Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CAPACETE | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO FINS HABITACIONAIS PRAZO DE RENOVAÇÃO NÃO ENTREGA DO LOCADO INDEMNIZAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/21/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. O prazo de renovação de um contrato de arrendamento para fins habitacionais, celebrado em 1 de outubro de 2016, data em que vigorava o art. 1096.º do CC, com a redação da Lei n.º 31/2012, de 14.08, é o de um ano e não o de três anos a que alude o n.º 1 do art. 1096.º do CC, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12.02. 2. As partes podem acordar livremente na indemnização devida em caso de incumprimento da obrigação de restituição do locado no fim do contrato, não estando sujeitas ao disposto no art. 1045.º do CC; 3. (...) pois não se trata de uma norma que regule a vigência do contrato de arrendamento, mas de uma norma que regula o modo de indemnizar o senhorio pela não entrega atempada do locado, findo o contrato de arrendamento. 4. Não imperando aqui o vinculismo próprio do arrendamento urbano para habitação, vigora o princípio da liberdade contratual estabelecida no art. 405.º do CC. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO: BS e RS, intentaram, no Balcão do Arrendamento e do Senhorio, procedimento especial de despejo contra SN, alegando o seguinte: «1. Entre os Requerentes e o Requerido foi celebrado um contrato de arrendamento habitacional referente à fração habitacional com a letra _, correspondente ao -º andar do prédio em regime de propriedade horizontal denominado ____, sito na ____, na freguesia e concelho de ____; 2. A. O Contrato de Arrendamento inicial terminou a 6 de outubro de 2018, tendo as partes acordado a prorrogação da duração do mesmo, pelo prazo máximo de um ano, ou seja, até 6 de outubro de 2019, conforme Aditamento assinado em 31 de Janeiro de 2019; 3. Novamente em 6 de outubro de 2019 as partes acordaram nova renovação do Contrato tendo o mesmo o seu terminus no próximo dia 5 de outubro de 2021: 4. Em 2022, procedeu-se a nova renovação extraordinária até 5 de outubro de 2022; 5. Tendo sido efetuada nova renovação extraoridnária em outubro de 2022, terminando o contrato a 5 de outubro de 2023; 6. Em julho de 2023 os Requerentes informaram o Requerido que não iriam aceitar qualquer renovação extraordinária do contrato de arrendamento, pelo que este teria de entregar o locado livre de pessoas e bens até o dia 05/10/2023; 7. Sucede que o Requerido, não entregou o locado e em outubro foi enviada nova carta solicitando a entrega do mesmo ao Requerido, a qual não surtiu qualquer efeito; 8. O valor da renda acordado no ano de 2022 foi de € 340 mensais, conforme aditamento junto; 9. Ficou acordado entre as partes no nº 6 da Clausula Sexta do Contrato de Arrendamento, que caso o Requerido não entregasse o locado na data de cessação do contrato ficaria obrigado a pagar o triplo da renda do montante inicialmente convencionado de renda (300€), por mês, até efetiva entrega do locado; 10. Assim, tendo o contrato cessado em 05/10/2023, deve o Requerido aos Requerentes a quantia mensal de € 900, até entrega do locado, e que nesta data se fixam em € 3.600; 11. Ao valor peticionado deverá ser deduzida a quantia de € 1.360 uma vez que, o Requerido continua a pagar mensalmente a quantia de € 340, não obstante o contrato ter terminado e os Requerentes não lhe conseguem devolver o valor porque desconhecem a sua conta bancária e os bancos também não informam por motivos de sigilo bancário; 12. Assim, deve o Requerido aos Requerentes a quantia de €2.240, acrescida da quantia mensal de € 900 até que seja efetivamente entregue o locado». * O requerido deduziu oposição, alegando que o contrato de arrendamento invocado pelos requerentes se mantém em vigor e a ser pontualmente cumprido. Conclui pugnando no sentido de que «o presente procedimento não deve ser admitido por improcedente, não devendo, em consequência ser exigida qualquer indemnização». * Remetidos os autos a juízo, foi proferido despacho a convidar as partes a