Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO SANTOS | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA INTERNACIONAL RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL PRINCÍPIO DA COINCIDÊNCIA PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/04/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. - A competência absoluta do tribunal é pressuposto processual que se determina atendendo a como o autor configura o pedido e a causa de pedir; 2. – Alegando o autor ser um profissional de futebol que exerceu predominantemente a sua actividade em Portugal, o que actualmente ainda sucede, e peticionando da ré [com sede nos EUA] uma indemnização por danos causados pela utilização não consentida do seu nome e imagem em videojogos produzidos nos EUA e divulgados por todo o mundo, em causa está um pedido e subjacente causa de pedir que integra a previsão das alíneas a) e b), do art.º 62º, do CPC, sendo o tribunal a quo/português o competente internacionalmente . 3. – Vindo o STJ de há muito a esta parte e em casos semelhantes aos identificados em 4.2. a reconhecer a competência dos tribunais portugueses - segundo os princípios da coincidência e da causalidade - para conhecer de acções de responsabilidade civil extracontratual, propostas por jogadores de futebol [que pedem uma indemnização pela utilização não consentida do seu nome e da sua imagem, em videojogos produzidos nos Estados Unidos da América], e inexistindo razões ponderosas - baseadas em critérios rigorosos, em contributos convincentes da doutrina e/ou em novos argumentos – que justifiquem divergir da referida jurisprudência consensual do STJ, manda a regra do bom senso da prudência, da sabedoria, e da segurança [considerando designadamente a conjugação – para efeitos recursórios - do disposto no art.º 629º, nº 2, alínea a) e art.º 671º, nº 2, alínea a) e nº 3, ambos do CPC] que seja seguida/perfilhada a aludida jurisprudência, assim se abdicando de excessos de autoafirmação, nada consentâneos com o valor da segurança jurídica . | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa * 1.- Relatório. A, residente em Montijo, Portugal, intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra Electronic Arts Inc., com sede na Califórnia, EUA, formulando o seguinte pedido: I) Uma vez a presente acção julgada procedente por provada, seja a Ré condenada a pagar ao Autor; a) a título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade, pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de €132.000,00 (cento e trinta e dois mil euros), de capital, acrescida dos juros vencidos, no montante de €50.018,85 (cinquenta mil e dezoito euros e oitenta e cinco cêntimos), tudo no total de €182.018,85 (cento e oitenta e dois mil e dezoito euros e oitenta e cinco cêntimos) e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei.; b) o montante nunca inferior a €5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido, também, dos juros vencidos, no montante de €2.967,67 (dois mil, novecentos e sessenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos), tudo no total de €7.967,67 (sete mil, novecentos e sessenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos) e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei. 1.1.- Para tanto, invocou o autor, e em síntese, que: - É o autor um jogador de futebol luso-brasileiro, nascido em Minas Gerais, Brasil, sendo que, jogando actualmente em Portugal ao serviço do SC União Torreense, a verdade é que mantém já uma longa carreira como jogador de futebol profissional, sobejamente conhecida no meio do futebol, tendo exercido a sua profissão, maioritariamente, em clubes portugueses, dedicando-se inteiramente à prática desportiva do futebol, com a qual sempre se sustentou a si e à sua família; - Tendo actuado, até este momento, em mais de 500 partidas oficiais como profissional, sempre se destacou na posição de DEFESA, como é conhecido nacionalmente, tendo actuado principalmente no Sporting Clube de Portugal (Portugal), Futebol Clube do Porto (Portugal), Sporting Clube de Braga (Portugal), Club Sport Marítimo(Portugal) e RC Desportivo de Corunha (Espanha), entre outros, o que tudo vem detalhado em pormenor, em páginas de internet da especialidade, o que demonstra a notoriedade do Autor; - Já a Ré é uma empresa líder global em entretenimento digital interactivo, prestando a sua actividade através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à Internet, dispositivos móveis e computadores pessoais, contando para o efeito com várias subsidiárias espalhadas pelo mundo, entre as quais se destaca, na Europa, a EA Swiss Sarl; - Sucede que a Ré, no âmbito da actividade desenvolvida, veio a usar a imagem do Autor [o que faz pelo menos desde Outubro de 2005, data de lançamento do jogo de vídeo FIFA 2006], retratando-o em milhões de jogos de vídeo [v.g. só no jogo FIFA 18 vendeu 24 milhões de unidades em todo o mundo], o que fez sem o seu prévio consentimento [porque o Autor jamais concedeu autorização expressa, ou sequer autorização tácita, a quem quer que fosse, para ser incluído em jogos eletrónicos, jogos de vídeo e aplicativos, quais sejam, FIFA, FIFA MANAGER e FIFA ULTIMATE TEAM – FUT, surgindo naqueles plenamente identificado], sendo que a aludida exploração indevida da imagem e do nome do jogador Autor é renovada em todos os anos por via do lançamento de novas versões dos jogos; - Em rigor, tem portanto a Ré vindo a utilizar a imagem e o nome o autor [v.g. no jogo FIFA 06, o Autor é plenamente identificado, porque o jogo tem a imagem do Autor, o seu nome, a posição em que joga, peso, altura, idade e a referência ao clube CS Marítimo], sem a devida autorização, o que faz para divulgar e disseminar a venda dos seus jogos e, consequentemente, lucrar com isso, o que tudo tem provocado no autor um sentimento de perturbação, desgosto, tristeza e revolta, ao ver a sua imagem e nome utilizados de forma abusiva e ilícita pela Ré; - Ora, vindo desde há muito a Ré a incorrer na violação ilícita e culposa dos direitos e interesses legítimos de personalidade do autor, os quais são claramente indemnizáveis, e, tendo causado com tal violação efectivos danos morais e patrimoniais ao autor, dos mesmos – e tanto os presentes, como os futuros – deve o autor ser reparado/indemnizado, quer relativamente aos danos emergentes, quer os lucros cessantes (artigo 564.º, do Código Civil). 1.2. – Devidamente citada para, querendo, contestar, veio a Ré ELECTRONIC ARTS INC., sociedade de direito norte-americano, fazê-lo, apresentando articulado em 26/4/2021, no âmbito do qual deduziu defesa por excepção [invocando a excepção dilatória da Incompetência internacional; a Exceção peremptória da prescrição do direito invocado pelo autor; a Exceção peremptória do licenciamento dos direitos de imagem a favor da ré e a Exceção peremptória do abuso de direito] e por impugnação motivada [invocando desenvolver a ré uma conduta lícita no desenvolvimento dos jogos FIFA, não actuar com culpa e contrariando os danos alegadamente sofridos pelo autor e a verificação do respectivo nexo de causalidade], concluindo no final por impetrar que seja: a) Declarada procedente a exceção dilatória de incompetência internacional deste tribunal, por não se verificarem quaisquer dos fatores de atribuição consagrados nos art.º 59.º, 62 e 63.º CPC, determinando a absolvição da ré da instância; b) Declarada procedente a exceção perentória de prescrição, pelo decurso do prazo de três anos estabelecido no art.º 498.º, n.º 1 do CC, determinando a absolvição da ré do pedido; c) Declarada procedente a exceção perentória inominada relativa ao licenciamento dos direitos de imagem de jogadores de futebol, incluindo o autor, a favor da ré, nos termos detalhados na contestação, determinando a absolvição da ré do pedido; d) Declarada procedente a exceção perentória de abuso de direito, determinando a absolvição da ré do pedido; e) Julgada improcedente a presente ação, seja porque (i) os factos alegados pelo autor se devem considerar não provados, seja porque, (ii) mesmo considerando provados, a ação está destituída de fundamento jurídico, face ao quadro legal vigente, determinando, em ambos, a absolvição da ré do pedido. 1.3.