Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CELINA NÓBREGA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO PRATICANTE DESPORTIVO REFORMA DA SENTENÇA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/27/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | 1. Não cabendo recurso da decisão, a reforma da sentença pode ser suscitada directamente ao tribunal que a proferiu, que dela cumpre apreciar nos casos em que, por lapso manifesto do juiz, tenha ocorrido alguma das situações a que alude o n.º 2 do artigo 616.º do CPC; cabendo recurso da decisão, então, a questão da reforma é suscitada no recurso, competindo ao juiz dela conhecer no momento em que aprecie a admissibilidade daquele. 2. O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, é violado não só quando se trata de forma desigual situações iguais, mas também quando se trata de forma igual situações desiguais. 3. Não enferma do vício da inconstitucionalidade a norma do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 8/2003, de 12 de Maio. (Pela relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: Relatório AAA veio, ao abrigo do disposto no artigo 145.º do CPT deduzir o presente incidente de revisão da incapacidade e da pensão invocando, para tanto, em resumo, que sofreu um acidente de trabalho em 19/04/2007, enquanto exercia a sua actividade de jogador profissional de futebol, acidente que consistiu numa forte torção no seu joelho esquerdo, do qual resultaram lesões e sequelas, que, por sentença já transitada em julgado, foi fixada ao sinistrado uma I.P.P. de 3%, desde 20/07/2007, que a situação clínica do sinistrado agravou-se com o decurso do tempo, padecendo este, actualmente, de dores constantes e graves limitações ao nível da sua mobilidade funcional, falta de força no seu joelho esquerdo e fortes dores, bem como apresenta dificuldade em caminhar continuamente, subir e descer escadas e não consegue correr. Concluindo no sentido de que se verifica uma verdadeira modificação na incapacidade do sinistrado decorrente de um agravamento da situação clínica resultante do acidente de trabalho que sofreu em 19.4.2007 pediu, a final, que seja realizado novo exame médico de modo a que a desvalorização que vier a ser considerada seja levada em devida conta com as legais consequências. Formulou quesitos. Teve lugar o exame médico de revisão da incapacidade, tendo o Perito Médico considerado que o sinistrado apresenta uma IPP de 19,92%. BBB, entidade responsável, não se conformando com o resultado do exame médico veio, nos termos do n.º 5 do artigo 145.º do Código de Processo do Trabalho, requerer que o sinistrado seja sujeito a perícia por junta médica tendo, para tanto, formulado quesitos. Realizou-se a junta médica, tendo os Srs. Peritos Médicos considerado, por unanimidade, ter havido agravamento da situação do sinistrado, na sequência do acidente dos autos, atribuindo-lhe uma IPP de 7%. Foi proferida a decisão que finalizou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, e em conformidade com o disposto nos art.ºs 11º e 56º, n.º 1, b), do Decreto-lei n.º 143/99, de 30/04; artigo 10º; 17º, n.º 1, d); 25º; 26º, n.º 2; 17º, n.º 4, da Lei n.º 100/97, de 13/09: - considero o sinistrado AAA definitivamente afectado de IPP de 7%, desde 07/06/2018 (data do requerimento de revisão), em consequência do acidente participado nos autos; - condeno a BBB, a pagar ao sinistrado AAA o capital de remição correspondente pensão anual e vitalícia de 80.610,39€, devida desde a referida data, sem prejuízo da parte já antes remida que nele deve ser imputada; - condeno a seguradora no pagamento de juros de mora, sobre a diferença do capital em dívida, à taxa supletiva legal. Valor da acção: o apurado quanto ao capital de remição, nos termos do disposto no art.º 120º, do CPT. Custas do incidente pela seguradora, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC, nos termos do disposto no art.º 7º, n.º 4, do RCP, e tabela II anexa. Registe e notifique. Proceda ao cálculo do capital de remição, da pensão assim actualizada.” Inconformada com a decisão, a Ré recorreu e formulou as seguintes conclusões: “1.ª A pensão anual e vitalícia por incapacidade permanente parcial de desportista profissional, resultante de acidente de trabalho sofrido em 19 de Abril de 2007, encontra-se sujeita aos limites previstos no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 8/2003, de 12 de Maio. 2.ª Tendo o sinistrado mais de 35 anos de idade na data a partir da qual é devida a prestação resultante do agravamento da mesma incapacidade, aquela pensão não pode exceder 14 vezes o montante correspondente a oito vezes a retribuição mínima mensal garantida aos trabalhadores por conta de outrem em vigor na mesma data. 3.ª O sinistrado tem a haver pensão anual e vitalícia limitada a €64.960, ou seja, ao produto de 14 por oito por €580. 4.ª E não no valor de € 80.610,39, fixados na decisão recorrida por aplicação das regras previstas na Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e no Decreto-lei n.º 143/99, de 30 de Abril. 5.ª Por lapso manifesto na determinação da norma aplicável à solução do litígio, o Tribunal a quo infringiu o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 8/2003. 6.ª O que torna a decisão recorrida também susceptível de reforma, pelo Tribunal a quo, nos termos do artigo 617.º/1 do Código de Processo Civil. Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que fixe em €64.960 o valor da pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado.” O Autor contra-alegou e, sem apresentar conclusões, pugnou pela inaplicabilidade do n.º 2 do artigo 2.º da Lei nº 8/2003, de 13/09 por, em seu entender, se tratar de uma norma inconstitucional, na medida em que viola os artigos 12.º, n.º 1, 13.º, n.º 1 e 2, 18.º n.º 1, 2 e 3, e 59.º, n.