Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | ELSA MELO | ||
| Descritores: | DOMÍNIO PÚBLICO PROPRIEDADE PRIVADA ÓNUS DA PROVA LEI N.º 54/2005 DE 15 DE NOVEMBRO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/10/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | I. – Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis deve provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objecto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de Março de 1868; II. – O erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei; | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório: F......., SA., aqui Recorrente, propôs ação de processo comum contra Estado Português tendo por objecto o reconhecimento da propriedade privada da A. sobre uma parcela de terreno sita em área de domínio público marítimo, localizado no Sítio do Campo de Baixo, freguesia de Porto Santo, concelho de Porto Santo, Alega, em síntese, que a parcela cuja propriedade se pretende ver reconhecida é contígua à praia, pelo que a prova que a Autora se propôs fazer, corresponde ao historial das transmissões da titularidade do prédios objeto da presente ação, desde o presente até uma data anterior a 31 de Dezembro de 1864, remetendo para prova documental junta. * Citado o Ministério Público, em representação do Estado, contestou alegando, em suma, que os documentos apresentados pela Autora são inábeis a provar que aqueles imoveis eram objecto de propriedade particular ou comum em data anterior a 31 de Dezembro de 1864 e invocou uma questão prejudicial. Respondeu a Autora, pugnando pela improcedência da questão prejudicial invocada pelo Ministério Público. * Foi realizada audiência prévia, onde se teve por não verificada a questão prejudicial suscitada pelo Réu, e se determinou o prosseguimento dos ulteriores termos do processo tendo sido realizada audiência de julgamento após junção de relatório pericial. * Foi proferida decisão a julgar improcedente a acção. É a seguinte a fundamentação da decisão que importa convocar: « Assim sendo, resta concluir que a Autora, não obstante ter provado que o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.ºs (...) – por confrontar com a praia – faz parte da parcela de terreno com a área de 13.993 m2 que se encontra situada entre a linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais (a saber: LMPAVE) e a linha limite de margem (a saber: LLM) (cfr. FACTO 6.), não logrou provar documentalmente que o mesmo era, por título legítimo, objecto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864. Atendendo ao enunciado nos pontos que antecede, conclui-se que a Autora não provou que (parte) (d)o seu prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...) já era privado em data anterior a 1864. Consequentemente, a parcela de terreno com a área de 13.993 m2 que se encontra situada entre a linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais (a saber: LMPAVE) e a linha limite de margem (a saber: LLM), que faz parte integrante do prédio referido em 2., não está excluída do domínio público marítimo, ao abrigo do disposto no artigo 15.º, n.º 2, da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, não devendo, por conseguinte, ser considerada como particular.». * A Recorrente insurge-se contra esta decisão, apresentando as seguintes conclusões do recurso: «A. Em causa nos autos estão dois prédios, designados pelos (…), ambos situados nos Carriços, Sítio do Campo de Baixo, na Ilha do Porto Santo. B. O objeto do presente recurso é o erro de julgamento incorrido pela sentença recorrida ao abster-se de reconhecer o facto - que veio a julgar provado – de o prédio (…) estar em propriedade privada desde 1862, como relevante para o reconhecimento da propriedade privada da ora Recorrente sobre a faixa de domínio público marítimo que incide sobre o prédio atualmente descrito sob o n.º (…) na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo, peticionada ao abrigo do artigo 15.º, n.º 2 da Lei 54/2005, de 15 de novembro; C. Da factualidade julgada provada na sentença recorrida resulta o seguinte: a. O prédio (…) integrava os bens inventariados nos “autos de inventário e partilha amigável” em que foi inventariada (…) e inventariante (…), instaurados no ano de 1862 (cfr. Factos Provados 10 e 13); b. Por força desse mesmo inventário, o mesmo prédio foi transmitido em “pagamento a (…) e (…)”, o que significa que o prédio (...) foi transmitido em 1862 à mesma pessoa que, 36 anos mais tarde, viria a receber por doação de sua irmã (…), localizado também no “no “Sítio do Campo de Baixo”; c. O mesmo prédio (...) se localizava no “Sítio do Campo de Baixo”, precisamente onde se localizava o prédio (…) e que, após inscrição no registo predial, deu origem ao prédio n.º (…) que constitui objeto da presente ação (cfr. Factos Provados 13 e 13-B); d. O dito prédio confrontava também a “Sul com a praia” (cfr. Factos Provados 13 e 13-B), tal como sucede com o prédio n.