- Concedido prazo para resposta/s às excepções, e conclusos os autos a 27/2/2024, foi de imediato proferido SANEADOR que, apreciando a excepção dilatória de incompetência internacional do tribunal, discorreu nos seguintes e parciais termos: “ (…) No caso em apreço estamos perante uma relação jurídica em que são partes o Autor, pessoa singular, cidadão luso-brasileiro, e a Ré, pessoa coletiva, com sede na Califórnia, Estados Unidos da América, que, segundo a versão trazida na petição inicial, desenvolve e fornece jogos com fins lucrativos e, para tal, utiliza a imagem e o nome do Autor, sem autorização para o efeito. Daqui resulta que estamos perante uma ação relativa a responsabilidade extracontratual. No caso vertente não se vislumbra a existência de qualquer instrumento internacional sobre a matéria em questão pelo que se impõe recorrer ao disposto no art.º 62.º do CPC. Nos termos do normativo citado, “os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa; b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram; c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”. A alínea a) do preceito legal citado convoca-nos para a previsão ínsita no n.º 2 do art.º 71.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual “se a ação se destinar a efetivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundado no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu”. Atentos os factos alegados pelo Autor, o facto gerador de responsabilidade civil não ocorreu, sob nenhuma forma, em Portugal, porquanto, alegou que a Ré, através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à Internet, dispositivos móveis e computadores pessoais, vem a utilizar a imagem e o nome do Autor, para divulgar e disseminar a venda dos jogos FIFA, FIFA MANAGER, FIFA ULTIMATE TEAM – FUT e FIFA MOBILE, sem a devida autorização. Acresce que parece resultar da petição inicial que a comercialização dos jogos é efetuada por terceiros. Assim, afigura-se-nos que o facto ilícito imputado à Ré – produção de videojogos com a imagem do Autor – ocorreu no estrangeiro, pelo que não se verifica, desde logo, o fator de atribuição de competência internacional, à luz das regras de competência territorial. No que respeita à al. c), importa aferir se foi praticado em Portugal algum facto em território português constitutivo da causa de pedir. Afigura-se-nos que a produção dos jogos por parte da Ré ocorre nos Estados Unidos da América, não sendo alegado que a Ré vende os jogos que produz em Portugal. Por sua vez, a ocorrência dos danos é invocada de forma genérica e conclusiva, pelo que o nexo entre a atuação da Ré e tais danos ou a culpa da Ré também não têm ligação direta ao território nacional, sendo a nacionalidade um elemento irrelevante em termos de fator atributivo de competência. Por fim, afigura-se-nos que não se verificam os pressupostos a que alude a al. c) do artigo 62.º do Código de Processo Civil, cuja razão de ser visa prevenir conflitos negativos de jurisdição e evitar situações de denegação de justiça, sendo que a tutela dos direitos de personalidade é transversal ao mundo ocidental, não tendo sido invocados factos suficientes para a sua ocorrência. Deste modo, estamos perante a verificação da exceção de incompetência internacional dos tribunais portugueses para apreciar a presente ação, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do artigo 96.º do Código de Processo Civil, a qual configura exceção dilatória e tem como consequência a absolvição da Ré da instância, nos termos do n.º 2 do artigo 576.º e da alínea a) do artigo 577.º, ambos do Código de Processo Civil, o que se declara. Pelo exposto, decide-se declarar a incompetência absoluta deste Tribunal por infração das regras de competência internacional dos tribunais portugueses e, consequentemente, absolve-se a Ré da instância.”. 1.4. - Notificado da DECISÃO identificada em 1.3., e da mesma discordando, veio então – em 14/3/2024 - o autor A, interpor a competente apelação, apresentando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões: a) A decisão recorrida é, salvo o devido respeito, que aliás é muito, injusta e precipitada, tendo partido de pressupostos errados. b) Entende o Recorrente que as suas legítimas pretensões saem manifestamente prejudicadas pela manutenção da decisão recorrida. c) O ora Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, entendendo que a mesma padece de vícios, no que à decisão proferida sobre a sua incompetência internacional, já que não restam dúvidas da competência internacional do Tribunal a quo para o julgamento do presente litígio. d) A ré produziu e comercializou, fisicamente e online, milhões de jogos de vídeo contendo a imagem, nome e demais características pessoais do Autor, sem o seu consentimento ou autorização e sem lhe pagar qualquer contrapartida económica. e) Tal conduta constituiu uma apropriação da imagem do Autor, que tem um valor patrimonial, emergente do valor comercial que aquela imagem, tem no mercado. f) O Autor – ao contrário do que a decisão recorrida refere - substanciou em factos a ocorrência de um dano, e os danos causados ao Autor (patrimoniais e não patrimoniais), por acção da ré, apenas a esta podem ser imputáveis, por ela a única autora do facto danoso (cfr. artigos 562.º, 563.º, 564.º, n.º 1, 565.º,566.º n.ºs 1, 2 e 3, todos do Código Civil e ainda artigo 609.º n.º 2 do Código de Processo Civil). g) Ao contrário do que a decisão recorrida refere, esses danos verificam-se no nosso país, porquanto os jogos são comercializados, distribuídos, jogados e a imagem, nome e demais características do Autor são utilizadas, mundialmente, pelo que, logicamente, também em Portugal. h) Isso mostra-se devidamente alegado nos artigos 15.º, 18.º, 102.º e 194.º, da petição inicial e demostrado pelos documentos 15, 21, 22 e 24, juntos com este articulado. i) É, pois, absolutamente evidente que são praticados em território português os factos que integram a causa de pedir na presente acção. j) A obrigação de reparação, no caso concreto do Autor, resulta de um uso indevido de um direito pessoalíssimo, não sendo de exigir - ao menos na componente de dano não patrimonial - a prova da alegação da existência de prejuízo ou dano, porquanto o dano é a própria utilização não autorizada e indevida da imagem. Tal como a decisão recorrida, salvo o devido respeito, ignora ostensivamente! k) Não podia, pois, o Tribunal a quo deixar de concluir, in casu, pela verificação do factor de conexão previsto na alínea b) do artigo do artigo 62.º do Código de Processo Civil: ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação ou algum dos factos que a integram (à causa de pedir). l) Neste sentido, e no que respeita a situações análogas já analisadas pelo TJUE quanto a esta matéria salientam-se os acórdãos Shevill e Date Advertising GmbH, cujos textos, para efeitos de exposição, aqui se dão por reproduzidos e ainda a doutrina já fixada no douto acórdão do STJ de 25-10-2005. m) Sendo que, o dano sofrido pelo Autor é, pois, um dano inicial e não consecutivo: resulta diretamente do evento causal (a utilização da sua imagem pela Ré nos seus jogos). n) Para além disso, o Autor tem em Portugal o seu domicílio e os seus familiares mais próximos, foi aqui que exerceu predominantemente a sua actividade profissional, pelo que o seu centro de interesses é em Portugal, cfr. alegado nos artigos 7.º e 8.º da petição inicial e resulta do doc. 1 junto com esta peça. o) Os Tribunais Portugueses são, pois, internacionalmente competentes, nos termos do artigo 62.º, alínea b), do Código de Processo Civil, para decidirem apresente acção em que o Autor, um jogador profissional de futebol que exerceu, predominantemente, a sua atividade em Portugal, pede uma indemnização pelos danos causados pela utilização, não consentida, do seu nome e imagem nos videojogos FIFA, produzidos pela ré nos E.U.A. e divulgados por todo o mundo, com base na responsabilidade civil extracontratual, por violação dos direitos de personalidade, e no enriquecimento sem causa (enriquecimento por intervenção no direito de personalidade ao nome e à imagem). p) Sendo irrelevante o facto de a distribuição dos jogos ser feita na prática por uma subsidiária da ré, pois é esta a proprietária dos jogos e é só ela que aufere os avultados lucros resultantes da sua comercialização. q) O que está em causa é a utilização e divulgação da imagem, nome e demais características do Autor, sem o consentimento deste, pela ré nos seus jogos, bem como os avultados lucros daí decorrentes e que esta aufere exclusivamente. r) Pelo que, atento o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, em articulação com a alínea a) do artigo 62.