Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12771/17.0T8LSB.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: CONTRATO DE MANDATO COM ADVOGADO
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
PERDA DE CHANCE
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- O advogado, no exercício das suas funções, deve agir na defesa dos interesses do cliente de acordo com as boas regras da profissão (leges artis) mas sempre com independência e autonomia técnica; a obrigação que assume, enquanto mandatário, perante o seu mandante é uma obrigação de meios e não de resultado.
II- Os comportamentos positivos ou omissivos que traduzem falta de diligência profissional devem constituir conditio sine qua non do insucesso da ação ou da defesa, obstando per se a que o autor ganhe o que reclamava ou perca o que lhe era reclamado, pois só se assim for, se perspetiva a atribuição de indemnização por perda de chance.
III- Para além dos requisitos gerais da responsabilidade civil, destacam-se duas condições necessárias para que se verifique a obrigação de indemnizar com fundamento na “perda de chance”:
(i) Em primeiro lugar, a existência de uma falta grave do mandatário forense que, por si só, seja idónea a impedir um desfecho jurídico desfavorável ao mandante;
(ii) Em segundo lugar, a probabilidade elevada de que esse desfecho favorável pudesse ter-se verificado, se não tivesse ocorrido a referida falta grave, o que pressupõe a realização do chamado “julgamento dentro do julgamento”.
IV- O montante da indemnização a arbitrar não tem, de ser igual, e em regra não será, à totalidade do pedido do autor ou ao prejuízo que o réu deixaria de suportar, caso, como se trata no caso em análise, tivesse vindo a ser decidido favoravelmente o recurso que não chegou a ser admitido, pois não se pode cair num excesso de responsabilização, com o correspondente “enriquecimento do lesado”, nem na transformação do lesante em verdadeiro garante da concretização da chance.
V- Na fixação do quantum indemnizatório, não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará, equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados, de acordo com o disposto pelo artigo 566º, nº 3, do Código Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO

S, LDA. instarou acção declarativa de condenação com processo comum contra:
J, advogado e
SEGURADORA…, S.A. anteriormente designada, …, sendo interveniente:
A… LIMITED, todos melhor identificados nos autos.
A Autora formula o seguinte pedido:
a) serem os Réus condenados a pagar à Autora o montante de €150.708,33 (cento e cinquenta mil, setecentos e oito euros e trinta e três cêntimos), correspondentes ao valor que a Autora teve de pagar à SP;
b) cumulativamente, serem os Réus condenados a pagar à Autora o montante de €36.290,56 (correspondente ao valor que a Autora deixou de receber da SP);
c) subsidiariamente aos pedidos deduzidos em a) e b), serem os Réus condenados a pagar à Autora o montante que venha a ser doutamente arbitrado por este Tribunal, de acordo com um juízo de equidade, nos termos do artigo 566.º, n.º 3 do C.C.
  Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte:
No âmbito da sua atividade comercial, a Autora celebrou com uma sociedade terceira, denominada SP…, Lda. um contrato de empreitada.
Por referência a tal contrato de empreitada, a SP…, Lda. instaurou uma ação declarativa contra a aqui Autora, a qual correu os seus termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial do Fundão, sob o n.º 1315/03.1TBFN.
Naquela acção, a Autora pedia a condenação da Ré, aqui Autora, no valor de €104.936,96 referente a trabalhos, por si prestados, no âmbito do referido contrato de empreitada.
Mediante sentença proferida no âmbito do mencionado processo, veio aquela acção a ser julgada totalmente procedente, tendo a ora Autora sido condenada nos pedidos contra si deduzidos e a SP absolvida do pedido reconvencional que a Autora, entretanto formulara.
Não se conformando com tal sentença, a aqui Autora deu instruções expressas ao 1.º Réu, seu mandatário judicial no âmbito da referida acção, para que este interpusesse recurso da decisão.
Sucede, porém, que o recurso não foi por aquele apresentado em tempo, não tendo sido admitido, precisamente por extemporaneidade.
A ora Autora, convicta da probabilidade de provimento do recurso, caso tivesse sido apreciado, vem reclamar dos Réus o pagamento de indemnização pelo dano de perda de chance de obter sucesso naquele processo judicial.
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Citado, veio o 1º R. contestar, alegando que a Autora não demonstrou quaisquer prejuízos passíveis de ser indemnizados, ou existência de nexo causal entre os factos e os pretensos danos, bem como defende que a A. age em abuso do direito. Mais defende que a probabilidade de sucesso do recurso era diminuta. Termina pedindo, com a improcedência da acção, a sua absolvição do pedido.

Citada, veio a R. Seguradora contestar, refutando a tese da A. e entendendo que, pelo contrário, a procedência do recurso seria muito improvável.