º (…). D. O Tribunal a quo deu como provado que o prédio (...), localizado no mesmo Sítio do Campo de Baixo, já se encontrava em propriedade privada em 1862, mas daí não retirou as devidas conclusões, optando por centrar a sua análise na falta de trato sucessivo do prédio (…) até ao presente. E. Embora tenha declarado aderir ao entendimento jurisprudencial fixado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.11.2021, que dispensa a prova do trato sucessivo do imóvel em causa, a sentença veio acabar por aplicar o critério que declarou rejeitar, apontando a quebra do trato sucessivo do prédio (...) em 1898 como causa para julgar improcedente o pedido da ora Recorrente. F. Abstendo-se, porém, de considerar o facto que julgou provado sobre a sujeição ao privado do prédio (...) em data anterior a 31.12.1864, como sendo relevante para a apreciação do pedido de reconhecimento da propriedade privada. G. Ao fazê-lo, a sentença recorrida incorreu em claro erro de julgamento, pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que reconheça a propriedade privada da Recorrente sobre a mesma. Termos em que i) Deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida; e ii) Substituindo-a por decisão que reconheça a faixa do prédio 6 se encontrava em propriedade privada desde data anterior a 31.12.1864, nos termos e para os efeitos do artigo 15.º, n.º 2 da Lei 54/2005, de 15 de novembro, declarando extinta a dominialidade sobre o referido prédio da Recorrente.» * Pelo M.ºP.º, em sede de contra-alegações, foram apresentadas as seguintes Conclusões: «1. Por sentença proferida no dia 21.02.2024 a ação instaurada pela apelante foi julgada totalmente improcedente e, consequentemente, foi o Estado Português absolvido de todos os pedidos deduzidos; 2. Inconformada a Apelante com o teor da decisão proferida pelo Tribunal a quo recorreu da mesma, invocando, em síntese, que houve erro de julgamento traduzido na conclusão do Tribunal recorrido de que a mesma apenas fizera prova da propriedade privada do imóvel em causa nos autos até 1874, o que afigura manifestamente contraditório com os factos julgados provados onde se refere que o prédio situado no mesmo local já se encontrava em propriedade privada em 1862, portanto, anterior a 31.12.1864; 3. O Ministério Público considera que não houve qualquer erro de julgamento e que a questão no recurso está mal formulada pois o que se passou na ação é que a A. não provou nem documentalmente nem por qualquer outro meio, que a faixa de terreno de mais de 13.000 m2, composta por 28 prédios diferentes e que reivindica como sua mas cuja dominialidade do Estado se presume, estivesse na posse de privados antes de 31.12.1864; 4. Mais considera o Ministério Público que o facto do Tribunal a quo ter considerado como provado que, em 1862 foi, por inventário, transmitida uma parcela de terreno, na mesma localização do atual prédio da A, não dispensa a A de demonstrar que essa parcela é uma das que agora detém, o que não se verificou; 5. Evidentemente que se o A. pretende que se reconheça a legitimidade da sua pretensão sobre uma parcela de terreno, não pode pretender fazer prova sobre outra parcela de terreno que não é a sua; 6. Pelas razões expendidas, deverá ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida nos exatos termos em que foi proferida, Termos em que, e nos mais de direito, deve ser negado provimento ao recurso interposto pela apelante F....... SA. e consequentemente, ser confirmada a sentença recorrida.» * O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II- Quaestio Iudicio: O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº 2 do CPC). As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que se resumem a apreciar: - do erro de julgamento incorrido pela sentença recorrida ao abster-se de reconhecer o facto - que veio a julgar provado – de o prédio (...) estar em propriedade privada desde 1862, como relevante para o reconhecimento da propriedade privada da ora Recorrente sobre a faixa de domínio público marítimo que incide sobre o prédio atualmente descrito sob o n.º (…) na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo, peticionada ao abrigo do artigo 15.º, n.º 2 da Lei 54/2005, de 15 de novembro * III - Fundamentação Foi a seguinte a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto: * «III – DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 3.1 DOS FACTOS 3.1.1 DOS FACTOS PROVADOS A) Do histórico do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (…) 1. O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...)resulta da anexação dos prédios descritos nesta mesma Conservatória sob os números (…), todos situados na freguesia do Porto Santo (cfr. certidão de registo predial); 2. O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...) tem uma área total de 139.697m2 (cfr. relatório pericial datado de 29 de Setembro de 2021 – N/REF. 4347658); 3. O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...) confronta (i) a Norte: com a Estrada da Calheta; (ii) a Sul: com a praia; (iii) a Leste: com (…); e (iv) Oeste: (…) (cfr. certidão de registo predial); 4. O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...) encontra-se registrado a favor da SOCIEDADE (…), S.A. pelas inscrições resultantes das AP. 2 de 1974/07/26, AP. 3 de 1974/07/26, AP. 1 de 1994/10/21, AP. 4 de 2003/04/30, AP. 5 de 2003/04/30, AP. 6 de 2003/04/30, AP. 7 de 2003/04/30, AP. 8 de 2003/04/30, AP. 9 de 2003/04/30, AP. 4 de 2003/07/02, AP. 2 de 2004/02/11, AP. 4 de 2004/04/23, AP. 5 de 2004/04/23, AP. 6 de 2004/04/23, AP. 7 de 2004/04/23, AP. 1 de 2004/05/06, AP. 3 de 2004/08/19, AP. 4 de 2004/08/19, AP. 1 de 2004/10/20, AP. 2 de 2004/10/20, AP. 1 de 2004/10/27, AP. 1 de 2005/03/07, AP. 5 de 2005/04/18, AP. 4 de 2005/04/20, AP. 4 de2005/04/22, AP. 3 de 2005/04/29, AP. 4 de 2005/04/29, AP. 6 de 2005/04/29, AP. 7 de 2005/04/29, AP. 1 de 2005/05/05, AP. 1 de 2005/05/09, AP. 1 de 2005/05/13, AP. 2 de 2005/05/13 e AP. 8 de 2005/06/02 (cfr. certidão de registo predial); 5. Por escritura pública de “trespasse e hipoteca”, datada de 18 de Dezembro de 2012, (…), na qualidade de administrador da insolvência nomeado no âmbito do processo de insolvência n.