º do mesmo Código, os Tribunais Portugueses são internacionalmente competentes para julgar a presente causa. s) Tanto mais que, eventuais, dificuldades de aplicação do critério da materialização do dano não podem por em causa a gravidade da lesão que possa vir a sofrer o titular de um direito de personalidade que constata que um conteúdo ilícito está disponível em qualquer ponto do globo, como sucede in casu. t) E, estando em causa a violação, pela ré, de direitos de personalidade do Autor, com tratamento e protecção constitucional e infraconstitucional, cfr. artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigos 70.º e 72.º do Código Civil, não se concebe como o poderia o julgamento da causa nestes autos ser atribuído a uma jurisdição estrangeira de um outro país. u) Tanto mais que, nos autos é arguida pelo Autor, aqui Recorrente, a inconstitucionalidade do artigo 38.º n.º 4 do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, por se considerar que o mesmo é ofensivo do conteúdo de um direito fundamental (o já invocado artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa). v) Ora, a necessidade de efectiva tutela jurídica, ao abrigo do princípio da necessidade contido no artigo 62.º, alínea c), do Código de Processo Civil, também se cumpre se as circunstâncias do caso, além de revelarem forte conexão real ou pessoal com a ordem jurídica portuguesa, evidenciarem que o direito exercendo, a não se admitir que seja actuado perante os Tribunais portugueses, está ameaçado na sua praticabilidade e exercício. w) Ora, in casu, essa praticabilidade e exercício está irremediavelmente comprometida, com a decisão agora proferida e de que se recorre. x) O princípio da necessidade vale, assim, como salvaguarda para tais situações funcionando como alargamento ou extensão excepcional da competência internacional dos Tribunais portugueses. y) Por outro lado, reitera-se, é evidente que o Tribunal do lugar onde a “vítima” (in casu, o Autor) tem o centro dos seus interesses, pode apreciar melhor o impacto de um conteúdo ilícito colocado em jogos de vídeo físicos e online sobre os direitos de personalidade, pelo que lhe deverá ser atribuída competência segundo o princípio da boa administração da justiça. z) Ora, o Autor toda a sua vida organizada e estabilizada em Portugal, aqui exerceu maioritariamente a sua actividade profissional, cfr. já demonstrado anteriormente, pelo que não tem qualquer nexo estreito com outro país, muito menos com os Estados Unidos da América. aa) Para além disso, não pode ser descurado o princípio da previsibilidade das regras de competência, a ré, enquanto autora da difusão do conteúdo danoso, encontra-se manifestamente, aquando da colocação da imagem, nome e demais características das “vítimas” da sua acção, nos jogos de que é proprietária com vista à sua distribuição mundial, em condições de conhecer os centros de interesses das pessoas afetadas por este. bb) Sem necessidade de mais considerações, estão os Tribunais portugueses melhor posicionados para conhecer do mérito da acção. cc) Teria, assim, de improceder a deduzida excepção de incompetência internacional do Tribunal a quo, aduzida pela ré, por verificação dos elementos de conexão constantes das alíneas a), b) e c) do artigo 62.º do Código de Processo Civil. dd) O que supra se alega, exprime a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça nos múltiplos arestos que proferiu sobre esta temática. (cfr., entre outros, os acórdãos de 24.05.2022, P. 3853/20, de 07.06.2022, P. 24974/19., de 27.09.2022, P. n.º 637/20., de 13.10.2023, P. 1014/20., de 10.11.2022, P.1579/20., de 10.11.2022, P. 17046/20., de 15.12.2022, P.3731/21., de 10.01.2023, P.996/21., de 14.02.2023, de 25.05.2023, P. 3729/21., de30.05.2023, P. 4167/20., de 16.11.023, P. 7962/21. e de 08.02.2024, P.4425/20). ee) Todos os supramencionados Arestos e outros proferidos concluíram, unanimemente, ao contrário da decisão de que se recorre, pela competência internacional dos Tribunais Portugueses, para julgar acção em tudo idêntica à presente e a fundamentação aduzida nos mesmos é inteiramente aplicável in casu. ff) O Recorrente requer a junção e consideração do mais recente douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 29.02.2024, P. 17657/20, ao abrigo do artigo 651.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, pela relevância que, enquanto Decisão de Tribunal Português, assume na questão decidenda deste recurso. gg) Face ao que antecede, a sentença em crise violou o disposto nas disposições firmadas nos artigos 62.º, alíneas a), b) e c), 71.º, n.º 2 e 80.º n.º 3, todos do Código de Processo Civil, o artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e ainda os artigos 70.º e 72.º do Código Civil. Termos em que deverá o presente recurso proceder, por provado, e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgando internacionalmente competentes os tribunais portugueses, prossiga a tramitação dos autos, fazendo-se assim a Costumada JUSTIÇA! 1.5.- Com referência à apelação identificada em 1.4. foram apresentadas CONTRA-ALEGAÇÕES, tendo a Ré pugnado pela confirmação da decisão recorrida, para tando concluindo do seguinte modo: a) O presente recurso de apelação, interposto pelo autor, visa a revogação da sentença de 27.02.2024, pelo qual se declarou procedente a exceção de incompetência internacional, porque esta ação não reúne os necessários elementos de conexão com a ordem jurídica Portuguesa. b) O recurso interposto pelo autor deverá ser rejeitado, improcedendo o único fundamento invocado: erro na aplicação da lei, por alegada violação das regras de competência internacional. c) A apreciação da competência internacional é (e só pode ser) efetuada exclusivamente com base nos factos alegados na petição inicial, sem qualquer indagação probatória ou aplicação de presunções judiciais – art.º 38.º da LSOJ e, entre muitos outros, acórdão do TRE de 15.12.2016, Proc. n.º 1330/16.5T8FAR.E1; acórdão do TRG de 16.11.2020, Proc. n.º 114083/18.7YIPRT.G1. d) A causa de pedir deste pleito é a alegada violação do direito de imagem do autor, por força dos atos de produção e comercialização dos jogos FIFA, onde foi utilizada a sua imagem. e) De acordo com o art.º 2.º da PI, o autor afirma que a ré não tem actividade na Europa, mas apenas nos EUA, Canadá e Japão, assim reconhecendo que a ré não praticou atos de produção e comercialização dos jogos em Portugal. f) E é perante este quadro factual que se deverão aplicar os critérios de conexão estabelecidos no art.º 62.º do CPC, única fonte normativa admissível para dirimir o thema decidendum (ou seja, não sendo aplicáveis regulamentos europeus, como clama o autor, também não é a jurisprudência do TJUE que interpreta esses diplomas e que não se debruça sobre direito interno dos estados-membros). g) O regime interno tem de ser interpretado e aplicado de acordo com os critérios legais de interpretação das normas fixado no art.º 9.º do CC: elementos literal, teleológico, sistemático e histórico, sendo inconstitucional e ilegal qualquer interpretação contra ou praeter legem. h) A apreciação da competência internacional nestes autos deve ser dirimida exclusivamente à luz do art.º 62.º do CPC e critérios aí elencados, a saber: – alínea a): critério da coincidência; – alínea b): critério da causalidade; e – alínea c): critério da necessidade. I) Estes critérios devem ser ponderados à luz da factualidade constante da petição inicial, assumindo-a, para este efeito como verdadeira, e sem proceder a quaisquer indagações probatórias, destacando-se do elenco da petição inicial, a seguinte factualidade relevante: (i) O autor é um jogador de futebol com dupla nacionalidade: brasileira e portuguesa; (ii) O autor representou clubes no Brasil e em Portugal (art.º 8.º da PI); (iii) A ré é uma sociedade norte-americana, com sede no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América (introito da PI); (iv) A ré dedica-se à exploração, distribuição e venda de jogos, sendo que o autor exclui a prática destes e outros atos, pela ré, na Europa não alega que a ré o faz em Portugal (art.º 2.º da PI); (v) É o próprio autor que refere que a ré não tem atividade em território nacional, reconhecendo que são entidades terceiras a efetuar a divulgação e comercialização na Europa, incluindo naturalmente Portugal (art.º 2.º da PI); (vi) Na PI nenhum dano é alegado ou concretizado, pelo autor. j) De acordo com o critério da coincidência, o tribunal português será internacionalmente competente se esta ação pudesse ser proposta no nosso país, segundo as regras de competência territorial do CPC, valendo, nesta ação de responsabilidade civil extracontratual, a regra do art.