º 1 alínea f) todos da Constituição da República Portuguesa (CRP) e pela confirmação da decisão recorrida. Na sequência da interposição do recurso e pedido de reforma da sentença foi proferida a seguinte decisão: “I. Proferida sentença fixando a pensão devida pelo agravamento da incapacidade, dela interpôs a R. recurso, encimando a sua alegação, pedindo a reforma da sentença por manifesto erro na aplicação do Direito. Alega, para tanto, que: - o acidente de trabalho ocorreu a 19/04/2007; - o sinistrado à data a partir da qual é devida a pensão resultante do agravamento, tem já 35 anos; - a Lei n.º 27/2011, de 16/06, é aplicável apenas às situações decorrentes de acidente de trabalho posteriores à sua entrada em vigor; - assim, em 19/04/2007 vigorava a Lei n.º 8/2003, de 12/05; - por conseguinte, nos termos do disposto no art.º 2º, n.º 2, b), da Lei n.º 8/2003, de 12/05, a pensão anual do sinistrado pode exceder 14 vezes o montante correspondente a 8 vezes o salário mínimo nacional para os trabalhadores por conta de outrem em vigor na data a partir da qual é devida aquela pensão resultante do agravamento; - ora, em 07/06/2018, a RMMG cifrava-se em 580,00€ (decreto-lei n.º 156/2017, de 28/12), pelo que a pensão fixada não pode ir além de 14 vezes o montante correspondente a 8 vezes a RMMG, o que perfaz o valor de 64.960,00€; - sendo este o teto máximo legalmente permitido, deve o valor encontrado por recurso às fórmulas matemáticas de cálculo da pensão (se superior àquele) ser reduzido ao limite legalmente permitido, ou seja, 64.960,00€. * O sinistrado, por sua vez, entende que a norma que a recorrente pretende seja aplicada é inconstitucional por violação do princípio da igualdade. * II. Quando proferimos aquela decisão, não tivemos em atenção aquele preceito normativo, pelo que não balizámos o máximo da pensão decorrente do agravamento naqueles 64.960,00€. Nos termos do disposto no art.º 616º, n.º 2, a), do CPC, a parte pode requerer ao tribunal que proferiu a sentença quando, por manifesto lapso do juiz tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável. Por seu turno, se o pedido de reforma for suscitado no âmbito do recurso dela interposto, deve o juiz recorrido apreciá-la em sede de despacho e, reformando a sentença, considera-se o despacho em causa como complemento e parte integrante da sentença reformada (art.º 617º, n.º 1 e 2, do CPC). O erro é manifesto e, por ele, desde já nos penitenciamos. Desta feita, acolhendo o pedido de reforma, só nos resta corrigir a sentença em conformidade. Assim, uma vez que: - o acidente de trabalho ocorreu a 19/04/2007; - o sinistrado à data a partir da qual é devida a pensão resultante do agravamento tem mais de 35 anos, pois nasceu a 31/10/1979; - a Lei n.º 27/2011, de 16/06, é aplicável apenas às situações decorrentes de acidente de trabalho posteriores à sua entrada em vigor; - assim, em 19/04/2007 vigorava a Lei n.º 8/2003, de 12/05; - nos termos do disposto no art.º 2º, n.º 2, b), da Lei n.º 8/2003, de 12/05, a pensão anual do sinistrado não pode exceder 14 vezes o montante correspondente a 8 vezes a retribuição mínima mensal garantida em vigor na data a partir da qual é devida aquela pensão resultante do agravamento; - em 07/06/2018, a RMMG cifrava-se em 580,00 € (decreto-lei n.º 156/2017, de 28/12), pelo que a pensão fixada não pode ir além de 14 vezes o montante correspondente a 8 vezes a RMMG, o que perfaz o valor de 64.960,00€; - sendo este o teto máximo legalmente permitido, deve o valor encontrado por recurso às fórmulas matemáticas de cálculo da pensão (se superior àquele) ser reduzido ao limite legalmente permitido, ou seja, 64.960,00€. III. Face ao exposto, reformando parcialmente a sentença de 06/06/2019, e em conformidade com o disposto nos art.ºs 11º e 56º, n.º 1, b), do Decreto-lei n.º 143/99, de 30/04; artigo 10º; 17º, n.º 1, d); 25º; 26º, n.º 2; 17º, n.º 4, da Lei n.º 100/97, de 13/09, e art.º 2º, n.º 2, b), da Lei n.º 8/2003, de 12/05: - considero o sinistrado AAA definitivamente afectado de IPP de 7%, desde 07/06/2018 (data do requerimento de revisão), em consequência do acidente participado nos autos; - condeno a BBB, a pagar ao sinistrado AAA o capital de remição correspondente pensão anual e vitalícia de 64.960,00 €, devida desde a referida data, sem prejuízo da parte já antes remida que nele deve ser imputada; - condeno a seguradora no pagamento de juros de mora, sobre a diferença do capital em dívida, à taxa supletiva legal. * Em tudo o mais, mantenho o decidido, devendo a presente decisão ser lida em conjunto com aquela sentença. * Registe e notifique. * Proceda ao cálculo do capital de remição, da pensão assim actualizada. * Desta feita, e nos termos do disposto no art.º 617º, n.º 2, parte final, do CPC, fica o recurso interposto a ter por objecto a nova decisão, pelo deve ser notificado o recorrente, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3, daquele artigo legal.” A entidade responsável, BBB, veio, ao abrigo do disposto no artigo 617.º n.º 3 do CPC, desistir da apelação interposta por ter obtido o suprimento pretendido. O Autor, notificado da reforma parcial da sentença, bem como da desistência da apelação interposta pela entidade responsável, veio invocar, ao abrigo do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 617.º do CPC, aplicável ex vi n.º 2 do artigo 1.º do CPT, que a sentença inicialmente proferida não era susceptível de reforma, que não ocorreu erro na determinação da norma aplicável por lapso manifesto do juiz pois na primeira decisão proferida, o juiz aplicou correctamente o Direito, condenando a entidade responsável em conformidade com o disposto nos artigos 11.º e 56.º, n.º 1 al. b) do Decreto-Lei 143/99 de 30/04 e artigos 10, 17.º, n.º 1 alínea d), 25.º, 26.º n.º 2 , 17.º, n.º 4 da Lei 100/97, de 13/09 e que a norma prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei 8/2003, é manifestamente inconstitucional, pelo que não poderia ser aplicada. Requereu o sinistrado, a final, a subida dos autos para decidir da admissibilidade da alteração introduzida na sentença, nos termos do n.º 4 do artigo 617.