Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
129/22.4GBMFR.L1-5
Relator: JOÃO ANTÓNIO FILIPE FERREIRA
Descritores: LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade do relator):
I - Na apreciação judicial da prova, não podemos ter uma visão atomista da prova, mas uma visão integrada da mesma, isto é, cada elemento probatório deve ser analisado e valorado no conjunto e em correlação com os demais elementos probatórios, pois só assim é possível compreender os seus espaços intercomunicantes e atingir uma visão global e de conjunto que se imponha no processo lógico de fundamentação da decisão.
II - A existência de uma relação conjugal ou análoga presente ou passada, não enfraquece a afirmação da dignidade de cada indivíduo dessa relação, antes torna o outro um garante ativo que a mesma se concretiza e desenvolve em harmonia com o projeto de vida traçado pelos dois. Deste modo, a existência de uma relação conjugal ou o contexto de uma separação, não só não pode levar a uma diminuição das exigências valorativas sobre os comportamentos tidos por cada um, antes pelo contrário, torna a avaliação de tais condutas mais exigente, porquanto sobre cada um recai um acrescido dever de respeito em relação ao outro.
III - A proximidade existencial inerente a uma relação conjugal ou análoga, torna cada um dos indivíduos da mesma mais vulnerável aos ataques do outro, não só pela sua proximidade física e menor capacidade de proteção de terceiros (designadamente familiares próximos e amigos), uma vez que muitas vezes tudo se passa “entre as paredes da casa de morada de família”, sem testemunhas, mas principalmente pela vulnerabilidade emocional da vítima de tais ataques. Neste contexto de grande proximidade, quaisquer expressões proferidas têm um peso acrescido, potenciando situações de especial quebra na autoestima da vítima, de diminuição da sua capacidade de autorreferenciação em relação aos outros, independentemente da intenção do agressor ao proferir tais expressões.
IV - Neste plano, as condutas praticadas por um dos cônjuges, mesmo aquelas que se reconduzem a meras agressões verbais, têm sempre subjacente um contexto de afirmação de um poder em relação ao outro, consubstanciado na capacidade que as suas condutas têm para condicionar e perturbar psicologicamente o outro.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
1. A SENTENÇA RECORRIDA
Por sentença proferida em 29.01.2024, no Processo Comum por Tribunal Singular n.º 129/22.4GBMFR do Juízo Local Criminal de Mafra, foi decidido:
a. Condenar o arguido AA pela prática como autor material, de um crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1, als. a) e c) n.º 2, al. a) do C.P., na pena de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão:
b. Suspender a execução da pena de prisão por igual período;
c. Determinar que a suspensão seja sujeita a regime de prova por plano a delinear pela D.G.R.S.P. e a homologar pelo Tribunal, no qual se deve incluir a obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica;
d. Arbitrar, nos termos do art.º 82.º- A do Código de Processo Penal, o pagamento de uma indemnização à assistente BB, no valor de €700,00 (setecentos euros), condenando o arguido a pagar à mesma tal montante;
e. Condenar o arguido nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s, bem como no pagamento das restantes custas processuais e nos honorários da sua Ilustre Defensora, nos termos da Portaria n.º 1386/2004 de 10 de Novembro, sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário.
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2. O RECURSO
Inconformado, o arguido AA recorreu da sentença condenatória, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões:
a) Veio o ora recorrente condenado por um crime de violência doméstica agravada nos termos do disposto no art.º 152º, n.º 1, al. a) e c) e n. 2, al. a) do CP, numa pena de prisão de dois anos e sete meses, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, e ao pagamento de uma indemnização à ASSISTENTE no valor de € 700,00, nos termos do disposto no art.º 82º-A do CPP.
b) Entende o ora recorrente, salvaguardando-se o devido respeito por entendimento diverso, que a prova não foi apreciada corretamente de acordo com as regras da experiência e da lógica e principalmente pelos circunstancialismos do caso concreto.
c) Nestes termos vem o ora recorrente impugnar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 412º, n.º 3 do Código de Processo Penal, nomeadamente quando aos pontos 5 a 17, 19 a 30.
d) Considera o ora recorrente que foram incorretamente julgados os factos considerados provados nos pontos 5 a 7, 9 a 12, 14 a 17, 19 a 24 e consequentemente 25 a 30, que se dão aqui por transcritos para os devidos efeitos legais.
e) Provas que impõem decisão diversa da recorrida: Declarações do ora recorrente, Declarações da assistente e depoimentos das testemunhas arroladas na Acusação, quando confrontadas com a gravação de uma conversa telefónica efetuada entre o ora RECORRENTE para a ASSISTENTE.
f) O Tribunal a quo formulou a sua convicção pela audição da ASSISTENTE e os depoimentos das TESTEMUNHAS arroladas na Acusação, ignorando por completo, uma prova junta pela ASSISTENTE, e quanto a nós a mais credível, por não ser influenciada por perceções, nem ser alterada com o passar do tempo e por ser possível de certa forma, presenciar e vivenciar o mesmo que a ASSISTENTE.
g) Como bem sabemos, estabelece o art.º 127º do Código de Processo Penal que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente.
h) Contudo, este princípio da livre apreciação da prova não tem caráter arbitrário, nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito de julgador, estando vinculado às regras da experiência comum e da lógica.
i) Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, resultam duas versões dos factos: a versão do ora RECORRENTE e a versão da ASSISTENTE.
j) A existência de duas versões dos factos, só por si, permite que se instale pelo menos a dúvida quanto aos factos.
k) A prova testemunhal é de todas as provas a mais falível, uma vez que várias testemunhas que presenciaram um mesmo facto, vão relatar o mesmo de acordo com as experiências da sua vida e perceções. E o próprio passar do tempo, faz com que a memória das testemunhas vá sendo alterada, motivo pelo qual, e naturalmente, nem sempre os depoimentos das testemunhas são coincidentes.
l) Ainda assim, e tendo em conta os depoimentos e declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, parece-nos que não é possível dar como provados os factos dados como provados, principalmente porque se encontram tirados do seu contexto, e com interpretações erradas, como se tentará demonstrar.
m) Nos termos do disposto no art.º 133º do CPP, a figura do ASSISTENTE não é ouvida na qualidade de testemunha, não prestando por isso juramento, nem lhe é colocada a questão sobre se tem algo contra o ARGUIDO, embora tenha a obrigação de falar com a verdade nos termos do disposto no art.º 145º e 346º do CPP.
n) Ainda assim, as declarações da ASSISTENTE, nos termos do disposto no art.º 145º do CPP, servem como meio de prova, contudo, também estas têm de ser apreciadas de acordo com o disposto no art.º 127º do mesmo diploma.
o) Mas não se pode esquecer que a ASSISTENTE, não deixa de ter interesse no desfecho do processo, e que as suas declarações têm ainda de ter em consideração a sua falta de isenção e distanciamento em relação à causa.
p) Sendo que a livre apreciação da prova, está também vinculada aos princípios de direito probatório: presunção de inocência, in dubio pro reo, investigação e verdade processual.
q) De acordo como princípio da presunção de inocência qualquer decisão condenatória deve ser precedida sempre de uma suficiente atividade probatória, impedindo-se assim a condenação sem provas, recaindo assim o ónus de destruir a presunção de inocência sobre os acusadores e não do ARGUIDO provar a sua inocência.
r) Pelo que, em nosso modesto entendimento, ainda que as declarações da ASSISTENTE sejam válidas e livremente apreciáveis enquanto prova, não podem ser consideradas prova bastante para condenar o ARGUIDO em julgamento, nem para afastar a presunção de inocência, tanto mais, quando existe uma conversa telefónica (suporte digital de fls. 207), que em nosso modesto entendimento comprava exatamente o contrário do que foi dado como provado.
s) E não foi tal prova impugnada, por quanto se entende que esta será uma prova fundamental para comprovar a inocência do ora RECORRENTE.
t) Os factos dados como provados, baseiam-se quase na sua totalidade nas declarações da ASSISTENTE.
u) Complementadas com as declarações de TESTEMUNHAS que não nos mereceram a menor credibilidade, nem ajudaram no apuramento da verdade.
v) Tanto mais quando em contraponto temos a conversa telefónica gravada e junto aos autos em suporte digital a fls. 207, supratranscrita, que em nosso modesto entendimento comprovam o que exatamente o conteúdo, nível de ofensas e preocupações das “discussões” entre o ora RECORRENTE e a ASSISTENTE.
w) Sendo que em nosso modesto entendimento, não pode ser dada qualquer tipo de credibilidade quanto ao depoimento das TESTEMUNHAS CC e DD, que referem ouvir os gritos e compreenderem as ofensas perpetradas pelo ora RECORRENTE, quando a ASSISTENTE falava ao telefone.
x) Inclusivamente, refere a TESTEMUNHA DD que após o divórcio, nem sequer se encontrava a trabalhar na mesma sala de a ASSISTENTE.
y) Quanto à TESTEMUNHA EE, relativamente aos factos do dia 03.03.2022, apenas confirmou o que ouviu as mesmas expressões que posteriormente o ora RECORRENTE terá todo em conversa telefónica com a ASSISTENTE.
z) Quando às TESTEMUNHAS FF e GG, irmã e mãe da ASSISTENTE, não se podendo olvidar a relação familiar destas TESTEMUNHAS, também não nos merecem qualquer tipo de credibilidade quanto aos seus depoimentos, tendo em conta, que tais versões, quanto a nós, parecem ser contrariadas pela conversa telefónica que se encontra junta a fls. 207, em suporte digital e supratranscrita.
aa) Assim, entende-se que a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não foi, salvo o devido respeito por opinião diversa, submetida a uma análise crítica como impõem as regras de experiência, pelo que violou o princípio da livre apreciação da prova, art.º 127º do CPP.
bb) A audição atenta e crítica de todos os depoimentos prestados, com especial relevo as da ASSISTENTE, em confronto com a gravação contante de suporta digital de fls. 207, determina ao tribunal a quo a alteração da factualidade dada como provada, substituindo-a por outra.
cc) E por se considerar incorretamente julgada a matéria de facto, uma vez que nos parece que os depoimentos das TESTEMUNHAS e ASSISTENTE carecem de fundadas dúvidas quanto à sua veracidade, esta só pode ser valorada a favor do ora RECORRENTE, não se podendo assim permitir a sua condenação.
Caso assim não se entenda,
dd) O que se concebe, sem conceder, e que bem andou o Tribunal a quo em dar como provados todos os factos ali constantes, há que ter em consideração as circunstâncias em que tais factos foram praticados.
ee) Dúvidas parecem não existir, da análise conjugada de todas as TESTEMUNHAS arroladas pelo Ministério Público, e ASSISTENTE, que após o nascimento da segunda filha do casal, a relação entre a ASSISTENTE e o ora RECORRENTE começou a ser pautada por “discussões”.
ff) Também não nos parece existirem dúvidas quanto ao facto do ora RECORRENTE ter passado a dormir noutro quarto, após o nascimento da primeira filha, cfr. depoimento supratranscrito da ASSISTENTE, supratranscrito, para o que se remete.
gg) Salvo o devido respeito por opinião diversa, parece-nos normal que esta separação física entre a ASSISTENTE e o ora RECORRENTE tenha sido o verdadeiro motivo para a separação do casal.
hh) Sendo normal que o ora RECORRENTE possa ter chamado a atenção da ASSISTENTE para que a relação entre ambos estava a degradar-se, o que era algo que o mesmo não pretendia, aceitando-se que tais conversas pudessem não ser só do agrado da ASSISTENTE, como as suas palavras pudessem ser interpretadas de forma errada.
ii) Nomeadamente, que o ora RECORRENTE, com a intensão de humilhar a ASSISTENTE dissesse que se não tivesse em casa, teria de ir procurar na rua.
jj) Contudo, ainda que sejam dados como provados todos os factos, ou alguns, dos factos dados como provado, não podem os mesmos ser vistos como forma de atingir a dignidade enquanto pessoa, esposa e posteriormente ex-esposa.
kk) Tais factos, têm de ser vistos num contexto em que o ora RECORRENTE é colocado fora do quarto do casal, passando a dormir noutro quarto, em que tenta chamar à razão a ASSISTENTE para o que se está a passar na vida do casal.
ll) Com o intuito de evitar algo que acabou por acontecer, que foi o término de uma relação que o ora RECORRENTE esperava ser para sempre.