º 71.º, n.º 2 do CPC: o tribunal competente é o do lugar onde o facto ocorreu. k) O autor não imputa qualquer ato praticado pela ré em Portugal e afirma que a ré não tem actividade na Europa. Mais alega que é uma entidade terceira que comercializa e assume a responsabilidade pela venda dos jogos FIFA. l) Em suma, não ocorreu, em Portugal, qualquer facto praticado pela ré. m) Os tribunais portugueses não são, desta forma, competentes ao abrigo da alínea a) do art.º 62.º. n) Quanto ao fator de conexão previsto na alínea b) – critério da causalidade –, impunha-se ao autor alegar factos integradores da causa de pedir ocorridos nosso país. o) Sucede que não há, em toda a petição inicial, um único facto alegado integrador da causa de pedir ocorrido em Portugal. p) Não foi concretizado qualquer dano sofrido pelo autor, tampouco em território nacional, nem se indicando o momento em que tal se produziu. q) Sem a alegação do “quando” e “onde” desse dano, é impossível afirmar que o dano ocorreu em Portugal para efeitos de atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses, na medida em que, na decisão de competência, o Tribunal se deve ater aos factos alegados pelo autor. r) Não alegando o autor onde se encontrava quando sofreu danos, não compete ao Tribunal efectuar qualquer análise jurídica para apurar o local da verificação dos danos. s) O autor não alega que o putativo facto ilícito – produção dos jogos – ocorre em Portugal, não invoca qualquer dano que se tenha produzido em Portugal, nem alega nenhuma circunstância integradora dos restantes requisitos da responsabilidade civil localizada em Portugal. t) O único facto alegado pelo autor como ocorrendo em Portugal consiste na venda dos jogos em todo o mundo, vendas que traduzem igual conexão com diferentes jurisdições (e nenhuma conexão relevante com apenas uma delas), além de o autor atribuir essas vendas apenas a terceiros, pelo que a declaração de competência à luz deste facto constituiria uma competência exorbitante, já que não é um motivo diferenciar na nossa jurisdição sobre as demais, onde igualmente são comercializados os jogos FIFA. u) A aquisição dos jogos FIFA em qualquer parte do mundo, comercializados por atos de terceiro, não permite justificar a declaração de competência internacional, desconsiderando cegamente a circunstância de a ré não produzir o jogo neste país e aqui não praticar qualquer ato. v) A ser assim, o tribunal de qualquer local onde os jogos são vendidos seria internacionalmente competente, gerando um evidente conflito positivo de competência internacional, precisamente o que se visa evitar em homenagem ao princípio da soberania dos Estados e à maior eficácia/proximidade da realização de julgamento. w) Acresce que não se pode inferir que o autor terá sofrido danos em Portugal, porque isso não é alegado na petição inicial. x) Essa presunção, assente na importação dum critério europeu relativo ao centro de interesses, resulta de incorreta interpretação da Lei, pois que tal critério não encontra um mínimo de correspondência com o teor do art.º 62.º do CPC. y) Além disso, tal conclusão não se encontra sustentada em factualidade alegada pelo autor, pelo que traduzirá o emprego de presunção judicial de factos, o que é vedado na apreciação da competência – art.º 38.º, n.º 1 LOSJ e art.º 351.º do CC. z) Em face da (i) ausência de alegação, na petição inicial, de atos praticados pela ré em território nacional, (ii) inaplicabilidade do centro de interesses e sua irrelevância para aplicação do art.º 62.º do CPC, (iii) não alegação de danos em Portugal e (iv) inexistência de qualquer ligação relevante do autor a Portugal para efeitos da demanda, não se encontram elementos de conexão à luz do princípio da causalidade. aa) Idêntica conclusão se alcançará quanto ao princípio da necessidade, previsto no art.º 62.º, alínea c) do CPC. Cumpre assinalar que o autor não invocou que o direito que aqui peticiona não pudesse tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro. bb) Não bastando, seguramente, ao autor ter domicílio português, para daí se reconhecer, em todos os seus futuros litígios, competência internacional aos nossos tribunais. cc) O direito que o autor pretende fazer valer é amplamente reconhecido pelas várias jurisdições do mundo, sendo que da sua alegação na petição inicial não resulta qualquer concretização acerca do que seja a dificuldade objetiva que possa gerar uma limitação no exercício dos seus direitos. dd) O autor chega a alegar factos na petição inicial que comprovam que os direitos que pretende exercer são reconhecidos na jurisdição norte-americana. ee) Daí que não se verifiquem nenhum dos fatores de conexão estabelecidos no art.º 62.º do CPC e deva ser mantida a declaração da incompetência internacional dos tribunais portugueses. ff) Cumpre ainda ressalvar que são inaplicáveis os conceitos relativos ao domicílio e centro de interesses do autor e, bem assim, quaisquer presunções judiciais ou factos que não estejam referidos na petição inicial e que não integrem a causa de pedir, sob pena de interpretação inconstitucional dos art.º 62.º do CPC, 38.º, n.º 1 da LOSJ e 351.º do CC, por violação nos termos detalhados nas alegações de recurso – aqui dados por reproduzidos e para os quais se remete –, entre outros, dos seguintes princípios: – princípio do Estado de Direito (e seus subprincípios da legalidade, da proteção da confiança dos cidadãos e da certeza e da segurança jurídicas); – princípio do processo equitativo (e subprincípios do dispositivo e do contraditório); – princípios da separação dos poderes e do dever de obediência à lei; e – princípio do primado do direito europeu. gg) Esta questão relativa à inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 62.º do CPC, 38.º,n.º 1 da LOSJ e 351.º do CC é suscitada para conhecimento expresso deste Tribunal, nos termos e para os efeitos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º-A, n.º 2, todas da Lei n.º 28/82 porque, na interpretação abstrata da lei (e sua posterior concreta aplicação), do princípio da causalidade não cabe, por contrariar os princípios constitucionais acima elencados, o critério do centro de interesses, nem o emprego de factos presumidos, factos não alegados e factos que não integram a causa de pedir. hh) Caso este Tribunal considere admissível, constitucional e legalmente, a inclusão do critério do centro de interesses nos princípios da coincidência e causalidade, importa ressalvar que não existem factos na PI que demonstrem a existência de um centro de interesses do autor em Portugal: não indicou ter o seu agregado familiar, amigos ou outro tipo de conexão pessoal no nosso país ou sequer onde estava e quando soube da inclusão da sua imagem nos jogos FIFA. ii) Mesmo adotando o critério do centro de interesses, aquele conjunto de factos seria essencial para que se pudesse aplicar o critério do centro de interesses, não sendo possível o recurso à utilização de presunções, como vimos. jj) Deve por isso improceder o recurso do autor e ser confirmada a decisão do Tribunal a quo de 27.02.2024, mantendo-se a declaração de incompetência internacional dos tribunais portugueses para este pleito, absolvendo-se a ré da instância e condenando o autor nas custas. Nestes termos, requer-se a Vossas Exas., face a tudo o que foi adrede expendido, que se dignem considerar improcedente o recurso, confirmando a decisão do Tribunal a quo. * Thema decidendum 2 - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso] das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as “questões” a apreciar e a decidir são as seguintes: I - Aferir se devem manter-se nos autos os documentos que, quer o autor, quer a Ré, juntaram com as respectivas alegações recursórias; II - Aferir se “andou mal” - como assim o considera o apelante - o Tribunal a quo ao julgar verificada a excepção dilatória de incompetência internacional do tribunal, decretando a absolvição da Ré da instância, nos termos do n.º 2 do artigo 576.º e da alínea a) do artigo 577.º, ambos do Código de Processo Civil. * 3. - Motivação de Facto Para efeitos de decisão do mérito da instância recursória, importa atender tão só à factualidade que resulta do relatório do presente acórdão, e para o qual se remete. * 4. – Se devem permanecer nos autos os documentos apresentados por apelante e apelada, juntamente com as alegações e contra-alegações, respectivamente. Com as alegações da apelação interposta, vem o autor A apresentar um documento (cópia de Acórdão proferido pelo STJ, proferido em 29/2/2024), justificando a referida junção com o disposto no artigo 651.