º do CPC. A par, por não se conformar com o teor da decisão parcialmente reformada, veio o sinistrado dela interpor recurso cujas alegações sintetizou nas seguintes conclusões: “1º Nestes autos foi inicialmente proferida uma decisão que considerou o sinistrado definitivamente afectado de IPP de 7%, desde 07/06/2018 e, em consequência, condenou a entidade responsável no pagamento ao recorrente de um capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de 80.610,39 €, devida desde a referida data, sem prejuízo da parte já antes remida que nele deve ser imputada. 2º Na sequência de interposição de recurso por parte da entidade responsável, veio o Tribunal a quo reformar parcialmente a sentença inicialmente proferida, tendo mantido a fixação da IPP de 7%, desde a data do requerimento de revisão, mas reduzindo a condenação da entidade responsável para o pagamento do capital de remição correspondente a pensão anual e vitalícia de €64.960,00, por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 2.º da Lei 8/2003, de 12 de Maio 3º O recorrente julga que a decisão inicialmente proferida nestes autos, identificada na conclusão 1ª, não era passível de reforma, em função do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 613.º e 1 e 2 do artigo 617.º do C.P.C. 4º Pelo que, a mesma deverá ser mantida. 5º Em todo o caso, e por não se conformar com o teor da sentença parcialmente reformada, o recorrente interpôs a presente apelação. 6º No caso em apreço, é incontroversa a existência de um agravamento da situação clínica do sinistrado, que passou de uma IPP de 3% para uma IPP de 7%. 7º A única questão controvertida é, assim, a aplicação ao caso vertente do limite legal fixado no n.º 2 do artigo 2.º da Lei 8/2003, de 12 de Maio. 8º Julga o recorrente que tal limite é inaplicável, porquanto se trata de norma inconstitucional, na medida em que viola os artigos 12.º, n.º 1, 13.º, n.º 1 e 2, 18.º n.º 1 2 e 3, e 59.º, n.º 1 alínea f) todos da Constituição da República Portuguesa (CRP). 9º O estabelecimento de um limite máximo de pensão devida em caso de acidente de trabalho do qual resulte uma IPP para os futebolistas profissionais consagra manifestamente uma restrição ao direito dos desportistas profissionais, enquanto trabalhadores. 10º Dispõe o n.º 2 do artigo 18.º da CRP que, "A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos." 11º No caso sub judice, não existe nenhum outro direito ou interesse constitucionalmente protegido que esteja a ser salvaguardado com a diminuição do direito do trabalhador, que é desportista profissional, à justa reparação em caso de acidente de trabalho. 12º Os únicos interesses salvaguardados pela imposição de um limite máximo para as pensões emergentes de acidente de trabalho do qual resulta uma IPP num desportista profissional são os interesses económicos dos clubes e sociedades desportivas e também das companhias de seguros, que pretendem melhorar a sua situação económica à custa da supressão dos direitos dos trabalhadores desportistas profissionais. 13º Como é evidente, os interesses patrimoniais das entidades responsáveis pelo pagamento das pensões, sejam elas clubes e/ou companhias de seguros, não se encontram constitucionalmente protegidos, pelo que não é constitucionalmente permitida a restrição ao direito à justa reparação em caso de acidente de trabalho dos desportistas profissionais que se opera no n.º 2 do artigo 2 da Lei 8/2003, de 12 de Maio. 14º Acresce que, ao estabelecer-se uma limitação no valor das pensões nos casos de fixação por uma situação de IPP a um desportista profissional, criou-se uma situação injustificada e injusta de desigualdade no regime da reparação de acidentes de trabalho dos desportivas profissionais, relativamente ao regime aplicável aos de mais trabalhadores, porquanto nenhuma outra profissão existe tal limitação; 15º O que configura uma violação do disposto nos n.ºs 12 e 13 da C.R.P.. 16º Caso se entendesse como justificado fixar um limite máximo para os casos em que os sinistrados auferem elevados salários, este limite teria que ser imposto a todos os trabalhadores e não apenas aos desportistas profissionais e tal limite teria de ser consagrado no regime geral de reparação de acidentes de trabalho, e não apenas no regime especial aplicável aos praticantes desportivos. 17º Dessa forma, tratar-se-iam todos os trabalhadores como iguais. 18º Aquando da discussão da Proposta de Lei no Parlamento, que conduziu à aprovação e promulgação da Lei 8/2003, de 12 de Maio, a questão da inconstitucionalidade do artigo 2.º foi, desde logo, suscitada, cfr. declaração de voto que subscreveram os deputados (…) e (…) e enviaram à Mesa para publicação, relativa à votação da proposta de lei n.º 34/IX. 19º Em consequência da inaplicabilidade da norma contida no n.º 2 do artigo 2. da Lei 8/2003, de 12 de Maio, face à sua manifesta inconstitucionalidade, deverá ser revogada a sentença parcialmente reformada objecto da presente apelação, substituindo-se a mesma por acórdão que condene a recorrida no pagamento do capital de remição correspondente a pensão anual e vitalícia de €80.610,39, calculada de acordo com o disposto nos artigos 11.º e 56.º, n.º 1 al. b) do Decreto-Lei 143/99 de 30/04 e artigos 10, 17.º, n.º 1 alínea d), 25.º, 26.º n.º 2 , 17.º, n.º 4 da Lei 100/97, de 13/09. Julgando assim, estarão, Venerandos Juízes Desembargadores, A fazer uma vez mais JUSTIÇA!” A entidade responsável contra-alegou e formulou as seguintes conclusões: “1.ªA reforma da sentença, por lapso manifesto na determinação da norma aplicável, pode ser pedida pelo recorrente e determinada pelo Tribunal a quo, não obstante dela ter sido interposto recurso. 2.ªA pensão anual e vitalícia por incapacidade permanente parcial de desportista profissional, resultante de acidente de trabalho sofrido em 19 de Abril de 2007, encontra-se sujeita aos limites previstos no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 8/2003, de 12 de Maio. A norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 8/2003 não é inconstitucional, designadamente à luz dos comandos dos artigos 12.º/1, 13.º/1 e 2 e 18.º/1 a 3 da Constituição da República. 4.ª O disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 8/2003 não impede nenhum cidadão de gozar direito constitucionalmente consagrado, nem subtrai nenhum outro ao cumprimento de dever consignado na Lei Fundamental, pelo que não contraria a norma do n.