadramento, doutrinário e jurisprudencial, procuremos responder às questões enunciadas. No requerimento de injunção, e entre outras, a Requerente/Autora enunciou encontrarem-se em dívida as seguintes facturas: I)– Factura n.º BN..1M2...9, emitida em 5 de Outubro de 2017, com data limite de pagamento em 4 de Novembro de 2017, no valor de € 2.657,34, relativa ao período de facturação de 3 de Julho de 2017 a 3 de Agosto de 2017 ; II)– Factura n.º BN..1M2...0, emitida em 9 de Outubro de 2017, com data limite de pagamento em 8 de Novembro de 2017, no valor de € 2.105,79, relativa ao período de facturação de 3 de Agosto de 2017 a 3 de Setembro de 2017 ; III)– Factura n.º BN..1M3...4, emitida em 13 de Outubro de 2017, com data limite de pagamento em 12 de Novembro de 2017, no montante de € 2.525,62, relativa ao período de facturação de 3 de Setembro de 2017 a 3 de Outubro de 2017 ; IV)– Factura n.º BN..1M3...2, emitida em 14 de Novembro de 2017, com data limite de pagamento em 14 de Dezembro de 2017, no montante de € 2.561,49, relativa ao período de facturação de 3 de Outubro de 2017 a 3 de Novembro de 2017. Na oposição deduzida, a Requerida/Ré, através de defesa por excepção, invocou a prescrição do direito ao recebimento, bem como a caducidade do direito de acção, relativamente às demais facturas peticionadas no requerimento injuntivo, nomeadamente as seguintes: V)– Factura n.º BY..0Z0...3, emitida em 26 de Julho 2017, com data limite de pagamento em 25 de Agosto de 2017, no valor de € 2.846,04, relativa ao período de facturação de 3 a 25 de Dezembro de 2016 ; VI)– Factura n.º BY..0Z0...4, emitida em 26 de Julho de 2017, com data limite de pagamento em 25 de Agosto de 2017, no valor de € 3.285,49, relativa ao período de facturação de 27 de Dezembro de 2016 a 23 de Janeiro de 2017 ; VII)– Factura n.º RBN..1M0...6, emitida em 8 de Março de 2017, com data limite de pagamento em 7 de Abril de 2017, no valor de € 4.163,57, relativa ao período de facturação de 23 de Janeiro de 2017 a 3 de Março de 2017 ; VIII)– Factura n.º BN..1M2...6, emitida em 25/07/2017, com data limite de pagamento em 24 de Agosto de 2017, no valor de € 1.002,69, relativa ao período de facturação de 03 de Junho de 2017 a 3 de Julho de 2017 – cf., artigos 3º a 15º da oposição. Na defesa por impugnação apresentada, que se iniciou no artigo 16º, constata-se que no aduzido até ao artigo 32º da mesma peça processual, a argumentação apresentada reporta-se às mesmas facturas relativamente às quais havia sido suscitada a defesa por excepção – as referenciadas de V) a VIII). O que se verifica e constata, claramente, no seguinte: – O artigo 17º reporta-se a uma alegada anomalia no sistema de medição transmitida pela Requerente á Requerida, causadora de uma incorrecção no registo de consumos, durante o período compreendido entre 03/02/2016 e 27/12/2016, ou seja, fora do período de consumo a que se referem as facturas identificadas de I) a IV) ; – Todo o raciocínio expedido até ao artº. 32º tem por base as facturas referentes a tal período (e ainda a factura nº. BN..1M2...6, reportada ao período de consumo de 03/06/2017 a 03/07/2017), relativamente às quais é alegado encontrarem-se indevidamente emitidas, contendo algumas erros nos preços contratados, outras emissão em duplicado e outras haviam sido corrigidas para valores dez vezes superiores ao inicialmente facturado ; – No teor de tal alegação inexiste qualquer referência às demais facturas, nomeadamente às identificadas de I) a IV), que têm como período de facturação o compreendido entre 03/07/2017 a 03/11/2017 ; – E, nem o alegado no artigo 16º da mesma peça processual contradiz o exposto, pois, por um lado, este vem no seguimento das facturas anteriormente enunciadas nos artigos 3º a 15º, aí se mencionando expressamente “caso assim não se entenda” ; – E, por outro, ainda que assim não se considerasse, no mesmo artigo apenas se alude a uma indevida emissão, sem se cuidar de a explicitar ou concretizar ; – Ademais, evidência que nesses artigos 16º a 32º apenas se impugnam as facturas identificadas de V) a VIII) decorre claramente do aduzido no artigo 