aperfeiçoarem os respetivos articulados. Notificadas as partes, os requerentes apresentaram novo articulado, que concluem assim: «Termos em que, Deverá V. Exa. decidir pela procedência da ação, e em consequência: A) Declarar resolvido o contrato de arrendamento que vigorava entre Autores e o Réu com efeitos a 05/10/2023. B) Condenar o Réu a entregar à Autora, completamente livre e devoluto de pessoas e bens a fração habitacional com a letra _, correspondente ao -º andar do prédio em regime de propriedade horizontal denominado ____, sito na ____, na freguesia e concelho de ____, inscrito na matriz predial sob o artigo ____-N de ____; C) Condenar o Réu a pagar aos Autores a quantia de €2.240, acrescida da quantia mensal de € 900 até que seja efetivamente entregue o locado, a título de indemnização conforme nº 6 da Clausula Sexta do Contrato de Arrendamento e artigo 1045.º/1, do Código Civil». * O requerido também apresentou novo articulado, concluindo nos mesmos termos em que o havia feito na oposição ao requerimento inicial. * Subsequentemente foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte: «Nesta conformidade, julga-se improcedente a presente acção e absolve-se o requerido do pedido». * Inconformados, os requerentes interpuseram o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações: «A. Por intermédio da, aliás, Douta Sentença recorrida, o Tribunal de 1.ª instância julgou improcedente a ação - Procedimento especial de despejo - interposta pelos Autores, aqui Recorrentes, absolvendo o Réu do pedido, entendendo que o Contrato de Arrendamento existente entre os Recorrentes e o Recorrido ainda está em vigor. B. Entre os Requerentes e o Requerido foi celebrado no ano de 2013 um contrato de arrendamento habitacional referente à fração habitacional com a letra _, correspondente ao -º andar do prédio em regime de propriedade horizontal denominado ____, sito na ____, na freguesia e concelho de ____. C. O Contrato de Arrendamento inicial terminou a 6 de outubro de 2018, tendo as partes acordado a prorrogação da duração do mesmo, pelo prazo máximo de um ano, ou seja, até 6 de outubro de 2019, conforme Aditamento assinado em 31 de janeiro de 2019. D. Novamente em 6 de outubro de 2019 as partes acordaram nova renovação do Contrato tendo o mesmo o seu terminus no próximo dia 5 de outubro de 2021. E. Em 2022, procedeu-se a nova renovação extraordinária até 5 de outubro de 2022. F. Tendo sido efetuada nova renovação extraordinária em outubro de 2022, terminando o contrato a 5 de outubro de 2023. G. Sucede que o Requerido, não entregou o locado e em outubro foi enviada nova carta solicitando a entrega do mesmo ao Requerido, a qual não surtiu qualquer efeito. H. Ora, entendeu o Tribunal a quo que se aplicaria o previsto no nº 1 do art. 1096º do Código Civil e que, na renovação datada de 5 de outubro de 2022, o contrato teria se renovado automaticamente por mais três anos, estando assim em vigor, pelo menos até 5 de outubro de 2025. I. Sucede que, as renovações que foram sendo efetuadas anualmente, após o fim do contrato inicial em 2018, foram feitas de modo excecional porque o Recorrido alegava não ter onde morar; J. Todos os anos, o Recorrido alegava a mesma situação, e os Recorrentes, por pena, anuíam numa renovação excecional, sendo que esta situação se repetiu em 2019, 2020, 2021 e a última em 2022. K. Ora, na última renovação assinada entre os Recorrentes e o Recorrido em 2022 ficou a constar da Cláusula Primeira (junta aos presentes autos com a referência 5684065 datada de 13/03/2024), que: 1. “Os senhorios acordam em prorrogar, excecionalmente, a duração do Contrato de Arrendamento celebrado entre ambos em 6 de outubro de 2013 até ao dia 05 de outubro de 2023, mantendo-se as restantes cláusulas em vigor. 2. O arrendatário obriga-se a entregar o Locado livre de pessoas e bens em 6 de outubro de 2023. 