Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
202/14.2SILSB.L3-3
Relator: CRISTINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
CUMULAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL E LABORAL
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REENVIO PARCIAL
Sumário: Vigora, na ordem jurídica portuguesa, a regra da proibição de se acumularem indemnizações decorrentes de acidentes de viação que sejam, em simultâneo, acidentes de trabalho, vigorando com a mesma plenitude e pelas mesmas razões ( para evitar dupla reparação do mesmo dano e, consequentemente, o enriquecimento ilícito do lesado) quando haja concurso com outras formas de responsabilidade civil extracontratual que não se reconduzam a um acidente de viação.
Esta regra da inacumulabilidade das indemnizações civil e laboral, além de ter associado um efeito de consumpção da indemnização laboral, se e quando tiver sido fixada a indemnização civil em primeiro lugar, por efeito da plenitude de jurisdição do Tribunal que for o competente para apreciar a responsabilidade civil baseada na culpa, em sintonia com as diferentes naturezas e diversos graus de importância das responsabilidades que lhes estão subjacentes, só acontece ou se verifica, no que concerne aos danos patrimoniais e, ainda assim, apenas se forem os mesmos a reparar tanto pela indemnização civil, como pela indemnização laboral, do que pode resultar até que a indemnização laboral seja consumida pela indemnização que venha a ser arbitrada com base em facto ilícito, beneficiando desta consumpção o responsável a título laboral. 
Estando em causa um dano biológico, como sucede no caso vertente, independentemente da sua qualificação como dano patrimonial, como dano não patrimonial, como um «tertium genus», ou como uma realidade híbrida que conjuga aspectos da indemnização por danos patrimoniais e da compensação por danos não patrimoniais, do que não há qualquer dúvida, é de que a sua ocorrência envolve, desde logo, a violação de um direito fundamental inerente à personalidade e à dignidade humanas e dotado de protecção constitucional, que é o direito à saúde e à integridade física e psíquica de cada indivíduo, por referência ao índice psicossomático pleno, tal como consagrado nos arts. 25º nº 1 da CRP e no art.º 70º nº 1 do Código Civil e susceptível de avaliação médico-legal e pecuniária.
O julgador deverá, por conseguinte, ter em consideração, para a quantificação monetária do dano corporal ou biológico, entre outros, os seguintes factores ou pressupostos: a incapacidade, ou, se for o caso, a incapacidade temporária total geral, que diz respeito às tarefas da vida corrente, e a incapacidade temporária total especial para a actividade desenvolvida, ou seja, a projecção dessa incapacidade no exercício da actividade profissional específica do lesado, o quantum doloris, incluindo a clausua hospitalar e o sofrimento emocional dele decorrente, as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, o dano estético, materializado no prejuízo ou diminuição anátomo-funcional associados às deformidades e sequelas verificadas após o processo de tratamento e recuperação da vítima e uma vez consolidadas as lesões, o «prejuízo de afirmação social», que é um dano indiferenciado, mas que se refere à inserção social do lesado nas suas variadíssimas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural e cívica) o «prejuízo da saúde geral e da longevidade», aqui avultando o dano da dor e o défice de bem estar, valorizando-se os danos irreversíveis na saúde e no bem estar da vítima e corte na expectativa da vida e, por fim, a especificidade da frustração de viver em pleno as suas rotinas quotidianas e hábitos de convívio social, de lazer, etc.
(sumário da responsabilidade da relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
Por sentença proferida em 30 de Janeiro de 2018, no processo comum singular nº 202/14.2SILSB do Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz 6, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi proferida a seguinte decisão:
A) Condenar AA, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 181º e 184º do Código Penal, por referência à al. 1) do nº 2 do art.º 132º do mesmo diploma legal, na pessoa de BB na pena de dois meses de prisão;
B) Condenar AA, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 181º e 184º do Código Penal, por referência à al. 1) do nº2 do art.º 132º do mesmo diploma legal, na pessoa de CC, na pena de dois meses de prisão;
C) Condenar AA pela prática em autoria material pela prática de um crime de dano qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelo art.º 212º, nº l, al. c) do Código Penal por referência aos já citados arts. 26º e 14º, nº l, na pena de três meses de prisão;
D) Condenar AA pela autoria material e na forma consumada um crime de ofensa à integridade física qualificada, com assento legais nos arts. 143º, nº l e 145º, nº l, al. a) e nº2 por referência à alínea m) do art.º 132º do mesmo diploma legal, sob a pessoa de BB na pena parcelar de doze meses de prisão;
E) Condenar AA pela autoria material e na forma consumada um crime de ofensa à integridade física qualificada, com assento legais nos arts. 143º, nº l e 145º nº l, al. a) e nº2 por referência à alínea m) do nº2 do art.º 132º do mesmo diploma legal, de dois crimes de ofensas) na pessoa de CC na pena oito meses de prisão;
F) Condenar AA pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples (na pessoa de DD), previsto e punido no art.º 143º do Código Penal na pena de quatro meses de prisão;
G) Condenar AA pela prática de um crime de desobediência previsto e punido pelo art.º 348º, nº l al. a) do Código Penal por referência ao art.º 152º, nº l, al. a) e nº 3 do Código da Estrada e art.º 69º, nº l, al. c) e do diploma legal acima citado (CP) na pena de três meses de prisão e em cinco meses de proibição de condução de veículo a motor na via pública;
H) Condenar AA pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, previsto e punido pelo art.º 25º, al. a) do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I - C anexa na pena de quinze meses de prisão;
I) Em cúmulo jurídico nos termos dos arts. 77º e 78º, ambos do Código Penal, condenar AA na pena de dois anos de prisão e cinco meses de proibição de condução de veículo automóvel na via pública.
J) Condenar AA a pagar ao Estado Português/PSP a título de indemnização a quantia de €144,92 (cento e quarenta e quatro euros e noventa e dois cêntimos); 
K) Condenar AA a pagar ao/ demandante CC a quantia de €392,29, sendo €92,99 a título de danos patrimoniais (com juros de mora desde a data dos factos até integral pagamento) e €300,00 a título de danos morais (com juros de mora desde a data de prolação desta sentença);
L) Condenar AA a pagar à demandante a quantia de €1.000,00 a título de danos morais emergentes da prática do crime de injúria agravada, previsto e punido no previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos arts. 181º e 184º do Código Penal, por referência à al. 1) do nº 2 do art.º 132º do mesmo diploma legal, com juros de mora desde a data da prolação da decisão até integral pagamento.
M) Absolver AA da instância quanto ao aditamento do pedido de indemnização civil formulado por BB, atento o valor do pedido ali formulado (art.º 278º, nº l, al. d) ex vi art.º 4º do CPP e 29º, nº 6 do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro).
N) Condenar a demandada Seguradoras Unidas SA no pedido de indemnização civil formulado por BB no pagamento de indemnização no valor de € 20.371, 04, sendo € 371,04 a título de danos patrimoniais (com juros de mora desde a data da notificação para contestar o pedido até integral pagamento) e € 20.000,00 a título de danos morais (com juros de mora desde a data de prolação de sentença).
Desta decisão recorreram, a lesada BB, a responsável civil Seguradoras Unidas, S.A. e o Mº. Pº.
Por acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Lisboa, em 17 de Fevereiro de 2021, foi decidido:
a) conceder provimento ao recurso interposto pelo Mº. Pº. e, em consequência, declarar a sentença recorrida nula, nos termos do art.º 379º nº 1 al. b) do Código de Processo Penal, devendo o Tribunal recorrido proceder ao cumprimento do disposto no art.º 359º do mesmo Código e proferir nova decisão em conformidade.
b) Julgar prejudicado o conhecimento dos restantes recursos.
Remetido o processo à primeira instância, foi então realizada nova audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida nova sentença em 25 de Novembro de 2022, na qual foi decidido:
A) Condenar AA, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 181º e 184º do Código Penal, por referência à al. l) do nº 2 do art.º 132º do mesmo diploma legal, na pessoa de BB na pena de dois meses de prisão;
B) Condenar AA, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 181º e 184º do Código Penal, por referência à al. l) do nº 2 do art.º 132º do mesmo diploma legal, na pessoa de CC, na pena de dois meses de prisão;
C) Condenar AA pela prática em autoria material pela prática de um crime de dano qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelo art.º 212º, nº1, al. c) do Código Penal por referência aos já citados arts. 26º e 14º, nº1, na pena de três meses de prisão;
D) Condenar AA pela autoria material e na forma consumada um crime de ofensa à integridade física qualificada, com assento legais nos arts. 143º, nº 1 e 145º, nº 1, al. a) e nº 2 por referência à alínea m) do nº 2 do art.º 132º do mesmo diploma legal, sob a pessoa de BB na pena parcelar de doze meses de prisão
E) Condenar AA pela autoria material e na forma consumada um crime de ofensa à integridade física qualificada, com assento legais nos arts. 143º, nº 1 e 145º, nº 1, al. a) e nº2 por referência à alínea m) do nº 2 do art.º 132º do mesmo diploma legal, de dois crimes de ofensas) na pessoa de CC na pena oito meses de prisão;
F) Condenar AA pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples (na pessoa de DD), previsto e punido no art.º 143º do Código Penal na pena de quatro meses de prisão;
G) Condenar AA pela prática de um crime de desobediência previsto e punido pelo art.º 348º, nº 1 al. a) do Código Penal por referência ao art.º 152º, nº1, al. a) e nº3 do Código da Estrada e art.º 69º, nº1, al. c) e do diploma legal acima citado (CP) na pena de três meses de prisão e em cinco meses de proibição de condução de veículo a motor na via pública;
H) Condenar AA pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, previsto e punido pelo art.º 25º, al. a) do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I - C anexa na pena de quinze meses de prisão;
I) Em cúmulo jurídico nos termos dos arts. 77º e 78º, ambos do Código Penal, condenar AA na pena de dois anos de prisão, que se suspende na sua execução pelo período de dois anos, bem como em cinco meses de proibição de condução de veículo automóvel na via pública.
J) Condenar AA a pagar ao Estado Português/PSP a título de indemnização a quantia de € 144,92 (cento e quarenta e quatro euros e noventa e dois cêntimos);
K) Condenar AA a pagar ao demandante CC a quantia de € 392,29, sendo € 92,99 a título de danos patrimoniais (com juros de mora desde a data dos factos até integral pagamento) e € 300,00 a título de danos morais (com juros de mora desde a data de prolação desta sentença);
L) Condenar AA a pagar à demandante a quantia de €1.000,00 a título de danos morais emergentes da prática do crime de injúria agravada, previsto e punido no previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos arts. 181º e 184º do Código Penal, por referência à al. l) do nº 2 do art.º 132º do mesmo diploma legal, com juros de mora desde a data da prolação da decisão até integral pagamento.
M) Absolver AA da instância quanto ao aditamento do pedido de indemnização civil formulado por BB, atento o valor do pedido ali formulado (art.º 278º, nº1, al. d) ex vi art.º 4º do CPP e 29º, nº6 do Dl nº 522/85, de 31 de Dezembro).
N) Condenar a demandada Seguradoras Unidas SA no pedido de indemnização civil formulado por BB no pagamento de indemnização no valor de € 20.371,04, sendo € 371,04 a título de danos patrimoniais (com juros de mora desde a data da notificação para contestar o pedido até integral pagamento) e € 20.000,00 a título de danos morais (com juros de mora desde a data de prolação de sentença).
Desta decisão recorreram, a lesada BB, a responsável civil Seguradoras Unidas, S.A. e o Mº. Pº.
Por acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Lisboa, em 7 de Junho de 2023, foi decidido:
a) conceder parcial provimento ao recurso interposto pela lesada BB e, em consequência, determinar o reenvio parcial do processo, nos termos do art.º 426º e 426º A do CPP, devendo o Tribunal recorrido proferir nova decisão na qual tome posição expressa e precisa sobre a lesada ficou ou não ficou portadora de uma IPP em resultado das agressões que sofreu e das lesões delas resultantes, qual a medida dessa IPP, a qual deverá ser uma medida única, e qual a sua repercussão, nas tarefas comuns e indiferenciadas do dia a dia e na capacidade ou maior penosidade para o exercício da profissão.
b) Julgar prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso da lesada BB e bem assim prejudicado o conhecimento do recurso interposto pela responsável civil Generali Seguros, S.A.
Remetido o processo, novamente, à primeira instância, por sentença proferida em 9 de Fevereiro de 2024, neste processo comum singular nº 202/14.2SILSB do Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz 6, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi decidido:
A) Condenar AA, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 181º e 184º do Código Penal, por referência à al. l) do nº2 do art.º 132º do mesmo diploma legal, na pessoa de BB na pena de dois meses de prisão;
B) Condenar AA, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 181º e 184º do Código Penal, por referência à al. l) do nº 2 do art.º 132º do mesmo diploma legal, na pessoa de CC, na pena de dois meses de prisão;
C) Condenar AA pela prática em autoria material pela prática de um crime de dano qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelo art.º 212º, nº 1, al. c) do Código Penal por referência aos já citados arts. 26º e 14º, nº 1, na pena de três meses de prisão;
D) Condenar AA pela autoria material e na forma consumada um crime de ofensa à integridade física qualificada, com assento legais nos arts. 143º, nº1 e 145º, nº 1, al. a) e nº 2 por referência à alínea m) do nº2 do art.º 132º do mesmo diploma legal, sob a pessoa de BB na pena parcelar de doze meses de prisão
E) Condenar AA pela autoria material e na forma consumada um crime de ofensa à integridade física qualificada, com assento legais nos arts. 143º, nº 1 e 145º, nº 1, al. a) e nº 2 por referência à alínea m) do nº 2 do art.º 132º do mesmo diploma legal, de dois crimes de ofensas) na pessoa de CC na pena oito meses de prisão;
F) Condenar AA pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples (na pessoa de DD), previsto e punido no art.º 143º do Código Penal na pena de quatro meses de prisão;
G) Condenar AA pela prática de um crime de desobediência previsto e punido pelo art.º 348º, nº 1 al. a) do Código Penal por referência ao art.º 152º, nº 1, al. a) e nº 3 do Código da Estrada e art.º 69º, nº 1, al. c) e do diploma legal acima citado (CP) na pena de três meses de prisão e em cinco meses de proibição de condução de veículo a motor na via pública;
H) Condenar AA pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, previsto e punido pelo art.º 25º, al. a) do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I – C anexa na pena de quinze meses de prisão;
I) Em cúmulo jurídico nos termos dos arts. 77º e 78º, ambos do Código Penal, condenar AA na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, bem como em cinco meses de proibição de condução de veículo automóvel na via pública.
J) Condenar AA a pagar ao Estado Português/PSP a título de indemnização a quantia de € 144,92 (cento e quarenta e quatro euros e noventa e dois cêntimos);
K) Condenar AA a pagar ao demandante CC a quantia de € 392,29, sendo € 92,99 a título de danos patrimoniais (com juros de mora desde a data dos factos até integral pagamento) e € 300,00 a título de danos morais (com juros de mora desde a data de prolação desta sentença);
L) Condenar AA a pagar à demandante a quantia de € 1.000,00 a título de danos morais emergentes da prática do crime de injúria agravada, previsto e punido no previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos arts. 181º e 184º do Código Penal, por referência à al. l) do nº 2 do art.º 132º do mesmo diploma legal, com juros de mora desde a data da prolação da decisão até integral pagamento.
M) Absolver AA da instância quanto ao aditamento do pedido de indemnização civil formulado por BB, atento o valor do pedido ali formulado (art.º 278º, nº 1, al. d) ex vi art.º 4º do CPP e 29º, nº 6 do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro).
N) Condenar a demandada Seguradoras Unidas SA no pedido de indemnização civil formulado por BB no pagamento de indemnização no valor de € 20.371,04, sendo € 371,04 a título de danos patrimoniais (com juros de mora desde a data da notificação para contestar o pedido até integral pagamento) e € 20.000,00 a título de danos morais (com juros de mora desde a data de prolação de sentença).
O) Custas criminais pelo arguido com taxa de justiça em 4 UC.
P) Custas cíveis na proporção dos decaimentos.
Q) Deposite. Notifique.
R) Declaro o estupefaciente apreendido perdido a favor do Estado, com a sua destruição após trânsito desta sentença.
A lesada, BB, interpôs recurso desta sentença, tendo, para o efeito, formulado as seguintes conclusões:
PRIMEIRO. É o presente recurso interposto do segmento decisório relativo ao pedido cível da demandante, designadamente, no que concerne: a. À procedência apenas parcial do pedido de indemnização apresentado pela demandante contra a demandada Seguradoras Unidas, S.A.; e, b. à condenação da demandada Seguradoras Unidas, S.A. no pagamento de juros de mora desde a data de prolação de sentença; simultaneamente, respeitando à c. decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo, nomeadamente, quanto aos factos provados 20. e 71.
SEGUNDO. A demandante impugna parcialmente o facto dado como provado número 20., porquanto não aceita que, do mesmo., conste «sem afetação da capacidade geral e sem afetação do trabalho profissional».
TERCEIRO. Isto porque, não é verdade que a demandada não tenha ficado afectada na sua capacidade geral, nem afectada na sua capacidade para o trabalho profissional, em consequência das lesões resultantes da conduta do arguido; tal como resulta da demais factualidade provada, nomeadamente, dos factos provados 51., 52., 58., 61., 62., 63., 64., 65., 66., 67., 68., 69. e 71.
QUARTO. Em face da matéria de facto provada ora descrita, é manifesto que a parte final do facto provado 20. não é – nem pode ser – de aceitar como facto provado; o Tribunal a quo errou, pois assim, na apreciação da prova produzida nos presentes autos.
