Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ISABEL MARIA BRÁS FONSECA | ||
Descritores: | PER RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO PRINCÍPIO DA IGUALDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/13/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1. Para aferir da recusa/homologação do plano de recuperação apresentado pela empresa devedora e aprovado pela maioria dos credores, importa apreciar se do plano resulta um tratamento diferenciado ou desigual entre os credores, sem que se alcance razão objetiva para tal – mormente quando a devedora nem sequer aduz qualquer motivo justificativo –, em violação do princípio da igualdade dos credores consagrado no art.º 194.º, aplicável ao PER (art.º 17º-F, nº 7), sendo que é admissível a derrogação desse princípio desde que fundadamente; uma razão objetiva suscetível se suportar essa diferenciação é a diferente classificação dos créditos (art.º 47º, nº 4) – principio par conditio creditorum. 2. Alegando a apelante que ocorreu a violação do princípio da igualdade em virtude do favorecimento de um credor, em detrimento de outros, não se justifica a recusa de homologação com esse fundamento se a medida proposta no plano, com incidência no passivo, estabelece distinção entre créditos da mesma classe (créditos comuns) mas essa distinção é feita em função da particularidade do crédito em causa, a saber, estarmos perante um crédito sob condição, não se apurando que, à data em que o plano foi apresentado e votado, essa condição já se tinha verificado. (Da responsabilidade do relator (art.º 644º, nº 7 do CPC).) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO 1. CORRÊA & TERENAS – COMÉRCIO INTERNACIONAL SA apresentou-se a processo especial de revitalização em 08-11-2023. 2. Por despacho de 13-11-2023 foi nomeado o administrador judicial provisório (AJP) que, em 14-12-2023, apresentou a lista provisória de créditos, sobre a qual foram apresentadas impugnações, apreciadas por decisão de 22-01-2024. O prazo de dois meses para conclusão das negociações foi prorrogado por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o AJP nomeado e a empresa devedora. Concluídas as negociações, em 26-03-2024 foi publicado o depósito de uma primeira versão do plano de recuperação e em 08-04-2024 foi publicada a junção de uma nova versão do plano (depositado pela devedora em 05-04-2024). 3. O plano apresentado estabelece o seguinte relativamente aos pagamentos aos credores: «A. Estado A1. Autoridade Tributária Não se viram reconhecidos créditos à Autoridade Tributária. Sem prejuízo disso, encontra-se pendente de decisão o processo de 3239201201040898 que consubstancia a Ação de Impugnação corre termos na Unidade Orgânica 3, junto do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o número de processo 2954/12.5BELRS. O processo de execução fiscal encontra-se presentemente suspenso, em razão de haver sido prestada garantia bancária “on first demand” (à primeira solicitação), com o n.º 125-2-138599, emitida pelo Banco Comercial Português, a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, até ao montante máximo de €51.000,00. Assim e caso no âmbito do presente processo venha a resultar a obrigação para a revitalizanda de liquidação de todo / parte dos valores peticionados, procederá aquela ao pagamento da sua totalidade, em regime prestacional, nos exatos termos do preceituado no art.º196.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e na justa medida do que se veja, nesse momento, expressamente negociado e aprovado pelo credor. B. Credores Comuns B1. Instituições Financeiras, Sociedade de Garantia Mútua e outros Credores Propõe-se o pagamento da dívida (à data do trânsito em julgado da sentença que homologue o plano), nos seguintes termos: • Perdão dos juros vencidos e vincendos, bem como de quaisquer moras, omissões e outros encargos incluídos na dívida reclamada; • Reembolso de 50% da dívida de capital consolidada à data do trânsito em julgado da sentença homologatória do PER, mediante 144 prestações mensais e sucessivas (o que equivalerá à assunção de um perdão correspondente a 50% do capital e de 100% dos juros, moras e de mais encargos); • O vencimento da primeira prestação ocorrerá 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do PER; • Manutenção de todas as garantias associadas aos respetivos créditos; • Isenção de comissões na implementação do plano e durante a sua vigência. C. Outras Disposições Em caso de homologação do plano apresentado: • Todas as ações de cobrança de dívidas (executivas ou não) instauradas contra a empresa, deverão ser extintas, com exceção das que venham a respeitar à Autoridade Tributária ou à Segurança Social e, consequentemente, ser ordenado e promovido o cancelamento de todas e quaisquer penhoras, arrestos ou medidas análogas que recaiam sobre todo os bens da devedora, de qualquer natureza (incluindo direitos e créditos), efetuados no âmbito desses mesmos processos; • Nas ações de cobrança de dívida pendentes em juízo nas quais já tenham sido proferidas, antes do PER, as respetivas sentenças e que venham, entretanto, a transitar em julgado, os credores serão pagos nos termos e condições previstos no plano para a respetiva classe de créditos a que os mesmos pertençam; • Nas ações de cobrança de dívida com sentença já transitada em julgado antes do PER, os credores serão pagos nos termos e condições previstos no plano para a respetiva classe de créditos a que os mesmos pertençam; • Os créditos emergentes de ações judiciais cujo facto gerador tenha ocorrido em data anterior ao despacho de admissão do PER, mesmo que em resultado de ações judiciais a interpor após aprovação do presente Plano, serão pagos nos mesmos e exatos termos em que fica estabelecido para os créditos do mesmo tipo e natureza. • Relativamente aos créditos reconhecidos “sob condição”, consagra-se que no caso de a condição não se ver verificada até à data de início de votação do PER, não poderão tais créditos ver-se afetados pelo presente plano, estando, consequentemente, a revitalizanda obrigada a atender à sua liquidação nos termos dos contratos aplicáveis, sem prejuízo das partes poderem, por acordo, estabelecer um plano prestacional para o pagamento dessa dívida. • No que tange ao crédito reconhecido ao credor Banco Comercial Português, a título de contrato de abertura de crédito em conta corrente caucionada (e que visa permitir à revitalizanda o desconto de cheques pré-datados emitidos pelos seus clientes) todas as novas utilizações, contadas a partir do dia em que se viu proferido o despacho de nomeação do AJP, não serão suscetíveis de se verem afetadas pelo presente plano, tendo que se ver liquidadas nos exatos termos do contrato outorgado entre as partes. • Quanto ao saldo do cartão de crédito – conta cartão n.