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, e porque envereda o Acórdão proferido/junto por uma solução da questão decidenda que é contrária à perfilhada pelo Tribunal a quo. Também a recorrida Electronic Arts Inc., com as respectivas contra-alegações, vem juntar [ao abrigo do disposto no artigo 651.º, n.º 2 do Código de Processo Civil] vem juntar 4 documentos, sendo 3 deles cópias de Decisões Judiciais [do Tribunal constitucional, de Tribunal Judicial da Comarca de Braga e de Tribunal Judicial da Comarca do Porto] e uma outra uma cópia de comentário de jurista inserto em Blog do IPPC a acessível em sitio da internet, tudo apontando [porque qualifica os referidos 4 documentos como pareceres] que justifica a referida junção com a previsão do nº 2, do art.º 651º, do CPC. Em última instância, com os documentos juntos com as alegações e contra-alegações, visam apelante e apelada amparar os fundamentos que invocam nas referidas peças recursórias e no sentido de respectivamente, conduzir à revogação da decisão recorrida ou à sua confirmação. Apreciando Com relevância para a “questão” ora em apreço, importa no essencial atentar no preceituado no art.º 651º, nº1, do CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, rezando ele que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o art.º 425º, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”. De igual modo, e desde logo em face da referência no aludido dispositivo legal ao disposto no art.º 425º do CPC, recorda-se que dispõe este último que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”. Conjugando ambas as referidas disposições adjectivas com a do art.º 423º, do CPC, quer o seu nº 1, quer o respectivo nº 2, prima facie tudo aponta para que os documentos possam pelas partes ser juntos aos autos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, e, após o referido momento, podem ainda ser carreados para o processo e para serem ainda valorados pela primeira instância, até ao momento do encerramento da discussão (cfr. art.º 425º do CPC) ou seja, até a conclusão das alegações orais (de facto e de direito - cfr. alínea e), do nº 3, do art.º 604º) e subsequente encerramento da audiência, e desde que a sua apresentação não tenha sido possível até então, objectiva ou subjectivamente, ou a sua apresentação se tenha tornado necessária em virtude de uma ocorrência posterior (cfr. nº 3, do art.º 423º, do CPC). (1) Já depois do encerramento da audiência, no caso de recurso, a apresentação de documentos, sendo permitida desde que juntos com as alegações, lícita/admissível é tão só desde que se verifique uma de 2 situações, a saber: a) Quando a sua apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão, quer por impossibilidade objectiva (inexistência do documento em momento anterior), quer subjectiva (v.g. ignorância sobre a sua existência); b) Quando a sua junção se tenha tornado necessária devido ao julgamento na 1ª instância - v.g. quando a decisão proferida não era de todo expectável, tendo-se ancorado em regra de direito cuja aplicação ou interpretação as partes, justificadamente, não contavam. No que à situação referida em segundo lugar concerne, explica ABRANTES GERALDES (2) que a admissibilidade da junção de documentos em sede recursória, justifica-se designadamente quando a parte/recorrente tenha sido “surpreendida” com o julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos documentos já constantes do processo. Dito de uma outra forma (3), “a junção só tem razão de ser quando a fundamentação da sentença ou o objecto da decisão fazem surgir a necessidade de provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes dela.” Ainda com referência à situação referida em segundo lugar, mas com a habitual e reconhecida clareza, rara sabedoria e rigor, diz-nos o Professor ANTUNES VARELA (4) que não basta, para que a junção do documento seja permitida, que ela seja necessária em face do julgamento da 1ª instância, exigindo-se outrossim que tal junção só (apenas) se tenha tornado necessária em virtude desse julgamento. Tal equivale a dizer que, se a junção já era necessária (quer para fundamentar a acção, quer para ancorar a defesa) antes de ser proferida a decisão da 1ª instância, então não deve a mesma ser permitida. Em suma, esclarece e conclui o saudoso e supra referenciado Mestre que, a decisão da 1ª instância “pode criar, pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 706º do Código de Processo Civil.”. Cotejando agora os actuais normativos que regulam a junção de documentos em sede recursória, com os dos art.ºs 524º e 693º-B, ambos do pretérito CPC, dir-se-á que, com as alterações introduzidas (maxime com a não inclusão no actual art.º 425º do nº 2, do nº 2, do pretérito art.º 524º, e , com a eliminação no actual 651º, da alusão que constava do pretérito art.º 693º-B, a algumas situações de recursos interpostos de decisões interlocutórias), lícito é concluir que o legislador como que deu um “passo atrás” no que concerne à possibilidade de junção de documentos em sede de recurso, alinhando e reforçando o entendimento de que, em rigor, a junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1ª instância. Para além do referido, e porque um documento mais não configura que um mero meio de prova - de facto -, importa também não olvidar que, a sua junção aos autos, ainda que em plena instância recursória, há-de ser requerida com o desiderato de poder - em abstracto, que não em concreto - contribuir para o julgamento de impugnação que haja sido deduzida da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, maxime quando a parte recorrente haja deduzido impugnação da referida decisão, nos termos do art.º 640º, do CPC. Por último, e porque prima facie socorrem-se apelante e apelada do disposto no art.º 651º,nº2, do CPC, para justificar a “licitude” da junção dos documentos com as alegações, importa atentar que, como decorre do disposto no art.º 651º, do CPC os «Documentos e os pareceres” não têm a mesma natureza, sendo que, se os primeiros têm por desiderato essencial servir como meio de prova [de factos], já os segundos não valem como meio de prova e têm por função contribuir para esclarecer o espírito do julgador, sendo peças escritas que se juntam ao processo para serem tomadas pelo tribunal na consideração que merecerem, representando apenas uma opinião sobre a solução a dar a determinado problema e servindo para auxiliar o julgador a encontrar uma solução justa para o caso concreto que tem para decidir. (5) Aqui chegados, e incidindo finalmente sobre a natureza do documento pelo apelante junto, manifesto é que não integra o mesmo a previsão do nº 1, do art.º 651º, do CPC, e,ademais, do objecto da apelação interposta não faz parte sequer qualquer impugnação de decisão de facto que tenha sido proferida. Por outra banda, estando em causa em rigor uma decisão judicial – e nesta parte o agora dito aplica-se igualmente a 3 dos documentos pela Ré juntos, porque também cópias de decisões judiciais -, manifesto é que não pode o documento em causa integrar a previsão do nº 2, do art.º 651º, porque não consubstancia o mesmo um qualquer parecer/opinião de jurisconsulto, antes uma decisão judicial [que aprecia, resolve e decide um concreto litígio] . Restando o documento pela apelada junto e alusivo a comentário inserto e livremente acessível em sitio da internet, em rigor, igualmente não pode o mesmo integrar a previsão do nº 2, do art.º 651º, do CPC, desde logo porque não dirigido – a pedido/solicitação de interessado – para a solução da questão concreta que integra o objecto do processo, não tendo por desiderato contribuir - analisando os fatos concretos e as normas jurídicas aplicáveis – para a solução do caso concreto suscitado por A. Destarte, tudo visto e ponderado, porque não devem os documentos por apelante e apelada juntos integrar a previsão do art.