º 2174/10.3TBFUN, em sede do qual é insolvente a SOCIEDADE (…), S.A., declarou vender à sociedade F(…), S.A. “pelo montante global de cinquenta e nove milhões novecentos e setenta e seis mil euros (…), a propriedade das fracções autónomas (…) todas do prédio urbano sito em Sítio do Campo de Baixo, freguesia e concelho de Porto Santo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Porto Santo sob o número (…), da dita freguesia, afecto ao regime de propriedade horizontal nos termos da inscrição provisória por natureza resultante da Ap. 4 de 2008/09/2022, com a aquisição registrada a favor da SOCIEDADE (…), S.A. (…)” (cfr. escritura pública – requerimento datado de 05 de Julho de 2021 – N/REF. 4245706); 6. Do prédio referido em 2. faz parte uma parcela de terreno com a área de 13.993 m2 que se encontra situada entre a linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais (a saber: LMPAVE) e a linha limite de margem (a saber: LLM), conforme infra (cfr. relatório pericial datado de 29 de Setembro de 2021 – N/REF. 4347658); B) Dos “autos de inventário e partilha amigável” datados de 1862 7. (…) casaram no dia 26 de Julho de 1824 (cfr. DOC. 6); 8. (…) é filha de (…) e de (…) (cfr. DOC. 8); 9. (…) faleceu no dia 05 de Janeiro de 1857 (cfr. DOC. 7); 10. No ano de 1862 foram instaurados “autos de inventário e partilha amigável” em que é inventariada (…) e inventariante (…) (cfr. DOC. 8); 11. São herdeiros de (…), (i) o seu cônjuge-marido (…), e os seus filhos (ii) (…), (iii) (…), (iv) (…), (v) (…), (vi) (…) e (vii) (…) (cfr. DOC. 8); 12. No âmbito do inventário referido em 10. foi inventariado o seguinte imóvel (cfr. DOC. 8): “(…) N.º (...) Mesmo sítio do Campo de Baixo onde chamão os Carriços, terra livre e leva em semeadura cinco quartas de trigo, e confronta pelo Norte com (…), Sul e Oeste com herdeiros de (…), e Leste com herdeiros de (…), avaliado em cento e sessenta mil reis (160.000).” 13. No âmbito do inventário referido em 10. foi inventariado o seguinte imóvel (cfr. DOC. 8): “(…). N.º (...) Item. Metade da longueira de vinha no sítio de Campo de Baixo, nos Carriços, que foi empenho de (…), e leva em semeadura um alqueire de trigo, e confronta pelo Norte com (…), Sul com a praia, Leste com os herdeiros de (…), e Oeste com (…), avaliado em quarenta mil reis (40.000).” 13-A Dos “Autos Civis de Inventário e partilha amigável” consta com interesse para a boa decisão da causa, o seguinte (cfr. DOC. 8): “(…). Pagamento à herdeira (…), pelo montante designado pela letra “A” que é da quantia de dous contos quatrocentos noventa e quatro mil quatrocentos e seis reis (…). (…) Item. O numero (…) que é a fazenda da porta, vinha e semeadiça, terra livre, leva em semeadura nove alqueires de trigo, com dezoito horas d’agua em cada giro da levada do Tanque, e confronta pelo Norte e leste com o Caminho do Concelho, Sul com a Praia, e Oeste com herdeiros de (…); n’ella haverá a sexta parte em dozentos treze mil trezentos trinta e tres reis. Item: O número (…) que é uma fazenda de vinha no sítio do Campo de Baixo, onde chamão os Carriços, terra livre, e leva em semeadura cinco quartas de trigo, e confronta pelo norte com (…), Sul e Oeste com herdeiros de (…), e Leste com herdeiros de (…), em cento e sessenta mil reis. Item. O número (…) que é uma Longueira de vinha e semeadiça no sítio da Fontinha, paga quinto e oitavo aos herdeiros de (…), de Machico, leva em semeadura meio alqueire do trigo, e confronta pelo Norte com o Caminho do Concelho, Sul com o Valado, Leste com herdeiros de (…), e Oeste com herdeiros de (…). Item. O número (…) que é uma Varge semeadiça no sítio da Ponta que faz (…), paga quinto a (…), e confronta pelo Norte com (…) e (…), Sul com herdeiros de (…), Leste com (…), e Oeste com (…) e (…). Item. O número (…) que é uma fazenda semeadiça no sítio das Mattas junto ao moinho novo, de quinto a (…), comprada a (…), leva em semeadura. (…)”; 13-B Dos “Autos Civis de Inventário e partilha amigável” consta com interesse para a boa decisão da causa, o seguinte (cfr. DOC. 8): “(…). Pagamento ao herdeiro (…), pelo montante designado pela letra “D” que é da quantia de dois contos quatrocentos noventa e quatro mil quatrocentos e seis reis (…). (…) Item: O número (…) que é metade da Longueira de vinha no sítio do Campo de Baixo, nos Carriços, que foi empenho de (…), leva em semeadura um alqueire de trigo, e confronta a Norte com (…), Sul com a praia, Leste com herdeiros (…), e Oeste com (…), em quarenta mil reis. (…)”; C) Do testamento datado de 1874 14. Por testamento datado de 05 de Março de 1874, (…) constituiu como herdeiros universais, os seus filhos: (i) (…), (ii) (…), (iii) (…), (iv) (…), (v) (…) e (vi) (…) (cfr. DOC. 9); 15. (…) faleceu