º 490831-0119154-00-0 na data do despacho de nomeação do AJP, nenhum saldo subsiste em aberto, sendo que relativamente às novas utilizações realizadas posteriormente, não poderão as mesmas ser afetadas pelo dispositivo do plano, tendo que ser tais saldos liquidados nos termos contratuais”. 4. Em 15-04-2024 o Banco BIC Português SA, credor reclamante, veio requerer não homologação do plano de revitalização, quer ao abrigo do art.º 215.º, quer ao abrigo do art.º 216.º, n.º 1, al. a), ambos do CIRE. Alega que ocorreu uma clara violação não negligenciável das normas imperativas que se traduziu na sua total exclusão de todo o período negocial, uma vez que a devedora não negociou consigo a forma de pagamento dos seus créditos, seja em termos de período de carência, prazos de pagamento, quer do capital quer dos juros vencidos e vincendos, e até eventual perdão destes (excetuado uma comunicação enviada à Mandatária a questionar da viabilidade de um perdão da dívida), e não submeteu à sua apreciação o plano final. Por outro lado, invoca também que o plano de recuperação em apreço viola o princípio da igualdade entre os credores, previsto no artigo 194.º do CIRE, uma vez que beneficia o credor Banco Comercial Português, S.A., em detrimento dos demais credores. A este propósito, refere que: - O plano submetido a aprovação prevê uma ausência de discriminação positiva da Banca, enquanto Instituição Financeira, não sendo proposta qualquer remuneração, resultando num esforço suplementar que somado ao perdão de 50% da dívida, constitui uma medida demasiado penalizadora, totalmente inadmissível e a qual não se encontra devidamente justificada no plano; - Ocorre desproporcionalidade do plano com o perdão de 50% da dívida, quando a devedora tem o crédito junto do aqui credor totalmente regularizado, assim como junto credor Banco Comercial Português, inferindo-se que a mesma consegue cumprir os seus compromissos, sendo, por isso, injustificado o perdão que peticiona no plano; - É proposto para os créditos sob condição, caso as condições se vejam verificadas após a votação do plano, que o pagamento desses créditos seja negociado entre o credor e a devedora, previsão que é uma clara violação do princípio de igualdade entre credores, uma vez que caso a condição se verifique, o crédito terá de ser pago à semelhança dos créditos da mesma classe em que se insere, não por nova negociação entre devedora e credor à margem do processo especial de revitalização ou nos termos do contrato que esteja subjacente; - O plano em votação prevê ainda a continuação da utilização da conta corrente cheques junto do credor Banco Comercial Português, mantendo as condições inicialmente aprovadas, não se aplicando, portanto, as condições gravosas nele previstas. Por último, alega que a sua posição com este plano é menos favorável do que na sua ausência, não se aplicando aqui quaisquer limitações em termos de capital, juros e comissões, permitindo uma recuperação superior àquela que resulta do plano. 5. Em 26-04-2024, o AJP remeteu a este tribunal a lista definitiva de credores e o resultado da votação do plano, de acordo com o qual o mesmo foi aprovado. Na mesma data, juntou o seu parecer (positivo) no sentido de o plano garantir a viabilidade da empresa devedora. 6. Em 16-05-2024 proferiu-se decisão com o seguinte segmento dispositivo, no que ora interessa: “Nestes termos, e tudo ponderado, decido homologar o plano de recuperação apresentado dela devedora CORRÊA & TERENAS – COMÉRCIO INTERNACIONAL, S.A. Notifique, publicite e registe, nos termos do disposto nos artigos 17.º-F, n.º 11, 37.º e 38.º, do CIRE. Custas pela requerente – artigo 17.º-F, n.º 12, do CIRE. Valor da causa: € 30.000,01”. 6. Não se conformando, o Banco BIC Português, S.A., apelou formulando as seguintes conclusões: “1. O Recorrente, enquanto Credor Reclamante nos presentes autos, em 15 de abril de 2024, votou contra o Plano de Revitalização apresentado, tendo na mesma data requerido a não homologação do mesmo, por considerar que, por um lado foi excluído de todo o procedimento negocial, constituindo tal uma clara violação das regras procedimentais e, por outro, por entender que o Plano em causa viola o princípio da igualdade entre os Credores, previsto no artigo 194.º do CIRE. 2. Todavia, foi proferida douta sentença a homologar o Plano apresentado, quando se impunha que o Tribunal a quo tivesse decidido em sentido diverso. 3. Sabe-se que o Processo Especial de Revitalização permite ao Devedor negociar um acordo de reestruturação, sendo a negociação entre Devedor e Credores um princípio fundamental do processo, conforme decorre da própria lei, a fim de conjuntamente, delinearem um plano de pagamentos concertado que atenda às expectativas de ressarcimento de ambas as partes, devendo todos os interveniente respeitar os princípios estabelecidos na Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25 de Outubro, mormente o constante no Primeiro Princípio. 4. No entanto, como se verifica nos presentes autos a Devedora/Recorrida não fez qualquer esforço em negociar com aqui o Recorrente, nunca tendo apresentado um Plano Final ou um “draft” do mesmo ao aqui Credor/Recorrente para avaliação, como impõe a boa-fé nas negociações, para que este se pudesse pronunciar antes da votação. 5. A violação das regras procedimentais no âmbito do PER corresponde a um vicio de natureza formal que consiste na violação de uma regra ou de uma norma que regulamenta o formalismo que deve ser verificado no processo, assim como das formalidades a que o Plano de Revitalização apresentado deve respeitar. 6. Por esse motivo, as regras que determinam o modo como devem ser encetadas e conduzidas as negociações entre o Devedor e os Credores - sendo que a violação destas, será necessariamente não negligenciável, para efeitos de recusa de homologação do Plano ao abrigo do disposto no artigo 215.