Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | INÊS MOURA | ||
| Descritores: | DANO BIOLÓGICO OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR DANO FUTURO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 04/20/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Sumário: | 1. O dano biológico ou corporal tem na sua origem o direito à saúde, concretizado numa situação de bem estar físico e psíquico, enquanto direito fundamental de cada indivíduo constitucionalmente consagrado nos art.º 24.º n.º 1, 25.º n.º 1 da CRP normas que apontam para o caracter inviolável da vida e integridade física e moral da pessoa humana e no art.º 70.º do C.Civil que protege a ofensa ilícita à personalidade física ou moral de cada um. 2. Este “direito à saúde” quando afetado, enquanto direito fundamental de cada um, dá lugar à obrigação de indemnizar que não pode ser limitada aos casos em que as lesões se repercutem na capacidade de ganho do lesado com a consequente redução dos seus proventos, no que tem sido a posição unânime manifestada pela nossa jurisprudência. 3. A incapacidade funcional que integra o chamado dano biológico, umas vezes interfere com a atividade profissional do lesado com incidência ou repercussão na sua remuneração ou capacidade de ganho e outras vezes não, ou porque é menos significativa ou até porque o lesado não exerce sequer atividade profissional. Nesta medida, o dano biológico pode vir a determinar a indemnização de danos futuros de natureza patrimonial e/ou não patrimonial, conforme os casos. 4. Quando não se repercute diretamente na esfera patrimonial do lesado, o dano biológico ou corporal é um dano não patrimonial que deve ser compensado, nos termos do art.º 496.º do C.Civil. Tal dano, embora não interfira com a possibilidade do lesado continuar a auferir os mesmos rendimentos com a sua profissão ou com outra atividade profissional, afeta a sua capacidade funcional, determinando a realização de esforços acrescidos não só para a execução das tarefas profissionais, mas também para outras tarefas ou atividades pessoais, domésticas ou de lazer, implicando um esforço pessoal suplementar para “viver”. 5. A compensação a atribuir pelo dano biológico, quando não determina uma efetiva diminuição dos rendimentos do lesado, não tem de ter uma relação direta com o seu salário ou com a sua atividade profissional, antes se posicionando como um dano permanente que interfere em todos os aspetos da sua vida, sendo a dimensão do direito à saúde que está em causa e que é, tal como o direito à vida, igual para qualquer ser humano. 6. No cálculo da compensação do dano biológico, pode ser ponderado, ainda que a título indicativo ou orientador e apenas como ponto de partida, a Tabela Nacional para a Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil aprovada pelo DL 352/2007 de 23 de outubro, com as devidas atualizações/adaptações. 7. Considerando que o legislador faz interferir o salário como elemento fundamental para o cálculo da indemnização na aplicação de tal tabela, temos como mais correto que se pondere para o efeito o valor do salário médio nacional e não a remuneração mínima mensal garantida que na portaria ainda se reporta ao valor de 2007. 8. A indemnização pela privação do uso de um bem não exige a concretização e a prova dos danos diretamente decorrentes da impossibilidade da sua utilização, designadamente em termos de repercussão negativa efetiva no património do lesado. O facto de alguém estar a ser privado de usar um bem que lhe pertence, não lhe sendo permitido dele retirar as utilidade pretendidas, constitui em si um dano, representando uma limitação ao seu direito de propriedade, que deve ser indemnizado quando os factos revelam de forma consistente e com toda a probabilidade a determinação de ser dado uso ao bem. 9. Não tendo sido provados factos que permitam determinar um prejuízo monetário concreto sofrido, o tribunal deve recorrer à equidade, no sentido de calcular o valor da indemnização devida ao lesado pela privação do uso do veículo que ficou impossibilitado de circular, nos termos do disposto no art.º 566.º n.º 3 do C.Civil. 10. A responsabilidade da Seguradora laboral pelo ressarcimento do dano do A. sofrido na sequência de acidente qualificado como de trabalho, não exclui a responsabilidade da R. pela indemnização dos danos futuros previsíveis em cujo pagamento foi condenada pelo tribunal de 1ª instância, tendo em conta o disposto no art.º 17.º n.º 1 Lei 98/2009 de 4 de setembro, que dá ao lesado a possibilidade de a reclamar de terceiro responsável pela ocorrência do sinistro, no caso da R. uma vez que o acidente de trabalho é simultaneamente um acidente de viação imputável ao condutor do veículo segurado, prevendo-se até possibilidade da Seguradora laboral solicitar desta o reembolso dos valores que por si foram pagos. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório Vem HH, intentar a presente ação declarativa com processo ordinário, contra a Liberty Seguros S.A. pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 219.185,00 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, remetendo-se para momento ulterior a liquidação dos danos futuros. Alega, em síntese, para fundamentar o seu pedido que sofreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o seu veículo e o veículo seguro na R., cujo condutor, verificando que a faixa de trânsito em que circulava estava a abrandar, mudou repentinamente de direção à direita, sem sinalização prévia, vindo a embater no seu veículo, fazendo com que o A., ainda travando, não tivesse conseguido desviar-se e evitar o embate, vindo a cair no solo e a ficar gravemente ferido. Conclui que foi o condutor do veículo seguro na R. o responsável pela ocorrência do acidente, na sequência do qual sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais que identifica e ficou com sequelas e incapacidades, bem como com a necessidade futura de acompanhamento e tratamentos, cuja indemnização peticiona. Devidamente citada a R. veio contestar pugnando pela sua absolvição do pedido. Declina a responsabilidade do condutor do veículo seguro, defendendo que o acidente ocorreu porque o A., confrontado com a mudança de faixa de circulação do veículo seguro, não conseguiu parar o seu veículo no espaço livre visível à sua frente, vindo a embater forma violenta na traseira daquele. Mais impugna, por desconhecimento, os danos sofridos pelo A. e contesta, por excessivas, as quantias por ele reclamadas. Cumprido o art.