Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5729/10.2TXLSB-AD.L1-5
Relator: SARA REIS MARQUES
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
JUIZO DE PROGNOSE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora):
I- A concessão da liberdade condicional consiste num poder-dever do tribunal vinculado à verificação de todos os pressupostos formais e materiais estipulados na lei.
II- Feita a conjugação e ponderação dos factores estabelecidos na alínea a) do nº 2 do artigo 61º do Código Penal, a liberdade condicional deverá ser concedida quando o julgador conclua que o condenado reúne condições que, razoavelmente, fundam a expectativa de que, uma vez colocado em liberdade, assumirá uma conduta conforme às regras da comunidade
III- O Tribunal de Execução de Penas não é o tribunal do julgamento e não tem poderes recursórios, cabendo-lhe tão só executar a decisão com todas as garantias jurisdicionais. Pouco importa saber se a condenação foi justa ou injusta, se a pena é excessiva ou branda, na perspectiva do recluso ou, até, do juiz do TEP.
IV- A declaração de arrependimento do recluso não influencia positivamente o juízo de prognose a emitir sobre a liberdade condicional quando decorre da penosidade do cumprimento da pena de prisão e da ânsia de liberdade e tem ínsita a sua vitimização, como é o caso, em vez de constituir a expressão de uma genuína mudança de carácter e de uma firme vontade de passar a pautar a vida pelo respeito pelo Direito,
V- O importante é considerar a evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre, considerando as competências por si adquiridas no período de reclusão, o comportamento prisional, hábitos de trabalho, eventuais tratamentos de adições, seu relacionamento com o crime cometido e as suas consequências para eventuais vítimas, as necessidades subsistentes de reinserção social, as perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I – Relatório:
No processo supra identificado, do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa, foi concedida, por decisão de 7 de abril de 2024, a liberdade condicional ao recluso AA, melhor identificado nos autos.
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O Ministério Público interpôs recurso dessa decisão, pugnando pela sua revogação, nos termos da motivação que juntou aos autos e da qual extrai as seguintes conclusões: (transcrição)
1.ª Vem o presente recurso da decisão datado de 07.04.2024 que concedeu a liberdade condicional a AA por dela se discordar. A decisão recorrida foi proferida após o conselho técnico, por unanimidade, ter emitido parecer desfavorável e o Ministério Público se ter pronunciado desfavoravelmente à libertação.
2.ª Fundou-se o tribunal a quo no cumprimento de uma pena conjunta muito longa, mesmo muito longa (26 e seis anos e 6 meses) por crimes patrimoniais e estradais (essencialmente furtos qualificados e simples e conduções sem habilitação legal (a); já ter ultrapassado largamente o 1/2 da pena conjunta (9.12.2016), bem como consideravelmente o marco dos 2/3 (9.5.2021 – praticamente 3 anos), sendo certo que o marco dos 5/6 (9.10.2025) – data em que obrigatoriamente teria de ser concedida a liberdade condicional – não se mostra muito distante (b); ter ao longo da reclusão, é certo, com avanços e recuos, investido na sua preparação para o meio livre a nível profissional (pelas atividades que foi exercendo) e académico/formativo (c); a sua abstinência actual (d); não obstante a gravidade da infracção disciplinar que protagonizou em Novembro de 2023 não é este desvio a poder colocar em causa a concessão da liberdade condicional (e), efectuando assim um juízo de prognose favorável.
3.ª O Ministério Público não se conforma, porém, com a referida decisão, por entender que não se mostram verificados os pressupostos que fundamentam a concessão da liberdade condicional.
4.ª Ao contrário do que refere a decisão recorrida, inexistem elementos seguros e ponderosos que apontem para um juízo de prognose positivo quanto ao futuro comportamento deste recluso, face aos factores de risco de reincidência não debelados.
5.ª A concessão da liberdade condicional aos dois terços da pena, depende de um requisito que acentua essencialmente razões de prevenção especial, seja negativa, de que o condenado não cometa novos crimes, seja positiva, de reinserção social, e que atende às repercussões que o cumprimento da pena está a ter na personalidade do indivíduo e que pode vir a ter na sua vida futura.
6.ª O condenado AA cumpre sucessivamente as seguintes penas:
a. Pena de 11 (onze) anos de prisão, aplicada no âmbito dos autos de Processo n.º 305/02.6GCBNV, do extinto Círculo de Vila Franca de Xira, o qual realizou o cúmulo de 13 processos, pela prática de oito crimes de furto qualificado, quatro crimes de furto simples, um crime de receptação dolosa, catorze crimes de condução sem habilitação legal, três crimes de furto de uso do veículo, um crime de falsificação de documento e dois crimes de desobediência, pena já integralmente cumprida;
b. Pena de 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de prisão, no âmbito dos autos de Processo n.º 215/04.5SELSB, da 3.ª Vara Criminal de Lisboa, pela prática de dez crimes de furto qualificado, um dos quais na forma tentada, sete crimes de furto simples, um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, oito crimes de condução sem habilitação legal, um crime de resistência e coacção e um crime de desobediência..
7.ª O recluso atingiu os dois terços das penas em 09.05.2021, e tem previsto atingir o termo em 09.03.2030.
8.ª Para a decisão a proferir mostra-se, no entender do Ministério Público, necessário ponderar os seguintes factos:
a) Está (actualmente) em regime comum;
b) É a quarta vez que cumpre pena de prisão efectiva;
c) Em 26/08/2019 foi transferido para o E. P. de ..., de modo a integrar a ... no âmbito do Regime Aberto no Interior (RAI), que iniciara em 10/01/2019. Este regime cessou em 02/03/2020 na sequência de evasão, tendo regressado ao regime comum no dia seguinte, após apresentação voluntária no estabelecimento prisional. Em 11/03/2021 voltou a integrar o RAI, regime que cessou em 07/06/2021, após cometer nova transgressão.
d) Ao longo da reclusão beneficiou de diversas licenças de saída jurisdicionais e licenças de curta duração, designadamente:
i. 07.12.2017 a 10.12.2017 (positiva);
ii. 29.3.2018 a 2.4.2018 (positiva);
iii. 20.4.2018 a 22.4.2018 (negativa);
iv. 24.12.2018 a 27.12.2018 (positiva);
v. 11.1.2019 a 14.1.2019 (positiva);
vi. 04.4.2019 a 8.4.2019 (positiva);
vii. 11.4.2019 a 14.4.2019 (positiva);
viii. 12.7.2019 a 15.7.2019 (positiva);
ix. 05.8.2019 a 10.8.2019 (positiva);
x. 18.10.2019 a 21.10.2019 (positiva);
xi. 24.12.2019 a 30.12.2019 (positiva);
xii. 05.2.2020 a 8.2.2020 (negativa);
xiii. 10.11.2023 a 13.11.2023 (negativa);
e) Retomou o gozo das licenças de saída jurisdicionais (LSJ), tendo beneficiado de uma entre 10/11/2023 a 13/11/2023. No entanto, no regresso desta LSJ, trouxe para o interior do EPVJ material proibido - 2 frascos com testosterona e 201 comprimidos;
f) No EPVJ exerceu atividade laboral, tendo sido desposto na sequência do incidente no regresso da LSJ.
g) apresenta historial de problemática aditiva, designadamente de cocaína e heroína. Foi sujeito a teste de despistagem para produto estupefaciente em 27/11/2023, cujo resultado apresentado foi negativo. Esteve presente nas consultas de psiquiatria e psicologia também em novembro. Não integra programa terapêutico no âmbito aditivo.
h) Reconhece os seus comportamentos criminais, mas desculpabiliza o seu desajuste comportamental e o seu discurso denota fraca reflexão crítica sobre a sua conduta criminal.
i) No período em apreciação não recebeu visitas, apenas apoio económico esporádico da irmã.
j) Regista várias sanções disciplinares designadamente, e cingindo-nos ao ano de 2023:
iii. Duas datadas de 11.04.2023 punida com 4 dias de permanência obrigatória no alojamento;
iv. Uma datada de 13.11.2023 por introdução no EP de 2 frascos com testosterona e 201 comprimidos;
k) Não há menção de que frequente o ginásio ou pratique exercício físico.