Admitida a intervenção de A…LIMITED e citada, veio contestar, alegando que a apólice já há muito havia cessado a sua vigência, à data do sinistro. No mais, defende também a ínfima probabilidade de procedência do recurso.
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Decorridos todos os trâmites legais, veio a ser realizado o julgamento e, após proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os Réus e Interveniente do pedido.
Inconformada com esta sentença, a Autora veio interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação.
Neste Tribunal da Relação de Lisboa veio a ser proferida decisão singular pela Exma. Relatora.
Dessa decisão singular que confirmou a decisão recorrida, vem a Autora, inconformada, reclamar para a conferência. Submetido o caso à conferência, não foi possível obter acordo quanto à decisão, pelo que se passa a proferir acórdão, nos termos previstos no art.º 663.º n.º 3 do CPC.
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A Apelante formulou as seguintes conclusões:
i. Vem, o presente recurso interposto da douta Sentença de 9 de março de 2020, que, julgando improcedente a ação, absolveu os Réus e a Interveniente Principal dos pedidos formulados;
ii. Ainda, antes de se debruçar sobre o punctum saliens deste processo, cumpre destacar que, no entender do Recorrente, a Sentença recorrida incorre em nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, por omissão de pronúncia quanto a três dos argumentos que constituem causa de pedir da presente ação, a saber: a aceitação ou não do orçamento; o aditamento ou não de trabalhos subsequentes; e, bem assim, a receção (ou não) da fatura no valor de €104.936,96,
iii. Ora, tendo em linha de conta que este argumentário não foi analisado pela Sentença e que o mesmo não cai na previsão da exceção prevista no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, entende a Apelante que a Decisão de 9 de março de 2020, encontra-se eivada nos termos acima expostos.
iv. No que concerne ao objeto da presente demanda, cumpre recordar, como recolhe a Sentença posta em crise, que o mesmo se reconduz a “saber se se constituiu na esfera jurídica da autora o direito a ser indemnizada pelo 1.º réu, com fundamento na responsabilidade contratual / civil” e, em caso afirmativo, “(…) fixar o quantum da indemnização” e, bem assim, “saber se a responsabilidade pelo pagamento da indemnização (…) é transferida para a/s seguradora/s e em que medida”;
v. É inegável, como recolhe a Decisão sub judice, que a Recorrente celebrou com o 1.º Réu um contrato de mandato, com vista a que este a representasse no litigio que a opunha à SP, o qual surgiu no seguimento da celebração e execução, entre estas últimas, de um contrato de empreitada (cfr. Factos Provados n.ºs 5, 6 e 7 da Sentença);
vi. O 1.º Réu, no âmbito do exercício da sua atividade, contratou a apólice do seguro n.º ….9 com a 2.ª Ré, sendo este um seguro de responsabilidade civil obrigatório e, como tal, nos termos do citado artigo 146º., n.º 1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, tem a Recorrente direito de exigir diretamente (também) à seguradora a indemnização que lhe é devida pelo 1.º Réu, motivo pelo qual o faz (cfr. Factos Provados n.os 14 a 20 da Sentença);
vii. Paralelamente, o 1.º Réu havia contratado com a Interveniente Principal uma segunda apólice de seguro, com o n.º ….-D, com cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade profissional que desenvolvia, com período de vigência entre 01.01.2012 e 01.01.2013, para os danos em excesso à Apólice n.º …9 contratada junto da 1.ª Ré (cfr. Factos Provados n.os 24 a 27 da Sentença);
viii. Resulta inequivocamente da prova feita nos autos, mormente da confissão do 1.º Réu, que este, estando munido de instruções expressas da Autora para interpor recurso da decisão condenatória que foi proferida no âmbito do processo n.º 1315/03.1TBFND do já extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial do Fundão (ação onde se dirimia o litígio mencionado nas presentes Conclusões),
ix. Apresentou o requerimento de interposição de recurso fora do prazo legal para o efeito, tendo o mesmo sido rejeitado, por extemporaneidade (cfr. Factos Provados n.ºs 13, 28, 29, 30, 31 e 32);
x. Resulta do acima exposto que o 1º Réu, com a sua omissão, praticou um facto ilícito e culposo, provocando, em consequência, o dano de perda de chance de obter sucesso no processo judicial em que litigava em nome e no interesse da Recorrente;
xi. A análise do presente recurso depende, em larga medida, das conceções do intérprete acerca da dogmática em sede de “responsabilização por perda de chance”, a qual, não consubstanciando propriamente novidade no âmbito da ciência jurídica, revela encontrar-se ainda numa fase incipiente do seu desenvolvimento, não se podendo, para já, afirmar que exista consensualidade quer, e antes de mais, quanto à sua ressarcibilidade, quer, e sobretudo, quanto à sua localização dogmática e à consequente análise dos seus pressupostos;
xii. No âmbito da teoria geral da responsabilidade civil, os casos de não realização do desfecho favorável pretendido não colocam relevantes problemas no que concerne às categorias da ilicitude ou da culpa, afinal, sempre se exige que a frustração da possibilidade de vir a alcançar um determinado resultado advenha da violação de um dever de cuidado, e que esta seja passível de ser censurada à luz dos critérios adotados pelo artigo 487.º do CC;
xiii. As divergências – acentuadas e de extrema relevância no que concerne aos resultados alcançados – surgem no âmbito da categoria do dano em si mesmo, e no nexo de causalidade, enquanto elemento que conexiona o facto ilícito e culposo ao dano que se vem a verificar;
xiv. Neste sentido, a análise – e, desde logo, a análise de causalidade – não se deverá efetuar por referência ao resultado final que o lesado pretendera alcançar, e cuja possibilidade se frustrou, mas sim por referência à própria perda da oportunidade de vir a poder alcançar o resultado que, por via da atuação do lesante, se frustrou para sempre;
xv. Este dano, enquanto dano autónomo, não carece de quaisquer indagações à exceção da verificação de um ato ilícito e culposo do qual resulta a frustração da uma chance – a qual é, por natureza, aleatória quanto ao resultado que se propõe a alcançar;
xvi. A este dano acrescerá um outro: o dano final causado pelo lesante, o qual carece da indagação da seriedade da chance porquanto só nessa medida se tratará se trata de um dano “que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”;
xvii. Tendo presente o quadro dogmático acima traçado, não pode a Apelante conformar-se com o entendimento propugnado pela Decisão recorrida, no sentido de sobre si impender, como condição sine qua non da procedência da presente ação, a alegação e prova da “(…) probabilidade de êxito do recurso, de forma a permitir concluir que, sendo tal recurso interposto atempadamente e apreciado pela instância superior, a probabilidade de ganho ou não perda da vantagem esperada era suficientemente séria, fundada, com elevada probabilidade”;
xviii. Uma vez que, tal entendimento, para além de profundamente redutor, não tem em consideração que a perda de oportunidade é per se um dano indemnizável, tanto mais em casos como o que nos ocupa, onde existe uma parte contratante - neste caso o 1.º Réu  – que, pelos conhecimentos técnicos de que está dotado, vê-se abrangido por um especial dever de cuidado no aconselhamento que presta aos Mandantes, mormente na estratégia processual a adotar, em cada momento, para a melhor defesa dos seus interesses;
xix. Dito isto e centrando-nos nos pressupostos da responsabilidade civil, cumpre destacar que se revela ilícito um comportamento desconforme com os comandos impostos pela ordem jurídica;
xx. No concreto âmbito em que nos encontramos, e que é o da responsabilidade obrigacional, revela-se ilícito, para os efeitos previstos no artigo 798.º do CC, o comportamento daquele que falte “ao cumprimento da obrigação” a que se vinculou;
xxi. No caso que nos ocupa, o contrato que unia Autora e 1.º Réu era um contrato demandato, por intermédio do qual o 1.º Réu se tinha adstringido a interpor recurso da Sentença proferida no âmbito do litígio em que representava a Autora (cfr. Facto Provado n.º 29);
xxii. A par deste dever contratual, o 1.º Réu estava adstrito a obrigações decorrentes do Estatuto pelo qual se rege a sua atividade, estando designadamente vinculado às obrigações decorrentes do artigo 97.º, n.º 2 e do artigo 100.º, n.º 1, alínea b) do EOA;
xxiii. Contudo, e em violação dos deveres que sobre si impendiam – gerais e especiais –, o 1.º Réu interpôs o recurso que se tinha vinculado a interpor fora de prazo (cfr. Factos Provados n.ºs 30 a 32);
xxiv. E a sua conduta é culposa tanto por (i) não ter este ilidido a presunção de culpa que sobre si impendia, como por (ii) podendo, e devendo não ter atuado com a diligência que lhe era exigível;
xxv. Em consequência, o Réu provocou à Autora o dano autónomo e avançado de perda de chance, perda de chance esta que no seguimento do incumprimento por parte do mandatário judicial é passível de ser indemnizada, uma vez que a obrigação à qual o mandatário (aqui 1.º Réu) se vinculou foi erigida a bem jurídico tutelado pelo contrato e, tendo sido frustrada, deve ser indemnizada;
xxvi. Este dano decorre da não interposição do recurso da Sentença produzida no âmbito do processo número 1315/03.1TBFND, em que o 1.º Réu representava a Autora, recurso este que tinha sérias probabilidades de provimento, revogando, com efeito a decisão que ali havia sido proferida e que era desfavorável à Recorrente.
xxvii. Em face do exposto, mal andou, pois, a Sentença posta em crise ao não reconhecer a ressarcibilidade deste dano, centrando a sua análise na probabilidade de sucesso ou insucesso do recurso que nunca veio a ser interposto;
xxviii. Ademais, no que concerne ao problema técnico-jurídico da relação de causalidade este deve ser circunscrito à necessidade de delimitar os danos que, sendo consequência cronologicamente posterior do facto do lesante, devem ser incluídos na obrigação que sobre si recairá de indemnizar;
xxix. No caso da perda de chance, cabe ao réu demonstrar que, mesmo tendo sido a sua conduta causa naturalística e jurídica (porque abstratamente adequada e concretamente causadora do prejuízo sofrido) do dano intermédio e final causado, haveria uma outra causa que influiria naquele processo, como seja a sua insuscetibilidade de obter sucesso;
xxx. Para se alcançar a pretendida demonstração de que a probabilidade de sucesso de que era titular o lesado não era desprezível, ou que consubstanciava uma chance real, tem sido utilizado o expediente apelidado de “julgamento dentro do julgamento”, o qual, sem ter pretensões de produzir uma decisão concreta e reguladora do caso perdido – a qual competia ao juiz natural daquele processo, e que ficou para sempre impedido de a produzir –, visa concluir acerca da existência de uma probabilidade de sucesso da argumentação passível de ser aduzida, isto é, da possibilidade de sucesso do recurso não instaurado (mas não já de uma certeza absoluta, a qual é, como acima se afirmou, impossível de alcançar);
xxxi. A função de proceder ao julgamento fictício do processo que se encurtou por incúria do 1.º Réu visa permitir concluir se a chance que foi por este destruída era real, i.e., se oferecia segurança acerca da sua probabilidade de sucesso ou se, ao invés, estava evidentemente condenada ao insucesso;
xxxii. Com a Petição Inicial, arguiu a aqui Apelante que havia contradição entre os fundamentos de facto e a decisão proferida no processo n.º 1315/03.1TBFND, concluindo que daí advinha uma séria probabilidade de provimento do recurso que viesse a ser interposto daquela decisão, pois que a contradição indiciava, naturalmente, um erro;
xxxiii. No entanto, o aqui Tribunal a quo deixou bem claro que “Se é verdade que em sede de recurso a parte pode requerer a reapreciação da matéria de facto, tal não constitui garante de que a instância superior altere a mesma”;
xxxiv. Ora, não se ignora que a interposição de Recurso não é uma garantia de revogação de sentenças. Porém, o pensamento elencado, seguido da curta argumentação aduzida, parece querer ignorar que, pese embora a interposição de Recurso não seja uma garantia de alteração da matéria de facto, é, pelo menos e necessariamente, uma oportunidade de reapreciação, de análise e correção de conclusões e decisões menos bem tomadas: se não constitui garante de que a instância superior altere a matéria de facto, também não constitui, certamente, garante de que não o faça.
xxxv. Ainda neste âmbito, é notório que o próprio Tribunal a quo, no presente caso, não fundamenta devidamente a sua posição, confundindo-a: começa por afirmar que “conforme se conclui da leitura atenta dos articulados, esta quantia de 29.179,67 que a ali admitiu não ter pago corresponderia a trabalhos orçamentados” para depois vir concluir “que do orçamento inicial resta pagar a quantia de 35.500,00 com IVA incluído”;
xxxvi. Ora, os trabalhos orçamentados são, naturalmente, os trabalhos que constam do orçamento inicial, pelo que este salto de €6.320,33 sem qualquer fundamentação é incompreensível;
xxxvii.Com efeito, resultara assente que do preço convencionado não restara à aqui Autora pagar a quantia de €35.500,00, mas sim de €29.179,67 – alteração esta que não contou com qualquer fundamento, sendo, portanto, passível de vir a ser revertida;
xxxviii. Toda a questão relativa ao valor da prestação em falta, no âmbito dos trabalhos orçamentados foi sendo contraditória, sendo certo que é através de contradições que o Homem encontra o erro que as fundamenta, pelo que é evidente que, com tantas contradições, esta matéria não só tinha fundo para sustentar um recurso, como era suscetível de ser discutida, vindo o resultado final a ser decidido pelas impressões que da integralidade da prova produzida viesse o Juiz natural a retirar, e da qual, como se verá, resulta que à ali Ré (e aqui Autora ) não restava pagar a quantia de €35.500,00;
xxxix. O Tribunal a quo produz afirmações erróneas, ainda, quando afirma, “mas não se entende, de todo, de onde surgiu o número vertido nesta alínea dos factos provados, quando com a contestação a ali e aqui autora apenas junta recibos no valor de 54.990.000$00.”
xl. Ora, isto não é manifestamente verdade, e é precisamente por este motivo que o recurso naqueloutro processo era dotado de razão: se se atentar aos Documentos n.ºs 1, 2, 3 e 4 juntos com a Contestação naquele processo, e que aqui foram juntos com a Petição Inicial a título de Documento 11, conclui-se que a diferença entre os montantes pagos pela aqui Autora à SP ascendiam a €309.304,58;
xli. De onde decorre que sempre seria procedente a alteração da matéria de facto no que concerne ao ponto 8. da Sentença, na qual se afirma que “Dos ESC = 67.860.000$00 (sessenta e sete milhões oitocentos e sessenta mil escudos) referente aos trabalhos e materiais constantes do orçamento atrás referido a não pagou à A o montante de €30.341,94 ao que acresce IVA a 17% no total de €35.500,00 (trinta e cinco mil euros)”,
xlii. Pois que 67.860.000$00 – 62.010.000$00 = 5.850.000$00 [€29.179,68];
xliii. Ou seja, padece a referida Sentença (não impugnada) de manifesto erro de cálculo, pois que os documentos juntos naquela sede revestem força probatória pleníssima, não tendo sequer sido impugnados;
xliv. Por este motivo, sempre seria de concluir que mal andou aquele Tribunal ao julgar procedente o pedido deduzido em primeiro lugar naquela ação que concluiu dever ser integralmente procedente;
xlv. Afinal, decorre dos documentos juntos naquela sede que nunca poderia ter sido acertada a conclusão a que chegou aqueloutro Tribunal, que concluiu estar em falta o montante de €35.500,00;
xlvi. Tendo sido, o recurso interposto, pensa-se que semelhante conclusão seria alcançada pelo Tribunal Superior que viesse a julgar o Recurso, revogando, em consequência, a decisão anterior;
xlvii. Carecendo a Sentença ora posta em crise de ser reformada por ser não menos do que devida a conclusão de que o Recurso a interpor apresentava, senão certas, sérias probabilidades de reverter aquela decisão;
xlviii. Sem prejuízo do que até foi dito, com a Contestação daqueloutra ação, a aqui Autora apresentou como Documento n.º 6, uma comunicação remetida pela SP à S, Lda., via fax, e que neste processo foi junta aos presentes autos como Documento n.º 11;
xlix. Enquadrando a argumentação, cabe afirmar que o peticionado pela SP tinha como fundamento uma fatura no valor de €104.936,96, que, alegara aquela, diria respeito aos “trabalhos e equipamentos que restavam do constante do orçamento e ainda não pagos, e o valor referente aos solicitados pela Ré, para além do constante em tal orçamento, tudo conforme a última factura enviada à ”, ou seja, esta fatura dizia respeito à globalidade dos montantes alegadamente em dívida (cfr. artigo 20.º da Petição Inicial ali apresentada e aqui junta como Documento n.º 4);
l. Como último ponto de enquadramento, resulta daquele Documento que a aludida fatura havia sido emitida a 21.01.2002. Sucede, porém, que a 25.04.2002, portanto, em data cronologicamente posterior, a SP veio a remeter à S, Lda. via fax uma comunicação onde exige o “restante montante em dívida”;
li. Cabe, ainda afirmar que este documento não foi, em momento algum, contestado ou impugnado pela SP, nunca tendo a sua genuidade ou autenticidade sido posta em causa, mantendo-se, por conseguinte, a sua força probatória nos termos legalmente prescritos;
lii. Acresce que não foi só a SP que se absteve de apreciar o documento ora sob análise: aquele Tribunal não lhe atribui a mínima relevância, não tendo em momento algum apreciado o seu conteúdo, ou, o que se pensa que seria o mínimo, a sua existência;
liii. A este propósito, a Sentença ora posta em crise refere que: “Sendo certo que constitui confissão a admissão de qualquer facto desfavorável à parte (art.º 352º do CC), o facto de em determinada missiva a ali autora reclamar o pagamento da quantia de 7.000.000$00 não constitui admissão de que apenas essa quantia era a devida, nem tal de pode extrair do teor do documento, e isto ainda que o mesmo seja de data posterior à fatura em que são cobrados os trabalhos a mais, (cf. fls. 269 vº). com efeito, não provou a aqui autora e ali que tal documento foi elaborado por quem tinha poderes para confessar, (art.º 353º nº1 do CC), e a declaração em causa não é inequívoca, por não mencionar sequer as faturas a que se refere (art.º 357º nº 1 do CC). Aliás, a própria autora impugna tal versão dos factos, apesar de aceitar a confissão da ali de que era devedora da quantia de, pelo menos, €29.179,67; mas apenas quanto ao valor em dívida relativo a obras orçamentadas.”;
liv. Poder-se-á separar o parágrafo que fundamenta a decisão do Tribunal a quo em dois argumentos (ainda que não fundamentados): i) a comunicação, por não mencionar as faturas a que se refere, não é inequívoca, pelo que não constitui admissão de que apenas aquela quantia era a devida; e ii) a aqui Autora não fez prova de que aquele documento foi elaborado para quem tinha poderes para confessar;
lv. Salvo o merecido respeito, quanto a não ter a Autora feito prova de que quem elaborou aquele documento tinha poderes para confessar, pensa-se que este argumento não tem a mínima sustentação, como se passa a demonstrar;
lvi. Assim cumpre chamar à atenção um facto notório e evidentemente do conhecimento do tribunal: a procuração junta àqueles autos com a petição inicial, e aqui junta também com a Petição Inicial, enquanto Documento n.º 4, vai precisamente assinada por “Fernando Amado Figueiredo” (!), sendo a assinatura exatamente a mesma do Documento n.º 6 que foi totalmente desconsiderado;
lvii. Ou seja, concluindo o Tribunal a quo pela falta de nexo de imputação dos poderes confessórios naquele âmbito, pretenderia também concluir pela falta de capacidade para conferir poderes representativos ao mandatário ali constituído? Salvo o devido respeito por opinião diversa, entende a Recorrente que a resposta é negativa;
lviii. Quanto ao argumento de que a comunicação, por não mencionar as faturas a que se refere, não seria inequívoca, pelo que não constituiria admissão de que apenas aquela quantia era a devida, cabe-nos contraditar o que parece manifestamente infundado;
lix. Qualificando a declaração do presente caso, esta apresenta-se como uma declaração de ciência modificativa duma situação jurídica constituída no interesse do declarante, tendo sido feita extrajudicialmente e por escrito;
lx. Com efeito, esta declaração de ciência, se inequívoca – cfr. artigo 357.º, n.º 1 do CC –preenche em absoluto a previsão normativa do artigo358.º, n.º 2,do CC(extrajudicial, escrita em documento particular e feita à parte contrária), fazendo, por conseguinte, operar a sua estatuição, nos termos da qual lhe deve ser atribuída “força probatória plena”;
lxi. É absolutamente evidente que ao sentido evidente das palavras acresce o contexto em que estas se inserem, e que é conhecido do declaratário real: é-o no contexto da celebração de um contrato de empreitada, já celebrado, já com o seu preço fixado, já com grande parte do seu valor saldado, já com as faturas emitidas, já no seguimento da fatura de €104.936,96 que a ali Autora (a SP) vinha reclamar, afirmando ter emitido;
lxii. É, por conseguinte, evidente que aquela comunicação diz respeito à totalidade do montante em dívida – que sentido faria ser o “resto” de uma parcela em dívida? Não era um resto, era uma prestação! – e, por ser o resto daquela totalidade, era apenas aquela a quantia devida àquela data;
lxiii.Com efeito, e não sendo a declaração equívoca, esta tem força probatória plena (cfr. artigo 358.º, n.º 2 do CC) como já acima se deixou evidenciado, o que redundaria, em caso de condenação, na necessária redução da indemnização a €40.851,54, conclusão que resulta da declaração de ciência modificativa duma situação jurídica constituída no interesse do declarante, que culminou na confissão de que o montante inicialmente devido foi sendo saldado, fixando-se àquela data em €40.851,54;
lxiv. Pelo exposto, não restam também dúvidas à Recorrente que merece censura a posição do Tribunal a quo  ,e que, por conseguinte, também quanto a este ponto tinha o recurso a ser interposto naqueloutra ação sérias probabilidades de vir a proceder: não só por se apresentar como evidente que a ali Autora (SP) havia confessado o montante em dívida, não podendo, por conseguinte, a Sentença ter fixado como montante devido o de €104.936,96, mas como, e sobretudo, por ter sido esta matéria completamente ignorada por aquele Tribunal – ou seja, a questão nem negativamente apreciada chegou a ser;
lxv. Alegou a Apelante na sua Petição Inicial que nunca a S, Lda. havia subscrito ou aceite o orçamento apresentado pela SP, tendo aduzido, para o efeito, diversa argumentação;
lxvi. Verifica-se, porém, quanto a este concreto ponto, e como indicado no início das presentes alegações, que o Tribunal a quo se escusou de apreciar a questão suscitada, evadindo-se das suas competências legais e, por conseguinte, originando uma sentença que é, no entender da Recorrente, nula nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC;
lxvii. Cumpre, por conseguinte, requerer a apreciação que não foi feita pelo Tribunal a quo, a qual, tendo sido requerida, merece ser apreciada pelo órgão jurisdicional competente;
lxviii.Com efeito, arguiu a Autora em sede de Petição Inicial que nunca havia subscrito ou aceite o orçamento apresentado para a SP;
lxix. Antes de mais cabe evidenciar que, na sua Petição Inicial, a SP junta um documento, a que chama de orçamento, sem que, contudo, consiga fazer um nexo de imputação daquele documento à S, Lda., o que, sem dúvida, era ónus que sobre si impendia;
lxx. Assim, e nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 1 do CC: “Aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”. Ora, manifestamente a SP vinha alegar um direito ao percebimento de montantes devidos cuja causa era o contrato de empreitada (cfr. artigos 6.º e 7.º daquela Petição Inicial junta, nestes autos como Documento n.º 4 da PI), pelo que lhe competia provar a existência de um contrato – que, como se sabe, carece do encontro de, pelo menos, duas vontades – e ainda os seus concretos termos;
lxxi. Sucede que esta nunca logrou trazer aos autos um contrato validamente subscrito pelas partes, pois que de documento nenhum consta a manifestação de vontade de subscrição da S, Lda.: o documento não se encontra assinado;
lxxii. Daqui decorre, de imediato, que o Tribunal devia, na dúvida, ter decidido a favor da ali Ré, porquanto nenhum elemento levara a crer que esta havia aceite o contrato de empreitada nos exatos termos propostos naquele orçamento, ali junto pela SP;
lxxiii. Pelo exposto, impunha-se – e era altamente provável que assim viesse decidir aquele Tribunal da Relação – que se considerasse provado que “A não aceitou o orçamento que lhe foi apresentado pela autora, não o tendo, por isso, subscrito” (cfr. resposta ao quesito 13.º da Base Instrutória cuja Ata da diligência de leitura encontra-se junta como Documento n.º 15 da PI), bem como, e em consequência, que a S, Lda. não solicitou as alterações elencadas no quesito 6.º da Base Instrutória: estas já constavam dos termos acordados inicialmente entre as partes,
lxxiv. Porquanto pelo preço proposto pela SP – e pelas necessidades da S, Lda. – deveriam estar incluídos na sua obrigação outros trabalhos e equipamentos, cuja omissão havia constituído motivo de recusa da adjudicação da obra a outras empresas, conforme ficou demonstrado pelo depoimento ora citado;
lxxv. Consequentemente, deverá também este ponto ser julgado como constituindo uma séria chance de revogação da sentença ali proferida, a qual a Autora viu frustrada em consequência da conduta do Réu;
lxxvi. Quanto ao vertido nos artigos 23.º, 25.º e 26.º da Base Instrutória daqueloutro processo, afirmou a Autora que estes quesitos deveriam ter sido alterados em sede de Recurso, tendo o Tribunal a quo decidido que “Da motivação resulta que o tribunal valorou os depoimentos prestados pelas testemunhas da ali autora, sendo certo que quanto aos defeitos alegados pela ali não foi produzida prova (…)Da análise de todas as peças processuais resulta à saciedade que a ali e aqui autora não logrou provar a existência de quaisquer defeitos para além daqueles que a ali autora eliminou, e os descriminados no quesito 19. No entanto, não se tendo logrado provar a denúncia de tais defeitos, é notório que o pedido reconvencional nunca poderia proceder sendo, nesse ponto, acertadíssima a sentença proferida e a fundamentação ali expendida. (…) Acresce dizer que, no que respeita aos depoimentos transcritos pela autora na petição, dos mesmos não se retira que houve denúncia de defeitos para além daqueles respeitantes ao silicone, que foi reparado; sendo tais depoimentos vagos quanto à denúncia dos alegados demais defeitos existentes e aliás dados como provados.”, tendo, neste seguimento, concluído que “seria diminuta, se não mesmo ínfima”, a possibilidade de vir a ser dada como provada a denúncia dos defeitos;
lxvii. Adotando uma fórmula genérica, o Tribunal a quo não se pronúncia, em concreto, sobre os argumentos ali elencados, ou sobre os depoimentos transcritos, os quais considera “vagos”;
Lxviii. Do teor dos depoimentos transcritos resulta evidente que havia vários defeitos que iam sido notados e denunciados desde que a construção havia sido entregue;
lxxix. Com efeito, deveria, naturalmente, aquele Tribunal do Fundão ter julgado provado, como peticionado aquando do impulso do presente processo que:
(i)Em resposta ao quesito 23.º da Base Instrutória, que: “A denunciou os vícios à autora, exigindo-lhe a sua eliminação e comunicou-lhe que pagaria tal montante quando os mesmos estivessem devidamente reparados ou corrigidos.”
(ii)Em resposta ao quesito 26.º da Base Instrutória, que: “A reiterou autora que não pagaria a última tranche em dívida, no valor de €29.179,67, enquanto os defeitos não se mostrassem devidamente reparados.”;
(iii) Em resposta ao quesito 25.º da Base Instrutória, que: “Tais defeitos foram expressamente reconhecidos pelo sócio gerente da autora que, para os eliminar, mandou um funcionário seu para as instalações da ré, o qual, ainda assim, não conseguiu quaisquer resultados, isto é, os defeitos mantiveram-se e têm vindo a agravar-se”.
lxxx. Pelo exposto, revela-se evidente que as chances de revogação da sentença de que o 1.º Réu não recorreu se afiguram como sérias, existindo argumentos plausíveis e preponderantes acerca da falta de assertividade das conclusões anteriormente alcançadas;
lxxxi. No que concerne à resposta dada aos quesitos n.ºs 11 e 18 da Base Instrutória, considera a Apelante que, quanto ao quesito 11.º, já se comprovou acima que a S, Lda. não era devedora do montante de €35.500,00, mas sim de €29.179,67, bem como se concluiu que não haviam sido requisitadas alterações ao orçamento inicialmente apresentado, pelo que sempre seria de concluir que o montante devido pela S, Lda. nunca poderia coincidir com o valor exigido na fatura apresentada pela SP, e que remonta a €104.936,82;
lxxxii. No entanto, mesmo que se viesse a concluir que haviam sido feitas alterações ao orçamento inicialmente apresentado, o que não se concede mas que por mera cautela de patrocínio se equaciona, deixou-se de forma inquestionável demonstrado que a S, Lda. apresentou faturas – plenamente – comprovativas de que o montante devido a título de remanescente pelos trabalhos orçamentados apenas seria de €29.179,67, pelo que, acrescendo-lhe o montante de €69.436,82, o valor da fatura apresentada apenas poderia resultar no valor de €98.616,49;
lxxxiii. Por conseguinte, sempre teria este ponto da matéria de facto de ser – e seria por certo – pelo menos reduzido;
lxxxiv. Já no que concerne à resposta ao quesito n.º 18 da Base Instrutória, entende a Apelante que toda a prova produzida revela que a fatura ali junta nunca foi do conhecimento da S, Lda., pelo que nunca seria aquele montante exigível;
lxxxv. Assim, pensa-se ser inquestionável que o ónus da prova acerca da receção da referida fatura impendia sobre a SP, a qual não logrou comprovar que a tinha feito chegar à S, Lda.;
lxxxvi.Com efeito, ressalta à evidência que a dúvida devia ter sido valorada a favor da ali ré / devedora, e nunca da SP, a qual não logrou comprovar que a fatura havia sido percecionada pela S, Lda., conforme resulta da prova produzida naquela sede e já junta aos presentes autos com a Petição Inicial;
lxxxvii.Pelo que é, também quanto a este aspeto, ilegal a decisão daqueloutro Tribunal por violação das regras de distribuição do ónus da prova;
lxxxviii.Todo o exposto decorre da prova produzida naquele outro processo, bem como das regras gerais e inquestionáveis de distribuição do ónus da prova, pelo que se afigura inquestionável que não andou bem aquele Tribunal a decidir como decidiu, bem como que a decisão ali alcançada seria revertida por um olhar atento;
lxxxix. No que concerne ao cálculo do quantum indemnizatório, de toda a factualidade supra exposta veio a resultar que, no dia 15.05.2012, a SP avançou com a execução da identificada Sentença. Para o efeito, a SP instauro, a respetiva ação executiva, a qual correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Fundão, por apenso à ação declarativa a que se vem fazendo referência (cfr. Documento 17 junto com a Petição Inicial);
xc. Aquantia exequenda ascendia a €139.938,52, correspondendo €104.436,82 ao montante em que foi condenada a Recorrente S, Lda. no âmbito da prévia ação declarativa e €35.502,52 ao montante dos juros vencidos sobre tal quantia, desde a data da citação (17.11.2003) até à apresentação do requerimento executivo (15.05.2012),
xci. A aqui Recorrente liquidou integralmente a quantia exequenda;
xcii. Com efeito, tendo sido notificada pela Administração Fiscal da penhora do crédito que a SP detinha sobre si, a Recorrente procedeu ao pagamento à Administração Fiscal da quantia de €127.329,61, por conta do valor a cujo pagamento foi condenada, e que foi objeto de penhora em execução fiscal (Documentos n.ºs 18 e 19 que se juntou com a Petição Inicial e que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais).
xcii. No âmbito da referida ação executiva, a Recorrente procedeu ainda ao pagamento à SP da quantia total de €21.193,40; a este montante acresce a quantia de €2.181,33, a qual foi paga à Agente de Execução (cfr. Documento n.º 23 que se juntou com a Petição Inicial e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais);
xciv. Por fim, com o desfecho acima descrito, ficou ainda inviabilizada a chance, de que era titular a Recorrente, de obter sucesso no pedido reconvencional deduzido, o qual, conforme se viu, em virtude de ter a aqui Recorrente denunciado em tempo os defeitos verificados na obra, teria sérias probabilidades de sucesso, e que ascendia a €65.470,23 (€55.017,00 + IVA a 19%). Termos em que, operada a devida compensação, resultaria na receção, por parte da Recorrente S, Lda., da quantia de €36.290,56;
xcv. Nesta medida, conclui-se que, em face da não interposição de recurso tempestivo por parte do 1.º Réu, a Autora viu-se obrigada a pagar à SP, no âmbito da ação executiva por esta intentada, o montante total de €150.708,33, tendo ainda deixado de receber a quantia de €36.290,56, produto da compensação entre o pedido reconvencional contra a SP e o valor a que, no limite, a Autora, aqui Recorrente, poderia ter sido condenada em sede de recurso (€29.179,67);
xcvi. Pelo exposto, e atentas as sérias probabilidades de sucesso do recurso a intentar, competiria aos Réus e à Interveniente Principal indemnizar a Recorrente pelo prejuízo total sofrido, o qual se fixa em €186.988,89;
xcvii. Sem conceder sobre o que até agora se foi deixando dito, requer a Recorrente que, na eventualidade de se entender que a factualidade descrita i) não é idónea a suportar a conclusão de que o recurso não intentado teria uma probabilidade de sucesso próxima dos 100%, ou que ii) a probabilidade de provimento não é suscetível de ser matematicamente quantificável, se decida, nos termos do disposto no artigo 566.º, n.º 3 do CC, com apelo a critérios de equidade;
xcviii. A ser assim, requer a Recorrente que o Tribunal ad quem, atribuindo e fixando, segundo o seu prudente arbítrio, um valor considerado adequado ao ressarcimento dos danos incorridos pela Autora, conforme, de resto, já decidido por vários Tribunais Superiores;
xcix. Em face do que aqui se deixou dito, entende a Apelante nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 639.º do CPC que foram violados as disposições dos artigos 353.º, n.º 1, 355.º, 358.º, 483.º, 487.º, n.º 2, 564.º, n.º 1, 798.º, 799.º, todos do Código Civil e artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
V.PEDIDO
Nestes termos e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrido quanto às decisões atrás impugnadas, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!!