no dia 22 de Junho de 1874 (cfr. DOC. 10); *** D) Do histórico do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (…): 16. Por “escritura de doação com reserva de usufruto”, datada de 06 de Maio de 1898, (…) (solteira) doou ao seu irmão, (…), entre outros imóveis: “Décimo Quarto. Outro prédio de bacello no sítio do Carriço, colonizado por (…), a confinar do Norte com (…), Sul com a praia, Leste com (…) e Oeste com o dito (…), valor de cento e cincoenta mil reis” (cfr. DOC. 5 – PI); 17. No âmbito da “escritura de doação com reserva de usufruto”, datada de 06 de Maio de 1898, (…) declarou “(…) que os bens que a primeira doa ao referido situado na Ilha do Porto Santo não são devedores à Fazenda Nacional de qualquer contribuição de registo por título gratuito por isto que foram havidos em pagamento de sua legítima por óbito dos seus paes, (…) e consorte” (cfr. DOC. 5 – PI); 18. O prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...)é resultado da extratação do prédio descrito sob o n.º (…), do Livro B-26 da Conservatória do Funchal (cfr. DOC. 11 - PI); 19. A primeira descrição do prédio rústico referido em 16. (prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (…) foi realizada com base na escritura de doação outorgada em 09 de Maio de 1898, nos seguintes termos (cfr, DOC. 4 – PI): “Rústico – Carriço – Uma porção de terra de bacelos, colonizado por (…) – Norte, (...); Sul, praia; Leste, (...); Oeste, (…) – valor venal, 150$00. (Extracto de descrição n.º (…), liv. B-26, da Conservatória do Funchal”; 20. A primeira inscrição do prédio rústico referido em 16. e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...) foi realizada com base na escritura de doação outorgada em 09 de Maio de 1898, nos seguintes termos (cfr, DOC. 4 – PI): “AP. 2/0905 – 1898 – Aquisição a favor de (...), casado, residente no Funchal – por doação de (...), solteira, maior, residente no funchal. Abrange 25 prédios. (Extracto da inscrição n.º 11.614, fls. 61, L.º G-20, da Conservatória do Funchal”; 21. Do teor da certidão de registo predial referente ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...)decorre que o mesmo foi adquirido por (...)através de “usucapião”, conforme AP. 4/201295 (cfr. DOC. 4 – PI); 22. Após o registo da aquisição referida em 21. foi actualizada a descrição do prédio rústico nos seguintes termos: “AV. 1 – AP. 4/201295 – Também situado no Campo de Baixo – Área: 520m2 – Norte, herdeiros de (...); Leste, (...); Oeste, (...) – Valor tributável: 7.706$00 – artigo 152.º, Secção AP”; 23. Da certidão de registo predial do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...)decorre que o mesmo foi adquirido pela sociedade M…, S.A., conforme AP. 02/011203 (cfr. DOC. 4 – PI); 24. O prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...) foi adquirido pela SOCIEDADE……., S.A. através de compra à sociedade M……, S.A., conforme AP. 4 de 2003/04/30 (cfr. certidão de registo predial do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...)); E) Do histórico do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...): 25. Por “escritura de doação com reserva de usufruto”, datada de 06 de Maio de 1898, (...) (solteira) doou ao seu irmão, (...), entre outros imóveis: “Décimo. Outro prédio de vinha no sítio dos Carriços, a confinar do Norte com (...), Sul com a praia, Leste com (…), Oeste com (…); valor quatrocentos e cinquenta mil reis” (cfr. DOC. 5 – PI); 26. No âmbito da “escritura de doação com reserva de usufruto”, datada de 06 de Maio de 1898, (...) declarou “(…) que os bens que a primeira doa ao referido situado na Ilha do Porto Santo não são devedores à Fazenda Nacional de qualquer contribuição de registo por título gratuito por isto que foram havidos em pagamento de sua legítima por óbito dos seus paes, (…) consorte” (cfr. DOC. 5 – PI); 27. O prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...) é resultado da extratação do prédio descrito sob o n.º (…) , do Livro B-26 da Conservatória do Funchal (cfr. DOC. 11 - PI); 27-A O prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...) consta do inventário realizado no ano de 1862 por óbito de (...), correspondendo a VERBA (...). (cfr. artigo 45.º da PI); 28. A primeira descrição do prédio rústico referido em 25. (prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...)) foi realizada com base na escritura de doação outorgada em 09 de Maio de 1898, nos seguintes termos (cfr. DOC. 11 – PI): “Rústico – Carriço – Uma porção de terra de vinha – Norte, herdeiros de (...); Sul, praia; Leste, (…); Oeste, (…). – Valor venal, 450$00. (Extracto da descrição n.º (…), L.º N26, da Conservatória do Funchal); 29. A primeira inscrição do prédio rústico referido em 25. e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º º (...) foi realizada com base na escritura de doação outorgada em 09 de Maio de 1898, nos seguintes termos (cfr. DOC. 11 – PI): “AP. 2/0905 – 1898 – Aquisição a favor de (...), casado, residente no Funchal – por doação de (...), solteira, maior, residente no funchal. Abrange 25 prédios. (Extracto da inscrição n.º 11.614, fls. 61, L.