Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5786/13.0TBOER.L1-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
PRESSUPOSTOS
AQUISIÇÃO DERIVADA
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
USUCAPIÃO
PROPRIEDADE RESOLÚVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. A orientação jurisprudencial quanto às características  da acção de reivindicação, nomeadamente sobre a alegação e prova da propriedade, tem evoluído para uma figura que faz lembrar a acção publiciana do direito romano, que aceitava a demonstração de uma “usucapião incompleta’’;
2. A aquisição de uma casa em regime de propriedade resolúvel à Obra Social do Ex-Ministério da Cooperação considera-se feita sob condição suspensiva do pagamento integral das prestações acordadas.
3. Não se demonstrando aquele pagamento integral a propriedade resolúvel não se converte em propriedade plena e a aquisição derivada não ocorre.
4. A aquisição originária, com fundamento na usucapião, não se verifica, em relação a um bem imóvel da Fazenda Nacional, se os actos materiais de posse de má fé não tiverem durado mais de 30 anos, contados desde o começo da posse até ao momento em que o pedido do reconhecimento do domínio é formulado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

                                         ***
A instaurou contra B acção com processo ordinário, pedindo que o R. seja condenado a:
1) Ver reconhecido o direito de propriedade da A. correspondente a ½ da fracção autónoma “Z”, com sinal dos autos, com causa de aquisição por usucapião;
2) A ver reconhecido que é ilegítima e abusiva a sua posse sobre o bem imóvel reivindicado;
3) A restituir o bem imóvel e a
4) Ver cancelada a inscrição do registo de propriedade a seu favor, nos termos do art.º 8.º, n.º2, do CRP.
Alega, em síntese, que ela e a sua irmã C são contitulares da verba 2 da relação de bens apresentada no inventário por óbito de seu pai que se reporta ao direito à transmissão da fracção autónoma Z do prédio urbano Lote F4, situado na T na R. J por parte dos Serviços Sociais.
É a A. e a sua irmã têm vindo desde 2006 a pagar o IMI do imóvel bem como as contribuições para o condomínio.
A partir da referida data a A. e o seu agregado familiar tem o seu domicílio na referida fracção.
Essa fracção foi alienada ao seu falecido pai em 18/03/1977 através de contrato de compra e venda de casa económica do Bairro Social de P em regime de propriedade resolúvel para nela o mesmo estabelecer a sua habitação e do seu agregado familiar, celebrado em conformidade com o Regulamento de Casas Económicas da Obra Social do Ex-Ministério da Cooperação.
O falecido chegou a instaurar em 15/12/1988 acção especial de consignação em depósito, na qual foram habilitados os seus herdeiros, em que o mesmo efectuou o depósito da quantia de 561.600$00 a fim de ser declarada extinta a obrigação de pagamento autorizando-se a R. a proceder ao levantamento do depósito.
Muito embora a acção tenha procedido em primeira instância, em recurso o Tribunal da Relação dando procedência à impugnação declarou ineficaz o depósito realizado.
JBMoura habitava a casa em Março de 1989, praticando sobre a mesma, logo após a data da respectiva escritura de compra e venda, em 18/03/78, todos os actos correspondentes à posse e correspondente exercício do direito de propriedade.
Após o falecimento do seu pai, a fracção manteve-se sempre na posse continuada e sob administração dos herdeiros, os quais cumpriam as demais obrigações fiscais e as despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio, realizando igualmente todas as obras de conservação e remodelação, datando as mais antigas de 1989 e 1990.
Tanto o falecido como os herdeiros agiram praticando actos de posse com intenção de agir como beneficiários do respectivo direito.
Posse essa que se prolongou pelo menos por 23 anos, 7 meses e 27 dias, sendo titulada, de má fé, pacífica e pública, tendo já adquirido a propriedade por usucapião.
B , representado pelo MP deduziu contestação, defendendo-se por impugnação e por excepção, invocando a ilegitimidade da A., enquanto excepção dilatória, que obsta ao conhecimento do mérito da causa, porquanto a verba em causa foi adjudicada quer à A. quer à sua irmã C.
Invoca ainda a interrupção da prescrição aquisitiva (por usucapião) pelo facto de mesmo que houvesse posse em nome próprio, a contagem do prazo para a usucapião havia sido interrompido com a contestação do R. na acção de consignação em depósito, pois que a acção transitou em 02/04/2001 e só a partir dessa data se iniciou um novo prazo que é insuficiente para a aquisição por usucapião. Ademais, o contrato de compra e venda foi resolvido por incumprimento de obrigação do adquirente ou o seu agregado familiar habitar a fracção.
Admitido o incidente de intervenção principal provocada de C, requerido pela A., veio a mesma oferecer articulado próprio, invocando a aquisição da posse boa para a usucapião no momento da aquisição da fracção coincidente com a data da celebração do contrato de compra e venda em 18/03/1977, sendo a partir daí contados os anos para a usucapião tratando-se de posse titulada, pública, pacífica e de boa fé.
Alega ainda que não ocorre qualquer interrupção da prescrição aquisitiva, porquanto o R. não teve qualquer iniciativa interruptiva de natureza judicial ou outra, não podendo aproveitar-se desse instituto no processo que foi da iniciativa do adquirente em que não deduziu qualquer pedido reconvencional.
Ademais, a resolução realizada padece de vícios formais e substanciais que afectam a sua validade. Além disso, nunca foi proposta pelo SSPCM e colocada à disposição a restituição do montante previsto no n.º4 da cláusula 6.ª do contrato.
De resto, nem os SSPCM levaram a sério a resolução, porquanto não praticaram quaisquer actos de execução da mesma, continuando a receber da viúva e dos herdeiros a renda relativa à fracção.
As despesas de condomínio foram sempre pagas pela família BM.
O imóvel sito na R. Santa T..., onde é dito que o adquirente habitava à data do óbito tem estado arrendado desde 1990 até final de 2011, por decisão tomada pelo falecido após ter passado a habitar o imóvel dos autos, a partir de Março de 1988.
Indica quem desde Março de 1988 até ao presente tem habitado a fracção dos autos, todos eles herdeiros do falecido JBM, sendo que entre 1988/1989 à excepção do período em que decorreram obras e em que o falecido permaneceu em Londres a realizar tratamentos devido à sua situação de doença, foi ele quem habitou o imóvel.
Mais refere terem sido depositados mensalmente os montantes relativos às prestações pelo falecido e herdeiros, encontrando-se totalmente pago o preço de aquisição.
Termina pedindo:
a) Seja declarado inválido e legalmente inadmissível ou inexistente o fundamento que os SSPCM invocaram para a pretensa resolução do contrato de compra e venda e inválida e ineficaz a respectiva comunicação;
b) Deve igualmente declarar-se que a declaração resolutória tem natureza judicial pelo que carece de uma decisão jurisdicional, não bastando a simples comunicação particular e extrajudicial;
c) Deve também declarar que o tribunal é o competente para conhecer da resolução do contrato de compra e venda de propriedade resolúvel;
d) Deve declarar que os SSPCM não têm a posse da fracção reivindicada e devem abster-se de quaisquer actos perturbadores da posse da interveniente e da A.
e) Deve ainda declarar que o disposto na cláusula 6.ª nomeadamente n.º 6 do contrato de compra e venda que constitui o doc. 2 junto com a pi e no art.º 27.º, n.º1 da portaria n.º 23.785 quando interpretada no sentido de que o direito à resolução do contrato ser considerados inconstitucionais por violação dos princípios da igualdade, equidade, proporcionalidade e de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva.
f) Deve o presente incidente ser julgado totalmente procedente e o R. condenado a reconhecer a posse e a propriedade da A. e interveniente, em comunhão e na proporção do respectivo quinhão hereditário, sobre a fracção autónoma identificada nos autos, adquirida por usucapião;
g) Deve ser ordenado o cancelamento da inscrição do registo predial estabelecida a favor dos SSPCM;
Subsidiariamente, deve o R. ser condenado a restituir à interveniente todo o montante devido e calculado nos termos contratuais com juros moratórios à taxa legal desde Julho de 1989, acrescido de juros compensatórios e condenado ainda a pagar os montantes despendidos pelo Dr. JBM e seus sucessores com as obras de conservação ordinária e de melhoramentos, da fracção e do prédio, mensalidades de condomínio e de fundo de reserva, tributos fiscais e tudo o mais que se apure até à audiência de julgamento ou em execução de sentença, com juros moratórios à taxa legal, tudo como condição para a eventual entrega da fracção.
Notificado o articulado, a ele não respondeu o R.
Após audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e consequentemente:
I. Reconheceu que a A e a interveniente são comproprietárias na proporção de ½ da fracção Z correspondente ao 10.º andar Esq.º do prédio situado na T, R. J, descrita na conservatória do registo predial de Oeiras com o n.º …, e inscrita na matriz urbana da freguesia de P com o n.º …, por a terem adquirido por usucapião;
II. Condenar B a reconhecer a posse e propriedade das A. e interveniente sobre a fracção identificada em I. e a abster-se de quaisquer actos perturbadores da posse e propriedade das A. e interveniente;
III. Julgar este tribunal absolutamente incompetente para conhecer da validade da resolução a que se reporta a deliberação mencionada no facto provado, a absolvendo do Réu da instância (art.º 97.º a 99.º, do CPC).
IV. Absolver o R. do demais peticionado.
***
Inconformado, interpôs o MP, em representação de B , competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma:
1. O adquirente de casa de habitação por contrato de compra e venda resolúvel que, contra o estipulado no contrato, não habita, nem o seu agregado familiar, o prédio objecto do contrato, incorre em incumprimento do mesmo;
2. No caso dos autos, os factos provados demonstram ausência dos elementos animus e corpus da posse;
3. É o momento em que, em acção especial de consignação em depósito, o adquirente apresenta resposta à contestação apresentada naquela acção, que deve ser o termo inicial do prazo de prescrição aquisitiva por usucapião;
4. Ainda que a validade da deliberação de resolução do contrato, em 1989, esteja fora da competência material do tribunal, ela produz efeitos na esfera jurídica do adquirente, nomeadamente o de se presumir a posse a partir de então;
5. No caso em apreço não se verificam os requisitos da usucapião;
6. A sentença violou as disposições dos artigos 1316º; 1317º; 1251º; 1252º; 1268º; 1292º; 1296º; 300º a 303º e 305º, todos do Código Civil.
7. Deve ser revogada a sentença agora recorrida e substituída por outra que julgue a acção improcedente por não verificada a prescrição aquisitiva do prédio em causa nos autos e ser o R. absolvido do pedido.
Decidirão V. Exas como for de justiça’’.
Foram apresentadas contra-alegações em que quer a autora quer a interveniente pugnam pela confirmação do julgado.
***
São 5 os temas abordados neste Acórdão com o seguinte sumário:
1. Da acção de reivindicação.
2. Da aquisição derivada.
3. Da propriedade resolúvel.
4. Da aquisição originária.
4.1. Do facto n.º 8.
4.2. Dos factos n.ºs 6, 61 a 66 e 75 a 77.
4.3. Dos comportamentos, acontecimentos ou situações ocorridos entre 18.03.1977 e 22.10.90 relacionados com o laço de proximidade espacial entre o beneficiário e a fracção.
4.4. Dos actos relacionados com a coisa depois de 22.10.1990.
4.5. Da aquisição da posse.
4.6. Do prazo da usucapião.
5.Conclusão.
***
São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes no primeiro grau:
1. Encontra-se descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de, freguesia de Po prédio urbano – Lote F4, situado na T, na R. J, cfr. Certidão junta como doc. 2 a fls. 79 a 83.
2. A fracção autónoma Z- do supra citado prédio constituído em propriedade horizontal, correspondente ao 10.º andar esquerdo, com uma arrecadação no sótão, e está inscrita a sua aquisição pela Ap. 15 e 1968/06/26 a favor dos Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros-Lisboa.
3. Entre JBM beneficiário inscrito na Comissão Executiva de Construção de Casas Económicas sob o n.º 25 e o Presidente da Direcção da Obra Social do ex-Ministério da Cooperação foi celebrado em 18.03.1977, o contrato de compra e venda de casa económica do Bairro Social de P… de fls. 93 a 98, lendo-se na escritura que titula essa aquisição que:
“No gabinete do Excelentíssimo Senhor Presidente da Direcção da Obra Social na presença das duas testemunhas idóneas adiante nomeadas e identificadas perante mim L, Secretario da Comissão Executiva de Construção de Casas Económicas da Obra Social do ex-Ministério da Cooperação funcionando como notário (…) compareceram como outorgantes:
Primeiro -O Excelentíssimo Senhor Presidente da Direcção da Obra Social do ex-Ministério da Cooperação e, Excelentíssimo Senhor Vogal da mesma Direcção Dr. ambos em representação desta entidade.
Segundo-JBM, casado, Juiz de Direito (…)
Pelos primeiros outorgantes foi dito: que por deliberação da citada Direcção, tomada em sua sessão de 23 de Julho de 1976 foi atribuído ao segundo outorgante ao abrigo da alínea b) do artigo nono do Regulamento de Casas Económicas em regime de propriedade resolúvel o fogo do tipo F, situado no lote número F-4 décimo andar esquerdo que, em cumprimento da citada deliberação e em conformidade com o disposto no artigo décimo primeiro do Regulamento de Casas Económicas da Obra Social do ex-Ministério de Cooperação aprovado pela Portaria número vinte e três mil setecentos e oitenta e cinco, de dezoito de Dezembro de mil novecentos e sessenta e oito, com a redacção dada pela Portaria número quinhentos e sessenta e quatro traço setenta, de cinco de Novembro de mil novecentos e setenta e disposições do Decreto-Lei número duzentos e setenta e três traço setenta e três de trinta de Maio.
Cláusula primeira - A obra Social do ex-Ministério de Cooperação adiante designada apenas por Obra Social, atribui e vende ao segundo outorgante, para nela estabelecer a sua habitação e do seu agregado familiar, uma casa económica constituída pela fracção autónoma individualizada por casa do lado esquerdo do décimo andar e correspondentes direitos sobre as partes comuns, com todos os direitos de acção e fruição, bem como todas as pertenças (…) do prédio sob o regime de propriedade horizontal edificado no lote F-4 do Bairro Social de P…, concelho de Oeiras e descrito na Conservatória do Registo Predial deste Concelho sob o número …
Clausula segunda- A propriedade e a posse constituídas pelo presente contrato a favor dos segundo outorgante ficam sujeitas à condição resolutiva do incumprimento pelo beneficiário adquirente das obrigações legais e contratuais neste acto assumidas.
Clausula terceira – Número um. A casa económica objecto do presente contrato é transmitida mediante o preço de 657.000$00
(…) Clausula quarta- Número um. A parte do preço ainda em dívida será paga pelo beneficiário adquirente em trezentas prestações mensais e consecutivas no montante de Esc. 3.456$20, incluindo os juros (…)
Número dois. As duas primeiras mensalidades foram pagas no presente acto(…)
Número três. As restantes mensalidades serão pagas até ao dia oito de cada mês, na tesouraria da Comissão de Cascas Económicas.
Número quatro. O pagamento das mensalidades referidas no número anterior começará a ser feito logo que as instalações do respectivo bloco estejam ligadas às redes de água, luz e esgotos, e não poderá ser suspenso ou alterado.
Número cinco. Constitui excepção ao determinado no número anterior o exercício pelo beneficiário-adquirente da faculdade de antecipar total ou parcialmente o pagamento do débito, a qual se poderá exercer por anos completos, na data do vencimento de qualquer mensalidade, com os efeitos cominados pelo artigo décimo sexto do Regulamento de Casas Económicas.
Clausula sexta número um. No caso de atraso ou de mora no pagamento da mensalidade, assiste à Obra Social o direito de resolução do presente contrato, quando tais situações se prolonguem para além de trinta dias após a recepção do aviso para liquidação do débito em atraso, ou quando, no decurso do prazo de doze meses, elas ocorram pela terceira vez.
Número dois. À Obra Social assiste também direito de resolução quando, depois de interpelado por carta registada com aviso de recepção, o beneficiário-adquirente persista no incumprimento dos deveres para ele resultantes do presente contrato e das normas que regulam a sua situação de condomínio e possuidor de uma casa económica. Número três. Justifica também a resolução do contrato pela Obra Social a perda pelo segundo outorgante da qualidade de beneficiário da mesma, antes da aquisição da propriedade plena.
Número quatro. Resolvido o contrato, a Obra Social pagará ao beneficiário-adquirente uma quantia calculada nos termos do artigo vigésimo sétimo, número dois, do Regulamento de Cascas Económicas.
Número cinco. Notificado o beneficiário-adquirente da resolução do contrato mediante carta registada com aviso de recepção deverá o mesmo proceder à entrega da casa no prazo de trinta dias, respondendo por perdas e danos pela ocupação indevida para além desse prazo e por todas as despesas a que der lugar a restituição da posse a favor da Obra Social.
Clausula sétima- A fracção autónoma que, por este acto, vem à posse do segundo outorgante destina-se exclusivamente à sua habitação e do seu agregado familiar.