9.ª Ou seja, ao contrário do que é afirmado na decisão de concessão de liberdade condicional, o condenado continua a apresentar necessidades de reinserção social aos níveis pessoal, sobressaindo défices de consciência crítica quanto à gravidade do comportamento criminal e impacto do mesmo nas vítimas. A sua postura não denota autocrítica nem evolução, o que sugere que a intervenção penitenciária não aparenta ter promovido alteração na forma de pensar e de agir de AA.
10.ª O recluso reconhece os factos cometidos, mas procura justificar o seu comportamento pela toxicodependência. Mantém discurso autocentrado e apresenta ainda alguma deficiência na sua capacidade de autocrítica. Apresenta, de resto, características de impulsividade e pouca tolerância à frustração.
11.ª O recluso tem comportamento irregular, sendo o seu percurso pautado por vários retrocessos, devido à prática de diversas infracções disciplinares, a última das quais em 2023.
12.ª Quanto a esta última introdução no EPVJ de material proibido (2 frascos com testosterona e 201 comprimidos), em sede da sua audição, a propósito deste comportamento referiu que “precisava de umas vitaminas para treinar, sei que errei, mas precisava de umas vitaminas para treinar”. Mas, não há qualquer menção que o recluso frequente o ginásio ou pratique exercício físico. Acresce que a quantidade por si introduzida no EP suscita dúvidas de que tais substâncias se destinassem exclusivamente a si.
13.ª Não se pode deixar de realçar que as duas últimas saídas jurisdicionais por si requeridas e concedidas tiveram como desfecho a evasão e a introdução no EP de material proibido. Isto é, entre 2021 e 2023 AA não beneficiou de saídas jurisdicionais e, assim que as retoma, incorre logo na prática de uma infracção disciplinar.
14.ª Este seu comportamento só vem reforçar a avaliação que foi feita relativamente à sua forma de ser e agir: falha nas resoluções de problemas e não consegue construir alternativas nas quais consiga superar o problema. Ao invés, tenta resolver os seus problemas, criando outros mais graves.
15.ª Afigura-se-nos ser inultrapassável um juízo de prognose desfavorável à libertação, pois o percurso prisional do recluso leva a concluir pela existência de elevado risco de recidiva criminal, já que aquele apresenta vivência ligada ao consumo de estupefacientes e personalidade adversa ao cumprimento de regras, como o revelam o extenso rol disciplinar que regista, a ausência ilegítima que protagonizou, a introdução de material proibido no EP e os sucessivos retrocessos no percurso prisional em consequência destes factores (não obstante as oportunidades que lhe foram concedidas mediante o gozo de LSJ’s e colocação em RAI, em momento anterior).
16.ª Ponderando o risco de reincidência criminal, é inquestionável a negação da liberdade condicional neste momento da execução da pena, sendo prementes as necessidades de prevenção especial, pelo que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que mantenha a execução da pena até ao final, que aliás se aproxima, razão pela qual o tempo de liberdade condicional nenhum efeito produziria face à gravidade da atividade criminosa, às características pessoais deste recluso e à persistente necessidade de intervenção técnica com vista à aquisição de competências que potenciem a alteração comportamental, o que que ditou a denegação da liberdade condicional nas anteriores apreciações e assim se justifica que se mantenha nesta reapreciação.
17.ª A decisão recorrida não fez correcta aplicação do direito, mormente, do artigo 61.º n.º 3, com referência ao n.º 2 al. a), do Código Penal, devendo ser revogada.”
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O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo.
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O recorrido não apresentou resposta ao recurso.
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Neste Tribunal da Relação, após visto do Ministério Público, procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos legais, após o que foram os autos à conferência para o recurso aí ser julgado, cumprindo agora decidir.
II. Objecto do recurso:
Nos termos do nº 1 do art.º 412.º, n.º 1, do C.P.P. a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
É pacífico o entendimento de que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou das nulidades que não devam considerar-se sanadas, o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.
Atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, importa apreciar se estão ou não verificados os pressupostos legais para a concessão de liberdade condicional ao recluso, quando está decorrido o cumprimento de 2/3 da pena de prisão que o mesmo cumpre.
III- Transcrição da decisão recorrida na parte relevante para a decisão do recurso:
« II. Fundamentação:
1) De facto:
Circunstâncias do caso:
O recluso cumpre, sucessivamente, as seguintes penas de prisão:
1) Única de 11 anos à ordem do P.C.C. n.º 305/02.6GCBNV do Juízo Central Criminal de Santarém (J1) – pena cumprida -, pela prática dos seguintes crimes:
- 8 de furto qualificado;
- 4 de furto simples;
- 1 de recetação dolosa;
- 14 de condução sem habilitação legal;
- 3 de furto de uso de veículo;
- 1 de falsificação de documento;
- 2 de desobediência;
2) Única de 15 anos e 6 meses, à ordem do processo de cúmulo jurídico n.º 215/04.2SELSB do Juízo Central Criminal de Lisboa, pela prática dos seguintes crimes:
- 9 de furto qualificado;
- 1 de furto qualificado, na forma tentada;
- 7 de furto simples;
- 1 de condução perigosa de veículo rodoviário;
- 8 de condução sem habilitação legal;
- 1 de resistência e coação;
- 1 de desobediência;
Cumprimento da pena (marcos):
- Início: 6.9.2003;
- 1/2: 9.12.2016;
- 2/3: 9.5.2021;
- 5/6: 9.10.2025;
- Termo: 9.3.2030;
Vida anterior do recluso:
O condenado é natural de … e cresceu num agregado familiar com acentuadas dificuldades económicas.
A progenitora faleceu quando o condenado se encontrava com 9 anos de idade e ficou aos cuidados de uma avó materna que o obrigou a mendigar na rua.
O progenitor cumpriu várias penas de prisão e já faleceu, sendo que os quatro irmãos foram separados e criados por outros familiares.
AA referiu ter estabelecido uma relação marital entre os 18 e os 24 anos de idade e dessa união tem um filho com 24 anos e uma filha com 22 anos de idade.
A dificuldade em lidar com a separação dessa companheira terá contribuído para o envolvimento no consumo abusivo de bebidas alcoólicas e de estupefacientes, sobretudo a partir dos 23 anos de idade, altura em que estabeleceu uma nova relação marital com uma companheira toxicodependente.
Desta união, tem uma filha com 18 anos, que foi institucionalizada quando o casal foi preso preventivamente à ordem dos processos pelos quais se encontra condenado.
A ex-companheira suicidou-se no estabelecimento prisional.
Personalidade do recluso e evolução durante o cumprimento da pena:
Atitude face ao crime
No que concerne à atitude do condenado face aos crimes que desencadearam a reclusão, de acordo com o referido pelo próprio em entrevistas anteriores, desculpabiliza o seu desajuste comportamental e o seu discurso denota fraca reflexão crítica sobre a sua conduta criminal.
No entanto, nas missivas que dirigiu ao processo (13.12.2023 e 1.4.2024) já denota consciência crítica, arrependimento e revela as consequências da reclusão na sua vida (“mais uma vez peço perdão pelo que fiz; já perdi muitas coisas lá fora, principalmente o crescimento dos meus filhos que também já sou avô, também sobrinhos e primos, é muito triste pelos crimes que fui condenado, crimes por furtos; eu sei que errei na minha vida e já passou 20 anos por furtos e carta de condução e resistência autoridade; eu só quero sair deste inferno e quero ter uma vida boa juntamente dos mais que amo, a minha família; eu pequei e estou a pagar os meus erros”.
