Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLA CÂMARA | ||
Descritores: | SIGILO BANCÁRIO DISPENSA DIREITOS EM CONFRONTO INTERESSE PREPONDERANTE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/06/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | INCIDENTE DE QUEBRA DE SIGILO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | i. O dever de sigilo bancário radica numa relação jurídica bancária, assente no contrato celebrado entre a entidade bancária e o seu cliente e, nesta medida, tem uma natureza contratual, privada. Assume-se, ainda, por razões de interesse público, necessário ao funcionamento das instituições e à confiança que nelas se deposita. ii. Tal dever emerge, designadamente, da necessidade de promover a privacidade, a reserva da intimidade da vida privada (26º da CRP), integrando-se naquela privacidade a «situação patrimonial» da pessoa. iii. O segredo bancário não é, todavia, um direito absoluto. iv. Para a aferição da dispensa de sigilo importa que se considere a sua excepcionalidade e se atente no princípio da proporcionalidade entre, no caso, o acesso à tutela jurisdicional efectiva e os interesses tutelados pela salvaguarda de informações abrangidas pelo segredo. v. O levantamento do segredo bancário, a que referem os autos, assenta na resolução do conflito entre dois direitos contrapostos: Por um lado, o direito da Ré a um processo equitativo, à efectividade do exercício do direito de defesa, com efectivo exercício dos princípios do contraditório e da igualdade de armas; Por outro, o direito à protecção da privacidade dos clientes bancários, sabendo-se que das contas bancárias se consegue alcançar a biografia de cada um, pondo os extractos bancários a descoberto quer a intimidade da sua vida privada, quer informações atinentes a negócios cujas movimentações as contas bancárias documentam. vi. Para a decisão sobre o levantamento do segredo bancário importa, assim, a avaliação destes direitos em confronto, fazendo-se prevalecer o interesse preponderante, à luz dos princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade, segundo as circunstâncias concretas do caso, operando-se um equilíbrio entre o alcance da necessidade da prestação de informações de nomes de clientes, contas bancárias, seus movimentos e outras operações bancárias - sujeitos a segredo-, para o pleno exercício do contraditório e o dano que a respectiva revelação poderá causar na afectação dos bens jurídicos protegidos pelo dever de segredo bancário. vii. A defesa da Caixa Económica Montepio Geral, o direito à tutela jurisdicional efectiva, o direito a um processo equitativo, o direito à prova, ao exercício do princípio do contraditório, da igualdade das partes, apenas poderá efectivar-se conferindo-lhe dispensa do dever de sigilo sobre esta matéria. viii. No confronto entre o direito à reserva do titular das contas bancárias e o direito da Ré a ver discutida nos autos pretensão contra si deduzida, terá aquele direito que ceder perante este, na estrita medida do necessário para assegurar o processo equitativo, o princípio do contraditório e a igualdade das partes. ix. O direito de defesa da Ré e o pleno exercício do princípio do contraditório relativamente aos factos trazidos aos autos na petição inicial, a possibilidade de invocar as suas razões de facto e de direito, oferecer provas e exercer o contraditório quanto às provas apresentadas, prevalece sobre o direito de terceiros, clientes bancários, a verem guardadas em segredo, as informações bancárias aos mesmos atinentes. x. O interesse público da Administração da Justiça, o direito à tutela jurisdicional efectiva, o direito a um processo justo e equitativo, à igualdade, ao exercício do contraditório e à obtenção da verdade material, princípios ponderados adequadamente e em termos proporcionais, os quais servem o interesse da efectiva realização dos fins da actividade judicial, devem prevalecer necessariamente sobre o direito ao sigilo bancário relativo a informações bancárias. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa A [ JOSÉ .......] interpôs contra CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, Caixa Económica Bancária, S.A., acção declarativa de condenação com processo comum, pedindo a condenação desta a pagar-lhe o valor global de € 249.588,00 a título de créditos emergentes dos contratos de agência e promoção celebrados com o mesmo, acrescidos de juros de mora à taxa legal sobre tal quantia a contar da data do vencimento das obrigações da Ré e até integral pagamento. Em alternativa, peticiona a condenação desta a pagar ao Autor o valor indemnizatório devido pelo incumprimento dos contratos de agência e promoção celebrados com o mesmo, valor a liquidar em execução de sentença, acrescido de juros de mora à taxa legal sobre a quantia apurada, a contar da data do vencimento das obrigações da Ré e até integral pagamento, tudo até ao montante global de 249.588,00 €. Veio a Ré CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, suscitar o incidente de quebra do dever de sigilo, por forma a que possa exercer legitima e cabalmente o seu direito constitucional à defesa e ao contraditório, ordenando-se a suspensão do prazo em curso para contestar, até prolação daquela decisão singular. Alega, para tanto, que o autor, na qualidade agente comercial/promotor, de ex-entidade prestadora de serviços a uma entidade bancária, encontrava-se, e encontra-se, sujeito, nos termos da lei, ao regime de sigilo bancário. Ocorre ter o autor, na sua petição inicial, para suportar a sua pretensão, procedido à junção de documentos e à alegação de factos, em si mesmos, potencialmente violadores do referido dever de segredo. Mais alega que, alicerçando-se a causa de pedir e o pedido em elementos eventualmente violadores de uma obrigação de sigilo, mostra-se a organização da defesa da Ré condicionada, acarretando para a ré, nesta fase processual, um manifesto obstáculo ao pleno exercício do seu direito ao contraditório, sendo objetivamente impossível aceitar, impugnar, apresentar provas ou contraprovas, de modo completo, relativamente a alguns dos documentos e factos constantes da p.i., sem violar, em determinado momento, o dever de sigilo previsto e regulamento no artigo 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, ao qual a Ré se encontra adstrita. Notificado o A. desta pretensão, nada veio opor. * Foi proferida decisão pelo tribunal de 1ª instância nos seguintes termos: «(…) Cumpre apreciar: Nos termos do artigo 78º do Regime geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, “Os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços. 2 - Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias. 3 - O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços”]. Ora, atento o alegado na petição inicial pelo A. nos artigos art.ºs 42.º, 44.º, 74.º, 75.º, 76.º, 77.º, 79.º, 81.º, 82.º e 83.º e o documento 111 - onde se identificam nomes, números de clientes e montantes - manifestamente estamos perante factos sujeitos ao sigilo bancário por nos mesmos conterem informações específicas de clientes da R. CEMG, instituição financeira que está a coberto do sigilo bancário, sigilo que também vincula o A. ex colaborador da Ré. In casu, mostrando-se alegada pelo A. matéria relativa à actividade bancária da Ré, sobre a qual a mesma não se pode pronunciar, por estar obrigada ao sigilo bancário, entende-se que o incidente de quebra do sigilo bancário é legitimo. Acresce que o “direito ao sigilo bancário não é um direito absoluto até porque pela sua referência à esfera patrimonial não se inclui no círculo mais íntimo da vida privada das pessoas singulares, embora com ele possa manter relação estreita. Esse direito tem de ceder perante outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos cuja tutela imponha o acesso a informações cobertas pelo sigilo bancário” – vd decisão singular do Exmo Senhor Desembargador Manuel Marques proferida no âmbito do processo 2417/05.5TCSNT.L1. da Relação de Lisboa. Por outro lado, tais informações são essenciais para a Ré, enquanto instituição financeira, para puder contestar a acção contra si proposta e assim são importantes para a descoberta da verdade. Por outro lado, entende-se que as exigências de sigilo bancário neste caso são mais diminutas, justificando-se que o segredo bancário ceda perante o interesse púbico da administração da justiça. Nestes termos e pelo exposto solicita-se junto do Tribunal da Relação de Lisboa, que caso assim seja entendido, se autorize a quebra do sigilo bancário à Ré CEMG, previsto nos artigos 78º do RGICSF e artigos 417º, n.º 4 do CPC ex vi artigo 135 do CPP, a fim da mesma puder contestar a acção contra si intentada, tomando posição sobre factos invocados pelo A. nos art.ºs 42.º, 44.º, 74.º, 75.º, 76.º, 77.º, 79.º, 81.º, 82.º e 83.º da petição inicial e o documento 111.