Número dois. Sob pena de resolução do contrato, é especialmente vedado ao beneficiário-adquirente e a quem com ele viva:
a) O uso da fracção autónoma para fim diverso do previsto no número anterior, nomeadamente para o exercício de qualquer ramo de comércio ou indústria com excepção, mediante prévia autorização da Direcção da Obra Social, de pequenos misteres, trabalhos manuais industria doméstica e profissões liberais
b) a adopção de qualquer das outras condutas previstas no número dois do artigo mil quatrocentos e vinte e dois do código civil.(…)
Clausula décima: Enquanto não adquirir a propriedade plena do seu fogo não pode o segundo outorgante hipoteca-lo ou de qualquer modo onerá-lo e ainda dá-lo de subarrendamento no todo ou em parte. Pode, porém, o fogo ser ocupado por pessoa estranha ao agregado familiar do segundo outorgante em conformidade com o artigo vigésimo sexto do Regulamento de Cascas Económicas, enquanto estiver ausente da Metrópole e precedendo autorização da Direcção da Obra Social.
Clausula décima primeira- número um- O caracter resolúvel da propriedade ora transmitida ao segundo outorgante cessará com o pagamento da ultima das prestações mensais a que este fica obrigado, ou com a amortização antecipada do preço, sem prejuízo da restrição à transmissibilidade da casa, decorrente do número dois do artigo quarto do Decreto-Lei número duzentos e setenta e três traço setenta e três de trinta de Maio.
Número dois. Após o pagamento total da dívida do beneficiário – adquirente para com a Obra Social e satisfeita por aquele a sisa devida pela transmissão da plena propriedade da casa económica, o presidente e um vogal da Direcção da Obra Social averbarão o pagamento do preço em certidão do contrato, a fim de possibilitar o registo na competente Conservatória do Registo Predial da cessação do carácter resolúvel da propriedade (...)”
4. Na data da celebração desse contrato JBM era casado em primeiras e únicas núpcias de ambos com IBT, no regime da comunhão geral de bens e assim se manteve até ao seu decesso (declarações de cabeça de casal de fls. 37 e 38 e certidão de óbito de fls. 261 e 262).
5. À data, como consta do contrato, JBM tinha domicílio no Tribunal Judicial de Torres Vedras e residência na sede dessa comarca.
6. O A. JBM praticou sempre sobre a fracção, logo após a data da respectiva escritura de compra e venda, em 18.03.77, os actos correspondentes ao exercício do direito de propriedade, pagando as mensalidades e as contribuições para o condomínio, tomando conta da fracção ou escolhendo quem o faça por si, e pelo menos a partir de 1989, pagando os respectivos impostos, realizando obras e suportando o seu custo, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, na convicção de que seria o legítimo dono da fracção.
7. JBM foi juiz do ex-ultramar e do quadro da Magistratura Portuguesa.
8. O Contrato de Compra e Venda (em regime de propriedade resolúvel) foi celebrado em conformidade com o Regulamento de Casas Económicas da Obra Social do Ex-Ministério da Cooperação inicialmente aprovado pela Portaria número vinte e três mil setecentos e oitenta e cinco, de 18 de Dezembro de mil novecentos e setenta e oito (23785 de 18/12/1978) e do Decreto-Lei número duzentos e setenta e três traço setenta e três de trinta de Maio (DL 273/73 de 30/05).
9. De acordo com o que consta da escritura de compra e venda o plano de pagamentos das prestações correspondia ao que consta de fls. 136 a 141.
10. No início de Outubro de 1983 o falecido JBM comunicou à Comissão Executiva de Construção de Casas Económicas – Obra Social, que pretendia proceder ao pagamento integral das amortizações, tendo o Presidente da Comissão Executiva da Construção de Casas Económicas, Obra social do Ministério da Reforma Administrativa remetido a JBM a comunicação junta a fls. 108 de 06/12/1983 onde se lê “ (…) 2. Aproveito para informar V. Exa. que o saldo em débito do custo da habitação atribuída no Bairro Social da T…, em P… se eleva a 657.994$00, excluindo a mensalidade relativa ao mês de Janeiro próximo(…)”.
11. A essa comunicação respondeu em 19/12/83 JBM cfr. doc. 6 da Pi a fls. 109 onde se lê “Fico surpreendido com o montante de 657.994$00(…) atendendo a que já paguei aqui em Portugal pelo menos 257.946$40, entendo apenas restar à obra social a quantia de 400.053$60 que me proponho amortizar(…).Entretanto remeto um cheque do valor de 41.474$50 para amortização integral do ano de 1984(…)”, cheque que foi devolvido pelo Presidente da Comissão Executiva de Construção de Casas Económicas – Obra Social, através da comunicação datada de 29/02/1984 junta como doc. 4 a fls. 103 e ss com a PI, onde no final se lê “(…) mais se esclarece que o pagamento das rendas-amortização são somente aceites mensalmente e nos termos e disposições regulamentares e legais, não podendo ser de outra forma até também uma vez que há determinação superior (despacho ministerial) para alteração do juro incluído na referida mensalidade e que alterará, não sabemos quando, o seu quantitativo, não sendo assim viável a quitação de meses futuros sobre importância sujeita a alteração(…)”. A essa comunicação respondeu JBM nos termos que constam da carta datada de 07/03/1984 junta como doc. 3 a fls. 99 e ss com a PI.
12. Os SSPCM, em 21.11.1988, elaboraram igualmente a comunicação a que se reporta o ofício 8926, tendo como destinatário JBM constando da mesma como morada Lote 73 – Sta T... , onde além do mais consta que “no exercício do poder de fiscalização que à Direcção destes SSPCM, cabe, foi detectado que não habita o andar citado em epígrafe, pela qual era concedido ao destinatário o prazo de 15 dias, para ocupar e habitar pessoal e permanentemente a casa sob pena de, a manter-se a situação de incumprimento, se proceder à denúncia do contrato de compra e venda(…)” e em 25/11/1988 a Presidência do Conselho de Ministros Serviços Sociais também elaborou a comunicação n.º 8925 tendo como destinatário JBM, dela constando como morada do destinatário e da fracção em causa nos autos e junta a fls. 264 onde se lê “No exercício do poder de fiscalização que à Direcção destes SSPCM cabe foi detectado que não habita o andar citado em epígrafe. Encontra-se pois, V. Exa. em situação de incumprimento da obrigação de gozo pessoal da habitação atribuída (…) Assim informo V. Exa. que esta Direcção decidiu em 15/11/1988 conceder o prazo de 15 dias a contar da recepção desta carta, para ocupar e habitar pessoal e permanentemente a casa referida. A manter-se a situação de incumprimento, no termo daquele prazo, o contrato será denunciado unilateralmente sem mais aviso (…)”.docs. n.º 3 e 4 juntos com a contestação a fls. 264 e 265.
13. Em 25/11/88 JBM remeteu à Obra Social a comunicação junta a fls. 92 e ss como doc. 1 onde o mesmo escreve que “veio à minha mão através do meu filho Dr. JCB uma carta que V/S dirigiram para o lote 73 da R. de Santa T... que nem sequer a direcção dele é (…) A minha casa está a ser fruída por mim e por pessoas do meu agregado familiar e por mais ninguém(…) está neste momento a sofrer obras de beneficiação (…) nenhuma clausula contratual ou do regulamento me impõe (…) que habite pessoalmente a casa a título permanente(…) Seria até de lembrar que adquiri o direito à casa quando prestava serviço público no ex-ultramar o que desde logo me impossibilitava de a ocupar pessoalmente a título permanente. (…) De qualquer maneira este assunto fica desde já ultrapassado pois pretendo usar imediatamente do direito de amortização integral antecipada da casa nos termos da cláusula 4.ª n.º 5, 9.ª 10.ª e 11.ª da escritura de transmissão e 16.º do regulamento.
Para o efeito envio um cheque sobre o Banco … do montante de 551.600$00(…) (…) para o efeito envio o cheque sobre o Banco … do montante de 551.6000$00 (…)”..
14. JBM intentou a acção especial de consignação em depósito, apresentada em juízo em 15.12.1988 em que foi autor JBMoura e réu os referidos Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros e que correram termos pela 3.ª Secção do 5.º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, sob o n.º 632, do ano de 1988-ficha arquivo 1238174 (doc. 6 junto com a PI a fls. 87 e ss).
15. O contrato de compra e venda faz parte integrante do doc. 2 anexo à PI da acção especial de consignação em depósito de fls. 3 a fls. 5 do doc. 6 (certidão) extraída dos autos com a mesma designação.
16. JBM faleceu em 22/01/90 no estado de casado com IBT cfr. fls. 94 e ss e assento de óbito de fls. 261.
17. Deixou como herdeiras a cônjuge sobreviva e os filhos MJTBMM, HCTBM, JCTBM e AMTBMS cfr. fls. 94 a 188 e certidões de nascimento de fls. 96 a 188)..
18. Correu depois por apenso a essa acção especial, e na sequência da morte do aí A., JBM, um incidente de habilitação de herdeiros em que, por sentença de 30.10.1990, transitada em julgado em 16.11.1990, foram julgados habilitados a prosseguirem a mesma, os seus sucessores IBT, cônjuge sobrevivo, e os filhos MJTBMM, HCTBM, JCTBM e AMTBM, ora A. – doc. n.º 6 apresentado com a PI fls. 94 e ss(fls. 189 da acção e certidões de nascimento de fls. 96 a 188).
19. O falecido JBM alegou na referida acção especial de consignação em depósito com o n.º 632/88 entre outros factos em síntese, o seguinte:
a. “ Nos termos da cláusula 4.ª n.º5 do contrato e do Regulamento tem direito de amortizar antecipadamente as prestações de preço por anos inteiros ou pela sua totalidade, declarando tal vontade à requerida (cfr. Art.º 9.º da PI).
b. Não obstante a controvérsia havida entre o inventariado/autor e o Réu/Obra Social quanto ao valor exacto da importância em dívida à época para efeitos de resgate, que no entender do primeiro era apenas de 497.692$00 e não 551.600$00 como lhe viria a ser transmitido pelo Serviço do R., ainda assim, prontificou-se a enviar tal quantia em 25/11/88 por via de cheque (art.º 12.º, da PI).
c. Cheque esse que a R. “Obra Social” não levantou o que justificou que o inventariado/autor, procedendo à instauração da acção de consignação em depósito lhe participasse por telegrama datado de 12/12/88, que iria face ao sucedido consignar judicialmente em depósito (sic): “(…) a parte do preço total da casa que a Ré “Obra Social” julgará ainda em dívida(…)” (cfr. Art.º 13.º da PI).
d. “(…) que por uma razão de ordem prática deposita também mais 106.394$00 para perfazer a quantia que a requerida em 06/12/83 dizia ainda ser-lhe devida, com o que como é óbvio não concorda, apesar de desde então já lhe ter pago mais 207.372$00 (cfr. Art.º 14.º, da PI).
e. O inventariado/autor invocando encontrar-se a R. “Obra Social” em “mora accipiend” e pretendendo por fim à sua obrigação de modo a “(…) poder averbar definitivamente a casa, em seu nome no Registo Predial(…)”.
f. Pretendendo cumprir a sua obrigação e perante a recusa do credor a receber a prestação, dando quitação, tem a faculdade de “(…) exonerar-se da dívida depositando judicialmente a prestação nos termos do art.º 841.º, n.º1, do Código Civil(…)”.
20. O inventariado autor requereu por via da aludida acção que se deveria considerar extinta a dívida correspondente “(…) de preço integral da que lhe adquiriu pela escritura pública junta pela quantia que se mostrar ainda em dívida pela força dos depósitos que se entende ser no máximo 551.600$00(…)”.
“Tudo com as demais consequências, condenando-se ainda o R. “Obra Social” como litigante de má fé e na indemnização de quantia não inferior (…) a 500.000$00 pelos prejuízos materiais e morais que lhe tem causado com a sua conduta ilícita (…)
21. Nessa acção foi apresentada contestação em 10/02/1989 pelo aí R. Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros, junta como doc. 5 com a contestação, a qual foi notificada ao aí A. JBM por carta registada de 13/02/1989 tendo este respondido em articulado apresentado no processo em 01/03/1989.
22. Uma vez habilitados os herdeiros do inventariado JBM, prosseguiu a acção especial de consignação com os seus sucessores e uma vez instruídos os autos (por ambas as partes) foi realizado o julgamento em Tribunal Colectivo “(…) findo o qual como mostra o acórdão de fls. 152/153 foram dadas as respostas aos quesitos (…)”, tendo numa primeira fase sido proferida sentença a fls. 155 a 159, tendo – o pedido da A- sido julgado improcedente, sendo por isso julgado ineficaz o depósito efectuado pelo autor e absolvida a R. do pedido…” cfr. ao cimo de fls. 70 da certidão junta como doc. 6 junta com a PI.
23. Inconformados com essa decisão, os AA apresentaram recurso recebido como apelação com efeito devolutivo, a fls. 161/162 (…),
24. No seu seguimento, por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 244 a 249 “(…) foram ordenados a alteração do quesito 1.º e o aditamento de novos quesitos, anulando, parcialmente, o julgamento, o que foi cumprido a fls. 258(…)”.
25. Novamente instruídos os auto por ambas as partes procedeu-se a julgamento e, mediante acórdão de fls. 450 desses autos, o colectivo respondeu à matéria de facto objecto de alteração e aditamento ao questionário.
26. Proferida nova sentença de fls. 458 a 465 julgando-se a acção procedente, foi “julgado válido o depósito oportunamente efectuado no valor de 561.600$00, sendo declarada extinta a obrigação de pagamento da amortização e autorizada a R. a proceder ao levantamento desse valor pelas forças do depósito, cabendo o restante aos herdeiros do autor”.
27. Desta vez, inconformada a R. com a decisão proferida foi dela interposto novo recurso para o Tribunal da Relação de lisboa, o qual foi recebido com a apelação com efeito devolutivo (fls. 467/468)
28. E consequentemente apresentadas as conclusões de 1) a 11) e seguidamente os AA apresentaram Contra-Alegações, fls. 477 a 504, concluindo “(…) em síntese pela conformação da sentença apelada”.
29. Nesses autos foram dados como provados os seguintes factos:
“1. O autor foi Juiz de Direito do ex-Ultramar e do quadro da Magistratura Portuguesa
“2. Como juiz de Direito do ex-ultramar, foi beneficiário com o n.º 2934 da Obra Social do Ex- Ministério da Cooperação…”
3. Por tal motivo, por escritura pública de 18/03/1977, … veio a adquirir à Obra Social o 10.º andar esquerdo do bloco F.4 da Urbanização da T (prédio descrito na CRP de Oeiras sob o n.º …
4. O preço contratualmente estipulado foi de 657.000$00, pagável em 300 prestações de 3.456$00 cada, em que se incluía o juro de 4% ao ano
5.A casa referida em 3 foi adquirida pelo autor para este nela estabelecer a sua habitação e do seu agregado familiar… .
7.E depois foi colocado como juiz de Direito na comarca de Torres Vedras
8.Daí transitou para o Tribunal de Polícia de Lisboa, onde foi aposentado
10. O autor guardou na casa mobílias de sua pertença…
11Em 16/03/1978 o andar era habitado não pelo Autor, mas por JCL e mulher MNRS.
12 A MNRS trabalhava para o autor e família há mais de 25 anos e já trabalhava até em Angola…
14 Nessa altura, o Autor ainda estava a prestar serviço na Comarca de Torres Vedras…
15 Por isso, o RAVR e mulher foram habitar a casa…
16 E disso deu conhecimento verbal e por escrito à R. que então não viu na situação qualquer inconveniente …
17 Em 23/02/1981, o andar estava ocupado por RAVR e esposa com autorização do autor …
18 Em 22/12/1981 o autor informou os Serviços da R. de que no seu andar habitava um casal de idosos…
19 Por Deliberação da Direcção da Obra Social e a pedido do Autor, em 02/04/1982, foi autorizada a utilização da casa, a título precário e até Dezembro de 1982, pelo referido RV
20. Após o RV ter ido residir para o Porto, passou a viver na casa MTARFG e marido, ELF.
21 O Autor continuou a ter na casa o seu mobiliário…
22 Em 1986 os Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros verificaram a ausência no prédio do Autor e a presença de ELFG e mulher MTARFG
23 Em 1987 voltou a confirmar-se que a habitação continuava a ser fruída pelo E e mulher e que se mantinha a ausência dos autos
24. O Autor habitava a casa em Março de 1989 com familiares seus.
25 E nela tem feito obras, desde Setembro de 1988…
26 Durante o ano de 1983, o Autor foi administrador do Condomínio do bloco em que se integra a casa…
27 Reformulou e melhorou a antena de televisão fez obras de reparação e seguro colectivo do prédio…
28 Nessa altura, teve até de contactar a R. por motivo da habitação do porteiro.
29. O autor por carta de 17/11/1983 pretendeu amortizar totalmente o preço da casa, depois de ter pago 84 prestações mensais, no montante de 257.946$00 e a R. veio a indicar-lhe que ainda lhe devia a quantia de 657.994$00 para amortização total.
