Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2526/21.3T8ACB.L1-8
Relator: CARLA FIGUEIREDO
Descritores: CHEQUE BANCÁRIO INTERNACIONAL
SACADO
DISPONIBILIZAÇÃO ANTECIPADA DO MONTANTE
ERRO DE ANÁLISE DO BANCO
DEVER DE INFORMAÇÃO DOS BANCOS
RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – No caso especial dos cheques bancários, o sacado é o próprio sacador, cuja possibilidade está prevista na parte final do §3 do art. 6º da LUC;
II - O cheque bancário é normalmente emitido a requisição de um cliente do banco, por débito da sua conta, ou a pedido de qualquer pessoa, mediante a entrega ao balcão da importância correspondente, sendo um meio de pagamento muito utilizado na liquidação de operações relacionadas com o comércio internacional de mercadorias;
III - Os Bancos são entidades legalmente habilitadas a praticar, profissionalmente actos bancários, assentando numa organização empresarial, estando obrigados a adoptar uma orgânica própria e especializada, que possa responder, com eficácia, ao complexo de deveres a que estão vinculadas e à tutela dos direitos e interesses dos clientes;
IV – De entre as normas relativas às regras de conduta do banqueiro, destacam-se as regras respeitantes às relações com os clientes, ao dever de informação e ao critério de diligência (arts. 73º a 76º do RGICSF);
V - As consequências que resultaram da disponibilização antecipada do dinheiro na conta do A., na sequência da compra do cheque bancário pelo R. em regime de tomada firme, “salvo bom fim” ou “boa cobrança”, não podem ser imputadas ao R., se essa disponibilização resultou de negociação prévia entre A. e R..
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA 8ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I-RELATÓRIO
J... instaurou a presente acção comum, contra Banco...., S.A., peticionado a condenação da R. a: “(…) 1. A reembolsar o A.. com a quantia de € 7.522,89 de que este se viu desapossado em resultado da actuação do Banco; 2. A indemnizar o A. com a quantia de € 2.588,67 pelo prejuízo adveniente do empréstimo que foi obrigado a contrair junto do R.; 3. A indemnizar o A. com a quantia de € 2.500,00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos por este; 4. A pagar juros à taxa legal sobre a quantia de € 7.522,89 desde a citação e até integral pagamento. (…)”. Alegou, em síntese, que sofreu prejuízos e incómodos decorrentes da actividade bancária desenvolvida pela R.
Citada, a R. contestou, tendo impugnado de facto, sustentando que actuou com rigor e diligência, concluindo no sentido da improcedência da acção.
Foi proferida sentença julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente:
a) condenou a R. a pagar ao A. a quantia que se vier a liquidar em momento ulterior à sentença, correspondente às prestações pagas no âmbito do contrato de financiamento de 18-11-2021 (identificado em 28), bem como a todas as comissões e imposto de selo liquidadas na sequência da operação de tomada firme de 30 de Agosto de 2021;
b) consignou que o apontado financiamento de 18/11/2021 não produz quaisquer efeitos contratuais, nomeadamente relativamente à identificada como 2ª contraente, por se ter verificado a sua extinção retroactiva;
c) condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 2.500,00, a título de danos não patrimoniais.
No mais, julgou a acção improcedente, absolvendo a R. dos pedidos que contra si foram dirigidos.
*
Inconformado com a sentença, a R. veio interpor recurso, finalizando com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1. A Ré, ora Apelante, não concordando com a Sentença proferida pelo tribunal a quo, vem da mesma recorrer, impugnando, igualmente, a decisão relativa à matéria de facto;
2. Considera-se que devem ser alterados, e dados como provados nos termos sobreditos, os factos acima descritos e vertidos nos pontos A) - I., III. e VI. da factualidade dada como provada;
3. Considera-se que devem ser aditados, devendo ser dado como matéria assente, os factos acima descritos e vertidos nos pontos A) – IV., V. e VII;
4. Considera-se que devem ser dados como não provados os factos acima descritos e vertidos nos pontos A) II, da factualidade dada como provada;
5. Considera-se que devem ser dados como provados os factos acima descritos e vertidos nos pontos B) I., II. e III. da factualidade dada como não provada;
6. Decidiu o Tribunal a quo que a Ré incorreu em responsabilidade civil, por factos ilícitos (contratual e/ou extracontratual), decorrente de violação de normas de conduta e competência técnica, pelo que deve responder pelos prejuízos patrimoniais e danos morais sofridos pelo Autor, na sequência de tratamento bancário dado a cheque falsificado.
No entanto,
7. A Ré foi mandatada/intermediária para realizar a cobrança do cheque apresentado pelo Autor - cuja aparência global exterior dava a impressão de ser verdadeiro -, sacado sobre um banco estrangeiro - neste caso, foi este (por via do Bank....) que exerceu o dever de fiscalização sobre o cheque, precisamente não pagando o cheque por ser contrafeito.
8. Se o banco sacado recusa o pagamento, por falsidade do cheque (motivo totalmente alheio à Ré), é óbvio que a Ré não podia cumprir o mandato de cobrança, não lhe sendo imputável esse incumprimento,
9. A antecipação do valor correspondente ao cheque na conta do Autor, no âmbito do regime contratado de tomada firme, observou, como provado, a informação que tal operação era feita sob condição de boa cobrança (“Salvo bom fim”),
10. Revelando os factos que cumpriu escrupulosamente os deveres a que está adstritcta, sendo que também nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada pelo não pagamento do título, no cumprimento do seu mandato para cobrança do mesmo.
11. E nessa medida, essa conduta não é lesiva nem dela pode emergir o direito à indemnização pedida porque o Autor sabia, ou não podia ignorar, que a disponibilidade do correspondente valor não resultava da efectiva e concretizada boa cobrança do cheque.
12. Já que a informação de que dispunha, fornecida pela Ré e constante do Certificado de Operações (Documento n.º 4 da Contestação), desde que interpretada e valorada de acordo com a doutrina da impressão do destinatário, como supra exposto, era suficiente para não mobilizar os valores adiantados e depositados a créditos na sua conta (ou querendo fazê-lo, sabia que se constituiria devedor das mesmas), por não estar assegurado o pagamento do cheque, porquanto se aguardava a sua cobrança.
13. Sendo a perda patrimonial sofrida pelo Autor (com origem na movimentação da sua conta, efectuando transferências bancárias para entidades/pessoas que desconhecia, com recurso aos valores adiantados pela Ré, conforme contratualizado) uma consequência da sua conduta negligente, precipitado, que só a si se deve,
14. E não, como demonstrado, decorrente de qualquer ilícito e/ou culpa da Ré , pelo que a não faz sentido o recurso à presunção de culpa prevista no artigo 799 n.º 1do Código Civil, que determina a falta de cumprimento de um dever que não resulta demonstrado nos autos.
15. O Banco aqui Recorrente, agiu, no concreto caso dos autos, sem que lhe possa ser assacada qualquer culpa, não tendo praticado qualquer facto ilícito, tendo antes pautado o seu comportamento, pelo escrupuloso cumprimento dos deveres que lhe assistem enquanto entidade bancária, bem como se regeu pelos usos, costumes e práticas bancárias vigentes.
16. Não se encontram assim reunidos os requisitos cumulativos necessários à efectivação da responsabilidade civil do Banco, previstos no artigo 483.º do Código Civil nem a título de responsabilidade pelo risco, nos termos do disposto no artigo 796.º n.º 1 do do Código Civil porquanto o Banco agiu com a diligência que sempre lhe era exigível,
17. E nesse pressuposto, não se aceita que a actuação da Ré tenha sido a causa de quaisquer danos patrimoniais sofridos pelo Autor, correspondentes ao cumprimento do contrato de mútuo celebrado entre as partes com a finalidade de liquidar o saldo da conta do Autor (por força das transferências internacionais que efectuou, respeitantes a despesas estranhas à sua actividade de restauração e para indivíduos/beneficiários cujos nomes não correspondiam ao seu alegado cliente),
18. Em virtude da cobrança do cheque bancário não ter ocorrido, por se ter verificado umas das possíveis condições para a sua falta de pagamento (no caso, o facto de ser cheque contrafeito),
19. Porque o Autor sabia, ou não podia ignorar, que a disponibilidade do correspondente valor não resultava da efectiva e concretizada boa cobrança do cheque, conforme já demonstrado, mas, sim, do adiantamento do valor do cheque, processado pela Ré conforme condições da operação contratada.
20. E nessa medida (da operação contratada em regime de tomada firme), procedeu ao débito do respectivo valor adiantado.
21. “Ora, se a cobrança do cheque não chegou a bom fim, é natural que o banco estorne na conta do cliente o valor que lhe adiantara” – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30/06/2009, Processo n.º 2887/08.0TBCSC.L1-1, em www.dgsi.pt.
22. Em conformidade com o referido, o Banco não garantiu ao cliente a cobrança do cheque, ou seja, que obteria o seu pagamento ou que responderia pela sua importância ainda que não fosse cobrada,
23. Obrigou-se, sim, apenas a praticar os actos necessários à sua cobrança, nomeadamente, a apresentar o cheque junto do Bank.... (seu correspondente junto da banca em Londres), o que fez,
24. Assumindo, pois, uma obrigação de meios e não uma obrigação de resultado, na medida em que não se obrigou, como é obvio, a obter a sua cobrança (a qual cabia, como vimos, ao Bank...., por se tratar de cheque estrangeiro).
25. Com efeito, o endosso e entrega de um cheque a um banco para cobrança e posterior depósito da importância cobrada em conta não transfere para o banco a propriedade do cheque, uma vez que não transmite os direitos emergentes do cheque, apenas habilita o endossado (a Ré) a cobrar o seu valor em nome e por conta do endossante (Autor), titular desses direitos, valendo o endosso como procuração.
26. Assim, e no que respeita à negociação do cheque sacado sobre o estrangeiro em regime de tomada firme, não resulta qualquer conduta ilícita da Ré, no sentido de ter faltado ao cumprimento das obrigações a que estava contratualmente vinculada ou de qualquer regra ali contratualizada, o que será o suficiente para concluir pela falta de verificação de um dos pressupostos geradores da obrigação de indemnizar: a conduta ilícita.
27. Fica, pois, demonstrado a inexistência de uma relação (necessária) de causa e  entre a conduta da Ré e o prejuízo invocado pelo Autor, pelo que a pretensão do Autor haverá que ser desatendida, nos termos e para os efeitos dos artigos artigo 342.º, n.º 1, 483.º, 487.º, n.º 1 e 563.º, 798.º e 799, n.º 2 do Código Civil.
28. Inexistindo fundamento para, conforme refere a Sentença recorrida, “proceder à liquidação da relação contratual, revertendo-se as operações bancárias que a causaram ou lhe estiveram subjacentes como causas e efeitos dos prejuízos verificados”.
29. Não se aceitando, igualmente, que a conduta da Ré tenha sido causa para os danos morais sofridos pelo Autor, porquanto o Autor foi alvo de burla (facto assente – Fundamentação de Direito - Enqudramento), cujo enquadramento e respectivas consequências tiveram origem na sua conduta precipitada e negligente, apenas a si se devendo.
30. A Ré não contribuiu para a situação em que o Autor caiu,
31. Agindo como intermediária no processo cobrança do cheque bancário, e, no cumprimento de tal mandato, forneceu ao Autor informação bastante para, desde que interpretada e valorada de acordo com a doutrina da impressão do destinatário, não mobilizar os valores adiantados e depositados a créditos na sua conta (ou querendo fazê-lo, sabia que se constituiria devedor das mesmas), por não estar assegurado o pagamento do cheque, porquanto se aguardava a sua cobrança,
32. Disponibilizando antecipadamente o valor correspondente ao cheque, ao abrigo do regime contratado de tomada firme,
33. Tendo o seu correspondente em Londres, o Bank.... (seu intermediário junto do banco sacado, HSBC), detectado que se tratava de cheque contrafeito, como lhe competia no seu dever de fiscalização,
34. Dando lugar ao não pagamento do cheque e ao consequente, e contratualmente previsto, débito (na mesma conta) da quantia adiantada ao Autor,
35. Débito em conta esse consubstanciado no direito de recurso da Ré (Cfr. Documento n.º 3 da Contestação) contra o cliente provisoriamente creditado e financiado “na forma de antecipação de fundos salvo bom fim, isto é, creditação e antecipação de financiamento sujeitas a condição resolutiva.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18/11/2008, Processo n.º 08B2429, em www.dgsi.pt.