A… LIMITED, interveniente principal apresentou contra-alegações com ampliação subsidiária do âmbito do recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1.O Tribunal a quo proferiu douta sentença que julgou totalmente improcedente, por não provada, a pretensão da A., absolvendo os RR. J e Seguradora, S.A., e a Interveniente A… Limited, dos pedidos ali formulados.
2. Inconformada com o teor da sentença absolutória proferida, a A. veio interpor recurso alegando para o efeito a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à (i) aceitação ou não do orçamento; (ii) aditamento ou não dos trabalhos subsequentes; (iii) receção ou não da fatura de €104.936,96; e alegando, no mais, a sua discordância geral com a decisão proferida, repisando os argumentos que constam da sua petição inicial e que s.m.e., já foram devidamente analisados e julgados (de forma irrepreensível) pelo Tribunal a quo.
3. Contudo, e salvo o devido respeito por melhor e douta opinião em contrário, não assiste qualquer razão à ora Recorrente, pelo que atentos os factos carreados para os autos, a prova produzida (e a não produzida), conjugados com as coordenadas legais, só poderá soçobrar, em toda a sua linha.
4. Basta uma leitura atenta da douta sentença proferida nos presentes autos para facilmente alcançarmos que as nulidades invocadas pela Recorrente carecem de fundamento, e mais não são que manifestação do seu desagrado com a decisão proferida, que não enferma de nulidade ou erro de julgamento.
5. Na verdade, o Tribunal a quo analisou toda a prova carreada para os presentes autos e concluiu que no processo subjacente (que correu termos no Tribunal Judicial do Fundão sob o n.º 1315/03.1TBFND) “ após a produção de prova, que de facto foi acordada a prestação de serviços e fornecimentos a mais, no valor de €69.436,82 já com IVA, e que do orçamento inicial resta pagar a quantia de €35.500,00, com IVA incluído (…)” – cf. sentença recorrida (negrito e sublinhado nosso).
6. Resultando provado o acordo de prestação de serviços e fornecimentos a mais, é forçoso concluir pelo aditamento de trabalhos subsequentes, em orçamento distinto, contratado pela ora A., que os aceitou.
7. Na verdade, a A. não nega (nem o negou no processo subjacente) que a ali Autora (SP) não efetuou aqueles trabalhos extra, fornecendo o material pedido e a mão de obra para a sua montagem. Pelo contrário, ali e aqui, a A. pretendia a improcedência da pretensão da SP ancorada na suposta ausência de cumprimento de meras formalidades, como a alegada falta de aceitação formal do orçamento (!) e a não receção de uma fatura no valor de €104.936,36 – na qual até se encontra integrado um valor que a A. confessa estar de facto em dívida (!).
8.Termos em que a nulidade da sentença recorrida, invocada pela A. sempre terá de improceder, por não provada, mantendo-se, em todo e qualquer caso, a decisão de absolvição dos RR. e Interveniente, até porque conforme resulta da sentença recorrida:
De tudo o exposto, e salvo melhor e mais douta opinião, conclui-se que os alegados fundamentos de impugnação, por via de recurso, da sentença que condenou a aqui autora a pagar determinada quantia à sociedade SP tinham uma probabilidade ínfima se não mesmo nula de procedência. o facto de o 1.º réu não ter logrado recorrer da sentença, por apresentação intempestiva de recurso, não constitui ato idóneo a produzir o dano de perda de chance … não se verificando, portanto, os pressupostos do dano e nexo causal.
9. Inconformada com a douta e acertada decisão do Tribunal a quo, defende a A. que “Há, por conseguinte, dois danos a indemnizar: o dano autónomo de perda de chance e o dano final da perda do resultado favorável que se visava alcançar. cf. “2. Conceptualização do dano da perda de chance”, in Alegações de recurso da A.
Não é, contudo, assim,
10. A perda de chance, ainda que configurada como um dano autónomo, exige a verificação de uma elevada probabilidade de procedência da ação ou, in casu, do recurso interposto pelo R. Advogado de forma extemporânea – que competiria à A. alegar e comprovar, o que não logrou fazer.
11. Neste mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência – a título de exemplo veja-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.02.20167 e de 09.07.20158 - que exige uma probabilidade relevante (de obter benefício ou de evitar um prejuízo), não admitindo chances reduzidas ou muito reduzidas:
“… mostra-se mais adequado questionar, perante cada hipótese concreta, qual o grau de probabilidade segura desse sucesso, (…); o ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado linha, uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, deve ser qualificada como um dano autónomo, (…)
No caso de perda de chances processuais, a primeira questão está em saber se o frustrado sucesso da ação assume tal padrão de consistência e seriedade, nomeadamente para efeitos de danos não patrimoniais, para o que releva ponderar, face ao estado da doutrina e jurisprudência então existente, ou mesmo em evolução, se seria suficientemente provável o êxito daquela ação, devendo ter-se em linha de conta, fundamentalmente, a jurisprudência então seguida nessa matéria pelo tribunal daquela causa, impondo-se fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável por esse tribunal; tal apreciação traduz-se, enquanto tal, numa questão de facto, que não de direito...” – cf. Acórdão (negrito e sublinhado nosso).
12. A pretensão indemnizatória da A. não pode ser dissociada do juízo de probabilidade que venha a ser feito sobre a chance perdida, porquanto mesmo enquanto dano autónomo, o dano de perda de chance, estará dependente, quer para efeitos da determinação da sua ressarcibilidade (chance real), quer do quantum indemnizatório, da probabilidade de procedência da chance perdida.
13. É aqui que a pretensão da A. falece, porquanto, com base num juízo de probabilidade fundamentado na análise dos factos alegados, dos documentos juntos pela A. com a sua douta petição inicial, e da prova testemunhal produzida naquele julgamento, é manifesto que a probabilidade de ver alterada a decisão condenatória proferida naquele processo n.º 1315/03.1TBFND, através de recurso, seria ínfima, senão mesmo nula.
14. E isso mesmo concluiu, e bem, o Tribunal a quo na douta sentença ora recorrida, que não é passível de qualquer censura, motivo pelo qual a Decisão recorrida deve ser mantida na sua íntegra, porquanto a Recorrente não logrou provar, os pressupostos essenciais para que a sua pretensão pudesse ser julgada procedente.
Vejamos:
15.A A. repisa “(…) haver contradição entre o facto dado como assente na alínea H) (relativo a não ter sido paga a quantia de €29.179,67) e a matéria provada sob os quesitos 8 (relativo a ainda estar em dívida a quantia de €30.341,94 a que acresceria IVA) e a autora ter enviado à ré o documento nº 6 da contestação. (…)” cf. sentença recorrida.
16. O que, contudo, já foi devidamente julgado e decidido pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, concluindo que a quantia em dívida inicialmente assente na base instrutória em sede de Audiência Preliminar9, veio a ser atualizada pelo Tribunal Judicial do Fundão que, após a produção de prova em sede de audiência de discussão em julgamento, verificou a existência de valores adicionais em dívida, por parte da A., pelo que o total da dívida ascendia, assim, ao montante de €104.936,96.
17. Na verdade, o Tribunal, naquele processo subjacente, atualizou o montante em dívida pela A. quanto aos trabalhos e serviços contratados inicialmente de €29.179,94 para €35.500,00, após produção de prova, em sede de julgamento – facto que a A. omite ou do qual se abstrai.
18. Ora, conforme resulta sentença recorrida A factualidade dada como assente em sede de audiência preliminar ou prévia não constitui caso julgado, (vide acórdãos dos Tribunais da Relação de Lisboa de 16.07.2009, e do Supremo Tribunal de Justiça de 25.03.2005, citados pelo réu na contestação.) …”.
19. Pelo que “…resulta inexistir fundamento de impugnação da sentença com fundamento em contradição com a matéria de facto. (…)” cf. sentença recorrida.
20. Insiste a A. que o documento n.º 6 – fax remetido pela SP (autora naquele processo n.º 1315/03.1TBNFD) à aqui Autora (ali Ré) – constituiria confissão da ali Autora SP totalidade da dívida (€34.915,85) e que (segundo alega) teria elevada probabilidade de ser atendida caso o Tribunal da Relação tivesse apreciado o seu recurso.
21.Fazendo tábua rasa da Réplica apresentada pela SP naquele processo que correu termos no Tribunal do Fundão e que esclareceu que aquele montante (€34.915,85), que interpelou a A. a pagar, não se referia à totalidade dos valores em dívida, mas somente ao remanescente da fatura inicial – ao qual acresceria o montante (ainda) em aberto pelos trabalhos adicionais contratados e faturados.
22. Até porque tal pretensão de confissão se mostra, ademais, incongruente face à posição que a própria A. pretendia ali (e aqui) fazer valer; é que sem prejuízo de querer que aquele documento constitua matéria confessória, pretende também que o Tribunal julgue, a final, que o montante que teria em dívida perante a ali Autora seria apenas de €29.179,94 – não obstante o suposto valor confessado de €34.915,85 (!).
23. Mais, pretende que o referido documento constitua confissão de os valores devidos pelos demais trabalhos contratados foram perdoados pela ali Autora SP – quando a própria A. faz finca pé: não contratou trabalhos adicionais (!).
Por outro lado,
24. O entendimento pugnado pela A. quanto à elevada probabilidade de a sua pretensão ser atendida, se o Tribunal da Relação tivesse apreciado o seu recurso, sustenta-se em grande medida nos depoimentos das testemunhas por si arroladas, omitindo, no entanto, o princípio da imediação e da livre apreciação da prova que presidiu à decisão do Tribunal de primeira instância, que valorou a prova testemunhal da ali Autora SP, em detrimento da prova produzida pela própria A.
25. E neste particular é necessário concluir nos mesmos termos que em que julgou acertadamente o Tribunal a quo: “… foi desconsiderada parte substancial da prova produzida pelas testemunhas da ali e aqui autora por não merecerem credibilidade, ou porque não tinham conhecimento direto dos factos. A apreciação e valoração da prova testemunhal feita pelo juiz julgador, beneficiando do contexto de imediação na produção de prova, tem vindo a ser entendida pela jurisprudência e doutrina maioritária como merecedora de tal consideração que apenas poderá ser abalada em face de contradições notórias, flagrantes ou desconsideração de de outros meios de prova que possam abalar a convicção criada.”10, o que in casu não ocorreu.
26. Tão óbvia a falta de razão da A. nesta parte, que a mesma sequer invoca qualquer contradição notória ou flagrante, ou erro evidente de julgamento, pelo que a sindicância da alteração da matéria de facto, em sede de recurso, conforme pretendia a A., sempre estaria vetada ao insucesso – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.03.200711 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04.012.2014, referente ao processo 982/10.4TVLSB.L1-112.
Do mesmo modo,
27. O pedido reconvencional da A. naquele processo resultou indubitavelmente não provado, com exceção dos pequenos defeitos ligados ao bolor, que foram reparados pela SP ali Autora, pelo que não se compreende como e em que medida a A. reitera em sede de recurso a sua procedência, sem base em qualquer evidência.
28. Em conclusão, não pode deixar de se concluir que carece em absoluto de fundamento o entendimento defendido pela A. de que, em sede de recurso, seria possível alterar a matéria de facto julgada provada e não provada pelo Tribunal de Primeira Instância, pelo que a pretensão da Autora e Recorrente deverá ser julgada improcedente pelo Tribunal ad quem, mantendo a decisão absolutória proferida pelo Tribunal a quo, em última instância, atendendo à manifesta inexistência de uma probabilidade séria e credível de sucesso da pretensão da A. naquele processo n.º 1315/03.1TBNFD, pelo que não se poderá concluir pela ressarcibilidade do alegado dano de perda de chance da A. (tal como entendeu a douta sentença recorrida).
Sendo certo que,
29. A A. peticiona a título de danos o pagamento de honorários de agende de execução, juros e nota de custas de parte apresentada pela SP no apenso de oposição à execução – que se seguiu à sentença condenatória transitada em julgado – e que em nada se conexionam com a atuação omissiva do R. Advogado que é causa de pedir nos presentes autos.
30. De facto, é notório que a recusa em pagar atempadamente os montantes devidos à credora SP – não obstante o trânsito em julgado da decisão – que culminou na subsequente execução de sentença e custos adicionais, só à aqui A. pode ser imputada, pelo que os custos que a mesma aí incorreu, só a si se devem.
Sem prescindir, ainda se dirá,
31. Na eventualidade da procedência do recurso interposto pela A., nomeadamente na parte que respeita à (pretensa) responsabilização civil do R. Advogado, o que não se admite, mas agora se equaciona por mero dever de patrocínio, sempre caberá ao Tribunal a quo admitir a presente ampliação subsidiária do âmbito do recurso, julgando procedente a exceção perentória ora invocada e alegada em sede de articulado de defesa como Exceção perentória de inexistência de contrato de seguro”, absolvendo-se a ora Recorrida A... de todos os pedidos formulados nos autos pela A..
32. De facto, atenta a factualidade julgada provada nos autos, nomeadamente a matéria constante dos n.º 24.º a 27.º, 31.º e 32.º dos factos provados, inequívoco se torna concluir que o (pretenso) sinistro profissional em apreço nos autos encontra-se excluído do âmbito temporal da apólice n.º … -D O R. Advogado Reclamou pela primeira vez junto da ora Recorrente e Seguradora A…, os factos em discussão nos presentes autos, através de comunicação datada de 04.07.2017 – cf. Facto provado n.º 31.º.
33. Na verdade, atendendo à natureza de claims made do contrato de seguro celebrado junto da ora Recorrida A…, que determina que a aplicabilidade (ou não) das coberturas e garantias previstas na referida apólice de seguro, é determinada pela data da Reclamação que lhe sejam notificadas judicial ou extrajudicialmente durante o “período seguro”, que teve início em 01.01.2012 até 01.01.2013.
34. Encontrando-se provado que a Primeira Reclamação efetuada perante a ora Recorrente A… apenas ocorreu em 04.07.2017, em data que a referida apólice …-D já não se encontrava em vigor, havendo cessado os efeitos e/ou coberturas previstas na apólice n.º …-D contratada junto de si, encontrando-se o presente sinistro excluído do âmbito temporal coberto pelo contrato de seguro celebrado com a ora Recorrente A…, razão pela qual não pode a Interveniente ser responsável pelo pagamento de qualquer quantia nos moldes aqui peticionados, absolvida de todos os pedidos contra si formulados, por absoluta e inequívoca falta de cobertura temporal da apólice de seguro por si garantida, o que desde logo se alega e requer para os devidos e legais efeitos.
35. Sem conceder, qualquer condenação da Recorrida A..., o que não se admite e apenas por dever de patrocínio se alega, sempre teria de atender ao facto de o contrato de seguro se tratar de seguro de reforço, que apenas deverá funcionar em excesso à apólice subscrita pela Ordem dos Advogados (contratada junto da Seguradora S.A.), com um capital garantido máximo de €100.000,00.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento às presentes contra-alegações, mantendo-se a douta sentença Recorrida nos seus precisos termos, SÓ ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.”