º 1 do artigo 12.º da Constituição da República. 5.ª O Apelante não explicita, minimamente, os argumentos subjacentes ao juízo de desconformidade com aquele preceito constitucional, nem mesmo que segmento deste seria posto em causa pela norma legal em apreço. 6.ª A norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 8/2003 não trata de modo distinto situações iguais, nem discrimina os sujeitos por ela abrangidos em razão da respectiva situação económica, não infringindo o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 13.º da Constituição da República. 7.ª O praticante desportivo profissional aufere retribuição em contrapartida de actividade que presta por período reduzido, cuja curta duração também explica os montantes que a mesma pode atingir e que não são idóneos a mensurar a capacidade de percepção de rendimento durante o remanescente da sua vida activa. 8.ª Pelo que aquela retribuição não pode, sem nenhum limite, determinar o valor da prestação vitalícia indemnizatória da perda de capacidade de ganho ou de trabalho emergente de acidente de trabalho, mesmo quando esta se mantém durante a vida activa. 9.ª A curta extensão do período de actividade desportiva e os montantes retributivos nele auferidos revelam distinção objectiva face à situação da generalidade dos trabalhadores, a qual impõe o seu tratamento diferenciado, sob pena de infracção do princípio da igualdade. 10.ª Da norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 8/2003 não resulta tratamento distinto de trabalhadores em razão da situação económica, sendo o respectivo âmbito de aplicação definido pela natureza da actividade desempenhada e não pelo nível de rendimento auferido em qualquer profissão. 11.ª A norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 8/2003 é necessária, adequada e proporcional ao objectivo de impedir que o montante da reparação por acidente de trabalho seja distorcido por valores retributivos que, em regra, não só não acompanham o tempo de vida profissional do sinistrado, como se revelam muito distantes dos que, previsivelmente, o mesmo auferirá durante a parte mais prolongada do seu período de trabalho. 12.ª O direito do trabalhador a assistência e justa reparação, quando vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional, não integra o elenco dos direitos, liberdades e garantias, nem tem natureza análoga àqueles, pelo que nos termos do disposto no artigo 17.º da Constituição da República, não é objecto de tutela pela norma do artigo 18.º desta. 13.ª A norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 8/2003 visa conter o ressarcimento do dano emergente de acidente de trabalho nos limites da reparação adequada da perda de capacidade de ganho ou de trabalho, pelo que não infringe, antes concretiza, o direito do trabalhador vítima de acidente de trabalho a justa reparação, consagrado na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição da República. Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.” O recurso foi admitido. Subidos os autos a este Tribunal, a Relatora proferiu despacho a determinar o cumprimento do disposto no artigo 139.º do CPC. O Autor, alegando que o mencionado despacho contém um erro material, resultante certamente de lapso manifesto, requereu ao abrigo do disposto no artigo 617.º e n.º 3 do artigo 613.º do Código Civil, que fosse dada sem efeito a notificação do agora recorrente para pagamento da multa, nos termos do art.º 139, n.º 6 do CPC e que fosse apreciada a questão da (in) admissibilidade da alteração da decisão inicialmente proferida; Pela Relatora foi proferido despacho que considerou não se verificar o alegado erro material e, consequentemente, não haver lugar à rectificação do despacho proferido a fls. 688 dos autos, bem como entendeu que a questão da admissibilidade ou inadmissibilidade da reforma da decisão seria apreciada no acórdão único a proferir por este Tribunal da Relação. A Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no qual acompanhou as contra-alegações de fls. 612 e seguintes dos autos e concluiu pela improcedência do recurso. Notificadas as partes do teor do mencionado parecer, pronunciou-se o Autor/Recorrente invocando que a Exma. Procuradora-Geral Adjunta não apreciou criticamente nenhum dos fundamentos aduzidos pelo Recorrente nas suas alegações, tendo-se limitado a acompanhar a contra-motivação de recurso, nem se pronunciou sobre a impossibilidade de reforma da sentença inicialmente proferida nestes autos, circunstância alegada pelo sinistrado ao abrigo do disposto nos n.ºs 613.º e 616.º do CPC. Reafirmou ainda o alegado no recurso e pediu, a final, que, caso se admita a reforma parcial da primeira decisão proferida, mesmo assim, sempre deverá ser revogada a sentença reformada objecto da apelação, substituindo-se a mesma por acórdão que condene a recorrida nos termos em que foi condenada na primeira decisão proferida. Folham colhidos os vistos às Exmas. Adjuntas nos termos do disposto no artigo 657.º nº 2 do CPC. Cumpre apreciar e decidir. Objecto do recurso Sendo o âmbito do recurso limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), no presente recurso há que apreciar as seguintes questões: 1ª- Se a decisão inicialmente proferida nos autos não era passível de reforma. 2ª- Se a norma do n.º 2 do artigo 2º da Lei n.º 8/2003, de 12 de Maio é inconstitucional por violação dos artigos 12.º, n.º 1, 13.º, n.º 1 e 2, 18.º n.º 1, 2 e 3, e 59.º, n.º 1 alínea f), todos da Constituição da República Portuguesa (CRP). Fundamentação de facto A factualidade com interesse para a decisão é a que resulta do relatório supra para o qual se remete. Fundamentação de direito Comecemos, então, por analisar se a decisão inicialmente proferida nos autos não era passível de reforma. A este propósito invoca o Recorrente, muito sumariamente, que a decisão inicialmente proferida nestes autos não era passível de reforma, em função do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 613.º e 1 e 2 do artigo 617.º todos do CPC. Vejamos: Dispõe o n.