36. Do que lhe deu conhecimento mediante contacto telefónico (veja-se a inquirição de PC) e por escrito (Cfr. Documento n.º 8 da Contestação),
37. E nessa medida, a Ré Autora transmitiu ao Banco de Portugal um facto verídico e que corresponde integralmente à realidade, o que fez por imposição legal, sendo que tal facto apenas ocorreu por acção do Autor, pois sabendo que a mobilização dos fundos adiantados na sua conta originariam um saldo devedor no valor utilizado e que o cheque estava condicionado a “salvo bom fim”, optou por efectuar as transferências, gerando assim o crédito da Autora.
38. A Ré não praticou, desta forma, qualquer ilícito, nem a sua conduta foi a causa para os danos sofridos pelo Autor, os quais são consequência, sim, do seu comportamento incauto, quer em relação à burla de que foi alvo, quer em relação à compreensão do regime contratado para cobrança do cheque por si apresentado,
39. A situação em que se viu o Autor foi um transtorno, admite-se, mas não causado pelo comportamento da Ré, mas sim pela incúria daquele, porque foi vítima de burla e não agiu com cautela nos procedimentos bancários que adoptou e segundo o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/01/2022, Processo n.º 8064/18.4T8SNT.P2, em www.dgsi.pt: « V - O dano não patrimonial não reside em factos, situações ou estados mais ou menos abstratos aptas para desencadear consequências de ordem moral ou espiritual sofridas pelo lesado, mas na efetiva verificação dessas consequências.
V - A avaliação da gravidade do dano não patrimonial, para efeitos de compensação, tem de aferir-se segundo um padrão objetivo.
VI - A essa luz os meros transtornos, incómodos, desgostos e preocupações cuja gravidade e consequências se desconhecem não podem constituir danos não patrimoniais ressarcíveis».
40. Não ficou demonstrado, em face da prova testemunhal produzida, que este tenha sofrido danos morais causados pela Ré, mas sim relacionados com as consequências da burla que foi vítima.
41. O Autor ao aceitar o cheque daquela pessoa/cliente nos moldes que aquele lhe chegou, ou seja, para pagar € 2.600,00 receber um cheque de € 7.600,00 e ao fazer as transferências internacionais para bancos diferentes daquele de onde adveio o cheque, e para pessoas completamente diferentes daquela com quem trocou e-mails e tratou da alegada reserva (situação que por si só deveria ter causado alguma estranheza no Autor), não seguiu as indicações e cuidados a ter na utilização do meio de pagamento “Cheque” porquanto não observou, na sua atividade comercial, as recomendações do banco ..., nem do regulador Banco de Portugal, disponíveis no Caderno do Banco de Portugal sobre cheques, disponível no seu site institucional como no site do portal do cliente bancário: (https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/pdf- boletim/3_cheques_-_regras_gerais.pdf e https://clientebancario.bportugal.pt/pt- pt/cuidados-ter-na-utilizacao-de-cheques);
42. Destaca-se o alerta do Banco de Portugal sobre a aceitação de cheques sacados para pagamentos: (constante do site institucional: https://clientebancario.bportugal.pt/pt-pt/perguntas- frequentes)
43. Ficando demonstrado que a Ré não praticou um acto voluntário, ilícito e culposo, causador de danos diretamente dele decorrentes e tutelados pelo Direito, na esfera pessoal do Autor,
44. Assim, e não se mostrando reunidos os elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual, configurada no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, e por isso inexistindo obrigação de indemnizar o Autor (Cfr. Artigos 342.º, n.º 1, e 487.º, n.º 1, do Código Civil) entende-se que, também aqui, a Sentença recorrida deve ser revogada.
45. Face ao exposto, mal esteve o Tribunal a quo em condenar a Ré, aqui Recorrente, na sentença que ora se põe em crise, ora recorrida.
46. O Tribunal a quo violou, assim, as seguintes disposições legais:
- Artigo 2.º da Lei Uniforme relativa ao Cheque;
- Artigos 342.º, n.º 1; 483.º, n.º 1, 487.º, n.º 1, 496.º, n.º 1, 563.º, 796.º, 798.º, 799.º,
do Código Civil;
- Artigos 73.º e 74.º do Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de Dezembro (Regime geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras),
- Artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil”.
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O A. não apresentou contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
São estas as questões a apreciar:
- Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto;
- Se, em face dos factos provados , a sentença recorrida fez uma correcta aplicação do direito.
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III-FUNDAMENTAÇÃO
1. Os factos
Na primeira instância, foram estes os factos considerados provados e não provados:
Os factos provados:
Em face da prova produzida, resultaram provados os seguintes factos:
1- O Autor foi portador de um documento, que aparentava as características de um cheque bancário, e do qual constavam os seguintes dizeres:
a) Na frente:
“(…)
HSBC
International Branch Canada Square, London (…)
40-12-76
“Bankers draft”
589731 76130244
Pay J...
Seven thousand six hundred euro only
Data 24-08-2021
To HSBC BanK plc,
Not exceeding 7.600
For ando n behalf of HSBC Bank plc
SIGNED
COUNTERSIGNED
“589731” 40 “”1276: 76130244”
b) No verso
Assinatura do A e os seguintes dizeres:
PAY TO ORDER OF ANY BANK, BANKER OR TRUST CO FOR CREDIT DO OUR ACOUNT PRIOR ENDORSMENTS GUARANTED
Banco…”. (cfr. cópias juntas como docs. n.º 1 com a Petição e 4 com a Contestação);
2- O referido documento foi-lhe remetido em resultado de troca de correspondência electrónica tendo em vista uma transação comercial relacionada com o seu comércio de restauração (doc.s n.ºs 1 e 3, juntos com a Petição);
3- No dia 30 de Agosto de 2021, o Autor acordou com a R nos termos abaixo referidos, tendo vendido o cheque acima identificado no balcão do Banco…, S.A, ora Ré, sito em…, nas Caldas da Rainha, à ordem da sua conta de depósitos à ordem n.º …- conforme melhor consta do extrato bancário junto como doc. n.º2, com a Petição e 6 com a Contestação;
4- O valor em causa de 7.600€ veio a ser disponibilizado na conta do Autor com “data movimento” de 30-08-2021 e “data valor” de 13-09-2021, juntamente com o débito da comissão do banco, no valor de € 22,80 (vinte e dois euros e oitenta cêntimos) e do Imposto do Selo, no valor de € 0,91 (noventa e um cêntimos) (conforme melhor consta do extracto junto como doc. n.º 2, junto com a Petição ;
5- O Autor ficou convencido de que o referido cheque havia obtido boa cobrança e, como tal, o respetivo valor creditado na sua conta bancária;
6- A quantia creditada ao Autor em 13/09/2021 (€ 7.600,00) não ficou sujeita a qualquer restrição de movimentação (acordo);
7- Assim convencido, o ora Autor efetuou diversos movimentos a débito da sua mencionada conta bancária, no montante total de € 7.522,89 (sete mil quinhentos e vinte e dois euros e oitenta e nove cêntimos), em 16 e 29 de setembro de 2021, em cumprimento de acordos feitos com o seu cliente que lhe havia entregue o sempre mencionado documento (conforme melhor consta do extrato junto como doc. n.º 2, com a Petição);
8- O A estava convencido que ficara acordado com o cliente que este lhe entregaria, em cheque certificado, a quantia de € 7.600 que iria servir para, por um lado, pagar a reserva dos serviços de restauração contratados e, por outro lado, pagar os serviços de terceiro responsável pela deslocação, alojamento, outras refeições e outras despesas diversas, conforme melhor consta da correspondência eletrónica trocada entre as partes (cfr. doc. n.º 3, junto com a Petição);
9- Assim, o Autor transferiu inicialmente para a conta com o IBAN …, em 20 de setembro de 2021, a quantia de € 4.940,89 (quatro mil novecentos e quarenta euros e oitenta e nove cêntimos) relativa à fatura n.º …, de 22/09/2021, (doc.s n.ºs 4 e 5, juntos com a Petição);
10- Após o que transferiu para a mesma conta bancária, em 29 de setembro de 2021, a quantia de € 2.582,00 (dois mil quinhentos e oitenta e dois cêntimos), referente, segundo pensava, à devolução do valor da reserva, anulada em face de ocorrência inesperada ocorrida com elementos da comitiva da entidade reservante que impossibilitou a deslocação tida em vista (docs. n.ºs 2 e 6)
11- Após ter feito os referidos movimentos bancários, o Autor foi surpreendido com um telefonema da parte de um funcionário do banco Réu, em data posterior ao dia 4 de Outubro de 2021, que o informou que a sua conta bancária estava com um descoberto superior a € 7.500;
12- Com a data movimento de 4 de outubro de 2021, o banco Réu debitou a conta do Autor supra identificada pelo valor de € 7.600, acrescida de € 20,53 de despesas de devolução, de € 30 de comissão de devolução e € 1,20 de Imposto do Selo, no total de € 7.651,73 (cfr. doc. n.º 7, junto com a Petição);
13- Invocando, como fundamento para tal operação, a devolução do documento identificado no ponto 1, pelo banco correspondente, conforme a Ré comunicou ao A, mediante carta de 06-10-2021 (cfr. doc. n.º 10, junto com a Contestação/”carta”)
14- A devolução do documento foi motivada por “suspeita de fraude” e “falsificação de cheque”, conforme melhor consta do documento do BANK.... (cfr. doc. n.º 9, junto com a Contestação);
15- A Ré remeteu ao BANK.... a “cash letter” com o documento em crise no dia 29 de setembro de 2021, ou seja, 16 dias após ter creditado a conta do Autor e 30 dias após a compra do documento em crise no seu balcão de Caldas da Rainha (cfr. doc. n.º 9, junto com a Contestação);
16- A resposta do BANK.... ocorreu no dia 4 de outubro de 2021, tendo o banco Réu debitado a conta do ora Autor nesse mesmo dia (cfr. doc. n.º2, junto com a Petição);
17- Tendo o ora Autor sido avisado da devolução do cheque e do débito na sua conta à ordem em data posterior a 4 de outubro de 2021;
18- Em resultado da operação do banco réu, a conta à ordem do Autor ficou com um saldo devedor de € 7.557,93, o que motivou a participação automática ao Banco de Portugal, ficando o Autor com esse aponte negativo na Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal (acordo).