Saúde/comportamentos aditivos –
AA assume que manteve o consumo de substâncias psicoativas a partir dos 23 anos de idade e reconhece o impacto negativo dessa problemática no seu percurso de vida.
Atualmente encontra-se abstinente.
Comportamento –
Da sua ficha biográfica constam as seguintes sanções disciplinares:
a) Graves:
1) Internamento quarto individual (10 dias) – 15.1.2007;
2) Internamento quarto individual (3 dias) – 14.5.2007;
3) Internamento em cela disciplinar (8 dias) – 30.10.2007;
4) Internamento em quarto individual (4 dias) – 10.4.2008;
5) Internamento em quarto individual (5 dias) – 2.5.2008;
6) Internamento em cela disciplinar (10 dias) – 9.7.2008;
7) Internamento em quarto individual (5 dias) – 31.7.2008;
8) Internamento em quarto individual (8 dias) – 15.9.2008;
9) Internamento em quarto individual (4 dias) – 29.12.2008;
10) Internamento em quarto individual (10 dias) – 24.4.2009;
11) Permanência obrigatória no alojamento (12 dias) – 12.7.2010;
12) Permanência obrigatória no alojamento (8 dias) – 11.11.2011;
13) Permanência obrigatória no alojamento (10 dias) – 12.3.2012;
14) Internamento em cela disciplinar (5 dias) – 22.4.2012;
15) Permanência obrigatória no alojamento (10 dias) – 0.9.2012;
16) Permanência obrigatória no alojamento (5 dias) – 29.1.2015;
17) Permanência obrigatória no alojamento (5 dias) – 6.2.2015;
18) Permanência obrigatória no alojamento (7 dias) – 26.4.2016;
19) Permanência obrigatória no alojamento (7 dias) – 22.7.2016;
20) Permanência obrigatória no alojamento (27 dias) – 5.3.2020;
21) Permanência obrigatória no alojamento (4 dias) – 12.6.2023;
b) Leves:
1) Repreensão – 17.1.2008;
2) Repreensão – 22.2.2008;
3) Repreensão – 30.4.2009;
4) Repreensão – 13.5.2009;
5) Repreensão escrita – 14.6.2010;
6) Repreensão – 13.7.2010;
7) Repreensão escrita – 27.7.2010;
8) Repreensão escrita – 14.12.2011;
9) Repreensão – 13.6.2012;
10) Repreensão escrita – 29.10.2012;
11) Repreensão escrita – 16.4.2014;
12) Repreensão escrita – 12.6.2014;
13) Repreensão escrita – 11.5.2015;
14) Repreensão escrita – 25.3.2016;
15) Repreensão escrita – 21.2.2017;
16) Advertência – 25.7.2017;
17) Advertência – 14.5.2018; 18) Advertência – 2.11.2020;
19) Repreensão escrita – 22.6.2021;
No mais:
Postura adequada e imagem cuidada.
Tem conhecimento das regras básicas de relacionamento social e faz uso delas. Tem cartão de cidadão válido até 2031.
Não recebe apoio económico do exterior, vivendo do salário que aufere da colocação laboral. Não se regista má gestão do seu pecúlio.
Atividade ocupacional/ensino/formação profissional –
AA, após a sua afetação ao E. P. de ... desenvolveu atividade laboral na …, no setor …, até 01/03/2019.
Voltou a desempenhar funções laborais em 14/05/2020 no setor de …, interrompidas por abertura de processo disciplinar em 03/08/2020 e retomadas em 16/11/2020, após conclusão daquele.
Manteve-se no setor das obras até 11/03/2021, altura em que reintegrou o RAI e voltou a ser afeto às instalações da ….
Reintegrou o regime comum e passou à inatividade laboral em 07/06/2021, voltando a exercer funções laborais em 01/01/2022.
No EPVJ exerceu atividade laboral, tendo sido deposto na sequência do incidente no regresso da última LSJ.
As funções profissionais que desempenhou na carpintaria foram executadas com bastante empenho até 2019, ano em que foi transferido para o E.P. de ...em RAI.
Em meio livre concluiu o 5º ano de escolaridade na ..., revelando algumas dificuldades na aprendizagem.
Durante a execução da pena terminou o 3º ciclo, com a realização de curso de formação profissional de dupla certificação.
Frequentou formação em ... que concluiu com aproveitamento. Frequentou o curso de … de dupla certificação.
Iniciou em outubro de 2016 o curso de dupla certificação nível secundário de …, tendo pedido a sua rescisão em março de 2017 para iniciar funções laborais.
Não está integrado em atividades ocupacionais.
Programas específicos e/ou outras atividades socioculturais –
Não frequentou.
Medidas de flexibilização da pena
Ao longo da reclusão beneficiou de diversas licenças de saída jurisdicionais e licenças de curta duração, designadamente:
1) 7.12.2017 a 10.12.2017 (positiva);
2) 29.3.2018 a 2.4.2018 (positiva);
3) 20.4.2018 a 22.4.2018 (negativa);
4) 24.12.2018 a 27.12.2018 (positiva);
5) 11.1.2019 a 14.1.2019 (positiva);
6) 4.4.2019 a 8.4.2019 (positiva);
7) 11.4.2019 a 14.4.2019 (positiva);
8) 12.7.2019 a 15.7.2019 (positiva);
9) 5.8.2019 a 10.8.2019 (positiva);
10) 18.10.2019 a 21.10.2019 (positiva);
11) 24.12.2019 a 30.12.2019 (positiva);
12) 5.2.2020 a 8.2.2020 (positiva);
13) 10.11.2023 a 13.11.2023 (positiva);
Aquando do regresso desta última LSJ trouxe para o interior do EPVJ material proibido (2 frascos com testosterona e 201 comprimidos).
Em sede da sua audição, a propósito deste comportamento referiu que “precisava de umas vitaminas para treinar, sei que errei, mas precisava de umas vitaminas para treinar”.
Já na carta remetida ao processo a 15.2.2024, assume o comportamento errado e pede desculpa pela sua prática (“eu sei que errei ao vir de precária e trazia comprimidos 201 e dois frascos de substâncias anabolizantes para o fortalecimento da massa muscular. Peço a vossa excelência um pedido de desculpas e eu admiti o erro e entreguei de forma voluntária”.
O regime de cumprimento da pena desde 2008 foi oscilando entre o comum e RAI:
INSERIR QUADRO
Rede exterior: enquadramento/apoio familiar/projetos futuros
AA tem sido apoiado por uma irmã (BB) que o tem acolhido na habitação onde a mesma reside (em sede de licenças de saída jurisdicionais), localizada na ..., tendo a mesma manifestado que lhe poderá garantir apoio em eventual concessão de liberdade condicional.
A habitação em causa é uma pequena moradia arrendada (à razão de 89€ mensais), localizada num bairro antigo de … onde reside a irmã do recluso e a sogra da mesma.
O agregado familiar disponível para o acolher vivência uma condição económica modesta, ainda que tenha manifestado disponibilidade para assegurar as suas necessidades elementares de subsistência enquanto permanecer profissionalmente inativo.
AA não é conhecido no meio comunitário em causa não se antecipando, por esse motivo, rejeição à sua presença.
Atualmente não se colocam necessidades de proteção das vítimas dos crimes protagonizados em caso de libertação, dado o hiato de tempo decorrido e desconhecimento do paradeiro daquelas.
Em liberdade, AA manifesta intenção de trabalhar como ....
1.2. Motivação da matéria de facto:
(….)