º 1.º do DL 59/98 de 22-02 veio a Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. requerer a sua intervenção espontânea, alegando ter celebrado com a EGEAC um contrato de seguro para cobertura de acidentes de trabalho, no âmbito do qual suportou o pagamento de incapacidades e despesas do A., tudo no valor de €45.498,46. Dispensada a realização de audiência preliminar, foi proferido despacho a fls. 129 e ss. no qual: foi fixado o valor da ação; foi proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da lide; foi fixado o objeto do litígio e elencados os temas da prova. Por articulado superveniente de 16.06.2021 veio a interveniente ampliar o pedido formulado nos presentes autos, tendo em atenção transportes, despesas médicas e acertos salariais cujo pagamento foi efetuado posteriormente entre 06.01.2020 e 26-03-2021. Devidamente notificada veio a R. invocar a prescrição do direito da interveniente. Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo e foi proferida sentença que julgando a ação parcialmente procedente, decidiu a final nos seguintes termos: “Face ao exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência: a) julgo improcedente a exceção de prescrição invocada pela Ré Liberty relativamente à ampliação do pedido da interveniente Fidelidade S.A. b) Condeno a Ré Liberty a pagar ao Autor a quantia de € 40 000,00 (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos desde o dia seguinte à presente sentença até integral pagamento, contabilizados às taxas legais; c) Condeno a Ré Liberty a pagar ao Autor a quantia de € 90 875,00 (noventa mil oitocentos e setenta e cincos euros ( € 80 000,00 pelo dano biológico; - € 875,00 valor do carro deduzido o valor do salvado; - 10 000,00 a título de dano pela privação do uso do veículo desde Outubro de 2016 até aos dias de hoje) a título de danos patrimoniais acrescida de juros sobre € 90 000,00 desde o dia seguinte a presente sentença até integral pagamento, e acrescido de juros legais sobre o valor de 875,00 desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. d) Condeno a Ré no pagamento ao Autor dos danos futuros a liquidar ulteriormente referente consulta anual e sessões de fisioterapia, na ordem de 20 sessões anuais; e) Condeno a Ré Liberty S.A. a reembolsar a interveniente Fidelidade das despesas efetuadas por conta do sinistro, no montante de € 50 679,83 (cinquenta mil seiscentos e setenta e nove euros e oitenta e três cêntimos) acrescida de juros vencidos e vincendos desde a notificação para contestar o requerimento de intervenção e de ampliação do pedido até efetivo e integral pagamento. f) absolvo a Ré do demais peticionado pelo Autor e pela Interveniente.” É com esta decisão que a R. Liberty. S.A. não se conforma e dela vem interpor recurso pedindo a sua revogação e substituição por outra que altere os valores indemnizatórios fixados, no sentido da indemnização que é condenada a prestar não exceder o total de € 65.000,00 apresentando para o efeito as seguintes conclusões que se reproduzem: 1 - Decorreu provado nos presentes autos que estamos perante um acidente, simultaneamente, de trabalho e de viação, sendo que a indemnização fixada no foro laboral, em caso de incapacidade permanente do lesado, será concretizada através de uma reparação em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou ganho. 2 - Nos termos de tal acidente e do processo de fixação de incapacidade para o Trabalho foi a Interveniente Fidelidade (seguradora de acidentes de trabalho) condenada a pagar ao sinistrado, ora Autor “a) desde 07-06-2017 o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 1699,67. 3 - Fixando-se ao lesado, neste âmbito, um montante de capital (in casu, de remição) ou uma pensão anual e vitalícia, a sua incapacidade permanente para o desempenho de funções laborais fica ressarcida. 4 – Assim, tendo o Recorrido sido indemnizado em decorrência do acidente de trabalho sofrido pela respectiva incapacidade, não pode sê-lo igualmente nos presentes autos, na medida em que tal implicaria uma cumulação de indemnizações pelo mesmo dano, conduzindo a um locupletamento injusto do A. à custa do património da ora Recorrente (e bem assim da entidade patronal do A/Seguradora). Sem prescindir, 5 – Mais, a aqui Recorrente não se poderá conformar com o montante arbitrado na douta sentença a título de dano biológico, nos termos da qual se arbitrou ao Autor, ora Recorrido, o valor de € 80.000,00. 6 - Ficou provado que o Autor, ora Recorrido, ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 18 pontos, contudo, não resultou provado que tal défice fosse impeditivo ou limitasse, de alguma forma, a atividade do Autor, apenas resultou provado que “As sequelas do Autor são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.” 7 - Com efeito, a atribuição de indemnização por danos futuros decorrentes de incapacidade permanente parcial assenta numa (errada, salvo o devido respeito) ideia-chave: a de que uma tal incapacidade afeta inevitavelmente a capacidade de ganho (mesmo que não haja lugar a repercussão profissional), no entanto, tal ideia é injusta e desajustada quando equiparado com casos em que os factos provados evidenciam uma efetiva perda da capacidade de ganho. 