19- Na ausência de qualquer outra informação da R, o A ficou convencido de que a disponibilização da quantia de 7.600€ - em 13-09-2021 – significava que esse dinheiro correspondia ao depósito do cheque que lhe fora remetido pelo seu cliente, quando tal não ocorria;
20- Assim, na posse e com base na informação recebida, e que não esclarecia que, na perspectiva da R, tal disponibilização se tratava de um financiamento e, não, de um pagamento, o ora Autor procedeu às aludidas transferências bancárias internacionais, no montante total de € 7.522,89 que, sem tal erro, não teria feito;
21- O erro em que actuou e as respectivas consequências causou transtornos, preocupações e vergonha por se ter sentido enganado pelas informações erróneas recebidas da Ré, tendo visto o seu bom nome e reputação atingidos, designadamente por ter sido alvo de aponte na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal;
22- O Autor sofreu transtornos, preocupações e inquietações, designadamente por se sentir enganado pelo Banco Réu, instituição bancária credível, e por se encontrar desapossado e prejudicado na quantia de € 7.522,89;
23- O descoberto tão elevado na sua conta de depósitos à ordem, causador da comunicação ao Banco de Portugal, fez com que o Autor tivesse ficado absolutamente desorientado e sem saber o que fazer para resolver a situação, desorientação essa que se refletiu na gestão do estabelecimento de restauração a seu cargo;
24- Pois ficou limitado na aquisição dos produtos frescos essenciais ao abastecimento do mesmo e viu-se obrigado a baixar a qualidade das refeições oferecidas aos seus clientes;
25- A sensação de que havia sido enganado pelo seu Banco, no qual depositava a máxima confiança, refletiu-se, inclusivamente, no seu estado de espírito, tendo ficado irritadiço e, ao contrário do que era costume, fazendo com que passasse a discutir com os empregados e, mesmo, com o seu cônjuge, a propósito de tudo e de nada;
26- Finalmente, a conselho do próprio Banco ora Réu, resolveu solicitar-lhe um empréstimo de curto prazo com vista a remediar o que já estava feito, ou seja, o elevado descoberto na sua conta bancária e o consequente aponte na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal;
27- O Banco deu, como alternativas, o pagamento fraccionado do descoberto ou a uma operação de financiamento;
28- Foi, então, acordado, em 18-11-2021, um crédito pessoal/financiamento, para cobertura do descoberto, tendo sido fixada uma TAEG de 9,6%, do que resultou o montante total imputado ao ora Autor de € 10.240,13 (cfr. doc. n.º 9, junto com a Petição);
29- A Ré creditou a conta bancária do Autor com a quantia de €7.651,46 (cfr. doc. n.º 7, junto com a Petição);
Da douta Contestação:
30- A Ré é um banco, cuja atividade se caracteriza pela prática de todos os actos, por Lei, permitidos aos Bancos, encontrando-se sob a regulação e supervisão do Banco de Portugal, atenta a sua natureza de instituição financeira;
31- O Autor é cliente bancário da Ré desde, pelo menos, 2006 (acordo);
32- Para o efeito, abriu a conta de depósitos à ordem n.º …., junto do balcão da Ré…– balcão titular do Autor;
33- Foi processada a compra do “documento”, como se se tratasse de um “Cheque sobre o Estrangeiro” n.º …, em regime de Tomada Firme, com data-valor de 13-09-2021, no montante de € 7.600, em papel que tinha o que parecia ser a marca e duas assinaturas do banco HSBC, visando a disponibilização do crédito daquele valor na identificada conta à ordem n.º … (à data individualmente titulada pelo Autor), após boa cobrança;
34- A R disponibiliza três regimes de tomada de Cheques sacados sobre banco estrangeiro aplicados pelo sector bancário nacional, e consequentemente pelo Banco …:
a) Regime de Pagamento – aplicável a cheques emitidos por outros Bancos e sacados pelo Banco ... Os fundos são entregues imediatamente e sem possibilidade de recurso sobre o beneficiário ou seu legitimo portador;
b) Regime de Negociação ou Tomada Firme – Consiste na tomada de cheques contra o adiantamento dos fundos, sem garantia da sua boa cobrança, salvo bom fim e com o direito de recurso sobre o Cedente;
c) Regime de Cobrança – Os fundos só são disponibilizados após a sua boa cobrança (doc. n.º 5, junto com a douta Contestação e análise das páginas do Banco… e do Banco de Portugal;
35- Assim, após ter sido informado pelo balcão da Ré que o referido documento – que se assumiu como sendo um cheque - seria aceite em regime de cobrança e que o valor poderia demorar entre dez/doze dias úteis até dois meses a ser creditado na sua conta, o Autor - argumentando que o cheque dizia respeito à reserva de um cliente e que o prazo supra indicado não seria de todo compatível com o acordado/negociado com o alegado Cliente - questionou da existência de outras soluções;
36-Nessa medida, o balcão da Ré esclareceu o Autor que o depósito do cheque, se e quando fosse efectuado, deveria ocorrer em conta de depósitos à ordem da sua actividade de restauração (e não na conta particular, como pretendia o Autor), bem como que, alternativamente, poder-se-ia tentar efectuar a compra firme do cheque, o que estaria sujeito a pedido de autorização superior;
37-Mais se informou que, caso tal pedido fosse autorizado, o valor seria creditado em conta decorridos, pelo menos, dez/doze dias úteis (ainda que o crédito fosse visualizado de imediato nos movimentos da conta), reforçando-se que, caso a confirmação de cobrança não se verificasse no referido prazo, este poderia ser alargado
38-Em resposta, o Autor transmitiu que o cheque respeitava ao pagamento de alimentação, estadia e deslocações e que, como a actividade que explora é de restauração, os restantes serviços seriam contratados com terceiros, razão pela qual o pagamento teria de ser efectuado através da sua conta particular;
39- Em momento anterior à obtenção de resposta da conclusão do processo de cobrança do cheque, o Banco disponibiliza ao Cliente o montante aposto no cheque, o que sucedeu, no caso.
40- Pese embora o Autor tivesse a possibilidade (como teve) de efectuar a negociação do cheque em regime de cobrança (aguardando, pois, pela conclusão do processo para ter o valor disponibilizado), solicitou que o mesmo se concretizasse em regime de Tomada Firme, com a consequente disponibilização antecipada do montante do cheque,
41- Pedido este que foi aceite e, após aprovação, foi o valor disponibilizado ao Autor, nos termos constantes do Certificado de Operações “Negociação de Cheque (s) a Câmbio Firme – Salvo Bom Fim – D.O.”, com data de 30-08-2021, assinado pelo Autor, com a menção:

Banco… Meo9 – Negociação de Cheque (s) a Câmbio Firme-Salvo Bom Fim – D.O.
Data Operação: 2021-08-30 Referencia nº…..
Data Valor Cliente: 21-09-13 Nº conta: ………
Cliente……
Regime de Aceitação: F Firma Salvo Bom fim  Quantidade de Cheques: 1  Moeda: Euro
(cfr. doc. n.º 6, junto com a douta Contestação)
42- Na data-valor da referida operação de financiamento – 13-09-2021 - a indicada conta à ordem registou um saldo de € 7.576,29 (deduzida a respetiva comissão de compra de cheque e imposto do selo, no valor de € 22,80+€ 0,91) (cfr. doc. n.º 7, junto com a douta Contestação);
43- Nas datas de 17, 20 e 29-09-2021, via NET 24 Particulares, com as credenciais de acesso do Autor na sua conta à ordem n.º…., foram, respectivamente, ordenadas as seguintes transferências internacionais:
- No valor de € 4.976,29, tendo a mesma sido devolvida (deduzida de respetivas comissões e despesas), por razões que se desconhecem.
- No valor de € 4.940,89, daqui resultando um saldo no valor de € 2.576,90;
- No valor de € 2.582,00, registando um saldo € 100,80 (Cfr. Extracto de movimentos - Documento n.º 5);
44- O processo que se pretendia de cobrança de cheque, mas que teve por base um “documento” seguiu os seus trâmites, seguindo do balcão da Ré para os serviços centrais da Ré em Lisboa;
45- Os serviços da Ré, tendo, num primeiro momento, tentado processar o “documento” através do sistema SWIFT e não o tendo logrado, em 29-09-2021, reencaminharam para o Bank...., que funcionaria, na sua perspectiva, como intermediária na operação de cobrança de documento, entregue pelo Autor (cfr. doc. n.º 8, junto com a douta Contestação);
46- Em 04-10-2021, a Ré, através do seu departamento de Operações de Estrangeiro (DSO-Núcleo de Operações de Estrangeiro), foi informada pelo Bank.... que o documento que comprara ao Autor era contrafeito / suspeito de fraude, tendo sido objecto da devolução pelo invocado motivo de “Suspected Fraud – Counterfeit Cheque” (cfr. doc. n.º 9, junto com a douta Contestação);
47- A Ré, através do Balcão titular do Autor, e com a finalidade de informar o sucedido, contactou telefonicamente o Cliente, para reunião nas suas instalações;
48- Da reunião, que teve lugar em 06-10-2021, resultou o seguinte:
- A Ré comunicou ao Autor que o cheque depositado era contrafeito e suspeito de fraude;
- Após, o Autor explicou os factos que levaram à aquisição do cheque, a saber:
- A apresentação do documento que parecia se um “cheque sobre o estrangeiro” visaria o alegado pagamento de vários serviços contratados com um suposto cliente, nomeadamente com vista à pretensa reserva de refeições para grupos, durante vários dias, no seu restaurante;
- Como tal, havia ordenado transferências internacionais, alegadamente para devolução de fundos ao suposto cliente, porque não só havia recebido o mencionado cheque por valor superior ao preço acordado, bem como teria ocorrido um pretenso acidente relacionado com o alegado cliente.
- O Autor não exibiu qualquer documento de facturação de suporte à existência do alegado negócio, que terá sido celebrado via internet, com um indivíduo de nome “SM…”.
- A Ré solicitou, pois, ao Autor exposição escrita do sucedido;
- Foi igualmente questionado o Autor da regularização da conta de depósitos à ordem, a qual se encontrava com saldo negativo por via do débito do cheque fraudulento,
- Tendo este informado não dispor de verbas disponíveis para a regularização e que consultaria o seu advogado para ser devidamente aconselhado e acompanhado;
49- Em 07-10-2021, o Autor enviou à Ré e-mail com exposição (manuscrita) cronológica dos factos atinentes à situação, anexando a correspondência trocada com o alegado emitente do cheque para explicação do depósito e transferências efectuadas, (documento n.º 9, junto com a Contestação);
50- Em 14-10-2021, em nova reunião no Balcão da Ré, o Autor informa que o seu advogado irá apresentar queixa-crime contra o emitente do cheque, tendo o Balcão manifestado disponibilidade para acompanhar o Autor na regularização do saldo negativo, através de depósitos regulares ou análise de crédito;
51- De acordo com as comunicações transmitidas, era solicitada reserva de alimentação, estadia e deslocações para o período entre 06 a 10-10-2021 e 13 a 17-10-2021, cujo preço praticado pelo Autor seria de € 2.600 sem bebidas incluídas:
E:
E:
(cfr. documento n.º 9, junto com a Contestação)
52- E o A recebeu, ainda, as instruções respeitantes ao remanescente valor do cheque (dos serviços alegadamente prestados por terceira entidade), a saber:
(cfr. documento n.º 9, junto com a Contestação)
Os Factos não provados
Discutida a causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, não tendo resultado provado que:
a. Quanto ao ponto 1.º dos factos provados: não se provou que estivesse em causa um “cheque”, por se tratar de uma qualificação jurídica que aquele documento de resto não reunia. Daí a resposta restritiva ao ponto 1 dos factos provados;
b. Nessa altura, a funcionária da Ré informou, simplesmente, o Autor que o cheque seria apresentado a pagamento e que a sua conta seria creditada, após boa cobrança do mencionado cheque, num prazo que podia variar entre 15 a 30 dias.
c. Significa, portanto, que a conta do Autor, domiciliada na agência da Autora recorrida, só seria creditada pelo valor constante do cheque caso este obtivesse a respetiva cobrança e disso ficou o Autor ciente.
d. Ficou o Autor, então, a aguardar que, após boa cobrança do mencionado cheque, o valor de € 7.600 lhe fosse creditado na sua conta bancária supra identificada;
e. Em 30-08-2021 o A depositou o cheque na sua conta (ou, na versão da douta Contestação, “Em 30-08-2021, o Cliente J…, aqui Autor, efectuou depósito de Cheque sobre o Estrangeiro no balcão da Ré em Caldas da Rainha;
f. A aquisição em regime de tomada firme realizou-se atendendo à relação de confiança existente entre a Ré e o Autor;
g. A negociação de cheque sacado sobre banco estrangeiro, no regime mencionado, não se trata de um mero depósito de cheque, na medida em que tal negociação pressupõe a realização de duas operações bancárias distintas, a saber:
1. Uma operação de financiamento consubstanciada pela disponibilização antecipada do montante do cheque, sem garantia de cobrança e salvo bom fim.
2. Tomada de cheque sacado sobre o estrangeiro mediante a sua boa cobrança.
O demais alegado não expressamente enumerado acima constitui matéria jurídica, conclusiva ou irrelevante para a decisão nesta sede”.
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A tradução para português dos documentos transcritos nos factos provados e redigidos em língua inglesa foi junta pela R. com o requerimento de 4/7/2022 (ref. citius 33024366).
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O recurso da R. foi admitido como de Apelação a subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito devolutivo (arts. 647º, nº1, 645º, nº1, al. a) e 644º, nº 1, al. a) do CPC). 
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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2. O direito
2.1. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto
Existem requisitos específicos para a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, os quais, se não observados, conduzem à sua rejeição.
Assim, o artigo 640º, do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente o ónus de:
a) especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
É hoje indiscutível a inadmissibilidade de recursos que se insurgem em abstracto contra a decisão da matéria de facto: o recorrente tem que especificar os exactos pontos que foram, no seu entender, erroneamente decididos e indicar também com precisão o que entende que se deve dar como provado.
Impõe-se que nas conclusões o recorrente indique concretamente os pontos da matéria de facto que impugna, apresentando a sua pretensão de forma inequívoca, de forma a que se possa, com clareza, separar a mera exposição da sua apreciação sobre a prova da reivindicação da alteração da matéria de facto.
Por estes motivos, o recorrente, além de ter que assinalar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, tem também que especificar os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos, evitando-se que sejam apresentados recursos inconsequentes, não motivados, com meras expressões de discordância, sem fundamentação que possa ser perceptível, apreciada e analisada.
Quanto a cada um dos factos que pretende que obtenha diferente decisão da tomada na sentença, tem o recorrente que, com detalhe, indicar os meios de prova deficientemente valorados e ponderar criticamente os mesmos.
Relativamente ao ónus de especificar os concretos meios probatórios, particulariza o nº 2 do artigo 640º, que: “Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
A exigência de assinalar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, tem uma triple finalidade: onerar o recorrente com o esforço de se assegurar que existem, na prova gravada em que se pretende fundar, declarações que efectivamente justificam a sua discordância; permitir um mais apurado exercício do contraditório, por conter uma mais concreta explicitação dos fundamentos da pretensão; possibilitar ao tribunal a directa verificação, pelo acesso aos elementos objectivos do processo, apontados pelo recorrente de forma definida e concretizada, da existência de alguns indícios nesse sentido, a exigir posterior análise.