2) De Direito
“A liberdade condicional tem como escopo criar um período de transição entre a reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, de forma equilibrada, não brusca, recobrar o sentido de orientação social necessariamente enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre e, nesta medida, a sua finalidade primária é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que, até serem atingidos os dois terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa da sociedade” (Anabela Rodrigues, in “A Fase de Execução das Penas e Medidas de Segurança no Direito Português”, BMJ, 380, pág. 26).
Vale isto por dizer que, alcançados os dois terços da pena, com um mínimo absoluto de seis meses (art. 61.º n.º 3 do C.P.), e obtido o consentimento do recluso, como é o caso, o legislador abranda as exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito da prevenção geral, considerando que o condenado já cumpriu uma parte significativa de prisão e que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas.
Donde, como no caso presente, após os 2/3 da pena, o único requisito material é a expetativa de que o condenado, em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente sem cometer crimes, ou seja, importa que se atente na prevenção especial na perspetiva de ressocialização (positiva) e prevenção da reincidência (negativa).
Pelo que, no que respeita aos fins das penas, subsiste apenas a finalidade de ajuda ao recluso na mudança e regeneração (ressocialização) e na prevenção de cometimento de novos crimes.
Na avaliação da prevenção especial negativa o julgador tem de formular um juízo de prognose sobre o que irá ser a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e o seu comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena.
Vejamos:
A decisão a proferir neste caso, admito, não é simples.
Antes de mais será curial salientar que cumpre uma pena conjunta muito longa, mesmo muito longa (26 e seis anos e 6 meses) por crimes patrimoniais e estradais (essencialmente furtos qualificados e simples e conduções sem habilitação legal).
Anota-se que nas condenações não se elenca quaisquer crimes de roubo.
E tem razão o recluso quando na sua missiva remetida aos autos a 1.4.2024 escreve em linguagem comum que “eu não sou um assassino, nem um violador ou pedófilo ou um traficante”.
Acresce que está em cumprimento de pena pela referida criminalidade desde 6.9.2023, ou seja, há uns longos 20 anos e 7 meses! (como referiu na sua audição, entrei na prisão com 29 anos e tenho 49 anos).
Por outro lado, já ultrapassou largamente o 1/2 da pena conjunta (9.12.2016), bem como consideravelmente o marco dos 2/3 (9.5.2021 – praticamente 3 anos), sendo certo que o marco dos 5/6 (9.10.2025) – data em que obrigatoriamente teria de ser concedida a liberdade condicional – não se mostra muito distante (atendendo, para o efeito, à extensão da sua pena).
Atualmente – as cartas remetidas ao processo são sintomáticas disso -, já apresenta consciência crítica quanto à sua conduta pretérita, mostra arrependimento, mostra-se intimidado com a extensa reclusão (no “corpo e na alma”) e, a meu ver, tem bem noção da perda e consequências que a mesma trouxe para a sua vida.
Ao longo da reclusão, é certo, com avanços e recuos, tem investido na sua preparação para o meio livre a nível profissional (pelas atividades que foi exercendo) e académico/formativo (término do 3º ciclo em curso de formação profissional de dupla certificação; formação em marcenaria com aproveitamento; curso de canalização de dupla certificação; e frequência do curso de dupla certificação de padaria/pastelaria, este, não finalizado por, a dado momento, ter optado por iniciar funções laborais).
Sabendo-se que é um dos principais caminhos para a reincidência, de positivo é de realçar a sua abstinência atual.
O olhar acrítico para o seu sancionamento disciplinar impressiona (40 sanções, 21 graves e 19 leves).
Já uma visão crítica e atenta permitirá alcançar resultados distintos.
Tendo presente as infrações graves (21), temos uma média de uma por ano. Acresce que se concentram 15 nos anos de 2007 a 2012, 2 em 2015, 2 em 2016, 1 em 2020 e 1 em junho de 2023.
Ou seja, o grosso das infrações dizem respeito ao primeiro terço da sua reclusão, cabendo referir que nos últimos 4 anos só teve uma infração disciplinar grave (igualmente, só duas leves – advertência e repreensão escrita), o que demonstra, em meu entender, que logrou inverter o seu comportamento ilícito disciplinar e, paulatinamente, vem conseguindo adequar a sua conduta de encontro às regras e normas vigentes no meio prisional.
Por outro lado, não se afirme que não tem competências para se adaptar ao meio livre.
Objetivamente, os factos indicam o contrário.
Além do já referenciado a nível laboral e académico (em sede de reclusão), anota-se que entre 2017 e 2023 beneficiou de 13 licenças de saída jurisdicional e de curta duração, sendo que 12 delas decorreram de forma positiva e só 1 de modo negativo.
Acresce que dispõe de apoio habitacional e familiar no exterior.
Família (irmã e sogra) que embora vivenciem uma condição económica modesta tem disponibilidade para assegurar as necessidades elementares de subsistência enquanto permanecer profissionalmente inativo.
É nestas circunstâncias que se impõe o acompanhamento próximo da reinserção social, no apoio à obtenção dos subsídios sociais (rendimento social de inserção) e inscrição no Centro de Emprego para posterior de colocação profissional.
A formação do recluso obtida em marcenaria e a sua experiência profissional (durante a reclusão) na carpintaria, até podem constituir uma mais valia na obtenção de colocação profissional, área, aliás, onde manifesta intenção de obter emprego.
Por fim, o “busílis” da questão:
Não escamoteio que o recluso no regresso da última licença de saída jurisdicional gozada (10.11.2023 a 13.11.2023) trouxe para o interior do EPVJ material proibido, designadamente 2 frascos com testosterona e 201 comprimidos.
E não posso deixar de referir que é um comportamento relativamente grave.
No entanto, admito, sempre tive dificuldade de entender o quádruplo sancionamento quase “vicioso” que daí normalmente advém:
1) Sancionamento disciplinar (obviamente, necessário);
2) Inatividade (passagem a pronto a nível laboral e/ou interrupção da frequência escolar);
3) Retardamento considerável a novas medidas de flexibilização da pena (licenças de saída jurisdicional e/ou RAI);
4) Negação da liberdade condicional;
Por vezes, perde-se o cerne ou a essência do que está em causa:
Comportamentos como estes (ou semelhantes) apagam por completo o que de positivo (mais ou menos) foi efetuado nos últimos 20 anos de reclusão?
E têm por consequência necessária a conclusão de que não será “fundadamente de esperar (…) que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”? (art. 61º, n.º 2, al. a) e n.º 3 do C.P.).
Salvo o devido respeito por outra opinião, entendo que não. Tudo depende do caso concreto…
Situações se configuram em que, não obstante a inexistência de infração disciplinar recente, não estão verificados os pressupostos para a concessão da liberdade condicional.
Outras em que, por seu lado, apesar da infração disciplinar recente, esta por si só não coloca em causa os pressupostos da concessão da liberdade condicional.
Quem pode, objetivamente, afirmar que aquele comportamento, por si só, é sinal forte ou inequívoco de que o recluso em liberdade reincidirá na criminalidade?
A resposta correta não reside, em meu entender, neste comportamento recente isolado, outrossim, na imagem global do percurso em sede de reclusão.
Tendo presente o já referenciado e explicado quadro geral, tenho por assente que não será este desvio a poder colocar em causa a concessão da liberdade condicional.
Ademais, note-se:
O recluso admitiu este erro recente.
Pediu desculpa e mostrou arrependimento.
Tem perfeita noção que uma potencial revogação da liberdade condicional implicará o cumprimento de mais 6 anos de pena.
E sabe obviamente o que passou nos últimos 20 anos de reclusão e os custos que daí resultaram para a sua vida pessoal.
Por conseguinte, tendo por base estes dados e os demais já referenciados, a meu ver estão reunidas condições suficientes que já permitem perspetivar que havendo um adequado acompanhamento da restituição ao meio livre, o condenado não irá delinquir e adotará comportamento normativo.