30 O Autor, por escrito de 25/11/1988, quis pagar integralmente a casa enviando à R. o cheque n.º 5473325890 sob o Banco … no montante de 551.600$00, datado de 24/11/88.
31. A R. não levantou este cheque.
32 O Autor comunicou à R. por telegrama que iria consignar em depósito a quantia constante do referido cheque referido em 30.
30. Ponderada toda a factualidade assente e a sua subsunção à previsão legal aplicável, segundo as versões controvertidas formuladas pelas partes, cuja decisão final caberia ao Tribunal da Relação de Lisboa, se concluiu:
“(…) Nesta acção, apenas haveria e há que apreciar-se e decidir-se se é se existem/existiram ou não fundamentos para a impugnação/recusa, por parte da R., quanto à aceitação do montante depositado e, pelos motivos, já indicados, naturalmente que esses fundamentos se verificam (art.º 1027.º, alínea c) do CPC…”.
(…) Nos termos e com os fundamentos de facto e de direito já acima indicados, dando-se procedência à impugnação/apelação da Ré/apelante e julgando-se improcedente o pedido do A., declara-se ineficaz o depósito por este oportunamente efectuado, absolvendo-se aquele do pedido.
Custas pelos AA/art.º 1028.º, n.º2, do CPC”
31. Do Acórdão consta o trecho seguinte:
“(…) De resto, atente-se que nos presentes autos e para outros fins, dada a inexistência de qualquer pedido reconvencional e designadamente quanto a essa matéria, o tribunal, como também é o caso desta instância, não tem que se pronunciar sobre a relevância ou não desses fundamentos para outros efeitos, para além da verificação da invocada condição resolutiva do incumprimento pelo beneficiário adquirente (autor, ora representado por quem lhe sucedeu – os referidos habilitados)(…).sendo de realçar ainda, para finalizar, (sic):
“No caso em apreço, não pode falar-se, concretamente, na existência de um abuso de direito, ou colisão previsto nos artigos 334.º e 335.º, ambos do Código Civil, tanto mais, que, como já acima se disse, a concretização do alegado direito à resolução do contrato nem sequer está a ser aqui-como também não devia sê-lo-, especificamente, considerado/a… “
32. Uma vez proferido o Acórdão o sucessor/habilitado do falecido A., JBM, requereu a sua reforma ao abrigo do disposto no art.º 662.º, n.º2 als. A) e b) aplicáveis “ex vi” do CPC.
33. Na contra alegação de recurso, os apelados suscitaram que o incumprimento de deveres impostos pelo contrato do beneficiário/adquirente não permitia, só por si o exercício por parte da entidade vendedora de resolver o contrato…,
O exercício desse direito… dependia da prévia interpelação da parte faltosa para cessar a violação dos deveres contratuais, sob pena de resolução do negócio, em conformidade com o disposto na respectiva cláusula 6 n.º2. No acórdão proferido não se acolheu a tese dos apelados, com fundamento no disposto no art.º 27.º, do Regulamento das Casas Económicas, mas esse preceito não é aplicável ao contrato em causa, visto que este se encontra consubstanciado no documento n.º2, junto com a petição inicial, sendo que como dele consta foi elaborado em conformidade com o disposto no art.º 11 do aludido Regulamento, aprovado pela Portaria n.º 23.785, de 18 de Dezembro de 1968”;
O regulamento apenas teve aplicação para, sendo necessário, integrar as lacunas do negócio na parte em que fosse omisso (clausula 14.ª do Contrato)”.
A situação em que, no acórdão se faz aplicação do n.º 3 do art.º 27.º do Regulamento está expressamente prevista e regulada na cláusula 6.ª do contrato, pelo que não poderia o julgador ter-se socorrido daquele preceito legal”.
Por outro lado, a apelante nunca interpelou o A. para cessar a violação de quaisquer deveres contratuais, por isso, aquela nunca se colocou na posição de poder exercer, com legitimidade, à face do contrato que outorgou, o direito de resolução”
Concluindo, sustenta que deve esta instância atender ao referido contrato junto aos autos e, reformando-se o acórdão, deve alterar-se a decisão recorrida, por forma a confirmar-se a sentença apelada (…)”
34. Subsequentemente notificada do conteúdo do referido requerimento a apelante Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros pugnou no sentido de ser o mesmo indeferido.
35. Analisando o mencionado requerimento, a instância em síntese entendeu: “que na oportunidade e no âmbito do recurso (…) submetido a esta relação foram tidos em conta conjugadamente, todos os factos/fundamentos relevantes e com interesse para a decisão da causa – relativamente aos quais tinha cabimento a apresentação-com vista a que fosse proferida, como foi, a respectiva decisão (…)”
“(…) Obviamente que tal expediente não pode servir para as partes virem discutir com o tribunal aspectos jurídicos da decisão e/ou a interpretação e valoração dada à matéria de facto, o que seria de todo desajustado, por se mostrar esgotado o poder jurisdicional, após a prolação do acórdão(art.º 668.º, n.º1, do CPC).
Em face do exposto:
“(…) Assim sendo, dispensando-se quaisquer outras considerações, por desnecessárias, nada havendo a reformular, acorda-se em julgar improcedente a pretensão formulada”.
36. A Relação veio ainda a pronunciar-se sobre o requerimento datado de 22 de Setembro de 2000 apresentado também pelos requerentes – apelado AM e HCTBM, a fls. 573, recurso esse interposto também do mesmo acórdão de 05/07/2000 para o STJ,
37. Em virtude do qual, também a mesma relação atento o valor da acção e porque dera entrada em juízo no dia 15 de Dezembro de 1988, tal facto, nos termos do disposto no art.º 20.º, n.º1 do LOTJ (Lei 38/87 de 23-12 aplicável aos autos), viria a justificar a sua rejeição, por inadmissível no mesmo Acórdão prolatado e datado de 17 de Outubro de 2000.
38. Consta da informação n.º 285/89 de 89/06/08 do SSPCM, no ponto 14. que no uso do poder de fiscalização que lhes assistia, e na sequência da deslocação àquela casa, em 8 e 9 de Abril de 1986 e em 18 de Julho de 1987, de funcionários devidamente mandatados, verificaram que JBM nela não residia, aí tendo sido encontrados como moradores ELFG  e Mulher – doc. n.º 6 apresentado com a PI (informação n.º 285/89, de 89/06/08, em 8 páginas – fls. 110 a 117 da acção).
39. Em 5 de Julho de 1989 o Conselho de Direcção dos SSPCM deliberou a resolução do contrato de compra e venda celebrado em 18.03.1977 com JBM com o fundamento de que o mesmo não habitava o imóvel em causa – doc. n.º 6 apresentado com a PI (informação n.º 285/89, de 89/06/08, em 8 páginas – fls. 110 a 117 da acção).
40. Pelo Presidente da Direcção dos SSPCM foi elaborado o ofício com o n.º 5630, datado de 10.07.1989, de fls. 110 a 117 tendo como destinatário Dr. JBM, aí sendo mencionada a morada Sta. T..., onde para além do mais, se referia o seguinte:… – Nestes termos constatando-se que V. Exa. continua a não habitar pessoalmente e com carácter permanente o andar atribuído, mantendo-se, assim, a situação de incumprimento, foi deliberado, pela Direcção destes Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros, em sessão de 05/07/89 resolver imediatamente o contrato celebrado em 18.03.77, de acordo com as disposições contidas nos art.s 26º e 27º do Regulamento de Casas Económicas conjugadas com as cláusulas 1ª, 2ª, 6ª nº 2 e 7ª nº1 do referido contrato.
Assim, nos termos do n.º 5 da cláusula 6ª do contrato, deverá V. Exa. proceder à entrega da casa, no prazo de 30 dias, a contar da recepção do presente ofício-notificação, sob pena de responder pelas perdas e danos resultantes da ocupação indevida para além deste prazo e por todas as despesas a que der lugar a restituição da posse a favor destes Serviços – doc. n.º 6.
41. O Presidente da Direcção dos SSPCM elaborou o ofício de 26.07.1989, com o n.º 6344, e mencionando resposta à carta datada de 17.07.1989, endereçado ao Dr. BM constando do mesmo a morada Bloco F4-10.º, esq.º T... onde se lê o seguinte: Em referência à carta datada de 17 de Julho do corrente, informamos V. Exa. de que, sendo a deliberação da Direcção dos Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros de 05.07.89, um acto definitivo e executório, terá ao seu alcance as vias judiciais para apresentar a sua defesa. – doc. n.º 7 junto com a contestação.
42. JBM remeteu à Obra Social em 22 de Novembro de 1989 que a recebeu a carta junta a fls. 142 onde se lê “tendo verificado que esses serviços até esta data não procederam ao desconto do meu cheque n.º 5084814580 sob o Banco Nacional Ultramarino Balcão Campo de Ourique no montante de 3.456$50 que em 30/10/89 lhes remeti com data de 1/11/89 para liquidação da mensalidade à margem indicada, venho comunicar a V. Exas que na ausência de qualquer explicação desses serviços para tal facto no prazo de oito dias, a próxima mensalidade Vos será remetida por carta registada com aviso de recepção”.
43. JBM remeteu à Obra Social em 04 de Dezembro de 1989 a carta junta a fls 146 onde se lê “No seguimento da minha carta de 4 de Dezembro último e conforme minha intenção nela anunciada, em face da conduta de V. Exas incluso lhes remeto, nos termos habituais, o meu cheque visado n.º 3944814605 sob o Banco Nacional Ultramarino no montante de 3.456$50 para liquidação da mensalidade à margem indicada(…) mensalidade de Fevereiro de 1990 (…) “Aproveito para comunicar a V. Exa. que se até ao vencimento da próxima prestação não for efectuado por esses serviços o desconto dos meus dois últimos cheques relativos à liquidação das duas últimas mensalidades, a próxima bem como todas as subsequentes passarão a ser depositadas à V. ordem na Caixa Geral de Depósitos(…)”.
44. Em 12.09.1989, JBM  interpôs recurso contencioso da referida deliberação de 05.07.1989 dos SSPCM, o que deu origem ao processo n.º 8652/1989 da 2ª Secção do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em cujo âmbito foi apresentada resposta pelos SSPCM em 28.11.1989, na qual se conclui ser o acto recorrido um acto de extinção do contrato n.º 294, de fls. 73, praticado a título de sanção, plenamente válido e eficaz, e em que se pugna por dever ser declarada a legalidade do acto recorrido, tendo este processo terminado por decisão proferida em 04.03.1991, transitada em julgado em 25.03.1991, que julgou deserto o recurso por a instância ter ficado suspensa durante um prazo superior a um ano sem que os seus sucessores tivessem promovido o incidente de habilitação – doc. n.º 8 junto com a contestação.
45. JBM remeteu à Obra Social em 04 de Janeiro de 1990 a carta junta a fls 143 onde se lê “No seguimento da minha carta de 4 de Dezembro último e conforme minha intenção nela anunciada, em face da conduta de V. Exas incluso lhes remeto nos termos habituais o meu cheque visado n.º 5234814658 sob o Banco Nacional Ultramarino no montante de 3.456$50 para liquidação da mensalidade à margem indicada(…) mensalidade de Fevereiro de 1990 (…) “Aproveito para comunicar a V. Exa. que se até ao vencimento da próxima prestação não for efectuado por esses serviços o desconto dos meus três últimos cheques relativos à liquidação das três últimas mensalidades, a próxima bem como todas as subsequentes passarão a ser depositadas à V. ordem na Caixa Geral de Depósitos(…)”.
46. JCBM remeteu à Obra Social em 04 de Fevereiro de 1990 a carta junta a fls 149 onde se lê “(…) Aproveito para informar V/S do falecimento do meu pai ocorrido em Londres em 22 de Janeiro, pelo que toda a correspondência (…) deverá ser enviada para a R. JQ, T... ao cuidado da minha mãe e cabeça de casal Idalina … com o meu pai ali residente
Aproveito para informar V/S que a partir do presente mês as mensalidades a que aludem no ponto 2 do ofício à margem identificado serão depositadas à v/ordem na Caixa Geral de Depósitos conforme comunicação do meu pai a esses serviços feita em 4 de Janeiro último (…)”.
47. Pelo Vogal do Conselho de Direcção dos SSPCM foi assinado em 18.10.1993 o ofício com o n.º 6154, endereçado a IBT, constando do mesmo a morada Lt 73 – Sta T... ,e por considerar que se mantinha válido e eficaz o acto administrativo de 05/07/89 que determinou a resolução do contrato e compra e venda com propriedade, constando do mesmo, além do mais, que é concedido aos herdeiros de JBM o prazo de 30 dias para procederem à entrega da casa, o que não teve qualquer sequência – doc. n.º 9 de fls. 361 e 362 junto com a contestação.
48. Em 17/11/1983 JBM tinha pago 84 prestações mensais, no montante de 257.946$00.
49. As mensalidades relativas aos anos 1984 a Fevereiro de 1989 foram pagas pelo adquirente JBM.
50. Os serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros emitiram em nome de JBM os recibos de pagamento das mensalidades de Março a Novembro de 1989 juntos a fls. 150 a 152.
51. Na conta de depósitos obrigatórios n.º 0697.871641.150 aberta em 9/12/1988 encontra-se depositado o valor de 657.994$00 por JBM, correspondente a €3.282,06 a favor da Obra Social dos Antigos Ministério do Ultramar e da Coordenação cfr. declaração da Caixa Geral de Depósitos de fls 486.
52. Na conta n.º 0697/973133/350 foram depositadas pelos herdeiros a favor da Obra Social dos Antigos Ministério do Ultramar e da Coordenação as mensalidades de Fevereiro de 1990 a Outubro de 1999 descriminadas nos docs. de fls. 487 a 488, num total de €394.040$00.
53. Correu termos inventário por morte de JBM com o n.º 422/1996 no 1.º juízo cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais.
54. Foi adjudicada à A. e a sua irmã a interveniente HCTBM divorciada, sem divisão de parte e na proporção dos respectivos quinhões, a verba 2 da relação de bens apresentada nos autos de inventário referidos, tendo nesses autos sido proferida homologação por sentença do mapa da partilha transitada em julgado em 27/03/2006, conforme consta dos autos de inventário facultativo registados sob o n.º 422/1996, no 1.º juízo cível do Tribunal de Família e Menores de Comarca de Cascais. Tudo conforme consta da certidão junta como doc. 1 com a PI.
55. A verba 2 foi descrita na Relação de Bens apresentada por óbito do inventariado, JBM, como integrando: direito de crédito, nos seguintes termos:
“Devem à herança os Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros a transmissão do direito de propriedade relativo à fracção autónoma designada por letra “Z”, do prédio urbano, sito na freguesia de P…, concelho de Oeiras, na R. Joaquim , número sete, 10.º andar esquerdo, adquirido em propriedade resolúvel à extinta Obra Social do Ex-Ministério da Cooperação pelo inventariado por escritura de 18/03/77, descrita e inscrita a favor dos transmitentes na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob a ficha n.º 802/17/03/88 e inscrita na matriz predial urbana da freguesia de P... a favor do Inventariado sob o art.º 1…-Z, com o valor patrimonial de: 1.024.358$00”.
56. Após o falecimento de JBM, a fracção em causa nos autos manteve-se sempre a ser utilizada, habitada e administrada pelos seus herdeiros, na convicção de que lhes pertencia, à vista de toda a gente, e sem oposição de ninguém, cumprindo os mesmos as obrigações de natureza fiscal junto das Finanças, comparticipando nas despesas ordinárias e extraordinárias do Condomínio e fazendo obras e suportando o seu custo.
57. Em 1978 a casa chegou a ser habitado por JCL e mulher os quais foram acolhidos na casa por Dr. JBM por terem regressado de Angola sem nada e com 4 filhos.
58. Nessa altura, o Autor estava a prestar serviço na Comarca de Torres Vedras.
59. RAVR e mulher chegaram a habitar a casa com autorização de JBM que deu conhecimento verbal e por escrito à R. que então não viu na situação qualquer inconveniente, tendo sido autorizada pela Direcção da Obra Social a sua permanência até ao final do ano 1982.
60. O Autor teve sempre mobiliário na casa desde a sua aquisição.
61. Entre dia e mês não apurado do ano 1988 e os primeiros meses de 1990 a fracção esteve ocupada por JBM e IBT, e MJBMM e seu marido JMM, estes últimos embora residente habitualmente no Funchal (Caminho das Virtudes), passaram a residir temporariamente na fracção, em virtude de frequência por JM, enquanto médico, de especialidade de Saúde Pública ;
62. No período referido em 61. JBM e Mulher habitavam a casa, com excepção dos períodos temporais em que JBM se deslocou a Londres a fim de realizar tratamentos e exames médicos, em virtude da doença que lhe foi diagnosticada e do período em que a fracção foi sujeita a obras de conservação por JBM.