º 651º, do CPC, sega do nº 1, seja do nº 2, importa portanto não admitir [por em causa estar a prática de acto processual não permitido] a junção aos autos dos documentos por ambos apresentados com as peças recursória, documentos que, a final, serão mandados desentranhar dos autos. * 5. - Motivação de Direito 5.1 - É, ou não, o tribunal a quo, o internacionalmente competente para conhecer da presente acção pelo apelante A intentada contra a apelada Electronic Arts Inc.?. Como vimos supra, importa tão só apreciar no âmbito da presente instância recursória da competência internacional do tribunal a quo/tribunal português [em face dos tribunais estrangeiros] para conhecer da acção pelo apelante A intentada contra a apelada Electronic Arts Inc., com sede na Califórnia, importando pois aferir da efectiva verificação da excepção dilatória da incompetência absoluta, excepção esta que, podendo ser suscitada oficiosamente pelo tribunal (cfr. art.º 97º, nº1, do CPC), foi in casu porém conhecida pelo tribunal a quo na sequência da respectiva arguição pela Ré na sua contestação. Em rigor, em causa está tão só aferir se, em razão do requerido/pedido pelo apelante deduzido na petição inicial [ser a Ré condenada a pagar ao autor e a título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de €132.000,00 e, bem assim, a quantia não inferior a €5.000,00 a título de danos não patrimoniais] e da causa petendi que prima facie o alicerça/sustenta, deve a decisão apelada manter-se, ou, ao invés, deve ser revogada, tal como o reclama o apelante. É que, como é entendimento uniforme da melhor doutrina (6) e jurisprudência, é precisamente em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos (causa petendi) em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é outrossim pelo autor delineada na petição (quid disputatum ou quid dedidendum), que cabe determinar/aferir da competência do tribunal para de determinada acção poder/dever conhecer, sendo para tanto irrelevante o juízo de prognose que, hipoteticamente, se pretendesse fazer relativamente á viabilidade da acção, por se tratar de questão atinente com o mérito da pretensão. (7) Ou seja, consensual é, nesta matéria, que determinando-se a competência do tribunal para específica acção com base no pedido do autor ou pretensão que tem através daquela por desiderato alcançar, e outrossim pelos respectivos fundamentos, para o referido efeito não importa já averiguar qual a viabilidade da aludida pretensão, pois que a competência é questão prévia a tal apreciação, a decidir independentemente do mérito e ou demérito da acção. Pacífico é também que a questão decidenda apenas surge quando, tal como sucede in casu, a causa se encontre, através da ambos os elementos supra identificados, em contacto com mais que um País, pois que, se tanto a causa de pedir, como o pedido e as partes mantêm somente relação com o território nacional, não existe à partida qualquer questão de concorrência de jurisdições, não se colocando a questão da competência internacional. (8) Isto dito, e sob a epígrafe de “Competência internacional”, reza o art.º 59º, do CPC, que: “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º ”. O normativo acabado de parcialmente transcrever, mostra-se consentâneo com o disposto no nº 2, do art.º 37.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto [Lei da Organização do Sistema Judiciário], o qual reza que “A lei de processo fixa os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais”, o que equivale a dizer que a competência internacional dos Tribunais portugueses, deve prima facie fixar-se nos termos definidos pelo regime processual civil interno, maxime de acordo com os factores de conexão definidos pela lei do processo, mas sem prejuízo, claro está, do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais . Perante o acabado de aduzir, e em face do OBJECTO do processo [relacionado com instituto da responsabilidade civil extra-contratual], uma primeira conclusão pode-se desde já fixar, qual seja a de que in casu a competência do Tribunal a quo [tribunal português] só poderá justificar-se se verificada a primeira parte do supra transcrito art.º 59º, do CPC, ou, a tal não suceder, caso se detecte então existir um qualquer factor de atribuição da competência internacional previsto nas diversas alíneas do art.º 62º, do CPC. Ora, começando pelo “fim”, que o mesmo é dizer, pelo disposto no art.º 62º, do CPC, reza o mesmo – e precisamente sob a epígrafe de “Factores de atribuição da competência internacional ” - que: “Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa; b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram; c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”. Já no tocante à factualidade alegada e relevante para efeitos de resolução da questão decidenda, a que de pertinente importa atentar é tão só a identificada em 1.1., designadamente a seguinte: i)É o autor um jogador de futebol luso-brasileiro, nascido em Minas Gerais, Brasil, sendo que, jogando - ao serviço do SC União Torreense - e residindo actualmente em Portugal, tem já uma longa carreira como jogador de futebol profissional, tendo exercido [v.g. desde a época de 2003/2004 à época de 2019/2020] a sua profissão, maioritariamente, em clubes portugueses, dedicando-se inteiramente à prática desportiva do futebol, com a qual sempre se sustentou a si e à sua família; ii)A Ré, por sua vez e com sede na Califórnia, EUA, é uma empresa líder global em entretenimento digital interactivo, prestando a sua actividade através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à Internet, dispositivos móveis e computadores pessoais, contando para o efeito com várias subsidiárias espalhadas pelo mundo, entre as quais se destaca, na Europa, a EA Swiss Sarl; iii)Sucede que a Ré, no âmbito da actividade desenvolvida,vem utilizando e usando a imagem do Autor [o que faz pelo menos desde Outubro de 2005, data de lançamento do jogo de vídeo FIFA 2006], retratando-o em milhões de jogos de vídeo [v.g. só no jogo FIFA 18 vendeu 24 milhões de unidades em todo o mundo], o que fez sem o seu prévio consentimento [porque o Autor jamais concedeu autorização expressa, ou sequer autorização tácita, a quem quer que fosse, para ser incluído em jogos eletrónicos, jogos de vídeo e aplicativos, quais sejam, FIFA, FIFA MANAGER e FIFA ULTIMATE TEAM – FUT, surgindo naqueles plenamente identificado], sendo que a aludida exploração indevida da imagem e do nome do jogador Autor é renovada em todos os anos por via do lançamento de novas versões dos jogos; iv)Em rigor, tem portanto a Ré vindo a utilizar a imagem e o nome o autor [v.g. no jogo FIFA 06, o Autor é plenamente identificado, porque o jogo tem a imagem do Autor, o seu nome, a posição em que joga, peso, altura, idade e a referência ao clube CS Marítimo], sem a devida autorização, o que faz para divulgar e disseminar a venda dos seus jogos e, consequentemente, lucrar com isso, o que tudo tem provocado no autor um sentimento de perturbação, desgosto, tristeza e revolta, ao ver a sua imagem e nome utilizados de forma abusiva e ilícita pela Ré. Aqui chegados, e munidos das necessárias contribuições legais [art.º 62º, do CPC] e outrossim fácticas [os factos essenciais pelo autor alegados na petição inicial – art.º 5º, do CPC] que importam atender para efeitos da excepção pelo tribunal a quo julgada verificada, é tempo de indagar da verificação in casu de um qualquer factor de conexão [sendo que, recorda-se, considerou o Primeiro Grau que in casu não se verificava um qualquer factor de conexão, quer o relacionado com critério da coincidência contido na sua alínea a), quer o interligado com o critério da causalidade previsto na sua alínea b), e, nem sequer o da necessidade estabelecido na alínea c)] identificado no art.º 62º, do CPC. Começando pelo critério plasmado na alínea a) [“ Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa ”], e correspondendo o mesmo ao Princípio da coincidência [da competência internacional com a competência territorial], recorda-se que in casu a causa de pedir da pretensão do autor mostra-se relacionada com instituto da responsabilidade civil extracontratual, logo, o tribunal Português será o competente caso possa e deva a acção intentada integrar a previsão do nº 2, do art.º 71º, do CPC, o qual reza que: “Se a ação se destinar a efectivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu”. Ora, considerando que no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos [cfr. art.º 483º, do CC], o FACTO mostra-se integrado por diversos subelementos [o facto ilícito a se, a respectiva imputação subjectiva (a culpa) ao agente, a existência de danos causados ao lesado e adequadamente resultantes do referido facto], e, alegando o autor que desde a época de 2003/2004 à época de 2019/2020 tem desempenhado a sua profissão, maioritariamente, em clubes portugueses, dedicando-se inteiramente à prática desportiva do futebol, com a qual sempre se sustentou a si e à sua família, temos como inevitável concluir que relativamente ao subelemento do DANO vem o mesmo a ter lugar em Território Português, logo, verificar-se-á o factor de conexão da alínea a), do art.