Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
472/19.0YHLSB.L2-PICRS
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: PROPRIEDADE INTELECTUAL
MARCA
FUNÇÃO DISTINTIVA
REPRODUÇÃO DE MARCA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A marca registada considera-se imitada ou usurpada quando se preencham, cumulativamente, os pressupostos: a. prioridade; b. coincidência de objecto; e c. susceptibilidade de confusão, erro ou associação;
II. que consumidor mais e melhor recorda são as palavras que constituem as marcas que compara;
III. O elemento gráfico só convocará a sua atenção se for muito chamativo e dominar a impressão visual produzida;
IV. Na comparação dos signos, a operação a realizar pelo julgador consiste na reconstituição do olhar do consumidor médio do mercado apreciado;
V. É a aparência distinta o que possui a virtualidade de gerar a retenção no espaço da memória, sempre associada à distinção – na verdade, retemos o que destrinçamos;
VI. É central o relevo da análise de conjunto no momento da ponderação da capacidade de produzir impacto e sensibilizar, sendo certo que «o consumidor médio» «apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades»;
VII. A análise das marcas não se faz de forma linear e homogénea; antes é desequilibrada e atende mais a uns elementos do que a outros;
VIII. A avaliação central que se pede ao julgador ao ponderar a imitação de marcas é bem mais psicológica do que jurídica, já que se lhe requer que reconstitua e intua o olhar do consumidor perante os signos que exornem a apresentação comercial e económica dos actores de um certo mercado;
IX. Uma marca de prestígio é aquela que tem uma reputação elevada, individualidade e originalidade significativas e surja associada a produtos ou serviços de alta qualidade, sendo reconhecida pelos consumidores como símbolo de distinção e excelência;
X. Os objectivos subjacentes à sua tutela muito específica e muito focada são os de impedir a erosão ou diluição de marcas que funcionam como referentes no mercado (relevando mesmo em distintos mercados) salvaguardando o seu valor comercial, designadamente na vertente essencial desse valor que é a capacidade de atracção do público.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. RELATÓRIO                  
O MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DA PESQUEIRA, com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou «acção de processo comum» contra ASSOCIACIÓN VINDUERO-VINDOURO, neles também melhor identificada.
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos (imagens não reproduzidas):
1. O MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DA PESQUEIRA intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra ASSOCIACIÓN VINDUEROVINDOURO, peticionando a sua condenação nos seguintes termos:
A) A abster-se de usar a expressão “Vinduero-Vindouro” que constitui marca nacional n.º 376534 de que o Município Autor é titular em território Português.
B) A intimação da Ré para retirar imediatamente do mercado português, toda a publicidade efetuada do apelidado evento ou de outros que, entretanto, possa vir a promover;
C) Mais se requer, nos termos do artigo 829.º-A do CC, que seja fixada uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a €200,00 (duzentos euros), a ser paga pela Requerida por cada dia de atraso no cumprimento das intimações que lhe vierem a ser feitas nos termos do acima requerido.
Alega, para tanto e em síntese, que é titular da marca nacional n.º 376534 VINDOURO FEIRA DA VINHA E DO VINHO DO DOURO, registada em Portugal desde 20 de Outubro de 2005, relacionada com a promoção de vinhos do Porto e Douro, em certame anual a decorrer no Município. A VINDOURO é uma festa pombalina, organizada pela Câmara Municipal de São João da Pesqueira, que se realiza sempre no primeiro fim de semana de Setembro e conta já com 17 edições, sendo uma marca de elevado prestígio.
Por seu turno, a R. promoveu um evento denominado Concurso Internacional de Vinos VINDUERO-VINDOURO, tendo o A. dirigido uma interpelação datada de 18-04-2016, para fazer cessar o uso da referenciada expressão “Vindouro”, em eventos por esta promovidos em Portugal. Porém, o A. teve conhecimento de um outro evento da Ré, promovido pela Câmara Municipal de Pinhel, designado de “BEIRA INTERIOR VINHOS & SABORES PRODUTORES REGIONAIS”, onde se aludiu à entrega de prémios “Vinduero – Vindouro”: “Muitas reflexões sobre os rumos da região serão feitas, destacando ainda a entrega dos prémios “Vinduero – Vindouro”, pelo terceiro ano consecutivo, tendo o A. interpelado também a Câmara Municipal de Pinhel para cessar a publicidade contendo a expressão “VinDueroVindouro”.
Ora, as expressões referidas são confundíveis com a marca registada a favor do A., não gozando aquelas de qualquer protecção legal, pelo que deve a presente acção ser julgada procedente. Juntou documentos e arrolou testemunhas.
2. Regularmente citada para contestar, a R. deduziu contestação, onde se defendeu por excepção, arguindo a incompetência internacional deste Tribunal e a ilegitimidade passiva, e por impugnação. Assim, a marca espanhola “VinDuero VinDouro”, M4001434(7), propriedade da Asociación Juvenil Arribes Del Duero, encontra-se registada para a classe 35 da classificação de Nice – “organização de eventos, exibições, feiras e espectáculos com fins comerciais, promocionais e publicitários; organização e realização de eventos promocionais”, com o sinal . A referida marca é utilizada pela R., com autorização da proprietária, há, pelo menos, 17 anos. Além disso, encontram-se registadas outras marcas com o vocábulo “Vindouro”. Juntou documentos e arrolou testemunhas.