Vistas a questão sob um outro prisma, existem suficientes indicadores que demonstram a capacidade do recluso em desencadear e aderir a um processo de mudança, de forma a alterar os aspetos disfuncionais que apresentou em tempos longínquos pretéritos, refletindo atualmente a probabilidade de conduzir a vida com a adoção de atitudes socialmente aceites e responsáveis.
A liberdade condicional, atento todo o elenco supra, é, assim, suficientemente merecida face ao investimento que o recluso tem feito na sua recuperação e ressocialização, essencialmente nos últimos 5 anos da sua reclusão.
Espero, sinceramente, que saiba aproveitar esta oportunidade que lhe é concedida e que não defraude a confiança que nele é depositada.

IV- Do mérito do recurso:
A aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade ou sejam, a realização de fins de prevenção, geral e especial (art. 40º, nº 1 do C. Penal).
Reflectindo esta noção, dispõe o art. 42º, nº 1 do C. Penal que a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, tendo ainda redacção idêntica o art. 2º, nº 1 do C. Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade,
É precisamente neste âmbito que se insere o instituto da liberdade condicional, entendido - tal como o legislador deixou consignado no parágrafo 9 da Introdução do Código Penal, aprovado pelo Dec. Lei nº 400/82, de 23 de Setembro - não como uma recompensa por boa conduta prisional, mas ao invés como um auxílio e incentivo ao condenado, através da criação de um período de transição entre a prisão e a liberdade, que lhe permita uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais, necessariamente enfraquecida pelo período de reclusão suportado.
O instituto da liberdade condicional assume “um carácter de última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica – que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada – de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade. O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições – substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que vimos fazerem parte das penas de substituição da suspensão da execução da prisão e do regime de prova – que lhe são aplicadas.
Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento”- Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 528.
A liberdade condicional tem a maior importância no sistema de execução da pena de prisão, em especial na execução das penas de média e longa duração, na medida em que afasta os inconvenientes de uma permanência em reclusão por períodos demasiado longos, quando tal deixe de se justificar, e porque assegura uma transição menos brusca da reclusão prisional para a liberdade total, tal como se escreveu nas recomendações do relatório CEDERSP (Comissão para o Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional).
A concessão da liberdade condicional consiste num poder-dever do tribunal vinculado à verificação de todos os pressupostos formais e materiais estipulados na lei.
São os seguintes os pressupostos formais:
a) O consentimento do condenado (artigo 61º, nº 1, do Código Penal (CP);
b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º, nº 2 e 63º, nº 2, do CP);
c) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 (em penas superiores a 6 anos) da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º, nºs 2, 3 e 4 e 63º, nº 2, do CP).
Já os pressupostos materiais são em número diferente consoante estejamos perante o final do primeiro ou do segundo dos supra referidos períodos de execução da pena de prisão.
Assim, na metade da pena, exige-se:
a) um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (als. a) e b), do artigo 61º, do CP), o qual assenta, de forma determinante, numa apreciação sobre a evolução da personalidade do condenado durante o tempo de execução da prisão (juízo atinente à prevenção especial positiva ou de ressocialização);
b) Um juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), ou seja, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social.
São pressupostos de natureza material da aplicação de tal instituto a 2/3 da pena:
a) Somente o juízo de prognose favorável referido supra em a).
Verificados os requisitos formais, deve o julgador, averiguar se o condenado está preparado para se reintegrar na sociedade sem cometer crimes (artigo 42º, nº 1, do CP).
Para a formulação do juízo de prognose, o tribunal atenderá aos critérios estabelecidos na alínea a) do nº 2 do artigo 61º do Código Penal, quais sejam: 1) as circunstâncias do caso; 2) a vida anterior do agente; 3) a sua personalidade e 4) a evolução desta durante a execução da pena de prisão.
Toda a prognose é uma probabilidade, uma previsão da evolução futura de uma situação, fundada no conhecimento da evolução de situações semelhantes, sendo aplicáveis as mesmas condições ou seja, fundada nas regras da experiência. Por isso não é nunca possível a formulação de um juízo de certeza na análise da concessão da liberdade condicional. Na verdade, nenhuma decisão pode assegurar que não mais o condenado, uma vez em liberdade, voltará a delinquir.
Significa isto que, feita a conjugação e ponderação dos factores supra enunciados, a liberdade condicional deverá ser concedida quando o julgador conclua que o condenado reúne condições que, razoavelmente, fundam a expectativa de que, uma vez colocado em liberdade, assumirá uma conduta conforme às regras da comunidade.
Inversamente, a liberdade condicional deverá ser negada quando o julgador conclua que o condenado não reúne tais condições, seja porque o juízo contrário se revela carecido de razoabilidade, seja porque se revela temerário.
Na formulação deste juízo, o Tribunal de Execução de Penas deve basear-se em razões consistentes com os objectivos da decisão condenatória e fazer uma avaliação razoável à luz desse objectivos. As circunstâncias do caso, a vida anterior do condenado, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão funcionam como índice de ressocialização e de um comportamento futuro sem o cometimento de crimes.
No juízo a tecer - e como não podia deixar de ser, num estado de direito democrático - o TEP tem de ter presente que está assente que o recluso cometeu o crime cuja pena está a cumprir e que a pena que lhe foi aplicada é a pena justa para o caso.
Quanto ao número e gravidade dos crimes praticados o tribunal da condenação já tratou desta matéria ao tipificar as condutas, estabelecendo o grau de culpa, determinante da medida concreta das penas.
De facto, o Tribunal de Execução de Penas não é o tribunal do julgamento e não tem poderes recursórios, cabendo-lhe tão só executar a decisão com todas as garantias jurisdicionais. Pouco importa saber se a condenação foi justa ou injusta, se a pena é excessiva ou branda, na perspectiva do recluso ou, até, do juiz do TEP.
(neste sentido, Ac da RL de 29-06-2023, Processo: 434/18.4TXEVR-M.L1-9, Relator: PAULA PENHA, e da RP de 20-02-2019, Processo: 1407/11.3TXPRT-P.P1 Relator: HORÁCIO CORREIA PINTO, in www.dgsi.pt).
Revertendo ao co caso dos autos, vemos que o recluso atingiu os dois terços das penas em 09.05.2021 e tem previsto atingir o termo em 09.03.2030.
A apreciação em causa reporta-se a uma reapreciação da concessão da liberdade condicional tendo por marco temporal os 2/3 da pena – art.º 180 do CEPMPL.
Estando verificados os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional (consentimento do condenado e cumprimento de dois terços da pena, superior a seis meses), o tribunal recorrido considerou estar também preenchido o requisito de ordem material previsto no artigo 61.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal.
Contudo, não conseguimos formular este juízo de prognose favorável ao comportamento do arguido em liberdade, por uma conjugação de factores.
Vejamos que o recluso beneficiou de Medidas de Flexibilização da Pena, importantes para testar o seu comportamento, nomeadamente a sua adesão a comportamentos normativos, em liberdade.
Contudo, por mais do que uma vez o recluso não correspondeu ao voto de confiança que lhe foi dado.
Assim, a licença de saída jurisdicional concedida entre 05.2.2020 e 8.2.2020 foi revogada.
Tal benefício foi-lhe novamente concedido a 10.11.2023, e uma vez mais com insucesso, dado que no regresso ao EP, a 13.11.2023 trouxe para o interior do EPVJ material proibido: 2 frascos com testosterona e 201 comprimidos.
Para além da revogação da saída jurisdicional, em virtude deste comportamento o recluso foi sancionado disciplinarmente e foi -lhe retirada a possibilidade de trabalhar no EP.
