Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
22708/18.4T8SNT.L1-6
Relator: VERA ANTUNES
Descritores: ASSEMBLEIA GERAL
CONVOCATÓRIA
PRESENÇA
DELIBERAÇÃO
CARTAS MANDADEIRAS
REVOGAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - As pessoas colectivas manifestam a sua vontade resolvendo ou deliberando através das suas assembleias ou reuniões de sócios e para tanto, a Lei impõe o cumprimento de determinadas formalidades para que se garanta que cada sócio tem conhecimento do que se vai discutir em tais assembleias e reuniões e que nelas possa participar e manifestar a sua opinião e vontade livremente; assim, a imposição de formalidades para a convocatória e para a deliberação.
II – De acordo com o art.º 54º do Código das Sociedades Comerciais podem os sócios, em qualquer tipo de sociedade, tomar deliberações unânimes por escrito, e bem assim reunir-se em assembleia geral, sem observância de formalidades prévias, tal como a prévia convocatória, desde que todos estejam presentes e todos manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e todos manifestem a vontade de deliberar sobre determinado assunto.
III – Nesse caso, o representante de um sócio só pode votar em deliberações tomadas nos termos do n.º 1 se para o efeito estiver expressamente autorizado, cfr. n.º 3, do mesmo preceito legal.
IV – Os instrumentos de representação voluntária que não mencionem a duração dos poderes conferidos são válidos apenas para o ano civil respectivo; os instrumentos de representação voluntária que não mencionem as formas de deliberação abrangidas são válidos apenas para deliberações a tomar em assembleias gerais regularmente convocadas.
V - O art.º 380.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais não restringe a definição de instrumento de representação voluntária às denominadas “cartas mandadeiras”, dispondo apenas que as mesmas bastam como instrumento de representação voluntária.
VI - A matéria da representação voluntária em deliberações de sócios nas sociedades por quotas mostra-se especificamente regulada no art.º 249º do CSC, o que claramente exclui o recurso ao disposto na lei sobre as assembleias gerais das sociedades anónimas.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízes na 1ª Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
P..., intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra G...Lda., pedindo:
- A nulidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral da R. de 21.05.2018;
- Subsidiariamente a sua anulação, e;
- Que se considere inadmissível a possibilidade de renovação das mesmas.
Para tanto alegou, no essencial, que é titular de uma quota de 100,00 € no capital social da Ré.
Em 21/5/2018 a Ré deliberou a instauração de acção de condenação, contra o A. e seu pai e só no âmbito da referida acção veio a ter conhecimento da Assembleia.
A referida assembleia geral não foi convocada, tendo reunido com recurso ao uso abusivo de uma procuração passada em 2014 pelo A. ao irmão, em virtude da ida do primeiro para o Brasil, até 27/4/2016.
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 A R. apresentou contestação na qual arguiu as excepções de ilegitimidade activa parcial, litispendência e caducidade; impugnou matéria de facto e de direito e pediu a condenação do A. como litigante de má fé, em multa e indemnização de valor não inferior a 1.000,00 €.   
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O A. respondeu às excepções e pediu a condenação da R. como litigante de má fé, em multa e indemnização de valor não inferior a € 5.000,00. 
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Foi realizada audiência prévia com as finalidades previstas no art.º 591.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, no âmbito da qual foram conhecidas as excepções de ilegitimidade parcial e litispendência, proferido despacho saneador, enunciado o objecto do litígio e fixada a matéria de facto considerada assente por acordo, que não foi objecto de reclamação. 
Face à matéria de facto dada como provada, foi dada a palavra para alegações finais, aos Ilustres Mandatários presentes.
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Foi proferida Sentença onde se decidiu:
1. Julgar improcedente a excepção de caducidade deduzida pela Ré;
2. Nos termos do art.º 56.º, n.º 1, al. a), do CSC, declarar nulas as deliberações tomadas na reunião assembleia geral da Ré de 21/5/2018; 
3. Julgar prejudicado o pedido de anulação deduzido pelo A. a título subsidiário; 
4. Julgar improcedente, por não provado, o pedido de que se considere inadmissível a possibilidade de renovação das deliberações vertida no artigo 62.º do CSC. 
5. Julgar improcedentes, por não provados, os pedidos de condenação de ambas as partes como litigância de má-fé.
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Desta decisão recorreu a R., formulando as seguintes conclusões:
“a) A douta sentença de que agora se recorre foi notificada à ora Recorrente, via Citius no dia 24 de Junho de 2019;
b) A douta sentença de que agora se recorre declarou nulas as deliberações tomadas na assembleia geral da Ré, ora Recorrente, havida em 21 de Maio de 2018.
c) A douta sentença de que agora se recorre ainda não transitou em julgado;
d) No dia 28 de Junho de 2019, teve lugar uma assembleia geral dos sócios da ora Recorrente, constando como ponto três da ordem dos trabalhos a renovação das deliberações sociais da Assembleia Geral de 21 de Maio de 2018, em que foi deliberada a interposição de acções judiciais contra o então sócio M… e contra o sócio P... (aqui Recorrido), para recuperação dos créditos detidos pela ora Recorrente.
e) E, depois, no dia 10 de Julho de 2019, reuniu, de novo, a Assembleia Geral dos sócios da ora Recorrente, constando como ponto três da ordem dos trabalhos a renovação das deliberações sociais da Assembleia Geral de 21 de Maio de 2018, em que foi deliberada a interposição de acções judiciais contra o então sócio M... e contra o sócio P... (aqui Recorrido), para recuperação dos créditos detidos pela ora Recorrente.
 f) Ou seja, já depois de proferida a sentença recorrida, mas em data em que a mesma não transitou em julgado, veio a ocorrer facto superveniente relativo ao mérito da causa e que pode e deve ser conhecido por este Tribunal de recurso.
g) Entende, pois, a Recorrente, que, ao abrigo do preceituado nos artigos 611º e 663º do Código do Processo Civil lhe é lícito alegar e ao Tribunal de Recurso conhecer, o facto superveniente à prolação da decisão na 1ª instância, e que se consubstancia na renovação das deliberações sociais tomadas na assembleia geral da Recorrente de 21 de Maio de 2018.