3. Foi proferido saneador sentença, do qual foi interposto recurso, vindo a ser determinada a prolação de despacho de aperfeiçoamento e nova sentença.
4. Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, onde se julgaram improcedentes as arguidas excepções da ineptidão da petição inicial e se fixou o objecto do litígio e os temas da prova.
Foram realizadas a instrução, a discussão e o julgamento da causa, tendo sido proferida sentença que decretou:
  Nos termos supra expostos, julga-se a presente acção totalmente improcedente, por não provada, e em consequência, decide o Tribunal absolver a R. de todos os pedidos contra si deduzidos pelo A.
É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DA PESQUEIRA, que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
1. A decisão recorrida violou o disposto no artigo 238.º, n.º 1 al. c) do CPI.
2. O Tribunal recorrido considerou verificada a prioridade do registo e a identidade ou afinidade dos produtos em questão.
3. Mas entendeu que não se verifica o requisito caracterizador do conceito de imitação ou usurpação previsto no artigo 238.º, n.º 1, al. c) do CPI: semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
4. Por risco de confusão deve entender-se o risco de confusão propriamente dito e também o risco de associação.
5. Aquele ocorre quando os consumidores confundem uma marca por outra e este quando os consumidores ligam uma marca à outra, crendo erradamente tratar-se de marcas ou produtos com idênticas qualidades/características ou provenientes dos mesmos sujeitos.
6. O risco de confusão é tanto maior quanto maior for a semelhança entre os sinais e entre os produtos.
7. No caso dos autos verifica-se a semelhança entre os produtos pois num caso e no outro é de vinho e de feiras de vinhos que se trata.
8. Tal resulta dos factos provados B. I. e U.
9. Já quanto aos sinais, evidente se torna “VINDOURO FEIRA DA VINHA E DO VINHO DO DOURO” não se escreve, não se lê, nem se pronuncia da mesma forma que “VINDUEROVINDOURO”
10. Mas não pode deixar de se reconhecer a total identidade entre o sinal utilizado pela ré e parte do sinal utilizado e registado pelo autor.
11. E essa identidade situa-se precisamente no sinal ou expressão que o consumidor mais facilmente retém – aquele que é o a parte preponderante ou vedeta, o núcleo ou coração dos signos em exame.
12. De facto, da marca do autor a expressão que se destaca, que é usualmente utilizada e que facilmente entra no ouvido do consumidor é “VINDOURO”.
13. A feira da vinha e do vinho do Douro é a VINDOURO.
14. Tal como decorre do facto provado E. a expressão VINDOURO é associada por todos à feira a decorrer em certame anual na Vila de São João da Pesqueira;
15. A ré ao utilizar o sinal “VINDUERO-VINDOURO” utiliza um sinal gráfico e fonético idêntico ao do autor e que evidentemente se confunde com aquele.
16. Em Portugal a tendência do consumidor é evidentemente utilizar o sinal da ré na versão portuguesa, ou seja, VINDOURO, que nesse casso assume total identidade gráfica e fonética com a parte da marca do autor que acima se colou em destaque.
17. É evidente que o público português – o principal destinatário de ambos os eventos – se refere também ao evento da recorrida como “VINDOURO”.
18. Por outro lado, sendo o sinal VINDUERO tradução simples, directa e imediata do sinal VINDOURO, o consumidor poderá ser levado a entender que se trata em ambos os casos de eventos promovidos pela mesma entidade ou por entidades associadas, tando mais quanto aquele sinal VINDUERO surge acompanhado da expressão VINDOURO que integra a marca do autor: VINDUERO-VINDOURO.
19. A recorrida, ao utilizar o sinal “VINDUERO-VINDOURO”, do qual se destaca a versão portuguesa “VINDOURO” utiliza sinal susceptível de criar no consumidor risco de confusão e/ou risco de associação com marca registado do autor e da qual igualmente se destaca a expressão “VINDOURO”.
20. Mesmo o consumidor mais atento não deixará de pensar tratarse da mesma coisa ou de eventos promovidos pela mesma entidade.
21. Pelo que a recorrida deve ser impedida de usar “VINDUEROVINDOURO”.
22. O d. Tribunal recorrido fez errada interpretação do regime decorrente do artigo 235.º do Código da Propriedade Industrial.
23. Diz-se que uma marca goza de prestígio quando goza de excepcional notoriedade e excepcional atracção ou satisfação juntos dos consumidores.
24. A marca de prestígio expressa junto do consumidor médio um especial padrão de qualidade ou satisfação ou ser particularmente apreciada.
25. A marca de prestígio é a que é conhecida do público em geral, que diante o nome da marca a associa, sem hesitar, a elevados padrões de qualidade dos produtos ou dos serviços que se distinguem dos seus competidores.
26. Em face dos factos provados D. E. H. I. e J a P não pode deixar de ter-se por provado esse reconhecimento por todos da qualidade e excelência do certame do autor denominado “VINDOURO”.
27. Pelo que a marca do autor tem de considerar-se marca de prestígio.
28. O sinal VINDUERO que integra a marca da ré constitui tradução simples, directa e imediata do sinal VINDOURO que integra a marca do autor e que é, aliás, a forma como é reconhecida por todos a marca do autor (tal como decorre do facto provocado D.).