QUINTO. Errou igualmente o Tribunal a quo na interpretação dada à prova produzida nos presentes autos, nomeadamente, quanto à relevância dada às incapacidades que foram fixadas à demandante, quer pela seguradora responsável ora recorrida, quer pela Junta Médica Superior da PSP – na medida em que, ao contrário da fundamentação apresentada, as IPP – Incapacidades Permanentes Parciais fixadas não servem apenas ao preenchimento do tipo de crime, demonstrando sim! – e de forma inequívoca – que a demandante ora recorrente ficou permanentemente afectada na sua capacidade geral, quer esta se fixe em 2 ou 6 pontos, conforme respectivas avaliações de dano corporal levadas a cabo pela seguradora responsável ora recorrida, quer pela Junta Médica Superior da PSP.
SEXTO. Termos em que, requer a demandante ora recorrente a reapreciação da prova produzida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 662.º do Código de Processo Civil, nomeadamente, a modificação do elenco dos factos provados, fazendo constar do mesmo, que: 20. Em consequência da acima descrita conduta, o arguido provocou em BB traumatismos da coluna cervical e lombo sagrada, dos membros superiores e inferiores, designadamente no membro superior esquerdo duas equimoses na face postero-lateral externa do terço inferior do braço, arredondados com contornos irregulares, com 3,0 cm e 4,5 cm de diâmetro cada, no membro inferior direito uma equimose azulada na face postero-lateral externa e terço médico da coxa direita, arredondada com 1,0 cm de comprimento, lesões estas que lhe determinaram 3 dias para a consolidação médico-legal com afectação da capacidade geral e com afectação do trabalho profissional.
SÉTIMO. A demandante impugna igualmente, de forma parcial, o facto dado como provado número 71., porque do mesmo conta apenas que: como consequência das sequelas a demandante ficou impedida entre 1 de dezembro de 2014 e 28 de fevereiro de 2015 de levar a cabo serviços remunerados, sendo os mesmos pagos em média a €18,55 por dia; quando, na realidade, do documento que serviu de motivação para o facto em causa – documento 12 junto pela demandante no seu requerimento de ampliação do pedido – consta igualmente que a demandante ora recorrente ficou igualmente impedida de, durante o período de indisponibilidade de 01/09/2014 a 30/11/2014, correspondente a 91 dias, realizar serviços remunerados, com os quais teria auferido o montante de €1.689,33;
OITAVO. Tendo o Tribunal a quo julgado provado que a demandante ficou impedida de realizar serviços remunerados entre 1 de dezembro de 2014 e 28 de fevereiro de 2015, ficando assim impossibilitada de auferir os correspondentes rendimentos, impõe-se que seja incluída na mesma matéria de facto, que a demandante, também durante o período compreendido entre 01 de setembro de 2014 e 30 de novembro de 2014, ficou impossibilitada de realizar serviços remunerados e de auferir os correspondentes rendimentos.
NONO. O Tribunal a quo errou, pois assim, na apreciação da prova produzida nos presentes autos, não se alcançando, sequer! – com o devido respeito, que muito é – porque decidiu o Tribunal a quo no sentido exposto, uma vez que o mesmo demonstra uma arbitrária exclusão de uma parte da matéria de facto constante, de forma inquestionável, do meio de prova mencionado.
DÉCIMO. Termos em que, requer a demandante ora recorrente a reapreciação da prova produzida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 662.º do Código de Processo Civil, nomeadamente, a modificação do elenco dos factos provados, fazendo constar do mesmo, que: 71. Como consequência das sequelas a demandante ficou impedida entre 01 de setembro de 2014 e 28 de fevereiro de 2015 de levar a cabo serviços remunerados, sendo os mesmos pagos em média a € 18,55 por dia.
DÉCIMO PRIMEIRO. A demandante não aceita igualmente que o Tribunal a quo tenha julgado improcedente o pedido de indemnização deduzido pela demandante ora recorrente a título de perdas salariais, nomeadamente, as perdas salariais resultantes da impossibilidade de a mesma, por força das lesões sofridas, ter ficado impossibilitada de realizar serviços remunerados.
DÉCIMO SEGUNDO. Resulta da matéria de facto provada, para o que ora importa – nomeadamente dos factos provados 68., 69., 70., e 71., que: a demandante fazia serviços remunerados; que se viu impedida de os realizar entre 20 de fevereiro de 2014 e 27 de maio de 2014; que se viu impedida de os realizar entre 01 de setembro de 2014 e 30 de novembro de 2014; que se viu impossibilitada de os realizar entre 1 de dezembro de 2014 e 28 de fevereiro de 2015; que a demandante ora recorrente ficou impossibilitada de levar a cabo serviços remunerados pagos em média a € 18,55 (dezoito euros e cinquenta e cinco cêntimos) por dia.
DÉCIMO TERCEIRO. Assim, e com o devido respeito, não pode a demandante ora recorrente aceitar a fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo, nem tão pouco a decisão errónea que proferiu, uma vez que a mesma corresponde a uma errada aplicação, à matéria de facto, do direito aplicável ao caso concreto.
DÉCIMO QUARTO. É inequívoco que a demandante ora recorrente sofreu perdas salariais, por se ter visto absolutamente impedida de realizar serviços remunerados, sendo, no seu modesto entendimento, igualmente inequívoco que deve ser ressarcida pelos prejuízos sofridos, por referência aos 275 (duzentos e setenta e cinco) dias de incapacidade durante os quais se viu impedida de levar a cabo serviços remunerados pagos em média a € 18,55 (dezoito euros e cinquenta e cinco cêntimos) diários.
DÉCIMO QUINTO. Termos em que, reclama a demandante ora recorrente que seja revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, substituindo-se por outra que condene a demandada seguradora no pagamento do montante de € 5.101,25 (cinco mil cento e um euros e vinte e cinco cêntimos).
DÉCIMO SEXTO. A demandante ora recorrente não aceita ainda que o Tribunal a quo tenha julgado improcedente o pedido de indemnização deduzido pela mesma a título de danos futuros, nomeadamente, a título de indemnização pela incapacidade permanente parcial de que a demandante ficou permanentemente afectada.
DÉCIMO SÉTIMO. Resulta da matéria de facto provada – nomeadamente dos factos provados 61. e 66. – que: por um lado, a companhia de seguros demandada atribuiu à demandante uma incapacidade parcial permanente de 2 pontos de rebate profissional para a raquialgia provocada pelo embate e arrastamento no veículo automóvel; e, por outro lado, que a Junta Superior de Saúde da PSP avaliou o dano corporal da demandante em 6 pontos de IPP.
DÉCIMO OITAVO. O Tribunal a quo decidiu julgar improcedente o pedido de indemnização deduzido pela demandante ora recorrente a este título, porquanto entendeu, entre o demais, que as avaliações em causa apenas importariam ao arbitramento de indemnização a apurar e calcular em sede de direito laboral, não existindo qualquer dano, nos presentes autos, a indemnizar a este título.
DÉCIMO NONO. Com o devido respeito, é manifesto que o Tribunal a quo errou grosseiramente, porquanto tendo a demandante ora recorrente ficado afectada de incapacidade permanente parcial, seja ela de 2 ou 6 pontos, deverá a mesma ser ressarcida pelo prejuízo correspondente.
VIGÉSIMO. É inquestionável que, porque assim determina a lei aplicável ao caso sub judice e assim é a prática jurisprudencial, tem a demandante ora recorrente direito a ser ressarcida pela incapacidade permanente parcial de que ficou a padecer, porquanto a Incapacidade Parcial Permanente (IPP) consubstancia um dano autónomo sempre indemnizável, independentemente de a mesma se traduzir (ou não) num prejuízo patrimonial directo e imediato para o lesado.
VIGÉSIMO PRIMEIRO. A incapacidade permanente a que respeitam as avaliações a que se reportam os factos provados 61. e 66., terão, forçosamente, de ser levadas em linha de conta para efeitos de atribuição, à demandante ora recorrente, de uma indemnização a título da incapacidade permanente de que ficou permanentemente afectada, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto e independentemente de em sede de direito laboral ter sido a demandante ressarcida ou não de forma parcial (até porque, o ressarcimento da IPP em sede de direito laboral, não retira, ao lesado, o direito ao ressarcimento pela incapacidade permanente em sede de direito e indemnização por responsabilidade civil).
VIGÉSIMO SEGUNDO. A IPP de que a demandante ficou permanentemente afectada está inequivocamente provada nos presentes autos, nomeadamente, nos factos provados 61 e 66., sendo, por isso, indiscutível concluir que o Tribunal a quo mal andou ao rejeitar a fixação de correspondente indemnização.
VIGÉSIMO TERCEIRO. Impõem-se, por isso, a este Douto Tribunal de Recurso, a revogação da decisão proferida a este propósito, substituindo-se a mesma por outra que condene a demandada seguradora no pagamento, à demandante ora recorrente, de indemnização pelo dano biológico sofrido e da incapacidade permanente parcial de que ficou afectada, esta atribuída a título de danos patrimoniais futuros, a fixar em montante nunca inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros), por recurso aos critérios legais acolhidos pelos números 2 e 3 do artigo 566.º do Código Civil e, ainda, nos termos do artigo 8.º, número 3 do Código Civil, por consideração daquelas que têm vindo a ser as decisões proferidas em casos análogos – a considerar, no caso sub judice, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-09-2007 (IPP de 5% - indemnização no valor de € 38.000,00); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-11-2009 (IPP de 5% - indemnização no valor de € 60.000,00); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-04-2010 (IPP de 5% - indemnização no valor de € 35.000,00); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-09-2011 (IPP de 5% - indemnização no valor de € 55.000,00); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-03-2012 (IPP de 5 - indemnização de € 70.000,00);
VIGÉSIMO QUARTO. Termos em que, em face de tudo quanto foi exposto, entende a demandante ora recorrente que a Sentença ora recorrida violou o disposto nos artigos 483.º, 562.º e 564.º, todos do Código Civil, devendo por isso ser a mesma revogada e substituída por outra que condene a demandada seguradora no pagamento, à demandante, de indemnização em valor nunca inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros) pela incapacidade permanente parcial de que ficou a padecer, enquanto dano biológico, correspondendo este a um dano patrimonial futuro, acrescido de juros legalmente devidos.
VIGÉSIMO QUINTO. Por fim, a demandante não aceita condenação da seguradora demandada no pagamento de juros de mora devidos desde a data da própria decisão.
VIGÉSIMO SEXTO. A 30 de janeiro de 2018 este mesmo Douto Tribunal proferiu decisão que condenou a seguradora ora demandada no pagamento, à demandante, da quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos não patrimoniais, quantia acrescida de juros de mora desde a data de prolação daquela Sentença; por ora, a 09 de fevereiro de 2024, e no seguimento de recurso interposto da decisão, foi proferida igual decisão; contudo, a decisão agora proferida, não foi objecto de qualquer actualização do montante indemnizatório,
VIGÉSIMO SÉTIMO. A questão de direito ora objecto de recurso é, no modesto entendimento da demandante ora recorrente, simples, prendendo-se com a determinação do momento de início da contagem de juros de mora sobre os quantitativos da indemnização arbitrada a título de responsabilidade civil por facto ilícito, designadamente os respeitantes a danos não patrimoniais.
VIGÉSIMO OITAVO. Ora, resulta da conjugação da segunda parte do número 3 do artigo 805.º com o previsto no número 2 do artigo 566.º, ambos do Código Civil, que: aos presentes autos, cabe apenas uma de duas soluções: a fixação de uma indemnização actualizada à data da prolação da decisão recorrida, ficando a ser devidos juros de mora desde a data da correspondente decisão, nos termos legalmente definidos; ou, a fixação de uma indemnização acompanhada da condenação de pagamento de juros de mora legalmente devidos a contar da data da mora do devedor, nos termos igualmente legalmente estabelecidos e previstos.
VIGÉSIMO NONO. Ao não actualizar a indemnização a título de danos não patrimoniais – fixada há mais de 6 anos – e condenando a demandada ao pagamento de juros a contar apenas sobre a data da contagem dos juros à data da decisão proferida, o Tribunal a quo violou, de forma grosseira e manifesta, o disposto nos normativos legais supra identificados, nomeadamente, o disposto no número 3 do artigo 805.º com o previsto no número 2 do artigo 566.º, ambos do Código Civil; proferindo igualmente decisão contrária ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça número 4/2002, de 9 de maio.
TRIGÉSIMO. Assim, não tendo o Tribunal a quo actualizado o montante indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais, e sendo a decisão actualizada a decisão de 2018, é desde aquela que deverão ser contados os juros de mora devidos pela demandada ora recorrida.
TRIGÉSIMO PRIMEIRO. Termos em que, por violar o disposto no número 3 do artigo 805.º e o disposto no artigo 566.º, número 2, ambos do Código Civil, deve a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, e substituída por outra que condene a seguradora demandada no pagamento de indemnização, à demandante ora recorrente, no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde, pelo menos, a data de prolação da primeira decisão, nomeadamente, desde 30 de janeiro de 2018.
Termos em que, nos termos expostos e pugnados, e nos demais de direito que v/ exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, nos termos pugnados e com as legais de demais consequências, pois assim farão v/ exas. justiça!!!
A responsável civil, Generali Seguros, S.A., anteriormente Seguradoras Unidas, S.A., também interpôs recurso da sentença, tendo, para o efeito, formulado as seguintes conclusões:
1. Atendendo que a parte dispositiva da sentença contém decisões distintas, podendo a parte recorrida ser separada da parte não recorrida, a ora Recorrente vem, ao abrigo do n.º 2 do artigo 403.º do CPP, restringir o recurso à matéria civil, máxime na parte em que decide condenar a Demandada Seguradoras Unidas, S.A. anteriormente Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., a pagar à Demandante a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros), a título de danos morais;
2. Com o devido respeito, verifica-se uma errada interpretação e aplicação do Direito aos factos que aplicou ao caso em concreto, existindo violação dos princípios de equidade na fixação da indemnização atinente aos danos não patrimoniais;
3. Salvo o sempre devido respeito, a quantia arbitrada (€20.000,00) a título de danos não patrimoniais é injusta, excessiva e exagerada;
4. Os danos não patrimoniais apenas são reparados quando a sua gravidade assim o sugira, sendo aqui o princípio da reparação integral limitado pela gravidade do dano, nos termos do artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil;
5. Ainda se dirá, que o Tribunal a quo, deveria ter ponderado os valores fixados no Anexo I à Portaria n.º 377/2008, de 26/05, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25/06, no que à Incapacidade, ao quantum doloris, e ao dano estético, diz respeito, sendo certo que os valor que a portaria estabelece são orientadores não vinculativos, o montante de €20.000,00 (vinte mil euros) arbitrado, com o devido respeito, é excessivo.
6. Os danos não patrimoniais são aqueles que não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ocasionar uma compensação, compreendendo, no caso, em concreto, o quantum doloris (2/7), o dano estético (1/7) e o prejuízo de afirmação pessoal, em função da descrição feita pelos médicos (a avaliação do dano corporal) e tendo em conta os precedentes jurisprudenciais;
7. E ainda, os factos provados sob os n.ºs 61, 62, 64, 65 da sentença em crise.
8. Sucede que, com o devido respeito, considerando, os montantes arbitrados na sentença em crise, e a jurisprudência para casos em que a incapacidade é superior à dos autos, bem como o dano estético e o quantum doloris, face ao montante arbitrado de € 20.000,00 (vinte mil euros) por danos morais pelo Tribunal a quo, ocorre uma situação de desigualdade.
9. Nessa medida, ocorre a violação do princípio da igualdade, o que desde já se invoca;
10. Prosseguindo, o montante indemnizatório deve ser proporcional à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida;
11. Deve ainda atender-se ao grau de culpabilidade do responsável (o arguido), à sua situação económica deste e do lesado, e às demais circunstâncias do caso, sendo de atender aos padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência;
12. Acontece que, a jurisprudência não constitui fonte de direito no ordenamento jurídico português, mas é comummente aceite pela comunidade jurídica que as suas decisões revestem a forma de verdadeiras linhas de orientação dos tribunais na formulação das suas decisões, em particular quando se trata da jurisprudência dos tribunais superiores.
13. O segurador não é directamente responsável para com o lesado, no sentido de que a indemnização tenha de ser determinada em atenção à sua melhor ou pior situação económica; quem é directamente responsável para com o lesado é o segurado, incidindo sobre o mesmo a ponderação da situação económica;
14. Atentos os danos não patrimoniais apurados nos autos, bem como as demais circunstâncias do caso concreto (v.g., o grau de culpabilidade do responsável, situação económica deste e do lesado), verifica-se que a indemnização fixada é excessiva, tendo em vista a reparação e/ou compensação das dores sofridas, do desgosto e mal-estar vivenciados pela Demandante;
15. Isto porque, com o devido respeito, o sofrimento moral, traduzido em vergonha e humilhação pela situação que viveu no exercício da actividade profissional a Demandante, não decorreu do sinistro, mas da má e reprovável conduta do Arguido enquanto cidadão.
16. E nessa medida, o montante, arbitrado, não obedece aos juízos de equidade exigíveis, em casos, como o dos autos, em que a Conduta do Arguido, é distinta do Sinistro e da sua eclosão.
17. Deste modo, os elementos objectivos trazidos aos autos pelo caso concreto, a generalidade das decisões dos tribunais, os critérios de orientação previstos na lei, em especial a delimitação aos danos graves, o bom senso e o equilíbrio, apontam como justa e equitativa a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros) a título de danos morais, ao contrário dos 20.000,00€ fixados pelo Tribunal a quo.