º 62º, do CPC, por aplicação da regra de competência territorial do art.º 71º, nº2, do CPC. Acresce que, como bem se chama à atenção em recente Acórdão proferido por este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, de 7/12/2023 (9) “O Tribunal de Justiça tem interpretado autonomamente o segmento “lugar onde ocorreu o facto danoso”, constante do n.º 2 do art.º 7º, do Regulamento no 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, e no sentido de abranger tanto o local onde se produz o evento causal, como o local onde se materializa o dano. E se não houver coincidência, o lesado pode escolher entre a jurisdição de cada um deles”, sendo que, “ a chamada à colação do direito comunitário, não se destina à sua directa e imediata aplicação ao caso, mas como elemento indispensável à plena e actual compreensão dos factores de conexão estabelecidos no art.º 62 CPC ”. Mais se reforça no citado Acórdão de 7/12/2023, que “quanto ao lugar onde os danos invocados pelo Autor se verificaram …… deve seguir-se o critério apontado pela jurisprudência do TJUE, segundo o qual, em princípio, o impacto da violação dos direitos de personalidade que ocorrem nestas circunstâncias verifica-se predominantemente no Estado onde a vítima tem o seu centro de interesses, aí se encontrando a maioria das provas dos prejuízos sofridos, pelo que a atribuição de competência aos tribunais desse país para apreciar a integralidade dos prejuízos sofridos satisfaz o objetivo da boa administração da justiça ”. Não se olvida que, este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa [em Acórdão proferido igualmente nesta 6º Secção, de 14/12/2013 (10)], e em situação fáctica algo semelhante à dos presente autos, veio a enveredar por diverso entendimento, concluindo v.g. que “ O conceito – ser em Portugal o centro de interesses do lesado – não cai sobre a alçada das normas previstas nos art.º 62.º e 63.º do CPC por não ter o mínimo de correspondência verbal com a letra da lei, o que, a entender-se de modo diverso, constituiria violação do disposto no art.º 9.º do CC ”. Este último Acórdão, por esta Secção proferido, veio, porém, a ser recentemente REVOGADO pelo STJ [em douto Acórdão de 28/5/2024 (11)], no mesmo se concluindo que: “ No âmbito de processos em que a ré é a mesma, sendo semelhantes as causas de pedir invocadas, em particular no que relevam para o efeito de determinar a competência dos tribunais portugueses, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido uniformemente no sentido de que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes segundo o princípio da causalidade, para conhecer de acções de responsabilidade civil extracontratual, propostas por jogadores de futebol, que pedem uma indemnização pela utilização não consentida do seu nome e da sua imagem, em videojogos produzidos nos Estados Unidos da América, baseadas em causas de pedir complexas, nas quais os danos invocados pelos autores se prolongam no tempo e, de acordo com o que é alegado, ocorrem significativamente em Portugal, uma vez que os factos alegados situam em Portugal o centro de interesses do autor.” A amparar a conclusão acabada de transcrever, e de relevante, constam designadamente do aludido e douto Acórdão do STJ as seguintes passagens: “(…) O acórdão recorrido considerou que os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes, contrariamente ao que havia sido decido em primeira instância, onde se decidiu que, ao abrigo do princípio da causalidade, segundo o qual os tribunais são competentes se “tiver sido praticado em território português” – entenda-se, se dos termos em que o pedido é fundamentado pelo autor assim resultar – “o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram”. Este alargamento da competência internacional a situações nas quais apenas parte de uma causa de pedir complexa é (segundo a alegação do autor) situada em Portugal foi já reconhecido pelo Assento [acórdão de uniformização de jurisprudência] n.º 6/94, de 17 de Fevereiro de 1994, tirado quando a al. b) do n.º 1 do (então) artigo 65.º do Código de Processo Civil apenas previa que funcionasse o princípio da causalidade quando tivesse sido “praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção”. Ali se escreveu: “Ora, tratando-se de causa complexa, se um dos factos causais relevantes ocorreu em Portugal, razão não há para não se considerar a situação abrangida pelo artigo 65.º, n.º 1, do Código de Processo Civil”. É certo que o princípio da causalidade foi, entretanto, eliminado pelo artigo 186.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto), caducando o referido assento [acórdão de uniformização de jurisprudência]; mas veio a ser novamente consagrado pelo Código de Processo Civil vigente, nos termos já indicados. (…) O acórdão recorrido afastou-se da jurisprudência uniforme deste STJ, pelas seguintes razões já indicadas na fundamentação da decisão transcrita. Não tem razão. Nesta decisão acolhe-se, ao invés, a posição que tem sido sufragada no STJ de forma uniforme, juntando-se, porque assim o exige o artigo 656.º do Código de Processo Civil, aplicável à revista (artigo 679.º), algumas das decisões que o comprovam, indicando-se outras, também publicadas. Optou-se por proferir decisão individual por se terem por preenchidas as exigências ali previstas: a questão a decidir é simples, por ter sido já decidida uniformemente pelo Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito, e no âmbito de processos em que a ré é a mesma, sendo semelhantes as causas de pedir invocadas, em particular no que relevam para o efeito de determinar a competência dos tribunais portugueses, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido uniformemente no sentido de que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer de acções de responsabilidade civil extracontratual, “em que um jogador profissional de futebol que exerceu, predominantemente, a sua actividade em Portugal, pede uma indemnização pelos danos causados pela utilização, não consentida, do seu nome e da sua imagem em videojogos da FIFA, produzidos nos E.U.A. e divulgados por todo o mundo, inclusivamente em Portugal (acórdão de 10 de Novembro de 2022, proc. n.º 17046/20.5T8LSB.L1.S1). Tem ainda entendido que essa competência se funda no princípio da causalidade, por se tratar de acções com causas de pedir complexas, nas quais os danos invocados pelos autores se prolongam no tempo e, de acordo com o que é alegado, ocorrem significativamente em Portugal, uma vez que os factos alegados situam em Portugal o centro de interesses do autor. Assim decidiu-se no mesmo sentido, nomeadamente (e utiliza-se este termo porque se decidiu da mesma forma em outros acórdãos, nas quais a ré era a mesma, mas que ainda não se encontram publicados) nos seguintes acórdãos, todos já publicados em www.dgsi.pt,: - Acórdão do STJ de 07-06-2022, Revista n.º 4157/20.6T8STB.E1.S1: - Acórdão do STJ de 07-06-2022, Revista n.º 24974/19.9T8LSB.L1.S1: - Acórdão do STJ de 23-06-2022, Revista n.º 3239/20.9T8CBR-A.C1.S1: - Acórdão do STJ de 27-09-2022, Revista n.º 637/20.1T8PRT.P1.S1: - Acórdão do STJ de 13-10-2022, Revista n.º 1014/20.0T8PVZ.P1.S1: - Acórdão do STJ de 10-11-2022, Revista n.º 1579/20.6T8PVZ.P1.S1: - Acórdão do STJ de 10-11-2022, Revista n.º 17046/20.5T8LSB.L1.S1: - Acórdão do STJ de 15-12-2022, Revista n.º 3731/21.8T8BRG.G1-A.S1: - Acórdão do STJ de 10-01-2023, Revista n.º 996/21.9T8PVZP1.S1: - Acórdão do STJ de 14-02-2023; Revista n.º 3803/20.6T8BRG.G1-A.S1 - Acórdão do STJ de 15-02-2023, Revista n.º 4239/20.4T8STB.E1.S1 - Acórdão do STJ de 25-05-2023, Revista n.º 3729/21.6T8BRG.G1-A.S1 - Acórdão do STJ de 30-05-2023, Revista n.º 4167/20.3T8LRA.C1.S1 - Acórdão do STJ de 16-11-2023, Revista n.º 7962/21.2T8VNG.P1.S1 - Acórdão do STJ de 08-02-2024, Revista n.