29. A marca da ré, ao constituir tradução da marca de prestígio do autor, cai na previsão do artigo 235.º do Código da Propriedade Industrial, beneficiando assim da protecção reforçada decorrente dessa norma, sendo o uso da mesma por parte da ré completamente proibido.
30. O d. Tribunal recorrido violou também o disposto no artigo 234.º, n.º 1 al. b) do Código da Propriedade Industrial.
31. A marca do autor se por hipótese académica não fosse de considerar marca de prestígio, sempre seria pelo menos de considerar, face aos indicados factos provados, como marca notória.
32. Tal como decorre do facto provado E. a expressão VINDOURO que integra a marca do autor é associada por todos à feira a decorrer em certame anual na vila de São João da Pesqueira.
33. Este elemento quantitativo e que resultou provado é conducente pelo menos à classificação da marca do autor como marca notória.
34. Estando-se perante produtos/serviços idênticos ou afins, tal como decorre dos factos provados B., I. e U., a marca do autor merece protecção no caso de imitação ou tradução, no todo ou em parte.
35. Face aos factos provados A. e V., não pode deixar de se considerar que a marca da ré constitui imitação e tradução parcial da marca do autor, pelo que o seu uso é proibido por força da al. b) do n.º 1 do artigo 234 do diploma legal em referência.
Nestes termos e nos melhores de direito que V/Exas. Doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência ser revogada a decisão recorrida e a acção julgada procedente por provada.
A ASSOCIACION VINDUERO-VINDOURO respondeu às alegações de recurso concluindo:
A. O Autor apresentou recurso, onde em matéria de facto entende que o tribunal recorrido deveria ter dado como provados os factos 1 e 2 constantes do elenco dos factos não provados.
B. Mesmo que estes factos fossem dados provados, não alterariam o sentido da decisão, pelo que deve improceder o recurso da matéria de facto, porque tais factos não foram referidos por qualquer testemunha,
C. o Tribunal considerou que as marcas em apreço não tinham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto, não se encontrando verificado o requisito do art. 238º n.º 1 al. c) do CPI:
D. A douta sentença fundamenta à saciedade com base nos documentos e no depoimento das testemunhas arroladas que: a) a impressão sensitiva e memorial global que cada um dos sinais produz é suficientemente distintiva para que não ocorra risco de confusão ao consumidor. b) não resultam, no entendimento do Tribunal, semelhanças gráficas ou fonéticas de tal ordem que possam levar a que o consumidor a percepcionar uma marca como se tratando da outra c) os sinais em análise possuem elementos suficientemente fortes para afastar o risco de confusão do consumidor médio, pelo que, numa apreciação global das marcas e da impressão de conjunto, com recurso a todos os seus elementos, entende o Tribunal que inexiste um elevado risco de confusão.
E. O Recorrente tem registada a marca portuguesa nominativa n.º 376534 “VINDOURO FEIRA DA VINHA E DO VINHO DO DOURO” e está inserida na Classe 41 da classificação de Nice, tendo proteção para “ORGANIZAÇÃO DE FEIRAS E EXPOSIÇÕES COM FINS CULTURAIS E EDUCATIVOS, DIVERTIMENTO”
F. A marca espanhola “VinDuero VinDouro”, M4001434(7), propriedade da Asociación Juvenil Arribes Del Duero, encontra-se registada para a classe 35 da classificação de Nice – “ORGANIZAÇÃO DE EVENTOS, EXIBIÇÕES, FEIRAS E ESPECTÁCULOS COM FINS COMERCIAIS, PROMOCIONAIS E PUBLICITÁRIOS; ORGANIZAÇÃO E REALIZAÇÃO DE EVENTOS PROMOCIONAIS” (cf. doc. n.º 1, junto com a contestação).
G. A marca espanhola tem associada uma figura:
H. A imagem caracteriza-se por: elementos nominativos: VINDUERO-VINDOURO; Cores: RGB74 G88 B130; Tipografia: Trajan Pro. Desenho de uma Vide com forma de V (em alusão a VINDUERO) sobre um fundo circular branco e debaixo desta, os elementos nominativos VINDUERO-VINDOURO em branco, com a sua respectiva tipografia, anteriormente mencionada
I. A marca “VinDuero-VinDouro” é utilizada pela Recorrida e dá nome a um Concurso Internacional de Vinhos denominado “Prémios VinDuero VinDouro”, com atribuição de prémios denominados “Arribe”.
J. A marca “VinDuero-VinDouro” é usada ininterruptamente há, pelo menos, dezassete anos, pois já foram realizadas dezassete edições do Concurso Internacional de Vinhos denominado “Prémios Vinduero Vindouro”.
K. O Concurso Internacional de Vinhos “Prémios VinDuero VinDouro” é um dos maiores concursos vínicos da Península Ibérica e é reconhecido nacional e internacionalmente por entidades públicas e privadas, agricultores, produtores, enólogos, jornalistas e consumidores de vinhos.
L. O certame “Prémios Vinduero Vindouro” realiza-se em Trabanca-Salamanca e os prémios são entregues em local e data a designar, tendo, nas últimas edições, sido entregues em Pinhel, em cerimónia para o efeito e sujeita a convites, onde participam os concorrentes e os vencedores dos prémios, no âmbito do evento designado “Beira Interior – Vinhos & Sabores”.