Tão clara e peremptória é a norma e tão importante para a salvaguarda da utilidade da impugnação da matéria de facto, reservando-a para os casos em que a parte tem sustento razoável para o efeito, que se entende que a subjugação a esta alínea não se traduz num desnecessário predomínio da forma sobre a matéria, mas à defesa do nível de exigência a que a impugnação da matéria de facto tem que corresponder (impedindo que o seu uso como simples passaporte para o prazo adicional de recurso traga labor acrescido aos tribunais da Relação, sem qualquer utilidade prática).
A Recorrente entende que a prova produzida determinaria decisão diferente relativamente a determinados factos provados e não provados, impugnado validamente os pontos da matéria de facto, pretendendo:
- ver alterados os pontos 1, 2, 13, 14, 15, 33, 35, 44, 45 e 48 dos factos provados (pontos I e VI da al. A) das alegações);
- que sejam dados como não provados os pontos 5, 7, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25 dos factos provados (ponto II, da al. A) das alegações);
- que seja aditado ao ponto 41 dos factos provados a expressão “sem garantia da sua boa cobrança e salvo bom fim” (ponto III, da al. A) das alegações);
-  que seja aditado aos factos provados, o teor dos artigos 30, 31, 32, 34 da contestação (pontos IV, V e VII, da al. A) das alegações);
- quanto aos factos não provados, que passem a constar da matéria de facto provada a al. a) (no que respeita à palavra “cheque”, al. f) (no que respeita à relação de confiança), al. g) (pontos I, II e III da al. B) das alegações).
Debrucemo-nos, pois, sobre cada um desses pontos (fazendo-se referência, para melhor compreensão, às alíneas e pontos das alegações).
A) Da factualidade dada como provada
I - Consta do ponto 1 dos factos provados que “1- O Autor foi portador de um documento, que aparentava as características de um cheque bancário, e do qual constavam os seguintes dizeres: (…)”. Na al. a) dos factos não provados, por seu turno, escreveu-se na decisão recorrida “a. Quanto ao ponto 1.º dos factos provados: não se provou que estivesse em causa um “cheque”, por se tratar de uma qualificação jurídica que aquele documento de resto não reunia. Daí a resposta restritiva ao ponto 1 dos factos provados”.
A este respeito, escreveu-se na motivação da matéria de facto, “No que respeita à forma como o “documento” chegou ao poder do A, às negociações existentes e às consequências da criação do descoberto bancário, na sequência de se ter concluído tratar-se de um cheque falsificado, atentou-se quer ao exame dos documentos expressamente referidos a cada facto, quer às declarações de parte do A e aos depoimentos das testemunhas abaixo identificadas (mulher do A, empregado do restaurante que trabalhava à data no restaurante e do amigo da familia), as quais depuseram de modo isento e rigoroso, tendo confirmado os referidos factos. Daí as respostas aos artigos 1.º, 2.º, 5.º, 7, 8, 9, 10, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26”. E na parte relativa à motivação dos factos não provados, escreveu-se “Quanto à al. a): Não resultou provado que o documento referido fosse um “cheque internacional”; porquanto a qualificação de um documento como “cheque” pressupõe uma análise jurídica, sendo que, no caso, o que resulta titulado não é um “cheque internacional” mas, sim, um “Bankers draft”, que – independentemente de se entrar na analise quanto à autenticidade, ou não, do documento, traduz uma realidade juridicamente diversa, não sujeita à LUC”.
Defende o R. que deveria ter sido dado como provado:
1- O Autor foi portador de um cheque sacado sobre o estrangeiro, com as características de um cheque bancário, e do qual constavam os seguintes dizeres: (…)”, defendendo que o tribunal recorrido não poderia ter desconsiderado o documento nº 2 junto com a contestação, o qual prova que estamos na presença de um cheque bancário sacado sobre o estrangeiro ou “cheque internacional”, na versão da p.i..
Ora, a este respeito, entendemos que bem andou o tribunal recorrido ao não qualificar juridicamente o documento em causa, deixando tal assunto para a fundamentação de direito, como efectivamente veio a fazê-lo. Mas por assim ser, pensamos que, para não entrar na referida qualificação jurídica, deve ser expurgada do ponto 1 dos factos provados a expressão “que aparentava as características de um cheque bancário”, devendo apenas passar a constar a referência a um “documento”, do qual constavam os seguintes dizeres…”, com referência ao documento junto na p.i (doc. nº 1) e na contestação (doc. nº 2) – a sentença refere, por lapso o doc. nº 4, quando na verdade o referido documento foi junto sob o nº 2). Pelo mesmo motivo, não se vê necessidade de alterar os pontos 2, 13, 14, 15, 45 dos factos provados, como pretende o R., fazendo deles constar a palavra “cheque bancário sacado sobre o estrangeiro” em vez da palavra “documento”, sempre por referência ao “documento” mencionado no ponto 1 dos factos provados (apesar de em variados pontos dos factos provados se fazer referência à palavra “cheque”, usada pelo próprio A. na petição inicial).
Pelo mesmo motivo apontado supra, entendemos que importa proceder a uma nova redacção dos pontos 33, 35, 44 e 48 dos factos provados, retirando as expressões “como se tratasse” (ponto 33), “que se assumiu como sendo um cheque” (ponto 35), “que se pretendia de cobrança de cheque, mas…” (ponto 44) e “que parecia ser um “cheque sobre o estrangeiro” (ponto 48), pois que as mesmas denotam já um juízo de valor quanto à qualificação jurídica do documento em causa (no sentido de que o mesmo não seria, na verdade um cheque, independentemente de ser um cheque contrafeito ou não).
II - Pretende, ainda a R. que se dê como não provados os pontos 5, 7 (na parte em que se escreve, “assim convencido”, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25 dos factos provados.
A este respeito provou-se que:
“5- O Autor ficou convencido de que o referido cheque havia obtido boa cobrança e, como tal, o respetivo valor creditado na sua conta bancária; (…)
7- Assim convencido, o ora Autor efetuou diversos movimentos a débito da sua mencionada conta bancária, no montante total de € 7.522,89 (sete mil quinhentos e vinte e dois euros e oitenta e nove cêntimos), em 16 e 29 de setembro de 2021, em cumprimento de acordos feitos com o seu cliente que lhe havia entregue o sempre mencionado documento (conforme melhor consta do extrato junto como doc. n.º 2, com a Petição); (…)
19- Na ausência de qualquer outra informação da R, o A ficou convencido de que a disponibilização da quantia de 7.600€ - em 13-09-2021 – significava que esse dinheiro correspondia ao depósito do cheque que lhe fora remetido pelo seu cliente, quando tal não ocorria;(…)
20- Assim, na posse e com base na informação recebida, e que não esclarecia que, na perspectiva da R, tal disponibilização se tratava de um financiamento e, não, de um pagamento, o ora Autor procedeu às aludidas transferências bancárias internacionais, no montante total de € 7.522,89 que, sem tal erro, não teria feito”.
Para motivação de tal matéria factual, além do excerto supra referido, que também abarca os pontos da matéria de facto provado sobre os quais nos debruçamos agora, também se escreveu “No que respeita à compra do “documento” como se se tratasse de um “cheque bancário internacional, atentou-se ao exame do doc. n.º 6, junto com a douta Contestação, bem como ao depoimento da testemunha identificada sob a al. e), infra, V…, que, na parte de “front office”, atendeu o A, informou-o e instruiu a documentação para análise interna, pelo departamento competente. Daí que se tenha provado restritivamente o vertido em 35, 36, 37, 38, 39, 41, 42”.
Quanto a esta matéria factual, o R. insurge-se quanto ao facto de ter sido dado como provado que o A. foi erroneamente informado quanto à forma como se processou a compra do cheque no regime celebrado entre as partes e que, por esse motivo, se convenceu que o valor disponível na sua conta bancária correspondia à boa cobrança do cheque, sentindo-se “enganado pelo banco”, defendendo que tais factos entram em contradição com os pontos 33, 34, 35, 36, 37, 39, 40, 41 e 42 dos factos provados, com o documento nº 4 junto com a contestação e não coincidentes com o depoimento da testemunha V…, tudo apontando em sentido contrário do decidido.
No fundo, entendeu a Srª juiz a quo, que quando o A. foi recebido ao balcão de uma das agências da R. a fim de “depositar” o documento de que era portador e que foi junto como doc. 1 da p.i., não recebeu todos os esclarecimento necessários e foi com base na informação recebida, e não esclarecida, que fez as transferências bancárias que vieram a ter as consequências do descoberto bancário referido nos pontos 12 e 18 dos factos provados.
Analisados os factos provados indicados pelo R., o documento nº 4 junto com a contestação (e não nº 6 como referido na motivação) e o depoimento da testemunha V… (que se ouviu na íntegra), não podemos deixar de dar razão ao R.
Efectivamente, veja-se o que resultou como provado nos seguintes pontos da matéria de facto:
“33- Foi processada a compra do “documento”, como se se tratasse de um “Cheque sobre o Estrangeiro” n.º …, em regime de Tomada Firme, com data-valor de 13-09-2021, no montante de € 7.600, em papel que tinha o que parecia ser a marca e duas assinaturas do banco HSBC, visando a disponibilização do crédito daquele valor na identificada conta à ordem n.º …. (à data individualmente titulada pelo Autor), após boa cobrança;
34- A R disponibiliza três regimes de tomada de Cheques sacados sobre banco estrangeiro aplicados pelo sector bancário nacional, e consequentemente pelo Banco ...:
a) Regime de Pagamento – aplicável a cheques emitidos por outros Bancos e sacados pelo Banco …. Os fundos são entregues imediatamente e sem possibilidade de recurso sobre o beneficiário ou seu legitimo portador;
b) Regime de Negociação ou Tomada Firme – Consiste na tomada de cheques contra o adiantamento dos fundos, sem garantia da sua boa cobrança, salvo bom fim e com o direito de recurso sobre o Cedente;
c) Regime de Cobrança – Os fundos só são disponibilizados após a sua boa cobrança (doc. n.º 5, junto com a douta Contestação e análise das páginas do Banco… e do Banco de Portugal;
35- Assim, após ter sido informado pelo balcão da Ré que o referido documento – que se assumiu como sendo um cheque - seria aceite em regime de cobrança e que o valor poderia demorar entre dez/doze dias úteis até dois meses a ser creditado na sua conta, o Autor - argumentando que o cheque dizia respeito à reserva de um cliente e que o prazo supra indicado não seria de todo compatível com o acordado/negociado com o alegado Cliente - questionou da existência de outras soluções;
36-Nessa medida, o balcão da Ré esclareceu o Autor que o depósito do cheque, se e quando fosse efectuado, deveria ocorrer em conta de depósitos à ordem da sua actividade de restauração (e não na conta particular, como pretendia o Autor), bem como que, alternativamente, poder-se-ia tentar efectuar a compra firme do cheque, o que estaria sujeito a pedido de autorização superior;
37-Mais se informou que, caso tal pedido fosse autorizado, o valor seria creditado em conta decorridos, pelo menos, dez/doze dias úteis (ainda que o crédito fosse visualizado de imediato nos movimentos da conta), reforçando-se que, caso a confirmação de cobrança não se verificasse no referido prazo, este poderia ser alargado.
38-Em resposta, o Autor transmitiu que o cheque respeitava ao pagamento de alimentação, estadia e deslocações e que, como a actividade que explora é de restauração, os restantes serviços seriam contratados com terceiros, razão pela qual o pagamento teria de ser efectuado através da sua conta particular;
39- Em momento anterior à obtenção de resposta da conclusão do processo de cobrança do cheque, o Banco disponibiliza ao Cliente o montante aposto no cheque, o que sucedeu, no caso.
40- Pese embora o Autor tivesse a possibilidade (como teve) de efectuar a negociação do cheque em regime de cobrança (aguardando, pois, pela conclusão do processo para ter o valor disponibilizado), solicitou que o mesmo se concretizasse em regime de Tomada Firme, com a consequente disponibilização antecipada do montante do cheque,
41- Pedido este que foi aceite e, após aprovação, foi o valor disponibilizado ao Autor, nos termos constantes do Certificado de Operações “Negociação de Cheque (s) a Câmbio Firme – Salvo Bom Fim – D.O.”, com data de 30-08-2021, assinado pelo Autor, com a menção: (…) (cfr. doc. n.º 6, junto com a douta Contestação)
42- Na data-valor da referida operação de financiamento – 13-09-2021 - a indicada conta à ordem registou um saldo de € 7.576,29 (deduzida a respetiva comissão de compra de cheque e imposto do selo, no valor de € 22,80+€ 0,91) (cfr. doc. n.º 7, junto com a douta contestação)”.