63. De meados de 1990 a final de 1991 a mesma fracção foi ocupada por IBT, JCBM e Maria João Barroso de Moura Melim;
64. IBT habitou a fracção até pelo menos o final de 1999.
65. A casa chegou a ser habitada pela A. e seu agregado familiar durante alguns anos da década de 1990.
66. A fracção autónoma passou a ser casa de morada de família da A.e do seu agregado familiar, a partir de finais de 2004 até ao presente.
67. A A. e a sua irmã, Helena …, respectivamente com o NIF…, têm vindo a pagar o IMI, a partir do ano fiscal de 2006 até à presente data de 18 de Junho de 2013, na proporção de ½, com referência ao imóvel inscrito na matriz urbana da freguesia de P..., Oeiras sob o artigo n.º…, fracção autónoma “Z”, conforme melhor consta da certidão exarada pelo Serviço de Finanças de Oeiras 2 (cfr. certidão junta como Doc. 3).
68. Mais é certificado na mesma certidão passada a pedido da A, , que na mesma consta a sua qualidade de herdeira do inventariado JBM – CCH, NIF 700362762, que relativamente ao mesmo referenciado prédio estava inscrito na matriz em papel no ano de 1982 e passando em 1989 a sua inscrição a ser objecto de informatização;
69. Com base nos elementos oficiais existentes no mesmo Serviço e Finanças, quer no respeitante à Contribuição Autárquica (CA) dos anos anteriores de 1989 a 2005, os pagamentos dos impostos devidos referentes ao imóvel supra descritos no quadro constante da certidão, os quais se encontram pagos na totalidade até 2002 estando registados em nome de JBM e a partir de 2003 até 2005 encontram-se igualmente pagos (contribuição autárquica e IMI) em nome de JBM, C.C.H. (cfr. certidão junta como doc. 3 a fls.84).
70. Consta da mesma certidão que “O pagamento a partir do ano fiscal de 2006 inclusive é devido pela requerente AMTBM na proporção de ½ em compropriedade com HCTBM”.
71. A mesma fracção autónoma do prédio em regime de propriedade horizontal foi avaliada em 21/06/2011 nos termos do disposto no art.º 38.º e ss do CIMI, tendo sido apurado o valor patrimonial tributário de cerca de €160.000,00 (cento e sessenta mil euros), conforme consta da respectiva notificação da avaliação, ficha n.º 003501983-nif 140921494 junta como doc. 4 de fls. 85.
72. A A. pediu à administração do condomínio do prédio a declaração junta como doc. 5, onde consta que relativamente à fracção “Z” correspondente ao 10.º andar Esq.º do Condomínio F4 “nomeadamente quotizações e quotas extra para efeitos de reparação e conservação de partes comuns do prédio desde o ano de 1977 até à presente data, foram sempre liquidadas pela família do Dr. JBM (…)”.
73. Declaração essa datada de 11 de Junho de 2013 e passada pelo respectivo Administrador do Condomínio F.4 (Álvaro Gonçalves) do prédio da Rua Joaquim ...
74. Desde Janeiro de 2007 até hoje, todos os encargos do condomínio e correlativos custos das inerentes obras têm sido suportados exclusivamente pela A..
75. Desde sempre foram efectuadas na respectiva fracção as obras de conservação e remodelação que a mesma necessitava, datando a realização das mais antigas 1989 e 1990 as quais foram realizadas nomeadamente nas casas de banho, na cozinha e no chão 
76. As obras de remodelação e manutenção da casa de morada de família realizadas a partir de 2006 foram efectuadas e pagas pela A. tendo esta em 2009 substituído todos os alumínios da casa no valor de €3.135,00 tendo realizado ainda obras em 2012 (cfr. 549 v e 550, 566 e 567 a 572).
77. Concorrem com estas obras as realizadas nas partes comuns do prédio e pagas pelos condomínios, entre os quais JBM e herdeiros, nos elevadores, no telhado e pintura do prédio.
78. As Finanças procederam à notificação da A. em 21/06/2011 da avaliação junta como doc. 4 a fls. 85 fazendo constar dessa notificação como morada da A. a casa sita na Rua …, n.º .., r/c B, Urbanização …, Rana, 2785- 679 São Domingos de Rana – doc. n.º 4 apresentado com a PI (fls. 85 da acção).
79. Em 24 de Setembro de 1996, por ocasião da prestação de declarações como cabeça-de-casal no âmbito do processo de inventário, IBT, cônjuge sobrevivo de JBM (pais da A.), declarou que este havia falecido em 22.01.1990 em Londres, tendo como morada habitual, em Portugal, a Rua de Santa T…, concelho de Cascais, e bem assim que, com relação aos demais interessados, a filha MJTBMM era residente no Funchal (Caminho das …, Bloco .., ..º D), a filha HCTBM era residente na Parede (Rua Francisco …, ), o filho JCTBM residia também na Parede (Rua de Santa T… ), e a filha AMTBM, ora A., era residente em S. Domingos de Rana (Urbanização …, S. Domingos de Rana) – doc. n.º 1 apresentado com a PI (fls. 37 e 38 da acção).
80. Do assento de óbito de JBM consta que o mesmo tinha residência habitual à data da sua morte na Rua de Santa T..., 2775 Parede – doc. n.º 2 de fls. 261 e 262.
81. Por carta datada de 11 de Junho de 2007 dirigida aos SSPCM, HCTM, irmã da A., e com relação à casa em questão, solicitou ser elucidada sobre a situação do imóvel, nomeadamente no que diz respeito à sua titularidade, bem como se a Obra Social exerceu, ou não, o direito à resolução do contrato, resultando ainda do texto dessa carta que o averbamento, para efeitos fiscais, em seu nome e no da A., da casa foi efectuado em Março de 2007 com base numa comunicação do Tribunal de Cascais no âmbito do processo 422/96 do 1º Juízo Cível – doc. n.º 10 junto com a contestação.
82. Não obstante a deliberação de resolução referida os SSPCM não exigiram judicialmente a entrega da fracção até ao presente.
***
1.- Da acção de reivindicação
Parece não haver dúvida quanto ao tipo de acção em presença. A autora peticiona a condenação dos Serviços Sociais da PCM:
1) A ver reconhecido o direito de propriedade da A. , correspondente a ½ da fracção autónoma “Z”, com sinal dos autos, com causa de aquisição por usucapião;
2) A ver reconhecido que é ilegítima e abusiva a sua posse sobre o bem imóvel reivindicado;
3) A restituir á A., Ana M…, nos termos aplicáveis, o referido bem imóvel  bem imóvel e a
4) Ver cancelada a inscrição do registo de propriedade a seu favor, nos termos do art.º 8.º, n.º2, do CRP.
Para tanto invoca a celebração pelo seu pai de um contrato de compra e venda da indicada fracção, em regime de propriedade resolúvel, celebrado com a Obra Social do ex-Ministério da Cooperação, sendo certo que quer o seu pai quer os herdeiros deste nos quais se incluem a demandante e a interveniente têm a posse da mesma desde 1 de janeiro de 1990 até 23 de Agosto de 2013, isto é pelo período de tempo consecutivo de 23 anos, 7 meses e 27 dias, com as características de publicidade e pacificidade, o que preenche os requisitos do usucapião.
Trata-se, como parece ser óbvio, de uma típica acção de reivindicação a que alude o artigo 1311.º CC. De acordo com este preceito “1. O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente do que lhe pertence.
2. Havendo o reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei’’.
A doutrina e a jurisprudência estão de acordo quanto aos seguintes pontos individualizadores da acção.
Quanto à espécie é uma acção de condenação (art. 10.º, 2 e 3, alín. b) CPC), em que o proprietário não possuidor pede que seja considerado como proprietário de uma determinada coisa, móvel ou imóvel, na posse ou detenção do réu e que esta lhe seja restituída (artigo 1311.º CC).
Se o juiz reconhecer que o réu está de posse da coisa que pertence ao autor, tem de condenar aquele a entregá-la a este «e caso o réu não obedeça à condenação, o autor tem o direito de promover, com base na sentença, execução para entrega da coisa» (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, anotado, Vol. I, Coimbra, 1948: 22).
Não faz qualquer sentido, apesar de constituir erro técnico muito frequente, pedir e a fortiori condenar o réu a reconhecer que o  autor é titular do direito real de propriedade sobre a coisa reivindicada.
Como se diz no ARE de 13.12.84, CJ , T 5:214, “o tribunal só pode acolher pretensões que, demonstrada a sua validade, possam vir a ser executadas (manu militari se necessário) com um mínimo de certeza’’. Ora, tal não se afigura possível no caso de não acatamento do decreto judicial. Como se explica no ARP de 7.7.81, CJ, T 4:178, “o reconhecimento do direito de propriedade é um efeito declarativo da actividade judicial provocada pelos autores, isto é, reconhece-se e declara-se daí advindo consequências condenatórias ou executivas ; mas não tem que se condenar o réu a reconhecê-lo : o reconhecimento judicisal é que se impõe ao réu’’.
Ensina, por sua vez, José Oliveira Ascensão que é errado  pedir a condenação do réu a reconhecer que o autor é proprietário da coisa reivindicada . “…isto não tem em Direito nenhum sentido. O réu é condenado a reconhecer, não tem de prestar facto ou declaração com esse conteúdo. A única declaração que pode estar em causa é a do próprio tribunal’ (“Acção de reivindicação’, ROA, 57 (1997): 516).
Quanto aos sujeitos, o sujeito activo da reivindicação é o titular do direito de propriedade e de outros direitos reais que compreendem no seu conteúdo a posse da coisa.
Sujeito passivo é aquele em poder de quem a coisa se encontra, quer seja um verdadeiro possuidor, quer um simples detentor.
Quanto ao pedido   uma pluralidade de pedidos cumulados. Mas só processualmente existe uma acção de simples apreciação positiva cumulada com uma acção de condenação, sendo certo que, na maior parte dos casos, o pedido é um só: a restituição da coisa após a averiguação de determinada qualidade jurídica.
O que se harmoniza com a letra do artigo 1311.º CC onde se fala em «consequente restituição».
Discute-se, porém, se quando o autor pede que seja reconhecido legítimo proprietário da coisa e que o réu seja condenado a restituir-lhe essa coisa, se  está perante uma cumulação real de pedidos, tal como a caracteriza o art. 555.º CPC (anterior art. 470.º), ou antes em face de uma cumulação aparente de pedidos.
Seguimos a segunda posição que é a de José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol III, Coimbra, 1946: 147 e de Paulo Cunha, Processo Comum de Declaração, T I, Lisboa, 1940:204   
Quanto à causa de pedir, o art. 581.º, 4, CPC (anterior art. 498.º, n.º 4) dispõe que nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real.
Consagra-se aí a teoria da substanciação, segundo a qual o facto aquisitivo da propriedade tem de ser alegado e provado, não bastando a mera invocação da propriedade.
De acordo com a teoria tradicional a causa de pedir nas acções de reivindicação, ou seja, o facto jurídico de que deriva o direito real, só pode ser constituída pela alegação de uma das formas originárias de adquirir.
Quanto ao ónus da prova, deve o demandante, sob pena de improcedência, provar o seu domínio e a posse do réu (artigo 342.º, n.º 1, CPC).
Manuel Rodrigues Júnior, para quem a causa de pedir neste tipo de acções era o direito de propriedade - posição há muito ultrapassada – escreve: «O direito de propriedade pode existir num património em virtude de aquisição originária ou derivada. Ora na reivindicação é necessário ter em conta a forma de adquirir porque a situação do proprietário reivindicante varia conforme a aquisição do direito que invoca se fez por um outro daqueles processos. Na verdade na aquisição originária o direito de propriedade do reivindicante é um direito autónomo, um direito independente do direito de propriedade anterior, no qual portanto não influem as condições de existência do direito deste (…).
Na aquisição derivada não é assim. Há que ter-se em conta o direito do anterior proprietário, em harmonia com o princípio «quia nullum ad actorem dominium transferre possunt, quam ipsi domini non sint».
O direito do autor influi profundamente no direito do adquirente, pois os negócios jurídicos translativos, como a compra e venda, a doação, etc. não criam a propriedade, apenas a transferem» (RLJ, 1924:161).
Pires de Lima/Antunes Varela, na anotação ao artigo 1311.º CC afirmam: «Nos termos do n.º 4 do artigo 498.º CPC a causa de pedir, na acção de reivindicação (acção real), é o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade.
Ora, se o autor invoca como título do seu direito uma forma de aquisição originária da propriedade, como a ocupação, a usucapião ou a acessão, apenas precisará de provar os factos de que emerge o seu direito.
Mas, se a aquisição é derivada, não basta provar, por exemplo, que comprou a coisa ou que esta lhe foi doada. Nem a compra nem a doação se podem considerar factos constitutivos de propriedade, mas apenas translativos desse direito (nemo plus juris ad alium transferre potest quam ipset habet). É preciso, pois, provar que o direito já existia no transmitente (dominium auctoris), o que se torna, em muitos casos dificíl de cumprir» (Código Civil, Anotado, III, 2.ª ed.:115).
Por sua vez o Conselheiro Rodrigues Bastos comentava: «A prova do direito deve ser feita toda pelo autor; na prática oferece grandes dificuldades, porque não basta justificar a própria aquisição, sendo também necessário provar o dominium auctoris ou a usucapião. Em cada caso a prova deve ser positiva (…) Esta prova absoluta (probatio diabolica) falta muitas vezes, parecendo que se não deve ser muito exigente, neste aspecto, tendo em conta as necessidades práticas (…) (Direito das Coisas - Segundo o Código Civil de 1966, 1975, pág. 138).
Isto sem prejuízo de o ordenamento contemplar quatro institutos que atenuem as exigência da prova a cargo do reivindicante, a saber:
- a figura da sucessão na posse (artigo 1255.º CC);
- a figura da acessão da posse (artigo 1256.º CC);
- a presunção derivada da posse (artigo 1268.º CC).
- a presunção derivada do registo (artigo 7.º CRP).
Sobre o âmbito e meio de prova da propriedade, a nossa jurisprudência não se tem contentado com presunções judiciais, nem, tão pouco, tem sustentado a inversão do ónus da prova, por não compreendida na previsão do artigo 344.º CC.
No entanto esta mesma jurisprudência vem registando uma evolução interessante que permite de certo modo contornar o paradigma clássico da reivindicativo e as tradicionais exigências para a aquisição originária da propriedade.

Vejamos brevemente como esta evolução se deu:

1.º Momento - Num primeiro momento, sobre o Autor impendia o ónus de alegar e demonstrar a aquisição originária do imóvel.
Diz-nos Oliveira Ascensão: «A aplicar a teoria dominante, teria de se provar cabalmente a propriedade, ou os seus factos aquisitivos. Nomeadamente, não bastaria ao Autor invocar um título translativo da propriedade. Não bastaria uma aquisição derivada. Porque nunca se saberia se o transmitente era ou não, ele próprio, proprietário verdadeiro. Teria de se chegar a uma causa originária de aquisição, que seria normalmente a usucapião.» (op. cit: 523).
Não obstante, é esta posição, que se pode apelidar de “clássica ou tradicional”, que é ainda hoje perfilhada por uma parte significativa, senão maioritária da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, pelo que seria ocioso citar aqui qualquer Acórdão.
2.º Momento - Certo é que, atenta a frequência dos casos em que a aquisição é derivada (contrato), a evolução fez-se no sentido de se admitir esta mesma invocação, havendo que justificar apenas que o direito de propriedade já existia na pessoa do transmitente e ainda invocando-se o registo a seu favor.
A jurisprudência abriu mesmo a possibilidade de a falta de alegação de que o direito de propriedade já existia na pessoa do transmitente poder ser suprida mediante a junção de certidão comprovativa do domínio a favor do Autor – neste sentido veja-se o Ac. STJ de 15/01/1985, BMJ 343:335. O aresto acompanha o raciocínio de Rosenberg (Tratado de Derecho Procesal Civil, II, Argentina, 220) quando, ao referir-se ao exemplo dos direitos inscritos no registo, «observa que as presunções de direito são dirigidas à existência ou inexistência de um direito ou de uma relação jurídica, que o objecto dessas presunções não são os factos, em particular (…) por isso, a parte favorecida com uma dessas presunções não necessita de fazer afirmações sobre o nascimento (aquisição) ou sobre a extinção, nem de oferecer provas disso.»
Em 05/02/1998, o TRL, perfilhando a posição de que o recurso à presunção registral torna desnecessária a averiguação e a prova da aquisição “ab origine”, alertou para que «Mostrando-se que, no registo predial, a aquisição do direito de propriedade sobre a coisa reivindicada se encontrava inscrita por registo provisório por dúvidas, o autor não beneficia da aludida presunção, que exige um registo definitivo da propriedade a favor do titular inscrito.» (BMJ - 461:460).
3.º Momento – A posição anterior transmutou-se depois no sentido de, em caso de invocação da aquisição derivada, bastar a mera junção de certidão com a última inscrição a favor do transmitente, e já não do adquirente, autor da acção.