3. O valor mensal da renda mantem-se nos € 340 (trezentos e quarenta euros).” L. Ora, ficou especificadamente convencionado entre os Recorrentes e o Recorrido que o contrato terminaria a 6 de outubro de 2023, ficando este último obrigado a entregar o Locado livre de pessoas e bens a 6 de outubro de 2023, o que não o fez. M. Temos, pois, que, entendem os Recorrentes, que havendo acordo explícito, deveria se aplicar a primeira parte do nº 1 do artigo 1096º do Código Civil, ou seja, havendo convenção em contrário, não se aplica a segunda parte da referida norma legal, não tendo havido qualquer renovação automática de 3 anos; N. De referir que, a aplicação do nº 1 do artigo 1096º é supletiva, e apenas visa assegurar que os contratos de arrendamento para habitação durem no mínimo 3 (três) anos. O. No caso em discussão nestes autos, o contrato vigorou durante 10 (dez) anos, não sendo por este motivo aplicável o nº 1 do art. 1096º, como foi o entendimento do o Tribunal a quo. P. (...). Q. Neste sentido, ao decidir diversamente, improcedendo a ação interposta pelos Recorrentes, o Tribunal de 1.ª instância interpretou e aplicou incorretamente (e violou), os arts. 1096º/nº 1 e 405º/nº 1 do Código Civil». Concluem assim: «Nestes termos, e sempre com o Douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao Recurso, e, consequentemente, a Douta Sentença recorrida ser revogada, condenando-se, em substituição da mesma, o Recorrido na entrega do Locado aos Recorrentes e no pagamento do valor triplo da renda do montante inicialmente convencionado de renda (300€), por mês, até efetiva entrega do locado. Como é de Lei e de Justiça!!!» * O requerido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da sentença recorrida. *** II – ÂMBITO DO RECURSO: Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso. Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º). Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, ex vi do art. 663.º, n.º 2). À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir: I. Se o contrato de arrendamento: a) se extinguiu por caducidade no dia 6 de outubro de 2023; ou, b) se renovou até 6 de outubro de 2025; II. Na hipótese referida em I.a), se os requerentes têm direito a ser indemnizados pelo requerido nos termos peticionados. *** III – FUNDAMENTOS: 3.1 – Fundamentação de facto: A sentença recorrida considerou provado o seguinte: «1. Entre os Requerentes e o Requerido foi celebrado um contrato de arrendamento habitacional referente à fração habitacional com a letra _, correspondente ao _º andar do prédio em regime de propriedade horizontal denominado ____, sito na ____, na freguesia e concelho de ____. 2. A. O Contrato de Arrendamento inicial terminou a 6 de outubro de 2018, tendo as partes acordado a prorrogação da duração do mesmo, pelo prazo máximo de um ano, ou seja, até 6 de outubro de 2019, conforme Aditamento assinado em 31 de Janeiro de 2019. 3. Novamente em 6 de outubro de 2019 as partes acordaram nova renovação do Contrato tendo o mesmo o seu terminus no próximo dia 5 de outubro de 2021. 4. Em 2022, procedeu-se a nova renovação extraordinária até 5 de outubro de 2022. 5. Tendo sido efetuada nova renovação extraordinária em outubro de 2022, terminando o contrato a 5 de outubro de 2023. 6. Em julho de 2023 os Requerentes informaram o Requerido que não iriam aceitar qualquer renovação extraordinária do contrato de arrendamento, pelo que este teria de entregar o locado livre de pessoas e bens até o dia 05/10/2023. 7. Sucede que o Requerido, não entregou o locado e em outubro foi enviada nova carta solicitando a entrega do mesmo ao Requerido, a qual não surtiu qualquer efeito. 8. O valor da renda acordado no ano de 2022 foi de € 340 mensais, conforme aditamento junto. 9. Ficou acordado entre as partes no nº 6 da Clausula Sexta do Contrato de Arrendamento, que caso o Requerido não entregasse o locado na data de cessação do contrato ficaria obrigado a pagar o triplo da renda do montante inicialmente convencionado de renda (300€), por mês, até efetiva entrega do locado». * 3.2 – Fundamentação de direito: 3.2.1 – Quanto à vigência do contrato de arrendamento: O contrato de arrendamento a que se reportam os presentes autos foi celebrado no dia 6 de outubro de 2013, data em que vigorava o art. 1096.º do CC, com a redação da Lei n.