Se atentarmos no documento referido no ponto 41, (doc. nº 4 com a contestação e não nº 6), resulta claro que a operação bancária em causa reflecte a “negociação de cheque a câmbio firme – Salvo bom fim – D.O.”, com data valor de 13/9/2021, sendo o valor de € 7.600,00, tendo o A. aposto a sua assinatura por baixo do seguinte texto: “em caso de não pagamento, autoriza-se o débito do valor do cheque e de todas as despesas inerentes à operação na conta de Depósito à Ordem acima indicada. O Banco… não poderão ser imputadas quaisquer responsabilidades pelo extravio, roubo, (…), retenção ou destruição deste(s) cheque(s) durante o seu processo de cobrança no exterior.”
A análise deste documento assinado pelo A., tem de ser conjugado com o depoimento da testemunha V…, funcionária de balcão da agência do R. onde o A. se deslocou para “descontar” o que ele sempre entendeu ser um cheque remetido por um seu cliente estrangeiro. Assim, esta testemunha, com um depoimento circunstanciado, esclarecedor e objectivo, fazendo menção particular às dúvidas e questões levantadas pelo A. nesse dia, merecendo inteira credibilidade pela isenção com que depôs, explicou que o A. pretendia fazer o “depósito” de um cheque de um cliente estrangeiro na sua conta particular, explicando-lhe o motivo (a quantia que ia receber em depósito excedia o valor que o seu restaurante ia prestar ao cliente estrangeiro). Segundo a testemunha, quando pôs o A. ao corrente que na tomada do referido cheque à cobrança, o dinheiro só ficaria disponível na sua conta no prazo de 2 meses, o A. solicitou-lhe outra alternativa, pois precisava do dinheiro para fazer face às despesas que ia ter com o serviço que ia prestar ao cliente. Explicou-lhe, então, que existia o sistema de “compra firme”, caso em que o dinheiro ficaria disponível no prazo de 15 dias, o que equivaleria a um crédito, e alertou-o para o facto de que se houvesse algum “problema” com o cheque ele teria de assumir o valor “adiantado”. A testemunha, de forma espontânea, referiu que, nessa altura, o A. pediu-lhe uma opinião quanto ao “cheque” em causa, “se achava que tinha algum problema”, ao que ela respondeu que não podia dizer e que a situação teria de passar pelo “balcão titular” para autorizar a compra do cheque naquele regime. Nessa mesma altura, e antes de o A. assinar o documento supra referido, voltou a alertá-lo para o facto de ser ele a assumir o valor adiantado em caso de retorno do cheque.
Este depoimento é consentâneo com os pontos 35, 36, 37, 38, 39, 40 e 41 dos factos provados (de onde se retira, aliás, que a Srª juiz a quo deu credibilidade ao depoimento desta testemunha), os quais são, efectivamente, contraditórios com a convicção depois formada quanto à falta de esclarecimento do A. e que este tivesse actuado (ao fazer as transferências mencionadas no ponto 9 e 10 dos factos provados), convencido que a disponibilização da quantia de € 7.600, no dia 13/9/2021, significava que o “cheque” tinha tido boa cobrança (pontos 5, 19 e 20) e não um “financiamento” por parte do R..
Atente-se, ainda, na motivação das a. b) e c) dos factos não provados, onde se escreveu: “Não resultaram provados os pontos de facto vertidos nas alíneas b) a d) dos factos não provados, por ter resultado provado que o A foi alertado para o facto de se tratar de um cheque internacional, que a alternativa ao depósito à cobrança seria a venda em regime de tomada firme e que, neste caso, haveria o risco de falta de provisão do cheque, conforme resulta da leitura do documento junto como n.º 6, com a douta Contestação (Certificado de Operações “Negociação de Cheque (s) a Câmbio Firme – Salvo Bom Fim – D.O.”, com data de 30-08-2021, assinado pelo Autor)”; a al. b) dos factos não provados tem a seguinte redacção: “Nessa altura, a funcionária da Ré informou, simplesmente, o Autor que o cheque seria apresentado a pagamento e que a sua conta seria creditada, após boa cobrança do mencionado cheque, num prazo que podia variar entre 15 a 30 dias”.
Se atentarmos nas alternativas apresentadas pela testemunha V… ao A., parece resultar de clara evidencia que o regime de “tomada firme”, que estava sujeito a autorização superior, por se tratar de um adiantamento, ou seja, um financiamento prestado pelo banco, tinha como vantagem a disponibilização mais rápida do dinheiro, pelo que foi o regime optado pelo A., por ir ao encontro das suas necessidades, como também foi explicado pela testemunha. Note-se que a única preocupação manifestada pelo A. foi a de saber a opinião da testemunha quanto ao documento que então apresentou, o que só se compreende por ter sido informado que caso o cheque não tivesse boa cobrança, seria ele a assumir o valor adiantado pelo banco.
Isso mesmo resulta claro do documento assinado pelo A. em 30/8/2021, onde consta como “data valor cliente ” o dia 13/9/2021, que foi o dia em que o A. pode dispor livremente do dinheiro creditado, conforme lhe foi explicado (ponto 37 dos factos provados).
Assim, perante tudo o que foi exposto, não vemos como poderia o A. acreditar ou estar “convencido” que o dinheiro disponível a partir daquele dia significava que o cheque tivera já boa cobrança.
Perante estes elementos, as declarações de parte do A. não mereceram credibilidade. Na sua versão, quando se deslocou ao balcão do R. apenas foi informado pela testemunha V… que o cheque poderia levar até 2 meses até ser depositado, pelo que ficou surpreendido quando ao fim de 15 dias percebeu que o dinheiro já estava disponível na conta, acreditando que tivera boa cobrança. No entanto, perante o já referido documento nº 4, assinado pelo A., o depoimento da testemunha V… e os factos provados pontos nºs 35, 36, 37, 38, 39, 40 e 41, o A. tinha, necessariamente, de saber que estava a negociar o referido “cheque” nos indicados termos e que o R. não assumiria o risco da sua não cobrança.
A convicção do tribunal a quo quanto a esta matéria assentou igualmente no depoimento das testemunhas M…, mulher do A. e cozinheira do restaurante, S…., empregado do restaurante do A. e G…, amigo da família (cujos depoimentos este tribunal ouviu na íntegra), os quais, no entanto, não estiveram presentes quando o A. se deslocou ao balcão do R.. A testemunha M…, acabou por reproduzir a versão do A., mencionando que ela e o marido acreditaram que o cheque tinha tido boa cobrança quando viram o dinheiro disponível na conta ao fim de 15 dias, o que considerou normal por se tratar de um “cheque internacional” (por contraposição aos cheques nacionais), no entanto, uma vez mais, tal convicção não tem sustentação nos restantes elementos de prova, de que se fez fé.
Tendo em conta todas as considerações efectuadas devem ser dados como não provados os pontos 5, 7 (quanto à expressão “Assim convencido”), 19 e 20.
Em consequência do exposto, também os pontos 21, 22 e 25 merecem resposta negativa, na medida em que não resultou provado que foram as “erróneas informações” ou a “falta de esclarecimento” por parte do R. que provocaram ao A. os transtornos, aborrecimentos e preocupações ali referidos, ou que o A. se sentiu enganado pelo R., com as consequências referidas no ponto 25. Todavia, ao contrário do defendido pelo R., é verdade o mencionado nos pontos 23 e 24, o que foi referido pelas testemunhas arroladas pelo A., com conhecimento directo dos factos.
III - O R. entende, ainda, que para boa decisão da causa deve ser alterado o ponto 41 dos factos provados, devendo passar a constar:
“41 – Pedido este que foi aceite e, após aprovação, foi o valor disponibilizado ao Autor, sem garantia da sua boa cobrança e salvo bom fim, nos termos constantes do Certificado…”, conforme alegado no artigo 25 da contestação.
No entanto, tendo em conta o já mencionado quanto aos pontos 33, 34 e 39 dos factos provados, não vemos necessidade de alterar este ponto da matéria de facto que acaba por reproduzir o documento nº 4 junto com a contestação e de onde resulta o facto que o R. pretende introduzir.
IV, V e VII – O R. sustenta, ainda, ser relevante para a decisão que aos factos provados seja aditado o teor dos artigos 30, 31, 32 e 34 da contestação, como pontos 42ª, 45ª, 45B e 43ª, respectivamente.
Dos mencionados artigos da contestação consta o seguinte:
30 - “Contudo, sempre na modalidade de crédito, atendendo ao facto de estarmos perante o Regime de Tomada Firme de cheque sacado sobre banco estrangeiro e a disponibilização de fundos não corresponder ao seu bom fim, mas à concretização do adiantamento que o Autor solicitou à Ré”.
34 - “Significa isto que: as transferências realizadas pelo Autor só foram possíveis atenta a disponibilização antecipada do valor do cheque negociado e não pela concretização do processo de cobrança”.
31 – “Não sendo despiciendo referir que, as instituições financeiras não dispõem de um prazo para aferir do “bom fim” do cheque negociado e sacado sobre banco estrangeiro, não só porque não existe um prazo limite para a obtenção de resposta por entidades terceiras e transnacionais,
32 – “Mas também pelo facto de o Banco… nem sempre dispor de uma relação comercial directa com o banco sacado, o que obriga o recurso a instituições intermediárias cujo prazo de resposta não é possível à Ré, nem ao seu regulador, antever”.
Em resultado das alterações já operadas e dos factos que resultaram como provados, estes artigos da contestação além de serem despiciendos contêm matéria conclusiva, pelo que não serão aditados aos factos provados.
VI – Quanto ao ponto 45 dos factos provados, sustenta o R. que tendo a motivação do tribunal assentado “exclusivamente” no exame dos documentos a que estão feitas referências na motivação de facto, entre os quais o ponto em referência, impõe-se que o mesmo seja alterado para que fique não só de acordo com o que resulta do documento nº 6 junto com a contestação (e não nº 8 como consta a final do ponto 45), mas porque vem ao encontro do depoimento da testemunha D…, funcionário do R. que explicou, de forma objectiva, como se processa a cobrança de um cheque estrangeiro tomado sob o regime de Tomada Firme.
Efectivamente, resulta não só do depoimento desta testemunha, como do teor do documento nº 6 junto com a contestação, que o documento em causa nos autos foi remetido para o Bank...., no dia 29/9/2021, o qual serviria de intermediário, na cobrança do cheque. Em 4/10/2021 é que existe uma comunicação entre banco e o R., via “SWIFT”, dando conta do não pagamento do “cheque” – isso mesmo resulta do documento nº 7 junto com a contestação.
Assim, a expressão “Os serviços da Ré, tendo num primeiro momento, tentado processar o “documento” através do sistema SWIFT e não o tendo logrado (…) que funcionaria, na sua perspectiva”, será suprimida do ponto 45 dos factos provados, mantendo-se a restante factualidade, por referência aos serviços do R.
B) No que toca à factualidade dada como não provada:
I -Volta o R. a reiterar o alegado no ponto I (al. A) quanto à classificação do cheque bancário.
A primeira alínea dos factos não provados é a seguinte:
“a. Quanto ao ponto 1º dos factos provados: não se provou que estivesse em causa um “cheque”, por se tratar de uma qualificação jurídica que aquele documento de resto não reunia. Daí a resposta restritiva ao ponto 1 dos factos provados”.
Com alguma confusão entre aquilo que é um facto não provado e a sua motivação, a Srª. juiz a quo pretendeu, afinal, reafirmar a resposta restritiva ao ponto 1 dos factos provados, a que já nos referimos supra.
Repare-se que na motivação desta alínea, escreveu-se mais adiante na sentença: “Quanto à al. a): Não resultou provado que o documento referido fosse um “cheque internacional”; porquanto a qualificação de um documento como “cheque” pressupõe uma análise jurídica, sendo que, no caso, o que resulta titulado não é um “cheque internacional” mas, sim, um “Bankers draft”, que – independentemente de se entrar na analise quanto à autenticidade, ou não, do documento, traduz uma realidade juridicamente diversa, não sujeita à LUC”. Apesar da resposta restritiva ao ponto 1 dos factos provados, por entender que a palavra “cheque” pressupõe uma qualificação jurídica, o que mereceu a nossa concordância, acaba por fazê-lo, quanto a nós de forma errada, não só na motivação dos factos provados, como na referida al. a) dos factos não provados.
Assim, decidimos que a referida al.a) deverá ser eliminada dos factos não provados.
II- No que respeita à al. f) dos factos não provados, não assiste razão ao R., na medida em que não obstante o A. ser cliente do R. desde pelo menos 2006, tal não significa que a referida aquisição em regime de tomada firme se realizou por uma especial relação de confiança do banco com este cliente em particular, nem as testemunhas do R. atestaram tal facto. Indefere-se, pois, esta parte da impugnação. No entanto, deve constar dos factos provados, como sequência lógica dos factos antecedentes, o restante alegado no artigo 21 da contestação, ou seja, que “o cheque foi, então, negociado sobre o regime de Tomada Firme, a pedido do Autor e em seu benefício”.