33º, no qual se refere, expressamente, que “a Requerente veio ainda exigir, a título de vingança pela atitude assumida pela Requerida, o pagamento imediato de três facturas, que emitiu no período recorde de oito dias, entre 05/10/2017 e 13/10/2017, no valor global de € 7.288,75, referente a três meses de consumo de energia eléctrica” (sublinhado nosso) ; – Ou seja, neste artigo 33º da oposição começa-se a aludir às facturas mencionadas de I) a III), o que se prolonga até ao artigo 35º do mesmo articulado ; – Sendo que, relativamente á factura identificada em IV) - emitida em 14 de Novembro de 2017, relativa ao período de facturação de 3 de Outubro de 2017 a 3 de Novembro de 2017 -, nada é aduzido na mesma oposição/contestação. Resulta, assim, que relativamente a estas três facturas, que vieram a integrar o facto 4. provado, juntamente com a mencionada em IV), totalmente omitida no articulado de oposição, a contestação apresentada limitou-se a referenciar a aludida vingança na sua exigência, a sua emissão no período recorde de oito dias, a aparente falta de especificação dos valores apresentados, serviços prestados e tarifas aplicáveis, bem como a necessária exigência de periodicidade mensal. Ou seja, estas facturas estão claramente arredadas da argumentação impugnativa feita constar nos artigos 16º a 32º, sendo certo, ainda, que a Requerida/Ré não as veio impugnar posteriormente aquando da sua junção aos autos pelo requerimento probatório de 05/03/2018, nem posteriormente pela prática de qualquer outro acto processual que assim pudesse ser valorado. Pelo que, atentas as exigências de impugnação supra expostas, relativamente às mesmas, bem andou a decisão apelada em as fazer figurar na factualidade provada, quer com base no aludido acordo entre as partes, quer com base na análise da prova documental não impugnada. Donde, tal como se reafirma na transcrita fundamentação/motivação, teria o Tribunal Apelado de considerar provado, como o fez, “que a Autora forneceu à Ré a electricidade a que se reportam as facturas indicadas em 4. por se considerar que a Ré não impugnou, quanto a facturas, que a energia eléctrica e os serviços a que as mesmas se reportam lhe tenham sido prestados”. Bem como que a Ré não impugnou que tais facturas não tenham sido pagas, “nem que a Autora lhe forneceu energia eléctrica nos períodos de facturação a que se reportam essas facturas, nem tão-pouco que os valores devidos pela Ré referentes a esses períodos de facturação sejam aqueles que a Autora fez constar dessas facturas”. E, nem se diga que a impugnação das facturas anteriores traduz, necessariamente e imediatamente, impugnação das facturas posteriores, pelo facto dos valores destas serem aferidos ou calculados por aquelas. Com efeito, cada factura, reportada a diferenciado período de facturação, tem existência própria, e reporta-se a um determinado consumo naquela período, não significando necessariamente que eventuais (que não provadas) anomalias anteriores se reflictam nas liquidações posteriores, pois, a existirem, sempre serão susceptíveis da devida rectificação. Deste modo, urge concluir inexistir qualquer erro notório na apreciação da matéria de facto dada como provada, pelo que não se impõe qualquer alteração desta, nomeadamente do enunciado ponto 4., pois a sua fixação resultou da devida ponderação das regras probatórias supra enunciadas. A que acresce, claramente, inexistir qualquer cercear do direito de defesa da Requerida/Ré, com tutela constitucional prevista no artº. 20º da Constituição da República Portuguesa, pois a mesma foi sempre devidamente notificada para emitir pronúncia acerca dos actos processuais com reporte na sua posição processual e, a aludida não inquirição da testemunha por si arrolada, pelo menos no que concerne ao segmento decidido pelo recorrido saneador sentença, teve plena justificação, de acordo com as regras processuais citadas. Efectivamente, não tendo sido tal matéria factual objecto de definida impugnação pela Requerida, estando, ainda, a mesma devidamente corroborada pela prova documental, não impugnada, junta, e não estando claramente em