8 - O dano de acréscimo de esforço, que serve de fundamento e limite ao montante a atribuir como compensação, nunca poderá ser valorado de forma equivalente a uma hipotética perda de rendimento 9 - De facto, no caso em apreço nos autos, uma vez que não ocorreram efectivas perdas de rendimento do Recorrido, e atendendo ao valor da incapacidade, apenas traduzido em esforços suplementares, os valores exactos dos alegados danos patrimoniais futuros mostram-se insusceptíveis de averiguação, o que é o mesmo que dizer que são indetermináveis, pelo que o Tribunal deverá julgar equitativamente o valor a atribuir a título de indemnização, dentro dos limites que tiver por provados, nos termos do artigo 566.º do C.C. 10 - Tal incapacidade não é, em concreto, passível de gerar danos patrimoniais presentes traduzindo-se em meros danos de esforço suplementar, não gerando necessariamente danos patrimoniais futuros, ou seja, não existe qualquer certeza quanto à futura ocorrência de danos patrimoniais na esfera jurídica do Autor em consequência dos danos em causa nos autos. 11 - Para que o dano biológico possa ser valorado como dano patrimonial futuro, este tem necessariamente de ser previsível, acontece que, a incapacidade funcional do Autor não o impediu, nem impede, de continuar a trabalhar e não resulta em qualquer perda de vencimento, tal como resulta, aliás, dos factos provados da douta sentença do Tribunal a quo. 12 - Devendo sempre atender-se aos valores jurisprudenciais que têm vindo a ser estabelecidos em casos semelhantes: Veja-se o Ac. do STJ, de 26-01-2012, disponível em www.dgsi.pt: “6. Tendo o lesado 28 anos (…), tendo ficado com 40% de IPP e consideradas as demais particularidades do caso, é de fixar em € 80.000 a indemnização pela perda da capacidade de ganho” – com destaque nosso./ Veja-se o Ac. do STJ, de 18-03-2021, disponível em www.dgsi.pt: Vejamos então algumas decisões mais recentes do STJ em matéria de indemnização por dano patrimonial futuro, num quadro em que a incapacidade não impede o exercício da profissão, mas torna o exercício profissional, e a vida, mais penosa em consequência das sequelas do acidente: - Acórdão de 07.03.2019, (Tomé Gomes): lesada com 35 anos, défice funcional de 19 pontos: indemnização por dano biológico de €40.000,00; - Acórdão de 21.01.2021, supra citado: sinistrado com 32 anos, défice funcional de 27 pontos: o Supremo confirmou o Acórdão da Relação que fixou a indemnização por dano patrimonial futuro em 90.000,00.” – com destaque nosso. 13 - Nos casos dos últimos dois Acórdãos supra mencionados, estamos perante situações em que os lesados, (com uma idade inferior à do aqui Recorrido), padeciam de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica superior ao que está em causa nos presentes autos, nomeadamente, de 19 e 27 pontos, por comparação com os 18 pontos atribuídos ao ora Recorrido. 14 – Acresce que, em virtude da antecipação do pagamento da totalidade do capital entende a Recorrente que tal valor deve sempre merecer um ajustamento liminar, dado o facto de ocorrer uma antecipação do pagamento de todo o capital duma só vez e de modo a evitar o enriquecimento injusto que poderia resultar desse facto. 15 - Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ de 8-05-2012, donde resulta que se deve ponderar o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. 16 - Neste domínio a jurisprudência vem oscilando na consideração de uma dedução entre os 10% e os 33% (cfr. acórdãos do STJ de 25/11/2009, proc. nº. 397/03.0GEBNV e da RC de 15/02/2011, proc. nº. 291/07.6TBLRA, ambos disponíveis em www.dgsi.pt), circunstância que julgamos não ter sido ponderada na decisão recorrida e que se imporá. 17 - Já no que concerne aos critérios utilizados pelo Tribunal recorrido para fixação da indemnização dir-se-á que, a mesma deve ser calculada em atenção à idade limite da vida ativa em Portugal (66 anos e 7 meses) e não por reporte à longevidade de vida previsível (80 anos). 18 - Face ao exposto, considerando-se todos os fatores relevantes para o apuramento do quantum indemnizatório em apreço, nomeadamente, idade, lesões e o facto de não ter havido efetiva perda de retribuição, conjugados num juízo de equidade ou justiça no caso concreto, tendo em conta um esforço de uniformidade de critérios, baseado na Jurisprudência conhecida, considera a ora Recorrente adequada a indemnização por dano patrimonial futuro em montante não superior a € 40.000,00, o que desde já se alega e requer para os devidos e legais efeitos, sob pena de, a manter-se o valor atribuído pelo Acórdão ora recorrido, manter-se a errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 483.º, n.º 1; 562.º; 563.º; 564.º; e 566.º, n.º 3, todos do CC. 20 - Entendeu a douta sentença recorrida fixar a título de indemnização pelos danos não patrimoniais do Autor no montante de € 40.000,00, no entanto, com o devido respeito, não pode a ora Recorrente concordar com a quantificação da indemnização fixada a esse título pelo Tribunal a quo na medida em que a mesma se revela excessiva face aos danos sofridos pelo Autor e aos valores actualmente aceites pela jurisprudência maioritária. 21 - Neste sentido, veja-se, a título meramente exemplificativo, os seguintes Acórdãos: Acórdão da Relação de Coimbra, de 06/03/2012 (processo 1679/04.0TBPBL.C1): relativo a um lesado de 44 anos de idade, que em 2002 foi vítima de um acidente o atingiu na perna esquerda, a qual ficou permanentemente afetado com sequelas que determinam ao lesado uma incapacidade geral de 30%, sofreu quantum doloris de grau 6 e dano estético de grau 5, fixou-se uma indemnização, por danos não patrimoniais, no valor de € 25 000,00; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 08/04/2019, proc. 344/12.9TAFAF.G1: refere-se que “considerando que o dano estético foi fixado no grau 5 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, a claudicação da marcha, a utilização de ajudas técnicas (que vai ter de continuar a usar), a desfiguração e encurtamento do membro inferior esquerdo e a dimensão, localização e características das cicatrizes descritas, cremos que perante tal quadro, a idade do demandante (45 anos) e o demais circunstancialismo previsto nos arts. 496.