º 1 do artigo 613.º do CPC que “Proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz.” Por seu turno, estatui o n.º 2 do mesmo artigo que “É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença nos termos dos artigos seguintes. E de acordo com o n.º 3 do artigo 616.º, o disposto nos citados n.ºs 1 e 2, bem como os artigos subsequentes aplica-se, com as necessárias adaptações, aos despachos (cfr. art.º 145.º n.º 6 do CPT). A propósito desta norma, escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, Artigos 362.º a 626.º, 3ª Edição, Almedina, pags. 728 e 729: “ Um dos efeitos da sentença consiste no esgotamento do poder jurisdicional do juiz que a profere: quer conclua com a absolvição da instância, quer condene no pedido ou dele absolva, o juiz da causa não pode, em regra rever a decisão proferida. Excetuam-se, porém, os casos de que tratam os artigos seguintes: (…).” Ou seja, proferida a decisão, excepto nos casos a que se referem os artigos 614.º a 617.º do CPC, não pode o juiz alterar a decisão em virtude de se ter esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa. No caso, trata-se de saber se o juiz podia, ou não, ter reformado a decisão na sequência do pedido formulado pela Ré no recurso que interpôs, o que nos leva, necessariamente, ao que estatui o artigo 616.º do CPC. De acordo com esta norma: “1- A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do n.º 3. 2- Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida. 3- Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação.” Embora se admita que a norma, à primeira vista, não é clara, uma análise mais aprofundada da mesma leva-nos a afirmar que dela se extrai o seguinte: - A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, nos casos em que não haja recurso de tal decisão; - Mas se houver recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento a requerer a reforma (quanto a custas e multa) é feito na alegação de recurso. -Não cabendo recurso da decisão, as partes ainda podem requerer a reforma da sentença ao tribunal que proferiu a decisão nos casos, em que, por manifesto lapso do juiz, se verifiquem as circunstâncias a que aludem as alíneas do n.º 2. -Cabendo recurso da decisão, podem as partes requerer a reforma da sentença no âmbito do recurso. Assim, cremos que o que a norma pretendeu acautelar foi a possibilidade das partes poderem requerer a reforma da sentença ao tribunal que a proferiu nos casos em que não coubesse recurso da decisão e se verificassem as circunstâncias elencadas no n.º 2, porque, nos demais, o pedido de reforma sempre poderia ser formulado no recurso. E no sentido desta interpretação do artigo 616.º do CPC apontam, em nosso entender, quer o n.º 1 do artigo 617.º, quer o n.º 1 do artigo 641.º todos do CPC. Com efeito, dispõe o artigo 617.º n.º 1 do CPC que “Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento.” Por seu turno, o artigo 641.º n.º 1 do CPC estatui que “Findos os prazos concedidos às partes, o juiz aprecia os requerimentos apresentados, pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos de reforma, ordenando a subida do recurso, se a tal nada obstar.” Donde, não cabendo recurso da decisão, a questão da reforma da sentença pode ser suscitada directamente ao tribunal que proferiu a decisão, que dela cumpre apreciar nos casos em que, por lapso manifesto do juiz, tenha ocorrido alguma das situações a que alude o n.º 2 do artigo 616.º do CPC; cabendo recurso da decisão, então, a questão da reforma é suscitada no recurso, competindo ao juiz dela conhecer no momento em que aprecie a admissibilidade do recurso. Regressando ao caso, tendo a Ré invocado no recurso que, por manifesto lapso do juiz, ocorreu erro na determinação da norma aplicável, lapso que este considerou ter ocorrido e do qual se penitenciou, é de concluir que se mostravam verificados os pressupostos formais para que o Tribunal a quo reformasse a sentença. Ou seja, o Tribunal a quo tinha competência para reformar a decisão, posto que ainda não estava esgotado o poder jurisdicional quanto a esta matéria. Questão diversa é a de saber se o devia ter feito, o que equivale a questionar se o Tribunal a quo, ao reformar a sentença aplicou, erradamente, ao caso, norma que não lhe podia ser aplicada, matéria que já se prende com a 2ª questão suscitada no recurso e que cuidaremos de analisar de seguida. * Apreciemos, então, se a norma do n.º 2 do artigo 2º da Lei n.º 8/2003, de 12 de Maio é inconstitucional por violação dos artigos 12.º, n.º 1, 13.º, n.º 1 e 2, 18.º n.º 1, 2 e 3, e 59.º, n.º 1 alínea f), todos da Constituição da República Portuguesa (CRP). Nesta sede defende o Recorrente, em síntese, que o n.º 2 do artigo 2º da Lei n.º 8/2003, de 12 de Maio, ao estabelecer um limite máximo de pensão devida em caso de acidente de trabalho do qual resulte uma IPP para os futebolistas profissionais consagra manifestamente uma restrição ao direito dos desportistas profissionais, enquanto trabalhadores, violando, assim, o n.º 2 do artigo 18.º da CRP, posto que, no caso, não existe nenhum outro direito ou interesse constitucionalmente protegido que esteja a ser salvaguardado com a diminuição do direito do trabalhador, que é desportista profissional, à justa reparação em caso de acidente de trabalho e os únicos interesses salvaguardados pela imposição de um limite máximo para as pensões emergentes de acidente de trabalho do qual resulta uma IPP num desportista profissional são os interesses económicos dos clubes e sociedades desportivas e também das companhias de seguros, que pretendem melhorar a sua situação económica à custa da supressão dos direitos dos trabalhadores desportistas profissionais, que os interesses patrimoniais das entidades responsáveis pelo pagamento das pensões, sejam elas clubes e/ou companhias de seguros, não se encontram constitucionalmente protegidos, pelo que não é constitucionalmente permitida a restrição ao direito à justa reparação em caso de acidente de trabalho dos desportistas profissionais que se opera no n.