oposição/contradição com a defesa considerada em conjunto, a mesma só poderia ser considerada assente/provada, inexistindo justificação para que sob a mesma incidisse qualquer outra actividade probatória, maxime, a reclamada produção da aludida prova testemunhal. Por fim, referencie-se, ainda, que da mera análise das facturas equacionadas, ora constantes de fls. 63 a 66 (documentos nºs. 6 a 9), constata-se especificarem as mesmas os serviços prestados, os valores apresentados e as tarifas correspondentes, em termos claros e perceptíveis, e cuja valoração não mereceu qualquer impugnação. Por todo o exposto e sem ulteriores delongas, mais não resta do que julgar totalmente improcedente a apresentada impugnação da matéria factual, devendo esta manter-se nos precisos termos fixados, assim improcedendo, neste segmento, a deduzida pretensão recursória. III)– DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS Decidindo-se pela não modificação/alteração da matéria de facto fixada, cumpre simplesmente aferir se as facturas identificadas no ponto 4. provado foram indevidamente emitidas, atento o facto de, nos termos alegados, o não terem sido com uma periodicidade mensal. Efectivamente, analisado o objecto recursório, e no que concerne ao enquadramento jurídico efectuado, não se vislumbra qualquer outra apelativa pretensão, nomeadamente relacionada com a tipificação contratual – contrato de fornecimento de energia eléctrica -, a sua consideração como contrato de compra e venda de coisa móvel e a consequente aplicabilidade do regime previsto para esta modalidade contratual – os artigos 874º e 879º, do Cód. Civil. Defende-se na sentença apelada o seguinte: “Quanto às facturas referidas em 4. dos factos provados, provado ficou que a Autora forneceu à Ré, para o local de consumo ali indicado, a electricidade a que se referem tais facturas e que a Ré as não pagou. A alegação da Ré de que o pagamento imediato de três facturas, emitidas entre 5 e 13 de Outubro de 2017- as facturas º BN..1M2...9, BN..1M2...0, n.º BN..1M3...4 – se deve a “vingança da Ré pela atitude assumida pela Autora”, não desobriga a Ré do pagamento dessas facturas. Ainda que emitidas entre 5 e 13 de Outubro de 2017 as facturas reportam-se a períodos de facturação distintos e mensais, e correspondem, segundo resultou provado (por não ter sido impugnado pela Ré), a energia eléctrica que foi fornecida pela Autora à Ré em cada uma dos períodos de facturação a que se referem. Nos termos do artigo 9º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho: “1– O utente tem direito a uma factura que especifique devidamente os valores que apresenta. 2– A factura a que se refere o número anterior deve ter uma periodicidade mensal, devendo discriminar os serviços prestados e as correspondentes tarifas. (…) 4– Quanto ao serviço de fornecimento de energia eléctrica, a factura referida no n.º 1 deve discriminar, individualmente, o montante referente aos bens fornecidos ou serviços prestados, bem como cada custo referente a medidas de política energética, de sustentabilidade ou de interesse económico geral (geralmente denominado de custo de interesse económico geral), e outras taxas e contribuições previstas na lei. 5– O disposto no número anterior não poderá constituir um acréscimo do valor da factura.” No caso, no confronto com as facturas referidas em 4. dos factos provados não resulta evidenciada qualquer desconformidade entre essas facturas e o referido no mencionado artigo 9º que seja susceptível de desobrigar a Ré do seu pagamento. É certo que as facturas referidas em a., b. e c. foram emitidas entre 5 e 10 de Outubro, reportando-se a períodos de facturação, respectivamente, de 3 de Julho a 3 de Agosto de 2017, 3 de Agosto a 3 de Setembro de 2017 e 3 de Setembro a 3 de Outubro de 2017, porém e ainda que não tenham emitidas, imediata e mensalmente, após o termo do período de facturação a que se reportavam, tal desvio não tem como consequência desonerar a Ré da obrigação do seu pagamento, sanção que não tem previsão no Decreto-Lei n.