mm) Tem de ser visto, numa situação de conflito entre duas pessoas que se acabaram de divorciar e que têm pendente um litígio relativo à regulação do exercício das responsabilidades parentais das suas filhas menores.
nn) Altura em que são ditas coisas que efetivamente não se querem dizer, apenas com o intuito de machucar, magoar o interlocutor, e não para atingir a sua dignidade enquanto pessoa.
oo) Ainda que possa existir uma linha muito ténue quanto ao crime de violência doméstica e outros crimes, nomeadamente injuria ou ameaça, certo é que estes crimes existem.
pp) No contexto atual, bem sabemos que qualquer comportamento tido por uma das partes de um relacionamento é visto como violência doméstica, esquecendo-se muitas das vezes, dos outros tipos de crime, e acima de tudo, da génese do crime de violência doméstica, bem como dos bens por ele tutelados.
qq) Em nossa modéstia opinião, o crime de violência doméstica tem de ser visto como um padrão de comportamento usado por um parceiro para manter o poder e controle sobre o outro parceiro num relacionamento.
rr) Ou seja, tem de existir um objetivo por parte de quem comete o crime, de intimidar, punir ou humilhar o parceiro, de lhe recusar qualquer dignidade humana, por forma a abalar a sua segurança pessoa, o seu amor-próprio ou a sua personalidade.
ss) É dominante na doutrina que o crime de violência doméstica tutela a saúde física, mental e moral.
tt) O conceito de maus tratos psíquicos inclui as injurias, as críticas destrutivas, e/ou vexatórias, as ameaças, as privações de liberdade, as restrições, as perseguições e as esperas não consentidas.
uu) Ainda assim, para a verificação do crime de violência doméstica depende da respetiva situação ambiente e da imagem global do facto.
vv) O preenchimento do conceito de mau trato não exige que a concreta conduta violência se traduza numa lesão grave ou num tratamento cruel ou brutal.
ww) Bem assim como o crime de violência doméstica, também não pode/deve ser entendida como o mero somatório das ações violentas, típicas ou atípicas, praticadas pelo agente contra a vítima, sendo necessário que a sua conduta afete de forma significativa a saúde física, psíquica e moral da vítima e, por essa via, a sua dignidade.
xx) Ou seja, o que importa é saber se a conduta do agente, pelo seu caráter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, é suscetível de ser classificada como “maus tratos”.
yy) Salvo o devido respeito por opinião diversa, ainda que a conduta do ora RECORRENTE possa ser penalmente relevante, caso sejam dados como provados os factos constantes nos factos dados como provados, o mesmo surge num contexto de separação e não pode ser visto como uma situação de maus tratos da qual possa resultar, ou seja suscetível de resultar sérios riscos para a integridade psíquica da vítima, sendo que um “agarrar com forma” num braço da vítima, poderá ser considerado como qualquer tipo de ofensa à integridade física.
zz) Parece-nos claro que, para estarmos perante um crime de violência doméstica, é necessária alguma gravidade das condutas, de modo a justificar, de acordo com a qualificação jurídica descrita na acusação, a aplicação de uma pensa de prisão cujo mínimo legal é elevado, em comparação com outros crimes contra a honra e integridade física.
aaa) Sendo que a violência doméstica abrange todo o tipo de agressões que possam existir no seio de uma relação conjugal, nomeadamente no que à violência psicológica e mental diz respeito, inclui agressões verbais, ameaças, humilhações, provocações, perseguições, clausura, privação de recursos físicos e financeiros, dificuldade de contatos com familiares ou amigos e os físicos, onde se inclui entre outros, privações da liberdade ou ofensas sexuais, que analisadas nos seus contexto específico indiciem uma situação tratamento cruel, degradante ou desumano para a vítima.
bbb) Pelo que, o crime de violência doméstica visa proteger muito mais do que a soma dos diversos ilícitos típicos que o podem preencher.
ccc) O que está em causa é a dignidade humana, a sua saúde física e psíquica, a sua liberdade de determinação, que são brutalmente ofendidas, não apenas através das ofensas, ameaças ou injurias, mas principalmente através de um clima de medo, angustia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade e humilhação.
ddd) Pelo que, tais factos têm de ser visto num contexto de separação de um casal, onde são ditas coisas que muitas vezes nem se pensam, apenas para magoar a parte contrária, da mesma forma que esta o está a magoar, e não coma intenção de pôr em causa a dignidade da pessoa.
eee) E assim, entende-se que não se encontram preenchidos todos os elementos do tipo do crime de violência doméstica, pelo que deverá o ora RECORRENTE ser absolvido.
fff) Violou assim a douta sentença ora recorrida, os arts. 127º do CPP, o art.º 32º, n.º 2 da CRP e o 152º, n.º 1, al. a) e c) e n. 2, al. a) do CP.
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O Ministério Público em 1.ª instância respondeu ao recurso, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões:
1. De uma leitura atenta da decisão recorrida, resulta que a Mma. Juiz a quo, cumpriu a exigência legal de fundamentação da matéria de facto, descrevendo os factos que considerou provados e, seguidamente, descrevendo o raciocínio que a levou a considerar tais factos provados.
2. Nos termos do artigo 127.º, do Código de Processo Penal, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
3. Desta forma, a livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, é feita de acordo com critérios lógicos e objectivos, assentes na percepção que cada meio de prova originou no julgador. Assim, chega-se a uma convicção racional, objectivável e motivável.
4. Ao valorar toda a prova produzida em audiência de julgamento, o Tribunal a quo reputou credível o depoimento da assistente, que foi corroborado pelas testemunhas ouvidas e descreveu pormenorizadamente qual o raciocínio que o levou a essa conclusão.
5. Afigura-se-nos que a decisão encontra-se devidamente fundamentada, sendo inatacável o processo lógico formado pelo Tribunal a quo para chegar à decisão. Assentando a convicção do julgador em meios de prova permitidos pela lei, o uso que o tribunal faz do princípio da livre apreciação da prova é insindicável;
6. As condutas abrangidas pelo crime de violência doméstica já consubstanciam tipos penais, mas a ilicitude dessas condutas é agravada, porquanto a prática das mesmas no âmbito de relações familiares e/ou afectivas, implica uma violação dos especiais deveres de respeito, solidariedade e de assistência que a relação entre a vítima e o agressor impunha.
7. Ademais, o que caracteriza o crime de violência doméstica é o estado de agressão permanente que existe entre vítima e o agressor, onde este exerce um poder - proporcionado pela relação existente ou pré-existente - sobre a vítima.
8. Tratando-se de crime de violência doméstica, todos os comportamentos dados como provados devem ser analisados na sua globalidade, pois só assim são passíveis de compreensão quanto à gravidade e consequências na dignidade humana da vítima. Há que ter uma imagem global e não cindida dos factos.
9. In casu, não existem dúvidas que o arguido praticou o crime de que estava acusado, tal resulta inequivocamente da prova produzida, tendo o Tribunal efectuado uma correcta subsunção dos factos ao direito aplicável.
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Admitido o recurso nos termos legais, neste Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador Geral Adjunto emitiu o seu parecer, defendendo a total improcedência do recurso, nos termos propostos na resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente não reagiu.
Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência para decisão do recurso, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do Código do Processo Penal.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
QUESTÕES A DECIDIR:
Dos poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso
Conforme jurisprudência fixada, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ de 19/10/1995, in D.R., série I-A, de 28/12/1995).
Atentas as conclusões de recurso, são estas as questões a decidir por este Tribunal:
1. Saber se o Tribunal a quo procedeu à correta valoração das declarações da assistente em confronto com as declarações do arguido e se a mesma não deveria levar o Tribunal a quo a concluir pela absolvição do arguido por respeito ao princípio in dubio pro reo.
2. Saber se os factos imputados na acusação, ainda que provados, consubstanciam a prática pelo arguido do crime de violência doméstica, pelo qual foi condenado.
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FACTOS PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA
Ficou a constar da sentença, como factos provados, o seguinte:
“Dos factos constantes da acusação:
1. O arguido e BB (doravante designada por BB) iniciaram uma relação de namoro no início do mês de ..., passaram a viver em condições análogas às dos cônjuges a partir do final do mês de ... e casaram um com o outro no dia ...-...-2016.
2. Fixaram residência na habitação sita na ....
3. O casal encontra-se divorciado desde o dia ...-...-2019.
4. Fruto daquela união nasceram duas filhas:
- HH, no dia ...-...-2016; e
- II, no dia ...-...-2018.
5. Desde o início do relacionamento que o arguido telefonava constantemente para BB e remetia-lhe constantes mensagens, importunando-a.
6. E sempre que ela não lhe respondia ou não lhe atendia as chamadas, o arguido acusava-a de não gostar dele e de não lhe dar atenção.
7. Sempre que, por algum motivo, BB não queria manter relações sexuais com ele, o arguido dizia-lhe que se não tivesse em casa que ia procurar fora.
8. A partir do nascimento da primeira filha comum, a relação entre o casal passou a ser pautada por conflitos e discussões.
9. Com efeito, a partir dessa altura, no interior da residência comum, o arguido dirigia-se a BB e dizia-lhe «Não sabes tratar das tuas filhas, és má mãe, má mulher, és burra, não vales nada, não serves para nada.»
10. Dizia-lhe «Se eu quiser nunca mais metes a vista nas tuas filhas.»
11. E acrescentava que tinha familiares em toda a parte do mundo e que facilmente fugia com as filhas.
12. Avisava-a que tinha o telemóvel dela sob escuta, sabendo com quem ela falava e o que diziam.
13. Em data não concretamente apurada, mas ocorrida quando estavam casados há cerca de um mês e BB grávida da primeira filha comum, no interior da residência comum, o arguido abordou-a dizendo-lhe que queria ter relações sexuais com ela.
14. Porque estava indisposta e enjoada com a gravidez, vomitando várias vezes, BB disse ao arguido que não lhe apetecia.
15. Inconformado com a recusa dela, o arguido disse-lhe que ela não gostava dele, que não lhe dava atenção e, perante a resposta dela, dizendo-lhe «isso para mim é um não assunto», o arguido agarrou-a com força pelo braço, ao mesmo tempo que lhe disse «Nunca mais me voltas a virar as costas, estás a ouvir?».
16. Tal comportamento do arguido causou em BB dores no braço.
17. Por várias vezes, quando BB estava grávida da filha mais nova, e se encontrava de baixa profissional por gravidez de risco, o arguido dirigiu-se a ela e disse-lhe «Estás de baixa porque és uma parasita».
18. Numa ocasião, ocorrida em data não concretamente apurada, mas situada pouco tempo antes de terem iniciado o pedido o divórcio, BB dirigiu-se ao arguido e disse-lhe que se queria divorciar dele.
19. De imediato, o arguido dirigiu-se a BB e, em tom de voz sério e grave, disse-lhe «A partir de hoje, ou aceitas a reconciliação ou vou-te retirar a única coisa que te importa que são as tuas filhas.»
20. Pelo menos desde a altura em que se separaram que o arguido passou a efectuar constantes chamadas telefónicas para BB, quer da parte do dia, quer da parte da noite, incluindo no decurso do horário laboral dela, na sequência das quais grita com ela e diz-lhe «Vou acabar com a tua carreira profissional, és má mãe, não prestas para nada, não vales nada, és uma inútil, não prestas como mulher.»
21. Numa dessas chamadas telefónicas, o arguido, em tom de voz sério e grave, dirigiu a BB as seguintes expressões «Eu qualquer dia vou aí a tua casa e parto essa merda toda»
22. Por várias vezes, já após a separação, o arguido dirigiu-se a BB e, em tom de voz sério e grave, disse-lhe «Tu e a tua família despertam o pior em mim e qualquer dia dou cabo de ti, não sabes do que eu sou capaz. (…) Vocês despertam o pior que há em mim.»
23. Em data não concretamente apurada, mas situada no mês de Fevereiro de 2020, por motivos não concretamente apurados, o arguido retirou uma fotografia à zona genital da filha comum HH, e, na presença das duas filhas menores, dirigiu-se a BB e, em tom de voz sério e grave, disse-lhe «Se algum dia alguém fizer mal às meninas, eu mato-te, eu dou cabo de ti!»
24. No dia 03-03-2022, o arguido deslocou-se à porta da residência de BB, levando as duas filhas comuns com ele para as entregar à mãe e, nessa ocasião, na presença das duas filhas menores, disse, a gritar, que ia partir-lhe a casa toda e que ela despertava o pior que havia nele.