Mas vemos ainda que, ao longo da reclusão, o recluso sofreu inúmeras sanções disciplinares, que estão elencadas na decisão recorrida e das quais se salientam as cometidas no ano de 2023:
- Duas datadas de 11.04.2023, punida com 4 dias de permanência obrigatória no
alojamento;
-. Uma datada de 13.11.2023 por introdução no EP de 2 frascos com testosterona e 201 comprimidos.
O condenado demonstra, pois, com este seu comportamento, dificuldades de adaptação às normas institucionais e de controlo de impulsos, reiterando comportamentos normativamente desviantes e revelando possuir uma personalidade temerária e indiferente ao dever ser jurídico, não se deixando intimidar com a reclusão nem impulsionando positivamente pelos votos de confiança que lhe foram dados com a concessão do RAI e de licenças jurisdicionais e administrativas e nem sequer com a perspetiva da liberdade condicional.
Durante a reclusão, o condenado desenvolveu atividade laboral na ..., no setor agrícola, até 01/03/2019. Voltou a desempenhar funções laborais em 14/05/2020 no setor de manutenção de obras, interrompidas por abertura de processo disciplinar em 03/08/2020 e retomadas em 16/11/2020, após conclusão daquele. Manteve-se no setor das obras até 11/03/2021, altura em que reintegrou o RAI e voltou a ser afeto às instalações da .... Reintegrou o regime comum e passou à inatividade laboral em 07/06/2021, voltando a exercer funções laborais em 01/01/2022.
No EPVJ exerceu atividade laboral, tendo sido desposto na sequência do incidente no regresso da LSJ.
Em meio livre concluiu o 5º ano de escolaridade na ..., revelando algumas dificuldades na aprendizagem.
Durante a execução da pena terminou o 3º ciclo, com a realização de curso de formação profissional de dupla certificação.
Frequentou formação em ... que concluiu com aproveitamento.
Frequentou o curso de canalização de dupla certificação.
Iniciou em outubro de 2016 o curso de dupla certificação nível secundário de padaria/pastelaria, tendo pedido a sua rescisão em março de 2017 para iniciar funções laborais.
Actualmente, está em regime comum, sendo que por duas vezes, ao longo da reclusão, lhe foi concedido o Regime Aberto no Interior (RAI) – uma em 10/1/2019 e outra em 11/3/2021- e que de ambas as vezes cessou tal regime: a primeira vez em 02/03/2020 na sequência de evasão e a segunda em 07/06/2021, após cometer uma infração disciplinar.
Ora, lembramos aqui que o CEPMPL distingue três modalidades de execução da pena de prisão - Regime comum, Regime aberto e Regime de segurança – e que a colocação em cada um desses regimes faz-se em função da avaliação do recluso e da sua evolução ao longo da execução.
Como prescreve o artigo 13.º deste diploma, “O recluso é colocado em regime comum quando a execução da pena ou medida privativa da liberdade não possa decorrer em regime aberto nem deva realizar-se em regime de segurança, nos termos dos artigos seguintes.”
O regime aberto no interior, de que o recluso beneficiou por duas vezes, previsto no artº 14º do CEPMPL e nos Artigos 179.º e ss. do DL n.º 51/2011, de 11 de Abril (REGULAMENTO GERAL DOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS), funciona como um instrumento de flexibilização de execução da pena e destina-se a favorecer os contactos com o exterior e a aproximação à comunidade. Neste regime, o recluso desenvolve actividades no perímetro do estabelecimento prisional ou nas suas imediações, com vigilância atenuada, podendo ser laborais, escolares, de formação profissional ou quaisquer outras compatíveis com a natureza desta modalidade
A colocação em cada um desses regimes faz-se em função da avaliação do recluso e da sua evolução ao longo da execução e evidentemente que o regresso ao regime comum constitui um retrocesso e denota uma frustração das expectativas que a administração do estabelecimento prisional tinham no recluso.
De tudo o que acima foi exposto resulta que o percurso prisional do recluso foi oscilantes, feito de avanços, de investimentos, de aquisição de competências, mas também de recuos, sendo que o percurso mais recente é negativo, com infrações disciplinares, revogações de licenças de saída e revogação do RAI, com regresso ao regime comum.
Evidentemente que não advogamos que a um recluso em regime comum não possa ser concedida a liberdade condicional e que a um recluso em regime aberto tenha de ser concedido o regime aberto. Não é isso que se diz. O artº 12º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei nº 115/2009 de 12-10, que rege as modalidades e características dos estabelecimentos prisionais, bem como o artº 14º do CEPMPL, subordinado à epígrafe “regime aberto” nada têm a ver com a liberdade condicional, nem como os seus requisitos ou pressupostos legais.
O que se disse e pretendeu dizer é tão só que no juízo a tecer, tem de ser ponderado desfavoravelmente este recente percurso prisional, reflexo de que o recluso tem sérias dificuldades em manter um comportamento normativo, de obedecer às regras da instituição em que se insere, sendo detentor de uma personalidade impulsiva, instável e temerária.
Escreve o juiz a quo que considerando a mais recente infração, “tem dificuldade de entender o quádruplo sancionamento quase “vicioso” que daí normalmente advém:
1) Sancionamento disciplinar (obviamente, necessário);
2) Inatividade (passagem a pronto a nível laboral e/ou interrupção da frequência escolar);
3) Retardamento considerável a novas medidas de flexibilização da pena (licenças de saída jurisdicional e/ou RAI);
4) Negação da liberdade condicional;
Por vezes, perde-se o cerne ou a essência do que está em causa:
. Comportamentos como estes (ou semelhantes) apagam por completo o que de positivo (mais ou menos) foi efetuado nos últimos 20 anos de reclusão?
E têm por consequência necessária a conclusão de que não será “fundadamente de esperar (…) que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”? (art. 61º, n.º 2, al. a) e n.º 3 do C.P.).
Salvo o devido respeito por outra opinião, entendo que não.
Tudo depende do caso concreto…”
Na realidade, não se compreende o raciocínio do Tribunal a quo.
Resulta do artº 85 do CEPMPL que o “Se, durante a licença de saída, o recluso deixar de cumprir injustificadamente qualquer das condições impostas, pode a entidade que a concedeu fazer-lhe solene advertência, determinar a impossibilidade de apresentação de novo pedido durante seis meses ou revogar a licença de saída.”
E diz o n.º 5 que “Ao revogar a licença de saída, a entidade que a concedeu determina a fixação de um prazo, entre 6 e 12 meses a contar do regresso ao estabelecimento prisional, durante o qual o recluso não pode apresentar novo pedido.”
Nos termos do disposto no Artigo 104.º do CEPMPL, o comportamento do recluso constitui infração disciplinar grave que, naturalmente, tem de ser punido.
Quanto à suspensão e extinção da atividade laboral por parte do recluso, está prevista no artigo 83.º a 85 do regulamento geral dos Estabelecimentos Prisionais e pode, fundar-se em razões de ordem, disciplina e segurança do estabelecimento prisional.do RGSP.
Pergunta-se agora: deve ser mantido o recluso em regime aberto ao interior depois de praticar uma infração disciplinar grave?
A concessão de tal regime de execução da pena em regime tem ínsito um voto de confiança no recluso e na sua capacidade para adoptar um comportamento normativo, confiança essa que cessa, evidentemente, quando um recluso pratica uma infração disciplinar grave aquando da concessão de uma licença de saída.