III- Finalmente, defende o R. que a al. g) dos factos não provados decorre de um “notório erro de julgamento” com influência no resultado da acção, devendo a mesma passar a constar dos factos provados.
Vejamos:
Consta da al. g) o seguinte:
A negociação de cheque sacado sobre banco estrangeiro, no regime mencionado, não se trata de um mero depósito de cheque, na medida em que tal negociação pressupõe a realização de duas operações bancárias distintas, a saber:
1. Uma operação de financiamento consubstanciada pela disponibilização antecipada do montante do cheque, sem garantia de cobrança e salvo bom fim.
2. Tomada de cheque sacado sobre o estrangeiro mediante a sua boa cobrança.
O tribunal motivou desta maneira a inserção desta matéria nos factos não provados:
Não se provou que a Ré/Banco previsse a possibilidade de compra de cheques bancários estrangeiros, sacados sobre bancos estrangeiros, em regime de tomada firme.
O que a Ré prevê é o seguinte:
“(…)
Na sequência de uma transação internacional, poderá apresentar-nos os seus cheques emitidos no estrangeiro pelo seu parceiro comercial, podendo tratar-se de cheques pessoais ou bancários.
Para a obtenção dos fundos, o Banco…. disponibiliza três regimes de tomada:
Pagamento: quando o Beneficiário do cheque (ou o seu legítimo representante, por força do endosso) se apresenta aos nossos balcões para que lhe sejam entregues os respectivos fundos ou que estes sejam creditados na sua conta. Não há possibilidade de recurso e os fundos são entregues imediatamente. Aplicável em cheques emitidos por outros Bancos e sacados sobre o Banco….
Negociação: consiste na tomada do cheque em determinadas condições, isto é, contra o adiantamento do seu valor ou contravalor em Euros, sem garantia da sua boa cobrança, salvo bom fim e com direito de recurso.
Cobrança: quando os fundos só são disponibilizados após a receção da respectiva cobertura do estrangeiro. Utilizando o nosso serviço de "Collection", poderão ser cobrados os cheques bancários enviados pelos seus clientes internacionais, beneficiando dos vários acordos que mantemos com os nossos Correspondentes no estrangeiro. (…)”.
Ora, a al. g) reporta-se a uma situação não prevista e que ocorreu: a Ré comprou o que pensava ser um cheque bancário emitido por um banco estrangeiro (em que o sacado seria o próprio banco estrangeiro).
Daí que o vertido na al.º g) corresponda a um caso não previsto, que não tem correspondência com a prática bancária da R/Banco, que apenas prevê a compra de cheques em regime de tomada firme sacados sobre a própria Ré/…, o que não era o caso, pois aqui o aparente sacado seria a o HSCS (cfr. doc. n.º 2 junto com a Petição e brochura, junta como doc. n.º 5, com a Contestação)” – sublinhado nosso.
Ora, analisando a mencionada “brochura”, junta com a contestação (doc. nº 3 e não nº 5), facilmente se constata que ao contrário do referido, para cheques negociados sobre o estrangeiro, o R. “disponibiliza três regimes de tomada”, sendo que apenas no regime de “Cobrança” é referida esta limitação “Aplicável em cheques emitidos por outros Bancos e sacados sobre o Banco …”. Ou seja, se o R. negociou aquilo que “pensava ser um cheque bancário emitido por um banco estrangeiro (em que o sacado seria o próprio banco estrangeiro)”, estaria a proceder de acordo com a sua prática bancária, na medida em que os regimes de “Negociação” e “Cobrança” não estão sujeitos a tal limitação.
Aliás, tal parece não ter suscitado dúvidas ao tribunal recorrido quando no ponto 34 dos factos provados fez constar:
34- A R disponibiliza três regimes de tomada de Cheques sacados sobre banco estrangeiro aplicados pelo sector bancário nacional, e consequentemente pelo Banco ...:
a) Regime de Pagamento – aplicável a cheques emitidos por outros Bancos e sacados pelo Banco…. Os fundos são entregues imediatamente e sem possibilidade de recurso sobre o beneficiário ou seu legitimo portador;
b) Regime de Negociação ou Tomada Firme – Consiste na tomada de cheques contra o adiantamento dos fundos, sem garantia da sua boa cobrança, salvo bom fim e com o direito de recurso sobre o Cedente;
c) Regime de Cobrança – Os fundos só são disponibilizados após a sua boa cobrança (doc. n.º 5, junto com a douta Contestação e análise das páginas do Banco… e do Banco de Portugal”.
Daí que não se possa afirmar, como o fez o tribunal recorrido, que o vertido na al. g) corresponde a “um caso não previsto”, por o R. apenas prever o regime de Tomada Firme para cheques sacados sobre o próprio.
Acresce que os pontos 39 a 41 são elucidativos das operações efectuadas pelo banco R. perante a opção do A. em efectuar a negociação do “cheque” em regime de Tomada Firme, o que resulta igualmente do documento nº 4 junto com a contestação e a que já fizemos referência supra.
Desta forma, assiste razão ao R., pelo que a al. g) passará a constar dos factos provados.
*
Considerando que houve alterações introduzidas na decisão relativa à matéria de facto, é a seguinte a factualidade a atender para efeito da decisão a proferir:
“Os factos provados:
Em face da prova produzida, resultaram provados os seguintes factos:
1- O Autor foi portador de um documento do qual constavam os seguintes dizeres:
a) Na frente:
“(…)
HSBC
International Branch Canada Square, London (…)
40-12-76
“Bankers draft”
589731 76130244
Pay J...
Seven thousand six hundred euro only
Data 24-08-2021
To HSBC BanK plc,
Not exceeding 7.600
For ando n behalf of HSBC Bank plc
SIGNED
COUNTERSIGNED
“589731” 40 “”1276: 76130244”
b) No verso
Assinatura do A e os seguintes dizeres:
PAY TO ORDER OF ANY BANK, BANKER OR TRUST CO FOR CREDIT DO OUR ACOUNT PRIOR ENDORSMENTS GUARANTED
Banco….”. (cfr. cópias juntas como docs. n.º 1 com a Petição e 2 com a Contestação);
2- O referido documento foi-lhe remetido em resultado de troca de correspondência electrónica tendo em vista uma transação comercial relacionada com o seu comércio de restauração (doc.s n.ºs 1 e 3, juntos com a Petição);
3- No dia 30 de Agosto de 2021, o Autor acordou com a R nos termos abaixo referidos, tendo vendido o cheque acima identificado no balcão do Banco…, ora Ré, sito ….nas Caldas da Rainha, à ordem da sua conta de depósitos à ordem n.º….- conforme melhor consta do extrato bancário junto como doc. n.º2, com a Petição e 6 com a Contestação;
4- O valor em causa de 7.600€ veio a ser disponibilizado na conta do Autor com “data movimento” de 30-08-2021 e “data valor” de 13-09-2021, juntamente com o débito da comissão do banco, no valor de € 22,80 (vinte e dois euros e oitenta cêntimos) e do Imposto do Selo, no valor de € 0,91 (noventa e um cêntimos) (conforme melhor consta do extracto junto como doc. n.º 2, junto com a Petição ;
5- A quantia creditada ao Autor em 13/09/2021 (€ 7.600,00) não ficou sujeita a qualquer restrição de movimentação (acordo);
6- O Autor efetuou diversos movimentos a débito da sua mencionada conta bancária, no montante total de € 7.522,89 (sete mil quinhentos e vinte e dois euros e oitenta e nove cêntimos), em 16 e 29 de setembro de 2021, em cumprimento de acordos feitos com o seu cliente que lhe havia entregue o sempre mencionado documento (conforme melhor consta do extrato junto como doc. n.º 2, com a Petição);
7- O A estava convencido que ficara acordado com o cliente que este lhe entregaria, em cheque certificado, a quantia de € 7.600 que iria servir para, por um lado, pagar a reserva dos serviços de restauração contratados e, por outro lado, pagar os serviços de terceiro responsável pela deslocação, alojamento, outras refeições e outras despesas diversas, conforme melhor consta da correspondência eletrónica trocada entre as partes (cfr. doc. n.º 3, junto com a Petição);
8- Assim, o Autor transferiu inicialmente para a conta com o IBAN …, em 20 de setembro de 2021, a quantia de € 4.940,89 (quatro mil novecentos e quarenta euros e oitenta e nove cêntimos) relativa à fatura n.º …, de 22/09/2021, (doc.s n.ºs 4 e 5, juntos com a Petição);
9- Após o que transferiu para a mesma conta bancária, em 29 de setembro de 2021, a quantia de € 2.582,00 (dois mil quinhentos e oitenta e dois cêntimos), referente, segundo pensava, à devolução do valor da reserva, anulada em face de ocorrência inesperada ocorrida com elementos da comitiva da entidade reservante que impossibilitou a deslocação tida em vista (docs. n.ºs 2 e 6)
10- Após ter feito os referidos movimentos bancários, o Autor foi surpreendido com um telefonema da parte de um funcionário do banco Réu, em data posterior ao dia 4 de Outubro de 2021, que o informou que a sua conta bancária estava com um descoberto superior a € 7.500;
11- Com a data movimento de 4 de outubro de 2021, o banco Réu debitou a conta do Autor supra identificada pelo valor de € 7.600, acrescida de € 20,53 de despesas de devolução, de € 30 de comissão de devolução e € 1,20 de Imposto do Selo, no total de € 7.651,73 (cfr. doc. n.º 7, junto com a Petição);
12- Invocando, como fundamento para tal operação, a devolução do documento identificado no ponto 1, pelo banco correspondente, conforme a Ré comunicou ao A, mediante carta de 06-10-2021 (cfr. doc. n.º 10, junto com a Contestação/”carta”)
13- A devolução do documento foi motivada por “suspeita de fraude” e “falsificação de cheque”, conforme melhor consta do documento do BANK.... (cfr. doc. n.º 9, junto com a Contestação);
14- A Ré remeteu ao BANK.... a “cash letter” com o documento em crise no dia 29 de setembro de 2021, ou seja, 16 dias após ter creditado a conta do Autor e 30 dias após a compra do documento em crise no seu balcão de Caldas da Rainha (cfr. doc. n.º 9, junto com a Contestação);
15- A resposta do BANK.... ocorreu no dia 4 de outubro de 2021, tendo o banco Réu debitado a conta do ora Autor nesse mesmo dia (cfr. doc. n.º2, junto com a Petição);
16- Tendo o ora Autor sido avisado da devolução do cheque e do débito na sua conta à ordem em data posterior a 4 de outubro de 2021;
17- Em resultado da operação do banco réu, a conta à ordem do Autor ficou com um saldo devedor de € 7.557,93, o que motivou a participação automática ao Banco de Portugal, ficando o Autor com esse aponte negativo na Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal (acordo).