º G-20, da Conservatória do Funchal”; 30. Do teor da certidão de registo predial referente ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...)decorre que o mesmo foi adquirido por (...)através de “usucapião”, conforme AP. 4/201295 (cfr. DOC. 11 – PI); 31. Após o registo da aquisição referida em 30. foi actualizada a descrição do prédio rústico nos seguintes termos (Cfr. DOC. 11): “AV. 1 – AP. 4/201295 – Também situado no Campo de Baixo – Área: 3.320m2 – Norte, Caminho do Conselho; Sul, (…); Leste e Oeste: herdeiros de (...) – Valor tributável: 49.616$00 – artigo 69.º, Secção AP.”; 32. Da certidão de registo predial do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...) decorre que o mesmo foi adquirido pela sociedade M..., SA, conforme AP. 02/011203 (cfr. DOC. 11 – PI); 33. O prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...) foi adquirido pela SOCIEDADE ..., SA através de compra à sociedade M..., SA, conforme AP. 9 de 2003/04/30 (cfr. certidão de registo predial do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...)). *** 3.1.2 FACTOS NÃO PROVADOS A) O prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...)consta do inventário realizado no ano de 1862 por óbito de (...) (cfr. artigo 34.º da PI); B) Os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob os n.ºs (…) confrontam com a Praia; C) Os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob os n.ºs (…) confrontam com a Estrada; D) Os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob os n.ºs (…) não confrontam com a Praia nem com a Estrada.». * Nos presentes autos peticionou a ora recorrente o reconhecimento da propriedade privada da Autora sobre uma parcela de terreno que integra o prédio urbano denominado C..., classificado como Empreendimento Turístico, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo (“CRP Porto Santo”) sob o n.º (...), com a área total de 137.215 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º (…). Invocando que o referido prédio (...) confronta a Norte com a Estrada da Calheta, a Sul com a Praia, a Leste com (…), herdeiros de (…) e (…) e a Oeste com (…) e (…), sendo precisamente a parcela do prédio (...) que confronta a sul com a Praia que está em causa na presente ação, indicando como objeto da presente ação, o reconhecimento pelo Tribunal da propriedade privada da parcela de terreno com a área de 16.305 m² (dezasseis mil trezentos e cinco metros quadrados) que se situa dentro da faixa de 50 metros contados da margem prevista no artigo 15.º, n.º 2 da Lei 54/2005, de 15 de novembro, que aprovou a Lei da Titularidade dos Recursos Hídricos conforme levantamento topográfico da parcela em causa, que juntou. Nos presentes autos, pronunciou-se o Tribunal no sentido de que, os elementos documentais juntos aos autos, não permitem estabelecer de forma segura uma correspondência entre as descrições dos bens que constam dos documentos e a parcela de terreno, composta por 28 prédios, que a A. pretende ver reconhecida como propriedade privada, não permitindo a factualidade dada como assente considerar que tais parcelas da margem das águas do mar integrantes dos prédios em questão eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular antes de 31 de dezembro de 1864, e afastando-se, assim, a presunção de que pertencem ao domínio público marítimo. Invoca a A erro de julgamento: É, desde há muito, entendimento pacífico, que as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito (Cf. acórdão STJ, de 9.4.2019, Procº nº 4148/16.1T8BRG.G1.S1., disponível, como os demais, em www.dgsi.pt): as nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal (Cf. acórdão STJ, de 23.3.2017, Procº nº 7095/10.7TBMTS.P1.S1); trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento ( error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei (Cfr. acórdãos STJ, de 17.10.2017, Procº nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1. e 10.9.2019, Procº nº 800/10.3TBOLH-8.E1.S2.), consiste num desvio à realidade factual [nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma] ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma. Ac. STJ 03.03.2021 in www.dgsi.pt Como ensinava o Prof. José Alberto Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de actividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afectam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua actividade. E, como salienta o Prof. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686, perante norma do Código de Processo Civil de 1961 idêntica à actual, o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade com o direito aplicável, não se incluiu entre as nulidades da sentença. As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por estar desconforme ao caso (decisão injusta ou destituída de mérito jurídico) (cf. neste sentido acórdão STJ citado de 17.10.2017, Procº nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1.). Como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 19.11.2015, Procº nº 568/10.3TTVNG.P1.S1, na nulidade, ao contrário do erro de julgamento, em que se discorda do teor do conteúdo da própria decisão, invocam-se circunstâncias, legalmente previstas no artigo 615º do CPC, que ferem a própria decisão. * A A. intentou a presente acção peticionando que se declare revogado o estatuto de dominialidade até aqui aplicável à parcela de 16.305m² que integra o prédio descrito sob o n.