Atentemos no art.º 14º do CEPMPL:
“1 - O recluso condenado é colocado em regime aberto, com o seu consentimento, se:
a) Não for de recear que se subtraia à execução da pena ou medida privativa da liberdade ou que se aproveite das possibilidades que tal regime lhe proporciona para delinquir; e
b) O regime se mostrar adequado ao seu comportamento prisional, à salvaguarda da ordem, segurança e disciplina no estabelecimento prisional, à protecção da vítima e à defesa da ordem e da paz social”
E vejamos que diz o n.º 5 do mesmo normativo:
“A colocação do recluso em regime aberto cessa se deixarem de verificar-se os pressupostos previstos nos números anteriores ou se o recluso deixar de cumprir as condições estabelecidas aquando da sua concessão.”
Ou seja, o comportamento do recluso tem efetivamente uma série de consequências, tal como sucede relativamente a múltiplos comportamentos das pessoas em diversas sedes da vida societária.
E uma das consequências deste comportamento do recluso é precisamente a de que se conclua que não está ainda preparado para, em liberdade, pautar a vida pelo respeito pelo Direito.
Mas outros factos nos impedem de tecer o necessário juízo de prognose favorável ao comportamento do recluso em liberdade.
Consta do elenco dos factos provados da sentença recorrida o seguinte:
- “No que concerne à atitude do condenado face aos crimes que desencadearam a reclusão, de acordo com o referido pelo próprio em entrevistas anteriores, desculpabiliza o seu desajuste comportamental e o seu discurso denota fraca reflexão crítica sobre a sua conduta criminal.
- No entanto, nas missivas que dirigiu ao processo (13.12.2023 e 1.4.2024) já denota consciência crítica, arrependimento e revela as consequências da reclusão na sua vida (“mais uma vez peço perdão pelo que fiz; já perdi muitas coisas lá fora, principalmente o crescimento dos meus filhos que também já sou avô, também sobrinhos e primos, é muito triste pelos crimes que fui condenado, crimes por furtos; eu sei que errei na minha vida e já passou 20 anos por furtos e carta de condução e resistência autoridade; eu só quero sair deste inferno e quero ter uma vida boa juntamente dos mais que amo, a minha família; eu pequei e estou a pagar os meus erros”).
Notamos que para a formulação do juízo de prognose favorável não se exige, evidentemente, “uma irrestrita assunção da culpabilidade ou, reversamente, ausência de esforços subjectivos de racionalização da conduta mais ou menos injustificados – como se um condenado persistentemente inconfesso ou até convicto de ser indevida a condenação, não pudesse beneficiar da liberdade condicional mesmo quando, verificados os mais pressupostos, tudo solidamente apontasse para risco diminuto ou nulo de comissão de novos crimes. Em um Estado de direito democrático, fundado no princípio da dignidade humana (art. 1.º e 2.º, da Constituição da República), não cabe entre os objectivos de uma pena criminal a transformação do condenado em homem novo, corrigido das suas íntimas convicções quanto aos motivos da actuação respectiva e psicologicamente reconfigurado pela sanção; realisticamente, o que tem de exigir-se como índice da desejada ressocialização, e apenas isso, é a interiorização de uma objectiva adesão à norma criminal e disponibilidade pessoal para tanto, não uma íntima conversão. Um genuíno arrependimento, enquanto interiorização plena do desvalor da conduta e consequente autocrítica relativamente a ela, constitui um poderoso sinal da disponibilidade do condenado a uma conduta futura que se paute pela responsabilidade, assim potenciando o juízo de prognose favorável, mas a falta de arrependimento, ou a sua imperfeição, não pode sem mais importar privação dos benefícios da liberdade condicional enquanto poderoso instrumento de ressocialização.” – Ac RC de 12/7/2023, Processo: 6803/10.0TXLSB-AG.C1, Relator: PEDRO LIMA.
Mas, do mesmo modo, a declaração de arrependimento do recluso não influencia positivamente o juízo de prognose a emitir sobre a liberdade condicional quando decorre da penosidade do cumprimento da pena de prisão e da ânsia de liberdade e tem ínsita a sua vitimização, como é o caso, em vez de constituir a expressão de uma genuína mudança de carácter e personalidade (neste sentido, AC da RC de 11-10-2017, Processo:744/13.7TXPRT-K.C1, Relator: ELISA SALES)
O importante é, na verdade, considerar a evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica daquele, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre, considerando as competências por si adquiridas no período de reclusão, o comportamento prisional, hábitos de trabalho, eventuais tratamentos de adições, seu relacionamento com o crime cometido e as suas consequências para eventuais vítimas, as necessidades subsistentes de reinserção social, as perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional, tudo conjugado.
Como consta do Ac RC de 8-08-2008, in www.dgsi.pt:
“o juiz tem a obrigação de olhar criticamente para essa evolução sem olvidar a necessidade de valoração conjunta com os demais critérios legalmente estabelecidos e supra expostos. Não é qualquer evolução que justifica a libertação condicional e mesmo havendo evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão a libertação condicional só se justifica depois de devidamente ponderados os demais critérios legalmente consignados” e, “a existência de alguma evolução da personalidade durante a execução da pena pode não bastar para justificar a libertação condicional se a avaliação das circunstâncias concretas do caso, da vida anterior do agente e da sua personalidade impuserem um juízo de prognose desfavorável”.
Chamamos a atenção para o teor do relatório elaborado pela DGRSP e junto ao processo, onde consta que o recluso “(…) recusou comparecer à entrevista para a qual foi convocado em 12/12/2023, destinada à recolha de dados para elaboração do presente documento, existindo documento justificativo de tal decisão no seu dossiê individual, assinado pelo próprio”.
Ora, esta atitude do recluso, recusando a colaboração com os técnicos da DGRSP - que são as pessoas pessoas que funcionalmente têm a obrigação de elaborar os instrumentos que a lei exige para a apreciação da LC - foi tomada, além do mais, pouco tempo depois a prática de uma infração disciplinar, sabendo ele que se aproximava a apreciação da concessão da liberdade condicional.
Uma vez mais, o arguido adoptou um comportamento impulsivo, temerário e irresponsável, próprio de uma personalidade imatura e impreparada para respeitar os comandos que a vida da sociedade impõe.
Em suma, o recluso demonstra pouca consciência crítica face aos factos por cuja prática foi condenado, não demonstrou vontade em alterar o seu percurso de vida, e é muito fraco, não só o seu juízo crítico em face dos comportamentos que foi adoptando em reclusão, como também a sua capacidade em sobrepor um juízo crítico aos seus impulsos e às suas vontades, desejos e emoções. É exigível uma mais acentuada e inequívoca demonstração da vontade do recluso de não cometer crimes no futuro para que seja possível a formulação de um juízo de prognose favorável a esse respeito.
Desta forma, e mesmo sabendo que o recluso tem no exterior o apoio da irmã, com quem iria residir, todos estes factores, globalmente valorados, não transmitem garantias suficientes de que o recluso tenha criado os contra estímulos adequados à tendência criminosa e aptidão para se reinserir socialmente.
Concluindo: são ainda intensas as exigências de prevenção especial positiva, sendo precoce e temerária a restituição do recorrente à liberdade.
O recluso tem de facto ainda um percurso a realizar em reclusão, no sentido do controlo dos seus impulsos e da interiorização da necessidade de cumprir as regras necessárias à vida em comunidade, sejam elas as do estabelecimento prisional onde reside, sejam as da sociedade onde se irá inserir.
Só assim poderá o recluso alterar, de uma vez por todas, o seu anterior padrão de vida e poderá ser feito um juízo de prognose favorável ao comportamento do recluso em liberdade.
Não estando verificados os pressupostos da concessão da liberdade condicional, são procedentes as conclusões do recurso.

V- Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, em julgar procedente o recurso do Ministério Público, revogando a decisão recorrida e não concedendo a liberdade condicional ao recluso.
*
Sem custas
*
Notifique-
Comunique de imediato ao TEP e ao E.P., com cópia do presente acórdão.