18- O descoberto tão elevado na sua conta de depósitos à ordem, causador da comunicação ao Banco de Portugal, fez com que o Autor tivesse ficado absolutamente desorientado e sem saber o que fazer para resolver a situação, desorientação essa que se refletiu na gestão do estabelecimento de restauração a seu cargo;
19- Pois ficou limitado na aquisição dos produtos frescos essenciais ao abastecimento do mesmo e viu-se obrigado a baixar a qualidade das refeições oferecidas aos seus clientes;
20- Finalmente, a conselho do próprio Banco ora Réu, resolveu solicitar-lhe um empréstimo de curto prazo com vista a remediar o que já estava feito, ou seja, o elevado descoberto na sua conta bancária e o consequente aponte na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal;
21- O Banco deu, como alternativas, o pagamento fraccionado do descoberto ou a uma operação de financiamento;
22- Foi, então, acordado, em 18-11-2021, um crédito pessoal/financiamento, para cobertura do descoberto, tendo sido fixada uma TAEG de 9,6%, do que resultou o montante total imputado ao ora Autor de € 10.240,13 (cfr. doc. n.º 9, junto com a Petição);
23- A Ré creditou a conta bancária do Autor com a quantia de €7.651,46 (cfr. doc. n.º 7, junto com a Petição);
Da douta Contestação:
24- A Ré é um Banco…, cuja atividade se caracteriza pela prática de todos os actos, por Lei, permitidos aos Bancos, encontrando-se sob a regulação e supervisão do Banco de Portugal, atenta a sua natureza de instituição financeira;
25- O Autor é cliente bancário da Ré desde, pelo menos, 2006 (acordo);
26- Para o efeito, abriu a conta de depósitos à ordem n.º…, junto do balcão da Ré em Caldas da Rainha – balcão titular do Autor;
27- Foi processada a compra do “documento” com o nº …, em regime de Tomada Firme, com data-valor de 13-09-2021, no montante de € 7.600, em papel que tinha o que parecia ser a marca e duas assinaturas do banco HSBC, visando a disponibilização do crédito daquele valor na identificada conta à ordem n.º … (à data individualmente titulada pelo Autor), após boa cobrança;
28- A R disponibiliza três regimes de tomada de Cheques sacados sobre banco estrangeiro aplicados pelo sector bancário nacional, e consequentemente pelo Banco …:
a) Regime de Pagamento – aplicável a cheques emitidos por outros Bancos e sacados pelo Banco .... Os fundos são entregues imediatamente e sem possibilidade de recurso sobre o beneficiário ou seu legitimo portador;
b) Regime de Negociação ou Tomada Firme – Consiste na tomada de cheques contra o adiantamento dos fundos, sem garantia da sua boa cobrança, salvo bom fim e com o direito de recurso sobre o Cedente;
c) Regime de Cobrança – Os fundos só são disponibilizados após a sua boa cobrança (doc. n.º 5, junto com a douta Contestação e análise das páginas do Banco ... e do Banco de Portugal;
29- Assim, após ter sido informado pelo balcão da Ré que o referido documento seria aceite em regime de cobrança e que o valor poderia demorar entre dez/doze dias úteis até dois meses a ser creditado na sua conta, o Autor - argumentando que o cheque dizia respeito à reserva de um cliente e que o prazo supra indicado não seria de todo compatível com o acordado/negociado com o alegado Cliente - questionou da existência de outras soluções;
30-Nessa medida, o balcão da Ré esclareceu o Autor que o depósito do cheque, se e quando fosse efectuado, deveria ocorrer em conta de depósitos à ordem da sua actividade de restauração (e não na conta particular, como pretendia o Autor), bem como que, alternativamente, poder-se-ia tentar efectuar a compra firme do cheque, o que estaria sujeito a pedido de autorização superior;
31-Mais se informou que, caso tal pedido fosse autorizado, o valor seria creditado em conta decorridos, pelo menos, dez/doze dias úteis (ainda que o crédito fosse visualizado de imediato nos movimentos da conta), reforçando-se que, caso a confirmação de cobrança não se verificasse no referido prazo, este poderia ser alargado;
32-Em resposta, o Autor transmitiu que o cheque respeitava ao pagamento de alimentação, estadia e deslocações e que, como a actividade que explora é de restauração, os restantes serviços seriam contratados com terceiros, razão pela qual o pagamento teria de ser efectuado através da sua conta particular;
32A- O cheque foi, então, negociado sobre o regime de Tomada Firme, a pedido do Autor e em seu benefício.
32B- A negociação de cheque sacado sobre banco estrangeiro, no regime mencionado, não se trata de um mero depósito de cheque, na medida em que tal negociação pressupõe a realização de duas operações bancárias distintas, a saber:
1. Uma operação de financiamento consubstanciada pela disponibilização antecipada do montante do cheque, sem garantia de cobrança e salvo bom fim.
2. Tomada de cheque sacado sobre o estrangeiro mediante a sua boa cobrança.
33- Em momento anterior à obtenção de resposta da conclusão do processo de cobrança do cheque, o Banco disponibiliza ao Cliente o montante aposto no cheque, o que sucedeu, no caso.
34- Pese embora o Autor tivesse a possibilidade (como teve) de efectuar a negociação do cheque em regime de cobrança (aguardando, pois, pela conclusão do processo para ter o valor disponibilizado), solicitou que o mesmo se concretizasse em regime de Tomada Firme, com a consequente disponibilização antecipada do montante do cheque.
35- Pedido este que foi aceite e, após aprovação, foi o valor disponibilizado ao Autor, nos termos constantes do Certificado de Operações “Negociação de Cheque (s) a Câmbio Firme – Salvo Bom Fim – D.O.”, com data de 30-08-2021, assinado pelo Autor, com a menção:
Banco… Meo9 – Negociação de Cheque (s) a Câmbio Firme-Salvo Bom Fim – D.O.
Data Operação: 2021-08-30 Referencia nº…..
Data Valor Cliente: 21-09-13 Nº conta: ………
Cliente……
Regime de Aceitação: F Firma Salvo Bom fim  Quantidade de Cheques: 1  Moeda: Euro
(cfr. doc. n.º 4, junto com a douta Contestação)
36- Na data-valor da referida operação de financiamento – 13-09-2021 - a indicada conta à ordem registou um saldo de € 7.576,29 (deduzida a respetiva comissão de compra de cheque e imposto do selo, no valor de € 22,80+€ 0,91) (cfr. doc. n.º 7, junto com a douta Contestação);
37- Nas datas de 17, 20 e 29-09-2021, via NET 24 Particulares, com as credenciais de acesso do Autor na sua conta à ordem n.º …, foram, respectivamente, ordenadas as seguintes transferências internacionais:
- No valor de € 4.976,29, tendo a mesma sido devolvida (deduzida de respetivas comissões e despesas), por razões que se desconhecem.
- No valor de € 4.940,89, daqui resultando um saldo no valor de € 2.576,90;
- No valor de € 2.582,00, registando um saldo € 100,80 (Cfr. Extracto de movimentos - Documento n.º 5);
38- O processo que teve por base o referido “documento” seguiu os seus trâmites, seguindo do balcão da Ré para os serviços centrais da Ré em Lisboa;
39- Em 29-09-2021, os serviços da Ré, reencaminharam o “documento” entregue pelo Autor para o Bank...., como intermediário na operação de cobrança (cfr. doc. n.º 6, junto com a douta Contestação);
40- Em 04-10-2021, a Ré, através do seu departamento de Operações de Estrangeiro (DSO-Núcleo de Operações de Estrangeiro), foi informada pelo Bank.... que o documento que comprara ao Autor era contrafeito / suspeito de fraude, tendo sido objecto da devolução pelo invocado motivo de “Suspected Fraud – Counterfeit Cheque” (cfr. doc. n.º 9, junto com a douta Contestação);
41- A Ré, através do Balcão titular do Autor, e com a finalidade de informar o sucedido, contactou telefonicamente o Cliente, para reunião nas suas instalações;
42- Da reunião, que teve lugar em 06-10-2021, resultou o seguinte:
- A Ré comunicou ao Autor que o cheque depositado era contrafeito e suspeito de fraude;
- Após, o Autor explicou os factos que levaram à aquisição do cheque, a saber:
- A apresentação do documento que visaria o alegado pagamento de vários serviços contratados com um suposto cliente, nomeadamente com vista à pretensa reserva de refeições para grupos, durante vários dias, no seu restaurante;
- Como tal, havia ordenado transferências internacionais, alegadamente para devolução de fundos ao suposto cliente, porque não só havia recebido o mencionado cheque por valor superior ao preço acordado, bem como teria ocorrido um pretenso acidente relacionado com o alegado cliente.
- O Autor não exibiu qualquer documento de facturação de suporte à existência do alegado negócio, que terá sido celebrado via internet, com um indivíduo de nome “SM…”.
- A Ré solicitou, pois, ao Autor exposição escrita do sucedido;
- Foi igualmente questionado o Autor da regularização da conta de depósitos à ordem, a qual se encontrava com saldo negativo por via do débito do cheque fraudulento,
- Tendo este informado não dispor de verbas disponíveis para a regularização e que consultaria o seu advogado para ser devidamente aconselhado e acompanhado;
43- Em 07-10-2021, o Autor enviou à Ré e-mail com exposição (manuscrita) cronológica dos factos atinentes à situação, anexando a correspondência trocada com o alegado emitente do cheque para explicação do depósito e transferências efectuadas, (documento n.º 9, junto com a Contestação);
44- Em 14-10-2021, em nova reunião no Balcão da Ré, o Autor informa que o seu advogado irá apresentar queixa-crime contra o emitente do cheque, tendo o Balcão manifestado disponibilidade para acompanhar o Autor na regularização do saldo negativo, através de depósitos regulares ou análise de crédito;
45- De acordo com as comunicações transmitidas, era solicitada reserva de alimentação, estadia e deslocações para o período entre 06 a 10-10-2021 e 13 a 17-10-2021, cujo preço praticado pelo Autor seria de € 2.600 sem bebidas incluídas:
E:
E:
(cfr. documento n.º 9, junto com a Contestação)
46- E o A recebeu, ainda, as instruções respeitantes ao remanescente valor do cheque (dos serviços alegadamente prestados por terceira entidade), a saber:
(cfr. documento n.º 9, junto com a Contestação)
Os Factos não provados
Discutida a causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, não tendo resultado provado que:
- O Autor ficou convencido de que o referido cheque havia obtido boa cobrança e, como tal, o respetivo valor creditado na sua conta bancária;
- Na ausência de qualquer outra informação da R, o A ficou convencido de que a disponibilização da quantia de 7.600€ - em 13-09-2021 – significava que esse dinheiro correspondia ao depósito do cheque que lhe fora remetido pelo seu cliente, quando tal não ocorria;
- Assim, na posse e com base na informação recebida, e que não esclarecia que, na perspectiva da R, tal disponibilização se tratava de um financiamento e, não, de um pagamento, o ora Autor procedeu às aludidas transferências bancárias internacionais, no montante total de € 7.522,89 que, sem tal erro, não teria feito;
- O erro em que actuou e as respectivas consequências causou transtornos, preocupações e vergonha por se ter sentido enganado pelas informações erróneas recebidas da Ré, tendo visto o seu bom nome e reputação atingidos, designadamente por ter sido alvo de aponte na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal;
- O Autor sofreu transtornos, preocupações e inquietações, designadamente por se sentir enganado pelo Banco Réu, instituição bancária credível, e por se encontrar desapossado e prejudicado na quantia de € 7.522,89;
- A sensação de que havia sido enganado pelo seu Banco, no qual depositava a máxima confiança, refletiu-se, inclusivamente, no seu estado de espírito, tendo ficado irritadiço e, ao contrário do que era costume, fazendo com que passasse a discutir com os empregados e, mesmo, com o seu cônjuge, a propósito de tudo e de nada;
(…)
b. Nessa altura, a funcionária da Ré informou, simplesmente, o Autor que o cheque seria apresentado a pagamento e que a sua conta seria creditada, após boa cobrança do mencionado cheque, num prazo que podia variar entre 15 a 30 dias.
c. Significa, portanto, que a conta do Autor, domiciliada na agência da Autora recorrida, só seria creditada pelo valor constante do cheque caso este obtivesse a respetiva cobrança e disso ficou o Autor ciente.
d. Ficou o Autor, então, a aguardar que, após boa cobrança do mencionado cheque, o valor de € 7.600 lhe fosse creditado na sua conta bancária supra identificada;
e. Em 30-08-2021 o A depositou o cheque na sua conta (ou, na versão da douta Contestação, “Em 30-08-2021, o Cliente …, aqui Autor, efectuou depósito de Cheque sobre o Estrangeiro no balcão da Ré  em Caldas da Rainha;
f. A aquisição em regime de tomada firme realizou-se atendendo à relação de confiança existente entre a Ré e o Autor”.
*
2. Finalmente, cumpre analisar se, em face da matéria de facto provada, com as alterações introduzidas, a decisão sob recurso se pode manter.
Na fundamentação de direito, a sentença recorrida defende que a única solução jurídica possível passa por considerar que “tendo ocorrido uma situação, na qual se deu intervenção e utilização do sistema bancário - e sendo a R um banco - lhe cabia demonstrar ter assegurado todos os cuidados e protocolos associados ao desenvolvimento da sua actividade, nos termos gerais dos artigos 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras” e, considerando a factualidade dada como provada, conclui que o R. não só não fez a demonstração de diligência e respeito consciencioso dos interesses do A. como se demonstrou que:
a. a Ré/Banco adquiriu um documento que lhe foi apresentado como tratando-se de um cheque bancário emitido em país terceiro, em regime de tomada firme, contrariando o tipo negocial que costuma utilizar nas aquisições de cheques internacionais;
b. a Ré/Banco não esclareceu o cliente de que a disponibilização de fundos, na sua conta, ocorrida apenas ao fim de quinze dias, não correspondia à boa cobrança do “cheque aparente” mas, sim, a um financiamento, que poderia ser revertido, caso não ocorresse a tal boa cobrança;
c. verificando-se que o “cheque aparente” fora recusado a Ré/Banco reverte o lançamento do respectivo valor, que antecipara por força da compra em regime de tomada firme, o que causa o descoberto da conta do cliente – quando tal situação não se encontrava contratualmente prevista” (sublinhado nosso).
Por outro lado, entendeu-se na sentença recorrida que tendo o R. adquirido o “documento” como se de um cheque bancário internacional se tratasse, tem de aceitar que se transferiu para a sua esfera jurídica a propriedade do referido documento, ao abrigo do art. 879º, a) do CC, tendo a sua intervenção dado causa às transferências efectuadas pelo A. e prejuízos por este sofridos.