º 4425/20.7T8ALM-B.L1.S1 . (…) ”. Em face de tudo o acabado de expor, tudo aponta para que a questão decidenda tenha vindo efectivamente a merecer a apreciação das diversas instâncias [1ª e 2ª], em ambas sendo as partes confrontadas com entendimentos dissonantes, mas, já da parte do STJ, pacífico [apesar de alguns reparos (12)] é que existe uma clara uniformidade (13)] de decisões. E, assim sendo [e apesar de, como adverte KARL LARENZ (14), estar o juiz “ obrigado a divergir do precedente, sempre que chegue à convicção de que ele traduz uma incorrecta interpretação ou desenvolvimento da lei (…)”, ou seja, “ o juiz não pode confiar no precedente como de olhos fechados, deve formar um juízo pessoal, pelo menos quando surjam dúvidas sobre a correcção daquele”, em suma, “ se, na convicção do juiz chamado a decidir, a incorrecção do precedente for evidente, o postulado da igualdade de tratamento não o impedirá de decidir correctamente”], considerando que “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” [art.º 8º,nº4, do CC], e, bem assim, que as Decisões do STJ devem merecer da parte de todos os juízes uma atenção especial [desde logo por estar em causa uma decisão que emana de órgão de soberania que se encontra no vértice da hierarquia dos tribunais judiciais - conforme estabelecido no artigo 110.º e n.º 1 do artigo 210.º da Constituição da República Portuguesa ], certo é que não descortinamos que diversas razões convincentes e irrefutáveis existam que justifiquem da aludida uniformidade do STJ divergir. Consequentemente, inexistindo razões ponderosas - baseadas em critérios rigorosos, em contributos convincentes da doutrina e/ou em novos argumentos – que apoiem pertinente fundamentação idónea a contrariar a doutrina consensual [apesar de não uniformizada ainda] pelo Supremo Tribunal de Justiça, não se revelando esta última, de todo, ostensivamente desacertada, manda igualmente a regra do bom senso da prudência, da sabedoria, e da segurança [considerando designadamente a conjugação – para efeitos recursórios - do disposto no art.º 629º, nº 2, alínea a) e art.º 671º,nº2, alínea a) e nº 3, ambos do CPC] que seja seguida/perfilhada a aludida doutrina, assim se abdicando de excessos de autoafirmação, nada consentâneos com o valor da segurança jurídica . Acresce que, no seguimento do entendimento jurisprudencial praticamente consensual do STJ, e verificando-se a situação fáctica que o autor/apelante invoca na sua petição inicial, se não passível de integrar a mesma a previsão da alínea a), do art.º 62º, do CPC, inquestionável é porém que preencherá pelo menos o tatbestand da alínea b) [“Estando indiciado pela alegação na petição inicial que o centro de interesses do Autor predominante se situa em Portugal, uma vez que aqui pratica profissionalmente a atividade de futebolista destacado em diversos clubes desportivos, pelo menos desde que se fixa o começo da invocada violação do direito ao nome e à imagem e, tratando-se de uma causa de pedir complexa, não se afigura motivo para excluir a competência dos tribunais portugueses sob o disposto do artigo 62º alínea b) do CPC” (15)], senão mesmo e também o da alínea c) [“ Observe-se ainda que, recolhe também justificação a aplicação da competência internacional dos tribunais portugueses sob o critério estabelecido no artigo 62º alínea c) do CPC, i.e, a existência de conexão relevante entre o litígio e o foro nacional escolhido pelo Autor, considerando a nacionalidade do Autor e a sua residência, sendo os videojogos comercializados pela Ré em diversos países, suscetíveis de serem palco de outros litígios” (16)] Em suma, a apelação só pode e deve proceder, importando revogar-se a decisão apelada e reconhecendo-se a competência internacional do tribunal português para conhecer de presente ação. * 4.- Concluindo (cfr. art.º 663º, nº 7, do CPC) 4.1. - A competência absoluta do tribunal é pressuposto processual que se determina atendendo a como o autor configura o pedido e a causa de pedir; 4.2. – Alegando o autor ser um profissional de futebol que exerceu predominantemente a sua actividade em Portugal, o que actualmente ainda sucede, e peticionando da ré [com sede nos EUA] uma indemnização por danos causados pela utilização não consentida do seu nome e imagem em videojogos produzidos nos EUA e divulgados por todo o mundo, em causa está um pedido e subjacente causa de pedir que integra a previsão das alíneas a) e b), do art.º 62º, do CPC, sendo o tribunal a quo/português o competente internacionalmente . 4.3. – Vindo o STJ de há muito a esta parte e em casos semelhantes aos identificados em 4.2. a reconhecer a competência dos tribunais portugueses - segundo os princípios da coincidência e da causalidade - para conhecer de acções de responsabilidade civil extracontratual, propostas por jogadores de futebol [que pedem uma indemnização pela utilização não consentida do seu nome e da sua imagem, em videojogos produzidos nos Estados Unidos da América], e inexistindo razões ponderosas - baseadas em critérios rigorosos, em contributos convincentes da doutrina e/ou em novos argumentos – que justifiquem divergir da referida jurisprudência consensual do STJ, manda a regra do bom senso da prudência, da sabedoria, e da segurança [considerando designadamente a conjugação – para efeitos recursórios - do disposto no art.º 629º, nº 2, alínea a) e art.º 671º, nº 2, alínea a) e nº3, ambos do CPC] que seja seguida/perfilhada a aludida jurisprudência, assim se abdicando de excessos de autoafirmação, nada consentâneos com o valor da segurança jurídica . *** 5- Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA, na sequência dos fundamentos supra aduzidos, em conceder provimento à apelação de A, e, consequentemente, decidem: 5.1. - Revogar a sentença apelada; 5.2.- Declarar a competência absoluta do tribunal recorrido [Juízo Central Cível de Almada - Juiz 2] para da acção conhecer e, consequentemente, determinam o prosseguimento dos autos; 5.3. - Determinar o desentranhamento dos autos dos documentos juntos pelo apelante e apelada com as respectivas alegações recursórias; * Tendo a Ré ficado vencida na apelação, suportará a mesma as respectivas e devidas custas [cfr. art.º 527º, nºs 1 e 2, do CPC]. Custas do incidente reportado à junção indevida de documento/s em sede de instância recursória a cargo do seu apresentante/apelante e apelada, e fixando-se a taxa de justiça em 1 UC - cfr. art.º 527º/1 CPC e art.º 7º/4, do RCJ. *** (1) Dispõe o art.º 423º, do CPC, sob a epígrafe de “Momento da apresentação”, que: “1- Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2 - Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.” (2) In Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, Pág. 254 (3) Cfr. Brites Lameiras, in Notas Práticas Ao Regime Dos Recursos Em Processo Civil, 2dª Edição, Almedina, pág. 123. (4) Em anotação ao Ac. do STJ de 09.12.1980, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115º, págs. 91 e segs.. (5) Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Évora, de 25/6/2020, Proferido no Processo nº 769/12.0TBTVR-A.E1, e in www.dgsi.pt. (6) Cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 91, e Artur Anselmo de Castro, in Lições de Processo Civil, II, 1970, 379. (7) Cfr., de entre muitos outros, o Ac. do STJ de 9/7/2014, Proc. Nº 934/05.6TBMFR.L1.S1, e o Ac de 25.06.2015, do Tribunal dos Conflitos, proferido no Processo nº 08/15, ambos in www.dgsi.pt. (8) Cfr. Artur Anselmo de Castro, em Direito Processual Civil Declaratório, II, 1982, Almedina, Pág. 21. (9) Proferido no Processo nº 4488/20.5T8ALM-A.L1-8, estando disponível em www.dgsi.pt. (10) Proferido no Processo nº 96/21.1T8ALM-A.L1-6, estando disponível em www.dgsi.pt. (11) Proferido no Processo nº 96/21.1T8ALM-A.L1-6, sendo Relatora FÁTIMA GOMES, e estando disponível em www.dgsi.pt. (12) Vg. da parte de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, em Blog do IPPC, de 06/02/2023 - Futebolistas, videojogos e competência internacional – e acessível em https://blogippc.blogspot.com/2023/02/futebolistas-videojogos-e-competencia.html. (13) Aos Acórdãos do STJ identificados no Acórdão referido de 28/5/2024, acresce ainda um outro de 29/2/2024, proferido no Processo nº 17657/20.9TSLSB-A.L1.S1, sendo Relator FERREIRA LOPES, e estando disponível em www.dgsi.pt. (14) Em Metodologia do Direito, pág. 497, e citado por Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil,NOVO REGIME, 2010, 3ª edição, Almedina, pág. 498, nota 670. (15) Cfr. Acórdão do STJ de 25/5/2023, proferido no Processo nº 3729/21.6T8BRG.G1-A.S1, sendo Relatora ISABEL SALGADO, e estando disponível em www.dgsi.pt. (16) Cfr. Acórdão do STJ de 25/5/2023, proferido no Processo nº 3729/21.6T8BRG.G1-A.S1, sendo Relatora ISABEL SALGADO, e estando disponível em www.dgsi.pt. * LISBOA, 4/7/2024 António Manuel Fernandes dos Santos Gabriela de Fátima Marques Teresa Soares |