O Réu J também apresentou contra-alegações, com ampliação do recurso:
Defende a rejeição do recurso pelo facto de a Apelante não ter formulado “conclusões”, mas 99 pontos, onde a Recorrente se limita a “vazar os pormenores argumentativos próprios das alegações”. Fundamenta-se no disposto nos artigos 639.º, 640.º, 652.º a 656.º, 679.º e 682.º do CPC e ainda no Acórdão do STJ de 10-07-1996, Processo 96S069, disponível em www.dgsi.pt.
Conclui:
“1.ª-As alegações apresentadas pela Recorrente não contêm fundamentos impugnatórios, nem verdadeiras conclusões, pois as proposições finais - que apresentam mais de 99 pontos elencados em 14 páginas! - não constituem qualquer enunciado fundamentado, sintético e resumido dos fundamentos do recurso, limitando-se a ora Recorrente a “vazar os pormenores argumentativos próprios da alegação”, pelo que o recurso deverá ser liminarmente rejeitado (v. Ac. STJ de 1996.07.10, Proc. 96S069, www.dgsi.pt; cfr. art.ºs 639º, 640º, 652º a 656, 679º e 682º do CPC);
2.ª A douta decisão recorrida não enferma de qualquer nulidade por omissão de pronúncia, pois procedeu ao conhecimento de todas as questões jurídicas e pedidos formulados pela Recorrente (v. art.ºs 608º/2 e 615º/1/d) do CPC).
3.ª A A. Recorrente não alegou, demonstrou ou provou a existência de qualquer Dano, consistente na “supressão ou diminuição duma situação jurídica favorável que estava protegida pelo Direito” (v. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980, Vol. II, AAFDL, p.p. 283; cfr. Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, 1944, 80), consubstanciado em perda de oportunidade ou de “chance” que fundamente a pretensão indemnizatória peticionada e que não foi sufragada pelo Tribunal “a quo”, não tendo minimamente ficado provado ou sequer sido alegado uma probabilidade séria de procedência do recurso que não foi apresentado (v. art.ºs 483º e segs. e 798º e segs. do C. Civil; cfr. art.º 342º do C. Civil);
4.ª A A. Recorrente não invocou ou demonstrou – como lhe competia (v. art.º 342º do C. Civil) –, nem se verificam in casu os pressupostos de que dependeria a responsabilidade do R. J pelos pretensos danos e prejuízos invocados e pelos quais foi condenado (art.ºs 9º, 342º, 496º, 483º e segs., 562º a 566,798º e segs., do C. Civil), pelo que a douta sentença recorrida não enferma de quaisquer erros de julgamento e não merece censura (v. arts. 9º, 342º, 473º e segs., 496º, 483º e segs., 562º a 566º, 570º, 592º e 798º e segs., do C. Civil).
5.ª No caso sub judice, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 636º do CPC, o âmbito do presente recurso, perante a possibilidade da sua procedência – o que apenas por mera hipótese se admite – deverá ser ampliado, conhecendo-se as seguintes questões:
– Dos Contrato de Seguro e sua Cobertura:
 a) O contrato de seguro em análise celebrado com a R. Seguradoras Unidas constitui uma modalidade de contrato de seguro obrigatório, pelo que a exclusão relativa à franquia contratada e invocada sempre seria inválida, ineficaz e inoponível a terceiros, ex vi dos art.ºs 101º/2 e 4 e 147º da Lei do Contrato de Seguro (DL 72/2008; cfr. Ac. STJ de 2015.05.26, Proc. 231/10.5TBSAT.C1.S1,www.dgsi.pt; Cfr.Ac.RLde2015.09.22, Proc. 1496/09.0YXLSB.L1-1, www.dgsi.pt).
b) A exceção relativa à tardia ou falta de participação alegada pela R. A... sempre seria também improcedente e inoponível ao Terceiro Demandante ex vi dos art.ºs 13º, 101º/2 e 4 e 147º da Lei do Contrato de Seguro.
NESTES TERMOS,
Deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida na parte impugnada nos termos supra expostos (v. art.º 636º/2 do CPC), com as legais consequências.”