25. Com as condutas descritas, o arguido quis e conseguiu ofender BB na sua honra e dignidade, na sua integridade física, e na sua liberdade pessoal e sexual, por forma a que esta se sentisse lesada na sua dignidade enquanto ser humano, sua esposa e posteriormente ex-esposa, o que igualmente conseguiu, bem sabendo que praticando parte desses actos no interior da residência comum do casal, estava a privá-la de qualquer possibilidade de reacção, causando-lhe um profundo sentimento de insegurança, e não se coibindo ainda assim de praticar alguns deles na presença das filhas menores.
26. O arguido actuou com o propósito alcançado de atingir e lesar o corpo e saúde de BB, sabendo que dessa forma lhe causaria dores.
27. Sabia o arguido que as expressões dirigidas a BB eram insultuosas e que a ofendiam na sua honra e consideração, o que logrou conseguir.
28. E que as expressões ameaçadoras que lhe dirigiu, considerando todas as circunstâncias que as rodearam foram proferidas de forma a provocar-lhe receio e inquietação, o que logrou conseguir.
29. O arguido actuou sempre com intenção de maltratar física e psiquicamente BB, o que de facto veio a conseguir.
30. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
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Dos antecedentes criminais do arguido:
31. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.
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Das condições pessoais e socioecónomicas:
32. O processo de socialização do arguido decorreu inicialmente em ..., sendo o único filho de um casal. Contudo, na sequência do processo de descolonização, em 1977, tinha o arguido apenas três anos idade, o agregado viu-se forçado a vir para Portugal. Inicialmente, foram acolhidos e apoiados pelo “...”. Contudo, o pai conseguiu rapidamente colocação laboral e conseguiram arrendar habitação, na zona da ..., tendo mais tarde, comprado a própria habitação.
Por sua vez, à mãe cabia-lhe inicialmente o papel de cuidar da família e da casa, e posteriormente passado a trabalhar num …, o que permitiu à família alcançar alguma
estabilidade ao nível das condições socioeconómicas.
33. O contexto familiar e social foi caracterizado como organizado segundo um modelo convencional, segundo os valores da religião muçulmana, não havendo refêrencias de ter sido marcado por exposição a modelos de violência/negligencia na relação entre os seus elementos.
34. O percurso escolar é descrito como normativo, tendo concluído o 12º ano de escolaridade aos 18/19 anos, altura em que abandonou os estudos para se integrar laboralmente na empresa de … onde o pai trabalhava. Paralelamente, investiu na sua formação profissional, frequentou dois cursos no ..., o que lhe permitiu passar a trabalhar como …. Posteriormente, ingressou na área da … e foi trabalhar para ..., mais tarde regressando a Portugal, ficando desempregado (2016). Nessa altura, abriu em sociedade uma … na ..., a qual terá encerrado em 2019 e aberto uma nova … na ..., a qual também terá encerrado, tendo voltado a trabalhar na …, mas despediu-se, encontrando-se desempregado desde abril de 2022. Não obstante revelar, algumas competências profissionais denota um percurso profissional algo instável.
35. Não obstante a rutura, ter-se-á mantido alguma tensão relacional, associada às responsabilidades parentais dos menores, inicialmente terá sido determinada a guarda partilhada, com semana alternada de residência, o que funcionou durante dois anos. Contudo, devido à dificuldade no que diz respeito às deslocações para a escola situada na ..., o processo foi reaberto e as menores passaram a viver durante a semana com a mãe e os fins de semana com o pai.
36. A situação económica do arguido é avaliada como equilibrada, referindo subsistir de poupanças que efectuou enquanto trabalhou no ramo imobiliário. Não se mostrou preocupado em procurar ocupação laboral, aludindo não saber onde irá residir no futuro breve. Vive em casa propriedade da família, tendo despesas fixas as inerentes às despesas da habitação (água/luz/gás e comunicações) e a pensão de alimentos das filhas no valor mensal de 150,00€, participando nas despesas de educação, médicas e vestuário.
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Também resultou provado que:
37. BB é assistente social, auferindo rendimentos de €1.650,00 mensais;
38. Reside em casa própria, cedida por familiares, não pagando renda.”
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FACTOS NÃO PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA
Ficou a constar da sentença, como factos não provados, o seguinte:
“Da acusação:
a. Durante o relacionamento, o arguido proibia a assistente de sair da residência comum nos períodos da Páscoa, alegando motivos religiosos.
b. Proibia-a ainda de ir a encontros familiares sem ser na companhia dele.
c. Nas circunstâncias descritas em 9. e 20., o arguido apelidou a assistente de estúpida, falsa e mentirosa.
d. Sempre que discutiam, o arguido, zangado, dirigia-se a BB e, quando se aproximava, junto dela, apontava-lhe o dedo junto da cara, amedrontando-a.
e. Nas discussões, o arguido empurrava a assistente.”
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO NA SENTENÇA RECORRIDA
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
“Nos termos do art.º 374.º, n.º 2 do C.P.P., o tribunal deve indicar os motivos de facto e de direito que fundamentam a sua decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.
No que respeita à valoração da prova, rege o disposto no art.º 127.º C.P.P., que prevê que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (apenas afastada nos casos expressamente previstos na lei, como o art.º 163.º e 169.º C.P.P.).
Assim, o tribunal formou a sua convicção à luz das regras da experiência comum e da lógica do homem médio, fazendo a análise crítica e conjugada da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
A este respeito, cumpre referir que o processo criminal, no crime de violência doméstica, encontra obstáculos ao seu normal desenvolvimento, mormente pela falta de prova, dado que raramente é presenciado por alguém que não o agressor ou a vítima.
Como adianta o Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão proferido em 24.10.2018, Proc. n.º 6744/16.8T9LSB.L1-3, disponível in www.dgsi.pt «Nos crime de violência doméstica as vítimas não têm testemunhas a não ser quem está presente aquando dos atentados à sua dignidade, se é que alguém está presente na maior parte dos casos, as marcas de agressões físicas e o que podem dizer os que com elas trocam impressões, se é que se atrevem a contar a alguém aquilo de que são vitimas.»
Assim, a prova fica, muitas das vezes, limitada ao depoimento da vítima, que poderá levar à condenação do arguido, se o mesmo merecer credibilidade bastante para o efeito.
No caso dos autos, em termos documentais, e para prova do facto 4, atentou-se no seguinte:
- Assento de nascimento fls. 219
- Assento de nascimento fls. 221
- Assento de nascimento fls. 223.
O arguido prestou declarações, negando a quase totalidade dos factos que lhe são imputados (aceitando os factos 1 a 4). Muito embora não negando o envio das mensagens (factos 5 e 6), referiu que a assistente nunca se mostrou incomodada com o envio das mesmas e que a mesma respondia sempre que podia, sem qualquer queixa da sua parte. Negou alguma vez ter insistido para a prática de relações sexuais ou ameaçado ir procurar fora, ainda que reconheça ter sensibilizado estar a ser posto de parte, pois desde antes do divórcio que vivia num quarto de hóspedes. Negou alguma vez ter injuriado a assistente ou ter proferido expressões desprimorosas. Também negou alguma vez ter ameaçado retirar as suas filhas, tanto assim que actualmente mora nas ... e as menores estudam na ..., junto da assistente. Declarou ter sido da assistente a iniciativa do divórcio, o que o mesmo aceitou, nunca tendo proferido qualquer ameaça, nem insistência para reconciliação. No que concerne aos factos 21 e 22, circunstanciou-os da seguinte forma: em Fevereiro ou Março de 2022, foi a casa buscar as filhas e a sogra atirou-lhe um saco roupa e disse «isto não pertence a esta casa», ao que o mesmo respondeu «há coisas aí em casa que também são minhas». Este comentário não lhe assentou bem e quando ligou para a assistente e proferiu a expressão «qualquer dia parto essa porcaria toda» estando a referir-se ao ar condicionado, que ainda estava na casa da assistente e que lhe pertencia. No que toca ao facto 23, explicou que a filha estava como genital «assado» e tirou fotografia, enviando à assistente, dizendo para falarem com colégio para trocarem fralda ou mudarem creme. Porém, nunca a ameaçou.
A assistente BB prestou declarações, dando nota do momento em que se conheceram, que começaram a namorar e a morar juntos. Relatou que desde cedo o arguido enviava mensagens e fazia telefonemas vários. Quando chegava a casa, se o arguido estivesse mais frustrado, dizia que ela não dava a atenção que ele lhe merecia e que ela valorizava mais outras coisas (factos 5 e 6). Engravidou e casaram. Teve gravidezes difíceis, com vómitos e indisposições. Relatou (factos 13 a 16) que uma das vezes estava com indisposição, mas o arguido quis ter relações sexuais, ao que a mesma negou, respondendo então o arguido que ela não gostava dele e não lhe dava atenção. Ela respondeu «isso é um não assunto», virou costas, momento em que o arguido lhe agarrou o braço e apontou o dedo e disse «nunca mais me viras as costas». Referiu ter ficado com medo dele e muito desiludida. Reiterou que o arguido dizia muitas vezes «tu não me dás atenção, não me ligas.». deu a conhecer que o matrimónio sofria de muita inconstância porque o arguido mudava de emprego frequentemente, o que gerava tensão familiar (o que encontra respaldo no teor do Relatório Social), sendo que após o nascimento da filha mais velha havia ciúmes por parte do arguido, que exprimia que antes de ter uma filha queria ter uma mulher, mais proferindo que se a assistente não lhe dava atenção em casa tinha de ir procurar fora (facto 7). Também de forma emocionada referiu que o arguido por diversas vezes proferiu expressões de «tu não és uma boa mãe, precisas dos outros para te ajudarem, és burra, não percebo como tens um curso superior, parva, os funcionários públicos podiam estar sempre a por baixas porque eram uns parasitas» (factos 9 e 17), sendo que apenas esteve de baixa prolongada relativamente à gravidez da II.
Deu também a conhecer que o mesmo não aceitou a separação nem o pedido de divórcio, dizendo que tinham de se reconciliar porque senão lhe ia tirar as filhas, mais proferindo «se eu quiser nunca mais pões a vista em cima das filhas, tenho familiares em todos os países do mundo, vais ver o que te vais acontecer, não sabes o que eu sou capaz, vou-te destruir, vou acabar com a tua carreira» (factos 19 e 20).
Quanto ao facto 23, relatou de forma credível que quando foi buscar as meninas o arguido mostrou uma foto e proferiu «Se algum dia alguém fizer mal às meninas, eu mato-te, eu dou cabo de ti.» Explicou que a menina estava no ponto de mudança da fralda.» Porém, o arguido não perguntou a razão pela qual a menina estava «assada», fazendo logo esta abordagem agressiva.
Quanto ao facto 24, esclareceu que nesse dia o arguido ligou a perguntar se podia ir ver as meninas a seguir à escola, no que a mesma anuiu. O arguido queria que elas usassem um fio com uma bola preta por causa do mau olhado, com o que nem ela, nem a escola concordavam, sendo esta por ser um bem de valor. Por essa razão, as meninas não tinham o colar no dia em causa. O arguido ligou muito nervoso a perguntar porque as meninas não tinham o fio e ela explicou porque tinha sido avisada em cima da hora, com o que o arguido mandou a «criada» (referindo-se à sua mãe) levar o fio, o que a mesma negou. E ele disse «és uma péssima mãe, vais ver o que te vai acontecer», recusando-se inicialmente a entregar as menores, mas acabando mais tarde por entregá-las junto da sua mãe, mas telefonando-lhe e dizendo que tinha coisas em casa dele, como ares condicionados, que lhe devia dinheiro, que se não desse dinheiro, que lhe partia as coisas todas. Estava muito nervoso e desorganizado. Temeu muito pela segurança.
Concluiu dizendo que as ameaças eram feitas pessoalmente, enquanto coabitavam e posteriormente, pessoalmente ou por telefone. Nas suas palavras «aterroriza-me, era uma constante», que ficou muito fragilizada, que recebe apoio psicológico desde essa altura.
O seu depoimento revelou-se muito sincero, emocionado e sofrido, não denotando qualquer pretensão em prejudicar o arguido ou exagerar os factos. Aliás, no que toca a agressões físicas, foi clara ao referir que só ocorreu uma vez, com o apertão no braço e o apontar do dedo. Respondeu às questões que lhe eram feitas, não procurando dizer nada mais do que lhe era pedido. As suas declarações foram escorreitas e sinceras, merecendo toda a credibilidade.