Lisboa, 18 de junho de 2024
Sara Reis Marques
Luísa Oliveira Alvoeiro
Maria José Machado – voto de vencido

Vencida quanto à decisão proferida, pelas seguintes razões:
A partir da reforma penal operada em 1982 pelo Decreto Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, foi intenção do legislador que a liberdade condicional deixasse de ser vista como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, passando antes a servir um objectivo bem definido, que é o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão (ponto 9 da Introdução daquele Decreto Lei).
Com a medida da liberdade condicional, que pode ser normalmente decretada logo que cumprida metade da pena (artigo 61.º, n.º 1) diz-se no mesmo diploma:
«espera o Código fortalecer as esperanças de uma adequada reintegração social do internado, sobretudo daquele que sofreu um afastamento mais prolongado da colectividade. Assim se compreendem, por um lado, a fixação de mínimos de duração para o período da liberdade condicional (artigo 61.º, n.º 3) e, por outro, a obrigatoriedade da pronúncia dela, decorridos que sejam cinco sextos da pena, nos casos de prisão superior a 6 anos (artigo 61.º, n.º 2). Por outro lado, a imposição de certas obrigações na concessão da liberdade (artigo 62.º, com referência aos n.ºs 2 e 3 do artigo 54.º) e a possibilidade do apoio de assistentes sociais (artigo 62.º, com referência ao artigo 55.º) atenuarão, certamente, a influência de várias «componentes exteriores da perigosidade», com o que melhor se garantirá o sucesso de uma libertação definitiva.»
No caso, impressiona, sobremaneira, o tempo de prisão já cumprido pelo recluso – 20 anos e 7 meses -, pela prática de crimes contra o património (nenhum deles com recurso a violência) crimes de desobediência e crimes de condução sem carta ou de condução perigosa – e a circunstância de, perante um já tão longo período de reclusão do condenado, todos os pareceres serem negativos devido a certos comportamentos que o mesmo tem tido ao longo do cumprimento da pena e pelos quais tem sido sancionado disciplinarmente.
As penas de prisão de longa duração apresentam, como já demonstrado por estudos sociológicos e criminológicos, malefícios que prejudicam a saúde mental e física dos prisioneiros.
Como assinala Américo Taipa de Carvalho (in Direito Penal Parte Geral Questões Fundamentais, p. 109, «a realidade dos estabelecimentos penitenciários tem demonstrado uma contradição entre a finalidade ressocializadora da pena e a realidade dessocializadora e criminógena dos estabelecimentos prisionais, sendo estes considerados verdadeiras “escolas do crime”.»
O princípio da humanidade das penas, quer na sua vertente de respeito pelos direitos fundamentais do recluso, quer no uso racional e proporcional das sanções penitenciárias, e o da dignidade da pessoa humana devem ser a base do tratamento penitenciário, servindo de limite às condições prejudiciais que resultam para o recluso da sua exposição prolongada a uma pena longa de prisão.
O percurso prisional do recluso tem efectivamente um pendor negativo que não abona a seu favor, mas que, no global, considerando a soma dos anos a que o mesmo respeita, não pode deixar de se considerar mais positivo do que negativo, tendo em conta o ambiente de contenção e de tensão a que os reclusos estão sujeitos na prisão.
O recluso teve um passado de consumo de heroína e cocaína, sendo que, em 2023, num controlo, não apresentava vestígios de ter consumidos estupefacientes, não tendo qualquer programa terapêutico activo. Não se sabe qual foi o percurso do recluso neste domínio de 2003 para cá, assim como, referindo-se que o recluso terá tido um problema na penúltima saída precária, tendo, ao que parece, regressado tarde, o que o Ministério Público refere como sendo uma evasão, não se procurou saber o que é que aconteceu ao certo e se há processo penal pendente. Por outro lado, diz o Ministério Público que esta é a 4.ª pena que o recluso cumpriu, mas não é isso que resulta dos factos.
Estamos perante uma pluralidade de crimes, é certo, mas na sua grande maioria de furtos simples, furtos qualificados e conduções sem carta. Não há registo de um só crime violento ou em que tenha sido exercida violência sobre as pessoas e isso não pode deixar de ser tido em conta.
O recluso está preso há mais de 20 anos tendo durante esse tempo beneficiado de 13 saídas jurisdicionais, sendo apenas uma qualificada de negativa. Na última licença de saída jurisdicional, em 2023, trouxe para o interior do estabelecimento Prisional substâncias proibidas, o que no entender do recorrente é muito desvalioso e impede um juízo de prognose favorável.
O juízo de prognose que se exige para a concessão da liberdade condicional é o do comportamento do recluso em liberdade e não num ambiente de privação da liberdade, em que tudo serve para obstar à expiação de isolamento em que se é votado e em que, também por isso, acaba por praticar infracções.
Na avaliação do juízo de prognose favorável em que assenta a liberdade condicional aos 2/3 da penas, não pode atender-se apenas às infracções cometidas pelo recluso ao longo do tempo em que o mesmo esteve preso, conhecidos que são os efeitos contentores, de crispação e privação a que o recluso está sujeito, esquecendo-se todo o restante percurso prisional, quer comportamental, quer de investimento na própria formação escolar e profissional do recluso, que lhe dá ferramentas para uma melhor adaptação ao meio livre, sendo certo que, como já se referiu, foi intenção clara do legislador que a liberdade condicional deixasse de ser um “prémio” pelo bom comportamento do recluso, mas antes uma via de fazer a adaptação do recluso da prisão para o meio livre, com vista à sua reintegração.
No caso, o recluso investiu, durante a sua permanência na prisão, na sua formação escolar profissional, tendo adquirido ferramentas que, em liberdade, o habilitam ao mercado de trabalho, além de ter vindo a trabalhar dentro dos estabelecimentos por onde tem passado. Além disso, o recluso beneficia de apoio no exterior, designadamente em casa de uma irmã que está disposta a acolhê-lo, e revelou, por escrito, citando a decisão recorrida “consciência crítica quanto à sua conduta pretérita, mostra arrependimento e que está intimidado com a extensa reclusão”.
O risco de o recluso voltar a praticar crimes existe em função do mais recente incidente após a sua última saída jurisdicional e não é de desprezar. Contudo, cremos que esse risco, tendo em conta o longo tempo de prisão já cumprido pelo recluso e aquele que tem sido o seu percurso pessoal e profissional dentro de muros, ainda se situa dentro de limites sociais aceitáveis por forma a comportar um juízo de prognose favorável, se a liberdade condicional for acompanhada de um controlo apertado por parte dos Serviços da Reinserção Social e de mecanismos de apoio que permitam ao recluso a obtenção de trabalho e de um mínimo económico para se sustentar enquanto não arranja trabalho.
A reinserção na vertente da reincidência só se consegue com a conjugação do empenhamento, autonomia e responsabilidade do recluso e o papel interveniente das instâncias auxiliares da execução das penas privativas de liberdade.
A não concessão da liberdade condicional a um recluso que passou grande parte da sua vida adulta na cadeia, por já ter cumprido 20 anos e 7 meses de prisão, pela prática de vários crimes de furto simples, furto qualificado, desobediência e condução sem carta, nenhum deles violento ou com recurso ao uso de violência contra as pessoas, por não ter um comportamento prisional primoroso ou aceitável, não deixa de constituir uma afronta ao princípio da humanidade das penas e de ser visto socialmente como uma injustiça relativa em relação a outros reclusos que viram a liberdade condicional ser-lhes concedida aos 2/3 da pena, pela prática de crimes bem mais graves.
Termos em que, concederia, no caso, a liberdade condicional ao recluso, assim confirmando a decisão recorrida.Tudo visto e ponderado (em sentido divergente do M.P. e do Conselho Técnico), creio que estão reunidas condições para que seja concedida a AA a liberdade condicional.»