º (...) na Conservatória do Registo Predial do Funchal, e se reconheça e declare, com efeito constitutivo, a propriedade privada da Autora sobre a mesma parcela, viu a sua pretensão negada e invocou erro de julgamento, alegando que o tribunal a quo não retirou da factualidade provada as consequências da mesma decorrente, no sentido da procedência da acção. A A. alega na petição inicial que a referida parcela de terreno integra o já identificado prédio (...), denominado C..., e situado no sítio do Campo de Baixo, freguesia de Porto Santo, concelho do Porto Santo. Por sua vez, o prédio (...) resulta da anexação de quarenta e sete prédios descritos nesta mesma Conservatória sob os números (…) todos da freguesia do Porto Santo; O prédio (...) está inscrito na CRP Funchal a favor da Autora desde 09.09.2008, data em que esta adquiriu a propriedade dos prédios descritos sob os números (…) e procedeu à sua anexação, dando origem ao referido prédio (...). A A. dividiu os 47 prédios que constituem o prédio (...) em três grupos, sendo o Grupo I constituído pelos prédios que confrontam com a Praia, e corresponde aos prédios descritos sob os números (…), todos da freguesia do Porto Santo, Concelho do Porto Santo. Mais descrevendo o histórico dos prédios (…) e (…) e concluindo que os prédios (…) e (…) já se encontravam em propriedade privada antes de dezembro de 1864, tendo junto aos autos documentação. Analisada a prova documental produzida e bem assim a prova pericial, veio o Tribunal a quo a concluir que «a Autora não provou que (parte) (d)o seu prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...) já era privado em data anterior a 1864. Consequentemente, a parcela de terreno com a área de 13.993 m2 que se encontra situada entre a linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais (a saber: LMPAVE) e a linha limite de margem (a saber: LLM), que faz parte integrante do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob o n.º (...), não está excluída do domínio público marítimo, ao abrigo do disposto no artigo 15.º, n.º 2, da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, não devendo, por conseguinte, ser considerada como particular.» E para chegar a essa conclusão decorre da sentença recorrida que foi analisada a prova documental junta e que, desde logo, conforme resulta do relatório pericial, se verifica uma insuficiência documental para concluir pela procedência do pedido, dado que segundo a própria A. a parcela que está abrangida pela presunção de dominialidade do Estado, que se verificou corresponder a uma área de mais de 13.000 m2, é composta por 28 prédios que têm confrontações a sul com a praia; e apesar de serem 28 prédios em causa, a A. apenas apresentou prova documental relativamente a 2 prédios; destes 2, só logrou provar que 1 deles estava em propriedade privada em data anterior a 31.12.1864; e apesar disso tal prédio não confronta atualmente com a praia pelo que se conclui que não é um dos 28 que afinal estavam em causa na presente ação. De facto, consta do teor do relatório pericial que analisou a documentação histórica junta aos autos que «a correlação directa sugerida entre a documentação histórica anterior a 31 de Dezembro de 1864 e os prédios registados sob os n.ºs 2339 e 2345 (em documentação com data posterior), apresentados nos históricos supramencionados, carece de suporte documental. Isto não significa, (…) que daí se possa deduzir a inexistência de propriedade privada no sítio do Campo de Baixo, nos Carriços, em data anterior a 31 de Dezembro de 1864 algo que aliás se demonstra ser um facto, pelo menos por um dos documentos apresentados.» Mais resulta do referido relatório pericial que «(…) é plausível que o prédio descrito nos Autos Cíveis de Inventário e Partilha amigável (de 1862) sob o n.º de ordem (...), que confronta com a praia, corresponda a outro dos prédios que a Autora associa ao conjunto que designa por “Grupo I” (que afirma ser constituído pelos prédios que confrontam com a praia ). Mas isto, a respeito dos dois prédios em causa, a documentação disponibilizada para o presente relatório pericial a respeito dos dois prédios em causa, não permite demonstrar. Admite-se, todavia, que uma investigação mais profunda e cuidada poderá chegar a essa conclusão, até porque no referido “Grupo I” são referidos outros vinte e seis prédios sobre os quais nada se diz;». Aliás, foi dado como não provado, e não foi objeto de recurso que: «B) Os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob os n.ºs (…) confrontam com a Praia;» sendo que estes eram os prédios que segundo a alegação da A. incorporam o denominado Grupo I. Acresce que compulsados os autos resulta que, após a junção aos autos do relatório pericial foram prestados esclarecimentos pelo Sr. Perito, na sequência de pronúncia pela A., tendo o Sr. Perito esclarecido que: « Importa também esclarecer que, ao contrário do que afirma a Autora, o prédio com o número de ordem (...) não confronta com a praia, pois como se afirma no Relatório: "n.