º 23/96, de 26 de Julho” (sublinhado nosso). A Lei 23/96, de 26/07 – Lei dos Serviços Públicos –veio consagrar “regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente” – cf., nº. 1, do artº. 1º -, prevendo expressamente a alínea b), do nº. 2, ser aplicável ao “serviço de fornecimento de energia eléctrica”. No que ora reporta, e para além do transcrito artº. 9º, prescreve o artº. 12º, ajuizando acerca do acerto dos valores cobrados, que “sempre que, em virtude do método de facturação utilizado, seja cobrado ao utente um valor que exceda o correspondente ao consumo efectuado, o valor em excesso é abatido da factura em que tenha sido efectuado o acerto, salvo caso de declaração em contrário, manifestada expressamente pelo utente do serviço”. Ora, conforme bem refere a sentença apelada, apesar de três das quatro facturas identificadas no ponto 4. provado terem sido emitidas entre 5 e 13 de Outubro de 2017 (a demais tem como data de emissão 14/11/2017), o que é certo é que as mesmas reportam-se a períodos de facturação distintos e mensais. Nomeadamente, aos períodos de facturação entre 03/07/2017 e 03/08/2017, de 03/08/2017 a 03/09/2017 e de 03/09/2017 a 03/10/2017. Ou seja, o legal desiderato previsto no nº. 2, do citado artº. 9º, ao prever que a factura tenha uma periodicidade mensal, deve ser entendido como reportando-se a períodos de facturação mensais, donde conste a devida especificação dos valores apresentados, tendo em atenção a discriminação equacionada no nº. 4 do mesmo normativo. O que ocorreu in casu foi um atraso na emissão das facturas nº.s BN..1M2...9 e BN..1M2...0, relativas aos períodos de facturação de 03/07/2017 a 03/08/2017 e de 03/08/2017 a 03/09/2017, sendo que a demais – nº. BN..1M3...4 -, foi emitida (em 13/10/2017) logo no prazo de 10 dias após o terminus do período de facturação (com termo final em 03/10/2017). E, tal situação, atentos os acertos antecedentes em controvérsia, compensações efectuadas e litígio subsistente, bem se compreende e entende, não significando aquele apontado atraso, nunca superior a 2 meses, qualquer causa liberatória ou excludente do pagamento daqueles serviços facturados. Donde, não questionando a Apelante qualquer outra matéria quanto ao enquadramento jurídico efectuado e não se impondo qualquer conhecimento oficioso do mesmo, mais não resta do que, num juízo de improcedência da apelação, confirmar – por que bem decidida - a sentença (saneador sentença) apelada. O que se decide e consigna. ------ Relativamente à tributação, decaindo a Apelante Ré no recurso interposto, nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, deverá ser responsabilizada pelo pagamento das custas devidas. ** IV.–DECISÃO Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, na improcedência da presente apelação, em confirmar – por que bem decidida - a sentença (saneador sentença) apelada/recorrida. Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo a Ré/Apelante no recurso interposto, deverá ser responsabilizada pelo pagamento das custas devidas. -------- Lisboa, 27 de Junho de 2019 Arlindo Crua - Relator António Moreira – 1º Adjunto Lúcia Sousa – 2ª Adjunta (Presidente) [1]A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original. [2]Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. I, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 599. [3]Traduzem estas nulidades da sentença a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”, pertencendo ao género das nulidades judiciais ou adjectivas – cf., Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pág. 368. [4]Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 102. [5]Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 600 e 601. [6]Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 368 a 370. [7]Ob. cit., pág. 606 e 607. [8]Abrantes Geraldes, Ob. Cit, pág. 285. [9]Idem, pág. 285 a 287. [10]Ob. Cit., pág. 489 a 494. [11]Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, Almedina, 2017, pág. 569, 572 e 573. [12]Relator: Hélder Roque, Processo nº. 3117/08.0TBLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt . [13]Relator: Salvador da Costa, Processo nº. 03B3909, in www.dgsi.pt, citado nas contra-alegações recursórias. |