Ou seja, a disponibilização do montante de € 7.600,00 na conta do A. em 13/9/2021, permitiu a A. as transferências efectuadas em consequência de uma burla de que foi vítima, sendo certo que não se encontravam reunidos os pressupostos para que o R. comprasse o referido documento/cheque em regime de Tomada firme, por não se encontrarem reunidos os respectivos pressupostos.
Por fim, e de forma decisiva para a decisão da causa, considera a sentença recorrida que o “documento” em causa não reúne os requisitos do cheque de acordo com o art. 1º da Lei Uniforme dos Cheques, pelo que não produz efeito como cheque (art. 2º da LUC) e, por outro lado, não sendo sacado sobre o banco ... também não podia ser negociado pelo regime de tomada firme.
Começando pela qualificação jurídica do “documento” mencionado no ponto 1 dos factos provados.
De acordo com o art. 1º da LUC, “O cheque contém:
1- A palavra "cheque" inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a redacção desse título;
2- O mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada;
3- O nome de quem deve pagar (sacado);
4- A indicação do lugar em que o pagamento se deve efectuar;
5- A indicação da data em que e do lugar onde o cheque é passado;
6- A assinatura de quem passa o cheque (sacador)”.
No caso dos autos, o “documento”, escrito em língua inglesa, tem na sua face a expressão “Banker’s Draft”, cujo significado em português é “cheque bancário” (cfr. https://www.linguee.pt/ingles-portugues/traducao/banker%27s+draft.html) e assim é também conhecido na gíria bancária.
O sacador (emitente) é, claramente, o HSBC (verificando-se duas assinaturas em representação do sacador); o A. é identificado como a pessoa a quem deve ser pago o montante de € 7.600,00, sendo sacado (ou a pessoa que deve pagar o cheque, aquela a quem se dá a ordem de pagamento) o próprio HSBC. Ou seja, é um cheque em que o sacado é o sacador, cuja possibilidade está prevista na parte final do §3 do art. 6º da LUC. É o caso especial dos cheques bancários.
“A lei não permite, em princípio, que o sacador saque sobre si mesmo. Seria ele próprio a garantir uma obrigação sua. Concede, no entanto (alínea 3ª do art. 6º) que um estabelecimento passe um cheque sobre outro estabelecimento, ambos pertencentes ao mesmo sacador. Denomina-se  “cheque bancário”. O cheque bancário (cheque-saque) é aquele que é emitido por um banco sobre uma Filial ou Agência, ou por estas entre si, à ordem de determinada pessoa (alínea 3º do art. 6º). O cheque bancário é endossável e, normalmente, é emitido a requisição de um cliente do banco, por débito da sua conta, ou a pedido de qualquer pessoa, mediante a entrega ao balcão da importância correspondente. É um meio de pagamento muito utilizado na liquidação de operações relacionadas com o comércio internacional de mercadorias” – José Maria Pires, in O Cheque, Ed. Rei dos Livros, pág. 75.   
Nos termos do Ac. do STJ de 7/10/2003, proc. 03A2534, disponível em www.dgsi.pt, o cheque bancário internacional é aquele que inclui “garantia ou certificação de pagamento por ser sacado em praça de determinado País para ser apresentado a pagamento em praça de outro País mas em que o próprio sacador fosse um banqueiro, tendo por isso a cobertura garantida pela própria solvabilidade do emitente. Trata-se, assim, o cheque internacional, sob essa designação ampla ou sob a designação mais restrita de cheque bancário ou até de cheque certificado, de uma figura em uso na prática comercial, e não, pelo menos por enquanto, de uma figura jurídica, que como tal tenha de se encontrar definida em qualquer corpo normativo; é uma modalidade de cheque que o desenvolvimento das relações comerciais entre entidades de países diferentes tem vulgarizado face à crescente necessidade de utilização desse meio de pagamento com eliminação dos riscos na medida do possível”.
É o caso do “documento” mencionado no ponto 1 dos factos provados, o qual reveste, sem dúvidas, as características de um cheque bancário internacional.
É certo que o banco R. não é o banco sacado, mas, como se viu supra aquando da apreciação da impugnação da matéria de facto (designadamente quanto à alínea g) dos factos não provados), tal não impedia o R. de negociar o referido cheque nos termos em que o fez, ou seja, segundo o regime de tomada firme (vd. ponto 28 dos factos provados).
Ao contrário do afirmado na decisão recorrida, não existiu o apontado “erro de análise” por parte do R. e, como tal, não se pode afirmar que a consequência desse erro foi o financiamento do cheque, sem que o A. tivesse de aguardar “pelo processamento do tal “documento” pelo sistema bancário internacional – para depois se chegar à mesma conclusão: o “documento” não assegurava qualquer pagamento de fundos”. Podemos, então, concluir que o R. procedeu de acordo com a sua prática bancária, ao negociar a compra de um cheque bancário internacional sob o regime de tomada firme.
Questão diversa é a de saber se o R., como entidade bancária, procedeu com a diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe estão confiados, na negociação do cheque em causa e na relação que estabeleceu com o A., seu cliente.
Os Bancos são entidades legalmente habilitadas a praticar, profissionalmente actos bancários. Um banco não se limita à prática de actos bancários ocasionais ou isolados, mas sim à sua prática em cadeia, em sequência articulada, tendo em vista a obtenção de lucros, assentando numa organização empresarial que, em princípio, só deve exercer a actividade bancária (e não qualquer outra, ou mais qualquer outra).
Estas características obrigam as instituições bancárias a adoptar uma orgânica própria e muito especializada, que possa responder, com eficácia, ao complexo de deveres a que estão vinculadas, e que têm a ver não só com preocupações de política económica, de salvaguarda do sistema, mas também com a tutela dos direitos e interesses dos clientes.

Neste sentido, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras contém um complexo de normas relativas às regras de conduta do banqueiro, destacando-se, no que respeita a deveres gerais, regras respeitantes à competência técnica, às relações com os clientes, ao dever de informação e ao critério de diligência (arts. 73º a 76º do referido Regime).
O banco, “em razão da sua profissionalidade e competência específica” tem uma “obrigação de acautelamento dos interesses do cliente, no que respeita a todos os assuntos de carácter bancário-financeiro. Esta obrigação implica, não uma pura atitude passiva, mas antes uma actividade continuada de promoção e vigilância dos interesses do cliente, no particular domínio considerado (…). Desta compreensão contratualista resulta que também a relação de confiança inerente a toda a vinculação bancária é colocada num plano contratual, e não meramente legal, com todas as implicações dogmático-práticas que daí necessariamente resultam (…)” - Almeno de Sá in “Direito Bancário”, págs. 19 e segs.
Neste contexto, assume particular importância o dever de informação. Sendo a relação contratual estabelecida entre o banco e o cliente uma relação duradoura, a relação de clientela, estabelecida entre uma instituição bancária e o cliente, é uma relação de permanente informação.
Como se escreve no Ac. do STJ de 18/11/2008, relatado por Santos Bernardino, “E entre as partes – banqueiro e cliente – haverá deveres de conduta, decorrentes da boa fé, em articulação com os usos ou os acordos parcelares que venham a celebrar, designadamente deveres de lealdade, com especial incidência sobre a parte profissional, o banqueiro. Como decorre do que já ficou referido, este fica vinculado a deveres de actuação conformes com aquilo que é expectável da parte de um profissional tecnicamente competente, que conhece e domina as regras da ars bancaria, e que deve ter na mira a defesa e o respeito dos interesses do seu cliente. A tutela da confiança é um dos valores fundamentais a ter em conta no desenvolvimento da relação bancária, tal como acima a definimos” (disponível em www.dgsi.pt).
Estando em causa nos autos um cheque bancário estrangeiro, importa então apurar se antes da negociação da tomada do cheque, o R. forneceu ao A. as informações adequadas sobre o regime contratado, sobre as condições ou sobre os riscos associados à falta de pagamento – arts. 74º e 77º, 1 e 2 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. 
A este respeito, entendeu a sentença recorrida que o R. não esclareceu o A. que a disponibilização de fundos na sua conta não correspondia à boa cobrança do cheque, mas a um financiamento, que poderia ser revertido, caso não ocorresse a tal boa cobrança. Além do mais, quando o cheque bancário estrangeiro foi recusado, reverteu o lançamento do respectivo valor quando tal situação não se encontrava contratualmente prevista.
Como se verificou na apreciação da impugnação da matéria de facto, não só a versão dos factos apresentada pelo A. não mereceu vencimento (pois não resultou provado que a funcionária do R. informou, simplesmente, o A. que o cheque seria apresentado a pagamento e que a sua conta seria creditada, após boa cobrança do cheque e que a conta do A. só seria creditada pelo valor constante do cheque caso este obtivesse a respectiva cobrança, tendo o A. ficado ciente disso – als. b) e c) dos factos não provados), como o R. logrou demonstrar que existiu uma negociação prévia quanto ao regime de tomada do cheque e que o A. optou pelo regime que melhor satisfazia as suas necessidades, ou seja o regime de tomada firme, com a consequente disponibilização antecipada do montante do cheque (cfr. pontos 28 a 35 dos factos provados). Isso mesmo resulta claro do documento subscrito pelo A. e que se encontra transcrito no ponto 35 dos factos provados, em que o autor declara ter conhecimento que em caso de não pagamento, autoriza o débito do valor do cheque e todas as despesas inerentes à operação na conta de depósito à ordem referenciada no mesmo documento. 
No caso dos autos estava em causa, não um vulgar cheque, mas um cheque bancário estrangeiro, tomado sob o regime de tomada firme, ou seja, com disponibilização antecipada do montante nele titulado, mas sujeito a “boa cobrança” ou “bom fim”.
Como é natural, a falta de pagamento a que se refere o documento assinado pelo A. e que consta do ponto 35, não resulta apenas da falta de provisão, mas pode ainda advir de outros factores como falsificação ou burla, entre outros, o que justifica a “cautela” inerente à ressalva do “bom fim” ou “boa cobrança” imposta pelo banco que negoceia o cheque, como aconteceu no caso concreto.
A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (art. 236º, nº 1 do CC). Ora, perante a declaração constante do documento que consta do ponto 35 dos factos provados, de onde resulta a data de operação (30/8/2021) e data valor (13/9/21), com o regime de aceitação “salvo bom fim” e que “em caso de não pagamento, autoriza-se o débito do valor do cheque e de todas as despesas inerentes à operação na conta de depósito à ordem”, sem dúvida que o A., destinatário da declaração, estava esclarecido não só que lhe ia ser disponibilizado tal montante de forma antecipada, como o cheque em causa foi recebido sujeito a “boa cobrança”, com as consequências desse facto. É o que resulta dos factos provados.
Assim, as consequências que resultaram da disponibilização antecipada do dinheiro na conta do A. (as transferências efectuadas pelo A. mencionadas no ponto 37 dos factos provados) não podem ser imputadas ao R.. Na verdade, o A. só de si pode queixar-se por ter confiado num “aparente cliente” estrangeiro que, para pagar um serviço que importaria apenas € 2.582,00, envia um cheque bancário no valor de € 7.600,00 e pede para o A. devolver o excesso para uma “agência de logística”, para que esta pudesse prestar os seus serviços e assegurar a deslocação da equipa estrangeira a Portugal. Perante posterior informação do suposto cliente que a deslocação já não se realizaria, devida ao falecimento de três pessoas da equipa, mediante solicitação daquele, o A. acabou por devolver, por transferência, o montante equivalente aos serviços que iria prestar, assim se vendo desapossado do montante total depositado na sua conta à ordem, através do referido financiamento prestado pelo R..
A operação bancária efectuada pelo R. constitui uso ou prática bancária, como vem mencionado em alguns arestos da nossa jurisprudência (neste sentido, ver os Acs. do STJ de 08/05/84, 18/11/2008, RC de 16/3/1999 e da RL de 30/6/2009, disponíveis em www.dgsi.pt,) , traduzindo um verdadeiro financiamento do cliente por antecipação de fundos sujeito à condição de boa cobrança. Em caso de a cobrança não se efectivar, o banco lança a respectiva importância a débito da conta, assim funcionando como mecanismo prático de exercício do direito de recurso do Banco contra o cliente “provisoriamente” creditado e financiado.
Assim, tendo em conta os factos provados, temos para nós que o R. actuou de forma diligente na operação bancária efectuada, cumprindo com o dever de informação a que estava vinculado.
Por tudo o que vai exposto, temos de concluir que a sentença proferida na primeira instância deve ser revogada e o R. absolvido dos pedidos.
*
IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo o Réu dos pedidos.
Custas da acção e da apelação pelo Autor.

Lisboa, 6/6/2024
(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações” efectuadas que o sigam)
Carla Figueiredo
Rui Oliveira
Maria do Céu Silva