º,n.º 3 e 494.º, ambos do CC, a equidade foi respeitada ao fixar-se a compensação nesta matéria nos € 20.000,00; Acórdão do TRE, de 13.07.2017: “16 - O Autor nasceu no dia 20 de Janeiro de 1986. 17 – Consta da perícia médico-legal que o Autor apresenta, em resultado do acidente, síndrome frontal – perturbação ligeira (com distractibilidade, lentificação, dificuldades de memorização e de elaboração de estratégias complexas, escassas ou nulas perturbações da inserção social e familiar). 18 - A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo Autor em resultado do acidente foi fixada em 13/11/2008. 19 - O Défice Funcional Temporário Total (Incapacidade Temporária Geral Total) foi fixado em 7 dias. 20 - O Défice Funcional Temporário Parcial Incapacidade Temporária Geral Parcial foi fixado em 283 dias. 21 - A Repercussão Temporária na Actividade Escolar Profissional Total foi fixada em 290 dias. 22 - O Autor sofreu dores, sendo o quantum doloris de grau fixável no 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente. 23 - Em termos de repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer o dano foi fixável no grau 2 numa escala de sete graus de gravidade crescente. 24 - O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico – Psíquica (Incapacidade Permanente Geral) fixável em 20 pontos, considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto de estas não afectarem o Autor em termos de autonomia e independência são causa de sofrimento físico limitando-o em termos funcionais. 25 - As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Escolar e Profissional, são compatíveis com o exercício da actividade escolar e profissional habitual, mas implicam esforços suplementares. (…) Em relação ao quantitativo de € 25.000,00 que a sentença definiu para os «danos não patrimoniais propriamente ditos», achamos que o valor em nada ofende o art.º 496º, Cód. Civil.” (negrito nosso) 22 - Veja-se que, muitos dos casos supra referidos são, inclusivamente, mais gravosos do que o do ora Recorrido, pelo que, o valor a atribuir ao ora Recorrido tem de ser consideravelmente inferior, porquanto, são menores os seus danos. 23 - A compensação a atribuir ao Autor, ora Recorrido, por danos não patrimoniais terá de ser consideravelmente menor, tendo em consideração os danos efetivamente sofridos pelo mesmo e considerando aquela que tem sido a linha jurisprudencial nesse sentido que supra se expôs. 24 - Atendendo a que a indemnização destinada a ressarcir os danos não patrimoniais sofridos por um qualquer lesado não deve revestir caráter miserabilista, nem deve cair em excessos, e tendo em linha de consideração todo o quadro descritivo acima mencionado, entende-se – fazendo apego a um juízo de ponderação e equidade, e em respeito pelas regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas (cfr. A. Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 6. ao artigo 496º, pág. 474), – ser equilibrado fixar, no presente caso, a indemnização por danos não patrimoniais a favor do ora Recorrido em montante não superior a € 25.000,00. 25 - Face ao exposto, deve a quantia fixada por danos não patrimoniais do Recorrido ser corrigida, devendo a sentença ser revogada nesta sede, reduzindo-se a indemnização para um valor mais justo e equitativo, o qual não deverá exceder o montante de € 25.000,00, sob pena de violação do disposto nos artigos 483.º e 496.º do CC. 26 – Ademais, entendeu a douta Sentença recorrida condenar a aqui Recorrente a pagar os danos futuros, respeitantes à consulta anual e sessões (20) de fisioterapia anuais, sendo que tal quantificação será realizada ulteriormente. 27 - A ora Recorrente entende que, pese embora tal facto tenha resultado demonstrado, não é responsável pelo ressarcimento de tal dano perante o Recorrido, porquanto, resultou provado e consta da sentença proferida que “a Seguradora laboral até 10-05-2021 procedeu aos pagamentos elencados nas tabelas de fls. 225 a 227v. no valor total de 50 679,83. Se analisarmos essas mesmas tabelas constatamos que as despesas ali elencadas se reportam a internamentos, consultas, salários, meios auxiliares de diagnóstico, próteses, medicamentos, lares, fisioterapia, transportes, pensões, subsídios, subsídio de elevada incapacidade, reparação e manutenção de ajudas técnicas.”. (itálico e negrito nossos) e nessa mesma medida foi a aqui Recorrente condenada a reembolsar a Interveniente Fidelidade da quantia correspondente a € 50.679,83. 28 – Em bom rigor, sempre se considerará que as despesas acima elencadas, das quais as sessões de fisioterapia, são obrigações que ficam a cargo da seguradora de acidentes de trabalho, de acordo com as suas atribuições (artigo 25.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro) e não a cargo da seguradora de acidentes de viação. 29 - Pelo que, não poderá a aqui Recorrente ressarcir a Interveniente de tais despesas e provisões, e pelo mesmo dano, ressarcir, igualmente o A., o que configura uma duplicação de indemnizações que não se poderá conceder. 30 – Por fim, entendeu o Tribunal a quo condenar a aqui Recorrente a pagar ao Recorrido o valor de € 10.000,00, com base na equidade, pela privação do uso do veículo desde o acidente à prolação da sentença, sendo que a Recorrente contesta veemente o valor arbitrado na douta sentença ora recorrida, porquanto, o mesmo não tem qualquer fundamento, afigurando-se manifestamente discricionário. 