A testemunha FF, irmã da assistente, confirmou ter assistido a várias discussões entre a mesma e o arguido, após o nascimento da segunda filha, ouvindo-a chamar de «burra, inútil, não servia para nada, que não servia como mãe.», deixando a sua irmã apavorada e com medo, por achar que era verdade o que ele estava a dizer. Declarou saber que foi a sua irmã que pediu o divórcio, que o arguido reagiu mal. Numa primeira fase aceitou e depois não, pedindo uma «reunião familiar», a fim de fazer pressão para desistir de se divorciar, chegando a ocorrer duas reuniões. Na primeira reunião, ele queria que ela e a mãe tomassem uma posição sobre a falta de relações sexuais entre o casal, mais dizendo que «se não tenho em casa vou começar a procurar fora.» e «Eu sei das conversas que andas a ter», falando de uma conversa que a mesma e a sua irmã tinham tido uma com a outra quando estavam no local de trabalho. Perguntou ao arguido como sabia dessa conversa, ao que o mesmo respondeu que o telefone estava «grampeado». Na segunda reunião, com os pais do arguido presentes, o arguido disse que se o homem quisesse sexo a mulher tinha de dá-lo. Relativamente ao «grampeamento» do telefone, ele disse que os fins justificavam os meios. Esclareceu ainda que depois do divórcio, o arguido ligava à assistente frequentemente dizendo à mesma que ia deixar de ter vida, carreira, ia tirar as filhas, deixar de ver as filhas. Assistiu a essas ameaças, algumas efectuadas através de telefonemas e outras nas reuniões que relatou e em que esteve presente.
No dia em que o arguido foi buscar as meninas à escola e porque elas não levaram colar de ouro discutiu com irmã e não queria entregar as meninas. Nesse dia foram à polícia e estavam a acabar a queixa quando receberam o telefonema do arguido a dizer que ia entregar as meninas em casa dele, razão pela qual se dirigiram para a sua residência. Porém, o arguido foi para casa da assistente e entregou as meninas à mãe, fazendo um telefonema e dizendo que a assistente «era um horror de mãe que nem estava em casa para receber as filhas (pois estavam à porta de casa dele para receber as crianças), que era péssima mãe, que ia a casa partir essa «merda toda, nem sabes do que eu sou capaz de fazer». Apesar da relação de parentesco com a assistente, o depoimento desta testemunha mereceu toda a credibilidade e foi perfeitamente coincidente com as declarações da assistente. A mesma não extrapolou as suas declarações, separando na perfeição os factos a que assistiu e aqueles a que apenas teve conhecimento por via da sua irmã.
A testemunha JJ, educadora de infância, não prestou especial contributo quanto aos factos, por a nada ter assistido. Porém, referiu que uma vez o arguido lhe pediu uma reunião, dizendo que a assistente «era má mãe», quando a filha era muito obediente e educada. Ora, sendo tal depoimento prestado por uma pessoa que nada tem a ver com os autos e nenhum interesse tem com o desfecho do processo, tal é consentâneo com as declarações da assistente no sentido de que por diversas vezes a mesma era acusada de ser má mãe, o que o arguido por diversas vezes negou ter proferido, tornando assim mais verosímil a versão da assistente, por contraponto com a do arguido.
A testemunha GG, mãe da assistente, iniciou as suas declarações invocando que o arguido pouco auxílio prestava nas tarefas domésticas, o que aqui não tem particular relevo. Porém, confirmou ter ouvido o mesmo a dirigir-se à sua filha e dizer «tu não sabes ser mãe, és uma parasita do Estado, precisas de ser ajuda para ajudar a tomar conta das meninas». Relatou que quando filha pediu divórcio, a situação piorou, sendo que a sua filha tinha medo dele, porque como ele dizia que era má mãe e que qualquer dia tirava as filhas, pois tinha família em toda a parte do mundo. Isto fazia com que a sua filha ficasse muito aflita e com medo. Deu igualmente a conhecer a existência de duas reuniões familiares, a primeira com ela, a filha FF e a assistente e a segunda já com os pais do arguido, sendo que nas mesmas o arguido reconheceu ter o telefone da sua filha sob escuta.
Confirmou igualmente ter ouvido a expressão do arguido de que «qualquer dia vou aí e parto essa merda toda», referindo-se ao ar condicionado. Também uma vez lhe entregou um saco de roupa e ele respondeu está aqui a roupa e outras coisas, ao que o mesmo proferiu. «qualquer dia vou aí e parto essa merda toda».
Um dia recebeu as meninas (dia da situação da GNR), estava com os olhos esbugalhados, «onde está a má mãe das meninas que não está aqui para receber as filhas».
A testemunha KK, vizinha da mãe da assistente, relatou, quanto ao facto 22, que a pedido daquela circulava pela rua aquando a entrega das menores, e a D. GG levava um saco e disse «são coisas suas que ainda cá ficaram», mas o arguido não o aceitou e disse «. há outras coisas. Devem-me outras coisas e que me devem há 3 anos. Não sabem com quem se meteram, não sabem do que eu sou capaz». Também relatou que ter ouvido várias vezes o arguido a proferir junto do prédio «tu não prestas como mãe, mas eu vou-te tirar as meninas».
A testemunha CC, colega de trabalho da assistente, denotou, da convivência que teve com ambos, uma postura de controlo e omnipotência, uma insistência em telefonar e enviar SMS e que a assistente estivesse constantemente disponível. Por vezes, ele gritava. Com sinceridade, relatou nunca o ter ouvido dizer que a assistente era má mãe e má profissional, apenas o sabendo porque esta lho relatou. Denotou que a assistente sentia medo que o conflito prolongado desestabilizasse as filhas e que a mesma atendia de forma receosa e de forma muda, de molde a não perpetuar o conflito. A maioria dos telefonemas ocorreu aquando do posteriormente, porque ele só saiu de casa quando o divórcio foi decretado. Os telefonemas eram em tons agressivos, zangado, a dar ordens.
Este depoimento foi também corroborado pelo prestado pela testemunha DD, colega da assistente, que relatou que na fase da separação, o arguido foi agressivo verbalmente, o que presenciou, através de telefonemas constantes, em que o arguido gritava e utilizava as filhas «como arma de arremesso», dizendo que a mesma «Era uma má mãe, não prestava profissionalmente, ia-lhe tirar as filhas. Constantemente. Quase todos os dias. Não era um telefonema por dia.» Isto deixava a assistente arrasada, chorosa, assustada, com medo. Relatou ainda ter assistido a telefonemas em que o arguido dizia «Tu não gostas de mim, não me dás atenção, porque é que não me telefonaste», exigindo constante atenção. Isso cansava-a, porque estava a ser cobrada.
Após separação, os telefonemas continuaram, já não a solicitar atenção, mas agressivos, com cobranças e ameaças. Nessa altura não trabalhavam na mesma sala, como anteriormente, mas ouvia gritos na sala ao lado, ouvindo o arguido chamar «inútil, não vales nada, vou destruir profissionalmente, não vales nada como mãe», mais dizendo que ia utilizar as filhas para «lhe fazer a vida negra». A assistente não respondia, ficando a ouvir, transtornada e a chorar.
Sentiu que a partir de que ela casou tentou corresponder a imagem que ele tinha. Mudança de roupa, de visual. Andava de sapatos de alto, tinha de andar sempre bem arranjada, quase que parecia ir a uma festa, era desconfortável, ela não gostava. Nunca disse que era contra a sua vontade, mas disse que o fazia porque ele queria.
Os referidos depoimentos, todos conjugados entre si, permitiram dar como provado os factos 5 a 24. Os mesmos não apresentaram quaisquer incongruências ou contradições, e se é certo que foram prestados por pessoas próximas da assistente, também tal se justifica por serem aquelas que com esta têm maior convivência.
As testemunhas arroladas pelo arguido não assistiram aos factos e não puderam infirmar ou minar a convicção criada pelo Tribunal. Senão vejamos.
A testemunha LL, amigo arguido, frequentou a casa de ambos em duas situações, pelo que a nada assistiu. Relatou que após nascimento da HH, sentiu arguido mais frustrado porque estariam mais distantes, porque atenção não estava focada nele, o que nada de anormal se denota, atento o nascimento de uma criança. Deu a conhecer que, após o divórcio, em Maio de 2021, ia no carro com o arguido e ouviu a assistente dizer «não te portes bem que te faço a vida negra», referindo-se às filhas, mas nada referiu em concreto quanto à pretensa ameaça.
A testemunha MM, amigo do arguido, nunca viu nada de anormal no relacionamento entre o casal, apenas atestando que o arguido é uma boa pessoa, amigo, está sempre pronto para ajudar, bom companheiro. Nunca o viu dizer palavrões. Nunca o viu exaltado ou descontrolado. Nunca o viu faltar ao respeito a ninguém.
A testemunha NN, conviveu com o arguido e com a assistente em tempo de namoro e casados, parecendo um casal muito cúmplice e muito amigos. Foi com surpresa que soube do divórcio. Retrata o arguido como uma pessoa espectacular, sem ser capaz de ofender pessoas, nem de usar palavrões.
A testemunha OO, amigo do arguido, por não ser frequentador habitual da casa, também nada de relevante disse, salvo quanto ao facto de o arguido ser uma pessoa calma e ponderada.
As testemunhas PP e QQ ressaltaram as qualidades do arguido enquanto filho. Confirmaram a existência de uma reunião familiar, a fim de saberem dos motivos do divórcio, da iniciativa da assistente, dado que a nada fez crer, nem a nada assistiram até então.
A testemunha RR relatou sempre ter visto o casal muito unido, chegando a passar o natal juntos, sendo o arguido uma pessoa moderada e equilibrada e respeitadora.
Estes depoimentos não deixaram de merecer credibilidade. Porém, as testemunhas, salvo quanto aos progenitores do arguido, pouco contacto tinham com o casal, salvo em festividades (aniversários, natal ou páscoa), pouco frequentando a sua intimidade. Bem se sabe que a violência doméstica ocorre «entre quatro paredes», na intimidade do casal, pelo que, não se questionando que o arguido posa ser uma pessoa afável e harmoniosa perante terceiros, nem por isso afasta ou nega a prática dos factos dados como provados.
Os factos 25 a 30 (elemento subjectivo) resultaram do cotejo da matéria objectiva dada por provada com as regras da experiência comum.
Como refere Cavaleiro de Ferreira (Curso de Processo Penal II, Lisboa, Ed. Danúbio, pág. 292), existem elementos do crime (factos) que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta, como são todos os elementos de estrutura psicológica.
Com efeito, o comum dos cidadãos, medianamente inteligente e sagaz, como se presume ser o caso do arguido, não podia deixar de conhecer o desvalor da sua conduta, de saber que o seu comportamento constituía um crime e, bem ainda, que iria causar danos na assistente.
De facto, o arguido não podia deixar de saber que, ao dirigir-se à assistente, pessoa com quem foi casado e da qual resultaram duas filhas, importunando-a, ameaçando-a, insultando-a, coagindo-a, maltratando-a, estava a molestá-la na sua saúde psíquica e física, a afectar a sua liberdade de decisão, a humilhar e desconsiderar, com desprezo pela sua dignidade pessoal, o que conseguiu.
A ausência de antecedentes criminais do arguido – facto 31 - resultou provada através do C.R.C. junto aos autos a fls. 364.
Os factos 32 a 36 (condições pessoais e sócioeconómicas) resultaram provados através das declarações do arguido, que nesta parte mereceram credibilidade, conjugadas com o teor do Relatório Social elaborado pela DGRSP de fls. 341 ss.
Os factos 37 e 38 resultaram provados através das declarações da assistente.
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No que diz respeito aos factos julgados como não provados, tal decisão deveu-se à ausência de produção de prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento que determinasse uma decisão diversa.
De facto, nos termos do art.º 355.º, n.º 1 do C.P.P., não valem em julgamento, nomeadamente para efeito da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.
No que respeita aos factos a. e b., a assistente nada referiu a esse respeito, relatando apenas uma situação em que, já após a separação, o arguido pretendeu impedir que a arguida fosse passar a Páscoa com os seus familiares, na companhia das suas filhas, pretendendo o arguido passar o dia igualmente com as menores. Não se descortinou aqui, a par do que relataram as testemunhas inquiridas (incluindo a mãe da assistente GG que relatou que a filha nunca foi impedida de assistir às festividades), qualquer tentativa do arguido de impedir a assistente ou privar a mesma de festejar a Páscoa ou de estar com os seus familiares.