º do CIRE – é suscetível de influenciar, de modo significativo, o processo negocial e o resultado que com ele se pretende alcançar: acordo entre o devedor e os seus credores como resultado das negociações havidas entre eles. 7. No que aos presentes autos concerne, importa referir que desde logo o Recorrente manifestou à Devedora/ Recorrida interesse em participar nas negociações. No entanto, as negociações conducentes à obtenção de acordo decorreram de forma irregular, tendo o Recorrente sido ignorado durante o decurso das negociações, cuja natureza eminentemente negocial e cujo propósito de recuperação económica assim o exigiriam, sendo que no contacto ocorrido com a Devedora jamais foi negociado os termos do Plano aprovado. 8. É referido na douta sentença que com a posição manifestada pelo Recorrente no contacto havido, limitou as negociações com a Devedora e a obtenção de um acordo. Todavia o Recorrente discorda do entendimento sufragado na decisão. 9. Com efeito, não se descortina – atento o teor das comunicações trocadas – que a alegada sugestão apresentada pela Devedora possa ser encarada como um verdadeira proposta negocial, sujeita a discussão e, a final a votação, quando na realidade sequer foi proposto ou negociado com o Recorrente a forma de pagamento dos seus créditos, seja em termos de prazos de pagamento dos juros vencidos e vincendos e até eventual perdão destes bem como o eventual pagamento e/ou perdão dos encargos e outras despesas, pelo que se itera- que inexistiu qualquer negociação entre o Recorrente e a Devedora, aqui Recorrida, tendo sido negado ao Recorrente o direito de participar nas negociações havidas (o que muito se estranha, dado que nos presentes autos apenas constam oito credores). 10. Posto isto, o Recorrente apenas teve conhecimento do Plano de Recuperação aquando do seu depósito na Secretaria e consequente publicação do edital, Plano este que já incluía as condições que a Devedora/Recorrida pretende impor aos Credores, incluindo ao aqui Recorrente, sem qualquer negociação prévia. 11. Desta forma, com todo o respeito, o Recorrente acredita que a Devedora/Recorrida nunca teve a intenção de negociar o que quer que fosse (pelo menos com o aqui Credor), tendo beneficiado do prazo que as “negociações” assim o permitem para preparar a proposta de pagamento, sem considerar a posição do Recorrente, com o qual sequer negociou ou sequer teve em consideração. 12. Pelo que, não se poderá deixar de condenar a atitude dominadora e não colaborativa da Recorrida nos presentes autos, que se dizem de natureza consensual, a qual contraria totalmente a ratio deste tipo de processo, que se quer negociável, pelo que se impõe concluir que a falta de negociação afeta de forma de sobremaneira o resultado do plano, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo. 13. Considerando o exposto, compete ao Douto Tribunal, enquanto bastião da legalidade, o dever de controlar a legalidade do processo e do Plano de Recuperação, seja nos seus aspetos formais, como aqueles que aqui se trazem, seja nos seus aspetos matérias ou substâncias, pelo que se deverão V. Exas. recusar oficiosamente a homologação do Plano por violação não negligenciável das normas procedimentais aplicáveis ao PER, nos termos do artigo 215.º do CIRE. 14. O Plano de Recuperação em apreço viola, igualmente, e de forma flagrante, o princípio da igualdade entre os Credores, previsto no artigo 194.º do CIRE, decorrendo deste preceito legal, o qual constitui uma trave basilar na regulação do Plano de Recuperação, que um tratamento igual pressupõe a igualdade/identidade de situações, como, geralmente se entende. 15. Nessa medida o princípio da igualdade de credores, aplicável ao processo especial de revitalização, por aplicação do disposto nos artigos 215.º e 216.º, ex vi artigo 17.º-F, n.º 7, configura-se como uma regra não negligenciável, aplicável ao conteúdo do plano de recuperação. 16. Em clara divergência com a douta sentença proferida, entende o Recorrente que o Plano de Revitalização aprovado favorece claramente o Credor Banco Comercial Português S.A. (doravante BCP), prejudicando os demais Credores, mormente o aqui Recorrente, em clara violação do referido princípio. 17. Com efeito, o Plano aprovado prevê uma ausência de discriminação positiva da Banca, enquanto Instituição Financeira, não sendo proposta qualquer compensação, resultando num esforço suplementar que somado ao perdão de 50% da dívida, constitui uma medida demasiado penalizadora e inaceitável, a qual não se encontra devidamente justificada no Plano. 18. De salientar que, tendo a Devedora/Recorrida o crédito junto do aqui Recorrente totalmente regularizado (assim como junto do Credor BCP), o perdão de 50% da dívida é totalmente desconforme e injustificado, porquanto a Recorrida demonstra ter capacidade de cumprir com suas obrigações e compromissos. 19. Posto isto, considerando que o Plano propõe para os créditos sob condição na hipótese de esta se verificar após a votação do mesmo, que o seu pagamento será negociado entre o Credor e a Devedora/Recorrida, não poderá o Recorrente deixar de referir que tal constitui uma manifesta violação do princípio de igualdade entre Credores, uma vez que estes créditos terão de ser pagos à semelhança dos créditos da mesma classe em que se inserem, e não mediante uma nova negociação entre Devedora/Recorrida e Credor, à margem do Plano aprovado ou nos termos do contrato que lhe esteja subjacente, como é proposto. 20. A ser assim e por uma questão de congruência, considerando que o crédito do aqui Recorrente não está em incumprimento, também se manteria as condições contratadas, o que não sucede! 21. Além do exposto, o Plano aprovado prevê manter a continuação da utilização da Conta Corrente Cheques junto do Credor BCP, mantendo as condições inicialmente aprovadas, não aplicando as condições nele previstas, demonstrando claramente a intenção de favorecer o Credor BCP, não lhe sendo aplicáveis, mais uma vez, as condições extremamente gravosas previstas no Plano. 22. Com efeito verifica-se, que o conteúdo do Plano não tem ínsito apenas um tratamento distinto, mas sobretudo um tratamento privilegiado para alguns credores. Tal resulta num manifesto tratamento desigual, sem existir pata tal uma justificação tangível e adequada, exceto talvez por motivos especulativos e inconsistentes - e mesmos estes incoerentes-, portanto, sem evidências sólidas, não há como encontrar uma razão lógica e objetiva para justificar a diferenciação entre os Credores mencionada no Plano de Recuperação aprovado. 