M. Tal foi comprovado pelos depoimentos das testemunhas (…) (arrolado pelo Autor), (…) (Presidente da Região de turismo da Beira Interior), (…)(Presidente da Câmara Municipal de Pinhel)
N. “VINDOURO FEIRA DA VINHA E DO VINHO DO DOURO” não é confundível com “VinDuero VinDouro”
O. O evento VINDOURO FEIRA DA VINHA E DO VINHO DO DOURO é um evento que se realiza num determinado local – S. João da Pesqueira, e tem importância local, enquanto o concurso internacional e a atribuição dos prémios “VinDuero VinDouro” se realiza em Espanha, tendo abrangência transfronteiriça e importância ibérica, sendo a entrega realizada em diversos locais de Espanha e Portugal.
P. Não existe incompatibilidade e confundibilidade entre as duas marcas VINDOURO FEIRA DA VINHA E DO VINHO DO DOURO e VinDuero VinDouro que se encontram protegidas.
Q. O evento organizado pelo Recorrente “Feira do Vinha e do Vinho do Douro”, subscrito territorialmente ao concelho de São João da Pesqueira, não é confundível com a atribuição de “Prémios VinDuero VinDouro” que têm uma projeção internacional.
R. Ao contrário do que pretende o Recorrente faze crer não existe homogeneidade de fins entre a Feira da Vinha e do Vinho, que eventualmente será conhecida pelo evento “Festa Pombalina” e a atribuição de “Prémios Vinduero-Vindouro”, enquanto a primeira potencialmente pretende promover a venda de produtos locais a segunda pretende premiar e valorizar vinhos que se apresentam a concurso de diferentes regiões vitivinícolas.
S. A marca VinDuero VinDouro é uma marca notória e de prestígio internacional, que não é só conhecida do grande público como também do público mais especializado, por exemplo, ligado ao sector vitivinícola.
T. Ambas estão ligadas ao Duero/Douro, região banhada pelo rio Douro, motivo pelo qual ambas têm este denominador comum, ou seja, a região em que se encontram instalados os detentores das marcas.
U. O consumidor médio e esclarecido distingue a “Vindouro – Feira da Vinha e do Vinho” associando-a à sua localização geográfica – S. João da Pesqueira –, dos Prémios “Vinduero-Vindouro”, tal com foi dito pela testemunha do Autor, (…), produtor de vinhos e concorrente aos prémios atribuídos pela Recorrida.
V. Tal questão nem se coloca nos consumidores com maior conhecimento técnico, perito ou especializado no sector vitivinícola.
W. A jurisprudência tem entendido que o juízo de comparação entre as marcas e o apuramento das suas semelhanças e dissemelhanças é uma questão de facto, enquanto que o juízo sobre a efetiva confundibilidade entre os sinais baseada em tais semelhanças ou dissemelhanças é uma questão de direito (Ac. STJ, de 16/12/2016, proc 707/06.9TYVNG.L1.S1)
Termos em que se exerce contraditório face às alegações do Recorrente, pugnando-se pela improcedência do recurso e manutenção da decisão em crise.
Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
Dado que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cf. arts. 635.°, n.° 4, e 639.°, n.° 1, ambos do Código de Processo Civil) – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.°, n.° 2, por remissão do art. 663.º, n.° 2, do mesmo Código) – são as seguintes as questões a avaliar:
1. A decisão recorrida violou o disposto no artigo 238.º, n.º 1 al. c) do CPI?
2. A marca do autor tem de considerar-se marca de prestígio, sendo que a marca da Ré, ao constituir tradução da marca de prestígio do Autor, cai na previsão do artigo 235.º do Código da Propriedade Industrial?
3. A marca do Autor é uma marca notória, não podendo deixar de se considerar que a marca da Ré constitui imitação e tradução parcial da marca do autor, pelo que o seu uso é proibido por força da al. b) do n.º 1 do artigo 234.º do Código da Propriedade Industrial?

II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Vem provado que:
A. O Autor é um Município Português, tendo registada a seu favor a marca nacional n.º 376534 VINDOURO FEIRA DA VINHA E DO VINHO DO DOURO, desde 20 de Outubro de 2005, conforme documento n.º 1 e 2 juntos com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
B. Marca, essa, relacionada com a promoção de vinhos do Porto e Douro, em certame anual a decorrer naquele Município.
C. VINDOURO é uma festa pombalina, organizada pela Câmara Municipal de São João da Pesqueira, que se realiza sempre no primeiro fim de semana de Setembro e conta com 17 edições.
D. Trata-se de uma feira realizada com a finalidade da promoção dos vinhos do Porto, Douro e DOC, que leva à Vila de São João da Pesqueira milhares de pessoas.
E. Por todos sendo associada a expressão Vindouro à feira a decorrer em certame anual na Vila de São João da Pesqueira.
F. Trata-se de um evento associado à criação, pelo Marques de Pombal, da Região Demarcada do Douro – a região demarcada mais antiga do Mundo e que tem como tema central o vinho e a vinha.
G. A recriação do ambiente pombalino que envolve todo evento na vila de São João da Pesqueira, a vila mais antiga do país, localizada em pleno Douro, classificado como Património da Humanidade pela Unesco confere ao evento um caracter único e de singular importância cultural, económica e social.
H. Conhecida pela excelência e qualidade dos vinhos que aí se expõem e comercializam e das actividades culturais e sociais associadas ao evento nomeadamente conversas temáticas, palestras, mercado, gastronomia, espectáculos musicais, cortejos, concurso e provas de vinhos, largadas.