Disse-se no Acórdão do STJ de 21/11/1996 que «Mostrando-se que, no registo predial, a aquisição do direito de propriedade sobre a coisa reivindicada se encontrava inscrita a favor do transmitente à data em que o autor dele o adquiriu derivadamente, não necessita o autor de produzir afirmações acerca da aquisição pelo transmitente desse direito, nem de provar essas afirmações. A lei presume, directamente, a existência do direito do transmitente.» (BMJ - 461:406).
Sustenta o Acórdão que seria errado permitir à Autora prevalecer-se da presunção do artigo 7º do Cod. Reg. Predial apenas quando tenha registo a seu favor. Na verdade, a existência do registo gera uma presunção da existência do direito em qualquer pessoa inscrita – no caso, o transmitente – desonerando a Autora da alegação e prova da cadeia ininterrupta de transmissões antecedentes.
4.º Momento - Mais longe foi o Ac. TRC de 26/05/1987 BMJ: 367:575, o qual, numa posição deveras “sui generis”, muito embora se refira à aquisição originária como causa de pedir na acção de reivindicação, excepciona, para além dos já referidos casos em que opera a presunção do artigo 7º do Cod. Reg. Predial na invocação de aquisição derivada, também os casos em que esta não seja contestada – «Não será assim, porém, se não for contestada a aquisição derivada, se beneficiar da presunção resultante do registo (cabendo então ao réu ilidi-la) ou se a aquisição derivada invocada resulta de partilha em que o réu haja intervindo como interessado.».
5.º Momento – Este momento é marcado essencialmente per José Martins da Fonseca, que defende não fazer sentido a distinção entre aquisição originária e aquisição derivada, na medida em que a própria lei não a faz. Identificando o direito de propriedade como objecto da acção, sendo a causa de pedir o facto jurídico que se invoca para justificá-lo, não vê razão para distinguir entre as formas de aquisição. Tal conclusão, na opinião do Autor, é imediatamente suportada pelos seguintes artigos do Cód. Civil: 1316º, que estabelece as formas pelas quais se adquire a propriedade, 1317º, que determina o momento da aquisição e ainda 408º, que estatui que a constituição ou transferência de direitos reais se dá por mero efeito do contrato.
Acresce que nestas acções é sempre possível a confissão, quer de factos, quer de direito (artigo 354º do Cód. Civil e 287º, alínea d) do Cód. Proc. Civil); mais ainda, deve presumir-se, com base nas regras de experiência, que quem transmite a propriedade, tem-na (presunção judicial, consentida pelo artigo 381º do Cód. Civil). Em síntese, bastaria ao autor alegar que a propriedade da coisa lhe foi transmitida por negócio jurídico translativo e que ela é detida indevidamente pelo Réu, por ser esta a posição mais consentânea com os artigos 1034º e 1035º do Cód. Proc. Civil (“Acção de Reivindicação - Causa de Pedir – Factos constitutivos do direito do autor’’, Revista do Ministério Público, nº28).
Não se estranha, pois, que o Ac. RL de 17/5/1994, BMJ 437:559 tenha sentenciado que “numa acção de reivindicação proposta contra quem alegadamente se apropriou do imóvel por acto abusivo (arrombamento) basta a invocação da aquisição derivada (compra e venda)’’ (BMJ 17.05.1994esta    
6.º Momento – Em 29/04/1992, o STJ publicou outro acórdão em que doutrinou: «Apesar de incumbir ao autor, neste tipo de acções [de reivindicação], a prova do invocado direito de propriedade e de a aquisição ser dominada pelo princípio “nemo plus jus ad alium transferre potest quam ipse habet” deve admitir-se que a prova do direito do autor resulte de confissão do réu, nomeadamente quando o facto ficou a constar da especificação».
Na fundamentação, que reitera assumir a posição “dominante” no que toca à aquisição derivada, ressalva-se a hipótese de confissão. O Acórdão argumenta assim: «No caso em apreço os réus reconheceram o direito dos autores (…) Existe, assim, confissão dos factos articulados pelos autores e a confissão só é inadmissível nas hipóteses constantes do artigo 354º do Cód. Civil. Nenhuma delas se verifica.».
Esta argumentação é retomada pelo Ac. STJ de 19/03/2002, Proc. 02B510, www.dgsi.pt: «A presunção de propriedade derivada do registo de aquisição cede perante a confissão do titular da inscrição, derivada da falta de contestação do direito de propriedade invocado pelo autor na competente acção real».
7.º Momento - Em 17/06/1998, o STJ num caso de aquisição por sucessão hereditária, considerou que «Não tendo havido disputa sobre o direito de propriedade dos Autores, esta pode considerar-se «como facto»” (CJ/STJ Tomo II: 129).
No caso em apreço os Autores invocaram, na petição inicial, a qualidade de comproprietários do andar, alegando que tinham adquirido o direito de propriedade por sucessão hereditária, não tendo a Ré impugnado estes factos. No entender dos Conselheiros signatários «A função dos tribunais é, apenas, a de dirimir conflitos existentes e que lhes sejam colocados pelas partes, não podendo o juiz postergar o princípio do dispositivo (…) Assim, estando uma das partes de acordo quanto à existência do direito de propriedade da contraparte sobre determinado bem, não pode o juiz, indo além ou contra a vontade da primeira, declarar que tal direito inexiste (…) esta confissão da Ré, quanto à mencionada compropriedade, não pode deixar de relevar.».
8.º Momento - Por fim, num último “momento”, tendo o Autor alegado ser “dono e legítimo proprietário” do imóvel x, mas sem invocar sequer o modo de aquisição derivada, o TRL, em acórdão que conhecemos em virtude do desempenho funcional, considerou por não ter havido impugnação que a matéria de direito se “degrada” em matéria de facto, podendo tal expressão vir a constar na matéria de facto assente.
Quer isto dizer que uma questão de direito pode transmutar-se em questão de facto, consoante não haja ou haja impugnação dessa mesma questão. Desde que não haja contestação permite-se que o autor sem especificar qualquer facto constitutivo possa simplesmente alegar com consequente ganho de causa que é proprietário ou dono da coisa reivindicada, o que não há muitos anos era tido como algo completamente inaceitável. Já em caso de contestação  
A sorte da acção seria diametralmente oposta.
Não cabe, no âmbito deste recurso, adoptar uma postura crítica em relação a esta evolução.
Cogitamos tão-só se em nome de uma tentativa compreensível de se superar o chamado radicalismo dos quadros tradicionais não se chegou a um outro radicalismo oposto em que na acção da tutela da propriedade por excelência como é a acção de reivindicação a questão da propriedade se tornou numa questão prévia ou mais ainda aquela acção se tornou numa espécie de acção publiciana em que o autor não precisa já de demonstrar através dos competentes factos uma posse completamente boa para usucapir.
Sendo assim as coisas, como são, focalizemos agora a hipótese dos autos.
A autora apesar de invocar a usucapião não deixa de se referir a uma aquisição derivada. Por ela comecemos.
***
2.- Da aquisição derivada
Pelo Decreto-Lei 47069, de 4 de julho de 1966, foi criada a Obra Social do Ministério do Ultramar (OS), serviço público dotado de autonomia administrativa e financeira, que tem por fim desenvolver a solidariedade entre os funcionários do ultramar e seus familiares e a assistência em todos os sectores em que se reconheça necessária.
No domínio da habitação, a acção da OS desenvolve-se através de uma das suas comissões executivas com vista à aquisição e construção de casas económicas destinadas a serem vendidas aos beneficiários em regime de propriedade resolúvel.
Para a boa execução das várias modalidades assistenciais que constituem o seu objectivo, tornou-se necessário regulamentar aquele diploma, o que foi feito pela Portaria 23068 de 19 de dezembro de 1967.
De acordo com o referido Regulamento, a OS exercia a sua acção no domínio da habitação, competindo à comissão executiva daquela promover a aquisição e construção de casas, em regime de propriedade resolúvel, para os beneficiários da OS, mediante proposta à direcção e autorização do Ministro do Ultramar (arts. 2º e 62º, al. a)).
Mais se estipulou no mencionado Regulamento (no art. 63º) que o regime jurídico da construção de casas e de aquisição de terrenos pela OS, através da respectiva comissão, seria objecto de regulamentação própria.
Sobre este assunto se publicou oportunamente o Regulamento de Casas Económicas da Obra Social do Ministério do Ultramar, em Regime de Propriedade Resolúvel, aprovado pela Portaria 23785, de 18 de Dezembro de 1968, alterada em sede de juros praticados pela Portaria 564/70, de 5 de novembro.
O art. 3º, nº 1, daquele Regulamento estatuía que “a atribuição de casas será feita em regime de propriedade resolúvel, a pedido do beneficiário, segundo as modalidades de propriedade horizontal ou moradia de família. ...”.
No art. 11º estipulou-se que: “1. Os beneficiários a quem hajam sido atribuídas casa económicas adquirem a sua posse e propriedade resolúvel mediante a celebração do respectivo contrato de compra e venda, do qual deverá constar o preço, que corresponderá ao capital investido e em dívida, acrescido do juro de 0,5 por cento ao ano, as entregas iniciais para amortização, a identificação completa do prédio, o montante de cada mensalidade, o prazo de amortização expresso em meses e, bem assim, quaisquer outras condições que forem reputadas necessárias. 3. Os contratos mediante os quais a Obra Social venha a atribuir as casas económicas serão celebrados em títulos avulso, cujos dizeres gerais, comuns a todos os contratos, serão impressos, e cujos dizeres especiais de cada contrato serão manuscritos ou dactilografados. 4. Cada contrato deverá ser feito em triplicado, ficando dois exemplares arquivados na Obra Social e o terceiro na posse do adquirente. 5. Cada exemplar dos contratos será considerado, para todos os efeitos, documento autêntico extra-oficial e deverá ser assinado pelo presidente da direcção da Obra Social, por um vogal da direcção, pelo adquirente, por quaisquer entidades que nele tenham de intervir e por duas testemunhas idóneas. 6. Os contrato obedecerão ao modelo aprovado por despacho do Ministro do Ultramar, ...”.
Por seu turno, o art. 15º do mesmo regulamento, estatuía que “1. Satisfeitas integralmente pelos beneficiários as suas responsabilidades, será o facto averbado no contrato, adquirindo o beneficiário ou os seus herdeiros a propriedade plena, podendo ser feito na conservatória do registo predial, a requerimento dos interessados, o respectivo averbamento na inscrição do prédio. 2. A certidão ou fotocópia certificada do contrato, com o averbamento do pagamento da última prestação, será título suficiente para o registo de transmissão do prédio a favor do adquirente....”.
O DL n.º 273/73 de 30 de maio definiu depois o modo de execução dos contratos a celebrar entre a Obra Social e os beneficiários-adquirentes das casas económicas e reviu e actualizou algumas disposições do mencionado Regulamento.
O DL. nº 273/73 alterou o previsto nos nºs 3 a 6 do art. 11º e nºs 1 e 2 do art. 15º do Regulamento anterior, estabelecendo, no seu artigo 1º que “1. Os contratos de compra e venda previstos no artigo 11º do Regulamento aprovado pela Portaria nº 23785, de 18 de Dezembro de 1968, serão celebrados e registados na Obra Social do Ministério do Ultramar, em livro próprio, com observância dos preceitos aplicáveis do Código do Notariado, desempenhando a função notarial o vogal secretário da comissão executiva de construção de casas económicas. 2. Aos referidos contratos é atribuído, para todos os efeitos, o valor de escritura pública, não sendo, todavia, devidos selos ou emolumentos pela sua celebração. 3. Em representação da Obra Social, outorgarão o presidente e um vogal da respectiva direcção. 4. A sisa devida pelos beneficários-compradores será liquidada na altura do pagamento da última mensalidade, nos termos do artigo seguinte”, e no artigo 2º que “1. O pagamento da última mensalidade será averbado em certidão do contrato, depois de paga pelo beneficiários-adquirentes a sisa devida pela transmissão da plena propriedade da casa económica adquirida. 2. O averbamento será assinado pelo presidente e por um vogal da direcção da Obra Social, devendo as suas assinaturas ser autenticadas mediante a aposição de selo branco. 3. Em face deste documento, e a expensas dos interessados, far-se-á na competente conservatória do registo predial o respectivo averbamento à inscrição da casa transmitida”.
Por sua vez, o DL n.º 77/85, de 26 de março, extingiu a Obra Social do ex-Ministério do Ultramar e transferiu todas as atribuições e competências para os Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros.

Pois bem , foi ao abrigo das Portarias 23785, de 18/12/68, 564/70, de 5/11 e do DL 273/73, de 30/5 que foi celebrado, entre a Obra Social do ex –Ministério da Cooperação (nova designação do anterior Ministério do Ultramar) e JBM, pai da autora e da interveniente, o contrato de compra e venda, em regime de propriedade resolúvel, do fogo de tipo F, situado no lote número F-4, correspondente ao 10.º andar esquerdo do prédio sito no Bairro Social de …, ficando sujeito às cláusulas constantes de fls. 318 a 327.
Deste contrato convém recordar o teor das seguintes cláusulas:
CLÁUSULA SEGUNDA: A propriedade e a posse constituídas pelo presente contrato a favor do segundo outorgante ficam sujeitas à condição resolutiva do incumprimento pelo beneficiário–adquirente das obrigações legais e contratuais neste acto assumidas.
CLÁUSULA TERCEIRA: Número um: A casa económica objecto do presente contrato é transmitida mediante o preço de 657 000$00 (seiscentos e cinquenta sete mil escudos)
CLÁUSULA QUARTA: Número um : A parte do preço ainda em dívida será paga pelo beneficiário-adquirente em trezentas prestações mensais e consecutivas , no montante de esc. 3456$20, incluindo os juros calculados nos termos fixados no número três da cláusula anterior e excluído de um doze avos da parte que àquele cabe suportar no prémio do seguro do imóvel contra incêndio.
CLÁUSULA SEXTA - Número um. No caso de atraso ou de mora no pagamento de mensalidades , assiste à Obra Social o direito de resolução do presente contrato, quando tais situações se prolonguem para além de trinta dias após a recepção do aviso para liquidação do débito em atraso, ou quando, no decurso do prazo de doze meses, elas ocorram pela terceira vez.
Número dois. À Obra Social assiste também o direito de resolução quando, depois de interpelado por carta registada com aviso de recepção, o beneficiário-adquirente persista no incumprimento dos deveres para ele resultantes do presente contrato e das normas que regulam a sua situação de condómino e possuidor de uma casa económica.
Número cinco: Notificado o beneficiário-adquirente da resolução do contrato mediante carta registada com aviso de recepção, deverá o mesmo proceder à entrega da casa no prazo de trinta dias , respondendo por perdas e danos pela ocupação indevida para além desse prazo e por todas as despesas a que der lugar a restituição de posse a favor da obra social.
CLÀUSULA SÈTIMA – Número um . A fracção autónoma que por este acto vem à posse do segundo outorgante destina-se exclusivamente à sua habitação e do seu agregado familiar.
CLÁUSULA DÉCIMA – Enquanto não adquirir a propriedade plena do seu fogo, não pode o segundo outorgante hipotecá-lo ou de qualquer modo onerá-lo e ainda dá-lo de subarrrendamento no todo ou em parte. Pode, porém, o fogo ser ocupado por pessoa estranha ao agregado familiar do segundo outorgante, em conformidade com o artigo vigésimo sexto do Regulamento de Casas Económicas, enquanto estiver ausente da Metrópole e precedendo autorização da Direcção da Obra Social.
CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA – Número um . O carácter resolúvel da propriedade ora transmitida ao segundo outorgante cessará com o pagamento da última das prestações mensais e que este fica obrigado, ou com a amortização antecipada do preço, sem prejuízo da restrição à transmissibilidade da casa, decorrente do número dois do artigo quatro do Decreto-Lei número duzentos e setenta e três traço setenta e três, de trinta de Maio.
Número dois. Após o pagamento total da dívida do beneficiário-adquirente para com a Obra-Social, e satisfeita por aquele a sisa devida pela transmissão da plena propriedade da casa económica, o presidente e um vogal da Direcção da Obra Social averbarão o pagamento do preço em certidão do contrato, a fim de possibilitar o registo na competente Conservatória de Registo Predial da cessação do carácter resolúvel da propriedade.
A uma primeira abordagem menos atenta poderia pensar-se que tendo existido uma compra e venda da fracção que nada aponta ser inválida, considerando o disposto no art.s 1316.º, 408.º, 879.º, al. a), 2024.º, 2050 e 2119.º todos do CC, o comprador Sr. Dr. JBM terá adquirido derivadamente a propriedade do imóvel reivindicado, integrado depois por via sucessória no património da autora e da interveniente.
Tal só seria assim se não estivéssemos como estamos perante uma propriedade condicional nos termos que vamos equacionar já de seguida.
***
3. Da propriedade resolúvel
A propriedade é, em princípio, perpétua, e subsistirá pelo menos enquanto viver o proprietário e quiser conservar o bem. O artigo 298.º, 3, CC diz que “os direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície e servidão não prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso nos casos especialmente previstos na lei ‘’.