18. Deste modo, deve a douta sentença proferida ser revogada e substituída por douto Acórdão que fixe em €5.000,00 (cinco mil euros) o montante de compensação por danos morais à Demandante BB, com as legais consequências.
19. A sentença recorrida viola, entre outras normas e princípios do sistema jurídico, os artigos 483.º, 496.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil.
Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, a sentença recorrida revogada de acordo com as conclusões supra formuladas, com todas as demais consequências legais, fazendo-se a acostumada e sã JUSTIÇA!
Admitidos os recursos, não lhes foram apresentadas respostas.
Remetido o processo a este Tribunal, na vista a que se refere o art.º 416º do CPP, o Exmo. Sr. Procurador Geral da República Adjunto limitou-se a apor visto, uma vez que os recursos interpostos são de natureza civil.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E IDENTIFICAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art.º 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, quando o recurso verse sobre a decisão final, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art.º 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, face ao teor das conclusões, as questões a decidir são as seguintes:
No recurso da lesada:
Se houve erro de julgamento, quanto ao facto provado 20, na parte final do mesmo, segundo o qual a demandante sofreu lesões «sem afectação da capacidade geral e sem afectação do trabalho profissional»;
Se existe contradição entre o facto provado 20 e a matéria de facto vertida nos factos provados número 61., 62., 66. e 71., segundo os quais, entre o demais, foram atribuídas incapacidades parciais permanentes à demandante, foram reconhecidas sequelas diversas e, ainda, que a mesma ficou durante o período de tempo de 96 dias sem trabalhar;
Se houve erro de julgamento, ao não dar como provado, no facto 71., que, também em consequência das sequelas a demandante ficou impedida entre 01 de setembro de 2014 e 31 de novembro de 2014 de levar a cabo serviços remunerados, sendo os mesmos pagos em média a € 18,55 por dia;
Se houve erro de direito na decisão de improcedência do pedido de perdas salariais - remunerados, uma vez que ficou provado que a demandante ora recorrente os deixou de fazer, conforme resulta expressamente dos factos provados números 68. a 71.;
Se houve erro de direito ao julgar improcedente o pedido de indemnização deduzido pela demandante ora recorrente contra a demandada Seguradoras Unidas, S.A. a título de indemnização pela IPP – Incapacidade Permanente Parcial de que ficou a padecer em consequência das lesões sofridas e sequelas resultantes a que reportam os presentes autos, porquanto, ficou provado que a demandada ficou afectada de IPP;
Se a indemnização deve ser fixada em quantia não inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros);
Se a condenação da seguradora demandada no pagamento de juros de mora devidos desde a data da própria decisão viola a segunda parte do número 3 do artigo 805.º com o previsto no artigo 566.º, número 2, ambos do Código Civil;
Recurso da responsável civil:
Se a compensação fixada é excessiva, devendo a quantia arbitrada ser objecto de redução pelo que o valor pelos danos não patrimoniais, não deverá ultrapassar os €5.000,00 (cinco mil euros).
2.2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Antes da apreciação do mérito do recurso, importa considerar a factualidade exarada na sentença recorrida e a exposição dos motivos da convicção do Tribunal recorrido.
Da mesma consta, a seguinte decisão de facto (transcrição):
II – Fundamentação de facto
A) Factos provados
1. No dia 20 de Fevereiro de 2014 pelas 18h10m na Avenida General Norton de Matos em Lisboa o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de marca Ford modelo Transit, de matrícula ..-BU-.. ultrapassando as viaturas que se encontravam paradas na sequência de ter ocorrido um acidente de viação.
2. Nessas mesmas circunstâncias de tempo e lugar os agentes da PSP BB e CC encontravam-se em exercício de funções e devidamente uniformizados a elaborar a participação do referido acidente de viação na companhia dos respectivos condutores intervenientes no mesmo.
3. Então o arguido ao passar pelos agentes da PSP da forma acima descrita começou a buzinar e dirigiu-se levantando a mão e colocando o dedo do meio esticado, fazendo o gesto vulgarmente conhecido como “pirete”.
4. Perante este comportamento, a agente da PSP BB levantou a mão efectuando o sinal de paragem ao arguido, tendo este afrouxado ligeiramente o veículo por si conduzido.
5. Porém, o arguido voltou a acelerar o veículo que conduzia e voltou a levantar a mão, colocando o dedo do meio esticado e abrindo a janela da porta do condutor dirigiu-se aos dois agentes da PSP enquanto lhes dizia em voz alta: “Vão para o caralho, seus filhos da puta! Saiam da frente palhaços, que se fodam as autoridades!”
6. Na sequência de tal conduta a agente da PSP conduzindo o motociclo de serviço que lhes estava adstrito e devidamente caracterizada da marca Honda, modelo RC52 de matrícula ..-BP-.., seguiram no encalço do arguido, com os sinais luminosos e sonoros ligados com o objectivo de o submeter a teste de pesquisa de álcool no sangue.
7. Conseguindo a agente de autoridade BB ultrapassar com o seu motociclo o veículo, dirigir-se ao arguido e a dar-lhe ordem de paragem, sempre com o auxílio de sinais sonoros e luminosos de motociclo.
8. Não obstante, o arguido ao ver o sinal de paragem que lhe era dirigido voltou a acelerar o seu automóvel e embateu na referida viatura policial causando-lhe danos na mala lateral do lado direito, no sistema luminosos de emergência e ainda no escape do lado direito, no valor total de € 309,50.
9. Após o descrito embate a agente da PSP que se dirigia ao arguido, ordenando-lhe que não arrancasse e desligasse o veículo que conduzia, ao mesmo tempo que o agarrou através do vidro da porta do condutor com o intuito de o imobilizar.
10. Acto contínuo e ignorando tais ordens, o arguido voltou a colocar o veículo que conduzia em funcionamento e iniciou a marcha, mudando de direcção para a fila de trânsito à sua direita, arrastando a agente da PSP BB pela via de trânsito em que seguia durante cerca de 80 a 100 metros enquanto lhe desferia vários socos na face, com o punho fechado, tentando fazê-la cair.
11. Em virtude do sucedido e temendo pela sua vida e integridade física, a agente da PSP BB começou a pedir ajuda aos condutores dos veículos automóveis que circulavam na via.
12. Verificando o que estava a ocorrer, EE, condutora de veículo automóvel que seguia à frente do arguido, abrandou a sua marcha e imobilizou o veículo por si conduzido, saindo do mesmo para socorrer BB.
13. Como o arguido se viu forçado a parar o veículo a agente da PSP conseguiu abrir a porta do mesmo para o abordar.
14. Neste momento, o arguido saiu do veículo por si conduzido, dirigindo-se à agente da PSP BB, continuando a desferir-lhe vários murros na face.
15. Entretanto, DD condutor de outro veículo que circulava na via pública parou em frente do veículo do arguido, aproximando-se deste para o afastar da agente da PSP acima identificada,
16. O arguido perguntou a DD se ele era da bófia desferindo-lhe vários murros na cara com o punho direito provocando-lhe dores.
17. Em seguida, chegou ao local o agente da PSP CC que se dirigiu ao arguido a fim de o deter, tendo este desferido no agente da autoridade vários pontapés nos membros inferiores e murros nas zonas lombar e renal.
18. Durante esta intercepção e após a agente da PSP BB ter dado voz de detenção ao arguido, este continuou a desferir socos, cotoveladas e pontapés a CC, com o objectivo de evitar a sua detenção.
19. A detenção apenas foi possível com a chegada ao local de outros agentes policiais cujos número concreto não foi possível apurar, tendo o arguido esbracejado e esperneado, o que obrigou ao uso da força estritamente necessária para o algemar.
20. Em consequência da acima descrita conduta, o arguido provocou em BB traumatismos da coluna cervical e lombo sagrada, dos membros superiores e inferiores, designadamente no membro superior esquerdo duas equimoses na face postero-lateral externa do terço inferior do braço, arredondados com contornos irregulares, com 3,0 cm e 4,5 cm de diâmetro cada, no membro inferior direito uma equimose azulada na face postero-lateral externa e terço médico da coxa direita, arredondada com 1,0 cm de comprimento, lesões estas que lhe determinaram 3 dias para a consolidação médico-legal sem afectação da capacidade geral e sem afectação do trabalho profissional.
21. Devido à conduta acima descrita, o arguido provocou também no agente da PSP CC um traumatismo na região lombar, lesões estas que determinaram 3 dias para a consolidação médico-legal com 3 dias para a afectação da capacidade de trabalho geral e três dias de afectação do trabalho profissional.
22. Nessa decorrência os agentes da PSP solicitaram ainda ao arguido para que efectuasse o teste de pesquisa de álcool no sangue através de exame ao ar expirado tendo o arguido recusado realizar tal teste.
23. Não obstante ter sido esclarecido de que tal conduta constituía um ilícito criminal, o arguido continuou a recusar submeter-se ao exame de pesquisa de álcool no sangue, quer mediante aparelho de medição quantitativa, quer através de aparelho de medição qualitativa e mesmo de exame ao sangue.
24. Após ter sido encaminhado para a esquadra da PSP foi sujeito a uma revista.
25. Verificou-se então que o arguido tinha na sua posse, no interior do bolso esquerdo do casaco que envergava, vários pedaços de um produto, que submetido de imediato ao teste rápido veio a comprovar-se tratar-se de haxixe com o peso de 5,51 gramas.
26. Submetido a exame no laboratório de Polícia Científica foi confirmado que o produto encontrado na posse do arguido se tratava de canábis resina, produto vegetal prensado, com um grau de pureza de 22, 4% THC com um peso líquido de 5, 394 gramas correspondentes a 24 doses diárias.
27. O arguido tinha perfeito conhecimento de que os agentes da PSP estavam devidamente uniformizados e no exercício das suas funções e que ao agir da forma que acima se descreveu faziam-no no âmbito da competência que lhes era atribuída por lei.
28. O arguido ao proferir e dirigir as expressões e gestos mencionados acima aos agentes de autoridade BB e CC agiu com o objectivo de colocar em causa o respeito e consideração destes, enquanto cidadãos e agentes da PSP, o que conseguiu atingindo-os na sua honra pessoal e profissional.
29. Do mesmo modo, ciente da qualidade profissional em que agiam BB e CC, que lhe tinham dado ordem de paragem através de gesto regulamentar, sinais luminosos e de que tal ordem provinha de autoridade legítima, mesmo assim não se absteve de desobedecer àquela, conduzindo a sua viatura com o intuito de obstar a que estes o identificassem.
30. O arguido ao danificar o veículo policial agiu de forma livre e consciente, conformando-se com a possibilidade de o destruir, o que sucedeu, bem sabendo que aquele não lhe pertencia e que agia contra a vontade do Estado Português, seu proprietário, causando a este prejuízo patrimonial.
31. Ao desferir murros e pontapés nos dois agentes da PSP o arguido actuou de forma deliberada e consciente, com o objectivo concretizado de lesar e causar mau-estar na saúde e no corpo daqueles, de modo a causar-lhes dores e ferimentos, bem sabendo ser o seu comportamento proibido e punido pela lei penal.
32. Ao atingir DD quando este socorreu a Agente BB, o arguido actuou de forma livre e consciente, causando-lhe mal-estar na saúde e no corpo, dores e ferimentos, sabendo ser esse seu comportamento proibido e punido pela lei penal.
33. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, em desrespeito da obrigação que sobre si impendia de se sujeitar ao exame de pesquisa do álcool e pela ordem que nesse sentido lhe foi dada pelos agentes da PSP, ordem que sabia proveniente de autoridade, proferida no âmbito e exercício das suas funções e de acordo com a lei.
34. O arguido tinha ainda conhecimento de que lhe não era permitido deter na sua posse produto estupefaciente tendo conhecimento também de que a quantidade de canábis que detinha excedia a necessária para o consumo médio individual por um período de dez dias, não se abstendo daquela conduta.
35. Agiu de forma livre voluntária e consciente, conhecendo a natureza, características e qualidades do indicado estupefaciente, sabendo não ser detentor de autorização legal para comprar, vender, deter transportar, consumir ou por qualquer forma manusear produtos estupefaciente, sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.
Mais se provou que:
Do CRC do arguido constam:
- Condenação pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido 292º CP, proferida em 5 de Maio de 2016 no Juiz 1 – Sintra – JL Criminal na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €6,00 e pena acessória de 3 meses de proibição de condução, no âmbito do processo nº 1100/14. 5GLSNT, penas já extintas.
- Condenação pela prática de crime de falsificação ou contrafacção de documento (arts. 255º e 256º do Código Penal), proferida no processo que correu termos com o nº 1218/16.0PCSNT junto de Jz – JL Criminal - Lisboa Oeste na pena de oitenta dias de multa à taxa diária de €5,50.
- Condenação pela prática de um crime de desobediência (art.º 348º do CP) proferida no processo nº 962/19.4SILSB que correu termos em J3 – Lisboa – Juízo Local Criminal, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de €5,00, sentença proferida a 7 de Junho de 2022,
- Condenação pela prática de um crime de burla simples, previsto e punido no art.º 217º do Código Penal na pena de 70 dias de multa à taxa de €5,00, no processo nº 350/15.1GASPS que correu termos no S.P.Sul – Juízo de Competência Genérica por sentença de 30 de Maio de 2016, pena já extinta.
- Condenação pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, proferida por sentença de 19/10/2019 no processo que correu termos com o nº 884/16. 0PSNT em Sintra – JL Criminal – Juiz4, tendo sido condenado na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €6,00 e 3 meses de pena acessória de proibição de condução, já extintas.
- Condenação no processo nº 248/15. 3PCSNT que correu termos em Sintra – JL Criminal -. J3, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €6,00 e cinco meses de pena acessória de proibição de condução pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, sentença proferida em 16 de Novembro de 2017, penas já extintas.
- Condenação no processo nº 838/16.7SILSB – Lisboa – JL Pequena Criminalidade – J4, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 70 dias de multa á taxa diária €5,00, sentença proferida em 20 de Novembro de 2021, estando a pena já extinta.
Do pedido de indemnização civil do Estado Português:
37. A reparação do motociclo acima indicado custou €309, 50, valor ressarcido pela Companhia de Seguros Fidelidade.
38. BB, devido à actuação do arguido, necessitou de assistência médica no Centro Hospitalar de Lisboa Central EPE, resultando um período de incapacidade para serviço por quinze dias, tendo estado de baixa médica durante esse período.
39. Na assistência médica e hospitalar relativa a CC foi despendido pelo Estado Português €122,77 em despesas hospitalares e €22,15 atinentes a despesas com consultas no posto clínico da PSP.
40. O arguido não reembolsou o Estado Português das despesas por este pagas.
Do pedido de indemnização de CC
41. O arguido perdeu momentaneamente o controlo do veículo dado que ia embatendo numa viatura que circulava no mesmo sentido e imediatamente à sua frente, para além deste veículo ainda ia embatendo noutras viaturas que circulavam no mesmo sentido porque começou a dirigir aos ziguezagues.
42. Em face do exposto e ao verificar que o demandado circulava do modo acima descrito o demandante e a testemunha policial seguiram-no deslocando-se para as viaturas que lhes estão atribuídas, veículos motorizados.
43. O arguido apenas foi algemado com a chegada de reforços.
44. Atentas as fortes dores que sentia e ainda sente esporadicamente na coluna cervical e zona lombar o demandante foi transportado pela ambulância do INEM – Lisboa 14 – tripulada pela TAE nº 94932 FF, ao Hospital de Santa Maria, onde deu entrada sob o episódio clínico nº 34425251 com hora de entrada às 19h40m.
45. Não lhe foram atribuídos dias de incapacidade para o trabalho.
46. Devido à actuação do arguido o blusão de nylon no valor de €87,50 que CC trajava ficou danificado.
47. CC sentiu-se ofendido na sua honra e consideração pessoal e profissional pelas palavras que lhe foram dirigidas pelo arguido, tanto mais que tal sucedeu em local público.
48. Sentiu-se particularmente envergonhado por os factos terem sucedido enquanto estava ao serviço do Estado português, a resolver um acidente que nada tinha que ver com o demandado e estando devidamente uniformizado.
49. O demandante, durante a actuação do arguido, sentiu medido, inquietação e vergonha.
50. O demandante à data dos factos era já agente da PSP há sete anos sendo uma pessoa respeitável, humilde e calam, cumpridora das suas responsabilidades profissionais.
Do pedido de indemnização de BB
51. BB sentiu dores no braço direito, face e perna direita, bem como na coluna, pescoço e ombro direitos, tendo sido transportada pela ambulância do INEM – Lisboa 14, onde deu entrada sob o episódio clínico nº 34425250, com hora de entrada pelas 19h26m.
52. Ficou com um dente (coroa) partido devido ao impacto, tendo as calças e colete de alta visibilidade que trajava ficado estragados, tendo um valor de cerca de €60,00.
53. No decurso deste incidente perdeu o seu telemóvel pessoal o qual lhe tinha sido oferecido por colegas de trabalho no Natal, tendo o valor de € 313,79, sendo de marca LG, modelo P880 4x.
54. Sentiu vergonha pela forma como estava a ser tratada, particularmente por estar ao serviço do Estado Português.
55. Durante toda esta acção sentiu medo, inquietação, vergonha, sentiu-se enxovalhada em plena via pública.
56. Procurou por isso apoio psicológico.
57. À data dos factos era agente há cinco anos, sendo pessoa respeitável, serena, sociável, séria e cumpridora das suas responsabilidades profissionais.