h) A renovação das deliberações tomadas na assembleia geral da ora Recorrente de 21 de Maio de 2018 é um facto superveniente, principal e essencial que tem efeitos extintivos do pedido do Recorrido, confirmado parcialmente pelo Tribunal a quo.
i) Dispõe o nº 1 do art.º 62º do Código das Sociedades Comerciais que: “Uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 56º pode ser renovadas por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroactiva, salvaguardando os efeitos de terceiros.”
j) No caso dos autos, está em causa a inexistência de convocatória para a assembleia geral, pelo que estamos perante deliberação nula passível de renovação face ao previsto no art.º 62º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais e a não participação e votação da totalidade dos sócios.
k) No caso dos presentes autos, as deliberações que se pretendia fossem anuladas foram, de facto, renovadas porquanto houve uma nova deliberação, que, como se infere do documento nº 1 e do documento nº 2 que se juntam, se encontra devidamente expurgada da precedente causa de invalidade que afectara o processo de formação da anterior, qual seja a violação do prazo de antecedência (art.º 377º do Código das Sociedades Comerciais).
l) Ou seja, as deliberações tomadas em 28 de Junho de 2019 e em 10 de Julho de 2019, reproduzindo embora o conteúdo das antecedentes, consubstanciam novas deliberações, inteiramente distintas das primeiras, definidoras de uma ulterior vontade social sobre o mesmo objecto.
m) Daqui não pode, pois, deixar de resultar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do previsto no art.º 277º, al.) c) do Código do Processo Civil.
n) Em todo o caso, e, na eventualidade de assim não se entender, o que se não concede mas admite, por cautela de patrocínio, sempre se terá que considerar que:
o) A única questão que relevava decidir era a validade da procuração outorgada pelo Recorrido ao seu irmão para o representar na assembleia geral da Recorrente havida em 21 de Maio de 2018.
p) O Tribunal a quo decidiu que a procuração apresentada, não mencionando a duração dos poderes conferidos, para efeitos de representação voluntária em assembleias gerais da Recorrente, nos termos do nº 3 do art.º 249º do Código das Sociedades Comerciais, deixou de ser válida a partir do termo do ano de 2014.
q) O Recorrido olvidou que o nº 1 do art.º 248º do Código das Sociedades Comerciais aplica às assembleias gerais das sociedades por quotas o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas. E, portanto, como o art.º 249º do Código das Sociedades Comerciais não aponta o que se entende por instrumento de representação voluntária, será no disposto do art.º 373º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais que se terá que encontrar o conceito de instrumento de representação voluntário para efeitos de representação de sócios em assembleias gerais.
r) O nº 2 do art.º 380º do Código das Sociedades Comerciais define como instrumento de representação voluntária dos acionistas nas assembleias gerais, “documento escrito dirigido ao presidente da mesa”, mais definindo que “tais documentos ficam arquivados na sociedade pelo período obrigatório de conservação de documentos”.
s) Ou seja, o que se entende como instrumento de representação voluntária nas assembleias de acionistas é a vulgarmente denominada “carta mandadeira”, na qual determinado acionista mandata outrem para em concreta e determinada assembleia geral o representar.
t) E não procurações com amplos poderes de administração civil como aquela que o Recorrido outorgou a favor do seu representante PE....
u) De resto, sabe-se que a procuração em causa não caduca ou se esgota com o decurso do tempo, mas, antes, tem validade enquanto não for revogada.
v) E, confessadamente, esta procuração, com amplos poderes de administração civil, apenas foi revogada a partir do dia 10 de Dezembro de 2018.
 w) A procuração apenas foi revogada, a partir de 10 de Dezembro de 2018, produzindo efeitos desde que chegada ao poder do procurador ou desde que dele seja conhecida ou suscetível de ser conhecida (cfr. Ac da RL, datado 10.05.2011, em sede do processo 168/2002.L1-7, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
x) Por isso, deveria ter-se concluído que, em 21 de Maio de 2018, o Recorrido estava devidamente representado na assembleia geral da Recorrente, cujas deliberações estavam em crise nos presentes autos.
y) Presume-se que, estando o Recorrido devida e validamente representado na assembleia geral, e, não tendo a procuração sido revogada, teve pleno conhecimento das deliberações agora postas em crise. Ou, pelo menos, que teve possibilidade e oportunidade de conhecer as deliberações em data anterior a ter tido conhecimento da Réplica em sede dos autos do processo nº 17253/18.0T8SNT, a correr termos no Juiz 2 do Juízo Central Cível de Sintra deste Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste.
z) Pelo que, outra decisão haveria de ter sido tomada, apontando no sentido de ser válida e bastante para representar o Recorrido nas Assembleias Gerais da Recorrente a Procuração com amplos poderes de administração civil outorgada pelo Recorrido a seu irmão.
aa) Devendo, portanto, e, com o devido respeito, que é muito, revogar-se a decisão aqui em crise, substituindo-se a mesma por uma outra que decida em sentido contrário e que leve à improcedência da acção.
bb) O que desde já requer e propugna.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vª. Exas. Venerandos Desembargadores melhor suprirão, requer-se que seja o presente Recurso provido por procedente e, em consequência se revogue a sentença proferida, na parte em que declarou nulas as deliberações tomadas na reunião assembleia geral da Recorrente de 21 de Maio de 2018, substituindo-se a mesma por outra que venha a decidir pela inutilidade superveniente da lide, por via da renovação das deliberações, ou, em alternativa, por uma que absolva a Recorrente, assim se fazendo Justiça.”
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O A. apresentou contra-alegações, concluindo como segue:
“A. As deliberações renovatórias alegadamente ocorridas a 10.07.2019 e trazidas pela Recorrente como base do presente recurso foram objeto de impugnação judicial, processo que corre termos sob o n.º 12661/19.2T8SNT no Juízo de Comércio de Sintra – Juiz 3.
B. À data da entrada das alegações de recurso – 4.9.2019 – a Recorrente conhecia já a referida ação sem que, no entanto, a tenha mencionado nas alegações.