31 - Antes de mais, resulta inequívoco que o A. não usufruiu do bem (motociclo) e das utilidades que o mesmo era susceptível de proporcionar, dada as lesões por si sofridas, decorrentes do acidente, períodos de internamento e convalescença, pelo que não ficou, efectivamente privado das comodidades que o motociclo lhe proporcionava, nem deixou de poder deslocar-se em virtude dos danos verificados no mesmo, mas, antes, devido às sequelas sofridas. 32 - Fechado este parênteses, surpreendentemente, o Tribunal a quo veio aplicar ao presente caso a tese segundo a qual o dano de privação do uso é indemnizável por si só, isto é, sem necessidade do lesado alegar e provar qualquer prejuízo concreto ocorrido na sua esfera jurídica adveniente da falta do veículo. 33 – Porém, existe jurisprudência com entendimento diverso do adotado pela douta sentença de que ora se recorre, nomeadamente, que entende ser necessária a prova concreta dos efetivos prejuízos e danos causados por tal privação. 34 - Veja-se, a este respeito, as doutas palavras do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora (in www.dgsi.pt): “I - A simples privação do uso do veículo constitui um dano indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado. II – No entanto o direito à indemnização pela imobilização do veículo depende da verificação do nexo de causalidade entre tal dano e o acidente.” (negrito nosso)./ O mesmo entende o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 13/03/2007 (in www.dgsi.pt): I – Em sede de responsabilidade civil delitual a privação da utilidade de um bem com as características de um veículo automóvel pode preencher o facti species indemnizatório previsto no artº 483.º do CC, enquanto violação ilícita do direito de outrem. II – Porém, tal privação do uso não basta, qua tale, para fundar a obrigação de indemnizar se não se alegarem e provarem danos por ela causados.” (negrito nosso). / No mesmo sentido temos, ainda, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 08/06/2006 (in www.dgsi.pt): “…concedendo, embora, que a privação do veiculo constitui um ilícito, por impedir o proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade (…) o certo é que é necessário que tal seja causal de um dano, isto é, se repercuta em termos negativos na situação patrimonial do lesado.” (negrito nosso). 35 - Nestes termos, não só terá o lesado de provar os efetivos danos causados pela privação do uso do veículo, como o direito à indemnização por esta privação depende inteiramente do nexo de causalidade entre o dano e o acidente, o que não sucedeu no caso em apreço. 36 - Motivo pelo qual, face à ausência de suporte fáctico e probatório capaz de consubstanciar a indemnização fixada a título de privação do uso do veículo, a ora Recorrente entende que nem sequer devia ter sido condenada a indemnizar o ora Recorrido por este alegado dano, ou no limite, sem conceder, pelo valor arbitrado pelo Tribunal a quo. 37 - Neste sentido, e face a tudo o que antecede, entende a ora Recorrente que nenhuma indemnização deverá ser arbitrada ao ora Recorrido a título de privação do uso do veículo, e a ser, o que apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, jamais poderá sê-lo pelo valor fixado pelo Tribunal, o qual se afigura desajustado ao caso em concreto e exacerbado em face dos valores da jurisprudência. 38 - Pois que, o Recorrido não logrou provar a existência de prejuízos verificados na sua esfera jurídica em consequência da privação do uso do referido veículo, devendo, assim, a douta sentença ser revogada, e em consequência, a Ré, ora Recorrente, ser absolvida do pagamento da indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo a título de privação do uso do veículo, sob pena de violação do disposto nos artigos 483.º, 562.º e 563.º todos do CC. 39 - Considerando-se não ser necessária a prova dos danos concretos causados pela privação do uso do veículo em causa, sempre se dirá que importa ter em atenção que não basta que tenha existido uma imobilização forçada do veículo para que a Seguradora responsável seja, pura e simplesmente, condenada no pagamento das quantias indiscriminadamente peticionadas pelos lesados. Na verdade, é preciso verificar, em cada caso concreto, se tais lesados contribuíram, ou não, para o agravamento do dano, nomeadamente protelando no tempo a privação alegadamente causadora do mesmo 40 - Sendo certo que, tem sido entendimento dos Tribunais Superiores que, o lesado, perante a comunicação da seguradora de não assunção da responsabilidade, se não der ordem de reparação do veículo, incorre em atuação culposa nos termos do artigo 570.º, n.º 1 do CC. 41 - Perante o exposto deverá ser a sentença revogada nesta sede, absolvendo-se a Recorrente do valor peticionado a título de privação do uso, ou no limite, sem conceder, deverá o mesmo ser reduzido a metade, considerando o supra expendido. 42 - Defende a Recorrente a evidente necessidade de revisão dos valores arbitrados ao Autor, ora Recorrido, tanto a título de indemnização por danos patrimoniais, danos patrimoniais futuros, como a título de danos não patrimoniais, que tenha em consideração o ora exposto pela Recorrente e bem assim as decisões que têm vindo a ser proferidas quanto aos mesmos danos, atribuindo-se uma indemnização que não deverá, em qualquer caso, exceder na sua totalidade o valor de € 65.000,00, requerendo-se a revisão da douta sentença proferida e a sua substituição por outra em conformidade. 43 - Assim, salvo melhor opinião, fez a douta sentença incorrecta aplicação do disposto nos artigos artigos 8.º, 494.º, 496.º, n.ºs 1 e 4, 562.º, 563.º, 566.º, n.º 3, 570.º do Código Civil e 25.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, devendo a mesma ser alterada quanto à fixação dos quantuns indemnizatórios arbitrados para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais. Notificada do recurso interposto pela R. vem o A, interpor recurso subordinado, pugnando pela alteração da sentença no que se refere aos valores indemnizatórios fixados, apresentando as seguintes conclusões: I. Com o devido respeito entende o recorrente que andou mal o tribunal a quo na fixação dos montantes indemnizatórios de 80.000,00€ e 40.000,00€ a título de dano biológico / dano patrimonial futuro e danos não patrimoniais respetivamente e que violou o disposto nos artigos 8º n.