58. Na sequência da consulta no Hospital de Santa Maria o médico que ali estava de serviço receitou alguns fármacos calmantes, anti-inflamatórios e analgésicos, tendo a demandante gasto €11,25.
59. Nas noites seguintes aos factos dormiu mal.
60. Sentia-se sempre cansada e desconfortável, apresentando fadiga, sonolência, irritabilidade, bem como alguma incapacidade em raciocinar e falar com facilidade.
61. A companhia de seguros demandada atribuiu-lhe uma incapacidade parcial permanente de 2 pontos (0-100) de rebate profissional para a raquialgia provocada pelo embate e arrastamento no veículo automóvel.
62. Foram-lhe atribuídos 96 dias de incapacidade temporária profissional entre 20 de Fevereiro de 2014 e 27 de Maio de 2014.
63. Sentiu dores intensas no corpo devido ao arrastamento no solo.
64. Foi-lhe fixado um quantum doloris de grau 2 (0-7).
65. O dano estético foi-lhe fixado num grau 1 (0-7).
66. A Junta Superior de Saúde da PSP avaliou o dano corporal da demandante em 6 pontos de IPP (0-100).
67. A data dos factos BB tinha 28 anos de idade.
68. É agente da PSP e aufere mensalmente a quantia de € 789,54 a título de salário base, acrescido de suplemento de forças, no valor de € 157, 91, suplemento no valor de €31,04, comparticipação de fardamento no valor de €25,00, subsídio de refeição no valor de €98, 21, suplemento de turno no valor médico de €154,99 e suplemento de patrulha no valor médio de €59,13.
69. Fazia remunerados, com o valor médio mensal de € 556,80.
70. Auferia, pois, anualmente uma média de € 22.967,44.
71. Como consequência das sequelas a demandante ficou impedida entre 1 de Dezembro de 2014 e 28 de Fevereiro de 2015 de levar a cabo serviços remunerados, sendo os mesmos pagos em média a € 18,55 por dia.
B) Factos não provados
1. O arguido tinha ingerido um número não concretamente apurado de bebidas alcoólicas.
2. O arguido ao danificar o veículo policial conduzido por BB agiu de forma deliberada, livre e consciente, com o objectivo conseguido de o destruir, sabendo que aquele não lhe pertencia, estava devidamente caracterizado e que agia contra a vontade do respectivo proprietário (Estado português) causando-lhe prejuízo.
3. O arguido destinava o estupefaciente que lhe foi apreendido exclusivamente ao seu consumo pessoal.
4. Considerando que a demandante é agente da PSP e à data do acidente ocorrido em 20 de Fevereiro de 2014 tinha 28 anos sendo previsível que a sua vida se prolongue até aos 81 anos e que a sua vida activa até aos 72 anos, tendo ficado permanentemente afectada com raquialgia sendo de prever que esta incapacidade se mantenha e agrave com o decurso dos anos, trazendo maior penosidade para o desempenho das tarefas diárias e laboral com esforços acrescidos na sua plenitude, com os inerentes prejuízos.
5. É de perspectivar a existência de dano futuro considerando o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiologicamente certa e segura por corresponder a evolução lógica e habitual e inexorável do quadro clínico.
6. Por outro lado, a patologia sequelar impõe supervisão clínica em Fisiatria.
7. Durante os três meses em que esteve em IPP esteve sempre com temperamento de mau humor como consequência da sua condição física.
8. A demandante necessita de esforços acrescidos para desempenhar funções laborais em geral.
9. Devido às sequelas deixou de realizar gratificados.
O Tribunal não responde a matéria conclusiva, impugnativa ou de Direito.
C) Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal alicerçou-se na ponderação crítica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, de harmonia com as regras da experiência comum e critérios de normalidade, nos termos do art.º 129º do CPP. O arguido não compareceu em audiência de julgamento de forma voluntária, tendo sido emitidos mandados de detenção para assegurar aquele efeito. Contudo, o mesmo não foi localizado pelas autoridades policiais. Por outro lado, também a realização de relatório relativo à sua situação pessoal (familiar, social e profissional) se gorou, uma vez que o mesmo não compareceu às sessões agendadas pela DGRS. Foram ouvidas em audiência de julgamento BB e CC, ofendidos e demandantes. Foram ainda ouvidas as seguintes testemunhas: DD (declarações para memória futura ouvidas em audiência), EE, GG e HH, bem como II e JJ.
DD, EE, GG e HH estiveram no local dos factos à hora a que os mesmos ocorreram, tendo assistido e, nessa medida, tendo daqueles conhecimentos directo. II é comissário da PSP e à data dos factos era o superior hierárquico de BB e CC, tendo tomado conhecimento dos factos no próprio dia em que os mesmos ocorreram e acompanhado toda a situação. Quanto a JJ é médico, tendo o seu depoimento incidido sobre as perícias que constam dos autos e fundamentos das suas eventuais discrepâncias.
Numa apreciação geral da prova testemunhal e dos depoimentos de BB e CC cumpre referir que todas as pessoas ouvidas, prestaram declarações de forma clara, isenta e objectiva. As eventuais discrepâncias detectadas, menores no quadro geral dos depoimentos, são explicáveis, não apenas pela natureza subjectiva da percepção humana, mas também pela rapidez e carácter inesperado dos acontecimentos subjacentes aos autos. Com efeito, BB e CC encontravam-se na via pública no âmbito das suas funções, trajados com a sua farda, auxiliando condutores envolvidos num acidente de viação. No local estava também GG, ali chamada devido às funções que então exercia na área dos sinistros automóveis (sendo civil e sem conhecimento prévio com os demais sujeitos processuais). O arguido, que nada tinha a ver com a situação em apreço, passou pelos agentes da PSP e abrindo a janela do carro começou a chamar-lhes nomes, como filhos da puta e palhaços, ao mesmo tempo que lhes mostrava o dedo do meio de uma das mãos estendida num gesto conhecido como “pirete”, gritando “que se fodam as autoridades”. Estes acontecimentos (confirmados pelos agentes, por GG, bem como por DD e EE, sendo estes últimos condutores de carros distintos que seguiam na mesma vida, tendo a última afirmado que ele vinha já alterado e a discutir com uma mulher que seguia no seu carro no lado do passageiro da frente), conduziram a que os agentes decidissem abordá-lo, temendo que o mesmo estivesse embriagado, pondo-se em risco a sim mesmo e aos demais utilizadores da via. O trânsito seguia com alguma lentidão devido não apenas ao acidente a que os agentes ocorreram, mas também a um outro que ocorreu do lado da via. Ainda assim, todas as testemunhas ouvidas disseram ao Tribunal que os carros estavam a circular, ainda que de forma mais vagarosa do que é habitual quando o trânsito está desobstruído. De seguida, BB foi na sua mota acima identificada no encalço do arguido, com os sinais de luzes e luminosos, determinando-lhe que parasse a viatura e a encostasse na berma, a fim de ser fiscalizado. Porém, como resultou das palavras de BB e do depoimento de EE, DD e LL, o arguido não acatou a ordem policial. Ao invés, procurou ultrapassar a agente que, entretanto, colocara a mota à frente do carro do arguido. Ao tentar a ultrapassagem, o arguido embateu na mota, causando os danos que se encontram documentados nos autos. Cumpre desde já precisar dois aspectos. Em primeiro lugar, a mota era uma viatura caracterizada, pelo que o arguido, nesta altura, não podia ter qualquer dúvida quanto à circunstância de estar a ser abordado por uma agente da PSP no exercício de funções. Por outro lado, considerando a lentidão relativa do trânsito e a circunstância da agente que ia na moto lhe estar a dar ordem de paragem, a apreciação crítica da prova conduz a que o Tribunal conclua que, com o objectivo de fugir (como foi salientado por BB) o arguido se tenha conformado com a possibilidade de embater na mota da agente que seguia à sua frente, assim actuando. Do exposto resulta que a actuação do arguido quanto a este crime, é também dolosa, ainda que se trate de dolo eventual (art.º 14º, nº 3 do Código Penal).
A descrição da agressão a BB resultou provada das declarações da mesma e das declarações das testemunhas EE, HH e DD. Como já acima se disse, pequenas contradições ou hesitações em partes dos depoimentos em nada afastam a sua credibilidade e a sua força probatória. O que seria surpreendente seria que todas as testemunhas dissessem ipsis verbis o mesmo, o que poderia suscitar dúvidas quanto à espontaneidade das suas declarações. O que resulta inequívoco dos depoimentos é que BB foi arrastada pelo arguido que seguia ao volante do automóvel, agarrando-a e desferindo-lhe socos e chapadas. O arrastamento da agente da PSP prolongou-se por vários metros, tendo sido testemunhado pelos civis que ouviram os seus pedidos de ajuda. Mais ainda, da prova pericial produzida resulta a existência de lesões no corpo da agente em apreço, igualmente consentâneas com o relato feito. É certo que em alguns momentos as testemunhas falaram em a agente ter sido agarrada pelo pescoço e noutros pelo braço. Mas importa salientar o inesperado da situação, o seu carácter desestabilizante, quer para a agente, quer para os civis que assistiram, como elemento a ter em conta na ponderação da prova. Mais ainda, não causa surpresa que o arguido tenha conseguido conduzir (certamente fazendo uso dos pedais e mantendo o volante direito) enquanto batia na agente BB, considerando alguma lentidão de tráfego. A mesma que permitiu que os civis “trancassem” o seu veículo, assim se pondo fim ao arrastamento da agente. Sendo certo que o arguido a empurrou quando abriu a porta e continuou a agredi-la até chegar DD, civil e, em momento subsequente, CC. CC explicou ao Tribunal de modo seguro e isento, que tendo concluído a questão de trânsito a que tinha sido chamado, seguiu no encalço da sua colega BB que ia mais adiantada. Apercebeu-se de que o veículo do arguido lhe deu um toque na mota. Perante esta situação, procurou ir o mais rápido possível para ajudar a sua colega. CC explicou que quando conseguiu aproximar-se da situação, viu que o carro do arguido tinha sido trancado pelos civis, para evitar a fuga. Mal se aproximou viu uma pessoa que veio a identificar como sendo DD, o qual estava a sangrar. DD (cujo depoimento foi prestado para memória futura), relatou ao Tribunal a forma como procurou abordar o arguido, tentando que ele se acalmasse. Porém, o arguido perguntou-lhe se ele era da “bófia” e igualmente lhe bateu, dando-lhe murros. O depoimento desta testemunha, recolhido para memória futura, surgiu em alguns pontos hesitante. Contudo, crê-se que tal assentou na própria confusão decorrente da situação inesperada em que se viu envolvido, sendo certo que dúvidas não subsistem quanto à certeza de que foi efectivamente agredido pelo arguido. Isso mesmo foi confirmado por si, EE, BB e HH. Esta última é sua mãe e com ele viajava. Disse ao Tribunal que o arguido também lhe desferiu um empurrão, tendo batido no seu filho, tendo esta testemunha puxado este para perto de si, com medo do que pudesse suceder. A testemunha HH esclareceu que não quis apresentar queixa. EE confirmou que HH foi empurrada. Procurando explicar a situação, disse que já se tinha apercebido do arguido antes do incidente por ter reparado que ele ia exaltado e aos gritos com uma mulher ao lado, que seguia calada. KK explicou ao Tribunal que quando já estavam parados e fora do carro essa mulher, que como a testemunha era brasileira, lhe pediu ajuda para sair dali o que ela recusou. Porém, a mulher em apreço efectivamente abandonou o local, não tendo sido identificada. EE explicou ao Tribunal o modo como o arguido arrastou BB e agrediu todos os demais que se lhe aproximaram, incluindo CC. Disse que só foi possível deter o arguido quando chegaram reforços policiais, persistindo ele a esbracejar e espernear. A testemunha disse ao Tribunal que nunca tinha visto ninguém naquele estado. Manifestou-se igualmente impressionada com o estado de BB, cuja farda estava estragada, estando a mesma magoada, a sangrar e muito nervosa.
Das declarações dos demandantes e das testemunhas acima indicadas resultou ainda que apenas foi possível deter o arguido com a presença de vários outros agentes da PSP. Com efeito, da prova produzida em audiência decorreu que foram chamados reforços ao local e que foram os agentes que chegaram então que, em conjunto com BB e CC, conseguiram imobilizar e algemar o arguido, efectivando a ordem de detenção que tinha sido dada pela primeira e que o mesmo não acatou. Dos depoimentos das testemunhas ouvidas resultou que o mesmo continuou a gritar, a debater-se, esbracejando e esperneando para se opor à agressão.
CC disse ao Tribunal que advertiu o arguido de que o mesmo tinha de se submeter a teste para apurar a taxa de álcool no sangue. Todavia, o mesmo recusou-se, mantendo a sua recusa mesmo depois de ter sido advertido de que incorria na prática do crime de desobediência.
Foi já na esquadra, ao realizar revista que se verificou que o arguido detinha consigo substância que se veio a apurar ser de natureza estupefaciente. A esta apreensão se reporta o auto de fls. 8, que o arguido se recusou a assinar, conforme certificação aposta com indicação de testemunha. Relevaram ainda fls. 15 e 16, bem como a perícia de fls. 81. Desde já se consigna que não foi apresentada qualquer prova de que o arguido destinava o estupefaciente apreendido ao seu consumo pessoal.
O Tribunal teve ainda conta a prova documental (médica) e a pericial atinente às lesões sofridas por BB e CC. Tais lesões são consistentes com as agressões que os mesmos sofreram por parte do arguido e com a dinâmica dos acontecimentos acima exposta.
II é comissário da PSP e à data dos factos era o superior hierárquico de BB e CC. Depôs de forma clara e objectiva. Das suas palavras resultou que os dois eram agentes cumpridores, sem dificuldades no cumprimento do serviço ou problemas de relacionamento com terceiros. A testemunha confirmou que o incidente dos autos deixou BB
Serrão muito desalentada, o que foi também confirmado por CC. Este contactou-a poucos dias depois e disse ao Tribunal que ela nem parecia a mesma. Aliás, em sede de audiência de julgamento foi visível, apesar do lapso de tempo decorrido, a incapacidade de qualquer dos agentes compreender a actuação do arguido Ambos se revelaram magoados e perplexos com a actuação do arguido.
O Tribunal pode aperceber-se de que os dois são agentes briosos e empenhados, que se sentiram vexados por verem o modo como a autoridade do Estado português que representavam foi desrespeitada pelo arguido. Mais ainda, tendo experiência profissional que os coloca em confronto directo com alguns cidadãos, ambos se mostraram surpresos e desalentados por esta situação ter ocorrido sem qualquer explicação, pois o arguido nem sequer tinha sido objecto de qualquer intervenção policial, sendo o seu comportamento gratuito e fútil.
O único ponto em que os dois agentes conseguem encontrar algum alento é no facto de os cidadãos civis que assistiram à situação terem de imediato procurado auxiliar a polícia, colaborando para a detenção do arguido e tendo tentado socorrer BB. Embora ambos os agentes se revelassem marcados pelo incidente, foi esta quem mostrou maior sofrimento. Tal não surpreende, uma vez que o grosso do incidente ocorreu consigo. A demandante, sem conseguir evitar as lágrimas (que o Tribunal entende genuínas) foi relatando as agressões do arguido, arrastando-a pela estrada, dando-lhe murros e estaladas. Relatou (e isso foi confirmado pela prova testemunhal) que ficou a sangrar, magoada no corpo, com o colete de alta visibilidade e calças que trajava estragados (cerca de €60,00), tendo também perdido o seu telemóvel oferta de colegas de trabalho (no valor de €313, 79, conforme documento que juntou aos autos a fls. 97). Teve-se em atenção o valor gasto em consultas e medicamentos (fls. 98 a 100), bem como as duas avaliações de IPP que constam dos autos, uma da companhia de seguros e outra da PSP. As afirmações feitas pela testemunha indicada pela companhia de seguros (JJ) quanto a uma eventual hiperbolização da IPP por se tratar de agentes da PSP em nada desmerecem a IPP atribuída por esta entidade. Com efeito, são considerações de natureza pessoal, genéricas, sendo certo que não se demonstrou que tenham tido qualquer aplicação no caso concreto. Refira-se ainda assim que não foi posta em causa a idoneidade daquela entidade, tendo a testemunha salientado que estava em causa uma especial sensibilidade para o trabalho policial o qual pressupõe, em regra, uma maior robustez física.
Importa salientar que as duas avaliações não são contraditórias, pois reportam-se a critérios distintos de avaliação.
A avaliação a que se reporta o artigo 20 dos factos provados é uma avaliação do ponto de vista médico legal penal, tem por vista um sentido mais restrito do dano corporal, para efeitos de preenchimento do tipo penal e para efeitos de determinação da pena.
Já as avaliações a que se reportam os factos 61 e 66 são avaliações médico-legais para efeitos de cálculo de indemnização em direito laboral, interessando apenas de forma lateral nestes autos, sendo certo que, a final, como determinam as regras do direito laboral, prevalecerá a fixação da incapacidade elaborada pela Junta Superior de Saúde da PSP, salvo a sua impugnação em processo próprio. Mas, repete-se, embora os dois factos constem dos autos, só assumem relevância directa para efeitos laborais. Por esse motivo, podem ser tidos em conta em sede de avaliação cível.
Trata-se de dois tipos de avaliação diversos. Certo é que as incapacidades permanentes parciais fixadas não impedem a prestação do trabalho, strictu sensu, sobretudo quando a sinistrada mantém o mesmo trabalho, tal como referido no artigo 20 da factualidade provada. Aliás, resultou provado que após os factos aqui em discussão passou a integrar as brigadas à civil da PSP.