I. Sendo do conhecimento do público que a VINDOURO constitui um evento único ao nível da divulgação e promoção do vinho e da vinha do Douro e até da própria região do Douro.
J. De tal ordem que o mesmo vai já na vigésima edição e é um evento cada vez mas procurado seja pelos produtores seja pelos consumidores.
K. Tendo quadruplicado o número de produtores que, reconhecendo a qualidade e a dimensão do evento para promover os seus vinhos, a ele pretendem associar os seus produtos.
L. Estando actualmente presentes no evento cerca de cem marcas de vinhos.
M. A Vindouro tem trinta mil as pessoas que anualmente a visitam.
N. No ano de 2014, o então Presidente da República Aníbal Cavaco Silva levou consigo em visita oficial a Macau precisamente uma comissão de divulgação da VINDOURO.
O. E de Macau e Hong Kong acorrem todos os anos à VINDOURO vários empresários/importadores que têm feito chegar os vinhos do Douro ao mercado oriental.
P. Também o actual Presidente da República de Portugal tem marcado presença oficial nos últimos anos.
Q. Em 20-04-2016, o A. dirigiu à Ré uma missiva, datada de 18-04-2016, remetida a 20-04-2016 e recepcionada pela Ré em 17-08-2016 para fazer cessar o uso da expressão “Vindouro”, em eventos por esta promovidos em Portugal, cfr. documentos n.º 5, 6 e 7 juntos com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
R. O A. teve conhecimento de um outro evento da Ré, promovido pela Câmara Municipal de Pinhel, que aquele Município designa de “BEIRA INTERIOR VINHOS & SABORES PRODUTORES REGIONAIS”, a alusão à entrega de prémios “Vinduero – Vindouro”: “Muitas reflexões sobre os rumos da região serão feitas, destacando ainda a entrega dos prémios “Vinduero – Vindouro”, pelo terceiro ano consecutivo, cfr. documentos 8 e 9 juntos com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
S. A mesma menção ao prémio “Vindouro-Vinduero”, resulta publicitado noutros sites da internet, cfr. documentos 10 a 12 juntos com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
T. Nessa sequência, o Autor, por carta datada de 18 de Novembro de 2019 e recepcionada em 20-11-2019, interpelou o Município de Pinhel para cessar com a publicidade efectuada ao evento “VinDuero-Vindouro”, cfr. documentos 13 e 14 juntos com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
U. A Ré dedica-se a estimular a produção de vinhos de qualidade, contribuindo assim quer para a expansão da cultura do vinho quer para a divulgação de vinhos de alta qualidade, espanhóis e portugueses.
V. Encontra-se registada em Espanha a marca nacional M4001434(7) VINDUERO-VINDOURO, com o sinal a favor de ASOCIACIÓN JUVENIL ARRIBES DEL DUERO, pedido a 22/01/2019, cfr. documentos 1 e 2 juntos com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

Fundamentação de Direito
1. A decisão recorrida violou o disposto no artigo 238.º, n.º 1 al. c) do CPI?
O Tribunal «a quo» fez, na sentença criticada, válido enquadramento jurídico das noções subjacentes e pressuponentes da análise que se propunha realizar, designadamente dos conceitos de marca, sua função, forma de constituição, imitação,  critérios de comparação, tipos de sinais.
O mesmo Órgão Jurisdicional identificou correctamente preceitos relevantes para a análise que realizou e deu o devido relevo e sentido ao disposto nesses preceitos legais. Nada há, pois, a reparar, não se justificando, também, qualquer aditamento face à suficiência do invocado e indiscutibilidade nos autos das noções associadas. Essa matéria não vem posta em crise, não se colocando, no caso em apreço, dificuldades específicas ao nível da caracterização dos signos em confronto.
Neste quadro circunstancial, seria ocioso, logo inútil, logo proscrito pelo direito adjectivo constituído – cf. o disposto no art. 130.º do Código de Processo Civil e o princípio da economia processual aí enunciado – tecer alargadas considerações, sempre redundantes, sobre a matéria não discutida.
É seguro que estamos perante duas marcas, já que tais sinais são subsumíveis à fattispecie do art. 208.º do Código da Propriedade Industrial (CPI).
Não se materializa qualquer das excepções referenciadas no art. 209.º do mesmo encadeado normativo.
No âmbito do estabelecido nas alíneas que compõem o n.º 1 do art. 238.º do CPI, a marca registada considera-se imitada ou usurpada quando se preencham, cumulativamente, os pressupostos:
a. Prioridade;
b. Coincidência de objecto; e
c. Susceptibilidade de confusão, erro ou associação.
No caso em apreço, o Tribunal que proferiu a decisão criticada não questionou o preenchimento dos dois primeiros pressupostos e tudo centrou no terceiro, concluindo pelo seu não preenchimento. E o recurso vem também neste focado, pelo que será o mesmo o objecto da avaliação que se lançará de seguida.
Neste âmbito, importa começar por referir que comparamos dois sinais sendo um deles exclusivamente nominal, correspondente à marca nacional n.º 376534, «VINDOURO FEIRA DA VINHA E DO VINHO DO DOURO», registada a favor da Recorrente desde 20 de Outubro de 2005 (vd. facto A) e o outro misto, correspondente à marca de registo espanhol «M4001434(7) VINDUERO-VINDOURO», pedido a 22.01.2019, que tem associada a imagem reproduzida no ponto de facto V.