º 3, 483º, 496º e 562º do Código Civil e 607º n.º 4 do CPC, o que a não acontecer teria conduzido a uma solução conforme por si preconizada, a fixação das compensações em 120.000,00€ a título de biológico/dano patrimonial futuro e 60.000,00€ a título de danos não patrimoniais. II. Volvida a fundamentação do tribunal a quo para a fixação do montante indemnizatório de 80.000,00€ a título de dano biológico / dano patrimonial futuro verificamos que depois de descortinar o conceito de dano biológico o tribunal a quo limita-se a fundamentar o montante compensatório com base na idade do recorrente (37 anos), a esperança média de vida e a remessa para as sequelas que considera medianas (18 pontos de incapacidade!) III. Ora a jurisprudência tem lançado mão de diversos critérios e elementos para fixação desta compensação, porém na sentença em crise não verificamos a premissa do montante auferido pelo lesado (FP 31), a taxa de juros líquida de aplicações financeiras (antecipação do capital), nem a previsão de atualização da retribuição anual, nem a comparação com casos análogos. IV. Na tabela já antiga mas perfeitamente atual quanto a todos os seus critérios orientadores (idade, esperança média de vida, retribuição anual, taxa de juros liquida de aplicações financeiras, atualização da retribuição anual) elaborada na esteira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.04.95, teríamos uma indemnização no caso dos autos de 102.944,00€. V. Por outro lado, lançando mão do que dispõe o n.º 3 do art.º 8º do C.C e considerando casos que merecem analogia, refira-se o Ac. do STJ de 10 de janeiro de 2017 (SALRETA PEREIRA), proc. n.º 1965/11.2TBBRR.L1.S1, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que “I – Os critérios previstos na portaria n.º 377/2008, de 26-05, alterada pela portaria n.º 679/2009, de 25-06, não vinculam os tribunais, disciplinando tão só as relações extrajudiciais das partes com vista à obtenção de acordo. II - Não merece censura o valor de € 100 000, fixado a título de indemnização do dano biológico sofrido pela autora, vítima de acidente de viação causado com culpa de terceiro, considerando o seguinte quadro provado: (i) tinha 38 anos, (ii) auferia rendimento profissional anual de € 55 000; (iii) ficou com incapacidade temporária permanente de 11 pontos; (iv) terá cerca de 30 anos de vida activa e (v) receberá antecipadamente a indemnização.”; VI. Por outro lado ainda, com similitude com o caso dos autos mas também com sequelas objetivamente menos gravosas vide Ac. STJ de 26-01- 2017 VII. Os casos análogos invocados consubstanciam situações graves mas menos que o caso dos autos e ora fixaram valores indemnizatórios superiores a título de dano biológico ora fixaram valores idênticos ao espelhado na sentença recorrida a título de danos não patrimoniais. VIII. Temos assim que no que concerne à indemnização a título de dano biológico / dano patrimonial futuro deve a mesma ser fixada em quantia não inferior a 120.000,00€, considerando, ao contrário do tribunal a quo, a idade do lesado, a esperança média de vida, a taxa de juros líquida de aplicações financeira (antecipação de capital), o montante anual auferido, a atualização da retribuição anual e por fim mas não menos importante, as decisões superiores de casos análogos, n.º 3 do artº 8º C.C IX. Relativamente aos danos não patrimoniais realça-se que o A. com 37 anos sofreu grave acidente conduzindo um motociclo em que com o embate foi projetado ao solo, sofreu traumatismo craniano -traumatismos nos membros superiores e inferiores, esfacelo na face, deformidade de ambos os antebraços e edema dos tornozelos. fraturas dos cotovelos, fratura do maléolo peronial direito, sendo feita redução das luxações e imobilização com tala gessada, assim como do tornozelo direito. Sofreu e sofre com dores físicas e psíquicas quantificáveis no grau de dor 6 em 7!. Foi internado, sujeito a operação com aplicação de placa a parafusos, usou bota gessada, andou em cadeira de rodas, a filha nasceu 2 semanas depois do acidente e não pôde assistir ao seu nascimento., dormiu mal. Necessitou e necessita de acompanhamento e ainda se prevê o agravamento das dores! X. Face aos graves (e salvo o devido respeito, não medianos) danos sofridos, bem como jurisprudência de casos análogos, Ac. STJ de 26-01-2017, deve a indemnização a título de danos não patrimoniais ser fixada em montante não inferior a 60.000,00€ por isso significar Justiça! A R. vem responder ao recurso subordinado manifestando-se no sentido da sua improcedência. II. Questões a decidir São as seguintes as questões a decidir, tendo em conta o objeto dos recursos principal e subordinado delimitados pelos Recorrentes nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine: - do quantum indemnizatório do dano biológico; - do quantum indemnizatório dos danos não patrimoniais; - da indemnização pela privação do uso do veículo; - da condenação no ressarcimento dos danos futuros. III. Fundamentos de Facto Não tendo sido impugnada a decisão da matéria de facto e não havendo lugar a qualquer alteração da mesma, nos termos do disposto no art.º 663.º n.º 6 do CPC remete-se para a decisão da 1ª instância que considerou provados os seguintes os factos com interesse para a decisão da causa: 1. No dia 22 de setembro de 2016, pelas 19h e 55 mnts, no IC 19, sentido Lisboa –Sintra, concelho da Amadora, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos de matrícula …-…-…, …-…-… e …-…-…. 