SEGURADORA, SA apresenta contra-alegações e AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DE RECURSO, concluindo:
“Conforme o clausulado da apólice em apreço foi fixada uma franquia no montante global de € 5.000,00 (cinco mil euros), por sinistro, franquia essa que fica a cargo do Segurado 1º Réu, sendo da sua inteira responsabilidade, a qual não pode ser imputável à ora Ré – Cfr. Doc. 1 apresentado com a contestação da Ré seguradora aqui Recorrida, Ponto 9 das Condições Particulares.


II- OS FACTOS

Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1.º
 Autora é uma sociedade que se dedica, entre outras atividades, à transformação de carnes de suíno e posterior comercialização e talho.

O réu J é Advogado há 20 anos, com inscrição ativa na Ordem dos Advogados desde 28.09.1994, titular da cédula profissional n.º … e tem domicílio profissional na Rua …

A ré Seguradora é uma sociedade anónima que tem por objeto social o exercício da atividade de seguro e de resseguro de todos os ramos e operações, salvo no que respeita ao seguro de crédito com garantia do Estado, podendo ainda exercer atividades conexas ou complementares da de seguro ou resseguro.

No âmbito de uma operação de fusão por transferência global de património, registada em 30.12.2016, nos termos da qual a 2.ª Ré, à data denominada … …, a denominação social da 2.ª R. passou a ser “SEGURADORA …, S.A.”

A SP, Lda., veio a instaurar, em 30.06.2003, uma ação declarativa contra a aqui Autora, a qual correu os seus termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial do Fundão, sob o n.º1315/03.1TBFND

Na supra referida ação pediu a condenação da aqui autora no pagamento da quantia de €104.936,96; com fundamento no alegado na petição inicial junta de fls. 261 a fls. 263, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

Citada, a aqui autora e ali ré constituiu mandatário o réu J, contestando a ação e deduzindo pedido reconvencional, com os fundamentos constantes do documento de fls. 270 verso a fls. 276, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

Na referida ação a SP, Lda. apresentou réplica, contestando o pedido reconvencional, nos termos constantes do documento de fls. 284 verso a fls. 289, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

A aqui autora e ali ré apresentou tréplica, alegando o que consta do documento de fls. 290 verso a fls. 291, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10º
Em Audiência Preliminar realizada em 16.01.2006 foi proferido despacho saneador, selecionados os factos assentes e elaborada base instrutória, nos termos constantes da ata junta de fls. 292 verso a fls. 297, e cujo teor se dá por reproduzido.
11º
Em 23.06.2010 realizou-se diligência de leitura de resposta aos artigos da base instrutória, e motivação da decisão de facto, conforme ata junta de fls. 297 verso a fls.303, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
12º
Por sentença proferida em 19.03.2012 foi a aqui autora e ali ré condenada a pagar à SP, Lda. as quantias peticionadas, sendo esta absolvida do pedido reconvencional, nos termos e com os fundamentos constantes do documento de fls. 303 verso a fls. 311, e cujo teor se dá por reproduzido.
13º
Notificada, a sentença supra referida transitou em julgado em 11.04.2012.
14º
A ré Seguradora …, S.A., segura nos termos das Condições Particulares, Gerais e Especiais do Seguro de Responsabilidade Civil Profissional celebrado com a Ordem dos Advogados (tomador do seguro) e designado Apólice n.º…9, o risco decorrente de ação ou omissão, dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão.
15º
A Apólice de Seguro de Responsabilidade Civil profissional em questão foi celebrada pela Ordem dos Advogados, o Tomador do Seguro, tendo como beneficiários todos os Advogados com inscrição em vigor na mesma.
16º
Nos termos do Ponto 10 das Condições Particulares da apólice em causa, sob a epígrafe PERÍODO DE COBERTURA, a apólice em causa vigora pelo período de 24 meses, com data de início de 01.01.2012 às 00h e vencimento às 00h de 01.01.2014.
17º
De acordo com o Ponto 7 das Condições Particulares da apólice ora em análise, “A seguradora assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o Segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo Segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente Apólice”.
18º
A apólice em análise consagra o princípio designado de “Claims made” nos termos da qual a Seguradora proporciona cobertura nas seguintes circunstâncias cumulativas:
a. Se a primeira reclamação do Segurado, contra o Segurado ou Tomador de Seguro ocorrer no período de vigência da apólice em causa, ou seja, entre 01.01.2012 e 31.12.2013; e
b. Se dos atos e omissões imputado ao Segurado e reclamados resultar dolo, erro, omissão ou negligência profissional.
19º
A apólice tem como limite de indemnização o capital total de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) por reclamação e anuidade, sendo este o limite máximo indemnizável;
20º
Tendo sido fixada uma franquia no montante global de €5.000,00 (cinco mil euros) por sinistro.
21º
Nos termos do Ponto 12 do Artigo 1º das Condições Especiais da Apólice em causa, considera-se como Reclamação:
“Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer SEGURADO, ou contra a SEGURADORA (…) Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo Segurado e notificada oficiosamente por este à Seguradora (…)”
22º
O 1.º Réu participou, juntamente com a Autora, o sinistro àquela Seguradora 2ª Ré.
23º
A 2.ª Ré veio a declinar qualquer responsabilidade invocando que haveria pouca probabilidade de provimento do recurso em causa, não se encontrando reunidos, no seu entender, os pressupostos da responsabilidade civil e da consequente obrigação de indemnizar.
24º
À data dos factos, o 1º Réu tinha em vigor um contrato de seguro de responsabilidade profissional de reforço com a A... Limited nos termos do qual e através da apólice … -D, transferiu ainda a sua responsabilidade civil por atos e omissões resultantes da sua atividade profissional para esta seguradora, para os danos em excesso à Apólice …9 da então …, e até ao limite de €100.000,00.
25º
Nos termos definidos nas Condições Especiais da referida apólice … -D, a A... Limited assumiu, perante o Tomador e Segurado, o 1º Réu, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade profissional desenvolvida pelo seu segurado, garantindo o eventual pagamento de indemnizações resultantes da responsabilização civil do segurado, em decorrência de erros e/ou omissões profissionais incorridas no exercício da sua atividade.
26º
O período de vigência da apólice … -D decorreu entre 01/01/2012 e 01/01/2013.
27º
Nos termos do artigo 4º (Delimitação Temporal) das Condições Especiais da apólice EPA-01775-000-12-D,
“…esta APÓLICE será competente exclusivamente para as RECLAMAÇÕES que sejam pela primeira vez apresentadas
i) contra o SEGURADO e notificadas à SEGURADORA, ou
ii) contra a SEGURADORA em exercício da ação direta, durante o PERÍODO SEGURO…”
28º
Por notificação da Secretaria datada de 20.03.2012 foi a aqui autora notificada (na pessoa do 1º réu, seu mandatário constituído naqueles autos) da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca do Fundão no âmbito da ação n.º1315/03.1TBFND.
29º
A autora deu instruções ao 1º réu para que recorresse.
30º
O 1º Réu deu entrada do requerimento de interposição de recurso em 17.04.2012,
31º
Por mensagem de correio eletrónico datada de 04.07.2017 e dirigido a …@….pt, o 1º Réu deu conhecimento de ter sido intentada a presente ação judicial e do valor do pedido, bem como do facto de em maio de 2012, no âmbito da ação n.º1315/03.1TBFND, ter sido notificado da rejeição, por extemporaneidade, de um recurso de apelação.
32º
Por carta registada com aviso de receção remetida em 24.05.2012 o 1º réu participou à 2ª ré o sinistro, isto é, que no âmbito da ação n.º 1315/03.1TBFND, e segundo instruções do seu constituinte, interpôs recurso de apelação da decisão final em 17.04.2012, o qual foi rejeitado por extemporaneidade em 04.05.2012.
33º
A autora liquidou o montante do capital em que foi condenada, acrescido de juros e demais encargos, em valor que não é possível concretizar, no âmbito de ação executiva movida pela SP.