A lei admite porém que a propriedade se possa constituir sob condição.
Na verdade, preceitua o artigo 1307.º, nº1, CC que “o direito de propriedade pode constituir-se sob condição’’, acrescentando o n.º 3 que “à propriedade sob condição é aplicável o disposto nos artigos 272.º a 277.º’’.
Este artigo corresponde ao artigo 2171.º do Código de Seabra que dispunha: “A propriedade absoluta é a que, pelo título da sua constituição, não pode ser revogada senão por consentimento do proprietário, excepto por expropriação por utilidade pública; a propriedade resolúvel é a que , conforme o título da sua constituição, está sujeita a ser revogada , independentemente da vontade do proprietário’’.
A lei não define propriedade resolúvel. No Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 85/75 escreve-se que “a propriedade resolúvel é (…) aquela que, por virtude de cláusula introduzida pelas partes no título translativo do domínio, está sujeita à sua resolução no caso de se verificar o facto desencadeador desse efeito (condição) previsto naquele título’’ (BMJ, 259:113).
A jurisprudência tem sustentado que nos contratos realizados sob condição resolutiva nos autos a plena propriedade do imóvel objecto do contrato, apenas se transmite com o pagamento da última prestação da renda mensal.
Contudo, os efeitos do contrato celebrado sob condição resolutiva – propriedade resolúvel produzem-se logo aquando da conclusão do negócio, uma vez que o direito de propriedade sob condição resolutiva tem o conteúdo normal do direito de propriedade (Acs. RL de 18/12/1997, Proc. 0032812, e de 08.03.2018, Proc. 21322/6.3T8LSB.L1.6 e Ac. RC de 07/02/2012, Proc. 358/06.8TBSRE.C2, Acs. STJ de 19/3/1980, Proc. 068354, e de 22/11/1988, Proc. 076699, todos in  www.dgsi.pt).
Do regime supra transcrito resulta que a OS tinha, entre outros objectivos, a finalidade de construção de casas económicas destinadas aos seus beneficiários de modo a proporcionar-lhes a aquisição de habitação adequada em condições económicas vantajosas.
Na verdade vendiam-se-lhes as casas, em regime de propriedade resolúvel, mediante uma pequena entrada, prestações reduzidas, com possibilidade de amortização antecipada, com a garantia de que, amortizado o capital em dívida, adquirem a propriedade plena e ainda que são transmissíveis por morte os direitos e obrigações resultantes dos contratos celebrados.
As casas adquiridas terão de ser afectas à habitação do beneficiário e do seu agregado familiar, impondo-se-lhe certas condições que, não cumpridas, implicam ou podem implicar a resolução do contrato.  
A propriedade plena a que alude o contrato, obtida mediante o pagamento da última cifra do preço, substituta da propriedade resolúvel anterior, não é senão a propriedade absoluta a que se referia o artigo 2171.º do Código Civil de 1867, que Luiz Cunha Gonçalves encarava sob quatro pontos de vista, a saber:
“a) Quanto às pessoas: é absoluta a propriedade, porque pode ser oposta pelo seu titular a todas as outras pessoas, excluindo-as, e todas estas têm a obrigação de a respeitar; o proprietário pode reivindicar a sua cousa das mãos de todo e qualquer ilegal detentor, enquanto não se tenha operado a prescrição, e pode opor embargos de terceiro contra os credores de terceiros, - direitos estes que os escritores franceses, com evidente impropriedade de terminologia, designam de como direito de sequência e direito de preferência.
b) Quanto ao objecto ou à incidência: a propriedade é absoluta porque recai no seu objecto principal e em todos os seus acessórios; e, tratando-se de imóveis, abrange o solo, o sub-solo e o espaço superestante, sendo lícito ao proprietário fazer demarcação e até vedação, que iniba a livre entrada de terceiros.
c) Quanto aos atributos: é absoluta a propriedade, porque somente o proprietário pode exercer na cousa todas as numerosas faculdades inerentes, ainda que não sejam quotidianamente praticadas, salvas as restrições normais desse direito.
d) Quanto à duração: a propriedade é absoluta porque se presume perpétua; e ainda que, em alguns casos, se diga temporária, a limitação do tempo só constitui uma expropriação em benefício da sociedade, quando não se trate de direitos que só por comodidade de expressão se designam como propriedade’’ (Tratado de Direito Civil em comentário ao Código Civil Português, Vol XI, 1936:236)’’.
Verifica-se que no caso sujeito não se prova que o beneficiário-adquirente ou os seus herdeiros tenham pago a totalidade do preço ou procedido a depósito liberatório válido.
Com efeito em relação a esta matéria essencial prova-se o seguinte:
9. De acordo com o que consta da escritura de compra e venda o plano de pagamentos das prestações correspondia ao que consta de fls. 136 a 141.
10. No início de Outubro de 1983 o falecido JBM comunicou à Comissão Executiva de Construção de Casas Económicas – Obra Social, que pretendia proceder ao pagamento integral das amortizações, tendo o Presidente da Comissão Executiva da Construção de Casas Económicas, Obra social do Ministério da Reforma Administrativa remetido a JBM a comunicação junta a fls. 108 de 06/12/1983 onde se lê “ (…) 2. Aproveito para informar V. Exa. que o saldo em débito do custo da habitação atribuída no Bairro Social da T... … se eleva a 657.994$00, excluindo a mensalidade relativa ao mês de Janeiro próximo(…)”.
11. A essa comunicação respondeu em 19/12/83 JBM cfr. doc. 6 da Pi a fls. 109 onde se lê “Fico surpreendido com o montante de 657.994$00(…) atendendo a que já paguei aqui em Portugal pelo menos 257.946$40, entendo apenas restar à obra social a quantia de 400.053$60 que me proponho amortizar(…).Entretanto remeto um cheque do valor de 41.474$50 para amortização integral do ano de 1984(…)”, cheque que foi devolvido pelo Presidente da Comissão Executiva de Construção de Casas Económicas – Obra Social, através da comunicação datada de 29/02/1984 junta como doc. 4 a fls. 103 e ss com a PI, onde no final se lê “(…) mais se esclarece que o pagamento das rendas-amortização são somente aceites mensalmente e nos termos e disposições regulamentares e legais, não podendo ser de outra forma até também uma vez que há determinação superior (despacho ministerial) para alteração do juro incluído na referida mensalidade e que alterará, não sabemos quando, o seu quantitativo, não sendo assim viável a quitação de meses futuros sobre importância sujeita a alteração(…)”. A essa comunicação respondeu JBM  nos termos que constam da carta datada de 07/03/1984 junta como doc. 3 a fls. 99 e ss com a PI.
13. Em 25/11/88 JBM remeteu à Obra Social a comunicação junta a fls. 92 e ss como doc. 1 onde o mesmo escreve que “veio à minha mão através do meu filho Dr. JCB uma carta que V/S dirigiram para o lote 73 da R. de Santa T... que nem sequer a direcção dele é (…) A minha casa está a ser fruída por mim e por pessoas do meu agregado familiar e por mais ninguém(…) está neste momento a sofrer obras de beneficiação (…) nenhuma clausula contratual ou do regulamento me impõe (…) que habite pessoalmente a casa a título permanente(…) Seria até de lembrar que adquiri o direito à casa quando prestava serviço público no ex-ultramar o que desde logo me impossibilitava de a ocupar pessoalmente a título permanente. (…) De qualquer maneira este assunto fica desde já ultrapassado pois pretendo usar imediatamente do direito de amortização integral antecipada da casa nos termos da cláusula 4.ª n.º 5, 9.ª 10.ª e 11.ª da escritura de transmissão e 16.º do regulamento.
Para o efeito envio um cheque sobre o Banco … do montante de 551.600$00(…) (…) para o efeito envio o cheque sobre o Banco … do montante de 551.6000$00(…)”..
14. JBM intentou a acção especial de consignação em depósito, apresentada em juízo em 15.12.1988 em que foi autor JBM e réu os referidos Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros e que correram termos pela 3.ª Secção do 5.º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, sob o n.º 632, do ano de 1988-ficha arquivo 1238174 (doc. 6 junto com a PI a fls. 87 e ss).
15. O contrato de compra e venda faz parte integrante do doc. 2 anexo à PI da acção especial de consignação em depósito de fls. 3 a fls. 5 do doc. 6 (certidão) extraída dos autos com a mesma designação.
16. JBM faleceu em 22/01/90 no estado de casado com IBT cfr. fls. 94 e ss e assento de óbito de fls. 261.
17. Deixou como herdeiras a cônjuge sobreviva e os filhos MJTBMM, HCTBM, JCTBM e AMTBMS cfr. fls. 94 a 188 e certidões de nascimento de fls. 96 a 188)..
19. O falecido JBM alegou na referida acção especial de consignação em depósito com o n.º 632/88 entre outros factos em síntese, o seguinte:
a. “ Nos termos da cláusula 4.ª n.º5 do contrato e do Regulamento tem direito de amortizar antecipadamente as prestações de preço por anos inteiros ou pela sua totalidade, declarando tal vontade à requerida (cfr. Art.º 9.º da PI).
b. Não obstante a controvérsia havida entre o inventariado/autor e o Réu/Obra Social quanto ao valor exacto da importância em dívida à época para efeitos de resgate, que no entender do primeiro era apenas de 497.692$00 e não 551.600$00 como lhe viria a ser transmitido pelo Serviço do R., ainda assim, prontificou-se a enviar tal quantia em 25/11/88 por via de cheque (art.º 12.º, da PI).
c. Cheque esse que a R. “Obra Social” não levantou o que justificou que o inventariado/autor, procedendo à instauração da acção de consignação em depósito lhe participasse por telegrama datado de 12/12/88, que iria face ao sucedido consignar judicialmente em depósito (sic): “(…) a parte do preço total da casa que a Ré “Obra Social” julgará ainda em dívida(…)” (cfr. Art.º 13.º da PI).
d. “(…) que por uma razão de ordem prática deposita também mais 106.394$00 para perfazer a quantia que a requerida em 06/12/83 dizia ainda ser-lhe devida, com o que como é óbvio não concorda, apesar de desde então já lhe ter pago mais 207.372$00 (cfr. Art.º 14.º, da PI).
e. O inventariado/autor invocando encontrar-se a R. “Obra Social” em “mora accipiend” e pretendendo por fim à sua obrigação de modo a “(…) poder averbar definitivamente a casa, em seu nome no Registo Predial(…)”.
f. Pretendendo cumprir a sua obrigação e perante a recusa do credor a receber a prestação, dando quitação, tem a faculdade de “(…) exonerar-se da dívida depositando judicialmente a prestação nos termos do art.º 841.º, n.º1, do Código Civil(…)”.
20. O inventariado autor requereu por via da aludida acção que se deveria considerar extinta a dívida correspondente “(…) de preço integral da que lhe adquiriu pela escritura pública junta pela quantia que se mostrar ainda em dívida pela força dos depósitos que se entende ser no máximo 551.600$00(…)”.
“Tudo com as demais consequências, condenando-se ainda o R. “Obra Social” como litigante de má fé e na indemnização de quantia não inferior (…) a 500.000$00 pelos prejuízos materiais e morais que lhe tem causado com a sua conduta ilícita (…)
21. Nessa acção foi apresentada contestação em 10/02/1989 pelo aí R. Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros, junta como doc. 5 com a contestação, a qual foi notificada ao aí A. JBM por carta registada de 13/02/1989 tendo este respondido em articulado apresentado no processo em 01/03/1989.
22. Uma vez habilitados os herdeiros do inventariado JBM, prosseguiu a acção especial de consignação com os seus sucessores e uma vez instruídos os autos (por ambas as partes) foi realizado o julgamento em Tribunal Colectivo “(…) findo o qual como mostra o acórdão de fls. 152/153 foram dadas as respostas aos quesitos (…)”, tendo numa primeira fase sido proferida sentença a fls. 155 a 159, tendo – o pedido da A- sido julgado improcedente, sendo por isso julgado ineficaz o depósito efectuado pelo autor e absolvida a R. do pedido…” cfr. ao cimo de fls. 70 da certidão junta como doc. 6 junta com a PI.
23. Inconformados com essa decisão, os AA apresentaram recurso recebido como apelação com efeito devolutivo, a fls. 161/162 (…),
24. No seu seguimento, por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 244 a 249 “(…) foram ordenados a alteração do quesito 1.º e o aditamento de novos quesitos, anulando, parcialmente, o julgamento, o que foi cumprido a fls. 258(…)”.
25. Novamente instruídos os auto por ambas as partes procedeu-se a julgamento e, mediante acórdão de fls. 450 desses autos, o colectivo respondeu à matéria de facto objecto de alteração e aditamento ao questionário.
26. Proferida nova sentença de fls. 458 a 465 julgando-se a acção procedente, foi “julgado válido o depósito oportunamente efectuado no valor de 561.600$00, sendo declarada extinta a obrigação de pagamento da amortização e autorizada a R. a proceder ao levantamento desse valor pelas forças do depósito, cabendo o restante aos herdeiros do autor”.
27. Desta vez, inconformada a R. com a decisão proferida foi dela interposto novo recurso para o Tribunal da Relação de lisboa, o qual foi recebido com a apelação com efeito devolutivo (fls. 467/468)
28. E consequentemente apresentadas as conclusões de 1) a 11) e seguidamente os AA apresentaram Contra-Alegações, fls. 477 a 504, concluindo “(…) em síntese pela conformação da sentença apelada”.
29. Nesses autos foram dados como provados os seguintes factos:
“1. O autor foi Juiz de Direito do ex-Ultramar e do quadro da Magistratura Portuguesa
“2. Como juiz de Direito do ex-ultramar, foi beneficiário com o n.º 2934 da Obra Social do Ex- Ministério da Cooperação…”
3. Por tal motivo, por escritura pública de 18/03/1977, … veio a adquirir à Obra Social o 10.º andar esquerdo do bloco F.4 da Urbanização da T... (prédio descrito na CRP de Oeiras sob o n.º …
4. O preço contratualmente estipulado foi de 657.000$00, pagável em 300 prestações de 3.456$00 cada, em que se incluía o juro de 4% ao ano
5.A casa referida em 3 foi adquirida pelo autor para este nela estabelecer a sua habitação e do seu agregado familiar… .
7.E depois foi colocado como juiz de Direito na comarca de Torres Vedras
8.Daí transitou para o Tribunal de Polícia de Lisboa, onde foi aposentado
10. O autor guardou na casa mobílias de sua pertença…
11Em 16/03/1978 o andar era habitado não pelo Autor, mas por JCL e mulher MNRS
12 A MNRS trabalhava para o autor e família há mais de 25 anos e já trabalhava até em Angola…
14 Nessa altura, o Autor ainda estava a prestar serviço na Comarca de Torres Vedras
15 Por isso, o RAVR e mulher foram habitar a casa…
16 E disso deu conhecimento verbal e por escrito à R. que então não viu na situação qualquer inconveniente …
17 Em 23/02/1981, o andar estava ocupado por RAVR e esposa com autorização do autor …
18 em 22/12/1981 o autor informou os Serviços da R. de que no seu andar habitava um casal de idosos…
19 Por Deliberação da Direcção da Obra Social e a pedido do Autor, em 02/04/1982, foi autorizada a utilização da casa, a título precário e até Dezembro de 1982, pelo referido RV…
20. Após o RV ter ido residir para o Porto, passou a viver na casa MTARFG e marido, ELFG
21 O Autor continuou a ter na casa o seu mobiliário…
22 em 1986 os Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros verificaram a ausência no prédio do Autor e a presença de ELFG e mulher MTARFG
23 Em 1987 voltou a confirmar-se que a habitação continuava a ser fruída pelo EG e mulher e que se mantinha a ausência dos autos
24. O Autor habitava a casa em Março de 1989 com familiares seus.
25 E nela tem feito obras, desde Setembro de 1988…
26 Durante o ano de 1983, o Autor foi administrador do Condomínio do bloco em que se integra a casa…
27 Reformulou e melhorou a antena de televisão fez obras de reparação e seguro colectivo do prédio…
28 Nessa altura, teve até de contactar a R. por motivo da habitação do porteiro…
29. O autor por carta de 17/11/1983 pretendeu amortizar totalmente o preço da casa, depois de ter pago 84 prestações mensais, no montante de 257.946$00 e a R. veio a indicar-lhe que ainda lhe devia a quantia de 657.994$00 para amortização total.
30 O Autor, por escrito de 25/11/1988, quis pagar integralmente a casa enviando à R. o cheque n.º 5473325890 sob o Banco …, no montante de 551.600$00, datado de 24/11/88.
31. A R. não levantou este cheque.
32 O Autor comunicou à R. por telegrama que iria consignar em depósito a quantia constante do referido cheque referido em 30.