C. A Recorrente, desde a entrada em juízo dos presentes autos – 24.12.2018 – e mediante o pedido efetuado pelo A. de declaração de nulidade das deliberações de 21.05.2018, poderia ter de imediato convocado nova Assembleia Geral para renovar as deliberações sem o vício que as impugnou ao abrigo do artigo 62.º número 3 CSC, direito que não utilizou porque não quis.
D. Apenas veio a Recorrente a agendar a Assembleia Geral, que ocorreu a 10.7.2019 para renovação das deliberações, por convocatória datada de 12.06.2019.
E. A Recorrente baseia o seu Recurso na admissibilidade da renovação das deliberações de 21.5.2018 ocorrida em 10.7.2019 como facto superveniente, importando assim a inutilidade superveniente da lide.
F. Contudo, se na verdade o sistema recursivo português admite a assunção de factos supervenientes, na verdade, a superveniência do facto alegado nos presentes autos – renovação de deliberações ocorrida a 10.7.2019 – só à própria Recorrente é imputável, tratando-se assim de superveniência subjetiva e culposa da Recorrente.
G. Pelo que, colocando-se nessa posição de forma voluntária e culposa, torna inadmissível o facto alegado pela Recorrente como superveniente para basear o presente recurso.
H. O A., aqui Recorrido, impugnou também as deliberações tomadas na Assembleia Geral de 10.07.2019 porque tem fundadas dúvidas sobre a validade da deliberação dita renovatória e, consequentemente, sobre se esta vale a ponto de impedir a continuação da presente instância porquanto tais deliberações foram tomadas com uma estrutura de votos decorrente de um aumento de capital igualmente impugnado pelo Recorrido, especificamente, nas ações n.º 1098/19.3T8SNT, Juízo do Comércio de Sintra – Juiz 1, e n.º 5788/19.2T8SNT, Juízo do Comércio de Sintra – Juiz 3.
I. Tais impugnações foram intentadas tendo por base, entre outros argumentos, a invalidade da mesma procuração decretada inválida nestes autos (e que, assim mesmo, gerou a nulidade das deliberações de 21.05.2018).
J. Nestes termos, por interdependência, admitir-se-á a suspensão da instância nos presentes autos enquanto as três ações indicadas nos artigos 3. e 19. das presentes contra-alegações não forem definitivamente decididas conforme artigos 276.º, al. c) e 279.º CPC, e não já a inutilidade superveniente da lide conforme requer a Recorrente.
K. Acresce que a declaração de nulidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral de 21.05.2019 não é irrelevante quanto aos efeitos jurídicos que poderá produzir porquanto às deliberações renovatórias de 10.07.2019 não foi conferido efeito retroativo, e tais deliberações referem-se à possibilidade de a Recorrente, sociedade, intentar ações judiciais contra os seus sócios, direito esse sujeito a prazos de prescrição.
L. A manutenção na ordem jurídica da nulidade das deliberações de 21.05.2019 é, assim, relevante para os interesses de terceiros, designadamente, dos sócios contra quem a sociedade tenha intentado ações judiciais, motivo também pelo qual deve ser mantida a sentença proferida pelo tribunal a quo.
M. Nos termos do disposto no artigo 62.º do Código das Sociedades Comerciais, o instituto da renovação de deliberações só é aplicável quando uma deliberação seja inválida pelo que, renovar quaisquer deliberações, como fez a Recorrente, significa automaticamente admiti-las como inválidas (nulas ou anuláveis), constituindo o presente recurso um verdadeiro abuso de direito, assim devendo improceder.
N. Não colhe também o argumento da Recorrente quanto à invalidade do instrumento de representação/carta mandadeira, sendo aplicável como norma específica o artigo 249.º número 3 CSC que é expresso quanto à caducidade dos poderes conferidos no final do ano civil da procuração – in casu, 2014 – quando o instrumento não mencione a duração dos poderes.
O. Acresce que, a procuração sub judice não menciona expressamente as formas de deliberação abrangidas pelo instrumento pelo que nos termos do artigo 249.º número 2 CSC só é válida para utilização em assembleias gerais regularmente convocadas, que não o caso da presente, reunida ao abrigo do artigo 54.º CSC.
P. Da caducidade dos poderes de representação em assembleia geral deu nota o Recorrido ao seu procurador, representante legal da Recorrente, por carta de 10.12.2018 pelo que a Recorrente não pode retirar da revogação da procuração as conclusões que expõe nem os efeitos que pretende.
Termos em que o recurso interposto pela Recorrente deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se tudo o decidido na sentença  recorrida e proferida pelo Tribunal a quo ou, a admitir-se algum efeito que seja o da suspensão da instância conforme artigos 276.º, al. c) e 279.º Código de Processo Civil até que seja proferida decisão nos Processos n.º 12661/19.2T8SNT, Juízo de Comércio de Sintra – Juiz 3, n.º 1098/19.3T8SNT, Juízo do Comércio de Sintra – Juiz 1, e n.º 5788/19.2T8SNT, Juízo do Comércio de Sintra – Juiz 3.”
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O recurso foi regularmente admitido.
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Por despacho proferido em 6/7/2020 tomou-se posição quanto à admissibilidade da invocação de factos novos pela recorrente - que se julgou verificar - e quanto às eventuais consequências da consideração dos factos novos.
Nessa sequência, os autos estiveram suspensos a aguardar a decisão com trânsito em julgado nos autos com o n.º 12661/19.2T8SNT, os quais por sua vez aguardavam pela decisão final no Proc. 5788/19.2T8SNT, desde 4/6/2020.
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As acções em causa encontram-se findas, pelo que se determinou finda a suspensão da instância.
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Nos termos do Despacho proferido em 29/10/2024 foram ainda as partes convidadas a pronunciar-se sobre a inutilidade do prosseguimento do presente Recurso, porquanto no Proc. n.º 12661/19.2T8SNT, Juízo de Comércio de Sintra – Juiz 3 o A., aqui também A. formulou contra a R., aqui também R., o seguinte pedido:
a) A nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré de 10/07/2019 ao abrigo do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea d), do Código das Sociedades Comerciais; ou, caso assim não se entenda
b) A anulação das mesmas deliberações por via dos artigos 58.º, n.º 1, alíneas a) b) e c), 69.º, n.º 1 e 290.º n.º 3, todos do Código das Sociedades Comerciais.