Mais se decidiu que “Não resultaram provados quaisquer outros factos, para além dos supra elencados”.

III-O DIREITO

Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, as questões que importa conhecer são as seguintes:
1- Admissibilidade do recurso
2- Nulidade da sentença recorrida;
3- Verificação dos pressupostos do direito à indemnização por “perda de chance” ou perda de oportunidade de ganho de ação
4- Critérios de fixação do valor indemnizatório
5- Ampliação do recurso formulada pela Ré SEGURADOR, SA
6- Ampliação do recurso formulada pela interveniente A... LIMITED relacionada com a responsabilidade desta pelo pagamento do valor indemnizatório
7- Ampliação do recurso do Réu J

1- O Réu /Apelado vem defender a rejeição do recurso pelo facto de a Apelante formular conclusões demasiado extensas, alegando que nas mesmas, a Apelante se limita a “vazar os pormenores argumentativos próprios das alegações”.
Cumpre apreciar:
É certo que nos termos do art.º 639.º n.º 1 do CPC “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
Será que a Apelante não deu cumprimento a essa obrigação legal? E caso não o tenha feito, qual deverá ser a consequência? Justificar-se –á uma consequência tão grave como a preconizada rejeição do recurso?
“I- As conclusões exercem a importante função de delimitação do objeto do recurso, e como tal sobre o recorrente recai o ónus de ali sintetizar a argumentação que apresente na motivação do recurso, procedendo à enunciação dos fundamentos de facto e/ou de direito que constituem as premissas essenciais do encadeamento lógico que conduzirá à pretendida alteração ou a anulação da decisão recorrida.
II - Devem corresponder à identificação, clara e rigorosa, dos fundamentos que justificam a pretensão formulada, e que não se confundem com os argumentos que possam ser apresentados na motivação ou corpo das alegações, de ordem jurisprudencial ou doutrinal.

III - A forma sintética como devem ser apresentadas as conclusões, permite ao recorrido responder de modo adequado, no cabal exercício do contraditório, mas também facilita a delimitação do objeto do recurso ao tribunal ad quem, potencializando uma maior eficácia na realização da Justiça”.[1]
Porém, “tal formulação deve ser interpretada, de forma flexível, deixando a aplicação da cominação somente para aqueles casos em que não é de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior, ou não haja qualquer síntese, não se conseguindo assim vislumbrar qualquer conteúdo útil nas alegações/conclusões, pressupondo , desse modo, a ininteligibilidade das questões suscitadas no recurso.”[2]
Da análise da Jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça sobre a matéria, verifica-se que o entendimento acolhido por aquele Tribunal é no sentido de aquele dever legal de formular conclusões sintéticas não dever ser apreciado de forma rígida, “fazendo-se antes um juízo de proporcionalidade entre as possíveis falhas e os correspondentes efeitos, não dando prevalência a aspectos formais sobre o conhecimento das questões de mérito.”[3]
De acordo com a referida jurisprudência a que aderimos, “ o não conhecimento do recurso, usado com moderação e parcimónia, deve ser reservado para as situações em que não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do Tribunal superior, ou quando não haja qualquer síntese, em casos extremos em que de todo em todo não se consiga vislumbrar qualquer conteúdo útil nas alegações / conclusões, pressupondo assim a ininteligibilidade das questões suscitadas no recurso”.
Ora bem se vê, da leitura das conclusões formuladas pela Apelante, que o caso em apreço, nem de longe nem de perto se pode integrar na situação supra enunciada. As conclusões do recurso apresentado, embora se admita que pudessem ser mais sintéticas, expõem de forma clara e bem sistematizada os fundamentos do recurso, cumprindo muito bem a sua função de “delimitar o objecto do recurso”. Logo, não existe qualquer fundamento legal para não conhecer do recurso.
Improcede, pois, a pretensão do Apelado.

2- Importa agora apreciar a questão da nulidade da sentença recorrida.
A Apelante invoca a nulidade da decisão recorrida por considerar que a mesma enferma de omissão de pronúncia.
Com efeito, estipula a alínea d) do nº1 do art.º 615º do Código de Processo Civil que “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
O Juiz deve conhecer de “todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e de todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (…),o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado[4][5]
Ora, analisada a sentença recorrida, afigura-se que a mesma apreciou a questão fulcral que se colocava que era a de saber se a Autora tinha direito a ser indemnizada com fundamento na” perda de chance”, resultante de violação dos deveres que para o Réu decorriam do mandato forense. Contudo, é certo que ao discorrer juridicamente sobre a matéria, a sentença recorrida não desenvolveu as linhas de argumentação jurídica com base nas quais a Autora defendia ter direito a tal indemnização. Porém, de acordo com a Doutrina citada à qual aderimos, tal não configura fundamento de nulidade.
Improcede a invocada nulidade da sentença recorrida.

3- Analisemos, seguidamente, a existência dos pressupostos do direito á indemnização peticionada.
Coloca-se nos autos a questão de saber se a Autora tem direito a receber dos Réus uma indemnização, com fundamento na “perda de chance” ou perda de oportunidade de ganho de ação ou outras vantagens, por incumprimento do mandato, imputável ao réu Dr. J.
Sobre esta temática já os nossos Tribunais se têm debruçado com alguma frequência, pelo que existe Jurisprudência abundante sobre a matéria.
Destacamos desde já o elucidativo sumário contido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-03-2017[6]:
“O advogado, no exercício das suas funções, deve agir na defesa dos interesses do cliente de acordo com as boas regras da profissão (leges artis) mas sempre com independência e autonomia técnica; a obrigação que assume, enquanto mandatário, perante o seu mandante é uma obrigação de meios e não de resultado.
Os comportamentos positivos ou omissivos que traduzem falta de diligência profissional devem constituir conditio sine qua non do insucesso da ação ou da defesa, obstando per se a que o autor ganhe o que reclamava ou perca o que lhe era reclamado, pois só se assim for se perspetiva a atribuição de indemnização por perda de chance.
Os comportamentos suscetíveis de integrar violação culposa do dever de diligência que a lei comete ao advogado nas relações com o cliente (artigo 95.º/1, alínea b) do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro e 100.º/1, alínea b) do EOA) devem restringir-se, em regra, às atuações graves, quase sempre omissivas (v.g. injustificadas faltas de contestação, de não interposição de recurso contra a vontade do mandante,[7] de não interposição de ação antes do decurso do prazo de caducidade, de não apresentação do requerimento probatório etc.), situações estas que estão manifestamente fora do âmbito das opções técnicas, designadamente de natureza jurídica, que o advogado, enquanto jurista particularmente qualificado, tem de assumir no seu patrocínio.
 A indemnização a atribuir com base em perda de chance não dispensa um julgamento dentro do julgamento, ou seja, não basta verificar-se falta grave obstativa por si do desfecho jurídico favorável, importa ainda ponderar a probabilidade elevada de que tal desfecho favorável pudesse ter-se verificado.”
Retiram-se, assim, desde logo, duas condições necessárias para que se verifique a obrigação de indemnizar com fundamento na “perda de chance”:
Em primeiro lugar, a existência de uma falta grave do mandatário forense que, por si só, seja idónea a impedir um desfecho jurídico desfavorável ao mandante;
Em segundo lugar, a probabilidade elevada de que esse desfecho favorável pudesse ter-se verificado, se não tivesse ocorrido a referida falta grave, o que pressupõe a realização do chamado “julgamento dentro do julgamento”.
Quanto à existência de uma falta grave do mandatário, vejamos o que se encontra provado:
Provou-se que a SP, Lda. instaurou, em 30.06.2003, uma acção declarativa contra a aqui Autora, a qual correu os seus termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial do Fundão, sob o n.º 1315/03.1TBFND.
Na supra referida acção, a Autora pediu a condenação da Ré, aqui Autora no pagamento da quantia de €104.936,96; com fundamento no alegado na petição inicial. Sucede que essa acção foi julgada procedente, totalmente desfavorável à aqui Autora. Apesar disso, a sentença transitou em julgado em 11-04-2012, pois que, embora a Autora tivesse dado instruções ao 1.º Réu para que recorresse, o mesmo interpôs recurso que não foi admitido por extemporâneo, tendo o próprio réu participado, juntamente com a Autora, o sinistro à Seguradora 2.ª Ré.[8]
Ora, é certo que nos termos do disposto no art.º 95.º nº 1, al. b) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, vigente à data dos factos, compete ao Advogado «estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade», devendo, de acordo com o estipulado no art.º 103, nº 1, do mesmo diploma, «em qualquer circunstância, actuar com diligencia e lealdade na condução do processo».
Ora, perante os factos acima mencionados, é patente que o senhor Advogado, ora Réu, não actuou com a diligência a que estava obrigado e lhe era exigível, nas circunstâncias concretas e de acordo com as normas estatutárias mencionadas.
O próprio Réu reconheceu a gravidade do incumprimento dos deveres que lhe cabiam no exercício do mandato forense, participando o sinistro à seguradora 2 ª Ré.
Está, pois, configurado o primeiro pressuposto necessário para que possa verificar-se a obrigação de indemnizar com fundamento na “perda de chance”.
Cabe, seguidamente, analisar a existência ou não da probabilidade elevada de um desfecho favorável para a Recorrente, Ré no processo 1315/03.1TBFND e ora Autora.
Recorde-se que a SP, Lda é uma empresa que se dedica ao fabrico e montagem de equipamento isotérmico, nomeadamente câmaras de armazenamento de carne. Por sua vez, a ora Autora é uma sociedade que se dedica ao armazenamento e comercialização de produtos alimentares, designadamente enchidos e carnes. Entre a ora Autora e a SP, Lda foi celebrado um contrato de empreitada mediante o qual, esta sociedade se comprometeu a realizar, para a primeira, os trabalhos necessários para equipar uma unidade de charcutaria de câmaras isotérmicas.[9]
A caracterização da relação contratual discutida naquele processo, por si só, já nos permite começar a concluir por alguma probabilidade de êxito ainda que parcial de um recurso da sentença proferida em primeira instância. Na verdade, sendo um contrato de empreitada um contrato de execução continuada, pela própria natureza das coisas, e de acordo com os dados da experiência comum, o próprio decurso do tempo, necessário à execução da obra, leva a modificações e vicissitudes que, só por si, propiciam o estabelecimento de relações complexas, que potenciam os litígios e desentendimentos entre as partes. Entre essas modificações e vicissitudes, poderão referir-se, por exemplo, só para citar as mais comuns, alterações dos trabalhos inicialmente acordados, realização de trabalhos a mais, atrasos na obra por razões várias, etc. Nesta medida, quanto mais prolongada é a relação contratual, mais complexidade é introduzida na mesma e mais difícil se torna a apreciação da prova dos factos que se vão sucedendo no tempo. E, assim, mais expectável se torna que uma reapreciação de toda essa complexa malha de factos, sobretudo elaborada por um tribunal de recurso, colegial, composto por três juízes, possa conduzir a uma alteração da decisão inicialmente proferida pelo Tribunal singular. Assim, a complexidade e as características próprias do contrato de empreitada afigura-se-nos, só por si, legitimar a Autora, ora Apelante, a equacionar uma real perda de oportunidade de ver reapreciada, com algum êxito, ainda que parcial, a decisão que lhe foi desfavorável, caso tivesse sido recebido o recurso.
É certo que o que acaba de ser referido, reafirma-se, é apenas um indício, não é suficiente para se concluir pela probabilidade elevada de um desfecho favorável à ora Autora, ali Ré.
Contudo, a ora Apelante chama a atenção para alguns aspectos nos quais fundamenta a existência dessa elevada probabilidade de êxito do recurso se tivesse sido apreciado. Importa analisá-los, pois que “ no caso de perda de chances processuais, como é a tratada nos presentes autos, a primeira questão está em saber se o hipotético sucesso do desfecho processual, decorrente do recurso que o 1.º R. deixou de interpor, assume um padrão de consistência e de seriedade que, face ao estado da doutrina e jurisprudência então existente, ou mesmo em evolução, se revela suficientemente provável para o reconhecimento do dano.
Para tanto, importa fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, não propriamente no sentido da solução jurídica que pudesse ser adotada pelo tribunal da presente ação sobre a matéria da causa em que ocorreu a falta, mas sim pelo que possa ser considerado como altamente provável que o tribunal da ação em que a defesa ficou prejudicada viesse a decidir.”[10]
A Apelante começa por elencar o primeiro fundamento com base no qual defende que o recurso que o Réu não interpôs em tempo, teria fortes probabilidades de conduzir à revogação pelo menos parcial da sentença inicialmente proferida:
(i)Contradição entre os fundamentos de facto e a decisão proferida no âmbito do Processo n.º 1315/03.1TBFND o que resulta num erro, relativamente ao cálculo da quantia em que a Ré, ora Autora, foi condenada.
Na verdade, quanto à quantia em dívida pela Ré, ora Autora, analisada a acta da audiência preliminar realizada em 16/01/2006, verificamos que consta das alíneas G) e H) dos factos dados como assentes o seguinte:
G) Do preço convencionado (esc. 58.000.000$00 a que correspondem €289.302,80 acrescido de IVA) a Ré já pagou a quantia de 62.010.000$00 (309.304,57), com IVA incluído.
H) A Quantia de €29.179,67 não foi paga.”
Ou seja, da factualidade assente resultava que a quantia em dívida pela Ré, ora Autora, no concernente aos trabalhos inicialmente orçamentados, ascendia a € 29.179,67. É, de resto, o valor que se obtém, procedendo à operação aritmética, a partir dos valores constantes da alínea G).
Porém, de forma inexplicável, analisada a “matéria de facto provada” da sentença proferida no Processo n.º 1315/03, apenas constam as alíneas A) a C) e J), K). e L), estando em falta, não tendo sido transcritas, além das referidas alíneas G) e H), ainda as alíneas D) E) F) e I) que faziam parte do elenco dos factos assentes conforme acta da audiência preliminar.
Em contrapartida, passou a constar do ponto 8 da “matéria de facto provada”, o seguinte:
Dos ESC = 67.860.000$00 referente aos trabalhos e materiais constantes do orçamento atrás referido a Ré não pagou à Autora o montante de €30.341,94 ao que acresce IVA a 17% no total de €35.500,00 (trinta e cinco mil euros)”.
Ora, este ponto 8 da matéria de facto contraria aquilo que já tinha sido dado como provado nas mencionadas alíneas G) e H), sendo certo que esses factos dados como assentes na audiência preliminar não podem ser pura e simplesmente abolidos na sentença.
Donde se conclui que, perante este circunstancialismo, seria forte a probabilidade de, em recurso, o Tribunal da Relação proceder à correcção desta evidente incongruência da sentença em apreço.
(ii) A ora Apelante invoca ainda como fundamento para a forte probabilidade de êxito no recurso da sentença em analise, recurso que como sabemos não chegou a ser admitido, por extemporâneo, a consideração do documento n.º 6 que apresentou com a contestação naqueloutra acção e que neste processo foi junta aos autos como Documento n.º 11.
Também quanto a esta matéria consta da alínea I) dos factos assentes, conforme acta da audiência preliminar o seguinte:
“A autora enviou á ré, por carta remetida via fax, o documento junto com a contestação sob o n.º 6 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.”