º 31/2012, de 14.08. Dispunha assim: «1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias. 3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.» Sucede que no dia 13 de fevereiro de 2019, entrou em vigor a Lei n.º 13/2019, de 12.2, que deu ao art. 1096.º, do CC, a seguinte redação: «1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior. 3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.» No Ac. da R.L. de 10.01.2023, Proc. n.º 1278/22.4YLPRT.L1-7 (Luís Filipe Pires de Sousa), in www.dgsi.pt, escreveu-se o seguinte: «Em primeiro lugar, é patente que as partes são livres de estabelecer o prazo do arrendamento entre os prazos mínimos de um ano e máximo de trinta anos, conforme deflui do Artigo 1095º, nº 2, do Código, na redação da Lei nº 13/2019, de 12.2. Em segundo lugar, da ressalva inicial do nº 2 do Artigo 1096º (“Salvo estipulação em contrário”) decorre que as partes podem, ab initio, convencionar que o contrato de arrendamento não será renovado. Em terceiro lugar, estipulando as partes que o contrato será renovável, são livres de estabelecer prazos diferenciados de renovação, sendo o prazo de três anos (introduzido pela Lei nº 13/2019) um prazo supletivo a aplicar nos casos em que as partes não concretizem o prazo da renovação (silêncio do contrato), apesar de preverem a renovação do contrato. De facto, se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus; cf. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, p. 443). A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº 1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º, nos termos do qual: “3 - A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.” Ou seja, a tutela do inquilino e da estabilidade do arrendamento decorre diretamente desta norma e não propriamente do nº 1 do Artigo 1096º do Código Civil. De facto, a tese (...) segundo a qual, a prever-se a renovação do contrato, esta ocorre imperativamente por um prazo mínimo de três anos sucumbe quando confrontada com o disposto no nº 3 do Artigo 1097º do Código Civil. Na verdade, na lógica dessa tese, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Ora, se assim fosse, o disposto no nº 3 do Artigo 1097º não faria qualquer sentido, tratando-se de uma norma inútil e espúria porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº 3 do Artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo! Ou seja, o direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato. A tutela da estabilidade do arrendamento está aqui e não propriamente no nº 1 do Artigo 1096º. Assim, na discussão da questão em apreço, o elemento interpretativo da lei que mais releva não é propriamente o teleológico, mas sim o sistemático. Conforme explica Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, 2013, p. 360: “O elemento sistemático impõe que a lei seja interpretada no respetivo ambiente sistemático, ou seja, impõe que se passe do preceito para o texto legal que o contém, deste para o respetivo subsistema e, finalmente, deste para o sistema jurídico. Desta afirmação é possível extrair que nenhuma lei deve ser interpretada isolada de outras leis com as quais ela apresenta uma conexão sistemática e que, de entre os vários significados literais possíveis, há que preferir aquele que for compatível com o significado de outras leis. Só assim se dá expressão à unidade do sistema jurídico.» E, mais adiante: «Em matéria de interpretação, a construção dessa unidade implica que deve ser dada preferência a uma interpretação que seja compatível com o maior número possível de regras do mesmo sistema jurídico. A lei interpretada é consistente com as demais do sistema jurídico quando elas se conjugarem harmonicamente entre si» (p. 366). «O contexto horizontal é particularmente importante quando se trata de interpretar uma lei especial ou excecional.. A interpretação de uma lei especial deve tomar em consideração a respetiva lei geral (p. 365).” Conjugando o disposto no nº 1 do Artigo 1096º com o disposto no nº 3 do Artigo 1097º do Código Civil, e acompanhando aqui Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 2ª ed., Almedina, 2020, p. 661, temos que: “Ora, já se viu