30. Ponderada toda a factualidade assente e a sua subsunção à previsão legal aplicável, segundo as versões controvertidas formuladas pelas partes, cuja decisão final caberia ao Tribunal da Relação de Lisboa, se concluiu:
“(…) Nesta acção, apenas haveria e há que apreciar-se e decidir-se se é se existem/existiram ou não fundamentos para a impugnação/recusa, por parte da R., quanto à aceitação do montante depositado e, pelos motivos, já indicados, naturalmente que esses fundamentos se verificam (art.º 1027.º, alínea c) do CPC…”.
(…) Nos termos e com os fundamentos de facto e de direito já acima indicados, dando-se procedência à impugnação/apelação da Ré/apelante e julgando-se improcedente o pedido do A., declara-se ineficaz o depósito por este oportunamente efectuado, absolvendo-se aquele do pedido.
Custas pelos AA/art.º 1028.º, n.º2, do CPC”
31. Do Acórdão consta o trecho seguinte:
“(…) De resto, atente-se que nos presentes autos e para outros fins, dada a inexistência de qualquer pedido reconvencional e designadamente quanto a essa matéria, o tribunal, como também é o caso desta instância, não tem que se pronunciar sobre a relevância ou não desses fundamentos para outros efeitos, para além da verificação da invocada condição resolutiva do incumprimento pelo beneficiário adquirente (autor, ora representado por quem lhe sucedeu – os referidos habilitados)(…).sendo de realçar ainda, para finalizar, (sic):
“No caso em apreço, não pode falar-se, concretamente, na existência de um abuso de direito, ou colisão previsto nos artigos 334.º e 335.º, ambos do Código Civil, tanto mais, que, como já acima se disse, a concretização do alegado direito à resolução do contrato nem sequer está a ser aqui-como também não devia sê-lo-, especificamente, considerado/a… “
32. Uma vez proferido o Acórdão o sucessor/habilitado do falecido A., JBM, requereu a sua reforma ao abrigo do disposto no art.º 662.º, n.º2 als. A) e b) aplicáveis “ex vi” do CPC.
33. Na contra alegação de recurso, os apelados suscitaram que o incumprimento de deveres impostos pelo contrato do beneficiário/adquirente não permitia, só por si o exercício por parte da entidade vendedora de resolver o contrato…,
O exercício desse direito… dependia da prévia interpelação da parte faltosa para cessar a violação dos deveres contratuais, sob pena de resolução do negócio, em conformidade com o disposto na respectiva cláusula 6 n.º2. No acórdão proferido não se acolheu a tese dos apelados, com fundamento no disposto no art.º 27.º, do Regulamento das Casas Económicas, mas esse preceito não é aplicável ao contrato em causa, visto que este se encontra consubstanciado no documento n.º2, junto com a petição inicial, sendo que como dele consta foi elaborado em conformidade com o disposto no art.º 11 do aludido Regulamento, aprovado pela Portaria n.º 23.785, de 18 de Dezembro de 1968”;
O regulamento apenas teve aplicação para, sendo necessário, integrar as lacunas do negócio na parte em que fosse omisso (clausula 14.ª do Contrato)”.
A situação em que, no acórdão se faz aplicação do n.º 3 do art.º 27.º do Regulamento está expressamente prevista e regulada na cláusula 6.ª do contrato, pelo que não poderia o julgador ter-se socorrido daquele preceito legal”.
Por outro lado, a apelante nunca interpelou o A. para cessar a violação de quaisquer deveres contratuais, por isso, aquela nunca se colocou na posição de poder exercer, com legitimidade, à face do contrato que outorgou, o direito de resolução”
Concluindo, sustenta que deve esta instância atender ao referido contrato junto aos autos e, reformando-se o acórdão, deve alterar-se a decisão recorrida, por forma a confirmar-se a sentença apelada (…)”
34. Subsequentemente notificada do conteúdo do referido requerimento a apelante Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros pugnou no sentido de ser o mesmo indeferido.
35. Analisando o mencionado requerimento, a instância em síntese entendeu: “que na oportunidade e no âmbito do recurso (…) submetido a esta relação foram tidos em conta conjugadamente, todos os factos/fundamentos relevantes e com interesse para a decisão da causa – relativamente aos quais tinha cabimento a apresentação-com vista a que fosse proferida, como foi, a respectiva decisão (…)”
“(…) Obviamente que tal expediente não pode servir para as partes virem discutir com o tribunal aspectos jurídicos da decisão e/ou a interpretação e valoração dada à matéria de facto, o que seria de todo desajustado, por se mostrar esgotado o poder jurisdicional, após a prolação do acórdão(art.º 668.º, n.º1, do CPC).
Em face do exposto:
“(…) Assim sendo, dispensando-se quaisquer outras considerações, por desnecessárias, nada havendo a reformular, acorda-se em julgar improcedente a pretensão formulada”.
36. A Relação veio ainda a pronunciar-se sobre o requerimento datado de 22 de Setembro de 2000 apresentado também pelos requerentes – apelado AMHCTBM, a fls. 573, recurso esse interposto também do mesmo acórdão de 05/07/2000 para o STJ,
37. Em virtude do qual, também a mesma relação atento o valor da acção e porque dera entrada em juízo no dia 15 de Dezembro de 1988, tal facto, nos termos do disposto no art.º 20.º, n.º1 do LOTJ (Lei 38/87 de 23-12 aplicável aos autos), viria a justificar a sua rejeição, por inadmissível no mesmo Acórdão prolatado e datado de 17 de Outubro de 2000.
42. JBM remeteu à Obra Social em 22 de Novembro de 1989 que a recebeu a carta junta a fls. 142 onde se lê “tendo verificado que esses serviços até esta data não procederam ao desconto do meu cheque n.º 5084814580 sob o Banco Nacional Ultramarino Balcão Campo de Ourique no montante de 3.456$50 que em 30/10/89 lhes remeti com data de 1/11/89 para liquidação da mensalidade à margem indicada, venho comunicar a V. Exas que na ausência de qualquer explicação desses serviços para tal facto no prazo de oito dias, a próxima mensalidade Vos será remetida por carta registada com aviso de recepção”.
43. JBM remeteu à Obra Social em 04 de Dezembro de 1989 a carta junta a fls 146 onde se lê “No seguimento da minha carta de 4 de Dezembro último e conforme minha intenção nela anunciada, em face da conduta de V. Exas incluso lhes remeto, nos termos habituais, o meu cheque visado n.º 3944814605 sob o Banco Nacional Ultramarino no montante de 3.456$50 para liquidação da mensalidade à margem indicada(…) mensalidade de Fevereiro de 1990 (…) “Aproveito para comunicar a V. Exa. que se até ao vencimento da próxima prestação não for efectuado por esses serviços o desconto dos meus dois últimos cheques relativos à liquidação das duas últimas mensalidades, a próxima bem como todas as subsequentes passarão a ser depositadas à V. ordem na Caixa Geral de Depósitos(…)”.
44. Em 12.09.1989, JBM interpôs recurso contencioso da referida deliberação de 05.07.1989 dos SSPCM, o que deu origem ao processo n.º 8652/1989 da 2ª Secção do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em cujo âmbito foi apresentada resposta pelos SSPCM em 28.11.1989, na qual se conclui ser o acto recorrido um acto de extinção do contrato n.º 294, de fls. 73, praticado a título de sanção, plenamente válido e eficaz, e em que se pugna por dever ser declarada a legalidade do acto recorrido, tendo este processo terminado por decisão proferida em 04.03.1991, transitada em julgado em 25.03.1991, que julgou deserto o recurso por a instância ter ficado suspensa durante um prazo superior a um ano sem que os seus sucessores tivessem promovido o incidente de habilitação – doc. n.º 8 junto com a contestação.
45. JBM remeteu à Obra Social em 04 de Janeiro de 1990 a carta junta a fls 143 onde se lê “No seguimento da minha carta de 4 de Dezembro último e conforme minha intenção nela anunciada, em face da conduta de V. Exas incluso lhes remeto nos termos habituais o meu cheque visado n.º 5234814658 sob o Banco Nacional Ultramarino no montante de 3.456$50 para liquidação da mensalidade à margem indicada(…) mensalidade de Fevereiro de 1990 (…) “Aproveito para comunicar a V. Exa. que se até ao vencimento da próxima prestação não for efectuado por esses serviços o desconto dos meus três últimos cheques relativos à liquidação das três últimas mensalidades, a próxima bem como todas as subsequentes passarão a ser depositadas à V. ordem na Caixa Geral de Depósitos(…)”.
46. JCBM remeteu à Obra Social em 04 de Fevereiro de 1990 a carta junta a fls 149 onde se lê “(…) Aproveito para informar V/S do falecimento do meu pai ocorrido em Londres em 22 de Janeiro, pelo que toda a correspondência (…) deverá ser enviada para a R. Joaquim Quirino, T... ao cuidado da minha mãe e cabeça de casal IBT com o meu pai ali residente
Aproveito para informar V/S que a partir do presente mês as mensalidades a que aludem no ponto 2 do ofício à margem identificado serão depositadas à v/ordem na Caixa Geral de Depósitos conforme comunicação do meu pai a esses serviços feita em 4 de Janeiro último (…)”.
48. Em 17/11/1983 JBM tinha pago 84 prestações mensais, no montante de 257.946$00.
49. As mensalidades relativas aos anos 1984 a Fevereiro de 1989 foram pagas pelo adquirente JBM.
50. Os serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros emitiram em nome de JBM os recibos de pagamento das mensalidades de Março a Novembro de 1989 juntos a fls. 150 a 152.
51. Na conta de depósitos obrigatórios n.º 0697.871641.150 aberta em 9/12/1988 encontra-se depositado o valor de 657.994$00 por JBM, correspondente a €3.282,06 a favor da Obra Social dos Antigos Ministério do Ultramar e da Coordenação cfr. declaração da Caixa Geral de Depósitos de fls 486.
52. Na conta n.º 0697/973133/350 foram depositadas pelos herdeiros a favor da Obra Social dos Antigos Ministério do Ultramar e da Coordenação as mensalidades de Fevereiro de 1990 a Outubro de 1999 descriminadas nos docs. de fls. 487 a 488, num total de €394.040$00.
53. Correu termos inventário por morte de JBM com o n.º 422/1996 no 1.º juízo cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais.
54. Foi adjudicada à AM e a sua irmã a interveniente HCTBM divorciada, sem divisão de parte e na proporção dos respectivos quinhões, a verba 2 da relação de bens apresentada nos autos de inventário referidos, tendo nesses autos sido proferida homologação por sentença do mapa da partilha transitada em julgado em 27/03/2006, conforme consta dos autos de inventário facultativo registados sob o n.º 422/1996, no 1.º juízo cível do Tribunal de Família e Menores de Comarca de Cascais. Tudo conforme consta da certidão junta como doc. 1 com a PI.
55. A verba 2 foi descrita na Relação de Bens apresentada por óbito do inventariado, JBM, como integrando: direito de crédito, nos seguintes termos:
“Devem à herança os Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros a transmissão do direito de propriedade relativo à fracção autónoma designada por letra “Z”, do prédio urbano, sito na freguesia de P..., concelho de Oeiras, na R. Joaquim, número sete, 10.º andar esquerdo, adquirido em propriedade resolúvel à extinta Obra Social do Ex-Ministério da Cooperação pelo inventariado por escritura de 18/03/77, descrita e inscrita a favor dos transmitentes na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob a ficha n.º 802/17/03/88 e inscrita na matriz predial urbana da freguesia de P... a favor do Inventariado sob o art.º 1722-Z, com o valor patrimonial de: 1.024.358$00”.
Como vimos o que caracteriza e diferencia o direito de propriedade resolúvel é a sua natureza revogável. Trata-se de um direito sujeito a condição resolutiva, na pendência da qual produz todos os seus efeitos. Caso se verifique a condição, tais efeitos desaparecem como se não se houvessem produzido. Caso não se verifique, o direito consolida-se na sua plenitude, desde que se verifique uma outro facto desencadeador da transmissão da propriedade plena, isto pagamento da última cifra do preço.
Luiz da Cunha Gonçalves chama a atenção para que “o principal efeito da propriedade resolúvel é ter esta dois titulares simultâneos : um actual ou sob condição resolutiva, que é o adquirente e fica desde logo de posse da cousa adquirida; outro possível, ou sob condição suspensiva, que é o alienante e readquirirá definitivamente a mesma propriedade, quando outra condição se realize. É bem sabido que toda a condição tem dupla face: suspensiva para um adas partes, resolutiva para a outra, o que não pode deixar de influir nos seus efeitos, independentemente de qualquer prévia declaração’’ (Tratado, op. cit:240).
Por sua vez Pires de Lima e A.Varela, na anotação ao artigo 1307.º, depois de sublinharem que “já o Código de 1867 admitia, sem restrições a propriedade resolúvel’’ afirmam que “a admissibilidade da propriedade sujeita a condição suspensiva resultava da aplicação dos princípios gerais ou das regras especiais dos contratos translativos do domínio, para já não invocar a própria admissibilidade da propriedade resolúvel, que conduz por si só, à admissibilidade da condição suspensiva’’ (o itálico é nosso).
No recente Código Civil Anotado, coordenado por Ana Prata (II Vol., Almedina, 2017: 103), apenas se admite a condição suspensiva sujeita ao regime dos artigos 272.º a 277.º.
Tem realmente de compreender a natureza e funcionamento da condição (ou condições) à luz das regras especiais do concreto contrato translativo do domínio.
O Ac. RL de 24/06/1986, CJ, T 3.º:139 decidiu que a aquisição de uma casa em regime de propriedade resolúvel ao Fundo de Fomento da Habitação considera-se feita sob condição suspensiva do pagamento integral das prestações acordadas.
No caso, a transferência da propriedade plena sobre a fracção estava dependente do pagamento das 300 prestações acordadas. Não deve confundir-se esta face da condição com as suas outras faces. Se não nos enganamos o primeiro grau não atendeu a esta tripla faceta.
Não se tendo verificado o pagamento regular e totalmente devido à OS não se pode falar em aquisição derivada da propriedade plena por banda da recorridas.
***
4. Da aquisição originária
Todavia, as recorridas querem prevalecer-se de uma outra forma de aquisição da propriedade, a aquisição originária por usucapião.
Já se viu que é sobre este instituto que a autora focaliza a causa de pedir descrita na petição inicial.
Ensina Menezes Cordeiro “que a usucapião pode ser definida como a constituição facultada ao possuidor, do direito real correspondente à sua posse . desde que el assuma determinadas características e se tenha mantido pelo lapso de tempo determinado na lei’’ (A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, Almedina, Coimbra, 1997:129).
De acordo com o mesmo autor, um entre muitos, a usucapião assenta nos seguintes pressupostos.
- uma posse;
- com certas características;
- sendo o direito a constituir usucapível;
- e mantida pelos prazos legais.
Vejamos se no caso vertente estão reunidos estes pressupostos.
Para usucapir a lei exige uma posse, não uma mera detenção.
Diz o artigo 1251.º CC que a posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.
Na perspectiva daquele que tem vontade de adquirir um bem que não tem, pode definir-se a posse como “um poder de facto exercido sobre uma coisa que a pessoa ainda não adquiriu’’ (Jaime Gouveia, Direitos Riais:145) ou “o poder de facto exercido por uma pessoa sobre uma coisa, normalmente alheia ou pertencente a dono ignorado ou que não tem dono’’ (Cunha Gonçalves, Da Propriedade e da Posse:83) ou, ainda “o poder que o homem exerce sobre as coisas de que se apoderou, mas que não lhe pertencem ainda em propriedade’’ (Pires de Lima, Lições de direito civil (Direitos Reais):62 – todas estas 3 citações foram retiradas de Paula Costa e Silva, Posse ou Posses?, Coimbra, 2004:14/15).
Este poder que o homem exerce sobre as coisas tem de se traduzir em factos, não bastando afirmações abstractas nem conclusões de direito.
A simples apreensão da coisa por uma pessoa não cria a posse; é preciso para isso a vontade (animus) que estabelece um laço entre elas. É o que resulta do incontornável artigo 1253.º, al. a), CC.
Para conduzir à usucapião a posse tem de revestir sempre duas características: ser pública e pacífica (artigos 1297.º e 1300.º, 1, CC).
Como refere Manuel Henrique Mesquita “os restantes caracteres que a posse pode revestir (ser de boa ou de má fé, titulada ou não titulada e estar ou não inscrita no registo) influem apenas no prazo necessário à usucapião (Direitos Reais, Sumários das Lições ao curso de 1966/67, Coimbra, 1967: 112).
Não podem adquirir-se por usucapião as servidões não aparentes e os direitos de uso e habitação e, em geral, as situações possessórias que não correspondam a direitos reais de gozo (v.g. direitos reais de garantia – penhor , hipoteca – direitos reais de aquisição – preferência, execução específica – e os direitos de crédito – locação).
Finalmente, nos termos do art.º 1296.º, “não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de 15 anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos se for de má fé”.
Cumpre acrescentar, como aliás o fez o primeiro grau, que, nos termos do artigo 1.º da Lei n.º 54 , de 16 de julho de 1913, mantida em vigor pelo artigo 1304.º do Código Civil, “as prescrições contra a Fazenda Nacional só se completam desde que, além dos prazos actualmente em vigor, tenha decorrido mais metade dos mesmos prazos’’.