23. É evidente que não se poderá descurar que o Processo de Revitalização é um procedimento de negociação coletiva que visa a recuperação do Devedor por meio da reestruturação de suas dívidas com os Credores. Todavia, também há que atentar o eventual prejuízo que o mesmo possa causar aos Credores, pelo que a solução proposta pela Credora/Recorrida não é adequada nem satisfatória para o Banco Recorrente, nem para outros Credores em situações semelhantes, na medida em que atendendo ao Plano aprovado o Recorrente fica em situação mais desfavorável do que aquela que adviria na ausência do mesmo. Salientando-se que, in casu o aqui Recorrente não consentiu na diminuição do seu direito, pelo que reitera-se que o Plano aprovado viola seus os legítimos interesses e direitos, no que ao pagamento do montante total do seu crédito concerne. 24. Assim e considerando a citada Resolução do Concelho de Ministros a qual estabelece que a violação do princípio da igualdade dos credores pelo Plano constitui uma infração significativa e, como tal, uma razão válida para a recusa de sua homologação, dúvidas não restam que houve violação do mencionado dispositivo legal, o que impossibilita a homologação do Plano atual, de acordo com os artigos 17.º - F, 194.º, 195.º nº 1 e 2, 215.º do CIRE e nº 2 do artigo 18.º da CRP. 25. Em suma, a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 215.º e 216.º do CIRE, devendo, por isso, ser substituída por outra que, em face dos argumentos aduzidos, decida no sentido da não homologação do Plano de Revitalização apresentado. NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. MUITO DOUTAMENTE SUPRIRÃO, Deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por, aliás douto, Acórdão que, contemplando as conclusões aqui elaboradas, não homologue o Plano de Revitalização apresentado pela Devedora, fazendo assim a acostumada JUSTIÇA!” A requerente respondeu, propugnando pela manutenção da decisão recorrida. Cumpre apreciar. II. FUNDAMENTOS DE FACTO Relevam as vicissitudes processuais supra relatadas. III. FUNDAMENTOS DE DIREITO 1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela credora apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº 3 do mesmo diploma. Ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar se, no caso, se impunha a recusa de homologação do Plano aprovado, com fundamento: - Na violação de regras de natureza procedimental, mais precisamente, a obrigação da empresa requerente do PER encetar negociações com os credores (art.º 215.º do CIRE, na redação conferida a esse Código pela Lei. n.º 9/2022 de 11-01, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem. - Na violação do princípio da igualdade a que alude o art.º 194.º. 2. Concluindo-se a votação incidindo sobre o plano de recuperação, incube ao juiz decidir sobre se homologa o mesmo ou recusa a homologação (art.º 17.º-F, nºs 4 e 7), aplicando-se, com as devidas adaptações, os arts. 215.º e 216.º (art.º 17.º-F, nº3). O juiz pode, oficiosamente, recusar a homologação, verificado o condicionalismo previsto no art.º 215.º ([n]ão homologação oficiosa) e pode igualmente fazê-lo a solicitação dos interessados, nas hipóteses contempladas no art.º 216.º ([n]ão homologação a solicitação dos interessados), aplicáveis expressamente ao PER ex vi do art.º 17.º-F, nº7. Os fundamentos da recusa oficiosa são de vária ordem, a saber, a violação não negligenciável (a) de regras procedimentais, (b) das normas aplicáveis ao seu conteúdo [ [1] ], seja qual for a sua natureza e (c) quando, “no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação”. No caso em apreço, resulta da sentença que o tribunal não vislumbrou qualquer fundamento para a recusa de homologação, no que discorda a apelante, matéria que passamos a analisar. 3. O processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização (art.º 17.º- A, nº 1). Trata-se, reconhecidamente, de um processo que reveste uma natureza essencialmente negocial e extrajudicial, imperando o primado da vontade dos credores [ [2] ], devendo o devedor e os credores cooperarem entre si, com boa-fé e transparência; a Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, DR., 1.ª série, nº 205 de 25-10, que aprova os Princípios Orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores alude expressamente a esses princípios que regem a atuação dos intervenientes [ [3] ] [ [4] ]. A mesma Resolução estabelece também como décimo princípio orientador o seguinte: “As propostas de recuperação do devedor devem basear-se num plano de negócios viável e credível, que evidencie a capacidade do devedor de gerar fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação, que demonstre que o mesmo não é apenas um expediente para atrasar o processo judicial de insolvência, e que contenha informação respeitante aos passos a percorrer pelo devedor de modo a ultrapassar os seus problemas financeiros”. Nesse contexto, as negociações encetadas entre a empresa devedora e os credores constituem uma fase crucial do processo, relevando o disposto no art.º 17.º.- D, que impõe à empresa: - A comunicação (por carta registada) a todos os seus credores que não hajam aderido ao requerimento inicial que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação a que se refere o n.º 1 do artigo 24.º, a proposta de plano e, sendo o caso, a proposta de classificação dos créditos se encontram na secretaria do tribunal para consulta (número 1); - Prestar toda a informação pertinente aos seus credores para que as negociações “se possam realizar de forma transparente e equitativa, devendo manter sempre atualizada e completa a informação facultada ao administrador judicial provisório e aos credores” (número 8); Paralelamente, os “credores que decidam participar nas negociações em curso declaram-no à empresa por carta registada, podendo fazê-lo durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, sendo tais declarações juntas ao processo” (número 9). Quanto ao administrador judicial provisório, este participa nas negociações incumbindo-lhe orientar e fiscalizar “o decurso dos trabalhos e a sua regularidade, e deve assegurar que as partes não adotam expedientes dilatórios, inúteis ou, em geral, prejudiciais à boa marcha daquelas” (n.