que o nº 1 do presente artigo só dispõe para o silêncio contratual e, como no art. 1097-3 também não se estabelece qualquer dimensão para o ulterior período de renovação, em si, daí se seguirá, se bem nos parece, que quando pretenda estabelecer-se renovação para um arrendamento habitacional de prazo certo terá de atribuir-se à própria duração desse contrato, pela aplicação conjugada dos dois preceitos, uma duração mínima de três anos.» Em síntese, e mais uma vez, a tutela da estabilidade do contrato está, interpretando-se conjugadamente os preceitos, no estabelecimento de uma duração mínima do contrato de três anos, desde que as partes prevejam a renovabilidade do contrato de arrendamento sem que, nesta eventualidade, haja que fazer aceção do período de renovação expressamente convencionado.» Este acórdão foi subscrito pelo aqui relator na qualidade de 1.º adjunto. No dia 13.07.2023, nesta Relação e Secção, foi proferido acórdão no âmbito do Proc. n.º 1798/22.0YLPRT.L1, relatado pelo também aqui relator[1], onde se sufragou exatamente o mesmo entendimento. No mesmo sentido dos referidos arestos, vejam-se, exemplificativamente: - o Ac. do S.T.J. de 17.01.2023, Proc. n.º 7135/20.1T8LSB.L1.S1 (Pedro de Lima Gonçalves), in www.dgsi.pt; - o Ac. da R.P. de 23.03.2203, Proc. n.º 3966/21.3T8GDM.P1 (Isabel Ferreira), in www.dgsi.pt, assim como a doutrina e demais jurisprudência neles citados. Retornando ao caso concreto, temos o seguinte: - o contrato de arrendamento para fins habitacionais foi celebrado no dia 6 de outubro de 2013; - pelo prazo de «um ano (1) ano renovável até ao limite máximo de cinco anos a contar do dia 06 de Outubro de 2013 (...)»; - «O Contrato de Arrendamento inicial terminou a 6 de outubro de 2018, tendo as partes acordado a prorrogação da duração do mesmo, pelo prazo máximo de um ano, ou seja, até 6 de outubro de 2019, conforme Aditamento assinado em 31 de Janeiro de 2019»; - «Novamente em 6 de outubro de 2019 as partes acordaram nova renovação do Contrato tendo o mesmo o seu terminus no próximo dia 5 de outubro de 2021»; - «Em 2022, procedeu-se a nova renovação extraordinária até 5 de outubro de 2022»; - «(...) tendo sido efetuada nova renovação extraordinária em outubro de 2022, terminando o contrato a 5 de outubro de 2023»; - Em julho de 2023 os Requerentes informaram o Requerido que não iriam aceitar qualquer renovação extraordinária do contrato de arrendamento, pelo que este teria de entregar o locado livre de pessoas e bens até o dia 05/10/2023». Temos, assim, que o contrato de arrendamento se renovou em outubro de 2022, por mais um ano, ou seja, até 5 de outubro de 2023. Sucede que, no decurso desse prazo da renovação em curso, os senhorios, aqui requerentes, informaram o inquilino, aqui requerido, que não iriam aceitar qualquer renovação extraordinária do contrato de arrendamento. Por conseguinte, e à luz dos considerandos anteriormente expendidos, o terminus do contrato de arrendamento sub judice ocorreu no dia 5 de outubro de 2023, data a partir da qual impendia sobre o arrendatário, aqui recorrido, o dever de restituir o locado aos senhorios, aqui recorrentes. A restituição da coisa, findo o contrato constitui uma obrigação do arrendatário (art. 1038.º, al. i), do CC), surgindo como uma consequência da natureza temporária do arrendamento (art. 1022.º do CC). No concreto âmbito do arrendamento urbano, dispõe o art. 1081.º, n.º 1, do CC, que «a cessação torna imediatamente exigível, salvo se outro for o momento legalmente fixado ou acordado pelas partes, a desocupação do local e a sua entrega (...).» Em suma: impende sobre o recorrido a obrigação de desocupar o local e de o entregar aos recorrentes livre e devoluto de pessoas e bens. 3.2.2 – Quanto à indemnização: Dispõe o art. 1045.º do CC: «1 - Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida. 2 - Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro». O recorrido encontra-se em mora quanto à restituição da coisa locada desde o dia 6 de outubro de 2023. À data da cessação do contrato, o valor da renda mensal ascendia a € 340,00 mensais. Assistiria, por isso, aos apelantes, o direito a receberem do apelado uma indemnização correspondente ao dobro daquele montante, por cada mês decorrido desde a constituição em mora até efetiva restituição do locado. Sucede que, recorrentes e recorrido fizeram constar, no n.