2. O veículo ligeiro de passageiros … era conduzido por DP; 3. O veículo ligeiro de passageiros … era conduzido por AT. 4. O motociclo JR era conduzido pelo Autor e propriedade deste. 5. A faixa de rodagem no local é constituída por 6 vias, 3 para cada sentido de trânsito com separador central. 6. A faixa de rodagem apresentava, à data do acidente, boa visibilidade em toda a sua largura e extensão e o pavimento era de aglomerado asfáltico em razoável estado de conservação e manutenção. 7. O tempo estava seco e era de dia. 8. O pavimento encontrava-se seco. 9. A responsabilidade civil inerente à circulação do veículo … encontrava-se transferida para a Ré Liberty Seguros Companhia de Seguros e Resseguros S.A., através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º …/…. 10. O condutor do veículo …, DP, conduzia este veículo ligeiro de passageiros de marca mercedes, com a matrícula …-…-…, no IC 19, no sentido Lisboa-Sintra, na via de trânsito mais á esquerda. 11. Nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar o Autor HH conduza o motociclo com a matrícula …-…-… no IC 19, no mesmo sentido, mas na via de trânsito do meio, seguindo uns metros atrás do veículo Renault Clio de matrícula …-…-…, conduzido por AT. 12. Ao chegar ao kms 2.2. o condutor do …, ao aperceber-se que uns metros mais à frente, naquela faixa de trânsito, se encontravam alguns carros a abrandar, mudou repentinamente de direção para a via central, onde seguiam os veículos conduzidos por AT e o Autor, sem verificar se o podia fazer em segurança e sem sinalizar a manobra. 13. Em consequência desta mudança de direção repentina o condutor do veículo ON veio a embater com a parte lateral direita da sua viatura na parte lateral esquerda do veículo Renault Clio conduzido por AT. 14. AT, ao deparar-se com a repentina mudança de direção da viatura …, acionou o travão para tentar evitar o embate com o veículo …. 15. O Autor que circulava a velocidade não concretamente apurada, mas superior a 50 kms/h, ao deparar-se com a repentina mudança de direção, acionou o travão e tentou desviar-se, mas não conseguiu evitar embater na parte posterior do veículo de matrícula …, conduzido por DP. 16. Em consequência do embate o Autor caiu ao solo. 17. O MP deduziu acusação contra DP pela prática de um crime de ofensa à integridade física negligente e contraordenação, processo que correu termos sob o n.º …/…, no âmbito do qual foi o referido DP condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física por negligencia, previsto e punido pelo art. 148.º, n.º 1 do CP, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 7 € no total de € 630, a que correspondem subsidiariamente 60 dias de prisão, assim como pela prática da contraordenação prevista no art. 21.º, 145.º, n.º 1, al. f), 138.º e 147.º do Código da Estrada na coima de €80 euros. 18. O Autor deu entrada nos serviços de urgência do Hospital de Santa Maria no dia 22-09-2016, transportado pelo INEM com traumatismo craniano -traumatismos nos membros superiores e inferiores, esfacelo na face, deformidade de ambos os antebraços e edema dos tornozelos. 19. Fez radiografias várias e TAC, tendo sido diagnosticado fraturas dos cotovelos, fratura do maléolo peronial direito, sendo feita redução das luxações e imobilização com tala gessada, assim como do tornozelo direito. 20. Em 23-09-2016 teve alta para o Hospital da sua residência, Hospital Fernando da Fonseca. 21. O examinado foi admitido no Hospital Fernando da Fonseca em 23-09-2016, onde foi feito diagnóstico de fratura do calcâneo esquerdo. 22. Foi operado em 27-09-2016 tendo sido feita osteossíntese com placa e parafusos da diáfise do cúbito direito. 23. Iniciou fisioterapia a 06-10-2016, com necessidade de cadeira de rodas e indicação para manter essa mesma fisioterapia. 24. Foi internado em 11-10-2016 no Hospital dos Lusíadas apresentado bota gessada na perna direita e manteve-se em internamento a fazer enoxaparina. 25. Teve alta em 18-11-2016 com indicação para fazer pensos dois dias por semana e manter fisioterapia em ambulatório. 26. O Autor fez tratamentos de fisioterapia ente os dias 18-11-2016 e 17-05-2017. 27. Em 06-06-2017 o Autor teve alta da Companhia de Seguros Fidelidade – Acidente de trabalho, por consolidação médico legal das lesões com IPP proposta de 11,56%. 28. Em 30-10-2017 o Autor foi avaliado pela medicina do trabalho tendo sido considerado Apto condicionalmente “deve usar calçado de protecção…deve evitar levantamento e transporte de pesos superiores a 10 kgs. Evitar permanecer de pé por longos períodos. 29. Em 28-11-2019 retoma a situação de ITA pela companhia de seguros Fidelidade, tendo em 22-01-2020 passado à situação de “sem incapacidade” para retoma da atividade profissional, mantendo acompanhamento clínico e ficando a aguardar extração de material de osteossíntese. 30. O Autor é trabalhador na Administração pública com a categoria de assistente de administrativo, desempenhando funções de técnico de produção de espetáculos no Museu de Lisboa, acompanhando eventos, fazendo montagens etc. 31. Auferia a retribuição mensal base de €830,28, acrescida de descanso compensatório no valor hora de €10,96, abono para falhas de €41.51 e subsídio de alimentação no valor diário de €6,41, horas extra e feriados em montante variável consoante o trabalho efetivamente prestado. 