Que dizer a propósito da factualidade provada com relevância para uma eventual aquisição originária do domínio?
4.1. O facto n.º 8 deve ser totalmente desconsiderado porquanto contém matéria de direito.
4.2. O facto n.º 6 é em boa medida conclusivo. Dele só se pode retirar que JBM pagou as mensalidades e contribuições para o condomínio, após 18.03.77, e pelo menos a partir de 1989, pagando os respectivos impostos, realizando obras e suportando o seu custo, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, na convicção de que seria o legítimo dono da fracção.
Esta factualidade deve ser conjugada, por ter particular relevância para a aquisição da posse, com os n.ºs 61 a 66 e 75 a 77, ou seja que entre dia e mês não apurado do ano 1988 e os primeiros meses de 1990 a fracção esteve ocupada por JBM e IBT, e MJBMM e seu marido JMM, estes últimos embora residente habitualmente no Funchal (Caminho das Virtudes, Bloco 2, 4º D), passaram a residir temporariamente na fracção, em virtude de frequência por JM, enquanto médico, de especialidade de Saúde Pública; que no período anteriormente referido JBM e Mulher habitavam a casa, com excepção dos períodos temporais em que JBM se deslocou a Londres a fim de realizar tratamentos e exames médicos, em virtude da doença que lhe foi diagnosticada e do período em que a fracção foi sujeita a obras de conservação por JBM; que de meados de 1990 a final de 1991 a mesma fracção foi ocupada por IBT, JCBM e MJBMM; que IBT habitou a fracção até pelo menos o final de 1999; a casa chegou a ser habitada pela A. AM e seu agregado familiar durante alguns anos da década de 1990; que a fracção autónoma passou a ser casa de morada de família da A. AM e do seu agregado familiar, a partir de finais de 2004 até ao presente e que desde sempre foram efectuadas na respectiva fracção as obras de conservação e remodelação que a mesma necessitava, datando a realização das mais antigas de 1989 e 1990 as quais foram realizadas nomeadamente nas casas de banho, na cozinha e no chão; que desde sempre foram efectuadas na respectiva fracção as obras de conservação e remodelação que a mesma necessitava, datando a realização das mais antigas de 1989 e 1990 as quais foram realizadas nomeadamente nas casas de banho, na cozinha e no chão; que as obras de remodelação e manutenção da casa de morada de família realizadas a partir de 2006 foram efectuadas e pagas pela A. tendo esta em 2009 substituído todos os alumínios da casa no valor de €3.135,00 tendo realizado ainda obras em 2012; que concorrem com estas obras as realizadas nas partes comuns do prédio e pagas pelos condomínios, entre os quais JBM e herdeiros, nos elevadores, no telhado e pintura do prédio..
4.3. Dos comportamentos, acontecimentos ou situações ocorridos entre 18.03.1977 e 22.10.90 relacionados com o laço de proximidade espacial entre o beneficiário e a fracção
Provou-se que o Sr. Dr. JBM, quando assinou o contrato, em 18 de março de 1977 tinha domicílio no Tribunal Judicial de Torres Vedras e residência na sede dessa comarca; foi trocada vária correspondência entre o beneficiário e a OS, v.g. em novembro de 1988, em que esta, no essencial, imputava àquele a falta de residência no local, fundamento de resolução da propriedade, rejeitando o beneficiário tal imputação e ao mesmo tempo pretendendo, sem êxito, exercer o direito de amortização integral antecipada da casa; que o beneficiário-adquirente instaurou acção especial de consignação em depósito contra os Serviços Sociais da Presidência do Conselho de Ministros requerendo que se considerasse extinta a dívida que se mostrasse ainda em dívida correspondente ao preço integral da fracção, acção julgada improcedente; que nessa acção os Serviços Sociais apresentaram contestação em 10/02/1989 a qual foi notificada ao aí A. JBM por carta registada de 13/02/1989 tendo este respondido em articulado apresentado no processo em 01/03/1989; que em 5 de Julho de 1989, o Conselho de Direcção dos SSPCM deliberou a resolução do contrato de compra e venda celebrado em 18.03.1977 com JBM com o fundamento de que o mesmo não habitava o imóvel em causa; que o Presidente da Direcção dos SSPCM por ofício datado de 10.07.1989 deu conhecimento ao beneficiário do teor daquela deliberação intimando-o a proceder à entrega da casa, no prazo de 30 dias, a contar da recepção do ofício-notificação; que em 12.09.1989, JBM interpôs recurso contencioso da referida deliberação em cujo âmbito foi apresentada resposta pelos SSPCM em 28.11.1989, tendo tal recurso terminado por decisão proferida em 04.03.1991, transitada em julgado em 25.03.1991, que julgou deserto o recurso por a instância ter ficado suspensa durante um prazo superior a um ano sem que os seus sucessores tivessem promovido o incidente de habilitação; que em 1978 a casa chegou a ser habitado por JCL e mulher,  os quais foram acolhidos na casa por Dr. JBM por terem regressado de Angola sem nada e com 4 filhos; nessa altura, o beneficiário estava a prestar serviço na Comarca de Torres Vedras; que RAVR e mulher chegaram a habitar a casa com autorização de JBM que deu conhecimento verbal e por escrito à R. que então não viu na situação qualquer inconveniente, tendo sido autorizada pela Direcção da Obra Social a sua permanência até ao final do ano 1982; que o Autor teve sempre mobiliário na casa desde 18.3.77; que o Sr. Dr. JBM faleceu no dia 22.01,1990 tendo deixado como herdeiros a cônjuge sobreviva e os filhos MJTBMM, HCTBM, JCTBM e AMTBMS.
4.4. Actos relacionados com a coisa depois de 22.10.1990
Prova-se, para além do já referido em 2, que, depois do falecimento do beneficiário, ocorreu o seguinte: o vogal do Conselho de Direcção dos SSPCM assinou em 18.10.1993 o ofício com o n.º 6154, endereçado a IBT, para a morada – Sta T... 2775 Parede, em que, por se considerar que se mantinha válido e eficaz o acto administrativo de 05/07/89, concedia aos herdeiros de JBM o prazo de 30 dias para procederem à entrega da casa, o que não teve qualquer sequência; correu termos inventário por morte de JBM no 1.º juízo cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais; foi adjudicada à AM e a sua irmã a interveniente HCTBM divorciada, sem divisão de parte e na proporção dos respectivos quinhões, a verba 2 da relação de bens apresentada nos autos de inventário referidos, referente à fracção ora em causa, tendo nesses autos sido proferida homologação por sentença do mapa da partilha transitada em julgado em 27/03/2006; a A. AM e a sua irmã, HC, respectivamente com o NIF 140921494 e 178334600, têm vindo a pagar o IMI, a partir do ano fiscal de 2006 até à presente data de 18 de Junho de 2013, na proporção de ½, com referência ao imóvel inscrito na matriz urbana da freguesia de P..., Oeiras sob o artigo n.º …, fracção autónoma “Z”; na mesma certidão consta a qualidade da A. de herdeira do inventariado JBM; com base nos elementos oficiais existentes no mesmo Serviço e Finanças, quer no respeitante à Contribuição Autárquica (CA) dos anos anteriores de 1989 a 2005, os pagamentos dos impostos devidos referentes ao imóvel supra descritos no quadro constante da certidão, os quais se encontram pagos na totalidade até 2002 estando registados em nome de JBM e a partir de 2003 até 2005 encontram-se igualmente pagos (contribuição autárquica e IMI) em nome de JBM , C.C.H.; consta da mesma certidão que “O pagamento a partir do ano fiscal de 2006 inclusive é devido pela requerente AMTBM na proporção de ½ em compropriedade com HCTBM; a A A. pediu à administração do condomínio do prédio a declaração junta como doc. 5, onde consta que relativamente à fracção “Z” correspondente ao 10.º andar Esq.º do Condomínio F4 “nomeadamente quotizações e quotas extra para efeitos de reparação e conservação de partes comuns do prédio desde o ano de 1977 até à presente data, foram sempre liquidadas pela família do Dr. JBM; desde Janeiro de 2007 até hoje, todos os encargos do condomínio e correlativos custos das inerentes obras têm sido suportados exclusivamente pela A, A; As Finanças procederam à notificação da A. em 21/06/2011 da avaliação junta como doc. 4 a fls. 85 fazendo constar dessa notificação como morada da A. a casa sita na Rua Laura Alves, Urbanização T…, Rana, 2785- 679 São Domingos de Rana; em 24 de Setembro de 1996, por ocasião da prestação de declarações como cabeça-de-casal no âmbito do processo de inventário, IBT, cônjuge sobrevivo de JBM (pais da A.), declarou que este havia falecido em 22.01.1990 em Londres, tendo como morada habitual, em Portugal, a Rua de Santa T..., na Parede, concelho de Cascais, e bem assim que, com relação aos demais interessados, a filha MJTBMM era residente no Funchal (Caminho das …, Bloco .., ..º D), a filha HCTBM era residente na Parede (Rua Francisco …, .., 3º), o filho JCTBM residia também na Parede (Rua de Santa T..., ..), e a filha AMTBM, ora A., era residente em S. Domingos de Rana (Urbanização T…, …, S. Domingos de Rana); do assento de óbito de JBM consta que o mesmo tinha residência habitual à data da sua morte na Rua de Santa T...,…, 2775 Parede; por carta datada de 11 de Junho de 2007 dirigida aos SSPCM, HCTBM, irmã da A., e com relação à casa em questão, solicitou ser elucidada sobre a situação do imóvel, nomeadamente no que diz respeito à sua titularidade, bem como se a Obra Social exerceu, ou não, o direito à resolução do contrato, resultando ainda do texto dessa carta que o averbamento, para efeitos fiscais, em seu nome e no da A., da casa foi efectuado em Março de 2007 com base numa comunicação do Tribunal de Cascais no âmbito do processo 422/96 do 1º Juízo Cível; não obstante a deliberação de resolução referida os SSPCM não exigiram judicialmente a entrega da fracção até ao presente.
4.5. Da aquisição da posse
A posse adquire-se, entre outros casos que agora não importa considerar, pela prática reiterada, com publicidade, de actos materiais correspondentes ao exercício do direito (artigo 1263.º al. a) CC).
Importa a este respeito citar na integra a anotação 5 feita por Pires de Lima e Antunes Varela ao segmento do preceito atrás posto em realce: “Exige-se em terceiro lugar, que se trate de actos materiais. Este requisito tem o maior interesse prático, porque todos os direitos atribuem aos seus titulares, conjuntamente, poderes de ordem material e poderes de carácter jurídico, e só os primeiros contam para efeito da aquisição originária da posse.
Vejamos, por exemplo, a propriedade. Nos termos do artigo 1305.º, o proprietário goza não só dos direitos de uso e fruição, poderes materiais, como do direito de disposição, poder estritamente jurídico, tal como o de administração da coisa (arrendar, alugar, emprestar, etc.). Ora, escrevem Aubry e Rau (Droit Civil Français, II, § 177, citados por Manuel Rodrigues, ob. cit, n.º 38) “o exercício dos actos jurídicos de administração ou de disposição não está necessariamente ligado ao facto da posse, porque o proprietário de uma coisa pode vendê-la ou aluga-la, ainda mesmo que ela seja detida ou possuída por um terceiro’’. Daí, a doutrina consagrada no Código. Só através de actos materiais, isto é, de actos que incidem directa e materialmente sobre a coisa se pode adquirir a posse, e nunca através de actos de disposição ou de administração. Se alguém, por exemplo, paga habitualmente a contribuição predial e outros encargos relativos a determinado imóvel, não adquire, atrvés desses actos, a posse do prédio. Trata-se, com efeito, de actos que podem ser praticados por qualquer pessoa, não pressupondo uma relação de facto sobre a coisa’’.
Fernando Rodrigues, por sua vez, escreve: “…o acto de pagar o IMI – Imposto Municipal Sobre Imóveis – (ou, anteriormente, a contribuição autárquica ou predial), uma vez que não pressupõe uma relação de facto sobre a coisa, não é configurável como um acto material de posse, pelo que não basta a prova de ter pago, por mais de 20 anos, o dito imposto, ou contribuição, de determinado prédio para se considerar o mesmo adquirido por usucapião’’ (Usucapião, Constituição Originária de Direitos Através da Posse, Almedina, Coimbra, 2008:22).
Este Desembargador cita, sufragando este entendimento, o Ac. RC de 25.06.1996, CJ, T III: 32.
Sendo esta a melhor interpretação do preceito, como achamos que é, fácil é entender que factos materiais relevantes para aquisição da posse, só existem depois de 1989 e são apenas os elencados em 2., não se podendo atribuir relevância para aquele efeito v.g. ao pagamento de impostos, de prestações ou ainda de despesas de obras e de condomínio, que bem pode ser realizado independentemente de qualquer ligação material com a coisa.
Importa aqui chamar à colação o artigo 1255.º do CC que consagra o instituto da união de posses ou sucessão na posse. A posse não tem de estar constituída na pessoa que a vai invocar, pois que esta pode valer-se de uma posse em que tenha sucedido. Assim acontece com os herdeiros do beneficiário.
4.6 – Do prazo da usucapião
Quando não haja registo de título nem de posse o prazo de prescrição dos imóveis é de 15 ou 20 anos, consoante a posse seja de boa fé ou de má fé (artigos 1296.º CC).
A posse diz-se de boa fé quando o possuidor ignora que está a lesar os direitos de outrem (artigo 1260.º , 1, CC). Acolhendo uma ideia ética da posse (e recorde –se que o beneficiário não é propriamente uma pessoa que tenha dificuldades em se movimentar nos meandros legais) dir-se-á que se alguém ignorar, com culpa, que está a violar o interesse de outrem tem de considerar-se de má fé.
Como opina Fernando Rodrigues, que aqui acompanhamos, “embora o momento relevante para caracterizar a posse seja o da aquisição, a posse não fica definitivamente marcada, no seu regime por no momento da sua constituição o possuidor estar de boa ou de má fé. A posse de boa fé passa a ser de má fé a partir do momento em que o possuidor tome, ou deva, tomar consciência de que está a lesar outrem’’ (Usucapião, op. cit:66).
Ora mesmo que não se queira concluir, perante os factos 12, 57 e 58, a má fé do beneficiário desde novembro de 1989, seguramente que tal conclusão se torna irrefutável com a notificação de 10.7.1989 ou, então, no máximo da extensão da boa fé, em 25.03.1991com o trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao recurso contencioso da deliberação de 5.7.1989 que resolveu o contrato de compra e venda da fracção celebrado em março de 1977, decisão que se tornou firme.
Sendo a posse de má fé o prazo prescricional é de 30 anos (20+10). Contando tal prazo a partir de 1989 o prazo da prescrição não se encontava ainda esgotado em 2013, data da propositura da acção.
Os requisitos para configurar uma usucapião devem estar presentes na data da propositura da acção. Ainda que o lapso temporal venha a se completar no decurso da processo, não poderá ser considerado para fins de prescrição aquisitiva.
Como se lê no Ac. RE de 9.10.2014, Proc. 884/12.0TBSTB. E1, www.dgsi.pt, I- O pedido de reconhecimento de um direito tem na sua base a existência desse direito no momento em que o pedido é formulado.
II- Faltando, à data da propositura da acção, um período de tempo para completar um prazo de usucapião, não pode o tribunal reconhecer o direito de propriedade com fundamento em que o período em falta decorreu no decurso do processo
III- A esta situação não é aplicável o art.º 611.º, Cód. Proc. Civil.
Falta, por conseguinte um elemento fundamental para o reconhecimento do domínio da autora e da interveniente, qual seja o decurso do tempo necessário para se completar. Tal conclusão prejudica qualquer consideração acerca de eventual interrupção ou suspensão do prazo da prescrição (artigos 1292.º, 318.º ss e 323 e ss, CC).
***
5. Conclusão
No caso sujeito a recorridas não demonstrou nem a aquisição derivada nem a originária do imóvel que reivindicam, sem sequer terem alegado que os SSPCM estão em poder da ajuizada fracção.
Não podem prevalecer-se da presunção derivada do registo porquanto a aquisição do direito real de propriedade sobre tal imóvel encontra-se inscrita a favor daqueles serviços.
As recorridas não demonstraram a prática de actos materiais, com corpus e animus , suficientes para se poder concluir estarmos perante uma posse boa para usucapir.
A  conclusão a tirar, nos quadros de uma concepção tradicional da acção de reivindicação, só poderá ser favorável ao recorrente.
***
Pelo exposto, acordamos em julgar procedente a apelação e, consequentemente, em revogar a sentença impugnada quanto aos capítulos I e II do respectivo dispositivo, que substituímos por outros que absolvem o Estado português dos correspondentes pedidos.
Custas pelas recorridas.
***
14.02.2019
Luís Correia de Mendonça
Maria Amélia Ameixoeira
Rui Moura