Esta distinção de tipos (nominativo vs. misto) sustenta logo uma tendência liminar para a distinção e para a conclusão no sentido da omissão de sobreposição, sobretudo quando, como se verifica na situação presente, o símbolo gráfico escolhido, pela forma e cor e posse de um círculo branco interior que exibe uvas pendentes de uma videira, claramente alusivas ao sector vitivinícola, se apresenta como suficientemente distintivo e marcante.
É de admitir que o consumidor relevante dos espaços de intervenção económica em que as marcas incidem possa usar o apontado elemento gráfico como componente referenciador de uma distinção de serviços. No entanto, não sendo decisivo este quadro quando existam elementos complementares a avaliar, como ocorre no caso em apreço, prosseguir-se-á a análise.
 É certo que a abordagem psicológica do mundo circundante é feita mediante a conversão mental dos objectos vistos em palavras ou conceitos nominais, o que determina que seja o verbo o elemento gnoseológico representativo e substitutivo do avaliado pela mente humana.
Este dado da psicologia do conhecimento conduz-nos à certeza de que o que consumidor mais e melhor recorda são as palavras que constituem as marcas que compara. O elemento gráfico só convocará a sua atenção se for muito chamativo e dominar a impressão visual produzida (o que ocorrerá por diversas vias: associação ao conhecido relevante, ligação a objecto de gostos e afectos, capacidade de chocar ou divergir do comum, apelo ao humor ou a sentimentos fortes, etc.) – vd., neste sentido, os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia  T-54/12 - K2 Sports Eur ope v OHMI - Karhu Sport Iberica (SPORT), § 40, T-312/03 Wassen International v OHIM – Stroschein Gesundkost (SELENIUM-ACE), § 37, e T-517/10 Pharmazeutische Fabrik Evers v OHIM – Ozone Laboratories Pharma (HYPOCHOL), § 32.
Na comparação dos signos, a operação a realizar pelo julgador, em situações do presente jaez, consiste na reconstituição do olhar do consumidor médio do mercado apreciado.
Sendo o dito consumidor, nas situações comuns, um agente não particularmente atento e eventualmente descontraído, actuando num contexto lúdico ou, ao menos, mais relaxado, no momento da aquisição de bens ou serviços, é de admitir que, em certas áreas (como a dos vinhos), surja um outro tipo de adquirente mais focado, atento e informado, designadamente devido a particulares contextos socio-económicos e culturais e predilecções colectivas e de grupo.
Esta maior focagem no objecto ocorre sem, que, no entanto, se possa considerar o consumidor do mercado concreto como, necessariamente, especialista ou técnico face à dimensão e abrangência do mercado respectivo que convoca muito diversas razões e motivações de aquisição.
Tal focagem não gera, porém, por si só, a noção de que uma menor distintividade dos signos sempre será suficiente para evitar o risco de associação e confusão.
Sendo inelutável o referido predomínio da parte nominativa, não é menos verdade que, no cotejo de vocábulos, a retenção em memória é pouco precisa e rigorosa, sempre desfocada pela nebulosidade da reminiscência, que se constrói sobre o trinómio «impressão», «repetição» e «associação». Ou seja, uma memória é tanto mais forte quanto mais intensa e firme tenha sido a implantação inicial (o que se consegue, por exemplo, através da novidade, originalidade e contexto distinto). E será mais intensa se o signo for marcante ou estiver presente com grande repetição. A retenção a longo prazo no espaço cerebral sempre beneficia da possibilidade de ligar o elemento a conservar a um outro anteriormente conhecido, assim produzindo o referido efeito de associação.
É a aparência distinta o que possui a virtualidade de gerar a retenção no espaço da memória, sempre associada à distinção – na verdade, retemos o que destrinçamos.
É central o relevo da análise de conjunto no momento da ponderação da capacidade de produzir impacto e sensibilizar, sendo certo que «o consumidor médio» «apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades» – vd., neste sentido, os acórdãos do TJUE C-251/95, SABEL, C-39/97, Canon, C-108/97 e C-109/97, Windsurfing Chiemsee Produktions, C-342/97, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C-425/98, Marca Mode e do Tribunal de Primeira Instância T-292/01, Phillips-Van Heusen e T-112/03, L'Oréal.
Por outro lado, a ponderação não se faz de forma linear e homogénea. Antes é desequilibrada e atende mais a uns elementos do que a outros.
A avaliação central que se pede ao julgador em situações do presente jaez é bem mais psicológica do que jurídica, já que se lhe requer que reconstitua e intua o olhar do consumidor perante os signos que exornem a apresentação comercial e económica dos actores de um certo mercado. E é assim porque se visa salvaguardar a livre e equilibrada concorrência e, como metas derradeiras, garantir iguais oportunidades para todos os potenciais agentes, a protecção do consumidor e o eficaz funcionamento da economia. Há, pois, aqui, no que tange à teleologia, um marcante balanço entre os direitos individuais e as finalidades colectivas.
Face ao afirmado, não sendo o acima referido grafismo determinante em exclusivo para operar a destrinça – que tem necessariamente que existir por forma a obviar ao erro, confusão ou associação referidos na al. c) do n.º 1 do art. 238.º do Código da Propriedade Industrial – importa referir que as marcas em apreço, tomadas no seu conjunto, constituídas por várias palavras e, uma dela, também por um sinal gráfico suficientemente distintivo, partilham, afinal, apenas uma palavra, a saber, o vocábulo «Vindouro».