Sucede que mais uma vez ocorre a circunstância insólita de este facto ter “desaparecido” do elenco dos factos provados da sentença.
Nesse documento, datado de 25-04-2002, a SP veio a remeter à S, Lda., via fax, uma comunicação onde exige o “restante montante em dívida”, no valor de €34.915,85, acrescido de IVA a 17%, totalizando €40.851,54.
Ora, para além de o Tribunal não ter transcrito para a sentença a alínea I) dos factos assentes, onde se fazia referência a tal documento, na verdade, o Tribunal do Fundão “não lhe atribui a mínima relevância, não tendo, em momento algum, apreciado o seu conteúdo, ou, o que se pensa que seria o mínimo, a sua existência!”
Ora, na sentença proferida no Processo 1315/03, está provado que “a empreitada ficou concluída em Novembro de 1999”. E mais de dois anos decorridos, após o términus das obras, a Empreiteira solicita o pagamento do restante montante em dívida que é de €34.915,85. Não faz sentido argumentar que, nessa data, não fosse solicitado o pagamento de todo o valor que estivesse em dívida e apenas uma parte dele. Não se compreende também como é que no ano seguinte, na data da propositura da acção, em 30-06-2003, a quantia peticionada passa a ser de €104.936,96.
  Quantia que o Tribunal do Fundão vem a dar como provado ser devida, conforme ponto 11.º dos factos provados., depois de retirar a alínea I) dos factos assentes do elenco da matéria provada.
Afigura-se que a probabilidade de o Tribunal, antes de mais, proceder à necessária rectificação do elenco dos factos provados é elevadíssima. Seguidamente, não poderia deixar de analisar o documento cujo teor já tinha sido dado como provado e, necessariamente esclarecer a contradição entre o teor desse documento e o que consta do ponto 11.º dos factos assentes. Em face desta análise, afigura-se muito elevada a probabilidade de o recurso vir a ter provimento, pois a ter sido feita esta reapreciação, da mesma resultaria uma redução da quantia em que a Autora foi condenada.  
(iii)A Apelante invoca ainda erros de apreciação da prova relativamente aos pontos 2.º, 6.º, 11.º, 13.º, 18.º, 23.º, 25.º 26.º da base instrutória.
Não cabe aqui nesta sede, fazer uma reapreciação de toda a prova produzida. O chamado “julgamento dentro do julgamento”, não tem, a nosso ver, um alcance tão exigente. De qualquer modo, a fim de prosseguir na avaliação de probabilidade séria de alteração da factualidade apurada, de forma favorável ao ora Apelante, já decorre com suficiente solidez daquilo que ficou exposto. Designadamente, já decorre a imperiosa necessidade de alteração do ponto 11.º dos factos assentes de forma a não entrar em contradição com matéria já dada como assente. E só essa alteração tornaria muito provável o êxito do recurso que viesse a ser apreciado, impondo uma redução da quantia em dívida para menos de metade, ou seja, muito possivelmente para €40.851,54.
Afigura-se assim, sem necessidade de mais desenvolvimentos, que a ora Apelante demonstrou que um recurso, a ter sido admitido, teria fortes probabilidades de conduzir à revogação pelo menos parcial da sentença inicialmente proferida.
Sendo certo que o ónus da prova de tal probabilidade incumbia à ora Apelante, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (art.º 342.º n.º 1 do CPC)[11].
Sobre esta matéria foi proferido o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2022 (DR, 1.ª série, 26-01-2022), no processo n.º 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A, onde se definiu a seguinte orientação:
«O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade».
O referido AUJ aceitou como princípio a ressarcibilidade do dano de perda de chance processual, não obstante a incerteza quer do nexo causal quer do dano. O dano da perda de chance será assim a perda de oportunidade de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo e é suscetível de ser indemnizado, seja como elemento patrimonial pré-existente no património do lesado (dano emergente), distinto do dano final, seja como antecipação do dano final e por isso um lucro cessante. Entende-se, portanto, nas palavras do AUJ que «(…) o modo abrangente como o artigo 564.º do Código Civil apresenta os danos que são suscetíveis de ser indemnizados não afasta a possibilidade da perda de chance poder ser qualificada como um dano, seja um dano em si (distinto do dano final) ou seja uma “fração” do dano final». Mas tal não significa que toda a qualquer perda de chance deva ser reconhecida como um dano indemnizável, propugnando-se que só uma perda de chance consistente e séria configura um dano por perda de chance indemnizável. Neste sentido, Paulo Mota Pinto[12], afirma que «Além da verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de um nexo de causalidade entre o facto lesivo e o dano exige-se, designadamente, que a chance a indemnizar seja real e séria. Não basta, assim, a constatação da prévia existência, numa qualquer medida, de uma oportunidade ou possibilidade de obtenção de um resultado favorável de uma vantagem pelo lesado, que tenham sido destruídas. É ainda necessário que a concretização da “chance” se apresente com um grau de probabilidade ou verosimilhança razoável e não com carácter meramente hipotético.»
Sendo o dano caraterizado por uma incerteza, pois, em rigor, não é possível saber, com absoluta segurança, se o lesado obteria ganho de causa, no processo cujo resultado lhe foi desfavorável, os tribunais quando julgam estes casos aceitam, tal como também entendeu o AUJ n.º 2/2022, que basta uma probabilidade qualificada (consistente e séria) de perda de uma vantagem para que o lesado tenha direito à indemnização.
Refere aquele AUJ n.º 2/2002 que “(…) à luz das regras e princípios vigentes de responsabilidade civil, só uma “chance” com um mínimo de consistência pode aspirar a exprimir a certeza (“relativa”) do resultado comprometido (pelo ato lesivo) ser considerado provável.
Não há indemnização civil sem dano e este tem que ser certo, sendo que a certeza do dano de chance (que, por isso, merece a tutela do direito e ser indemnizado) está exatamente na probabilidade suficiente, em função da consistência da chance, do resultado favorável da ação comprometida ou, para quem entenda que é o dano final que está a ser indemnizado, na probabilidade suficiente, em função da consistência da chance, da materialização do dano final (do resultado final desfavorável do processo).
Uma “chance” puramente abstrata e especulativa – isto é, independente da prova de qualquer concreta probabilidade – não é, de modo algum, um dano certo; assim como não atingirão a certeza exigível, não sendo indemnizáveis, as “perdas de chance” que correspondam a uma pequena probabilidade de sucesso da ação comprometida».
Mas não pode exigir-se, como também reconhece o AUJ, que o dano decorrente do comportamento ilícito e culposo do advogado seja objeto de uma certeza absoluta. Neste sentido, “(…) a certeza sobre a realidade hipotética do que não chegou a verificar-se tem sempre que se situar no domínio das probabilidades (das certezas relativas). A aferição dum tal dano exigirá sempre a comparação entre uma situação real, atual, e uma situação hipotética, igualmente atual, sendo a prognose sobre a evolução hipotética do processo comprometido que irá permitir determinar a certeza relativa do dano».
A jurisprudência tem ainda entendido que, para aferir se o dano da perda de chance processual tem consistência suficiente para ser indemnizado, importa proceder a um “julgamento dentro do julgamento” no tribunal em que é pedida a indemnização, onde se indagará qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o facto lesivo (a falta do mandatário), a fim de determinar o grau de probabilidade que o lesado teria de obter um resultado favorável no processo em que se produziu o dano. A doutrina tem entendido que caso a probabilidade de um resultado favorável seja contabilizada em mais de 50% produziu-se um dano da perda de chance com consistência suficiente para ser indemnizável”[13]
Ora, da análise supra explanada resulta que a probabilidade de um resultado favorável ao ora Apelante, se não fosse o facto lesivo, seria seguramente superior a 50%. Estamos, pois, perante um dano indemnizável e estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual: facto ilícito; culpa presumida do devedor (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil); o dano e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.
4-Verificados os pressupostos da responsabilidade civil e consequente dever de indemnizar, importa encontrar o montante indemnizatório.
Como se afirma no AUJ n.º 2/2020, supracitado «Questão diferente e a jusante da prova da existência de dano (da prova da consistência e seriedade da concreta chance processual comprometida), é a já referida questão da avaliação e fixação do quantum indemnizatório devido em caso de perda de chance consistente e séria». Em sede de quantificação do dano patrimonial, tem-se entendido que não é adequado recorrer à teoria da diferença, mas a critérios de equidade.
O dano que se indemniza não é o dano final, nem o dano futuro, mas o dano “avançado”, constituído pela “perda de chance processual”, que não é igual à vantagem que se procurava com o processo como se tem entendido na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[14].
Como ali se pode ler[15]“Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da Constituição»
O montante da indemnização a arbitrar não tem, assim, de ser igual, e em regra não será, à totalidade do pedido do autor ou ao prejuízo que o réu deixaria de suportar, caso, como se trata no caso em análise, tivesse vindo a ser decidido favoravelmente o recurso que não chegou a ser admitido. Como vimos, havia uma probabilidade forte de nesse recurso se alterar a condenação da ali Ré e ora Apelante para um valor de cerca de €40.000,00, mais juros em vez dos €104.000,00, mais juros em que foi condenada. Porém, como vimos, o valor da indemnização a que a ora Autora terá direito não poderá ser essa diferença, ou seja, €64.000,00, pois não se pode cair num excesso de responsabilização, com o correspondente “enriquecimento do lesado”, nem na transformação do lesante em verdadeiro garante da concretização da chance[16] .
É certo que a Autora perdeu a oportunidade de obter uma decisão judicial que lhe reduzisse substancialmente o valor que teve de vir a pagar. Todavia, “o dano da perda de chance, uma vez que implica um juízo de prognose, não pode ter como consequência a obtenção de um resultado igual ou superior ao que teria sido alcançado no processo”[17]. Em sede de quantificação do dano, não podendo ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará, equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados, de acordo com o disposto pelo artigo 566º, nº 3, do Código Civil. Segundo a jurisprudência, «a noção de equidade tem, pois, essencialmente que ver com a “vertente individualizadora da justiça”, a equidade traduz um juízo de valor que significa, na determinação «equitativamente» quantificada, que os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objectivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado ou possam significar objectivamente um enriquecimento injustificado»[18].
Assim, o quantum indemnizatório não será determinado de acordo com critérios matemáticos, mas segundo a equidade, uma vez que a teoria da diferença não é adaptável ao dano “avançado” da perda de chance de ser obtido êxito no recurso em análise, sendo, em todo o caso, desconhecida a medida desse êxito.
Considerando, pois, os critérios normativos supra descritos e identificados doutrinária e jurisprudencialmente, baseados na razoabilidade, igualdade e proporcionalidade, cremos adequado fixar o valor de €35.000,00 a título de indemnização pela perda de chance.
5-Apurado o montante indemnizatório a que a Autora/Apelante tem direito importa analisar a questão de saber quem é responsável pelo respectivo pagamento para além do Réu J, o que se relaciona com a questão da responsabilidade da Ré SEGURADORA,SA, por força do contrato de seguro, questão suscitada em sede de ampliação do âmbito do recurso. Nesta sede, a Ré conclui: “ Conforme o clausulado da apólice em apreço foi fixada uma franquia no montante global de €5.000,00 (cinco mil euros), por sinistro, franquia essa que fica a cargo do Segurado 1º Réu, sendo da sua inteira responsabilidade, a qual não pode ser imputável à ora Ré – Cfr. Doc 1 apresentado com a contestação da Ré seguradora, aqui Recorrida, Ponto 9 das Condições Particulares.”
Com relevo para a responsabilização da Ré SEGURADORA, SA, destaca-se a seguinte factualidade dada como provada:
“14º A ré Seguradora, S.A., segura nos termos das Condições Particulares, Gerais e Especiais do Seguro de Responsabilidade Civil Profissional celebrado com a Ordem dos Advogados (tomador do seguro) e designado Apólice n.º …9, o risco decorrente de ação ou omissão, dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão.
15º A Apólice de Seguro de Responsabilidade Civil profissional em questão foi celebrada pela Ordem dos Advogados, o Tomador do Seguro, tendo como beneficiários todos os Advogados com inscrição em vigor na mesma.
16º Nos termos do Ponto 10 das Condições Particulares da apólice em causa, sob a epígrafe PERÍODO DE COBERTURA, a apólice em causa vigora pelo período de 24 meses, com data de início de 01.01.2012 às 00h e vencimento às 00h de 01.01.2014.
17ºDe acordo com o Ponto 7 das Condições Particulares da apólice ora em análise, “A seguradora assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o Segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo Segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente Apólice”.
18º A apólice em análise consagra o princípio designado de “Claims made” nos termos da qual a Seguradora proporciona cobertura nas seguintes circunstâncias cumulativas:
a. Se a primeira reclamação do Segurado, contra o Segurado ou Tomador de Seguro ocorrer no período de vigência da apólice em causa, ou seja, entre 01.01.2012 e 31.12.2013; e
b. Se dos atos e omissões imputado ao Segurado e reclamados resultar dolo, erro, omissão ou negligência profissional.
19º A apólice tem como limite de indemnização o capital total de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) por reclamação e anuidade, sendo este o limite máximo indemnizável;
20º Tendo sido fixada uma franquia no montante global de €5.000,00 (cinco mil euros) por sinistro.
21º Nos termos do Ponto 12 do Artigo 1º das Condições Especiais da Apólice em causa, considera-se como Reclamação:
“Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer SEGURADO, ou contra a SEGURADORA (…) Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo Segurado e notificada oficiosamente por este à Seguradora (…)”
22º O 1.º Réu participou, juntamente com a Autora, o sinistro àquela Seguradora 2ª Ré.”
A Ré é responsável pelo pagamento do montante indemnizatório, solidariamente com o Réu, por força do contrato de seguro supra identificado e caracterizado, salvaguardado o valor da franquia no montante de €5.000,00 a suportar pelo segurado 1.º Réu.