No que respeita ao facto c., a assistente não fez referência a tais expressões injuriosas, razão pela qual as mesmas tiveram de ser levadas à matéria de facto dada como não provada.
O facto d. foi assim considerado porquanto a assistente apenas fez referência a uma situação (facto 15), não resultando demonstrado que esse era um comportamento habitual do arguido. Muito embora a testemunha GG tenha referido que o arguido fizesse esse gesto várias vezes, uma vez que a assistente não fez referência a esse facto, entende-se dever dar o mesmo como não provado.
O facto e. não resultou provado porquanto a assistente foi clara ao referir que «única violência física foi o agarrar no braço e apontar o dedo».”
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III - APRECIAÇÃO DO RECURSO
No presente recurso, o recorrente vem alegar que “a prova não foi apreciada corretamente de acordo com as regras da experiência e da lógica e principalmente pelos circunstancialismos do caso concreto (…) nomeadamente quando aos pontos 5 a 17, 19 a 30.”. Para tanto alega que “O Tribunal a quo formulou a sua convicção pela audição da ASSISTENTE e os depoimentos das TESTEMUNHAS arroladas na Acusação, ignorando por completo, uma prova junta pela ASSISTENTE, e quanto a nós a mais credível, por não ser influenciada por perceções, nem ser alterada com o passar do tempo e por ser possível de certa forma, presenciar e vivenciar o mesmo que a ASSISTENTE. (…) Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, resultam duas versões dos factos: a versão do ora RECORRENTE e a versão da ASSISTENTE. A existência de duas versões dos factos, só por si, permite que se instale pelo menos a dúvida quanto aos factos.”
Estando em causa a impugnação da matéria de facto, a mesma pode apresentar-se na sua forma restrita, situação em que o vício alegado resulta do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum mas sem recurso a quaisquer elementos exteriores, e seja um dos que a lei enumera no artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal), ou de forma alargada ou irrestrita, remetendo-nos para a prova documentada na primeira instância, exigindo-se ao Tribunal da Relação que proceda à audição ou visualização das passagens da documentação indicadas pelo recorrente e recorrido e outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, socorrendo-se, para o efeito, do princípio da livre apreciação da prova, podendo, se for o caso, modificar a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto (cf. artigos 127.º, 412.º e 431.º, todos do Código de Processo Penal).
Em qualquer dos casos, estamos perante sempre vícios da decisão, não do julgamento, como refere Maria João Antunes, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro - Março de 1994, pág. 121.
Nos casos de impugnação ampla da matéria de facto, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, mas constitui apenas um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, sempre em relação aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Ao Tribunal de recurso cabe verificar se os concretos pontos de facto questionados pelo recorrente têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente, em cumprimento do disposto no artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, e que este considera imporem decisão diversa (neste sentido, cf. Ac. STJ de 14.03.2007 (ECLI:PT:STJ:2007:07P21.5C), de 23.05.2007 (ECLI:PT:STJ:2007:07P1498.95), de 03.07.2008 (ECLI:PT:STJ:2008:08P1312.21), de 29.10.2008 (ECLI:PT:STJ:2008:07P1016.19) e de 20.11.2008 (ECLI:PT:STJ:2008:08P3269.6B).
Não visando este tipo de recurso constituir-se como um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º 3, do C.P. Penal: «3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas
Neste plano, ao recorrente exige-se a especificação dos «concretos pontos de facto», isto é, a indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados, bem como a especificação das «concretas provas», isto é, a indicação do conteúdo do meio de prova ou de obtenção de prova e a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Acresce, que havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao que tiver sido consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens das gravações em que fundamenta a impugnação, não bastando a simples remissão para a totalidade de um ou de vários depoimentos, ou o seu resumo feito pelo recorrente, pois são essas passagens concretas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo Tribunal de recurso, como é exigido pelo artigo 412º, nºs 4 e 6 do Código de Processo Penal.
A especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do C.P.P.).
Em suma, para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente de especificar, nas conclusões, quais os pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, quais as provas [específicas] que impõem decisão diversa da recorrida, demonstrando-o, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as [se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados] ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos [quando na ata da audiência de julgamento se faz essa referência - o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens].
Analisando as alegações do arguido, não obstante o mesmo especificar os factos impugnados, a verdade é que tal impugnação, no essencial, não é sustentada pela indicação dos meios de prova que, em concreto, impõem decisão diversa da recorrida, antes remetendo-se sempre para uma apreciação geral da prova, nada mais fazendo que dar a sua visão pessoal da mesma e das conclusões que, a seu ver, o Tribunal a quo deveria ter chegado.
O cerne do recurso centra-se no entendimento do recorrente que o Tribunal a quo baseou a sua convicção nas declarações da assistente, em detrimento das declarações do arguido e desvalorizando por completo a conversa telefónica gravada e junto aos autos em suporte digital a fls. 207, que no seu entendimento comprova exatamente o conteúdo, nível de ofensas e preocupações das “discussões” entre o recorrente e a assistente. Por fim, entende que não pode ser dada qualquer tipo de credibilidade quanto ao depoimento das testemunhas CC e DD, que referem ouvir os gritos e compreenderem as ofensas perpetradas pelo recorrente, quando a assistente falava ao telefone
Para reforçar esta alegação, constata-se que o mesmo apenas refere que “A audição atenta e crítica de todos os depoimentos prestados, com especial relevo as da ASSISTENTE, em confronto com a gravação contante de suporta digital de fls. 207, determina ao tribunal a quo a alteração da factualidade dada como provada, substituindo-a por outra”
Esta forma de colocar em causa a factualidade não preenche o ónus de impugnação que se impõe.
Nestes termos, improcede a requerida impugnação ampla de facto que está pressuposta nas suas alegações, antes se impondo a análise das alegações do recorrente no prisma do o erro notório da apreciação da prova, do respeito pelo princípio da livre apreciação da prova e a sua compatibilização com as regras de experiência.
O erro notório na apreciação da prova - vício elencado no art.º 410º, nº2, al. c) do C.P.P.- terá de resultar do texto da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum1, o que vale dizer que para o reconhecimento da sua existência não é possível o recurso a elementos estranhos àquela decisão, ainda que constantes do processo.
Conforme refere o Acórdão do STJ de 27.05.2010 (ECLI:PT:STJ:2010:18.07.2GAAMT.P1.S1.3B), “O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do vício se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto. A invocação do erro notório na apreciação da prova só é possível e viável quando reportado ao texto da decisão e não se direccionado ao modo de valoração das provas (…)
Nesta medida, só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum2, resulta, com toda a evidência, a conclusão contrária à que chegou o tribunal, ou seja, quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos, isto é, quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum. (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 4.2.2020, ECLI:PT:TRE:2020:60.16.2GEBNV.E1.B7).
No erro notório na apreciação da prova, estamos perante uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, em cara violação das regras probatórias ou das “legis artis”, que conduz a retirar-se de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
É dizer, constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou entre cada um desses, ou traduza uma apreciação manifestamente ilógica, e por isso incorreta, incongruência esta que resulta duma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revela, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas e apreciada não por simples projeções de probabilidade, mas segundo as regras da “experiência comum” e da lógica normal da vida, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. p. 341).
Em todos os casos, estaremos sempre perante um erro notório, grosseiro, evidente, que não escapa ao homem comum, facilmente constatável pelo observador médio.3
Todavia, é necessário ter presente, como salienta o Acórdão do STJ de 27.05.2010 (ECLI:PT:STJ:2010:18.07.2GAAMT.P1.S1.3B), que não se estando em face de prova vinculada ou tarifada, a impugnação da valoração da prova produzida, reconduzir-se-á à impugnação da convicção do tribunal. Ora, neste plano, o que releva é, necessariamente, a convicção formada pelo tribunal, a qual tendo respeitado as “leges artis” aplicáveis, se sobrepõe à convicção pessoalmente alcançada pelas partes sobre os factos.
Neste caso, estamos sempre perante um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão.
Por outro lado, a lei não considera relevante a convicção pessoal de cada um dos intervenientes processuais, no sentido de a mesma se sobrepor à convicção do Tribunal, até porque, se assim fosse, não seria possível existir qualquer decisão final.
Para este efeito, como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 11/03/2021 (Processo nº 179/19.8JDLSB.L1-9, in www.dgsi.pt): «O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado».
E nesta apreciação judicial, não podemos ter uma visão atomista da prova, mas uma visão integrada da mesma, isto é, cada elemento probatório deve ser analisado e valorado no conjunto e em correlação com os demais elementos probatórios, pois só assim é possível compreender os seus espaços intercomunicantes e atingir uma visão global e de conjunto que se imponha no processo lógico de fundamentação da decisão.
Como expressivamente refere Sérgio Poças: “Se as provas credíveis se ajudam umas às outras – mutuamente se fortalecendo nesta comunicação – a prova resultado, por força deste factor de comunicação, é necessariamente maior de que a mera junção daquelas provas”. 4
Discorrendo sobre esta matéria, o Acórdão do STJ de 20.1.2021 (ECLI:PT:STJ:2021:611.16.2PALSB.L1.S1.F4) anota, de forma pertinente que “o Tribunal a quo, ao apreciar a prova (o que tem de fazer de uma forma lógica e racional, sempre segundo as regras da experiência comum), deve fazer uma análise dos elementos disponíveis, de forma conjugada e crítica, nada impedindo que, nessa conjugação, atribua crédito a parte de determinado depoimento mas já não estribe a sua convicção noutra parte do mesmo. Por outro lado, também nada obsta a que a convicção do Tribunal se funde num único depoimento, desde que o mesmo ofereça credibilidade bastante. Como é evidente, não é pelo facto de o arguido negar determinado facto e não haver testemunhas do sucedido, para além da própria vítima, que esse facto deve ter-se por indemonstrado, pois que, não sendo o Tribunal um receptáculo acrítico de declarações e depoimentos, tudo depende da credibilidade que as diversas declarações lhe merecem e da sua conjugação com outros elementos de prova que no caso existam. De igual modo, não é por determinada versão ser sustentada por mais de uma pessoa que ela oferece necessariamente mais credibilidade do que uma outra, mesmo que “solitária”. Nas sábias palavras de Bacon: «os testemunhos não se contam, pesam-se», não vigorando no nosso ordenamento jurídico o princípio testis unus, testis nullus
Tendo presente todo este contexto, sufragamos o entendimento plasmado no Acórdão da Relação de Lisboa de 07.05.2019 (ECLI:PT:TRE:2005:2328.04.1.B4), que refere, “Traduzindo-se a livre apreciação das provas numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, a falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, a não vivência do julgamento, sede do contraditório, com privação da possibilidade de intervir na produção da prova pessoal, serão, por assim dizer, limites epistemológicos a que a Relação deverá atender na sua apreciação, ainda que não constituam barreiras intransponíveis a que faça a ponderação, em concreto e autónoma, das provas identificadas pelo recorrente, que pode conduzir à conclusão de que tais elementos de prova impõem um juízo diverso do da decisão recorrida.”
Neste plano, regendo o princípio da livre apreciação da prova, é necessário ter presente que o juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis.
Desde logo, tal juízo assenta na credibilidade que mereceu ao tribunal os meios de prova apresentados e produzido, o qual depende substancialmente da imediação, intervindo elementos não racionalmente explicáveis.
Por outro lado, é importante realçar que a valoração da prova resulta de um processo lógico-racional assente em deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios. Este é um momento que assentando naquele primeiro plano de valoração da prova assente na imediação, já não depende desta, baseando nas regras da lógica, nos princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.
Tendo presente estes dois planos, facilmente se constata que a credibilidade dos depoimentos sendo um juízo eminentemente subjetivo, depende, essencial e substancialmente, da imediação, princípio que, pressupondo a oralidade, domina a recolha das provas de índole testemunhal, permite, num quadro de emissão e receção de sinais de comunicação - que não apenas de palavras, mas também de gestos ou outras formas de ação/reação, como o próprio silêncio - potenciar a adequada apreciação dos depoimentos.