º 2 do artigo 2º da Lei 8/2003, de 12 de Maio, que ao estabelecer-se uma limitação no valor das pensões nos casos de fixação por uma situação de IPP a um desportista profissional, criou-se uma situação injustificada e injusta de desigualdade no regime da reparação de acidentes de trabalho dos desportivas profissionais, relativamente ao regime aplicável aos demais trabalhadores, porquanto em nenhuma outra profissão existe tal limitação, o que configura uma violação do disposto nos n.ºs 12 e 13 da C.R.P., que caso se entendesse como justificado fixar um limite máximo para os casos em que os sinistrados auferem elevados salários, este limite teria que ser imposto a todos os trabalhadores e não apenas aos desportistas profissionais e tal limite teria de ser consagrado no regime geral de reparação de acidentes de trabalho, e não apenas no regime especial aplicável aos praticantes desportivos e que, aquando da discussão da Proposta de Lei no Parlamento, que conduziu à aprovação e promulgação da Lei 8/2003, de 12 de Maio, a questão da inconstitucionalidade do artigo 2.º foi, desde logo, suscitada, cfr. declaração de voto que subscreveram os deputados (…) e (…) e enviaram à Mesa para publicação, relativa à votação da proposta de lei n.º 34/IX, pelo que deve ser revogada a sentença parcialmente reformada que deverá ser substituída por acórdão que condene a Ré no pagamento do capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de €80.610,39. Defende a Recorrida, em síntese, que o Apelante não explicita, minimamente, os argumentos subjacentes ao juízo de desconformidade com o artigo 18.º nem mesmo que segmento deste seria posto em causa pela norma legal em apreço, a norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 8/2003 não trata de modo distinto situações iguais, nem discrimina os sujeitos por ela abrangidos em razão da respectiva situação económica, não infringindo o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 13.º da Constituição da República, da norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 8/2003 não resulta tratamento distinto de trabalhadores em razão da situação económica, sendo o respectivo âmbito de aplicação definido pela natureza da actividade desempenhada e não pelo nível de rendimento auferido em qualquer profissão, a norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 8/2003 é necessária, adequada e proporcional ao objectivo de impedir que o montante da reparação por acidente de trabalho seja distorcido por valores retributivos que, em regra, não só não acompanham o tempo de vida profissional do sinistrado, como se revelam muito distantes dos que, previsivelmente, o mesmo auferirá durante a parte mais prolongada do seu período de trabalho, o direito do trabalhador a assistência e justa reparação, quando vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional, não integra o elenco dos direitos, liberdades e garantias, nem tem natureza análoga àqueles, pelo que nos termos do disposto no artigo 17.º da Constituição da República, não é objecto de tutela pela norma do artigo 18.º desta, a norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 8/2003 visa conter o ressarcimento do dano emergente de acidente de trabalho nos limites da reparação adequada da perda de capacidade de ganho ou de trabalho, pelo que não infringe, antes concretiza, o direito do trabalhador vítima de acidente de trabalho a justa reparação, consagrado na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição da República. Vejamos: Não merece contestação das partes que o sinistrado, AAA, nascido no dia 31 de Outubro de 1979, sofreu um acidente de trabalho no dia 19/04/2007 que consistiu numa forte torção no joelho esquerdo, do qual resultou uma fractura do corno posterior do menisco do joelho esquerdo, bem como que de tal lesão resultaram sequelas que determinaram que, inicialmente, lhe fosse atribuída uma IP de 3%. Também está claro e assente que houve um agravamento da situação do sinistrado que se encontra afectado de uma IPP de 7% desde a data do pedido de revisão (7.6.2018), sendo certo que em tal data tinha o sinistrado a idade de 38 anos. O Tribunal a quo, inicialmente, condenou a Ré, entidade responsável, ao abrigo dos artigos 11º e 56º, n.º 1, b), do Decreto-lei n.º 143/99, de 30/04; artigo 10º; 17º, n.º 1, d); 25º; 26º, n.º 2; 17º, n.º 4, da Lei n.º 100/97, de 13/09, fundamentando, assim, a sua decisão nas normas gerais relativas à reparação dos acidentes de trabalho. Mas aceitando ter ocorrido, da sua parte, lapso manifesto na determinação das normas aplicáveis, reformou parcialmente a sentença de 06/06/2019 e condenou a Ré, entidade responsável, desta vez, em conformidade com o disposto nos art.ºs 11º e 56º, n.º 1, b), do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/04; artigo 10º; 17º, n.º 1, d); 25º; 26º, n.º 2; 17º, n.º 4, da Lei n.º 100/97, de 13/09, e art.º 2º, n.º 2, b), da Lei n.º 8/2003, de 12/05. Ora, como decorre dos autos o sinistrado, era praticante desportivo profissional. E como se sabe, a Lei n.º 8/2003, de 12 de Maio, veio estabelece um regime específico de reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais, sendo que esta lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e é aplicável aos acidentes de trabalho que ocorram após a sua entrada em vigor (cfr.art.7.º). Tendo o acidente dos autos ocorrido a 19.4.2007, dúvidas não existem de que a situação dos autos se enquadra na previsão da mencionada Lei, sem esquecer, contudo, que, nos termos do artigo 6.º da referida Lei, sob a epígrafe Direito subsidiário, é estipulado que “À reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais são aplicáveis as normas do regime jurídico geral dos acidentes de trabalho, aprovado pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, bem como toda a legislação regulamentar, em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente lei.” Ou seja, a Lei n.º 8/2003, de 12 de Maio estabeleceu um regime específico no que respeita à reparação dos acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais, elegendo, depois, como regime subsidiário o das normas do regime geral dos acidentes de trabalho aprovado pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro e legislação regulamentar. Mas como já dissemos, o Recorrente sustenta que o n.