Diversa é a situação em sede de indemnização laboral, em que, tendo em conta que as sequelas subsequentes ao acidente, criam uma penosidade constituem incapacidade permanente parcial a indemnizar laboralmente.
O mesmo é dizer que em sede de avaliação do pedido cível, o facto de ter sido fixada uma incapacidade permanente parcial dá uma dimensão do dano que a lesada carrega e que pode significar (ou não) mais penosidade no exercício das suas funções, mas não impede o exercício das funções e não pode ser valorado nesse sentido.
Em suma, não há contradição entre as duas avaliações. Há, sim, uma avaliação de perspectivas distintas – uma penal e outra laboral. No plano civil, deve prevalecer o dano doloris e o estético, que é ainda uma terceira perspectiva de avaliação dos danos.
O Tribunal teve ainda em atenção o relatório pericial de 10 de Março de 2014, em particular fls. 141 onde se conclui ser a data da cura das lesões fixável em 23/02/2014 não resultando do evento, com condições normais, quaisquer consequências permanentes. É certo que da documentação da própria companhia de seguros resulta que a demandante ficou a sofrer de raquialgia sequelar. O que não se demonstrou é que esta condição se traduza em qualquer limitação na sua vida profissional ou pessoal, quer presente, quer futura. Aliás, as funções policiais a que actualmente está adstrita são demonstrativas da sua capacidade física e anímica de exercer a sua profissão em pleno. Não se provou também que exista ou se preveja a necessidade de realizar fisioterapia e que se perspectivem danos futuros, ao invés do alegado.
BB explicou que esteve de baixa cerca de quinze dias, período alargado posteriormente (o que é corroborado pela prova documental), tendo pedido para voltar ao serviço. Foi colocada nos serviços administrativos, não tendo tornado a fazer serviço de rua no âmbito da brigada de trânsito.
Todavia, cumpre salientar que a agente BB acabou por integrar o serviço das brigadas à civil, o que pressupõe robustez física e moral, considerando a natureza dessa actividade policial. Das suas declarações retirou o Tribunal a convicção de que no momento presente, sem prejuízo da mágoa sentida pelo incidente, a mesma recuperou a sua capacidade de resistência moral indispensável à actividade de polícia. Importa salientar não se ter demonstrado que a demandante não possa realizar trabalhos gratificados. Como acima se disse, a sua colocação numa brigada à civil leva a concluir que não tem qualquer incapacidade física actual. Aliás, a ausência de sequelas era já prevista como expectável no relatório pericial do INML. Refira-se que das declarações da demandante quanto às suas actuais funções não resultou que a mesma tenha algum tipo de serviço diminuído ou exerça as suas funções de modo condicionado. Sem prejuízo de, em termos laborais, ser atribuída uma incapacidade permanente parcial.
A factualidade não provada assentou na ausência de elementos susceptíveis de permitir conclusão diversa. Não se fez qualquer prova de que o arguido conduzia sob o efeito de álcool ou outra substância, designadamente ilegal. Do mesmo modo, não foi produzida qualquer prova de que o arguido destinava o estupefaciente que lhe foi apreendido apenas ao seu consumo pessoal. No que diz respeito ao crime de dano a modalidade de dolo que se provou foi eventual e não directo, como acima melhor foi explicitado. No que diz respeito ao pedido de indemnização civil de BB não se fez prova de qualquer facto integrável num dano futuro. Do mesmo modo, não se provou que tenha sofrido prejuízo de não realização de gratificados nos termos por si alegados. É evidente que durante o período de baixa e mesmo no período inicial de reintegração no serviço não realizou tais serviços. Contudo, não basta estar apto e ter manifestado disponibilidade para aquela realização. Com efeito, existe certamente uma escala dependente da procura e da própria disponibilidade horária dos agentes (atentos os turnos que já têm de realizar por força da sua actividade profissional), sendo certo que também não se demonstrou o valor concreto dos gratificados (variando em função do horário, por exemplo, dia e noite ou do número de horas abrangidos). Deste modo, o valor pela mesma peticionado não pode ser aceite, por não se provar. Por outro lado, não se provou que neste momento a agente esteja impedida de realizar os indicados serviços gratificados.
Os antecedentes criminais do arguido assentaram no CRC juntou aos autos. O arguido não compareceu junto da DGRSP pela elaboração do relatório social que havia sido determinado. Do mesmo modo, não compareceu em audiência de julgamento.
2.3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DOS RECURSOS
O primeiro ponto de ordem que compete fazer é o de que a reapreciação da matéria de facto não será feita à luz do art.º 662º do CPC, pela simples razão de que, pese embora, as questões a apreciar no presente recurso estejam todas no domínio da responsabilidade civil extracontratual, por efeito do princípio da adesão e da circunstância de a fonte dessa responsabilidade, a existir, ter sido a prática de comportamentos humanos qualificados pelo Código Penal como crimes, o presente processo não perdeu a sua natureza de procedimento criminal e este é autossuficiente, sendo certo que dispõe de regras próprias no que se refere à correcção dos erros de julgamento, assim como do vícios decisórios– cfr. arts. 4º e 71º; 410º nº 2 als. a) a c) e 412º do CPP e 129º do Código Penal.
Assim, os erros de julgamento invocados serão apreciados à luz dos mecanismos processuais próprios do processo penal e não do direito processual civil.
Em processo penal, a matéria de facto pode ser sindicada por via de recurso através de duas formas: uma, de âmbito mais estrito, a que se convencionou designar de «revista alargada», implica a apreciação dos vícios enumerados nas als. a) a c) do art.º 410º nº 2 do CPP; outra, denominada de impugnação ampla da matéria de facto, que se encontra prevista e regulada no art.º 412º nºs 3, 4 e 6 do mesmo diploma.
Assim, se no primeiro caso, o recurso visa uma sindicância centrada exclusivamente no texto da sentença, dirigida a aferir da capacidade do juiz em expressar de forma adequada e suficiente as razões pelas quais se convenceu e o sentido da decisão que tomou, já no segundo, o que o recurso visa é o reexame da matéria de facto, através da fiscalização das provas e da forma como o Tribunal recorrido formou a sua convicção, a partir delas.
O erro do julgamento verifica-se sempre que o Tribunal tenha dado como provado um facto acerca do qual não foi produzida prova e, portanto, deveria ter sido considerado não provado, ou inversamente, quando o Tribunal considerou não provado um facto e a prova é clara e inequívoca, no sentido da sua comprovação.
O mecanismo por via do qual deverá ser invocado - impugnação ampla da matéria de facto – encontra-se previsto e regulado no art.º 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP e envolve a reapreciação da actividade probatória realizada pelo Tribunal, na primeira instância e da prova dela resultante.
No entanto, essa reapreciação não é livre, nem abrangente, antes tem vários limites, porque está condicionada ao cumprimento de deveres muito específicos de motivação e formulação de conclusões do recurso (Maria João Antunes, in RPCC – Ano 4 Fasc.1 – pág. 120; Acórdão do STJ n.º 3/2012, de 8/3/2012, DR, I Série, n.º 77, de 18/4/2012 Acs. da Relação de Guimarães de 6.11.2017, proc. 3671/13.4TDLSB.G1; da Relação de Évora de 09.01.2018 proc. 31/14.3GBFTR.E1; da Relação de Coimbra de 08.05.2018, proc. 30/16.0GANZR.C1; da Relação de Lisboa de 12.06.2019, processo 473/16.0JAPDL.L1 e de 28.04.2021, processo 4426/17.2T9LSB.L1, in http://www.dgsi.pt) e porque não envolve um novo julgamento, em face da concepção do recurso penal como um mero remédio jurídico destinado exclusivamente à correcção de erros pontuais e não a uma substituição da convicção do tribunal de primeira instância pela convicção do tribunal do recurso.
Esses limites são os seguintes:
Em primeiro lugar, a imposição, como condição essencial, da reapreciação da actividade probatória realizada durante a audiência de discussão e julgamento, do cumprimento do ónus de impugnação especificada previsto no art.º 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP.
O cumprimento deste triplo ónus envolve: a especificação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados; a indicação expressa do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida, sendo os excertos/segmentos/passagens das declarações ou depoimentos identificados por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º (nº 4 do artigo 412º do C.P.P.), ou através da identificação e transcrição nas motivações de recurso das ditas “passagens/excertos” dos meios de prova oral gravados, a exposição das concretas razões da discordância, ou seja, dos motivos exactos para tal modificação, em relação a cada facto alternativo proposto, o que exige que o recorrente apresente o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida e o correlacione comparativamente com o facto individualizado que considera erradamente julgado (Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª. ed., 2009, nota 7 ao art.º 412º., pág. 1144).
Em segundo lugar, partindo da constatação de que fruto da natural falta de oralidade e de imediação em fase de recurso, com a consequente restrição do «contacto» do Tribunal da Relação com as provas, ao que consta das gravações, a convicção do Tribunal de primeira instância só não prevalecerá, se as concretas provas indicadas pelo recorrente e os argumentos por si aduzidos na análise das provas especificadas ilustrarem que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível, ilegal ou desprovida de razoabilidade (Paulo Saragoça da Mata, in A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, Coimbra 2004, pág. 253).
Em terceiro lugar, a forma minuciosa e exigente como está previsto e regulado este tríplice ónus de especificação ilustra como o duplo grau de jurisdição da matéria de facto não implica a formulação de uma nova convicção por parte do tribunal de recurso, em substituição integral da formada pelo tribunal da primeira instância, nem equivale a um sistema de duplo julgamento, antes se cingindo a pontos concretos e determinados da matéria de facto já fixada e que, de acordo com a prova já produzida ou a renovar, devem necessariamente ser julgados noutro sentido, justamente, de harmonia com os referidos princípios que postulam a excepcionalidade das alterações ao julgamento da matéria de facto, feito na primeira instância e a concepção do recurso penal como um mero remédio jurídico (Ac. STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18-4-2012. No mesmo sentido, Germano Marques da Silva, Registo da Prova em Processo Penal, Tribunal Colectivo e Recurso, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra, 2001. No mesmo sentido, Ana Maria Brito, Revista do C.E.J., Jornadas Sobre a Revisão do C.P.P., pág. 390; Cunha Rodrigues, «Recursos», in O Novo Código de Processo Penal, p. 393).
Em quarto lugar, o limite que resulta do facto de ao tribunal de segunda instância, no recurso da matéria de facto, poder alterar a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância, se as provas indicadas pelo recorrente impuserem necessariamente uma decisão diversa da proferida (al. b) do nº 3 do citado art.º 412º), mas tal possibilidade só se verificar, se a decisão recorrida padecer de arbitrariedade, ilegalidade ou impossibilidade lógica.
Assim, a convicção do julgador, no tribunal do julgamento, só poderá ser modificada se, depois de cabal e eficazmente cumprido o triplo ónus de impugnação previsto no citado art.º 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, se constatar que a decisão da primeira instância sobre os precisos factos impugnados quando comparada com a prova efectivamente produzida no processo, deveria necessariamente ter sido a oposta, seja porque aquela convicção se encontra alicerçada em provas ilegais ou proibidas, seja porque se mostram violadas as regras da experiência comum e da lógica, ou, ainda, porque foram ignorados os conhecimentos científicos, ou inobservadas as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, designadamente, os princípios da livre apreciação da prova e «in dubio pro reo», assim como, as normas que regem sobre a validade da prova e sobre a eficácia probatória especial de certos meios de prova, como é o caso da confissão, da prova pericial ou da que emerge de certo tipo de documentos (autênticos e autenticados).
Porém, se a convicção ainda puder ser objectivável de acordo com essas mesmas regras e a versão que o recorrente apresentar for meramente alternativa e igualmente possível, então, deverá manter-se a opção do julgador, porquanto tem o respaldo dos princípios da oralidade e da imediação da prova, da qual já não beneficia o Tribunal de recurso.
«A censura dirigida à decisão de facto proferida deverá assentar “na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção (…)”.
«A reapreciação da prova, dentro daqueles parâmetros, só determinará uma alteração da matéria de facto quando do respectivo reexame se concluir que as provas impõem uma decisão diversa, excluindo-se a hipótese de tal alteração ter lugar quando aquela reapreciação apenas permita uma decisão diferente da proferida, porquanto, se a decisão de facto impugnada se mostrar devidamente fundamentada e se apresenta como uma das possíveis soluções face às regras da experiência comum, deve a mesma prevalecer, não ocorrendo, nesse caso, violação das regras e princípios de direito probatório» (Ac. da Relação de Lisboa de 10.09.2019 proc. 150/18.7PCRGR.L1-5. No mesmo sentido, por todos, Acs. do STJ de 12.09.2013, proc. 150/09.8PBSXL.L1.S1 e de 11.06.2014, proc. 14/07.0TRLSB.S1; Acs. da Relação de Coimbra de 16.11.2016, proc. 208/14.1JACBR.C1; de 13.06.2018, proc. 771/15.0PAMGR.C1 e de 08.05.2019, proc. 62/17.1GBCNF.C1; Acs. da Relação do Porto de 15.11.2018, proc. 291/17.8JAAVR.P1, de 25.09.2019, processo 1146/16.9PBMTS.P1 e de 29.04.2020, proc. 1164/18.2T9OVR.P1; da Relação de Lisboa de 24.10.2018, proc. 6744/16.8L1T9LSB-3; de 13.11.2019, proc. 103/15.7PHSNT.L1, de 09.07.2020, proc. 135/16.8GELSB.L1-9, da Relação de Guimarães de 08.06.2020, proc. 729/17.4GBVVD.G1, in http://www.dgsi.pt).
Para que possa ser dada por verificada a arbitrariedade, a impossibilidade lógica e/ou a ilegalidade da decisão da matéria de facto recorrida em que se materializa o erro de julgamento, este terá necessariamente de resultar de se ter dado como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem que este o tenha presenciado ou por outro motivo não tenha razão de ciência que permita atribuir fidedignidade a esse depoimento; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal; ou com fundamento em provas proibidas, dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido, ou o assistente ou parte civil não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram, ou que disseram o contrário e esses relatos terem sido desconsiderados, apesar de verdadeiros e credíveis; dar-se como provado um facto com base num documento, ou relatório pericial do qual não consta o que se deu como provado, ou consta o seu contrário; dar-se como provado um facto com recurso à presunção judicial fora das condições e pressupostos em que esta podia operar (neste sentido, Acs. da Relação do Porto de 04.02.2016, proc. 23/14.2PCOER.L1-9, da Relação de Lisboa de 04.05.2017, proc. 12/15.0JDLSB.L1-9, da Relação de Lisboa de 11.03.2021, proc. 179/19.8JDLSB.L1-9, da Relação de Lisboa de 26.10.2021, processo nº 510/19.6S5LSB.L1-5, da Relação de Coimbra de 25.10.2023, proc. 101/20.9T9GVA.C2, in http://www.dgsi.pt).
Neste conspecto a recorrente enfoca o erro na parte final do facto provado 20, quanto à afirmação de que as lesões ali descritas não provou qualquer «afectação da capacidade geral e sem afectação do trabalho profissional» e no facto provado 71, quanto à circunstância de neste não ter sido dado como provado um outro período em que a lesada deixou de poder realizar serviços remunerados, para além do que decorreu entre 1 de Dezembro de 2014 e 28 de Fevereiro de 2015 ali mencionado e que é o que decorreu entre 1 de Setembro e 30 de Novembro de 2014, tal como resulta do documento nº 12 junto com a sua ampliação do pedido cível.
Na medida em que o documento 12 junto pela lesada, no seu requerimento de ampliação do pedido de fls. 302 e seguintes, concretamente o documento de fls. 328, que foi emitido pela própria PSP, não foi impugnado por nenhum dos sujeitos processuais e oferece toda a credibilidade, consta expresso que a recorrente ficou impossibilitada de realizar serviços remunerados ao serviço de entidades particulares, no período compreendido entre 1 de Setembro de 2014 e 30 de Novembro de 2014, a uma média diária de € 18,56, num total de € 1.689,33, ao abrigo do disposto no art.º 431º al. b) do CPP, impõe-se a alteração do facto 71 que passará a ter a seguinte redacção:
Como consequência das sequelas a demandante ficou impedida entre 1 de Setembro de 2014 e 28 de Fevereiro de 2015 de levar a cabo serviços remunerados, sendo os mesmos pagos em média a € 18,55 por dia.
A impugnação ampla procede, no que se refere ao facto provado 71.
Todavia, o mesmo não pode concluir-se no que se refere ao facto provado 20.
Isto, porque, como já havia sido dito no acórdão deste Tribunal de 7 de Junho de 2023, para além da proclamação de que a não afectacão da capacidade geral e inexistência de afectacão do trabalho profissional referidas no facto provado 20 não correspondem à verdade, a recorrente não desenvolveu qualquer argumentação crítica acerca do conteúdo específico seja de que meio de prova ou de obtenção de prova, muito menos, que esses excertos da prova impusessem decisão diversa da recorrida.
Ao invés, a recorrente centrou a sua divergência exclusivamente na existência de uma flagrante oposição entre o tal excerto do facto provado 20 e os factos provados 61., 62., 66. e 71., ou seja, sob a perspectiva do vício decisório da contradição da matéria de facto, nos termos previstos no art.º 410º nº 2 al. b) do CPP.