(…)» * Questão a decidir: Determinar se, no caso em apreço, estão preenchidos os legais requisitos que determinam o levantamento do sigilo bancário. * FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 1. - A intentou ação declarativa de condenação contra CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, pedindo a condenação desta a pagar-lhe o valor global de € 249.588,00, acrescidos de juros de mora à taxa legal sobre tal quantia a contar da data do vencimento das obrigações da Ré e até integral pagamento. Em alternativa, peticiona a condenação desta a pagar ao Autor o valor indemnizatório devido pelo incumprimento dos contratos de agência e promoção celebrados com o mesmo, valor a liquidar em execução de sentença, acrescido de juros de mora à taxa legal sobre a quantia apurada, a contar da data do vencimento das obrigações da Ré e até integral pagamento, tudo até ao montante global de 249.588,00€. 2. – Alegou na petição inicial, para alicerçar a sua pretensão, designadamente, a identificação de clientes bancários (artigos 42º, 44º, 74º, 75º, 79º, 81º), valores em depósito detidos pelos mesmos (artigos 43º, 76º, 82º, 83º), movimentações de contas (artigo 77º). 3. – Juntou aos autos um documento bancário, com o nº 111, relativo a uma «Proposta», documento interno da ré, elaborado por funcionários desta e datado de julho de 2013, onde constam, designadamente, identificados «Clientes desanexados da carteira». * FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Importa apurar, à luz dos factos acima elencados, se deverá ser dispensado o dever de sigilo que impende sobre a Ré, sob pena de ver a mesma cerceado o seu direito à defesa e ao exercício do contraditório. Dispõe o DL n.º 298/92, de 31 de dezembro (REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS), no capítulo relativo ao «Segredo profissional», no seu artigo 78º, com a epígrafe «Dever de segredo», nos seguintes termos: «1 - Os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços. 2 - Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias. 3 - O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços.» Como vem sendo recorrentemente referido, designadamente e, por todos, o Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2008 de 13-02-2008[1]: «O segredo bancário pretende salvaguardar uma dupla ordem de interesses. Por um lado, de ordem pública: o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança, sendo o segredo um elemento decisivo para a criação desse clima de confiança, e indirectamente para o bom funcionamento da economia, já que o sistema de crédito, na dupla função de captação de aforro e financiamento do investimento, constitui, segundo o modelo económico adoptado, um pilar do desenvolvimento e do crescimento dos recursos. Por outro lado, o segredo visa também a protecção dos interesses dos clientes da banca, para quem o segredo constitui a defesa da discrição da sua vida privada, tendo em conta a relevância que a utilização de contas bancárias assume na vida moderna, em termos de reflectir aproximadamente a “biografia” de cada sujeito, de forma que o direito ao sigilo bancário se pode ancorar no direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no art. 26º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa. » Este dever de segredo assim enunciado, apresenta-se, assim, por um lado, tutelando a atividade bancária e o seu regular funcionamento e, por outro, salvaguardando a proteção dos interesses dos clientes bancários. «O segredo profissional em geral é estabelecido em função de vários interesses, a saber o das próprias instituições, em cuja atividade releva de forma especial o princípio da confiança, o das pessoas, “clientes” diretos das entidades que prestam os serviços ou exercem uma atividade, estando em causa a salvaguarda da vida privada, e o dos terceiros (“clientes” indiretos) que se relacionam com tais instituições através daqueles.»[2] O dever de sigilo bancário radica numa relação jurídica bancária, assente no contrato celebrado entre a entidade bancária e o seu cliente e, nesta medida, tem uma natureza contratual, privada. Assume-se, ainda, por razões de interesse público, necessário ao funcionamento das instituições e à confiança que nelas se deposita. Tal dever emerge assim - e designadamente - , da necessidade de promover a privacidade, a reserva da intimidade da vida privada ( 26º da CRP), integrando-se naquela privacidade a « situação patrimonial » da pessoa.[3] « De resto, o próprio Tribunal Constitucional já afirmou que “ a situação económica do cidadão, espalhada na sua conta bancária, incluindo as operações activas e passivas nela registadas, faz parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada condensado no artigo 26º, nº 1, da Constituição, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia desse direito” ( Acs nºs 278/95 e 355/97).»