Em sede de Saneador Sentença conheceu-se parcialmente de mérito e foi proferida decisão a julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré de 10/07/2019, ao abrigo do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea d), do Código das Sociedades Comerciais, formulado sob a alínea a) do petitório constante da petição inicial.
Determinou-se o prosseguimento dos autos para conhecer do pedido formulado sob a alínea b).
Sucede que por Sentença de 2/5/2024 foi decidido, para o que aqui interessa, julgar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, de harmonia com o disposto no art.º 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil.
A fundamentação do decidido é a seguinte:
“Mostram-se assentes, por acordo e por documentos, os seguintes factos:
1. Na assembleia geral da Ré realizada em 10/07/2019, foram discutidas e votadas, respetivamente, as contas do exercício de 2018 e a reaprovação das contas de 2017 por ter havido retificações.
2. Os presentes autos prosseguiram para apreciação do pedido de anulação das deliberações tomadas na aludida assembleia geral da Ré de 10/07/2019, por via dos artigos 58.º, n.º 1, alíneas a) b) e c), 69.º, n.º 1 e 290.º n.º 3, todos do Código das Sociedades Comerciais.
3. Na assembleia geral da Ré realizada em 14/03/2024, foi aprovada a renovação integral, com efeitos retroativos, das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré realizada a 10/07/2019.
4. O Autor não impugnou as deliberações aprovadas na referida assembleia geral da Ré de 14/03/2024.
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IV. Como é sabido, com a presente ação, o Autor pretende impugnar as deliberações sociais aprovadas na assembleia geral da Ré de 10/07/2019, tendo os autos prosseguido para a apreciação do pedido de anulação das referidas deliberações por via dos artigos 58.º, n.º 1, alíneas a) b) e c), 69.º, n.º 1 e 290.º n.º 3, todos do Código das Sociedades Comerciais (cfr. ata da audiência prévia realizada em 18/01/2024). Sucede que, entretanto, a Ré apresentou requerimento informando que havia renovado, em assembleia geral realizada no dia 14/03/2024, e com efeitos retroativos, as deliberações aqui impugnadas (e tomadas na assembleia geral da Ré de 10/07/2019). Em face disto, importa analisar os efeitos processuais nesta instância das deliberações (renovadoras) tomadas na assembleia geral da Ré de 14/03/2024.
A propósito da renovação da deliberação, dispõe o art.º 62.º, do Código das Sociedades Comerciais:
«1. Uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 56.º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroativa, salvaguardados os efeitos de terceiros.
2. A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente. O sócio, porém, que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação relativamente ao período anterior à deliberação renovatória.»
Com a renovação da deliberação social (e mais ainda, tendo a mesma eficácia retroativa), tem-se em vista conservar e preservar os efeitos jurídicos pretendidos com a deliberação anterior, mas sem a “sombra” de qualquer invalidade, obviando aos inconvenientes e incertezas decorrentes da instauração ou da pendência duma ação impugnatória da deliberação anterior. E, sendo renovadora, a deliberação repete e substitui a deliberação primitiva, ocupando retroativamente o seu lugar.
Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/09/2021, processo n.º 675/10.2TBPTS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, «(…) a renovação da deliberação não é um ato complementar ou de segundo grau, não determinando a sanação da primitiva deliberação, nem originando a imputação de efeitos (de forma consolidada) a esta, sendo à nova deliberação que passam a reportar-se todos os efeitos (para o futuro e também para o passado, em caso, como o dos autos, de eficácia retroativa da deliberação renovadora).» sublinhado nosso.
Daí que Pinto Furtado [1 In Deliberações dos Sócios, pág. 626] afirme que: «(…) se a deliberação de renovação não se apresenta como um simples ato complementar ou de 2.º grau, sendo verdadeiramente uma nova deliberação que pretende erigir a mesma disciplina de interesses da anterior, mas isenta de mácula, não é de todo concebível a existência de uma ação da anulação ou de declaração de nulidade contra a deliberação anterior, contra uma deliberação que, afinal, foi riscada do mapa.” (…).
Acrescentando mais à frente que, no caso de a renovação só vir a ocorrer já na pendência de um processo judicial oposto contra a deliberação primeiramente adotada (o caso dos autos), «também aqui, se a renovação operou a substituição da deliberação que estava a ser impugnada, parece evidente que o pedido do autor deixa de poder ser atendido, pela impossibilidade lógica de vir a anular-se ou a decretar-se a invalidade ou inexistência jurídica de algo que, entretanto, cessou de existir» [2 Ob. citada, pág. 631]. E ainda que «ficamos em presença dos efeitos que jorram da nova deliberação – e esta, reproduzindo embora o conteúdo da anterior, nem por isso deixa de constituir uma nova deliberação, inteiramente distinta da primeira, que define uma ulterior vontade social sobre o mesmo objeto e, portanto, fica exclusivamente atida à sindicância da sua própria formação, não sendo lícito ao tribunal estabelecer se a renovação eliminou a precedente causa de invalidade.» [3 Ob. citada, pág. 632.]
Reportando-nos ao caso dos autos, as deliberações aqui impugnadas são, indubitavelmente, suscetíveis de renovação, sendo ponto assente que na assembleia geral da Ré realizada em 14/03/2024, foi aprovada a renovação integral, com efeitos retroativos, das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré realizada a 10/07/2019, em crise nestes autos.
Acresce que o Autor não impugnou as deliberações aprovadas na referida assembleia geral da Ré de 14/03/2024. Ora, como vimos supra, a deliberação de renovação substituiu as deliberações impugnadas nestes autos e, ao fazê-lo, inutilizou o pedido e a causa de pedir desta ação, e impediu a sua análise e apreciação pelo Tribunal.