Trata-se de vocábulo pouco criativo e dotado de escassa imprevisibilidade, atenta a realidade apreciada, já que as actividades referenciadas nos factos provados incidem sobre vinhos (Vin) da região do Douro (Douro).
Na vertente espanhola, «Vindouro» corresponde a alusão que denota a vocação de entrada também no mercado português, já que associa à denominação espanhola a correspondente portuguesa. Aliás, essa vocação bi-nacional brota segura do facto U.
Mas tal não inculca a noção da mera tentativa de imitação, apenas a de adaptação vocabular a uma ambição de mercado.
E as semelhanças terminam aqui.
O que os factos provados patenteiam é que o Recorrente tem registada em seu nome uma marca extensa («VINDOURO FEIRA DA VINHA E DO VINHO DO DOURO») que, afinal, assinala uma festa anual.
Não se extrai do provado que «VINDOURO» seja uma segunda marca do Recorrente. O uso isolado deste vocábulo só resultará, pois, de uma abreviatura de conveniência não correspondente à marca e que assim extravasa, pois, o registo e  assim, se apropria de algo que, rigorosamente, não pertence ao seu titular.
O que há que usar e comparar é, antes, «VINDOURO FEIRA DA VINHA E DO VINHO DO DOURO» e «VINDUERO-VINDOURO» e não qualquer outra realidade.
Feita esta comparação, não é possível sustentar a existência de semelhança gráfica, figurativa ou fonética em termos possam induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão, sobretudo um consumidor com particular grau de atenção e informação e que, afinal (pelo menos no que tange aos frequentadores da Feira que ostenta o nome da marca), associa à Autora ora Recorrente uma parte da marca registada em seu nome (cf. facto E), assim reduzindo o apontado risco de erro ou confusão.
Claro está que é de esperar que, sobretudo temendo qualquer confusão, o Recorrente use a marca que lhe pertence («VINDOURO FEIRA DA VINHA E DO VINHO DO DOURO») e não a que não lhe pertence («VINDOURO»), assim não se apropriando de vocábulo do qual não tem exclusividade por não lhe ter sido atribuído aquando do registo da sua marca.
Por outro lado, dilatando as diferenças, temos que a marca da Recorrente assinala uma feira realizada numa base anual (cf. factos B e C) enquanto a da Recorrida aponta uma actividade (vd. o facto U).
Os elementos distintivos revelam suficiência, sobretudo em atenção à natureza e características dos destinatários das actividades e à verdadeira composição das marcas (necessariamente abstraindo das denominações abreviadas ocupadas sem suporte no registo e com extravasamento dos reais contornos e conteúdos dos signos).
Não basta, para surgir a possibilidade de erro ou confusão, a comunhão de uma das palavras integrantes das marcas, ainda que referenciadoras de uma actividade e uma pertença geográfica (aliás, elementos efectivamente partilhados).
Flui do exposto, com a necessária segurança, impor-se dar resposta negativa à questão apreciada, o que ora se faz.
2. A marca do autor tem de considerar-se marca de prestígio, sendo que a marca da Ré, ao constituir tradução da marca de prestígio do Autor, cai na previsão do artigo 235.º do Código da Propriedade Industrial?
Impõe-se, na senda do já afirmado na resposta à questão anterior, começar por afastar uma das afirmações que integram a questão proposta: a palavra espanhola correspondente a «VINDOURO» não constitui tradução da marca do Recorrente, pelo simples facto de que este não é titular da marca «VINDOURO» mas da marca «VINDOURO FEIRA DA VINHA E DO VINHO DO DOURO». Antes, a palavra «VINDOURO» que integra a marca da Recorrida, corresponde à conversão para a língua portuguesa do nome espanhol do rio «Duero» que compõe o vocábulo de abstracção «Vinduero».
Assim sendo, a primeira nota interpretativa a lançar é de que que não se preenche a previsão do art. 235.º Código da Propriedade Industrial na parte em que refere a tradução de marca alheia. Não estamos, efectivamente, perante situação subsumível a tal referente normativo.
Não se materializa, também, face ao que se deixou exposto no âmbito do tratamento da questão anterior, a igualdade ou semelhança de marcas aí apontada.
Por outro lado, há que referir que uma marca de prestígio é aquela que tem uma reputação elevada, individualidade e originalidade significativas e surja associada a produtos ou serviços de alta qualidade sendo reconhecida pelos consumidores como símbolo de distinção e excelência (ou, na feliz expressão constante do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.01.2009, processo n.º 10533/2008-6, in http://www.dgsi.pt, que goze «de excepcional atracção e/ou satisfação junto dos consumidores»).
Os objectivos subjacentes a esta tutela muito específica e muito focada são os de impedir a erosão ou diluição de marcas que funcionam como referentes no mercado (relevando mesmo em distintos mercados) salvaguardando o seu valor comercial, designadamente na vertente essencial desse valor que é a capacidade de atracção do público – vd. neste sentido, as adequadas referências lançadas com mais detalhe por Pedro SOUSA E SILVA, in Direito Industrial, 2019, Almedina, Coimbra (e-book), pág. 245.
Só quando tal ocorra pode a marca gozar da proteção especial que o Direitos de propriedade industrial lhe confere especificamente em atenção a tais factos.