[4] O segredo bancário não é, todavia, um direito absoluto. De facto, o artigo 79º do mencionado diploma estabelece exceções ao dever de segredo: sempre que o cliente autorize, tratando-se de factos ou elementos relativos à relação do cliente com a instituição (nº1) e, ainda, quando se trate de factos e elementos revelados «a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições; b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições; c) À Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, no âmbito das suas atribuições; d) Ao Fundo de Garantia de Depósitos, ao Sistema de Indemnização aos Investidores e ao Fundo de Resolução, no âmbito das respetivas atribuições; e) Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal; f) Às comissões parlamentares de inquérito da Assembleia da República, no estritamente necessário ao cumprimento do respetivo objeto, o qual inclua especificamente a investigação ou exame das ações das autoridades responsáveis pela supervisão das instituições de crédito ou pela legislação relativa a essa supervisão; g) À administração tributária, no âmbito das suas atribuições; h) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo. (…)» (nº 2). (sublinhado nosso). O artigo 417º do CPC prescreve que «Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.», sendo a recusa, porém, legítima, se a obediência implicar violação de sigilo profissional, nos termos do artigo 417º, nº3 alínea c), do CPC. Deduzida escusa com fundamento nesta alínea c), é aplicável o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa de sigilo. «(…) III) No âmbito das relações jurídico-privadas, a quebra do sigilo profissional assume características de excecionalidade, devendo ser aferida numa lógica de indispensabilidade e limitar-se ao mínimo imprescindível à concretização dos valores pretendidos alcançar. IV) O conflito entre o dever de cooperação com a administração da justiça e o dever de sigilo profissional deve ser resolvido, caso a caso, com base no princípio da proporcionalidade. V) Justifica-se a medida excecional da quebra do sigilo profissional quando a informação pretendida como objeto do dever de colaboração e que se encontra coberta por sigilo profissional, é fundamental para a concretização da finalidade judicialmente determinada, constituindo o único meio expetável de realização de um direito da requerente, judicialmente reconhecido há longo tempo.»[5] Para a aferição da dispensa de sigilo importa, pois, que se considere a sua excecionalidade e se atente no principio da proporcionalidade entre, no caso, o acesso à tutela jurisdicional efetiva e os interesses tutelados pela salvaguarda de informações abrangidas pelo segredo. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais, para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (n.º 1 do art.º 20.º da CRP), a obter em prazo razoável e mediante processo equitativo (n.º 4 do art.º 20.º da CRP, art.º 2.º do CPC). « O direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva não se esgota no acesso à via judiciária, apresentando, para além desta dimensão inicial, um conteúdo muito rico, que se desdobra em diversos subprincípios e em vários direitos fundamentais, assumindo, como transparece da abundante jurisprudência sobre o artigo 20º, uma significativa relevância prática.»[6] O direito ao acesso aos tribunais não se esgota no direito de ação, mas pressupõe um direito ao processo equitativo. «A exigência de um processo equitativo, constante do artigo 20º, nº 4, se não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, impõe, antes de mais, que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialética que elas protagonizam no processo ( Ac. Nº 632/99). Um processo equitativo postula, por isso, a efectividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas.»[7] O levantamento do segredo bancário, a que referem os autos, assenta na resolução do conflito entre dois direitos contrapostos: Por um lado, o direito da Ré a um processo equitativo, à efetividade do exercício do direito de defesa, à apresentação da sua contestação, com efetivo exercício dos princípios do contraditório e da igualdade de armas, para cuja concretização ter-lhe-á que ser permitido responder à matéria alegada da petição inicial, mesmo quando a mesma se refere a nomes dos clientes, a contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias, sujeitos a segredo ( artigo 78º, nº 2, DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro, Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras); Por outro, o direito à reserva da vida privada constitucionalmente garantido e a proteção da preservação da privacidade daqueles que, clientes bancários, estabelecem relações com instituições de crédito (artigo 26ºda CRP). O sigilo bancário visa, efetivamente, também a proteção dos interesses dos clientes bancários, defendendo a discrição da sua vida