É que, como afirmou o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão supra citado, «(…) se há uma ato da sociedade (a nova deliberação) que retira valor à primitiva deliberação, a decisão do juiz que se debruce sobre um pedido de impugnação da primitiva deliberação, debruça-se sobre um ato que não é já sequer uma manifestação da vontade social (e se os efeitos a que tendia a primitiva deliberação não lhe são já imputáveis, a ação que a impugna não poderá chegar ao seu termo).» Em face disto, importa concluir que, na pendência da causa, por força da deliberação de renovação apresentada pela Ré, este Tribunal ficou impedido de analisar e de se pronunciar sobre o mérito da causa, o que faz cair por terra o pedido do Autor no seu requerimento de 06/03/2024 de dar como provados os factos alegados na petição inicial por confissão dos mesmos e de declarar procedente a presente ação, antes se impondo, ao invés, a extinção da instância, com fundamento em impossibilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277.º, al. e). do Código de Processo Civil.”
Entendeu-se assim no mesmo Despacho proferido em 29/10/2024 que, face à factualidade que consta da decisão proferida e que aqui se reproduziu, está o presente Recurso em condições de vir a ser proferida decisão de inutilidade superveniente do mesmo, atendendo a que:
“3. Na assembleia geral da Ré realizada em 14/03/2024, foi aprovada a renovação integral, com efeitos retroativos, das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré realizada a 10/07/2019.
4. O Autor não impugnou as deliberações aprovadas na referida assembleia geral da Ré de 14/03/2024.”
Relembre-se que nos autos já se havia referido que:
Para a decisão das questões prévias colocadas impõe-se considerar a seguinte matéria de facto, decorrente da tramitação da instância e trazida documentalmente aos autos com o Recurso e admitida pelas partes:
1. P... intentou a presente acção declarativa de anulação e declaração de nulidade de deliberações sociais contra G… Lda. pedindo, entre outros, a nulidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré de 21 de Maio de 2018 ao abrigo do disposto no artigo 56.º, número 1, al. a) do Código das Sociedades Comerciais ou, caso assim não se entenda, a anulação das mesmas deliberações por via do artigo 58.º número 1, al. b) e c) do Código das Sociedades Comerciais.
2. A Assembleia Geral Extraordinária da R. de 21/5/2018 teve a seguinte Ordem de Trabalhos:
“Ponto Um – Deliberar a interposição de Acção Judicial a intentar contra o Sócio P... em virtude de se ter conhecido, em Setembro de 2016, que havia sido transferido para a sua conta a quantia de 760.000€ (setecentos e sessenta mil euros), sem qualquer justificação, motivo ou substrato válido, verba essa cuja devolução já lhe foi solicitada verbalmente e por escrito, não tendo havido qualquer resposta da sua parte.
Ponto Dois – Deliberar a interposição de Acção Judicial a intentar contra o sócio M..., em virtude de se ter conhecido em Setembro de 2016 que haviam sido transferidos ou por si levantados diverso montantes, totalizando a quantia de 415.000€ (quatrocentos e quinze mil euros), sem qualquer justificação, motivo ou substrato válido, verba essa cuja devolução já lhe foi solicitada verbalmente e por escrito, não tendo havido qualquer resposta da sua parte.”
3. Foi proferida Sentença nos autos notificada à Recorrente em 24 de Junho de 2019, declarando nulas as deliberações tomadas na assembleia geral da Ré de 21/5/2018.
4. No dia 28 de Junho de 2019, teve lugar uma Assembleia Geral dos sócios da ora Recorrente, constando como ponto três da ordem dos trabalhos: “Renovação das deliberações sociais da Assembleia Geral de 21 de Maio de 2018, em que foram deliberadas a interposição de acções judiciais contra o então sócio M... e contra o sócio P..., para recuperação dos créditos detidos por esta empresa”, adiada, com a mesma Ordem de Trabalhos, para o dia 10/7/2019.
5. No dia 10 de Julho de 2019, reuniu, de novo, a Assembleia Geral dos sócios da ora Recorrente, tendo sido aprovada a Deliberação sobre o Ponto 3 da Ordem de trabalhos.”
Considerando assim que a aprovação da deliberação renovatória aprovada na referida assembleia geral da Ré de 14/03/2024 e sem que dela tenha havido impugnação seria susceptível de tornar inútil o prosseguimento do presente Recurso, foram as partes convidadas a pronunciar-se, o que fizeram nos termos das respostas que antecedem, tendo a Recorrente, em síntese pugnado pela “…extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do previsto no art.º 277º, al.) c) do Código do Processo Civil, julgando-se procedente o recurso interposto pela Recorrente, e, em consequência, se revogue a sentença proferida, na parte em que declarou nulas as deliberações tomadas na reunião assembleia geral da Recorrente de 21 de Maio de 2018, substituindo-se a mesma por outra que venha a decidir pela inutilidade superveniente da lide, por via da renovação das deliberações.”;
E a Recorrida: “… discute-se a respetiva utilidade de prosseguimento, interposto que foi pela Ré/Recorrente e mediante as informações trazidas pela mesma aos autos. (…) Recorde-se que, conforme o A./Recorrido já alegou nos presentes autos, a invalidade das deliberações da Assembleia Geral de 21.05.2018 não é irrelevante quanto aos efeitos jurídicos que poderá produzir uma vez que, às deliberações renovatórias de 10.07.2019 não foi conferido efeito retroativo (apenas o tendo sido às de 14.03.2024), e as primeiras (de 21.05.2018) referem-se à possibilidade de a Recorrente intentar ações judiciais contra os seus sócios, nomeadamente contra o A./Recorrido, o que fez, direito esse sujeito a prazos de prescrição. (…) Assim, tem o A./Recorrido interesse atendível em ver julgadas nulas e/ou anuláveis as deliberações de 21.05.2018 nos termos do artigo 62.º, n.º 2 in fine CSC, o que respeitosamente se requer a esse Venerando Tribunal a par da inutilidade do prosseguimento do presente Recurso. (…) Sem prejuízo do sentido e conteúdo da decisão que for tomada, e no caso de ser determinada por esse Venerando Tribunal a inutilidade do prosseguimento do presente recurso, sempre deverá tal inutilidade ser imputada, em todo o caso, exclusivamente, à Ré, Recorrente, por superveniência, em relação à sentença proferida em primeira instância que determinou a nulidade das deliberações de 21.05.2018, das assembleias gerais de 10.07.2019 e 14.03.2024 que a própria convocou, o que igualmente se requer.”
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II. Da (in)utilidade do presente recurso.