º de ordem (...), uma Longueira, sito no Campo de Baixo, onde chamam os Carriços, confrontando a Norte com (…); a Sul e Oeste com herdeiros de (…); Leste com herdeiros de (…);" (p. 6 do Relatório); - Neste contexto, com data de 9 de Janeiro de 1862, de facto só o número de ordem (...) confina com a praia;» Mais esclarece o Sr. Perito que «a Autora, tendo em conta a documentação entregue, não demonstra a relação que entende existir entre os prédios sob os números (…) e (…) e o prédio com o número de ordem (...), supramencionado, sendo que este é o único dos referidos com data anterior a 31 Dezembro de 1864; - ou seja, apenas é demonstrada a existência de um prédio privado no Lugar de Baixo, na zona dos Carriços, a confrontar com a praia. Tudo aquilo que ultrapasse este facto, como se descreve, aliás, nas conclusões do Relatório Pericial, resulta de deduções que a documentação apresentada não fundamenta - mesmo que, como também se refere naquele Relatório, se admita a sua plausibilidade.» E na sequência deste esclarecimento, pronunciou-se a A no sentido de que «para a ação de reconhecimento de propriedade privada sobre uma parcela do domínio público proceda, não é exigível que a Autora faça prova do trato sucessivo da parcela desde data anterior a 1864 até ao presente. Basta, isso sim, para a procedência da ação, que se demonstre que o prédio em causa estava em propriedade privada nessa longínqua data e que atualmente se encontra igualmente nessa condição. A referência do Senhor Perito a que, “com data de 9 de Janeiro de 1862, de facto só o número de ordem (...) confina com a praia”, é, pois, suficiente para confirmar que a factualidade carreada para os autos justifica a procedência do pedido de reconhecimento de propriedade privada formulado nos autos. Em face do exposto, confirmando-se que os prédios existentes no que é hoje o Sítio do Campo de Baixo, onde se localiza o prédio objeto da ação, já eram objeto de propriedade privada antes de 1864, também se confirma ter sido produzida nos autos a prova necessária à procedência do pedido de reconhecimento de propriedade privada formulado na p.i» Ora, tendo presente que a questão a decidir consiste essencialmente em saber se a autora está em condições de obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcela sita junto à praia, cabe, antes de mais, considerar o enquadramento legal do pedido formulado nos autos. O Decreto Real de 31 de dezembro de 1864 estatui, no seu artigo 2º, que são do domínio público “os portos do mar e praias e os rios navegáveis e flutuáveis, com as suas margens, os canais e valas, os portos artificiais e docas existentes ou que de futuro se construam”. O Código Civil de 1867, que entrou em vigor em 22 de Março de 1968, no artigo 380º, ao enumerar quais as coisas públicas, dispunha, no parágrafo 4º deste artigo, que “as faces ou rampas e os capelos dos cômoros, valadas, tapadas, muros de terra ou de pedra e cimento erguidos artificialmente sobre a superfície o solo marginal, não pertencem ao leito ou álveo da corrente, nem estão no domínio público, se à data da promulgação do Código Civil não houverem entrado no domínio público por forma legal”. A Lei 54/2005 de 15/11 veio substituir e revogar o DL 468/71 de 5/11 e estabelecer a titularidade dos recursos hídricos. Na redação atual, introduzida pela Lei n.º 34/2014, de 19/06, estabelece-se no artigo 15º, n.ºs 1 a 4, que: “1. Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, cabendo ao Ministério Público, quando esteja em causa a defesa de interesses coletivos públicos subjacentes à titularidade dos recursos dominiais, contestar as respetivas ações, agindo em nome próprio. 2 - Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis deve provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868. 3 - Na falta de documentos suscetíveis de comprovar a propriedade nos termos do número anterior, deve ser provado que, antes das datas ali referidas, os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa. 4 - Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas. No mencionado artigo 11º estabelece-se atualmente que: Entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas. 2 - A margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias, tem a largura de 50 m. 3 - A margem das restantes águas navegáveis ou flutuáveis, bem como das albufeiras públicas de serviço público, tem a largura de 30 m. 4 - A margem das águas não navegáveis nem flutuáveis, nomeadamente torrentes, barrancos e córregos de caudal descontínuo, tem a largura de 10 m. 5 - Quando tiver natureza de praia em extensão superior à estabelecida nos números anteriores, a margem estende-se até onde o terreno apresentar tal natureza. 6 - A largura da margem conta-se a partir da linha limite do leito. Se, porém, esta linha atingir arribas alcantiladas, a largura da margem é contada a partir da crista do alcantil. 7 - Nas Regiões Autónomas, se a margem atingir uma estrada regional ou municipal existente, a sua largura só se estende até essa via. No entanto, atenta a dificuldade em fazer a prova documental que a lei exige, isto porque não existe documentação das Conservatórias de Registo Predial, para todo o território nacional, datada de 1864 e 1868, tal prova terá de, necessariamente, ser objeto de um critério de menor exigibilidade, sob pena de a mesma se assemelhar a uma diabolica probatio, que torne quase impossível, na prática, a sua demonstração (cfr. Ac da RL de 20.10.2016, proc. n.º 11950-15.0T8SNT.l1-8, www.dgsi.pt). A redacção do art.