privada, em que a utilização de contas bancárias assume particular relevância, tanto mais que das mesmas se consegue alcançar a biografia de cada um, pondo a descoberto, também, a intimidade sua vida privada. Não se perde de vista o melindre na divulgação de informações bancárias, por poderem, ainda, ocasionar a revelação de informações atinentes a negócios a que contas bancárias digam respeito. Para a decisão sobre o levantamento do segredo bancário importa, assim, a avaliação destes direitos em confronto, fazendo-se prevalecer o interesse preponderante, à luz dos princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade, segundo as circunstâncias concretas do caso, operando-se um equilíbrio entre o alcance da necessidade da prestação de informações de nomes de clientes, contas bancárias, seus movimentos e outras operações bancárias - sujeitos a segredo-, para o pleno exercício do contraditório e o dano que a respetiva revelação poderá causar na afetação dos bens jurídicos protegidos pelo dever de segredo bancário. A matéria alegada nos artigos 42.º, 44.º, 74.º, 75.º, 76.º, 77.º, 79.º, 81.º, 82.º e 83.º da petição inicial e as informações constantes do documento nº 111, sobre que a Ré pretende pronunciar-se, referem-se à atividade bancária da Ré e às relações entre a mesma e os seus clientes integrando, consequentemente, o âmbito do segredo profissional que impende sobre as instituições bancárias, à luz do mencionado artigo 78º, nº 1. A defesa da Caixa Económica Montepio Geral, o direito à tutela jurisdicional efetiva, o direito a um processo equitativo, o direito à prova (artigo 20º da CRP), ao exercício do principio do contraditório, da igualdade das partes (respetivamente artigos 3º, nº 3 e 4º do CPC), apenas poderá efetivar-se conferindo-lhe dispensa do dever de sigilo sobre esta matéria. No confronto entre o direito à reserva do titular das contas bancárias referidas nos autos e o direito da Ré a ver discutida nos autos pretensão contra si deduzida, ambos com tutela constitucional, como deixámos referido, terá aquele direito que ceder perante este, nos termos do artigo 335º, nº 1, do Código Civil, na estrita medida do necessário para assegurar o processo equitativo, o principio do contraditório e a igualdade das partes. O direito de defesa da Ré e o pleno exercício do princípio do contraditório relativamente aos factos trazidos aos autos na petição inicial, a possibilidade de invocar as suas razões de facto e de direito, oferecer provas e exercer o contraditório quanto às provas apresentadas, prevalece sobre o direito de terceiros, clientes bancários, a verem guardadas em segredo, as informações bancárias aos mesmos atinentes. Justifica-se, consequentemente, o levantamento do dever de sigilo, ainda que confinado ao âmbito deste processo judicial e à específica matéria objeto deste incidente. Assim, o interesse público da Administração da Justiça, o direito à tutela jurisdicional efetiva, o direito a um processo justo e equitativo, à igualdade, ao exercício do contraditório e à obtenção da verdade material, princípios ponderados adequadamente e em termos proporcionais, os quais servem o interesse da efetiva realização dos fins da atividade judicial, devem prevalecer necessariamente sobre o direito ao sigilo bancário relativo a informações bancárias. * DECISÃO Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o requerido incidente e, consequentemente, decretar o levantamento do sigilo profissional a que a CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL estava obrigada, dispensando-se a mesma da observância do sigilo bancário, relativamente à matéria alegada nos artigos 42.º, 44.º, 74.º, 75.º, 76.º, 77.º, 79.º, 81.º, 82.º e 83.º da petição inicial e às informações constantes do documento nº 111. Custas pela requerida. Registe e Notifique. * Lisboa, 06.07.2021 Carla Câmara José Capacete Carlos Oliveira _______________________________________________________ [1] in DR, I Série nº63 de 31-03-2008. [2] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-02-2020, Processo, 18479/16.7T8LSB-B.L1-2, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/e922d7c5a0ca56aa8025851200533efd?OpenDocument [3] Rita Amaral Cabral, O Direito à Intimidade da Vida Privada, p. 31. [4] Constituição Portuguesa Anotada, Jorge Miranda-Rui Medeiros, Tomo I, 2ª edição, p. 623. [5] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 18479/16.7T8LSB-B.L1-2, identificado na nota de rodapé anterior. [6] Pode ler-se in Constituição Portuguesa Anotada, Jorge Miranda-Rui Medeiros, Tomo I, 2ª edição, p. 437. [7] Constituição Portuguesa Anotada, referida na anotação anterior, p. 441. |