º 11). Por último, “[a]s negociações encetadas entre a empresa e os seus credores regem-se pelos termos convencionados entre todos os intervenientes ou, na falta de acordo, pelas regras definidas pelo administrador judicial provisório nomeado, nelas podendo participar os peritos que cada um dos intervenientes considerar oportuno, cabendo a cada qual suportar os custos dos peritos que haja contratado, se o contrário não resultar expressamente do plano de recuperação que venha a ser aprovado” (número 10), mais se estabelecendo que “[d]urante as negociações os intervenientes devem atuar de acordo com os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25 de outubro” (número 12). Perante este quadro legal, que a 1ª instância corretamente definiu e de que aqui se dá nota, em súmula, temos por evidente que não foram infringidas tais regras, registando-se o que bem foi indicado na sentença, a este propósito, a saber: “Ora, analisado o plano apresentado e o procedimento seguido até à sua aprovação não se descortina que tivessem sido violadas quaisquer das regras procedimentais que regulam o formalismo que deve ser observado num processo desta natureza, designadamente as relativas ao modo como o acordo de pagamento deve ser elaborado e apresentado e as que determinam o modo como devem ser encetadas e conduzidas as negociações entre o devedor e os respetivos credores, ao contrário do que refere o Banco BIC./ Na verdade, a devedora fez juntar aos autos, em 22/04/2024, uma comunicação eletrónica datada de 09/02/2024, por ela remetida a todos os credores, incluindo o credor Banco BIC, solicitando-lhes que se pronunciassem sobre as condições de pagamento constantes do Plano de Negócios 2024/33 junto com o pedido de submissão ao PER, bem como comunicassem sugestões que no mesmo quisesse ver introduzidas. A devedora juntou, igualmente, a resposta do credor Banco BIC, datada de 12/02/2024, na qual o mesmo refere que o documento enviado é insuficiente para que pudesse emitir opinião pelo que se solicitavam esclarecimentos quanto aos termos do reembolso da dívida./Este email mereceu a resposta da devedora através de email enviado em 14/02/2024, esclarecendo o credor Banco BIC de que seria fundamental aferir se os credores aceitariam um perdão de 70% da dívida e correspetivo pagamento de 30% do capital mediante prestações mensais, sucessivas e sem carência (com início no mês imediato após o trânsito da sentença homologatória), bem como se aceitariam o perdão dos juros de mora vencidos e vincendos até integral e efetivo cumprimento./E, finalmente, a devedora juntou também a resposta do credor Banco BIC datada de 15/02/2024, na qual o mesmo refere que não pode aceitar um plano nas condições referidas, e que não aceitará qualquer perdão de dívida, pelo que, mantendo-se o proposto, o voto seria no sentido de recusar o plano./Atento o supra exposto, não se vislumbra que a devedora não tenha envolvido ou auscultado o credor Banco BIC durante todo o decurso das negociações do processo em apreço, sendo certo que a posição manifestada pelo Banco BIC no sentido de não aceitar qualquer perdão de dívida é que limitou – e muito – as negociações com a devedora e a obtenção de um acordo (que, por definição, implica a existência de cedências recíprocas), sem apresentar uma qualquer sugestão ou medidas alternativas. Ao exposto acresce que a versão final do plano de recuperação sujeito a votação acabou por prever um perdão de dívida de 50%, inferior, portanto, ao perdão inicialmente sugerido aos credores de 70%, facto que demonstra o esforço da devedora no sentido de ceder à sua posição inicial em benefício dos seus credores. /Em síntese, os elementos constantes dos autos demonstram que o credor Banco BIC foi chamado a negociar com a devedora, pois esta não só o contactou para o efeito, como lhe prestou os esclarecimentos que aquele lhe solicitou e acabou até por ceder, em parte, na versão final do plano, ao reduzir a percentagem do perdão do capital em dívida./Não podemos, pois, à luz dos supra citados princípios da Resolução do Concelho de Ministros nº 43/2011, de 29/09, afirmar que aquele credor não foi chamado a participar nas negociações, como o próprio alega. /Quanto ao facto de a devedora não ter submetido à apreciação do referido credor qualquer plano final – facto que a mesma não contrariou – sempre se dirá que o mesmo não tem qualquer relevância no resultado final, tanto mais que o Banco BIC não só não demonstrou que o tivesse solicitado, como também acabou por ter, a final, a oportunidade de o votar e de sobre ele tomar posição nos autos aquando do respetivo depósito. /Permitimo-nos acrescentar que, a haver violação, esta sempre seria negligenciável porquanto o credor não desconhecia a existência do processo e da sua finalidade, sendo de exigir também aos credores uma postura pró-ativa, na medida em que os mesmos que não podem quedar-se na inatividade enquanto decorre o prazo que a lei prevê para as negociações e para o depósito do plano (neste sentido, vd. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/04/2021, processo n.º 1889/19.5T8VFX.L1-1, disponível em www.dgsi.pt). /Quanto a este primeiro fundamento de recusa de homologação, entendemos, assim, não estar o mesmo verificado”. Analisadas as conclusões de recurso, constata-se que a apelante não aduz qualquer argumento convincente suscetível de alterar o juízo valorativo exposto (cfr. as conclusões 4ª a 13ª), limitando-se a manter a posição que já anteriormente havia assumido, insistindo que “inexistiu qualquer negociação entre o Recorrente e a Devedora, aqui Recorrida, tendo sido negado ao Recorrente o direito de participar nas negociações havidas” (9ª conclusão) e que as negociações “decorreram de forma irregular” (7ª conclusão), afirmações que não são consentâneas com as vicissitudes que o processo evidencia e que a 1ª instância cuidou de relatar, sendo que a apelante não impugnou esse relato factual. Noutra ordem de considerações dir-se-á que o universo de credores da empresa é reduzido, como adiante melhor se verá e as medidas estabelecidas no plano não revestem qualquer complexidade, pelo que as informações a prestar também devem refletir essa circunstância. Acrescente-se que nunca o administrador judicial provisório deu nota no processo de qualquer falta ou omissão da devedora quanto ao cumprimento das referidas obrigações, com a apelante ou qualquer outro credor, como lhe competia se fosse esse o caso, sendo que igualmente a apelante nunca questionou a atuação do administrador judicial provisório nessa sede. Em suma, improcedem as conclusões de recurso. 