Assim, se no caso da impugnação ampla da matéria de facto, o recurso visa o reexame da matéria de facto, através da fiscalização das provas e da forma como o Tribunal recorrido formou a sua convicção, a partir delas, quando estejam em causa os vícios decisórios, o recurso visa uma sindicância centrada exclusivamente no texto da sentença, dirigida a aferir da capacidade do juiz em expressar de forma adequada e suficiente as razões pelas quais se convenceu e o sentido da decisão que tomou.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, corresponde, genericamente, à afirmação simultânea de uma coisa e do seu contrário, vale por dizer, quando se considera provado e não provado o mesmo facto, ou quando se dão como provados factos antagónicos ou quando esse antagonismo intrínseco e inultrapassável se estabelece na fundamentação probatória da matéria de facto, ou entre a fundamentação e a decisão, a ponto de se tornar evidente, a partir da simples leitura do texto que dessa fundamentação deveria resultar decisão oposta àquela que foi tomada.
Verificar-se-á sempre que «(…) no texto da decisão constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspetiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respetivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito» (Ac. do STJ de 12.03.2015, processo n.º 418/11.3GAACB.C1.S1. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 20.9.2017, proc. 596/12.4JABRG.G2.S1; de 5.09.2018, proc. 2175/11.4TDLSB.L1.S1, de 03.04.2019, processo 38/17.9JAFAR.E1.S1, de 25.09.2019, proc. 60/2017.5 JAFAR.E1.S1, in http://www.dgsi.pt).
Pode, pois, existir contradição insanável, não só, entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto e a decisão (Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, pág. 325).
Com efeito, a expressão «sem afectação da capacidade geral e sem afectação do trabalho profissional» inserida na parte final do facto provado 20 como resultado das lesões infligidas pelo arguido à lesada BB ali também descritas está em flagrante oposição com as circunstâncias de a lesada ter ficado portadora de uma IPP de 2 e/ou de uma IPP de 6, em resultado dessas mesmas lesões tal como referem os factos provados 61 e 66.
Do mesmo modo, essa inexistência de afectação quer da capacidade geral, quer do trabalho profissional é incompatível com as circunstâncias descritas nos factos provados 62. e 72., segundo os quais «foram-lhe (à lesada BB) atribuídos 96 dias de incapacidade temporária profissional entre 20 de Fevereiro de 2014 e 27 de Maio de 2014» e «como consequência das sequelas a demandante ficou impedida entre 1 de Dezembro de 2014 e 28 de Fevereiro de 2015 de levar a cabo serviços remunerados, sendo os mesmos pagos em média a € 18,55 por dia».
Assim, o que avulta, por um lado, do excerto da parte final do facto 20 «sem afectação da capacidade geral e sem afectação do trabalho profissional» e, por outro lado, dos factos provados em 61, 62, 66 e 72, é a afirmação simultânea de uma coisa – a de que por efeito das agressões físicas desferidas pelo arguido e correspectivas lesões, a lesada BB não sofreu qualquer limitação para as tarefas indiferenciadas do domínio da capacidade genérica e também não sofreu qualquer limitação na sua capacidade de trabalho – e do seu contrário – a de que fruto dessas exactas agressões e lesões, BB ficou temporariamente sem poder trabalhar e ficou portadora de uma IPP.
E esta incompatibilidade entre factos de significados contrários entre si é insanável, na medida em que, nem por apelo às regras de experiência comum e nem ao texto da decisão recorrida, especialmente, da fundamentação da convicção do Tribunal em que assentou a decisão de facto, é possível modificar a matéria de facto, por forma a lhe conferir a coerência e a lógica necessárias, de acordo com o disposto no art.º 431º al. a) do CPP.
Com efeito, se em determinado excerto da fundamentação da decisão de facto, o Tribunal recorrido referiu «o Tribunal teve ainda em atenção o relatório pericial de 10 de Março de 2014, em particular fls. 141 onde se conclui ser a data da cura das lesões fixável em 23/02/2014 não resultando do evento, com condições normais, quaisquer consequências permanentes. É certo que da documentação da própria companhia de seguros resulta que a demandante ficou a sofrer de raquialgia sequelar. O que não se demonstrou é que esta condição se traduza em qualquer limitação na sua vida profissional ou pessoal, quer presente, quer futura.», noutro excerto da mesma fundamentação, diz-se que «teve-se em atenção (…) a IPP fixada pela junta de saúde pública da PSP. Refira-se que a mesma é uma entidade pública e isenta, pelo que o Tribunal entende dever prevalecer sobre a apreciação levada a cabo pelos peritos da seguradora demandada.
«As afirmações feitas pela testemunha indicada pela companhia de seguros (JJ) quanto a uma eventual hiperbolização da IPP por se tratar de agentes da PSP em nada desmerecem a IPP atribuída por esta entidade.»
Afinal, a lesada ficou ou não ficou portadora de uma IPP em resultado das agressões que sofreu e das lesões delas resultantes? Esta a pergunta à qual a sentença recorrida dá respostas, não só distintas, mas que se excluem reciprocamente – uma, no facto 20 parte final, de que não houve qualquer IPP, outras duas, elas próprias diferentes entre si, nos factos provados 61 e 66 – ora que essa IPP foi de dois pontos, ora que afinal foi de 6 pontos.
E por esta razão, se impõe uma vez mais e tal como já tinha sido decidido no acórdão deste Tribunal da Relação proferido em 7 de Junho de 2023, o reenvio do processo.
O que remete para uma outra questão:
A de que a matéria de facto provada mantém exactamente as mesmas deficiências e contradições que já haviam sido anotadas no acórdão proferido por este Tribunal da Relação em 7 de Junho de 2023, como se pode verificar da mera comparação literal entre a sentença proferida em 25 de Novembro de 2022 e a sentença objecto do presente recurso que foi proferida em 9 de Fevereiro de 2024 (referências Citius 420951893 e 432802216, respectivamente).
Com efeito, os factos provados 20, 61, 62, 66 e 68 a 71 têm, na sentença que foi proferida em 25 de Novembro de 2022 impugnada no recurso que foi decidido por acórdão deste Tribunal de 7 de Junho de 2023, a seguinte redacção:
Facto 20:
«20. Em consequência da acima descrita conduta, o arguido provocou em BB traumatismos da coluna cervical e lombo sagrada, dos membros superiores e inferiores, designadamente no membro superior esquerdo duas equimoses na face postero-lateral externa do terço inferior do braço, arredondados com contornos irregulares, com 3,0 cm e 4,5 cm de diâmetro cada, no membro inferior direito uma equimose azulada na face postero-lateral externa e terço médico da coxa direita, arredondada com 1,0 cm de comprimento, lesões estas que lhe determinaram 3 dias para a consolidação médico-legal sem afectação da capacidade geral e sem afectação do trabalho profissional.»
Facto 61:
«61. A companhia de seguros demandada atribuiu-lhe uma incapacidade parcial permanente de 2 pontos (0-100) de rebate profissional para a raquialgia provocada pelo embate e arrastamento no veículo automóvel.»;
Facto 62:
«62. Foram-lhe atribuídos 96 dias de incapacidade temporária profissional entre 20 de Fevereiro de 2014 e 27 de Maio de 2014.»
Facto 66:
«66. A Junta Superior de Saúde da PSP avaliou o dano corporal da demandante em 6 pontos de IPP (0-100).»
Facto 68:
«68. É agente da PSP e aufere mensalmente a quantia de € 789,54 a título de salário base, acrescido de suplemento de forças, no valor de € 157,91, suplemento no valor de € 31,04, comparticipação de fardamento no valor de € 25,00, subsídio de refeição no valor de € 98,21, suplemento de turno no valor médico de € 154,99 e suplemento de patrulha no valor médio de € 59,13.»
Facto 69:
«69. Fazia remunerados, com o valor médio mensal de € 556,80.»
Facto 70:
«70. Auferia, pois, anualmente uma média de € 22.967,44.»
Facto 71:
«71. Como consequência das sequelas a demandante ficou impedida entre 1 de Dezembro de 2014 e 28 de Fevereiro de 2015 de levar a cabo serviços remunerados, sendo os mesmos pagos em média a € 18,55 por dia.»
E foi porque desta matéria de facto, resultam três diferentes respostas à questão de saber se a IPP foi nenhuma (facto provado 20, parte final), de 2 pontos (facto provado 61) ou de 6 pontos (facto provado 66), além da circunstância de que a expressão contida no facto 20 «lesões estas que lhe determinaram 3 dias para a consolidação médico-legal sem afectação da capacidade geral e sem afectação do trabalho profissional» estar em total oposição com o facto provado 62, segundo o qual foram atribuídos à lesada 96 dias de incapacidade temporária profissional entre 20 de Fevereiro de 2014 e 27 de Maio de 2014, que o acórdão da Relação de Lisboa proferido em 7 de Junho de 2023, determinou o reenvio parcial para que, na primeira instância fosse apurado se sim ou não as lesões sofridas pela lesada lhe determinaram qual uma IPP em resultado das agressões que sofreu, qual a medida dessa IPP, a qual deverá ser uma medida única, e qual a sua repercussão, nas tarefas comuns e indiferenciadas do dia a dia e na capacidade ou maior penosidade para o exercício da profissão.
Ora, os factos provados 20, 61, 62, 66 e 68 a 71 têm, na sentença agora mais uma vez impugnada e proferida em 9 de Fevereiro de 2024, a seguinte redacção:
Facto 20:
«20. Em consequência da acima descrita conduta, o arguido provocou em BB traumatismos da coluna cervical e lombo sagrada, dos membros superiores e inferiores, designadamente no membro superior esquerdo duas equimoses na face postero-lateral externa do terço inferior do braço, arredondados com contornos irregulares, com 3,0 cm e 4,5 cm de diâmetro cada, no membro inferior direito uma equimose azulada na face postero-lateral externa e terço médico da coxa direita, arredondada com 1,0 cm de comprimento, lesões estas que lhe determinaram 3 dias para a consolidação médico-legal sem afectação da capacidade geral e sem afectação do trabalho profissional.»
Facto 61:
61. A companhia de seguros demandada atribuiu-lhe uma incapacidade parcial permanente de 2 pontos (0-100) de rebate profissional para a raquialgia provocada pelo embate e arrastamento no veículo automóvel.
Facto 62:
62. Foram-lhe atribuídos 96 dias de incapacidade temporária profissional entre 20 de Fevereiro de 2014 e 27 de Maio de 2014.
Facto 66:
66. A Junta Superior de Saúde da PSP avaliou o dano corporal da demandante em 6 pontos de IPP (0-100).
Facto 68:
68. É agente da PSP e aufere mensalmente a quantia de € 789,54 a título de salário base, acrescido de suplemento de forças, no valor de € 157, 91, suplemento no valor de € 31,04, comparticipação de fardamento no valor de € 25,00, subsídio de refeição no valor de € 98,21, suplemento de turno no valor médico de € 154,99 e suplemento de patrulha no valor médio de € 59,13.
Facto 69:
69. Fazia remunerados, com o valor médio mensal de € 556,80.
Facto 70:
70. Auferia, pois, anualmente uma média de € 22 967,44.
Facto 71:
71. Como consequência das sequelas a demandante ficou impedida entre 1 de Dezembro de 2014 e 28 de Fevereiro de 2015 de levar a cabo serviços remunerados, sendo os mesmos pagos em média a € 18,55 por dia.
Ou seja, a sentença proferida em 9 de Fevereiro de 2024, impugnada no presente recurso é, no que se refere à matéria de facto, exactamente igual à proferida em 25 de Novembro de 2022, que foi objecto de reenvio parcial, nos termos da decisão deste Tribunal da Relação de 7 de Junho de 2023.
A sentença recorrida, aparentemente, em resposta ao que havia sido decidido no acórdão proferido por este Tribunal em 7 de Junho de 2023, contém o seguinte excerto (transcrição parcial de páginas 14 e 15 da sentença recorrida):
«Importa salientar que as duas avaliações não são contraditórias, pois reportam-se a critérios distintos de avaliação.
«A avaliação a que se reporta o artigo 20 dos factos provados é uma avaliação do ponto de vista médico legal penal, tem por vista um sentido mais restrito do dano corporal, para efeitos de preenchimento do tipo penal e para efeitos de determinação da pena.
«Já as avaliações a que se reportam os factos 61 e 66 são avaliações médico-legais para efeitos de cálculo de indemnização em direito laboral, interessando apenas de forma lateral nestes autos, sendo certo que, a final, como determinam as regras do direito laboral, prevalecerá a fixação da incapacidade elaborada pela Junta Superior de Saúde da PSP, salvo a sua impugnação em processo próprio. Mas, repete-se, embora os dois factos constem dos autos, só assumem relevância directa para efeitos laborais. Por esse motivo, podem ser tidos em conta em sede de avaliação cível.
«Trata-se de dois tipos de avaliação diversos. Certo é que as incapacidades permanentes parciais fixadas não impedem a prestação do trabalho, strictu sensu, sobretudo quando a sinistrada mantém o mesmo trabalho, tal como referido no artigo 20 da factualidade provada. Aliás, resultou provado que após os factos aqui em discussão passou a integrar as brigadas à civil da PSP.
«Diversa é a situação em sede de indemnização laboral, em que, tendo em conta que as sequelas subsequentes ao acidente, criam uma penosidade constituem incapacidade permanente parcial a indemnizar laboralmente.
«O mesmo é dizer que em sede de avaliação do pedido cível, o facto de ter sido fixada uma incapacidade permanente parcial dá uma dimensão do dano que a lesada carrega e que pode significar (ou não) mais penosidade no exercício das suas funções, mas não impede o exercício das funções e não pode ser valorado nesse sentido.
«Em suma, não há contradição entre as duas avaliações. Há, sim, uma avaliação de perspectivas distintas – uma penal e outra laboral. No plano civil, deve prevalecer o dano doloris e o estético, que é ainda uma terceira perspectiva de avaliação dos danos.»
Em primeiro lugar, compete esclarecer que:
Na ordem jurídico-constitucional portuguesa vigora um princípio de hierarquia de Tribunais que os distingue em três graus e espécies diferentes – Supremo Tribunal de Justiça, Tribunais da Relação e Tribunais de primeira instância - em decorrência da garantia constitucional do duplo grau de jurisdição e do direito ao recurso que dela é um corolário lógico, nos termos do art.º 210º da CRP, princípio este, que tem a sua expressão na repartição de competências entre aquelas três espécies de tribunais judiciais (cfr. os arts. 29º, 31º a 33º, 37º, 40º, 42º, 46º, 52º a 55º, 67º, 72º a 74º, 79º a 81º da LOSJ e arts. 10º a 16º do CPP) e num outro princípio que assegura a efectividade do direito ao recurso: o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores, imposto pelo 4º nº 1, parte final, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto que prevê e regula a organização do sistema judiciário português, igualmente consagrado no art.º 4º nº 1 parte final do Estatuto dos Magistrados Judiciais e cuja violação poderá constituir uma infracção disciplinar grave (arts. 82º e 83º-H do mesmo Estatuto).
Esse dever de obediência está, em geral, ainda, consagrado no art.º 152º nº 1 do CPC, que estabelece: «1 - Os juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores» e é plenamente aplicável a todas as restantes jurisdições, incluindo a penal, por efeito do disposto no art.º 4º do CPP.
Não constituí qualquer novidade nem oferece dúvida a constatação feita no excerto de páginas 14 e 15 da sentença recorrida acima transcrito, de que as avaliações do dano corporal em direito civil e para efeitos de aferição da incapacidade parcial ou total temporária ou permanente para o trabalho partem de diferentes pressupostos e obedecem a parâmetros de diferentes espécies.
O problema é que dela não se podem retirar quaisquer consequências práticas para que um Tribunal deixe de decidir sobre a pretensão jurídica que lhe é colocada à apreciação, com um pedido expressamente formulado, alicerçado em argumentos de facto e de direito e ao abrigo das normas processuais que regem a marcha do processo onde o mesmo tenha sido apresentado, como foi o caso, pois que, nos termos do art.º 3º nº 3 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, essa diversidade de perspectivas e/ou de pressupostos de avaliação do dano corporal não constituí causa legítima de recusa ou da abstenção de julgar.
Tal excerto de páginas 14 e 15, assim como todo o texto da sentença ora recorrida globalmente considerado não justifica, nem legitima, minimamente, a manifesta desobediência que a mesma sentença representa a um acórdão proferido por este Tribunal da Relação, no dia 7 de Junho de 2023, transitado em julgado, sentença recorrida esta, proferida em clara violação objectiva dos deveres de administrar justiça e de obediência a decisões proferidas por Tribunais Superiores consagrados nos citados 4º da LOSJ, 3º e 4º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
Esta persistência em não cumprir com a decisão proferida em 7 de Junho de 2023, é tanto mais grave, quanto é certo que, desde 2018, vêm sendo proferidas sentenças, que vêm sendo impugnadas em via de recurso, foram já proferidos dois acórdãos por este Tribunal da Relação, sem que, decorridos cerca de dez anos sobre a prática dos factos, a lesada e a responsável civil consigam ver definitivamente definidos os correspondentes direitos e deveres, em matéria de responsabilidade civil, pelos prejuízos comprovadamente sofridos pela lesada, em resultado dos crimes cometidos pelo arguido AA e de que a mesma lesada foi vítima.