º 2 do artigo 2º da Lei n.º 8/2003, de 12 de Maio é inconstitucional. Dispõe o artigo 2º da Lei n.º 83/2007 de 12 de Maio, sob a epígrafe Prestações: “1 - Para efeitos de reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais dos quais resulte morte ou incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, as pensões anuais calculadas nos termos da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, têm como limite global máximo o valor de 14 vezes o montante correspondente a 15 vezes o salário mínimo nacional mais elevado garantido para os trabalhadores por conta de outrem em vigor à data da fixação da pensão. 2 - Para efeitos de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho dos praticantes desportivos profissionais dos quais resulte uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual ou uma incapacidade permanente parcial, as pensões anuais calculadas nos termos da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, obedecem aos seguintes limites máximos: a) 14 vezes o montante correspondente a 15 vezes o salário mínimo nacional mais elevado garantido para os trabalhadores por conta de outrem em vigor à data da fixação da pensão, até à data em que o praticante desportivo profissional complete 35 anos de idade; b) 14 vezes o montante correspondente a oito vezes o salário mínimo nacional mais elevado garantido para os trabalhadores por conta de outrem em vigor à data da alteração da pensão, após a data referida na alínea anterior. (…).” Do exposto resulta que, no caso do praticante desportivo profissional, as pensões anuais calculadas nos termos da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, comportam limites máximos, o que não ocorre com a lei geral dos acidentes de trabalho. Vejamos, agora, as normas constitucionais alegadamente violadas: Artigo 18.º da CRP (Força jurídica): “1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.” Directamente relacionado com esta norma está o Artigo 17.º da CRP (Regime dos direitos, liberdades e garantias) onde se lê: “O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga.” Ora, é certo que o direito dos trabalhadores a assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional conferido pelo artigo 59.º n.º 1 al. f) da CRP está previsto no TÍTULO III (Direitos e deveres económicos, sociais e culturais), CAPÍTULO I (Direitos e deveres económicos). Isto é, o direito a assistência e justa reparação das vítimas de acidente de trabalho estaria arredado da tutela do regime dos direitos, liberdades e garantias enunciados no título I. Mas cremos que integram direitos fundamentais de natureza análoga, pelo que sempre lhes será aplicável o regime dos direitos, liberdades e garantias. Donde, ao caso é aplicável o artigo 18.º da CRP. Contudo, salvo o devido respeito, não vislumbramos que a norma do artigo 2º n.º 2 da Lei n.º 8/2003 de 12 de Maio, comporte uma restrição no sentido preconizado pelo artigo 18.º da CRP. Com efeito, o que se trata é que o artigo 2º nº 2 da referida Lei limita-se a traçar um regime legal próprio e específico, determinado pelas especificidades de um determinado grupo de trabalhadores – o praticante desportivo profissional - cujo percurso profissional se esgota num período mais ou menos curto, posto que se trata de profissão de desgaste rápido e que, por isso, merece, por parte do legislador, um olhar diferente daquele que deitou sobre os demais trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho. Aliás, o argumento apresentado pelo Recorrente de que a norma em causa restringiu o direito à reparação do praticante desportivo para salvaguardar os direitos económicos dos clubes desportivos e das seguradoras, cujos direitos não estão constitucionalmente garantidos, também é válido no que toca ao valor das prestações devidas pela reparação dos acidentes de trabalho em geral e aos interesses dos obrigados à reparação-empregadores e seguradoras, na medida em que o valor das pensões não corresponde a 100% da retribuição auferida. Mas nem por isso, podemos concluir que todo o sistema de reparação dos acidentes de trabalho viola o disposto no artigo 18º da CRP. Em conclusão, não pode proceder este segmento da pretensão do Recorrente. Quanto à alegada violação do artigo 12.º da CRP, consagra esta norma o princípio da universalidade, segundo o qual: “1. Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição. 2. As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza.” Não se descortina que a norma em causa impeça o praticante desportivo de gozar os direitos consignados na Constituição e, em especial, o direito previsto no artigo 59.º n.º 1 al.f), este, naturalmente com os limites que a sua situação específica impõe e regulada pela lei ordinária. Por conseguinte, também não podemos afirmar que o artigo 2º n.º 2 da Lei n.º 83/2003, de 12 de Maio viola aquela norma. Por seu turno, o artigo 13º da Constituição que consagra o princípio da igualdade dispõe: 1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.” Sobre o princípio da igualdade afirma o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 437/06, de 12.6.2006, citado no site da PGDL em anotação ao artigo 13º da CRP “O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e postula, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cfr. por todos acórdão n.º 232/2003, publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de Junho de 2003 e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 56.º Vol., págs. 7 e segs.)” E de acordo com o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 266/15, mesma fonte: «Recorre-se aqui á conhecida e abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa ao princípio da igualdade. Enquanto «vínculo específico do poder legislativo (pois só essa sua «qualidade» agora nos interessa), o princípio da igualdade não tem uma dimensão única. Na realidade, ele desdobra-se em duas «vertentes» ou «dimensões»: uma, a que se refere especificamente o n.º 1 do artigo 13.