4. A apelante entende ainda que se impunha a recusa de homologação porquanto o plano de recuperação em apreço viola “de forma flagrante”, o princípio da igualdade entre os credores, previsto no art.º 194.º (conclusões 14ª a 25ª). Basicamente, a apelante considera que o plano favorece o credor Banco Comercial Português SA, (BCP) e favorece ainda os “créditos sob condição”, isto é, estabelecendo um “tratamento privilegiado para alguns credores”, prejudicando os demais credores, mormente a entidade bancária apelante. O que importa apreciar é se do plano resulta um tratamento diferenciado ou desigual entre os credores, sem que se alcance razão objetiva para tal – mormente quando a devedora nem sequer aduz qualquer motivo justificativo –, em violação do princípio da igualdade dos credores consagrado no art.º 194.º [ [5] ], aplicável ao PER (art.º17º-F, nº 7), sendo que é admissível a derrogação desse princípio desde que fundadamente; uma razão objetiva suscetível se suportar essa diferenciação é a diferente classificação dos créditos (art.º47º, nº 4) – principio par conditio creditorum [ [6] ] [ [7] ]. Como se referiu no acórdão do TRC de 17-03-2015, “a cláusula da igualdade a que o plano está submetido não garante a cada credor o mesmo tratamento ou benefício que é atribuído a outros; garante-lhe apenas que, na concessão do benefício ou na imposição do sacrifício, o credor será tratado com igual preocupação e respeito, ou seja, o princípio da igualdade não garante a cada credor o mesmo tratamento – mas antes o tratamento como igual. /A igualdade – material – dos credores conduz, inevitavelmente, a um padrão de controlo da sua observância que remete para juízos de valoração que incidem sobre os fundamentos ou os critérios que pretendem justificar, em caso de desigualdade de tratamento, a distinção ou discriminação, levada a cabo pelo plano e, em caso de igualdade, a equiparação ou indiferenciação produzida” [ [8] ]. Compulsando os autos, verifica-se que em 26-04-2024 foi apresentada pelo AJP a lista definitiva de credores, nos termos do art.º 17.º D, n.º 2 e 3 e tendo em conta as decisões das impugnações, conforme refere, aí se dando nota do seguinte quadro de credores, quanto aos valores reconhecidos (em euros): 1. Abanca Corporación Bancaria, S.A., Sucursal em Portugal, comum, com base em contratos de mútuo, 101.478,63 (4,35%); 2. Ares Lusitani - STC, S.A. comum, com base em “financiamento”, de 495.916,68 (capital) e 315,17 (juros), no montante global de 499.231,85 (21,39%); 3. Banco BIC Português, S.A. comum, com base em contratos de mútuo (celebrados em 16-02-2018 e 26-02-2019), 217.682,31 (capital) e 1.418,33 (juros), no total de 219.100,64 (15,40%); 4. Banco Comercial Português SA, comum sob condição (“exigibilidade do crédito sujeita ao acionamento da garantia bancária e ao não pagamento pela devedora”, com base em garantia bancária n.º 125-02-2138599, de 51.000,00 (2,33%); 5. Freeport Leisure (Portugal), Sociedade Unipessoal, Lda., comum, com base num “Contrato de utilização de loja”, de 6.567,44 (0,28%); 6. Global Refund Portugal - Prestação de Serviços Fiscais, Unipessoal, Lda., comum, com base em “Prestação de serviços”, de 73.433,98 (capital) e 3.390,47 (juros), no total de 76.824,45 (3,29%); 7. LC Asset2. SARL, comum, com base em contratos de mútuo, de 717.686,76 (capital) e 10.247,32 (juros), no total de 727.934,08 (31,19%); 8. Lisgarante - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., garantido, com base em “garantias autónomas n.ºs 2011.00688 e 2012.02909”, de 503.859,78 (capital) e 4.579,72 (juros), no total de 508.439,50 (21,78%) Sendo o “Total Geral” dos créditos reconhecidos de 2.310.974,21 (capital) e 23.186,65 (juros), no total de 2. 334.160,86 (100%). Elaborando o AJP o seguinte “Resumo de montantes por natureza (créditos reconhecidos)
Confrontando os créditos aludidos com o plano de recuperação aprovado, cujo conteúdo se aludiu supra, conclui-se que a proposta de pagamento dos créditos da apelante foi idêntica à dos demais credores comuns, qualificação em que a apelante também se insere, tendo exclusivamente por referência créditos existentes à data de apresentação da empresa ao PER e à data em que se procedeu à votação do plano; ainda assim, a situação da apelante não é inteiramente similar à do credor BCP porquanto o crédito deste foi qualificado como crédito comum sob condição, a estes créditos se reportando o art.º 50.º [ [9] ] [ [10] ]. Pese embora estejamos perante a mesma classe ou categoria de créditos (art.º47.º, n.º4, alínea c), quanto às providências com incidência no passivo verifica-se que se operou uma distinção em função dessa particularidade, o que não pode ter-se como injustificado, ponderando a explicitação feita a esse propósito e a que já se aludiu no relatório, daí resultando que a empresa considerou, com o assentimento da maioria dos credores, que só se justificava considerar esses créditos reconhecidos “sob condição” afetados pelas disposições do plano se a condição se verificasse “até à data de início da votação do PER”, sendo que a apelante nunca alegou que tal se tenha verificado, estabelecendo-se, pois, esse limite temporal balizador. É também nessa linha que se considerou, ainda relativamente ao BCP uma distinção relativamente a “todas as novas utilizações contadas a partir do dia em que se viu proferido o despacho de nomeação do AJP”, não olvidando ainda que também nessa linha de raciocínio, isto é, de só considerar afetados pelo plano os créditos comprovadamente existentes (e, por isso, créditos constituídos e reconhecidos) na data indicada, não se estabeleceu qualquer medida quanto aos créditos do Estado (autoridade tributária) sem prejuízo da salvaguarda feita no plano e já supra referida, isto é, em caso de improcedência da ação de impugnação, o pagamento integral da dívida, ainda que mediante plano prestacional, atento o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários. Igualmente, no contexto apontado, a afirmação de que “o Plano aprovado prevê uma ausência de discriminação positiva da Banca, enquanto Instituição Financeira, não sendo proposta qualquer compensação, resultando num esforço suplementar que somado ao perdão de 50% da dívida, constitui uma medida demasiado penalizadora e inaceitável, a qual não se encontra devidamente justificada no Plano” (conclusão 17ª) não é razoável, não