Perante as posições suscitadas pelas partes nas respostas que apresentaram ao convite para tanto formulado, resulta que não é possível considerar a inutilidade superveniente em relação ao presente recurso, posto que na deliberação renovatória de 14/03/2024 foi aprovada a renovação integral, com efeitos retroativos, das deliberações tomadas na assembleia geral da Ré realizada a 10/07/2019; mas na deliberação renovatória tomada em 10/7/2019 não foi deliberado conferir-se carácter retroactivo à mesma.
Assim, mantém-se o interesse das partes, manifestado aliás nos requerimentos de resposta ao convite a tanto efectuado, nos termos supra expostos, na apreciação do presente recurso, o que se passa a fazer.
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III.  Questão a decidir:
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), a questão que resta decidir no presente recurso é a de saber se ocorreu a nulidade das deliberações tomadas na reunião da Assembleia Geral da Recorrente ocorrida em 21 de Maio de 2018.
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IV. Fundamentação de Facto:
Foi considerada assente na 1ª Instância a seguinte matéria de facto:
1. A Sociedade R. dedica-se à actividade de Administração e exploração, comercial ou agrícola, de todo o tipo de imóveis próprios ou arrendados.
2. Actualmente tem o capital social de Eur. 230.000,00, distribuído da seguinte forma: - P... – Eur. 100,00; - L… – Eur. 100,00; - M... – duas quotas, respectivamente de Eur. 1.800,00 e Eur. 2.924,98; - PE… – duas quotas, respectivamente de Eur. 100,00 e Eur. 66.200,08; - L…, S.A. – três quotas, respectivamente de Eur. 2.924,98, Eur. 5.849,96 e Eur. 150.000,00.
3. A sociedade R. intentou contra o A., sócio, acção declarativa de condenação que corre os seus termos no Juízo Central Cível de Sintra desse Tribunal sob o n.º 17253/18.0T8SNT, pela qual requer o pagamento de uma quantia (Eur. 760.000,00) alegadamente pertença da sociedade R. e, alegadamente também, passada e utilizada indevidamente para e pelo A., sócio, em 2007, por conta de um negócio de compra e venda de imóvel não concretizado.
4. O A., na qualidade de sócio, não recebeu qualquer convocatória para qualquer assembleia geral da Ré
5. Na contestação que apresentou à referida acção judicial o A. alegou, em sede de excepção, a falta do pressuposto essencial previsto no artigo 246.º n.º 1 al. g) CSC.
6. Mais requereu ao Tribunal a notificação da A. para junção aos autos do comprovativo da deliberação de sócios legitimadora da mencionada acção bem como do comprovativo do regular envio da convocatória ao A. enquanto sócio.
7. A R. procedeu então à junção aos autos, em sede de Réplica, de cópia da Acta da Assembleia Geral ocorrida em 21 de Maio de 2018.
8. A R. não juntou qualquer convocatória do A. ou de qualquer outro sócio para a referida Assembleia Geral. 
9. A Réplica da R. deu entrada nos autos no dia 6 de Dezembro de 2018, data na qual o A. tomou conhecimento da referida Assembleia Geral e das deliberações que nela terão ocorrido. 
10. Do texto da Acta resulta que o gerente e sócio maioritário da R., PE... (irmão do A.), actuou nos seguintes termos:
a) PE..., por si, como sócio;
b) PE..., como representante do Pai de ambos, sócio;
c) PE..., como representante do irmão, aqui A., sócio;
d) PE..., como administrador único da L…S.A., sócia maioritária;
e) PE..., como Presidente da Mesa da Assembleia Geral.
11. A R. juntou também, na Réplica referida, procuração que o A. passou ao seu irmão em 12 de Maio de 2014, por ocasião da ida do primeiro para o Brasil em busca de trabalho.
12. Tal procuração concede poderes ao sócio e gerente da R. PE... para, entre outros, “Representá-lo” – ao A. – “nas assembleias gerais ordinárias e extraordinárias da sociedade por quotas denominada G… Lda., NIPC …, votando as deliberações necessárias assinando e praticando tudo o que for necessário;”
13. Não indicando especificamente prazo de vigência da representação ou concretas datas de realização de quaisquer Assembleias Gerais.
14. A mencionada procuração foi utilizada para representar o A. na referida Assembleia Geral onde, relativamente à propositura de acções contra os sócios Pai e o aqui A., foi utilizada para expressar voto desfavorável.
15. O A. revogou a mencionada procuração por carta enviada a PE... datada de 10 de Dezembro de 2018.
 16. M..., falecido a 17 de Julho de 2018, é pai de P... e PE....
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Inexistem factos não provados com eventual relevo para a decisão.
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V. O Direito:
Como referido, tomada posição sobre os factos supervenientes e a questão da inutilidade superveniente da lide, apenas cumpre conhecer do fundamento invocado para a nulidade das deliberações da Assembleia Geral da Recorrente ocorrida em 21 de Maio de 2018.
Saliente-se que a A. não recorreu da Sentença proferida (nem ao menos por interposição de recurso subordinado) a qual julgou improcedente, por não provado, o pedido de que se considere inadmissível a possibilidade de renovação das deliberações vertida no artigo 62.º do Código das Sociedades Comerciais e prejudicado o conhecimento da questão da anulabilidade das deliberações, pelo que nesta parte ocorreu o trânsito em julgado da mesma Sentença; a questão da validade das deliberações renovatórias não faz parte do objecto deste processo.
Posto isto, argumenta a R. que a procuração outorgada pelo Recorrido ao seu irmão para o representar na assembleia geral da Recorrente havida em 21 de Maio de 2018 é válida, pelo que afasta a nulidade das deliberações em causa com fundamento no art.º 56º, n.º 1, a) do Código das Sociedades Comerciais.
Refere a R. que o n.º 1 do art.º 248º do Código das Sociedades Comerciais aplica às assembleias gerais das sociedades por quotas o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas. E, portanto, como o art.º 249º do Código das Sociedades Comerciais não aponta o que se entende por instrumento de representação voluntária, será no disposto do art.º 373º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais que se terá de encontrar o conceito de instrumento de representação voluntário para efeitos de representação de sócios em assembleias gerais.