º, tem sido identificada pelo Tribunal como proibição do arbítrio legislativo; outra, a referida especialmente no n.º 2 do mesmo preceito constitucional, tem sido identificada como proibição da discriminação. Em ambas as situações estam em causa a dimensão negativa do princípio da igualdade. Do que se trata - tanto na proibição do arbítrio quanto na proibição de discriminação - é da determinação dos casos em que merece censura constitucional o estabelecimento, por parte do legislador, de diferenças de tratamento entre as pessoas. Mas enquanto, na proibição do arbítrio, tal censura ocorre sempre que (e só quando) se provar que a diferença de tratamento não tem a justificá-la um qualquer fundamento racional bastante, na proibição de discriminação a censura ocorre sempre que as diferenças de tratamento introduzidas pelo legislador tiverem por fundamento algumas das características pessoais a que alude - em elenco não fechado - o n.º 2 do artigo 13.º É que a Constituição entende que tais características, pela sua natureza, não poderão ser á partida fundamento idóneo das diferenças de tratamento legislativamente instituídas» (cfr. Acórdão n.º 569/2008, n.º 5.1. Neste ponto o aresto cita o Acórdão n.º 232/2003, n.º 2 da Fundamentação, onde se analisa a jurisprudência relativa a este princípio. Esta posição foi reafirmada recentemente através do Acórdão n.º 581/2014, n.º 8).» Ainda sobre o princípio da igualdade escreve-se no sumário do recente Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31.3.2020, pesquisa em www.dgsi.pt: “(…) III - O princípio da igualdade (13º CRP) proclama tratamento igual para o que é essencialmente igual e tratamento diferenciado para o que é substancialmente diferente, sendo um travão a arbitrariedades, não vedando, contudo, distinções fundadas em motivos objectivos e racionais, tal como acontece no regime dos praticantes desportivos profissionais, ofício de desgaste rápido, retribuído de modo muito superior à média, o que justifica distintos limites etários e económicos, bem como diferentes compensações em caso de sinistro laboral. (…) “. Por pertinente e debruçar-se sobre alegada inconstitucionalidade dos artigos 3º/2, e 4º da Lei 27/2011, de 26.06 (normas relativas aos cálculos e limites das pensões dos jogadores profissionais de futebol), por violação do princípio da igualdade e da justa reparação previstos nos artigos 13º e 59º/1/f, CRP, permitimo-nos transcrever parte do que se escreve no citado aresto: “A jurisprudência do tribunal constitucional tem sublinhado que este princípio proclama tratamento igual para o que é essencialmente igual e tratamento diferenciado para o que é substancialmente diferente, sendo um travão a arbitrariedades legislativas sem fundamentação razoável, objectiva ou racional. Contudo, não é vedado o estabelecimento de distinções fundadas em motivos perceptíveis, racionais e congruentes (5). Nesta acepção o tratamento será igualmente desigual se for aplicada solução diferente a casos iguais, bem como se for aplicada solução idêntica a casos diferentes. Volvendo ao caso dos autos, facilmente se alcança que, independentemente da bondade da opção legislativa, existe justificação racional para a diferenciação de regimes e que reside no facto de o praticante desportivo profissional ter uma média da idade activa que se situa nos 35 anos (não contando para esta análise geral os jogadores que constituam excepção), o que se afasta claramente da média da generalidade dos trabalhadores. Alicerça-se também nas retribuições abissalmente superiores recebidas pelos praticantes desportivos relativamente aos demais trabalhadores.” Em suma, o regime específico consagrado para o praticante desportivo está plenamente justificado na medida em que, por um lado, trata-se de uma profissão de desgaste rápido ocorrendo o final da carreira profissional, salvo casos excepcionais, aos 35 anos, o que implica que os valores retributivos que auferem sejam muito superiores aos auferidos pelo comum dos trabalhadores que, na maioria dos casos, nunca auferirão durante toda a sua carreia valores idênticos e, por outro lado, por envolver maior esforço físico que, por sua vez determina um maior desgaste físico e psicológico, potenciando, assim, um maior risco de contrair lesões graves em período de tempo curto. Trata-se, pois, de um regime especial que contempla circunstancialismos também especiais de uma determinada profissão e que legitima que tenha um regime de reparação dos acidentes de trabalho que se enquadre nas suas especificidades e que não pode igualar o regime geral de reparação dos acidentes de trabalho, sob pena de, então, estarmos a tratar situações desiguais de modo igual, com a consequente violação do princípio da igualdade. Com efeito, como já vimos, o princípio da igualdade é violado não só quando se trata de forma desigual situações iguais, mas também quando se trata de forma igual situações desiguais. Por fim, também não vemos que o n.º 2 do artigo 2º da Lei 8/2003 de 12 de Maio, viole o n.º 1, al. f) do artigo 59.º da CRP onde se determina que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas têm direito a assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional. Na verdade, o praticante desportivo profissional tem direito a assistência e justa reparação quando vítima de acidente de trabalho, sendo que esta é enformada pelas especificidades da profissão que exerce e que se distingue das demais pelas razões já referidas, especificidades que excluem qualquer juízo de inconstitucionalidade quanto às normas agora em apreciação. Em consequência, entendemos que não deve ser declarada a inconstitucionalidade do artigo 2º nº 2 da Lei n.º 8/2003 de 12 de Maio, termos em que o recurso deverá ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão reformada. Decisão Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar o recurso improcedente e em confirmar a decisão recorrida/reformada. Custas do recurso pelo Recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 27 de Maio de 2020 Maria Celina de Jesus de Nóbrega Paula de Jesus Jorge dos Santos Filomena Manso |