se vislumbrando no caso dos autos razões para, sem mais, distinguir entre credores que são instituições financeiras (com créditos já em situação de incumprimento ou não) e os demais credores, posto que todos da mesma classe, sem prejuízo de, em abstrato, não podermos afastar liminarmente essa possibilidade, conforme já se assinalou em nota. Em suma, alegando a apelante que ocorreu a violação do princípio da igualdade em virtude do favorecimento de um credor (BCP SA), em detrimento de outros, não se justifica a recusa de homologação com esse fundamento se a medida proposta no plano, com incidência no passivo, estabelece distinção entre créditos da mesma classe (créditos comuns) mas essa distinção é feita em função da particularidade do crédito em causa, a saber, estarmos perante um crédito sob condição, não se apurando que, à data em que o plano foi apresentado e votado, essa condição já se tinha verificado. Concluindo, concorda-se inteiramente com o raciocínio exposto na decisão recorrida quando aí se refere: “No caso, observamos uma desproporção entre um cumprimento de 100%, e o pagamento de 50% da dívida consolidada dos demais créditos comuns./ No entanto, não cremos que se trate de uma desproporção merecedora de censura e que viole o princípio da igualdade, na medida em que os efeitos do plano de recuperação, aprovado em sede de processo especial de revitalização, estão circunscritos aos efeitos de créditos já constituídos, ainda que sujeitos a condição, e não também aos créditos litigiosos, quanto à sua constituição ou validade, como é o caso, na situação dos autos, dos créditos tributários que ainda estão em discussão no âmbito de processo de execução fiscal (neste sentido, vd. acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/11/2015, processo n.º 2843/11.0TBEVR.E1, disponível em www.dgsi.pt). Acresce que, na impossibilidade de perdão nos créditos tributários, que não é permitido por lei, é de evidência a constatação de que terá que haver perdão por parte dos demais credores (neste sentido, vd. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09/09/2022, processo n.º 21668/21.9T8LSB.L1-1, disponível em www.dgsi.pt). Por essa razão, considera-se também que não ocorre desproporcionalidade do plano com o perdão de 50% da dívida, mesmo tendo a devedora o seu crédito regularizado junto do Banco BIC, e com a ausência de discriminação positiva da Banca, enquanto Instituição Financeira. /Em segundo lugar, no que diz respeito ao crédito do Banco Comercial Português a título de contrato de abertura de crédito em conta corrente caucionada, o plano esclarece o motivo da diferenciação: visa-se permitir à revitalizanda o desconto de cheques pré-datados emitidos pelos seus clientes, estando em causa “novas utilizações”, ou seja, créditos de constituição futura./Assim sendo, não faria sentido condicioná-los aos termos do plano, pois como já se disse supra os efeitos do plano de recuperação devem estar circunscritos aos efeitos de créditos já constituídos. /As mesmas considerações são válidas relativamente à previsão que no plano é feita a propósito do saldo do cartão de crédito relativamente às novas utilizações, prevendo-se a este propósito que não poderão as mesmas ser afetadas pelo dispositivo do plano, tendo que ser tais saldos liquidados nos termos contratuais. /Finalmente, em relação aos créditos sob condição, o plano consagra que, no caso de a condição não se verificar até à data de início de votação do processo especial de revitalização, não poderão tais créditos ver-se afetados pelo presente plano, estando, consequentemente, a revitalizanda obrigada a atender à sua liquidação nos termos dos contratos aplicáveis, sem prejuízo das partes poderem, por acordo, estabelecer um plano prestacional para o pagamento dessa dívida. /Ora, considerando a natureza dos créditos em questão – a sua constituição ou subsistência encontra-se sujeita à verificação ou não verificação de um acontecimento futuro ou incerto por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico, conforme artigo 50.º, do CIRE – consideramos que se encontra justificada a sua diferenciação relativamente à previsão do seu ressarcimento, dado que podem nunca vir a constituir-se na esfera jurídica da devedora. /Em suma, entendemos que as apontadas diferenciações no tratamento de credores estão justificadas, razão pela qual se julga não se encontrar violado o princípio da igualdade previsto no artigo 194.º do CIRE, decorrendo do plano em análise que os credores inseridos na mesma categoria são tratados de forma igual e proporcional aos seus créditos (art.º 17.-F, n.º 7, al. b), do CIRE)”. Improcedem as conclusões de recurso. * Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida. Custas pela apelante (art.º 525.º, n.º 1 do CPC) Notifique. Lisboa, 13-09-2024 Isabel Fonseca Manuela Espadaneira Lopes Fátima Reis Silva _______________________________________________________ [1] Quanto ao conteúdo do plano, cfr. o disposto nos arts. 195.º e 196.º. [2] Ao tribunal está reservado um papel residual sindicando, como se referiu, a regularidade do plano apresentado, quer em sede de procedimento, quer de conteúdo do plano, sem que daí se retire o tribunal se abstenha de atuar, nomeadamente nos casos em que o plano apresentado pelo devedor contenda com direitos fundamentais. [3] A resolução surge, como expressamente enunciado no preâmbulo, na sequência de compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português no memorando de entendimento estabelecido com o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional e que, “no quadro do programa de auxílio financeiro a Portugal prevê um conjunto de medidas que têm como objectivo a promoção dos mecanismos de reestruturação extrajudicial de devedores, ou seja, de procedimentos que permitem que, antes de recorrerem ao processo judicial de insolvência, a empresa que se encontra numa situação financeira difícil e os respectivos credores possam optar por um acordo extrajudicial que visa a recuperação do devedor e que permita a este continuar a sua actividade económica”. Assim, estabelece-se que a conduta do devedor e dos credores durante o procedimento extrajudicial de recuperação de devedores deve orientar -se pelos seguintes princípios: “Primeiro Princípio - O procedimento extrajudicial de recuperação de devedores corresponde às negociações entre o devedor e os credores envolvidos, tendo em vista obter um acordo que permita a efetiva recuperação do devedor.