Alega assim a R. que o n.º 2 do art.º 380º do Código das Sociedades Comerciais define como instrumento de representação voluntária dos acionistas nas assembleias gerais a vulgarmente denominada “carta mandadeira”, na qual determinado acionista mandata outrem para em concreta e determinada assembleia geral o representar e não procurações com amplos poderes de administração civil como aquela que o Recorrido outorgou a favor do seu representante PE..., a qual não caduca ou se esgota com o decurso do tempo, mas, antes, tem validade enquanto não for revogada. O que apenas sucedeu em 10 de Dezembro de 2018.
Vejamos.
As pessoas colectivas manifestam a sua vontade resolvendo ou deliberando através das suas assembleias ou reuniões de sócios. Para Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios, 1993, pg. 12, a deliberação é uma declaração colectiva.
Para tanto, a Lei impõe o cumprimento de determinadas formalidades para que se garanta que cada sócio tem conhecimento do que se vai discutir em tais assembleias e reuniões e que nelas possa participar e manifestar a sua opinião e vontade livremente; assim, a imposição de formalidades para a convocatória e para a deliberação.
Cada sócio tem ainda o direito de se opor a qualquer deliberação ilegal, isto é, que viole ou contrarie a lei geral ou a lei especial do corpo colectivo; tal direito de oposição consiste em pedir que se julgue nula, ou se anule, a deliberação ilegal – conf. Moitinho de Almeida, Anulação e Suspensão de Deliberações Sociais, 4ª Ed., pg. 10.
Uma dessas causas de nulidade é a que dispõe o artigo 56.º n.º 1, a) do Código das Sociedades Comerciais “são nulas as deliberações dos sócios: a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados. (…)”
Está assente que o A., na qualidade de sócio, não recebeu qualquer convocatória para qualquer Assembleia Geral da Ré que ocorreu no dia 21/5/2018.
Pretende a R. que o mesmo estava devidamente representado.
Ora, desde já se adianta que não se concorda com o Recorrente, antes se adere à posição tomada pela Sentença da primeira instância e ao decidido no Acórdão proferido no Proc. 5788/19.2T8SNT.L2, o qual já transitou em julgado e cuja fundamentação, com a devida vénia, aqui se transcreve por ter inteira aplicação ao caso dos autos:
O artigo 54º do Código das Sociedades Comerciais prescreve que podem os sócios, em qualquer tipo de sociedade, tomar deliberações unânimes por escrito, e bem assim reunir-se em assembleia geral, sem observância de formalidades prévias, desde que todos estejam presentes e todos manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto.
Na hipótese prevista na parte final do número anterior, uma vez manifestada por todos os sócios a vontade de deliberar, aplicam-se todos os preceitos legais e contratuais relativos ao funcionamento da assembleia, a qual, porém, só pode deliberar sobre os assuntos consentidos por todos os sócios (n.º 2, do artigo 54º do Código das Sociedades Comerciais), sendo que o representante de um sócio só pode votar em deliberações tomadas nos termos do n.º 1 se para o efeito estiver expressamente autorizado, cfr. n.º 3, do mesmo preceito legal.
Em semelhante situação, a inexistência de convocatória, com as formalidades e prazos previstos na lei, pode ser dispensada, o que bem se compreende, atenta a vontade unânime de todos os sócios que, em conjunto, pessoalmente ou validamente representados, têm o poder e direito de deliberar sobre a vida da sociedade.
Sucede, no entanto, que prescreve o artigo 249.º, número 3 do Código das Sociedades Comerciais que “3 – Os instrumentos de representação voluntária que não mencionem a duração dos poderes conferidos são válidos apenas para o ano civil respectivo.”
Acresce, ainda, que de acordo com o disposto no artigo 249.º número 2, do Código das Sociedades Comerciais, os instrumentos de representação voluntária que não mencionem as formas de deliberação abrangidas são válidos apenas para deliberações a tomar em assembleias gerais regularmente convocadas.
No caso, o Autor foi representado na aludida Assembleia Geral realizada ao abrigo do disposto no artigo 54º do Código das Sociedades Comerciais, com base numa procuração que havia outorgado em 12 de Maio de 2014 e que não menciona a duração dos poderes conferidos, o que significa que tinha a sua validade circunscrita ao ano civil em que foi outorgada, isto é, ao ano de 2014 pelo que, como bem refere o Autor, esgotou a sua validade, caducando, em 31 de Dezembro desse ano civil de 2014, na parte referente à representação em assembleias gerais da A. não podendo servir para quaisquer outras que se viessem a realizar após essa data.
Por outro lado, a procuração em causa, não menciona expressamente as formas de deliberação abrangidas pelo instrumento, indicando apenas como poderes a atribuir ao procurador, entre outros “Representá-lo nas assembleias gerais ordinárias ou extraordinárias da sociedade por quotas denominada “G… LDA”, NIPC …, votando as deliberações necessárias, assinando e praticando tudo o que for necessário”.
Em semelhante circunstância, não se pode considerar que o Autor estivesse validamente representando nessa Assembleia Geral que renovou as deliberações tomadas na Assembleia Geral de 07.11.2016 (sendo que, também nessa Assembleia Geral não estava o mesmo validamente representado) por forma a considerar válidas as deliberações aí tomadas, ao abrigo do disposto no artigo 54º do Código das Sociedades Comerciais, com dispensa de formalidades essenciais, nomeadamente, de convocação prévia. Em todo o caso, nunca tal procuração poderia servir para representar o Autor, ainda que válida, em deliberações tomadas ao abrigo do disposto no artigo 54º do Código das Sociedades Comerciais, face à ausência de qualquer menção expressa às formas de deliberação abrangidas, fazendo-a cair no âmbito dos poderes de representação geral, que concorda-se, não dispensaria a realização de Assembleia Geral precedida da legal convocatória.
Entende a Ré que o disposto no artigo 249º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais, tem de ser conjugado com o disposto no artigo 380º, n.º do Código das Sociedades Comerciais, que respeita às denominadas “cartas mandadeiras”, alegando, em síntese, que o conceito de representação voluntária tal como aí definido basta-se com um documento escrito, com assinatura, dirigido ao presidente da mesa, ficando tais documentos arquivados na sociedade pelo período obrigatório de conservação de documentos, pelo que o art.º 249.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais não se aplica a instrumentos que conferem amplos poderes de administração civil, como é o caso da procuração em causa.