Esta imediação é absolutamente fundamental para avaliar a prova produzida, designadamente para aferir da credibilidade de um depoimento, uma vez que este não ocorre no vazio, numa realidade assética, antes desenvolve-se num contexto captado pelo julgador, em audiência de julgamento, na observação da respetiva posição corporal, gestos, olhares e hesitações, tom de voz, embaraços e desembaraços evidenciados ao longo do mesmo.
Como expressivamente refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.10.2021 (ECLI:PT:TRL:2021:510.19.6S5LSB.L1.5.DD), “apenas séria discrepância entre o que motivou o tribunal de 1ª instância e aquilo que resulta da prova por declarações prestada, no seu todo e à luz de regras de experiência comum, pode ser de molde a inverter aquela factualidade, impondo, nas palavras da lei, outra decisão (…). As declarações são ainda indissociáveis da atitude e postura de quem as presta, olhares, trejeitos, hesitações, pausas e demais reacções comportamentais às diversas perguntas e questões abordadas, isoladas ou entre si combinadas, bem como a regras de experiência e senso comuns à luz da normalidade dos comportamentos humanos. Nunca se poderá ainda perder de vista a circunstância de, por princípio, ter aquela observação levado em devida conta a apreciação comunitária e o exame individual de todos os intervenientes no caso, perante o tribunal e durante a audiência, com todas as vantagens atinentes e intrínsecas à imediação, desta resultando, sem qualquer tipo de reserva, factores impossíveis de controlar após o respectivo encerramento. De resto, tal como em relação à prova em geral, especialmente no que toca à prova por declarações e muito particularmente depois a todo o seu caldeamento com a generalidade do material probatório recolhido. Toda a sensibilidade que ali desfila, individual, mas também geral, tem enorme importância no sentenciamento justo e é impossível apartá-lo da resposta que o tribunal irá dar ao caso concreto, em nome da comunidade. Matéria tão importante quanto impossível de captar para futura reprodução. Só a imediação, a par da oralidade, garante o processo e decisão justos, princípios adquiridos com segurança, vai para mais de um século.”
Neste plano, cabe apenas ao tribunal de recurso verificar, controlar, se o tribunal a quo, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do princípio de livre apreciação da prova, aferindo da legalidade do caminho que prosseguiu para chegar à matéria fáctica dada como provada e não provada, sendo certo que tal apreciação deverá ser feita com base na motivação elaborada pelo tribunal de primeira instância, na fundamentação da sua escolha – ou seja, no cumprimento do disposto no artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal.
Nesta matéria, é necessário ter sempre presente que havendo duas, ou mais, possíveis soluções de facto, face à prova apresentada, se a decisão recorrida se mostrar devidamente fundamentada e couber dentro de uma das possíveis soluções, face às regras da experiência comum, é esta que deve prevalecer, mantendo-se intocável e inatacável, porquanto foi proferida em obediência ao previsto nos art.ºs 127º e 374º, nº 2 do Cód. Proc. Penal (cf., Ac. TRL de 02.11.2021, ECLI:PT:TRL:2021:477.20.8PDAMD.L1.5.A4.).
Só quando das provas indicadas apenas for possível uma decisão diversa da decidida é que a decisão recorrida deverá ser alterada pelo Tribunal de recurso. Como anota o Tribunal da Relação de Lisboa de 29.03.2011, (ECLI:PT:TRL:2011:288.09.1GBMTJ.L1.5.12) “A ausência de imediação determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem”.
Conforme refere o Juiz Conselheiro Pires da Graça, no Acórdão do STJ de 13.02.2008 (ECLI:PT:STJ:2008:07P4729.2B), «O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art.º 127.° do CPP. A livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em 1.ª instância. O art.º 127.° indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova
Nestes termos, como decorre do supra exposto, não só não houve por parte do Tribunal a quo qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova5, consagrado no artigo 127.º do C.P.Penal, como todo o trabalho valorativo e discursivo do Tribunal a quo é um corolário direto do uso de tal princípio, segundo os ditames da lei.
Com efeito, lida a motivação, constatamos que a sua convicção, nos pontos controvertidos, assentou numa correta valoração das declarações da assistente, suportada, em parte, pela restante prova testemunhal, as quais não podem ser afastadas pelas declarações do arguido. Na valoração da prova testemunhal e das declarações da assistente e do arguido, o Tribunal não pode cingir-se a um critério meramente quantitativo, como se todos tivessem o mesmo valor de convencimento em face da sua coerência interna. No caso em apreço, é manifesto que as declarações da assistente são mais coerentes entre si e com a demais prova carreada no processo.
Como bem refere o Tribunal a quo:
“O seu depoimento revelou-se muito sincero, emocionado e sofrido, não denotando qualquer pretensão em prejudicar o arguido ou exagerar os factos. Aliás, no que toca a agressões físicas, foi clara ao referir que só ocorreu uma vez, com o apertão no braço e o apontar do dedo. Respondeu às questões que lhe eram feitas, não procurando dizer nada mais do que lhe era pedido. As suas declarações foram escorreitas e sinceras, merecendo toda a credibilidade.
A testemunha FF, irmã da assistente, confirmou ter assistido a várias discussões entre a mesma e o arguido, após o nascimento da segunda filha, ouvindo-a chamar de «burra, inútil, não servia para nada, que não servia como mãe.», deixando a sua irmã apavorada e com medo, por achar que era verdade o que ele estava a dizer. (…) Apesar da relação de parentesco com a assistente, o depoimento desta testemunha mereceu toda a credibilidade e foi perfeitamente coincidente com as declarações da assistente. A mesma não extrapolou as suas declarações, separando na perfeição os factos a que assistiu e aqueles a que apenas teve conhecimento por via da sua irmã.
A testemunha JJ, educadora de infância, não prestou especial contributo quanto aos factos, por a nada ter assistido. Porém, referiu que uma vez o arguido lhe pediu uma reunião, dizendo que a assistente «era má mãe», quando a filha era muito obediente e educada. Ora, sendo tal depoimento prestado por uma pessoa que nada tem a ver com os autos e nenhum interesse tem com o desfecho do processo, tal é consentâneo com as declarações da assistente no sentido de que por diversas vezes a mesma era acusada de ser má mãe, o que o arguido por diversas vezes negou ter proferido, tornando assim mais verosímil a versão da assistente, por contraponto com a do arguido.
A testemunha CC, colega de trabalho da assistente, denotou, da convivência que teve com ambos, uma postura de controlo e omnipotência, uma insistência em telefonar e enviar SMS e que a assistente estivesse constantemente disponível. Por vezes, ele gritava. Com sinceridade, relatou nunca o ter ouvido dizer que a assistente era má mãe e má profissional, apenas o sabendo porque esta lho relatou. Denotou que a assistente sentia medo que o conflito prolongado desestabilizasse as filhas e que a mesma atendia de forma receosa e de forma muda, de molde a não perpetuar o conflito. A maioria dos telefonemas ocorreu aquando do posteriormente, porque ele só saiu de casa quando o divórcio foi decretado. Os telefonemas eram em tons agressivos, zangado, a dar ordens.
Este depoimento foi também corroborado pelo prestado pela testemunha DD, colega da assistente, que relatou que na fase da separação, o arguido foi agressivo verbalmente, o que presenciou, através de telefonemas constantes, em que o arguido gritava e utilizava as filhas «como arma de arremesso», dizendo que a mesma «Era uma má mãe, não prestava profissionalmente, ia-lhe tirar as filhas. Constantemente. Quase todos os dias. Não era um telefonema por dia.» Isto deixava a assistente arrasada, chorosa, assustada, com medo. Relatou ainda ter assistido a telefonemas em que o arguido dizia «Tu não gostas de mim, não me dás atenção, porque é que não me telefonaste», exigindo constante atenção. Isso cansava-a, porque estava a ser cobrada.
Os referidos depoimentos, todos conjugados entre si, permitiram dar como provado os factos 5 a 24. Os mesmos não apresentaram quaisquer incongruências ou contradições, e se é certo que foram prestados por pessoas próximas da assistente, também tal se justifica por serem aquelas que com esta têm maior convivência.
As testemunhas arroladas pelo arguido não assistiram aos factos e não puderam infirmar ou minar a convicção criada pelo Tribunal. (…) Estes depoimentos não deixaram de merecer credibilidade. Porém, as testemunhas, salvo quanto aos progenitores do arguido, pouco contacto tinham com o casal, salvo em festividades (aniversários, natal ou páscoa), pouco frequentando a sua intimidade. Bem se sabe que a violência doméstica ocorre «entre quatro paredes», na intimidade do casal, pelo que, não se questionando que o arguido posa ser uma pessoa afável e harmoniosa perante terceiros, nem por isso afasta ou nega a prática dos factos dados como provados.”
Nesta matéria, é fundamental ter presente que a valoração das declarações das vítimas e pessoas do seu núcleo familiar restrito, assume particular relevância em crimes, como os de violência doméstica, em que, por um lado, não há, em regra, testemunhas diretas dos factos à exceção do agressor e da vítima, e, por outro lado, a capacidade da vítima digerir o trauma provocado pelas agressões , não só o seu relato, a forma como organiza e descreve os acontecimentos, mas também como atua em conformidade.
Com efeito, as vítimas de violência doméstica apresentam frequentemente reflexos do trauma sofrido e fenómenos de dissociação, isto é, processos complexos de falha de integração de processos mentais que produzem alterações ao nível da memória, do conhecimento e da integração do comportamento. Acresce que a relação entre o agressor e a vítima neste tipo de crimes não é linear, antes se caracterizando por uma sequência de atos muitas vezes contraditórios, ora de agressão violenta, ora de afastamento, ora de aproximação, muitas vezes motivadas pela esperança que a vítima deposita que o agressor altere definitivamente os seus comportamentos, o que, na maioria das vezes, se reconduz a mais atos de violência. Frequentemente, a vítima ora se autorresponsabiliza por parte dos comportamentos do agressor, ora sente vergonha, escondendo perante terceiros as marcas das agressões, ora reage passivamente, esperando que a sua “não resposta” atenue a ira do agressor e leve à interrupção das agressões.
Todo este complexo psicológico tem de ser atendido pelo tribunal, aquando da valoração da prova, designadamente na valoração das declarações da vítima. Neste plano, as contradições, na medida em que não sejam essenciais ou estruturais em face do objeto do processo plasmado na acusação, ao contrário de descredibilizar as declarações da mesma, podem credibilizá-las, uma vez que tenderão a ser o reflexo de um quadro psicológico que tem como pano de fundo uma vivência de agressões físicas e/ou verbais.
Nestes termos, ao analisar as declarações da assistente, em confronto com as declarações do arguido e a conversa tida por ambos e cujo conteúdo consta de fls. 207, entendemos que em nenhum momento é afetada a convicção plasmada na decisão recorrida, não se afigurando existir uma dúvida razoável, como alega o arguido.
Com efeito, a credibilidade das declarações da assistente não é afetada por aquela conversa telefónica, uma vez que esta é apenas um “pequeno pedaço de vida” que não tem a potencialidade de retratar toda a relação vivida entre a assistente e o arguido, como o seu conteúdo em nada contende com as declarações da assistente.
Do seu teor, apenas pode o Tribunal retirar que naquela concreta conversa o arguido expressou o seu mal estar pela situação referindo que “(…) Vocês não têm respeito nenhum. (…)
Aliás, do teor da mesma resulta estarmos perante uma pessoa com dificuldades de controlar os seus impulsos, sendo elucidativo que o mesmo em tal conversa não deixe de referir que “Amanhã de manhã estou aí para partir essa porcaria toda, já que é meu. Não me pagam. Então se não me pagam, vou partir isso tudo… (…) Não me enfrentem à frente das minhas filhas, por favor, pá. Estou cansado de dizer esta merda. Porra, pá. À frente das miúdas, não (…) Vocês estão a despertar o pior que há em mim.”, sendo que as respostas dadas pela assistente demonstram que esta atitude do arguido é constante “Ninguém te enfrentou, MM. Tu é que enfrentas toda a gente.”
Do teor desta conversa apenas resulta o estado de espírito do arguido nesta fase da sua vida, muito consentânea com os relatos feitos pela assistente e, em grande medida, confirmada pelos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento. Ao contrário do que refere o arguido, esta conversa reforça a imagem do arguido como uma pessoa psicologicamente desestabilizada, reforçando a credibilidade de toda a prova que acentua esse elemento na caracterização do comportamento do arguido nas diversas situações descritas na acusação.