Numa perspectiva estritamente técnico-jurídica, cumpre, ainda, anotar que o excerto de páginas 14 e 15 (assim como de páginas 29) da sentença recorrida e tudo quanto nela ficou decidido acerca do pedido cível formulado pela lesada recorrente BB desconsidera a regra da inacumulabilidade das indemnizações civil e laboral que, além de ter associado um efeito de consumpção da indemnização laboral, se e quando tiver sido fixada a indemnização civil em primeiro lugar, por efeito da plenitude de jurisdição do Tribunal que for o competente para apreciar a responsabilidade civil baseada na culpa, em sintonia com as diferentes naturezas e diversos graus de importância das responsabilidades que lhes estão subjacentes, só acontece ou se verifica, no que concerne aos danos patrimoniais e, ainda assim, apenas se forem os mesmos a reparar tanto pela indemnização civil, como pela indemnização laboral.
Com efeito, a proibição da acumulação de indemnizações nem sequer tem aplicação no domínio dos danos não patrimoniais por impossibilidade legal de aplicação, na medida em que estes não são devidos nas indemnizações por acidentes de trabalho, perante a natureza estritamente patrimonial dos danos ressarcíveis em sede de indemnização laboral, segundo o que dispõem, v.g., os arts. 19º e 23º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais), sendo certo, que o dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como pode ser compensado como dano moral, pois tanto pode ter consequências patrimoniais como não patrimoniais (cfr., Armando Braga, A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, Almedina, 2005, p. 42; Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Setembro de 1992, nº 1, p. 19; Sousa Dinis, «Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJ, Acs. do STJ, Tomo I, 2001, p. 7).
Pelo menos, desde a entrada em vigor das disposições legais contidas na Base XXXVII da Lei 2127 de 3 de Agosto de 1965 (que veio a ser revogada pela Lei nº 100/97, de 13 de Setembro – artigo 42º desta Lei), no art.º 31º desta Lei 100/97 e no art.º 18º nº 1 do D.L. 522/85 de 31.12. e, actualmente, nos arts. 17º nºs 1 a 5 da Lei nº 98/2009 de 4 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 83/2021 de 6 de Dezembro que regula o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, assim como, no art.º 26º nº 1 do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21 de Agosto, que contém o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, que vigora, na ordem jurídica portuguesa, a regra da proibição de se acumularem indemnizações decorrentes de acidentes de viação que sejam, em simultâneo, acidentes de trabalho.
O dano é um só, nenhuma distinção sendo cabível quanto à sua qualificação como civil ou laboral, sendo certo que a acumulação da indemnização do acidente de trabalho, com a do acidente de viação conduziria à dupla reparação do mesmo dano (desde que sejam os mesmos os danos objecto de uma e de outra indemnização) e, consequentemente, a um enriquecimento ilícito do lesado.
«A solução de que as indemnizações por acidentes simultaneamente de viação e de trabalho se não cumulam e apenas se completam até ao ressarcimento total do dano causado ao lesado é manifestamente exacta, pois a finalidade da indemnização é reparar o prejuízo causado ao lesado e não atribuir a este um lucro» (Vaz Serra, anotação ao acórdão do STJ de 30.05.1978, in RLJ Ano 111º, páginas 327 e seguintes).
Esta complementaridade sempre foi, porém, restrita, aos danos patrimoniais, por imperativo legal, desde as previsões contidas na Base IX da citada Lei 2127 de 3 de Agosto de 1965; no art.º 10º da Lei 100/97 e no art.º 296º nº 1 al. b) do C. do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto (cfr., Ac. do STJ de 24.01.2002, CJ, Acs. do STJ, Tomo I, p. 54; Ac. da Relação de Lisboa de 1.10.2002; Ac. da Relação de Coimbra de 23.11.2004, in http://www.dgsi.pt. Cruz de Carvalho in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Livraria Petrony, 1980, págs. 132/133 e Vítor Ribeiro in “Acidentes de Trabalho – Reflexões e Notas Práticas, Livraria Rei dos Livros, págs. 227/238”), mantendo-se na actualidade, considerando a natureza dos prejuízos que a Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro permite ressarcir, nos quais não se incluem os danos não patrimoniais (cfr. os arts. 19º e 23º e seguintes da mesma lei e, no mesmo sentido, Acs. do STJ de 15.02.2018, proc. 4084/07.2TBVFX.L1.S1 e de 04.06.2020, proc. 43/16.2GTBJA.E1.S1; da Relação de Évora de 24.09.2020, proc. 3710/18.2T8FAR.L1, da Relação do Porto de 08.06.2022, proc. 2044/18.7T8OAZ-B.P1 in http://www.dgsi.pt).
Além disso e de harmonia com a consagração da culpa como critério fundamental da responsabilidade civil, sendo a responsabilidade objectiva ou pelo risco excepcional (art.º 483º nº 2 do CC), a indemnização emergente do acidente de trabalho é subsidiária daquela que for devida pelo acidente, na sua vertente de acidente de viação, apenas subsistindo a primeira, quanto aos danos patrimoniais que a segunda não tenha reparado integralmente, porquanto, de um acidente que é em simultâneo de viação e de trabalho, a responsabilidade primordial pelos danos dele resultantes é daquele ou daqueles a cuja autoria o acidente de viação possa ser imputado, a título de culpa ou com fundamento no risco, por ser o lesante e, por conseguinte, quem, «ab origine», deve indemnizar as vítimas pelos prejuízos sofridos em resultado do acidente e essa é que é a responsabilidade de primeira linha, sendo que em matéria de acidentes de trabalho, o sistema português consagra a regra da responsabilidade objectiva da entidade patronal consagrada no art.º 7º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro (cfr. no mesmo sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Tomo II, 9ª edição, pág. 725, Maria Adelaide Domingos, Viriato Reis e Diogo Ravara, in Acidentes de Trabalho e doenças profissionais. Introdução, Coleção de Formação Inicial, CEJ, Julho de 2013, págs. 21 e 22).
Por isso que, à luz dessa escala hierárquica entre a responsabilidade civil emergente do acidente de viação, com base na culpa ou no risco e a responsabilidade objectiva emergente do acidente laboral, no domínio das relações entre os responsáveis por uma e outra, em termos tais que ambos possam à partida ser responsabilizados por indemnização emergente do mesmo evento, o pagamento da indemnização civil decorrente do acidente considerado como de viação pode e deve extinguir e tornar inexigível a indemnização laboral.
É que, «o interesse protegido através da consagração da regra da proibição de duplicação ou acumulação material de indemnizações é, não o do lesante, responsável primacial pelos danos causados, mas o da entidade patronal (ou respectiva seguradora) que, em termos de responsabilidade meramente objectiva, garantem ao sinistrado o recebimento das prestações que lhe são reconhecidas pela legislação laboral – pelo que não assiste ao lesante o direito de, no seu próprio interesse, se desvincular unilateralmente de uma parcela da indemnização decorrente do facto ilícito com o mero argumento de que um outro responsável já assegurou, em termos transitórios, o ressarcimento de alguns dos danos causados ao lesado – sendo antes indispensável a iniciativa do verdadeiro titular do interesse protegido (traduzida, ou na dedução de oportuna intervenção principal na causa, ou no exercício do direito ao reembolso contra o próprio lesado que obteve indemnização pela totalidade do dano ou na propositura de acção de regresso em substituição do lesado que, no prazo de 1 ano, não mostrou interesse no exercício do seu direito à indemnização global a que teria direito). 4. Aliás, o reconhecimento ao lesante da faculdade de opor ao lesado a excepção peremptória de recebimento da indemnização laboral - alegando na contestação e provando cabalmente que os danos peticionados abrangiam prestações decorrentes da legislação laboral, já integralmente satisfeitas pela entidade patronal ou respectiva seguradora - sempre teria de depender de uma condição fundamental : ser permitido ao titular do direito de regresso ou reembolso efectivá-lo no confronto do lesante ou respectiva seguradora; é que, a não se entender assim, o regime legal conduziria a um resultado anómalo e materialmente inadmissível, traduzido em o abate da indemnização laboral no quantitativo global peticionado pelo lesado acabar por reverter em benefício do próprio lesante, autor do facto ilícito» (Ac. do STJ de 11.10.2012, proc. 40/08.1TBMMV.C1.S1, in http://www.dgsi.pt; Cruz de Carvalho in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Livaria Petrony, 1980, págs. 132/133 e Vítor Ribeiro in “Acidentes de Trabalho – Reflexões e Notas Práticas, Livraria Rei dos Livros, págs. 227/238”; Acs. do STJ de 14.12.2016, proc. 1255/07.5TTCBR-A.C1.S1, da Relação do Porto de 18.04.2017, proc. 461/13.8TBPVZ.P1, da Relação de Évora de 24.09.2020, proc. 3710/18.2T8FAR.E1, da Relação de Guimarães de 21.01.2021, proc. 4744/17.0T8BRG-A.G1, da Relação de Guimarães de 19.01.2023, proc. 3899/17.8T8GMR.G1 in http://www.dgsi.pt).
E é precisamente porque existe uma densificação em diferentes graus de importância entre responsabilidade fundada na culpa, no risco, ou meramente objectiva, por ordem decrescente de gravidade e, também de proximidade causal entre o facto típico e o dano, que «(…) as indemnizações fixadas em cada uma dessas jurisdições (civil e laboral) não se sobrepõem, completam-se. As indemnizações são independentes e dessa independência decorre que o tribunal em que for formulado o pedido de indemnização exerce a sua jurisdição em plenitude, decidindo e apurando, sem limitações, a extensão dos danos, e deixando ao critério do lesado a opção pela que melhor lhe convenha, devendo, porém, acrescentar-se que os danos não patrimoniais não entram no cômputo da indemnização laboral». (Vaz Serra, em anotação ao acórdão do STJ de 30.05.1978, in RLJ Ano 111º, páginas 327 e seguintes).
«II – As indemnizações fixadas em cada uma das jurisdições (civil e laboral) não se sobrepõem, completam-se. As indemnizações são independentes e o Tribunal em que o pedido de indemnização for deduzido exerce a sua jurisdição em plenitude, decidindo e apurando, sem limitações, a extensão dos danos.
«III - O responsável pelo acidente de viação (ou o seu segurador) não pode pretender a dedução na indemnização a que for condenado, do valor da indemnização que o trabalhador/sinistrado porventura já tenha recebido por força da reparação do acidente de trabalho.
«IV - Estando a reparação pelo dano especificamente laboral definida no processo emergente de acidente de trabalho, resta fixar, na instância cível, a vertente do dano biológico que afecta a vida extralaboral do lesado» (Ac. da Relação de Lisboa de 04.07.2023, proc. 1548/17.3T8LRS.L1-7, in http://www.dgsi.pt).
Porém, em contrapartida, se a indemnização laboral ainda não tiver sido fixada, a indemnização civil tem necessariamente, de abarcar todos os danos em todas as suas dimensões, incluída a IPP para o exercício da profissão e todos os demais danos patrimoniais emergentes, por exemplo, de perdas salariais, a título de danos emergentes, assim como a frustração de expectativas de ganhos, no domínio dos lucros cessantes, em sintonia com as regras contidas nos arts. 483º, 496º, 562º a 564º e 566º do Código Civil, em matérias de fixação de indemnização e de compensação.
«Do que resulta que a indemnização laboral é consumida ou pode vir a ser consumida pela indemnização que venha a ser arbitrada com base em facto ilícito, beneficiando desta consumpção o responsável a título laboral (Ac. do STJ de 28.05.2024, proc. 15899/17.3T8PRT.P1.S1 in http://www.dgsi.pt).
«Entre o regime de indemnização a título de acidente de viação e o regime de indemnização a título de acidente de trabalho existe uma relação de complementaridade, significando, pela negativa, que os dois regimes não devem cumular-se e, pela positiva, que os dois regimes devem completar-se, o que, mais uma vez, é coerente com o (e é mesmo instrumental ao) propósito do ressarcimento completo do lesado» Ac. do STJ de 02.03.2023, proc. n.º 3621/19.4T8AVR.P1.S1, in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 29.03.2022, proc. 119/19.4T8STR.E1.S1, de 12.01.2022, proc. 782/18.3T8BJA.E1.S1, de 17.11.2021, proc. 3496/16.5T8FAR.E1.S1, de 05.05.2020, proc. 30/11.7TBSTR.E1, de 30.04.2020, proc. 6918/16.1T8VNG.P1.S1, de 11.07.2019, proc. 1456/15.2T8FNC.L1.S1, de 26.02.2019, proc. 184/08.0TBSTB.E1.S1, na mesma base de dados).
Ora, o que se aplica à indemnização por acidente de viação que é, simultaneamente, de trabalho tem a mesmíssima razão de ser, quando se trate de indemnizar danos causados por outras formas de responsabilidade civil, como seja, a prática de um facto típico, ilícito e culposo qualificado pelo Direito Penal como um crime e desde que causador de prejuízos sofridos pela vítima desse crime, no tempo e local de trabalho.
Sendo ao Tribunal do julgamento que incumbe pronunciar-se e decidir acerca do pedido cível, por efeito do princípio da adesão consagrado no art.º 71º do Código Penal, bem assim, da aplicação do princípio de que a responsabilidade civil emergente da prática de um crime é regulada quantitativamente e nos seus pressupostos pela lei civil, conforme remissão contida no art.º 129º do Código Penal, bem como a regra da preponderância da responsabilidade do lesante fundada na culpa, sobre a responsabilidade objectiva da entidade empregadora, importa sublinhar que:
O art.º 129º do C.P. determina que a indemnização por perdas e danos, de qualquer natureza, que emergem da prática de um crime é regulada quantitativamente e nos seus pressupostos pela lei civil, remissão esta, que é feita exclusivamente para os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, pois só estes são coincidentes com os que justificam a responsabilidade criminal (v., por todos, o Assento nº 7/99 de 17.06.99, publicado no D.R., Série I-A de 03.08.99, hoje com o valor de acórdão uniformizador de jurisprudência e, no mesmo sentido, os acórdãos do STJ de fixação de jurisprudência nº 3/2002 de 17.01.2002, Proc. 342/2001, DR Série I-A, nº 54 de 2002-03-05, de fixação de jurisprudência nº 1/2013 de 15.11.2012, DR Série I, nº 4 de 07.01.2013, de fixação de jurisprudência nº 5/2018 de 26 de Setembro de 2018, Diário da República n.º 209/2018, Série I de 30.10.2018, Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado – Legislação Complementar, 17ª edição – 2009, p. 220, nota 3 e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal III, 2ª ed., pág. 128).
Assim, o direito que o lesado pretenda fazer valer contra a responsável civil, em pedido cível deduzido de harmonia com o princípio da adesão contido no art.º 71º do CPP, inscreve-se no domínio da responsabilidade civil extracontratual, em que a imposição da obrigação de indemnizar depende da verificação dos pressupostos enunciados no art.º 483º do C.C. e que são os seguintes: facto voluntário do agente, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre esse dano e a conduta do lesante.
O art.º 562º do mesmo código prevê que aquele que estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que impõe tal reparação.
A obrigação de indemnização, consistindo no dever de reparar os prejuízos, reconstruindo a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento danoso, cumpre-se, pois, pela reconstituição natural, sempre que possível, embora não tenha, necessariamente, o sentido de repor com exactidão a situação anterior.
Trata-se, em suma, de reconstruir a situação hipotética em que o lesado se encontraria, se não tivesse sofrido quaisquer danos na sua esfera jurídica.
Em todo o caso, no âmbito da reparação de danos em direito civil, a reconstituição «in natura» tem a primazia (cfr., nesse sentido, por todos, Menezes Leitão, Direito Das Obrigações, Volume I, pág. 377 e 378; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, pág. 715; Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, edição AAFDL 1980, 2.º vol, págs. 399/400).
Só quando não se consegue resolver satisfatoriamente a questão da reparação do dano recorrendo ao princípio da reconstituição «in natura», por esta se mostrar impossível, inadequada ou insuficiente, é que o art.º 566º do CC permite, nesses casos e apenas nesses casos, a fixação da indemnização em dinheiro.
A indemnização abrange, quer as lesões nos interesses, bens ou direitos que o lesado efectivamente suportou, em consequência do evento danoso (danos emergentes), quer a frustração das suas expectativas de ganho (lucros cessantes), nos termos do art.º 564º do CC.
Também os danos futuros devem ser atendidos, nos termos do art.º 564º nº 2 do CC, segundo o qual «na fixação da indemnização, pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».
Na fixação da indemnização, atender-se-á, também aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito - art.º 496º nº 1 do citado diploma.
O montante pecuniário da compensação deve fixar-se equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias a que se reporta o artigo 494º do Código Civil (artigo 496º nº 3, primeira parte, do Código Civil) – o grau de culpa do lesante, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Nos recursos interpostos neste processo, está em apreciação o denominado dano biológico e o seu impacto e diferentes vertentes em que pode e deve ser avaliado, para efeitos de cálculo de indemnização por danos patrimoniais e de compensação por danos não patrimoniais.
E por todas estas razões, é ao tribunal recorrido que compete valorar todos os prejuízos e em toda a sua dimensão, patrimonial e não patrimonial e nas suas diferentes espécies, de dano biológico e sua repercussão na capacidade geral e na capacidade profissional da lesada, ou somente na maior penosidade para o desempenho da actividade laboral, tanto a nível de danos emergentes, como de lucros cessantes.
A propósito do dano biológico, é ainda preciso ter presente que:
Em se tratando de dano biológico, como sucede no caso vertente, independentemente da sua qualificação como dano patrimonial, como dano não patrimonial, como um «tertium genus», ou como uma realidade híbrida que conjuga aspectos da indemnização por danos patrimoniais e da compensação por danos não patrimoniais, do que não há qualquer dúvida, é de que a sua ocorrência envolve, desde logo, a violação de um direito fundamental inerente à personalidade e à dignidade humanas e dotado de protecção constitucional, que é o direito à saúde e à integridade física e psíquica de cada indivíduo, por referência ao índice psicossomático pleno, tal como consagrado nos arts. 25º nº 1 da CRP e no art.º 70º nº 1 do Código Civil e susceptível de avaliação médico-legal e pecuniária.