º 6 da cláusula sexta do contrato de arrendamento, o seguinte: «Fica comum entre o estabelecido e aceite que no caso de não entrega à PRIMEIRA OUTORGANTE do prédio ou fracção, objecto do presente contrato e findo o prazo nele estabelecido, a renda passará automaticamente para o triplo do montante ora contratado até à efectiva entrega da referida fracção». Conforme refere Menezes Cordeiro, «sendo possíveis cláusulas penais, nenhum óbice existe em que as partes acordem previamente, no próprio contrato ou em acordo subsequente, a indemnização devida pela mora do locatário na restituição da coisa»[2]. Também Menezes Leitão é de parecer que «(...) as partes não estarão impedidas, nos termos do art. 810.º [do CC], de estabelecer uma cláusula penal para o atraso na restituição de montante superior a este[3], desde que não seja de montante manifestamente excessivo (art. 812.º)»[4]. No sumário do Ac. da R.L. de 27.06.2002 (Rel. Urbano Dias), publicado na C.J., Ano XXVII – 2002, Tomo III, consta o seguinte: «III – As partes são livres de acordar na indemnização devida em caso de incumprimento da obrigação de restituição do locado no fim do contrato, não estando sujeitas ao disposto no art. 1045.º do CC». E na fundamentação do acórdão escreveu-se, com reporte ao art. 1045.º do CC: «Não estamos aqui perante uma norma que regule a vigência do contrato de arrendamento, mas sim perante uma norma que regula o modo de indemnizar o senhorio pela não entrega atempada do locado, findo o contrato de arrendamento. Aqui já não impera a razão da natureza vinculística do contrato de arrendamento urbano para habitação. Assim sendo, como é, estamos perante um campo onde a regra é a da liberdade de contratar, estabelecida no art. 405.º do CC». Concordamos com tal entendimento, doutrinal e jurisprudencial, pelo que também a pretensão indemnizatória formulada pelos requerentes, aqui recorrentes, terá de ser julgada procedente. Conclui-se, assim, na procedência da apelação, que a sentença recorrida não pode subsistir, devendo ser substituída por outra decisão que acautele o direito que efetivamente assiste aos requerentes, aqui apelantes. *** IV – DECISÃO: Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação procedente, em consequência do que revogam a sentença recorrida e, por conseguinte: a) declaram cessado, com efeitos a 6 de outubro de 2023, o contrato de arrendamento sub judice, celebrado entre os apelantes e o apelado, tendo por objeto a «fração habitacional com a letra _, correspondente ao _º andar do prédio em regime de propriedade horizontal denominado ____. sito na ____, na freguesia e concelho de ____»; b) condenam o apelado a desocupar a fração referida em a) e a entregá-la aos apelantes, livre e devoluta de pessoas e bens; c) condenam o apelado a pagar às apelantes, pelo atraso na restituição da fração, uma indemnização à razão mensal de € 900,00, desde a data referida em a) supra, até à efetiva entrega do locado, livre e devoluta de pessoas e bens; d) ao montante global que vier a ser apurado nos termos referidos em c) supra, abaterá o valor global dos montantes mensais pagos pelo apelado aos apelantes a título de contrapartida pela ocupação que vem fazendo da fração, desde a data referida em a) supra, até à efetiva entrega da mesma, livre e devoluta de pessoas e bens. As custas do recurso, na modalidade de custas de parte, são a cargo do apelado (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2). Lisboa, 21 de janeiro de 2025 José Capacete Edgar Taborda Lopes Paulo Ramos de Faria _______________________________________________________ [1] Adjuntos: Cristina Coelho e Carlos Oliveira. [2] Tratado de Direito Civil – XI – Contratos em Especial (1.ª Parte), Almedina, 2018, p. 790. [3] Ou seja, ao estabelecido no art. 1045.º, n.º 2, do CC. [4] Arrendamento Urbano, 9.ª Edição, Almedina, 2019, p. 107. |