(…). Segundo princípio - Durante todo o procedimento, as partes devem actuar de boa-fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos. (..) Sétimo princípio - O devedor deve adoptar uma postura de absoluta transparência durante o período de suspensão, partilhando toda a informação relevante sobre a sua situação, nomeadamente a respeitante aos seus activos, passivos, transacções comerciais e previsões da evolução do negócio”. [4] Na mesma linha se insere a Lei 16/2012 de 20-04, que instituiu o PER, aditando ao CIRE os arts. 17.º-A a 17.º- I (art.º 3.º) - o art.º 17.º- J foi aditado posteriormente, pelo Dec. Lei 79/2017 de 30-06. Assim, lê-se na Exposição de Motivos da Proposta de Lei 39/XII de 30.12.2011 que esteve na origem da Lei 16/2012: “Por outro lado, faz-se impender sobre o devedor o dever de informar de forma completa e transparente todos os envolvidos no processo acerca da sua real situação económica, no respeito das melhores práticas internacionais neste domínio, e reconhece-se na letra da lei amplíssima liberdade negocial a todos quantos se pretendem articular com base neste mecanismo, de forma a torná-lo tão atrativo quanto possível. Uma palavra ainda para referir que não se esquece a necessidade de responsabilizar os devedores e os seus administradores de direito ou de facto, quando estejamos perante pessoas colectivas, quando a sua conduta seja susceptível de causar prejuízos aos credores durante o processo negocial, por prestação de informação incompleta, falsa ou pouco clara. Aqueles que assim actuarem durante este processo especial podem ser por tal facto responsabilizados, sendo tal responsabilidade solidária”. [5] Com a seguinte redação: Princípio da igualdade 1 - O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas. 2 - O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável. 3 - É nulo qualquer acordo em que o administrador da insolvência, o devedor ou outrem confira vantagens a um credor não incluídas no plano de insolvência em contrapartida de determinado comportamento no âmbito do processo de insolvência, nomeadamente quanto ao exercício do direito de voto. [6] Outra razão poderá ser a de salvaguarda do interesse público de manutenção de empresas viáveis, parecendo-nos que se insere nesta linha o ac. STJ de 25-03-2014, processo 6148/12.1TBBRG.G1.S1 (Relator: Fonseca Ramos), acessível in www.dgsi.pt, como todos os demais a que aqui se aludir, assim sumariado: “1. Com a Reforma de 2012, o CIRE mudou de paradigma, tendo agora como desiderato principal a recuperação, a revitalização da empresa em estado de pré-insolvência, relegando para segundo plano o que antes era o objectivo precípuo do diploma – a liquidação como meio de sanear a economia de empresas que não geravam riqueza. 2. O art.º 194º, nº1, do CIRE consagra de forma mitigada a igualdade dos credores da empresa em estado de insolvência do ponto em que, implicitamente, ressalva excepções assentes em “diferenciações justificadas por razões objectivas”. O princípio da igualdade não implica um tratamento absolutamente igual, antes impõe que situações diferentes sejam tratadas de modo diferente. 3. No processo falimentar, aos credores cabe decidir, com larga autonomia, a forma como recuperar os seus créditos, abrindo-se duas vias; a da liquidação da empresa ou a sua recuperação. Daí que, tendo em conta a tendencial igualdade dos credores no processo falimentar – “par conditio creditorum” – haverá que não esquecer que, decretada a insolvência, desaparecem os privilégios dos créditos do Estado e outras entidades, designadamente da Segurança Social, nos termos do art.º 97º, nº1, al. a) do CIRE. 4. O princípio da igualdade dos credores “par conditio creditorum” não confere, aos que deles beneficiam, um direito absoluto, pese embora a natureza muito peculiar do crédito salarial que visa remunerar a força do trabalho, muitas vezes único bem de quem trabalha. Esse direito de crédito pode sofrer afrouxamento ou restrição como decorre do texto constitucional que contempla, a par do princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade e da proibição do arbítrio coenvolvidos na legalidade do exercício de direitos e deveres, como é apanágio do estado de Direito baseado na dignidade da pessoa humana – art.º 1º da Lei Fundamental. 5. Ponderando que o PER tem como fim primordial a recuperação da empresa, a derrogação do princípio da igualdade dos credores é legítima num quadro de ponderação de interesses – o interesse individual por contraposição ao colectivo – se este se situar num patamar material e fundadamente superior em função dos direitos que devem ser salvaguardados, atendendo a sua relevância pública”. [7] Pode também equacionar-se a possibilidade de, dentro da mesma classe de créditos, ainda assim o Plano distinguir alguns credores pela importância do seu contributo para a recuperação da empresa (fornecedores que permitem o giro da empresa, entidades bancárias que mantém o financiamento, etc.) justificando que, em função desse interesse, se estabeleçam no plano condições mais favoráveis para o recebimento do crédito respetivo. Trata-se de uma análise sujeita a ponderação casuística pelo tribunal. [8] Processo: 338/13.7TBOFR-A.C1 (Relator: Henrique Antunes). [9] Que, sob a epígrafe “[c]réditos sob condição”, dispõe: 1 - Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico. 2 - São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva: a) Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de actos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução; b) Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão; c) Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível. [10] Como refere Meneses Leitão, a lei “contempla ainda especificamente os créditos sob condição, distinguindo aqueles que estão sob condição suspensiva e aqueles que estão sob condição resolutiva, sendo de referir, no entanto, que este conceito, no âmbito da insolvência, afasta-se bastante da correspondente figura do Direito Civil” (Direito da Insolvência, 2019, Coimbra: Almedina, pp. 113-114). Nos termos do art.º 270.º do Cód. Civil, a condição é uma cláusula inserida no negócio jurídico pela qual as partes sujeitam à verificação de um facto futuro e incerto a eficácia do negócio (condição suspensiva), ou a cessação de produção dos seus efeitos (condição resolutiva). |