«Parece (…) importante começar por distinguir os problemas da ressarcibilidade do dano biológico e do seu enquadramento ou qualificação jurídica nas categorias do dano patrimonial ou do dano moral – ou eventualmente como «tertium genus», como dano de natureza autónoma e específica, por envolver prioritariamente uma afectação da saúde e plena integridade física do lesado: é que, qualquer que seja o enquadramento jurídico que, no caso, se entenda reflectir mais adequadamente a natureza das coisas, é indiscutível que a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado constitui seguramente um dano ressarcível, englobando-se as sequelas patrimoniais da lesão sofrida seguramente no domínio dos lucros cessantes, ressarcíveis através da aplicação da «teoria da diferença»; ou, não sendo perspectiváveis perdas patrimoniais próximas ou previsíveis, a penosidade acrescida no exercício das tarefas profissionais e do dia a dia constitui seguramente um dano não patrimonial que, pela sua gravidade, não poderá deixar de merecer a tutela do direito» (Ac. do STJ de 13.07.2017, proc. 3214/11.4TBVIS.C1.S1, in http://www.dgsi.pt).
«O dano biológico, também chamado “corporal” é difícil de enquadrar na classificação dogmática de danos, mas, não obstante, é indemnizável em si, pela violação da integridade física e psíquica do ser humano que o sofre, ficando, a partir de então, limitado no seu todo, pelo que poderá assumir ou um cariz mais patrimonial [enquanto dano patrimonial futuro], quando limitar a capacidade de ganho, ou se configurar apenas na sua vertente não patrimonial por “somente” afectar, como afecta sempre, a integridade do indivíduo» (Ac. do STJ de 18.10.2018, proc. 3643/13.9TBSTB.E1.S1, in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 20.01.2010, proc. 203/99.9TBVRL.P1.S1, de 20.05.2010, proc. 103/2002.L1.S1, de 21.03.2013, processo nº 565/10.9TBVL.S1, de 20.11.2014, proc. 5572/05.0TVLSB.L1.S1, de 05.12.2017, proc. 1452/13.4TBAMT.P1.S1, de 14.12.2017, proc. 589/13.4TBFLG.P1.S1, de 23.10.2018, proc. 902/14.7TBVCT.G1.S1, de 20.01.2019, proc. 499/13.5TBVVD.G1.S2, de 17.12.2019, proc. 2224/17.2T8BRG.G1.S1, de 21.04.2022, proc. 96/18.9T8PVZ.P1.S1 in http://www.dgsi.pt, Álvaro Dias, in Dano Corporal. Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios, Almedina, 2001, pág. 272 e Maria da Graça Trigo – in Adoção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol. VI, C. Editora, 2012, p. 653).
O dano biológico é, por conseguinte, um verdadeiro «dano primário», na medida em que, enquanto dano corporal lesivo da saúde, está na origem de outros danos (que daquele são consequência), tanto de natureza patrimonial, como de natureza não patrimonial.
Na vertente patrimonial, o dano biológico pode e deve ser analisado na modalidade de danos emergentes, na qual avultam, por exemplo, as perdas salariais, durante o tempo de doença e de incapacidade para o trabalho necessários para a cura ou consolidação das lesões sofridas e, na modalidade de dano patrimonial futuro, que engloba a perda ou diminuição da capacidade de trabalho e a perda ou diminuição da capacidade de ganho, de natureza temporária ou definitiva, que resulta para o ofendido do facto de ter sofrido uma dada lesão, impeditiva da obtenção normal de determinados proventos certos em contrapartida do uso da sua força de trabalho. Estas perdas da capacidade de trabalho e da capacidade de ganho são sempre caracterizadas como prejuízos patrimoniais, mesmo que delas não resulte efectiva perda de vencimentos.
No entanto, para que sejam ressarcíveis em sede de indemnização por danos patrimoniais futuros, impõe-se que essa diminuição ou perda das capacidades de ganho ou de trabalho, impliquem esforços ou penosidade acrescidos para manter o nível de rendimentos auferidos antes da lesão.
De outro modo, «não sendo perspectiváveis perdas patrimoniais próximas ou previsíveis, a penosidade acrescida no exercício das tarefas profissionais e do dia a dia constitui seguramente um dano não patrimonial que, pela sua gravidade, não poderá deixar de merecer a tutela do direito» (Ac. do STJ de 20 de Maio de 2010, proc. 103/2002.L1.S1. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 13.04.2011, proc. 843/07.4TBETR.C1, de 03.11.2016, proc. 1971/12.0TBLLE.E1.S1, de 15.09.2016, proc. 1737/04.0TBSXL.L1.S1, de 13.07.2017, proc. n.º 3214/11.4TBVIS.C1.S1., de 25.10.2018, proc. 2416/16.1T8BRG.G1.S1, de 20.01.2019, proc. 499/13.5TBVVD.G1.S2, in http://www.dgsi.pt).
«A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão origina, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade. E não parece oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial» (Ac. do STJ de 27.10.2009, proc. p 560/09.0YFLSB - 1.ª. No mesmo sentido, Ac. do STJ de 20.01.2010, proc. 203/99.9TBVRL.P1.S1, in http://www.dgsi.pt).
«Havendo uma incapacidade permanente, mesmo que sem rebate profissional, sempre dela resultará uma afectação da dimensão anátomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efectiva utilidade do seu corpo ao nível de actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que de futuro terá de levar a cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo. E é neste agravamento de penosidade que se radica o arbitramento de uma indemnização» (Ac. do STJ de 26.01.2017, proc. 1862/13.7TBGDM.P1.S1, in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 01.10.2019, proc. 89/14.5TBLRA.C2.S1, de 17.10.2019, proc. 3717/16.4T8STB.E1.S1, de 14.01.2021, proc. 644/12.8TBCTX.L1.S1, de 24.02.2022, proc. 1082/19.7T8SNT.L1.S1, na mesma base de dados).
«A avaliação e quantificação do lucro cessante traduzido no dano biológico patrimonial implica não só atender às perdas salariais resultantes da interrupção de uma carreira profissional motivada pela incapacidade definitiva (resultante de acidente de viação) para o exercício da profissão, mas também reflectir, na indemnização arbitrada com recurso à equidade (art.º 566.º, n.º 3, para fixar os danos no contexto de aplicação do art.º 483.º, n.º 1, sempre do CC), a privação de oportunidades profissionais futuras por parte do lesado e o esforço acrescido de reconversão profissional que (nomeadamente se relevante) o grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional e económico-empresarial» (Ac. do STJ de 17.10.2019, proc. 683/11.6TBPDL.L1.S2, in http://www.dgsi.pt).
Na vertente não patrimonial, o dano biológico importa a consideração do quantum doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, o «dano estético», traduzido no prejuízo anatómico e funcional, associado às deformações e aleijões que permaneceram após o processo de tratamento e recuperação da vítima, o «prejuízo de afirmação social», dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado nas suas múltiplas vertentes, familiar, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica, o «prejuízo da saúde geral e da longevidade», aqui avultando o dano da dor e o défice de bem-estar e de qualidade de vida em geral, que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima e a eventual diminuição da sua expectativa de vida, o impacto das lesões e respectivas sequelas na qualidade de vida, na saúde, no equilíbrio psicológico e no bem estar emocional do lesado, a sua capacidade existencial de lidar com o seu quadro clínico resultante dessas lesões, para além de outros especificidades emergentes das circunstâncias concretas de cada caso (cfr. neste sentido, Armando Braga, A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, Almedina, 2005, p. 42; Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Setembro de 1992, nº 1, p. 19; Sousa Dinis, «Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJ, Acs. do STJ, Tomo I, 2001, p. 7).
O julgador deverá por conseguinte ter em consideração, para a quantificação monetária do dano corporal ou biológico, entre outros, os seguintes factores ou pressupostos: a incapacidade, ou, se for o caso, a incapacidade temporária total geral, que diz respeito às tarefas da vida corrente, e a incapacidade temporária total especial para a actividade desenvolvida, ou seja, a projecção dessa incapacidade no exercício da actividade profissional específica do lesado, o quantum doloris, incluindo a clausua hospitalar e o sofrimento emocional dele decorrente, as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, o dano estético, materializado no prejuízo ou diminuição anátomo-funcional associados às deformidades e sequelas verificadas após o processo de tratamento e recuperação da vítima e uma vez consolidadas as lesões, o «prejuízo de afirmação social», que é um dano indiferenciado, mas que se refere à inserção social do lesado nas suas variadíssimas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural e cívica) o «prejuízo da saúde geral e da longevidade», aqui avultando o dano da dor e o défice de bem estar, valorizando-se os danos irreversíveis na saúde e no bem estar da vítima e corte na expectativa da vida e, por fim, a especificidade da frustração de viver em pleno as suas rotinas quotidianas e hábitos de convívio social, de lazer, etc. (cfr., por todos, Acs. do STJ de 18.01.2018, proc. 223/15.8T8CBR.C1.S1, de 15.10.2018, proc. 2416/16.1T8BRG.G1.S1, de 29.10.2020, proc. 2631/17.0T8LRA.C1.S1, de 16.12.2020, proc. 6295/15.8T8SNT.L1.S1, de 13.09.2022, proc. 19190/18.0T8PRT.P1.S1, in http://www.dgsi.pt).
É em todas estas acepções que o dano biológico deve ser analisado e valorado, naturalmente, dentro dos limites do pedido e da causa de pedir, tal como os mesmos constam do pedido cível, oportunamente admitido nos autos e em correspondência com os factos que tiverem resultado demonstrados, depois de discutida a causa e realizado o exame crítico da prova.
Dito isto, também não tem qualquer sustentação em princípios gerais de direito, ou seja, em que regras jurídicas, o excerto da sentença contido a páginas 29, onde se refere:
«Resulta dos autos a existência de duas IPP distintas, uma delas fixada pela companhia de seguros (facto 61), outra delas pela Junta Superior de Saúde da PSP (facto 66), sendo ainda, no facto sob o n.º 20 estabelecida a avaliação médico legal penal, que conclui pela não afectação da capacidade geral e do trabalho profissional após os três dias.
«Já em sede de motivação da decisão de facto foi esclarecido que a contradição entre as incapacidades permanentes fixadas é aparente. A avaliação constante do facto 20 releva estritamente para estes autos, na avaliação do preenchimento do tipo penal e da medida da pena, sendo as demais IPP demonstradas, fixadas pela Seguradora e pela Junta Superior de Saúde da PSP, apenas mais elementos de facto a ponderar, conjuntamente com o dano estético e o quantum doloris e demais acervo factual, para efeitos de atribuição de um valor indemnizatório por danos não patrimoniais.
«A incapacidade permanente parcial apenas poderá ser fixada, em termos definitivos, em processo de natureza laboral e apenas naquele importará a sua fixação única para efeitos de avaliação da indemnização laboral, bastando-se este Tribunal, para efeitos de atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais com a informação que, em sede laboral, foi atribuída à demandante uma IPP, na decorrência dos factos constantes dos autos.»
Este excerto parece ser mais, uma vez, uma espécie de resposta ao acórdão proferido neste Tribunal da Relação em 7 de Junho de 2023.
Ora, como já se referiu, a Sra. Juíza estava e está legal e estatutariamente obrigada a cumprir com o que lhe foi determinado fazer, no acórdão de 7 de Junho de 2023, não a responder-lhe e muito menos, nos termos em que o faz, mantendo a decisão recorrida e repetindo-a «ipsis verbis» quanto aos factos provados e agora acrescentando-lhe considerações que além de totalmente contrárias ao seu estatuto, até constituem erros jurídicos, apenas para dar concretização ao propósito de não cumprir com o que lhe foi determinado e a que deve obediência.
A lesada não tem de instaurar qualquer acção judicial na jurisdição laboral, pela simples razão de que, deduzindo como deduziu um pedido de indemnização civil, como o CPP lhe permite, é ao Tribunal competente para o apreciar, ou seja, ao Tribunal recorrido que incumbia ter fixado a indemnização que entendesse justa pela IPP sofrida, quer na repercussão das sequelas determinantes dessa incapacidade, nas tarefas indiferenciadas da vida de todos os dias, quer no desempenho da actividade profissional.
Sob pena de a sentença ser nula, por omissão de pronúncia, pelo menos (art.º 379º nº 1 al. c) do CPP).
E sob pena de violação do dever de administrar justiça («os magistrados judiciais não podem abster-se de julgar com fundamento na falta, obscuridade ou ambiguidade da lei, ou em dúvida insanável sobre o caso em litígio, desde que este deva ser juridicamente regulado», segundo o art.º 3º nº 3 do Estatuto dos Magistrado Judiciais).
Até porque mal se compreenderia que a lesada que, por força do princípio da adesão, fez o que lhe competia, deduzindo o pedido cível destinado a ressarcir os danos que invoca e sem estarem verificados os pressupostos determinantes da remessa para os tribunais civis, nos termos consentidos pelo art.º 82º do CPP, ainda tivesse de ir instaurar uma outra acção judicial com base no entendimento preconizado na sentença recorrida, completamente contrário, não só às regras legais que regulam a actividade jurisdicional em matéria de apuramento dos pressupostos da responsabilidade civil civil extracontratual e da fixação da indemnização dos prejuízos dela emergentes e, como também aos princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva e da vertente do processo justo e equitativo que se materializa na celeridade processual (art.º 20º da CRP).
Acontece que os factos continuam a apresentar as mesmas contradições já assinaladas no acórdão de 7 de Junho de 2023, as quais tal como já neste acórdão se havia feito notar, só poderão dissipar-se com um novo julgamento, subordinado às questões de saber se: sim ou não há IPP, qual a sua repercussão nas diversas vertentes da vida pessoal e profissional da lesada, incluídas as perdas salariais e outras contrapartidas monetárias que tenha deixado de auferir como é o caso dos serviços gratificados, em suma, a valoração global do dano biológico nas suas múltiplas vertentes, patrimonial e não patrimonial.
Este reenvio é parcial e circunscrito à questão de saber se sim ou não a lesada BB sofreu sequelas decorrentes das lesões descritas no ponto 20 da matéria de facto provada e se dessas sequelas resultou ou não resultou uma IPP e qual a sua repercussão, nas tarefas comuns e indiferenciadas do dia a dia e na sua capacidade laboral, tal como previsto no art.º 426º nº 1 do CPP.
Além do mais, deverá a sentença a proferir fixar a indemnização que lhe parecer adequada segundo os factos provados, em todas as vertentes – patrimonial e não patrimonial, na vertente da repercussão no sofrimento psicológico da lesada e na vertente do impacto das lesões e suas sequelas, na capacidade de trabalho, ainda que só sob a perspectiva da maior penosidade que possa envolver o exercício da sua profissão, das perdas salariais e de todos os demais danos emergentes resultantes dessas lesões.
Por fim, adverte-se que os factos provados não devem ser descritos como em 61 a 66, por exemplo, porque uma tal descrição tende a confundir factos e conteúdo dos meios de prova dos quais são extraídos.
Com efeito, o que releva para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, não é saber que a «companhia de seguros demandada atribuiu-lhe (à ofendida) uma incapacidade parcial permanente de 2 pontos (0-100) de rebate profissional… », como referido em 61, nem que a « Junta Superior de Saúde da PSP avaliou o dano corporal da demandante em 6 pontos de IPP (0-100)», como descrito em 66, pois que esse é o teor dos relatórios de avaliação do dano corporal elaborados por cada uma dessas entidades, sendo certo que a redacção daqueles pontos de facto, nem sequer exprime qual é, afinal, a posição que o julgador tomou sobre eles.
O que verdadeiramente interessa é que IPP, se é que alguma, o Tribunal considera ser a da ofendida, depois de ter analisado todos os elementos de informação de que dispõe e de ter realizado um verdadeiro exame crítico da prova.
III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela lesada BB e, em consequência:
a) Ao abrigo do disposto nos arts. 412º nºs 3 e 4 e 431º al. b) do CPP, determinam a alteração do facto 71 que passará a ter a seguinte redacção:
71. Como consequência das sequelas a demandante ficou impedida entre 1 de Setembro de 2014 e 28 de Fevereiro de 2015 de levar a cabo serviços remunerados, sendo os mesmos pagos em média a €18,55 por dia.
b) Determinar o reenvio parcial do processo, nos termos do art.º 426º e 426º A do CPP, devendo o Tribunal recorrido proferir nova decisão na qual tome posição expressa e precisa sobre a lesada ficou ou não ficou portadora de uma IPP em resultado das agressões que sofreu e das lesões delas resultantes, qual a medida dessa IPP, a qual deverá ser uma medida única, e qual a sua repercussão, nas tarefas comuns e indiferenciadas do dia a dia e na capacidade ou maior penosidade para o exercício da profissão, devendo ser fixada a indemnização e a compensação pelo dano biológico nas duas vertentes patrimonial e não patrimonial, nos limites do pedido e dos factos provados, incluindo, na dimensão patrimonial, os danos emergentes e os lucros cessantes.
c) Julgar prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso da lesada BB e bem assim prejudicado o conhecimento do recurso interposto pela responsável civil Generali Seguros, S.A.
Sem custas.
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Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art.º 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Juízes Adjuntos.
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Tribunal da Relação de Lisboa, 23 de Outubro de 2024
Cristina Almeida e Sousa
Alfredo Gameiro Costa
Rosa Vasconcelos