Ora, descendo ao caso concreto, também não se extrai dos factos provados que estejamos perante marca de prestígio para os efeitos referidos naquele preceito.
É muito escasso, para o efeito, fixar-se no ponto E que uma das palavras integrantes da marca do Recorrente é conhecida de todos. Aliás, quanto a este «todos», não se precisando qual o seu universo, há pouco a extrair. Ter-se-á querido referir todos os visitantes da feira? Ou todos os munícipes da Recorrente? Ou todos os habitantes do distrito? Ou todos os cidadãos da zona Norte? Ou todos os cidadãos do País (hipótese muito pouco aceitável já que, por exemplo o relator desta decisão desconhece a feira do Autor e nunca dela crê ter ouvido falar)?
Não partilha, da mesma forma, a marca «VINDOURO FEIRA DA VINHA E DO VINHO DO DOURO» do valor patrimonial e cultural de S. João da Pesqueira referido nos factos G e H e o que se quer é saber é do prestígio dela e não do Município.
Desconhece-se qual o público referido em I dos factos provados, por tal não ter sido provado.
Nada nos diz, também, quanto aos elementos integrantes da noção de prestígio, o número de edições da feira. É um mero dado quantitativo e não qualitativo como demanda o processo de reconhecimento do prestígio.
Certamente que o evento será motivo de orgulho para os habitantes locais e elemento de apelo à visita para aqueles que a ele se desloquem, mas daí até à caracterização de um quadro de prestígio vai uma longa distância.
Aliás, a atender aos termos da introdução da questão nos autos e à forma da cristalização fáctica que, assente na matéria de alegação, reduziu a marca do Recorrente a «VINDOURO», conclui-se que não é, afinal, para a sua marca que o Recorrente reclama prestígio mas para a sua feira e para um dos vocábulos dela constantes de que se apropriou sem espelho no registo (que antes tutela uma longa expressão e não uma palavra).
Não atrai, necessária e automaticamente, o prestígio com os contornos acima enunciados a presença de titulares de órgão de soberania como o Ex.mo Sr. Presidente da República, em evento que ostenta uma das palavras da marca do Autor, sob pena de se ter que admitir que todos os empreendimentos visitados ou frequentados pelo referido Presidente, se referidos por marcas, passassem a gozar, de imediato, de prestígio. Assistiríamos, aliás, nesse contexto, a um verdadeiro assédio ao referido Alto Magistrado para visitar locais necessitados dessa milagrosa promoção.
Na mesma linha de irrelevância para o efeito visado está a composição de uma qualquer delegação em missão internacional, ainda que de cariz económico, sobretudo quando não se demonstrou a motivação e critérios de escolha da mesma, apenas se sabendo da vontade de divulgar.
Aliás, a não ser correcto o afirmado no parágrafo anterior e considerando-se determinante a integração de delegação internacional para a obtenção da qualificação de marca de prestígio, sempre teríamos que concluir que perderia essa qualidade qualquer marca internacional que temos como de prestígio se a mesma nunca fosse parte de alguma delegação dirigida a mercados extra-fronteiriços (e tal não ocorre, como é consabido).
Também – não se sabendo se a divulgação visada era a da marca ou a do País, ou da zona vitivinícola, ou qualquer outra – sempre poderia dizer que se a marca precisa de divulgação ainda não é de prestígio já que as marcas com essa característica têm uma natural e imanente presença junto dos consumidores em virtude do apego directo e instintivo à qualidade e ante-visão da satisfação e/ou prestígio associados ao consumo dos produtos ou serviços assinalados.
Acresce que nada nos factos provados permite concluir que o uso da marca espanhola que pertence à Recorrida ocorra em função da vontade desta de tirar partido do particular carácter distintivo ou prestígio da marca do Recorrente e Autor. Nem um só facto para aí aponta.
O mais são opiniões, afectos, juízos particulares, extrapolações e vontades transformadas em propostas de realidade.
É negativa a resposta que se dá à questão analisada.
3. A marca do Autor é uma marca notória, não podendo deixar de se considerar que a marca da Ré constitui imitação e tradução parcial da marca do autor, pelo que o seu uso é proibido por força da al. b) do n.º 1 do artigo 234.º do Código da Propriedade Industrial?
Por força, designadamente, do estabelecido no n.º 1 do art. 627.º do Código de Processo Civil, o objecto dos recursos é constituído pelo efectivamente decidido pelos órgãos jurisdicionais que tenham proferido as decisões impugnadas.
Por assim ser é que o Supremo Tribunal de Justiça afirmou, com insofismável acerto, no seu acórdão proferido no processo n.º 156/12.0TTCSC.L1.S1, de 07.07.2016, nos termos assim sumariados: «Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação».
Ora a questão supra-lançada e agora avaliada tem incidência sobre matéria cuja ponderação não foi proposta ao Tribunal «a quo» e que, consequentemente, o mesmo não analisou. Por assim ser, constitui a mesma objecto interdito deste recurso, não cabendo a este Tribunal Superior apreciá-la, o que neste momento se declara.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos improcedente o recurso e, em consequência,  negando-lhe provimento, confirmamos a sentença impugnada.
Custas pelo Apelante.
*
Lisboa, 20.05.2024
Carlos M. G. de Melo Marinho
Eleonora Viegas
Bernardino J. Videira Tavares