Como resulta da motivação do Tribunal a quo, este não valorou apenas as declarações da assistente, antes conjugou a mesma com outros elementos juntos aos autos, designadamente os depoimentos das testemunhas mencionadas pelo recorrente, os quais, de forma conjugada, reforçam a credibilidade daquelas declarações.
Em resumo, apreciada a decisão recorrida, não se constata qualquer erro notório na apreciação da prova, uma vez que a mesma está elaborada de forma equilibrada, lógica e fundamentada. O Tribunal a quo, procedeu à apreciação da prova segundo as regras da experiência e em respeito ao princípio da livre convicção do julgador, pelo que a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de primeira instância está naturalmente melhor apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, porquanto teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e, sobretudo, o modo como estes foram prestados.
No caso em apreço, a prova produzida consente as ilações retiradas pelo Tribunal a quo e as regras da experiência não a contradizem, sendo que este apreciou a prova de modo lógico-racional, objetivo e motivado, com respeito pelas regras da experiência comum, não competindo a este tribunal ad quem censurar a decisão recorrida com base na convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida, sob pena de se postergar o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código Processo Penal.
Por conseguinte, inexiste qualquer violação do artigo 127º do Código de Processo Penal, não merecendo censura a decisão de facto e, como tal, não se altera a matéria de facto.
Vem o arguido, neste contexto, alegar que o Tribunal a quo devia ter dado como não provado tais factos, por aplicação do princípio in dubio pro reo, porque estando em causa duas visões contraditórias, deveria subsistir a dúvida quanto à prova dos referidos factos.
Este princípio decorre do princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição revista, p. 519), “Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa”.
A Jurisprudência do STJ tem vindo a entender que a violação do princípio in dubio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova, mas a sua existência só pode ser afirmada, desde logo, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma mais do que evidente, que o tribunal, v. g., na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
Todavia, estando em causa a apreciação do recurso por parte do Tribunal da Relação – o qual não está limitado à apreciação das questões de direito – sufragamos o entendimento plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.05.2019 (ECLI:PT:TRE:2005:2328.04.1.B4), que defende, “Para quem entenda que apenas o estado de dúvida subjectivamente sentida pelo julgador constitui o pressuposto específico do princípio in dubio pro reo, aquele princípio não se mostrará violado quando o tribunal de julgamento não se confrontou com dúvida séria sobre a prova do facto desfavorável ao arguido. Uma outra abordagem da questão é a de que o princípio in dubio pro reo deve ser entendido objectivamente, não se exigindo a dúvida subjectiva ou histórica, para que possa ocorrer a sua violação. Nesta perspectiva – que é a nossa -, no caso de o tribunal dar como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, mesmo que não tenha manifestado ou sentido a dúvida, mesmo que não a reconheça, há violação do princípio se, do confronto com a prova produzida, se conclui que se impunha um estado de dúvida. Ou seja: fora dos limites do erro notório na apreciação da prova, o recurso da decisão de facto, no âmbito da impugnação ampla, habilita a Relação, que conhece de facto, a reapreciar as provas, a formular a sua livre convicção quanto às mesmas e a determinar se o tribunal de 1.ª instância, independentemente de se ter visto subjectivamente confrontado com a situação de dúvida, julgou provado facto desfavorável ao arguido apesar de a prova disponível não permitir, de forma racional e objectiva, à luz das regras da experiência e/ou de regras legais ou princípios válidos em matéria de direito probatório, ultrapassar o estado de dúvida sobre a realidade do facto (neste sentido, o acórdão da Relação de Évora, de 13/09/2016, processo 89/15.8GTABF.E2, relator António João Latas)” (no mesmo sentindo, vide Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de Inimputáveis e « In Dubio Pro Reo», Coimbra Editora)
Este entendimento não pode, todavia, deixar de ter em atenção que a apreciação feita pelo Tribunal da Relação é sempre de segundo grau, sem a necessária imediação do Tribunal de primeira instância, o que poderá condicionar as suas próprias conclusões quanto à valoração da prova produzida. Por outro lado, a aplicação deste princípio «não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos.» (neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.03.2004 - ECLI:PT:TRP:2004:0315046.29)
Este princípio, constituindo-se um princípio de prova, consubstancia uma verdadeira regra de decisão, nas situações que produzida a prova e efetuada a sua valoração, não ficou demonstrado a culpa do acusado para além de toda a dúvida razoável, subsistindo no espírito do Julgador uma dúvida insanável sobre a verificação ou não de determinado facto, não sendo admissível uma decisão de non liquet ou qualquer inversão do ónus da prova. Nestes casos, deve este decidir sempre a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
Como afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.01.2008 (ECLI:PT:STJ:2008:07P4198.95), “a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade»: «no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador - juiz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível». Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável (a doubt for which reasons can be given). Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais. (…) a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal.”
O recurso a este princípio por parte do julgador, pressupõe que o mesmo previamente tenha esgotado todos os elementos de análise da prova ao seu dispor, as regras da lógica e as normas de experiência6 aplicáveis ao caso em apreciação e, ainda assim, subsista uma dúvida inultrapassável, insuscetível de ser superado por qualquer esforço adicional de prova. Só nesta situação, o Julgador, perante “ duas ou mais perspetivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis”, não podendo proferir uma decisão de non liquet, deve decidir “por aquela que favorece o réu”.
Por outro lado, “Tem entendido este Supremo Tribunal de Justiça, (…) [que] só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art.º 127.º do CPP” (Ac. de 19/10/2000, proc. n.ºs 2728/00-5 e 1552/01-5).
Neste sentido, a violação deste princípio só pode ocorrer em concreto, uma vez que só em concreto pode ocorrer a conclusão de que permanece uma dúvida importante e séria sobre o ato externo e a culpabilidade do arguido. Tal aferição não pode ser feita em abstrato. Se as provas levadas em conta forem legais, só em concreto se pode aferir se o tribunal ficou, ou devia ter ficado, com dúvidas relevantes.
Ora, no caso em apreço, como resulta evidente da motivação da decisão de facto, em nenhum momento, quanto aos factos dados como provados, o Tribunal a quo ficou com qualquer dúvida sobre a prova, a sua valoração e relevância na afirmação dos factos dados como provados, pelo que não pode pôr-se a questão de violação do princípio in dubio pro reo.
Não vislumbramos na sentença recorrida, quer na matéria de facto julgada provada, quer na sua fundamentação, que, ao fazer esta opção fáctica, o Tribunal a quo tivesse tido qualquer hesitação quanto à valoração da prova, não se vislumbrando também que, na concreta situação dos autos, devesse ter tido qualquer dúvida.
Deste modo, mostrando-se a opção fáctica feita pelo Tribunal a quo baseada em prova produzida e constante dos autos, e à qual o Tribunal atribuiu credibilidade e verosimilhança, nenhum reparo merece a decisão recorrida, sendo evidente que o recorrente não indicou prova que obrigasse a decisão diferente da adotada pelo Tribunal a quo, apenas com a ressalva já supre mencionada.
Sendo os factos dados como provados na sentença recorrida conclusões lógicas da prova produzida em audiência e plausíveis face a essas provas, a convicção assim formada pelo julgador não pode ser censurada, sob pena de violação do princípio da livre apreciação da prova.
Consequentemente, inexistindo qualquer erro de julgamento ou qualquer violação do princípio in dubio pro reo, impõe-se manter a matéria de facto nos precisos termos fixados pela 1ª Instância.
Daqui decorre que não existe qualquer violação do direito à presunção da inocência e do princípio do in dúbio pro reo, constitucionalmente previstos no art.º 32.º, n.º 2 da CRP.
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Vem ainda o recorrente alegar que, “, ainda que sejam dados como provados todos os factos, ou alguns, dos factos dados como provado, não podem os mesmos ser vistos como forma de atingir a dignidade enquanto pessoa, esposa e posteriormente ex-esposa. (…) Tem de ser visto, numa situação de conflito entre duas pessoas que se acabaram de divorciar e que têm pendente um litígio relativo à regulação do exercício das responsabilidades parentais das suas filhas menores. Altura em que são ditas coisas que efetivamente não se querem dizer, apenas com o intuito de machucar, magoar o interlocutor, e não para atingir a sua dignidade enquanto pessoa.” Conclui, entendendo que “não se encontram preenchidos todos os elementos do tipo do crime de violência doméstica”.
Colocando o arguido a questão no âmbito do preenchimento dos elementos típicos objetivos e subjetivos do crime de violência doméstica, é necessário concretizar tais elementos.
No caso em apreço recorrente foi condenado pela prática, como autor material, de um crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1, als. a) e c) n.º 2, al. a) do Código Penal.
Dispõe este normativo, «1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge; (…); c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou (…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 2 - No caso previsto no número anterior, se o agente: a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou (…) é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.»
Tal ilícito surge na sequência do crime de maus-tratos da previsão do art.º 153.º, do Código Penal de 1982, que, por sua vez, tinha como fonte os §§ 92.º e 93.º do StGB Austríaco.
O bem jurídico protegido no crime de violência doméstica é complexo, abrangendo a integridade corporal, saúde física e psíquica e dignidade da pessoa humana, em contexto de coabitação conjugal ou análoga e mesmo após cessar aquela coabitação.
Este normativo penaliza a violência na família que suscita maiores preocupações, não tendo sequer escapado à atenção do Conselho da Europa, que cedo a caracterizou como «acto ou omissão cometido no âmbito da família por um dos seus membros, que constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade de um outro membro da mesma família ou que comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade» (Projecto de Recomendação e de Exposição de Motivos, do Comité Restrito de Peritos Sobre a Violência na Sociedade Moderna — 33.ª Sessão Plenária do Comité Director para os Problemas Criminais, BMJ 335-5).
Com este normativo visa-se a protecção do bem jurídico saúde - bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal e saudável desenvolvimento da personalidade da criança ou do adolescente, agrave as deficiências destes, afectem a dignidade pessoal do cônjuge, prejudiquem o possível bem estar dos idosos ou doentes, ou sujeitem os trabalhadores a perigos para a sua vida ou saúde (cf. Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, p. 332).
Estamos em face de um crime específico próprio ou impróprio conforme as condutas praticadas, exigindo-se uma situação em que a vítima esteja para como agente numa relação de subordinação existencial (à sua guarda), laboral ou numa relação de coabitação conjugal ou análoga.
Releva aqui, de forma especial, tratar-se de um crime de maus-tratos físicos ou psíquicos, o que afasta as meras ofensas à integridade física. Necessário se torna, pois, que se reitere o comportamento, em determinado período de tempo, admitindo-se, contudo, que um singular comportamento possa ter uma carga suficientemente demonstradora da humilhação, provocação, ameaças, mesmo que não abrangidas pelo crime de ameaças, do ato de molestar o cônjuge ou equiparado.
Trata-se, no fundo, de garantir uma tutela especial e reforçada face ao perigo ou à ameaça de prejuízo sério e frequentemente irreversível para a paz e o bem-estar físico e psíquico da vítima que decorre do quadro específico em que são perpetradas as agressões, configurador de uma situação de maus tratos.
O importante é, pois, analisar e caracterizar o quadro global da agressão física e/ou psíquica, de forma a determinar se ela evidencia um estado de degradação, enfraquecimento, ou aviltamento da dignidade pessoal da vítima que permita classificar a situação como de maus tratos.
O que conta é saber se a conduta do agente, pelo seu carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, é susceptível de ser classificada como “maus tratos”. Pois se assim for, e ainda que não tenha chegado a produzir-se um dano efectivo, é de admitir a existência de um perigo para a vida e para a saúde da vítima, que o legislador, consciente do padrão de comportamento deste tipo de agressores (por regra, intensifica o caudal de violência ou de manipulação da vítima ao longo do tempo), procura protegê-la por antecipação e de forma reforçada.
Tudo isto resultante de uma nova consciência da gravidade que tais comportamentos violentos, muitos deles ocorridos “intra-muros”, têm na ruptura do relacionamento em sociedade, mormente quando as mulheres são as suas vítimas, seguindo-se, ao nível de política criminal, os mais recentes tratados, conferências e recomendações internacionais2, com destaque a nível europeu para as Directrizes da UE relativas à violência contra as mulheres e à luta contra todas as formas de discriminação de que são alvo.