º 15º, nº 2 da Lei nº 54/2005 é bem clara quanto à exigência de prova documental, ou seja, totalmente objectiva, quanto ao requisito da natureza privada do bem numa das datas nele referidas, sendo precisamente esse o seu escopo: garantir que não se suscitem dúvidas probatórias quanto a este requisito. O conjunto de elementos probatórios exigidos para fazer valer a posição da Autora apenas como um todo incindível faz sentido, recaindo sobre esta todo o ónus da prova (cfr. Ac STJ, 30.11.2021 in www.dgsi.pt ). O legislador, quando se reporta a estas ações judiciais nas exposições de motivos do diploma original e nas alterações subsequentes, refere expressamente a prova da titularidade privada antes das datas de 1864 ou 1867, sem nunca referir eventuais dificuldades probatórias em períodos posteriores e sem nunca conjeturar que, entre 1864 e a atualidade, essa propriedade privada podia ter passado para o domínio público, provavelmente por entender, que, se fosse esse o caso, o Estado teria acesso às provas da dominialidade pública. Por outro lado, como vimos, reconhece que a prova da titularidade privada anterior a 1864 ou 1867 é uma prova diabólica, e prevê para facilitar a posição do particular, nas situações em que os documentos desapareceram ou foram destruídos as soluções fixadas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 15.º (cfr. Ac STJ , 30.11.2021 in www.dgsi.pt ). Assim, «Nos termos do artigo 15.º, n.º 2, cabe ao autor, para além de provar que é o proprietário atual, prevalecendo-se, por exemplo, da presunção registral, demonstrar a aquisição privada do bem por algum dos modos legítimos de adquirir no período anterior a 3 de dezembro de 1864. Constituem título legítimo de aquisição, entre outros, todos os expressamente previstos no artigo 1316.º do CC (contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação e acessão), e ainda, a aquisição por procupação, doação régia ou concessão, no que respeita às águas originariamente públicas que tenham entrado no domínio privado até 21 de março de 1868 (cfr. Manuel do Carmo Bargado, “O reconhecimento da propriedade privada sobre terrenos do domínio público hídrico”, Julgar online, 2013, p. 21). Nos termos da letra da lei, apenas estes dois requisitos são necessários, sendo que a prova reportada à data de 31 de dezembro de 1864 ou 22 de março de 1868 já é uma prova particularmente difícil e que defende os interesses do Estado e os interesses coletivos, na medida em que, na falta desta prova, aplica-se a presunção de dominialidade sem onerar o Estado com qualquer encargo probatório, tendo o legislador entendido que esta solução protege o interesse público, e assim também o entendeu o Tribunal Constitucional no Acórdão 326/2015. A razão de ser do regime jurídico em causa, que reconhece a propriedade privada de recursos hídricos e fluviais, foi a proteção de direitos adquiridos pelos particulares em momento anterior a 31-12-1864 e encontrar um ponto de equilíbrio com o interesse público, que permitisse aos particulares disporem da oportunidade prática de obterem o reconhecimento dos seus direitos (cfr. Ac. STJ, 30.11.2021 in www.dgsi.pt). Todavia, a análise da fundamentação de facto, à luz do disposto na referida Lei n.º 54/2005, permite concluir que a A. não logrou demonstrar que a parcela de terreno por si descrita se encontrava sob o domínio de propriedade privada antes de 1862, dado que só o fez quanto a um dos 28 prédios que constituem o referido grupo I de prédios que compõem o actual prédio n.º (...), relembrando que peticiona a A. o reconhecimento de domínio privado sobre a faixa de domínio público marítimo que incide sobre o prédio atualmente descrito sob o n.º (...) na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo, e que a A. descreve como sendo parcela de, composta por 28 prédios, com a área de 13 993 m2. Não se trata, assim, de exigir a demonstração do trato sucessivo mas sim a identificação dos limites e composição de uma parcela que a A invoca ser constituída por 28 prédios quando só produz prova quanto a dois, e não resulta devidamente documentada a relação entre os dois prédios (...) e (...) e os prédios (…) e (…) sendo que a A. invoca uma posse sucessiva de várias parcelas no espaço em causa. Acresce que foi dado como não provado, e não foi objeto de recurso que: «B) Os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial do Porto Santo sob os n.ºs (…) confrontam com a Praia;» sendo que estes eram os prédios que segundo a alegação da A. incorporam o denominado Grupo I. Deste modo, atenta a factualidade descrita, forçoso se torna concluir que bem andou o Tribunal a quo ao decidir que a A. não está em condições de poder beneficiar da tutela do citado artigo 15º da Lei 54/2005, de 15 de novembro, pelo que não poderia deixar de improceder a presente ação em conformidade inexistindo erro de julgamento tendo a questão sido apreciada em conformidade com a lei. Aqui chegados, resulta que deve ser mantida a decisão proferida, na medida em que não apresenta qualquer erro de julgamento. * Vencida no Recurso, é a Recorrida a responsável pelo pagamento das custas devidas, nos termos do art.º 527, n.º 1 do Código de Processo Civil. * IV - Decisão: Por todo o exposto, julga-se o recurso improcedente, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pela Recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 10.10.2024 Elsa Melo Nuno Lopes Ribeiro Vera Antunes |