Ora, o art.º 380.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais não restringe a definição de instrumento de representação voluntária às denominadas “cartas mandadeiras”, dispondo apenas que as mesmas bastam como instrumento de representação voluntária.
Não se pode retirar dessa norma, como faz a Ré, que outros instrumentos de representação não estejam sujeitos aos mesmos requisitos legais.
O próprio art.º 249.º, do Código das Sociedades Comerciais, no n.º 4, refere que para a representação em determinada assembleia geral basta uma carta dirigida ao respectivo presidente, o que leva a concluir que os instrumentos de representação voluntária referenciados nos n.ºs 2 e 3, bem assim como as restrições impostas nos mesmos, não respeitam unicamente às denominadas “cartas mandadeiras”, abrangendo os demais instrumentos de representação voluntária que possam ser apresentados.
No caso, estando em causa um instrumento de representação consubstanciado numa procuração, o mesmo está sujeito às regras previstas no n.º 3, do artigo 249º do Código das Sociedades Comerciais, não procedendo, por isso, a argumentação expendida pela Ré em defesa da validade da procuração outorgada pelo Autor.
E mais adiante no mesmo Acórdão se explicita ainda que “É certo que na acta da referida assembleia se refere que o ora autor se fez representar pelo sócio PE..., conforme procuração arquivada na sociedade.
Essa procuração é a emitida pelo autor/apelado dia 12/05/2014 (cuja cópia se mostra junta aos autos) a favor do sócio PE..., seu irmão, e nela apenas se conferiram poderes a este para representar aquele “nas assembleias gerais ordinárias ou extraordinárias da sociedade por quotas denominada “G… Lda”, NIPC …, votando as deliberações necessárias, assinando e praticando tudo o que for necessário”.
Os poderes representativos assim conferidos eram apenas válidos para o ano civil de 2014, como se assinalou na sentença recorrida.
Efectivamente, a tomada de deliberações de sócios em assembleia geral de uma sociedade por quotas está regulada no art.º 248º, do Código das Sociedades Comerciais, cujo n.º 1 procede a uma remissão geral para o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas, com natural ressalva daquilo que estiver regulado para as sociedades por quotas.
Ora, a matéria da representação voluntária em deliberações de sócios nas sociedades por quotas mostra-se especificamente regulada no art.º 249º do CSC, o que claramente exclui o recurso ao disposto na lei sobre as assembleias gerais das sociedades anónimas.
Estabelece-se aí:
1 - Não é permitida a representação voluntária em deliberações por voto escrito.
2 - Os instrumentos de representação voluntária que não mencionem as formas de deliberação abrangidas são válidos apenas para deliberações a tomar em assembleias gerais regularmente convocadas.
3 - Os instrumentos de representação voluntária que não mencionem a duração dos poderes conferidos são válidos apenas para o ano civil respectivo.
4 - Para a representação em determinada assembleia geral, quer esta reúna em primeira ou segunda data, é bastante uma carta dirigida ao respectivo presidente.
5 - A representação voluntária do sócio só pode ser conferida ao seu cônjuge, a um seu ascendente ou descendente ou a outro sócio, a não ser que o contrato de sociedade permita expressamente outros representantes.
Assim, o n.º 2 do citado normativo exige, para as deliberações a tomar em assembleia geral, sem observância de formalidades prévias, relativamente aos sócios não presentes, que no instrumento de representação voluntária seja mencionada essa forma de deliberação; na falta de menção expressa, como determina o art.º 54º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais, a representação é restrita às deliberações a tomar em assembleias gerais regularmente convocadas – vide Raúl Ventura, Sociedades Por Quotas, vol. II, Almedina, pág. 208.
Ora, no caso, provou-se que na procuração emitida pelo autor/apelado dia 12/05/2014 a favor do sócio PE... apenas se conferiram poderes a este para representá-lo “nas assembleias gerais ordinárias ou extraordinárias da sociedade por quotas denominada “G…, Lda”, NIPC …, votando as deliberações necessárias, assinando e praticando tudo o que for necessário”.
Não se conferiram, pois, a PE... poderes expressos para votação de deliberações em assembleias universais.
Ademais, a referida procuração também não menciona expressamente a duração dos poderes conferidos, pelo que, conforme se assinalou na sentença recorrida, a validade dos poderes de representação acima descritos restringe-se ao ano civil de 2014 – n.º 3 do art.º 249º.
Como refere Raúl Ventura (ob. cit. pág. 209), o referido normativo “pretende evitar que, sem o sócio ter manifestado expressamente a sua vontade quanto à duração dos poderes, estes possam ser aproveitados em circunstâncias que já não correspondam às da época do instrumento de representação. O cuidado é importante até porque a lei prevê a representação por um outro sócio; o correr do tempo pode tornar muito diferente as relações entre os sócios e os interesses de um e outro”.
A fundamentação que se transcreveu tem inteira aplicação ao caso dos presentes autos, concluindo-se que igualmente na data da Assembleia Geral da Recorrente ocorrida em 21 de Maio de 2018 o A. não se encontrava validamente representado, uma vez que a procuração conferida caducou em 31/12/2014, não podendo servir após essa data para representar o A. em outras Assembleias Gerais que se viessem a realizar.
Não se encontrando o A. validamente convocado nem representado na Assembleia Geral de 21/5/2018, ocorre a nulidade das deliberações tomadas nessa Assembleia por força do disposto no citado art.º 56º, n.º 1, a) do Código das Sociedades Comerciais.
Desta forma, impõe-se concluir que improcede o recurso interposto, mantendo-se a Sentença proferida em 1ª Instância.
*
As custas devidas pela interposição do Recurso são a cargo da Apelante, nos termos do art.º 527º, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Civil.
*
DECISÃO:
Por todo o exposto, julga-se totalmente improcedente a apelação e, consequentemente, mantêm-se a Sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Registe e notifique.

Lisboa, 19/12/2024
Amélia Sofia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes
Vera Antunes