6- Cumpre apreciar a questão da responsabilidade da Interveniente A... LIMITED, conforme questão suscitada por esta em sede de ampliação do recurso.
Com referência a tal questão, provou-se o seguinte:
“24º
À data dos factos, o 1º Réu tinha em vigor um contrato de seguro de responsabilidade profissional de reforço com a A... Limited nos termos do qual e através da apólice …-D, transferiu ainda a sua responsabilidade civil por atos e omissões resultantes da sua atividade profissional para esta seguradora, para os danos em excesso à Apólice …9 da então Tranquilidade, e até ao limite de €100.000,00.
25º
Nos termos definidos nas Condições Especiais da referida apólice … -D, a A... Limited assumiu, perante o Tomador e Segurado, o 1º Réu, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade profissional desenvolvida pelo seu segurado, garantindo o eventual pagamento de indemnizações resultantes da responsabilização civil do segurado, em decorrência de erros e/ou omissões profissionais incorridas no exercício da sua atividade.
26º
O período de vigência da apólice … -D decorreu entre 01/01/2012 e 01/01/2013.
27º
Nos termos do artigo 4º (Delimitação Temporal) das Condições Especiais da apólice … -D,
“…esta APÓLICE será competente exclusivamente para as RECLAMAÇÕES que sejam pela primeira vez apresentadas
i) contra o SEGURADO e notificadas à SEGURADORA, ou
ii) contra a SEGURADORA em exercício da ação direta, durante o PERÍODO SEGURO…”.
31º
Por mensagem de correio eletrónico datada de 04.07.2017 e dirigido a …@....pt, o 1º Réu deu conhecimento de ter sido intentada a presente ação judicial e do valor do pedido, bem como do facto de em maio de 2012, no âmbito da ação n.º1315/03.1TBFND, ter sido notificado da rejeição, por extemporaneidade, de um recurso de apelação.”

A Interveniente vem concluir a sua posição jurídica nos seguintes termos:
“32. De facto, atenta a factualidade julgada provada nos autos, nomeadamente a matéria constante dos n.º 24.º a 27.º, 31.º e 32.ºdos factos provados, inequívoco se torna concluir que o (pretenso) sinistro profissional em apreço nos autos encontra-se excluído do âmbito temporal da apólice n.º … D O R. Advogado Reclamou pela primeira vez junto da ora Recorrente e Seguradora A..., os factos em discussão nos presentes autos, através de comunicação datada de 04.07.2017 – cf. Facto provado n.º 31.º.
33. Na verdade, atendendo à natureza de claims made do contrato de seguro celebrado junto da ora Recorrida A..., que determina que a aplicabilidade (ou não) das coberturas e garantias previstas na referida apólice de seguro, é determinada pela data da Reclamação que lhe sejam notificadas judicial ou extrajudicialmente durante o “período seguro”, que teve início em 01.01.2012 até 01.01.2013.
34. Encontrando-se provado que a Primeira Reclamação efetuada perante a ora Recorrente A... apenas ocorreu em 04.07.2017, em data que a referida apólice … -D já não se encontrava em vigor, havendo cessado os efeitos e/ou coberturas previstas na apólice n.º …-D contratada junto de si, encontrando-se o presente sinistro excluído do âmbito temporal coberto pelo contrato de seguro celebrado com a ora Recorrente A..., razão pela qual não pode a Interveniente ser responsável pelo pagamento de qualquer quantia nos moldes aqui peticionados, absolvida de todos os pedidos contra si formulados, por absoluta e inequívoca falta de cobertura temporal da apólice de seguro por si garantida, o que desde logo se alega e requer para os devidos e legais efeitos.
35. Sem conceder, qualquer condenação da Recorrida A..., o que não se admite e apenas por dever de patrocínio se alega, sempre teria de atender ao facto de o contrato de seguro se tratar de seguro de reforço, que apenas deverá funcionar em excesso à apólice subscrita pela Ordem dos Advogados (contratada junto da Seguradoras Unidas S.A.), com um capital garantido máximo de €100.000,00.”

Do cotejo entre a factualidade apurada e as razões invocadas pela Interveniente, verifica-se que a mesma tem razão nos dois argumentos apresentados.
Por um lado, a reclamação do sinistro perante a Recorrente A... foi efectuada numa data em o mesmo já se encontrava excluído do âmbito temporal da apólice n.º …-D.
Por outro lado, estamos perante um seguro de reforço nos termos do qual e através da apólice … -D, o 1.ºRéu transferiu ainda a sua responsabilidade civil por atos e omissões resultantes da sua atividade profissional para esta seguradora, para os danos em excesso à Apólice …9 da então …, e até ao limite de €100.000,00.”Ora, como o valor indemnizatório aqui fixado é muito inferior ao limite garantido contratualmente pela Ré SEGURADORA, não há “excesso” a garantir pela Interveniente.
Procedem as suas conclusões, devendo ser a Interveniente absolvida do pedido.

7- O Réu J pugna em sede de ampliação do recurso pela “inoponibilidade” da exclusão relativa à franquia contratada, conduzindo à improcedência da excepção invocada pela SEGURADORA. Defende igualmente a improcedência da defesa da A....
A decisão proferida em relação aos recursos de ambas as Seguradoras, prejudica a reanálise dessas matérias, determinando a sua improcedência.
IV- DECISÃO
Em face do que fica exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso de apelação interposto por S, LDA e, consequentemente, revogando a decisão recorrida:
(i) Fixar em €35.000,00 (trinta e cinco mil euros) a indemnização devida à Apelante, pelo dano resultante da “perda de chance”, procedendo assim integralmente o pedido subsidiário formulado na petição inicial.
(ii) Condenar o Réu J a pagar, por conta dessa indemnização o valor de €5000,00 (cinco mil euros)
(iii) Condenar os Réus J e SEGURADORA SA, solidariamente, a pagarem €30.000,00 (trinta mil euros).
(iv) Absolver A... LIMITED do pedido.
(v) Aos valores em referência, acrescem os juros legais, vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento.
(vi) Custas pelos Apelados J e Seguradora.

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2024
Maria de Deus Correia
Maria Teresa Pardal
Octávia Viegas (vencida conforme declaração de voto que segue)

Voto de Vencido
Entendo que a indemnização por “perda de chance”, decorrente de danos sofridos em virtude de o mandatário judicial não ter cumprido as obrigações decorrentes do mandato, constitui uma indemnização autónoma em que, na acção instaurada para sua obtenção, devem ser alegados e provados os pressupostos da obrigação de indemnizar, facto ilícito, culpa (neste caso presumida por incumprimento de obrigação decorrente de contrato de mandato), dano e nexo de causalidade entre facto e o dano.
O nexo de causalidade entre o facto e o dano não ficou apurado nos autos, porquanto considerando a Recorrente que o recurso que não foi interposto pelo mandatário da decisão proferida tinha probabilidade de sucesso quanto à reapreciação da matéria de facto o que conduziria a uma alteração da mesma no sentido de serem considerados provados factos demonstrativos da existência dos defeitos da obra que alegou e a sua denúncia, tal não resulta dos factos apurados nestes autos, em que foi proferida a decisão recorrida.
Assim, confirmaria a sentença recorrida
Octávia Viegas
_______________________________________________________
[1] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-11-2023, Processo n.º 2861/22.3T8BRR.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[2] Idem.
[3] Idem.
[4] José Lebre de Freitas ,A. Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º Coimbra Editora, 2.ª edição, p.704.
[5] Sublinhado nosso.
[6] Processo 389/14.4T8EVR.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Sublinhado nosso.
[8] Vide pontos 5.º, 6.º, 12.º, 13.º, 22.º, 29.º, 30.º e 31.º dos factos assentes.
[9] Conforme consta da sentença proferida no Tribunal do Fundão – Processo 1315/03.1TBFND, junta aos presentes autos como documento 5, anexo à petição inicial.
[10] Vide Acórdão do STJ de 30-11-2017, Processo n.º 12198/14.6T8LSB.L1.S1
[11] Vide Acórdão do STJ de 30-11-2017, Processo n.º 12198/14.6T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, já citado.
[12] in “Perda de Chance Processual”, Revista de Direito Civil Contemporâneo, vol. 15, ano 5, abr.-jun.2018, p. 373
[13] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-03-2022, Processo n.º 21963/15.6T8PRT.P1.S1.disponível em www.dgsi.pt.
[14] Acórdão do STJ de 11-01-2017, Processo 540/13.1T2AVR.P1:S1, disponível em www.dgsi.pt.
[15] Citando o Acórdão do STJ de 31-01-2012, Processo 875/05,
[16] Mota Pinto, ob cit, p. 363.
[17] Vide acórdão do STJ de 09-03-2022, já citado.
[18] Vide Acórdão de 10-09-2009, Processo n.º 341/04.8GTTVD.S1, disponível em www.dgsi.pt