No caso de comportamentos que envolvem ex-cônjuges, como refere Nuno Brandão, “O que parece ter estado em causa no alargamento do âmbito de aplicação do crime de violência doméstica aos maus tratos sobre ex-cônjuges ou ex-companheiros é a necessidade político-criminal de reagir aos comportamentos retaliatórios e fortemente perturbadores da paz do ex-parceiro perpretados por aquele que não se conforma com o fim da relação ou não o suporta ver assumir um novo projecto de vida autónomo7
Quanto ao elemento subjetivo exige-se que o arguido tenha conhecimento daquela relação pressuposta na agravação e que queira molestar física e/ou psicologicamente a vítima.
No caso em apreço, entende o recorrente que os factos que lhe são imputados, ainda que sejam dados como provados, “não podem os mesmos ser vistos como forma de atingir a dignidade enquanto pessoa, esposa e posteriormente ex-esposa”, antes “Tais factos, têm de ser vistos num contexto em que o ora RECORRENTE é colocado fora do quarto do casal, passando a dormir noutro quarto, em que tenta chamar à razão a ASSISTENTE para o que se está a passar na vida do casal. Com o intuito de evitar algo que acabou por acontecer, que foi o término de uma relação que o ora RECORRENTE esperava ser para sempre. Tem de ser visto, numa situação de conflito entre duas pessoas que se acabaram de divorciar e que têm pendente um litígio relativo à regulação do exercício das responsabilidades parentais das suas filhas menores. Altura em que são ditas coisas que efetivamente não se querem dizer, apenas com o intuito de machucar, magoar o interlocutor, e não para atingir a sua dignidade enquanto pessoa». Mais entende que para que haja um crime de violência doméstica, “em de existir um objetivo por parte de quem comete o crime, de intimidar, punir ou humilhar o parceiro, de lhe recusar qualquer dignidade humana, por forma a abalar a sua segurança pessoa, o seu amor-próprio ou a sua personalidade.”
Com tais alegações, o recorrente parece querer justificar os seus atos com o contexto de separação do casal, como se o mesmo pudesse não só enquadrar, mas, principalmente, justificar tal comportamento.
Uma visão jurídico-penal consentânea com uma visão moderna das relações intersubjetivas não pode aceitar tal entendimento. Os relacionamentos entre duas pessoas estabelecem-se como forma de concretização de um projeto de vida, de afirmação da dignidade de ambos num contexto relacional, o qual não diminui a esfera de direito de cada um, antes potencia-os enquanto modo de desenvolvimento daquele projeto de vida.
A existência de uma relação conjugal ou análoga presente ou passada, não enfraquece a afirmação da dignidade de cada indivíduo dessa relação, antes torna o outro um garante ativo que a mesma se concretiza e desenvolve em harmonia com o projeto de vida traçado pelos dois. Deste modo, a existência de uma relação conjugal ou o contexto de uma separação, não só não pode levar a uma diminuição das exigências valorativas sobre os comportamentos tidos por cada um, antes pelo contrário, torna a avaliação de tais condutas mais exigente, porquanto sobre cada um recai um acrescido dever de respeito em relação ao outro.
Com efeito, a proximidade existencial inerente a uma relação conjugal ou análoga, torna cada um dos indivíduos da mesma mais vulnerável aos ataques do outro, não só pela sua proximidade física e menor capacidade de proteção de terceiros (designadamente familiares próximos e amigos), uma vez que muitas vezes tudo se passa “entre as paredes da casa de morada de família”, sem testemunhas, mas principalmente pela vulnerabilidade emocional da vítima de tais ataques. Neste contexto de grande proximidade, quaisquer expressões proferidas têm um peso acrescido, potenciando situações de especial quebra na autoestima da vítima, de diminuição da sua capacidade de autorreferenciação em relação aos outros, independentemente da intenção do agressor ao proferir tais expressões.
Neste plano, as condutas praticadas por um dos cônjuges, mesmo aquelas que se reconduzem a meras agressões verbais, têm sempre subjacente um contexto de afirmação de um poder em relação ao outro, consubstanciado na capacidade que as suas condutas têm para condicionar e perturbar psicologicamente o outro.
No caso em apreço, tal é manifesto. Desde logo, porque o arguido durante a constância do matrimónio mantinha um controlo sobre a BB - sobre onde a mesma estava e com quem falava -, o que por si consubstancia já um inaceitável condicionamento psicológico da mesma. Acresce que o mesmo não se coibiu de fazer afirmações que dizendo respeito a aspetos da intimidade do casal, ou da relação que a vítima com as filhas, têm a potencialidade devastadora de afetar psicologicamente a outra pessoa.
Dizer à vítima, quando esta não queria ter relações sexuais com ele, que “se não tivesse em casa que ia procurar fora” ou mais tarde que “Não sabes tratar das tuas filhas, és má mãe, má mulher, és burra, não vales nada, não serves para nada. (…) Se eu quiser nunca mais metes a vista nas tuas filhas ”, ou ainda quando a mesma pediu o divórcio que “A partir de hoje, ou aceitas a reconciliação ou vou-te retirar a única coisa que te importa que são as tuas filhas”, é uma atuação paradigmática consubstanciadora do crime de violência doméstica, porquanto é devastadora para o equilíbrio psicológico da vítima.
Acresce que mesmo depois da separação, o arguido não se coibiu de maltratar a BB, dizendo-lhe “Vou acabar com a tua carreira profissional, és má mãe, não prestas para nada, não vales nada, és uma inútil, não prestas como mulher. (…) Eu qualquer dia vou aí a tua casa e parto essa merda toda. Tu e a tua família despertam o pior em mim e qualquer dia dou cabo de ti, não sabes do que eu sou capaz. (…) Vocês despertam o pior que há em mim. (…) Se algum dia alguém fizer mal às meninas, eu mato-te, eu dou cabo de ti!».
Em resumo, toda esta factualidade é de tal modo grave e atentatória dos mais elementares deveres que ao arguido se impunha relativamente à BB, quer na constância do casamento, quer após a separação, que não podemos deixar de concluir que estamos perante uma atuação reiterada do arguido que é idónea a provocar lesões físicas, abalo e intranquilidade psicológica naquela, preenchendo, desse modo, o elemento objetivo do crime em apreço.
Por outro lado, como consta dos factos provados, “Com as condutas descritas, o arguido quis e conseguiu ofender BB na sua honra e dignidade, na sua integridade física, e na sua liberdade pessoal e sexual, por forma a que esta se sentisse lesada na sua dignidade enquanto ser humano, sua esposa e posteriormente ex-esposa, o que igualmente conseguiu, bem sabendo que praticando parte desses actos no interior da residência comum do casal, estava a privá-la de qualquer possibilidade de reacção, causando-lhe um profundo sentimento de insegurança, e não se coibindo ainda assim de praticar alguns deles na presença das filhas menores.
O arguido actuou com o propósito alcançado de atingir e lesar o corpo e saúde de BB, sabendo que dessa forma lhe causaria dores.
Sabia o arguido que as expressões dirigidas a BB eram insultuosas e que a ofendiam na sua honra e consideração, o que logrou conseguir.
E que as expressões ameaçadoras que lhe dirigiu, considerando todas as circunstâncias que as rodearam foram proferidas de forma a provocar-lhe receio e inquietação, o que logrou conseguir.
O arguido actuou sempre com intenção de maltratar física e psiquicamente BB, o que de facto veio a conseguir.
O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal
Deste modo, está também preenchido o elemento subjectivo, pelo que dúvidas não restam que o arguido cometeu o crime pelo qual foi condenado, não merecendo qualquer reparado a decisão recorrida em todos os seus planos.
Nestes termos, improcede, na sua totalidade, o presente recurso.
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IV – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação:
1. Negar provimento ao recurso, confirmando integralmente a sentença recorrida.
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Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs [artigos 513.º, n.o 1, do CPP e 8.º, n.º 9 do RCP e Tabela III anexa].
Notifique.
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Lisboa, 4.6.2024
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP -, com assinaturas eletrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do art.º 19.º da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09)
João Ferreira
Manuel Advínculo Sequeira
Manuel José Ramos da Fonseca
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1. Como refere Jaime Torres (Presunción de Inocencia y Prueba en el Proceso Penal, pág. 65), importa distinguir dois tipos diferentes de regras de experiência: as de conhecimento geral ou, dito por outra forma, as regras gerais empíricas cujo conhecimento se pressupõe existente em qualquer pessoa que tenha um determinado nível de formação geral e, por outro lado, as máximas de experiência especializada cujo conhecimento só se pode supor em sujeitos que tenham uma formação especifica num determinado ramo de ciência, técnica ou arte. (citado por Santos, Manuel Simas, Leal-Henriques, Manuel & Santos, João Simas (2020). “Noções de Processo Penal”. Letras e Conceitos, Lda., 4.ª edição, p. 656.
2. Como refere Jaime Torres (Presunción de Inocencia y Prueba en el Proceso Penal, pág. 65), importa distinguir dois tipos diferentes de regras de experiência: as de conhecimento geral ou, dito por outra forma, as regras gerais empíricas cujo conhecimento se pressupõe existente em qualquer pessoa que tenha um determinado nível de formação geral e, por outro lado, as máximas de experiência especializada cujo conhecimento só se pode supor em sujeitos que tenham uma formação especifica num determinado ramo de ciência, técnica ou arte. (citado por Santos, Manuel Simas, Leal-Henriques, Manuel & Santos, João Simas (2020). “Noções de Processo Penal”. Letras e Conceitos, Lda., 4.ª edição, p. 656.
3. Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª ed., pág. 1094), delimitando de forma positiva este vício, dá-nos conta que constituí erro notório na apreciação da prova, posto que ressalte do texto da decisão, “o erro sobre facto notório, neles se incluindo factos históricos do conhecimento geral; a ofensa das leis da natureza (isto é, das leis físicas e mecânicas); a consideração como provado de facto física ou mecanicamente impossível; a consideração como não provado de facto em violação da regra tertium non datur; a ofensa das leis da lógica (Denkengesetze); a valoração da não confissão (mesmo que conjugada com outros meios de prova) para fundamentar os factos provados; a valoração da confissão integral para fundamentar os factos não provados; a incompatibilidade entre um facto objetivo provado e um facto subjetivo provado; a incompatibilidade entre um facto subjetivo não provado e um facto objetivo não provado; a incompatibilidade entre um facto objetivo provado e um facto subjetivo não provado; a incompatibilidade entre um facto subjetivo provado e um facto objetivo não provado; a incompatibilidade entre o meio de prova invocado na fundamentação e os factos dados como provados com base nesse meio de prova (por exemplo, a incompatibilidade entre o conteúdo do documento invocado na fundamentação e o facto dado como provado com base nesse meio de prova); a ofensa dos conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos (por exemplo, a afirmação de que a ereção é sinónimo da voluntariedade da participação no ato sexual)”.
Por seu turno, agora delimitando de forma negativa este vício, diz-nos que não constituem erro notório na apreciação da prova os seguintes casos: “o erro de escrita (este vício constitui uma irregularidade da sentença – art.º 380.º, n.º 1., alínea b) do Código de Processo Penal ); o erro de direito (v.g. a violação das regras que regulam o modo de formação da convicção, isto é, os graus de convicção necessários para a decisão, as proibições de prova, a presunção da inocência, a violação do princípio in dubio pro reo, a ofensa do caso julgado); a omissão de diligências "essenciais" para a descoberta da verdade (este vício constitui uma nulidade do julgamento - art.º 120.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Penal); a omissão de diligências "necessárias" para a descoberta da verdade (este vício constitui uma irregularidade do julgamento); a omissão de pronúncia sobre questões de que o tribunal devesse conhecer (este vício constitui uma nulidade da sentença – art.º 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal); a contradição com meios de prova, incluindo documentos constantes dos autos, mas não ponderados ou ponderados erroneamente na sentença (este vício pode ser conhecido no recurso da decisão sobre a matéria de facto); o erro na apreciação dos depoimentos da audiência (com base na documentação da prova) (este vício só pode ser conhecido no recurso da decisão sobre a matéria de facto).”
4. Cf. Sérgio Poças “Da sentença penal – fundamentação de facto”, em Revista Julgar nº 3, pág. 38.
5. Quanto a este princípio, é importante salientar que a convicção do julgador terá sempre de ser uma convicção possível e explicável pelas regras da lógica e da experiência comum.
6. As normas da experiência são “...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto «sub judice», assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.” -Cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, Vol. II, pág.300.
7. Cfr. A Tutela Penal Especial Reforçada da Violência Doméstica, Julgar n.º 12, 2010, pág. 4.