32. Em consequência do acidente o Autor apresenta (i) na face cicatriz eucromática na região malar direita, linear, oblíqua para baixo e para a direita com 4 cms de comprimento; (ii) no membro superior direito cicatriz eucromática na face posterior dos dois terços proximais do antebraço, discretamente oblíqua para baixo e para fora, com 11 cms de comprimento, não aderente, com sinais de sutura; cicatriz eucromática no dorso do punho, vertical com 4x0,5 cms de maiores dimensões, não aderente, com sinais de sutura; duas cicatrizes eucromáticas punctiformes no bordo medial do punho; cinésia articular dos cotovelos e punho sem limitações, com crepitação no bordo cubital do punho nos movimentos de extensão e desvio cubital; (iii) no membro superior esquerdo cicatriz rosada na face posterior do cotovelo e dois terços proximais da face posterior do antebraço, vertical com 1,5x0,7 cms de maiores dimensões, não aderente, com sinais de sutura, palpando-se material subjacente a nível do cotovelo; limitação inferior a 10º na extensão do cotovelo e flexão 110º, sem limitação na prono-supinaço; cinésia articular do punho mantida; (iv) no membro inferior direito cicatriz eucromática na face lateral dos terços distais da perna e tornozelo, linear, vertical, com 16,5 cms de comprimento, não aderente, indolor à palpação, com hipoestesia perifocal, com sinais de sutura, palpando-se material de osteossíntese justa maleolar; cinésia do joelho mantida; dorsi e plantiflexão da tibiotársica de 30º em cada um dos movimentos; eversão e inversão do calcâneo de 20º e 10º respetivamente; (v) membro inferior esquerdo cicatriz eucromática irregular no bordo lateral do retropé, linear, arciforme, de concavidade superior, com 15 cms de comprimento, não aderente, com sinais de sutura; amiotrofia da perna quantificada em 1,5 cms; engrossamento do retropé; cinésia do joelho mantida; dorsi e plantificação do pé de 20º e 15º, respetivamente; eversão e inversão do calcâneo de 20º e abolida, respetivamente; sem limitação da mobilidade do médio e antepé. 33. De 23-09-2016 a 18-11-2016 o Autor esteve em período de défice funcionário temporário absoluto. 34. De 19-11-2016 a 06-06-2017 o Autor esteve em período de défice funcional temporário parcial. 35. Do acidente até à alta do Autor o mesmo esteve de 23-09-2016 a 17-04-2017 totalmente incapacitado para o trabalho e de 18-04-2017 a 06-06-2017 parcialmente incapacitado para o trabalho. 36. O Autor sofreu de um quantum doloris de grau 6 numa escala de 7 graus de gravidade crescente. 37. O Autor ficou com os seguintes danos permanentes: dor no punho direito, limitação de flexão do cotovelo esquerdo, limitação da mobilidade das articulações tibiotársicas, com rigidez subtalar bilateral e parestesias de partes moles do pé direito e perna esquerda a que equivale um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 18,44. 38. As sequelas do Autor têm tendência ao agravamento, por tal corresponder à evolução lógica, habitual, por artrose das tibiotársicas e sub-talares. 39. As sequelas do Autor são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares. 40. Das cicatrizes resultaram para o Autor um dano estético permanente de grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente. 41. Das sequelas do acidente resultou para o Autor uma repercussão nas suas atividades desportivas e de lazer de grau 2 numa escala de 7 graus de gravidade crescente. 42. Das sequelas do acidente resultou para o Autor uma repercussão na sua atividade sexual de grau 3 numa escala de 7 graus de gravidade crescente. 43. O Autor necessitará permanentemente de ajudas medicamentosas (nomeadamente analgésicos, antiespasmódicos ou antiepiléticos, de tratamentos regulares de fisioterapia, na ordem de 20 sessões anuais, e do uso de calçado adaptado para utilização em ambiente laboral. 44. Na data do acidente o Autor vivia com a sua companheira e um filho de ambos, encontrando-se a sua mulher grávida. 45. A filha do Autor nasceu 3 semanas após o acidente, quando o mesmo se encontrava internado. 46. O Autor ficou frustrado com a impossibilidade de assistir ao nascimento da sua filha. 47. À data do acidente o Autor tinha 37 anos. 48. O veículo …, propriedade do Autor, ficou danificado na frente e laterais e impossibilitado de circular. 49. Foi rebocado para a oficina onde os serviços de peritagem da Ré concluíram que o valor da reparação importava em €1989,60, que o seu valor venal seria de €900 e os salvados avaliados em 25€. 50. O motociclo era o meio de transporte utilizado pelo Autor para se deslocar para o seu local de trabalho no Museu de Lisboa. 51. Após o acidente o Autor, durante tempo indeterminado, tinha de se deslocar de cadeira de rodas, e posteriormente passou a locomover-se com a ajuda de canadianas. 52. Precisava da ajuda da sua mulher para os catos da vida diária como vestir-se, alimentar-se e cuidar da sua higiene. 53. Para o exercício da sua profissão o Autor tem grande dificuldade em praticar catos que impliquem destreza física como subir e descer escadas, carregar materiais e equipamentos etc, mostrando-se cansado e com dores ao final do dia. 54. O Autor passou a dormir mal. 55. Depois do acidente o Autor passou a ser uma pessoa triste. 56. Padecendo de dores fortes, principalmente nos braços e pernas. 57. Deixou de fazer caminhadas em família como era hábito fazerem. 58.Desde o acidente que o Autor ficou privado de usar o motociclo JR. 59. No exercício da sua atividade a Fidelidade S.A. celebrou com a EGEAC S.A. um contrato de seguro para cobertura de acidentes de Trabalho na modalidade de prémio variável, contrato esse titulado pela apólice n.º …. 60. O Autor foi assistido no local, tendo sido transportado para o Hospital de Santa Maria em Lisboa, onde fez exames de diagnóstico, foi suturado – sutura de feridas pela especialidade de cirurgia plástica reconstrutiva e foi medicado, tendo aí permanecido uma noite. 61. Após o sinistrado esteve internado duas semanas no Hospital Fernando Fonseca e no Hospital dos Lusíadas em Lisboa, tendo designadamente realizado exames de diagnóstico (Rx, TAC, RMN e Ecografias) e tendo sido submetido a diversas cirurgias aos membros superiores e inferiores e para remoção de material de OTS. 62. O sinistrado necessitou de acompanhamento médico, designadamente nas especialidades de ortopedia, traumatologia, fisiatria, estomatologia, oftalmologia, anestesiologia, tendo-se submetido a tratamentos vários, nomeadamente fisioterapia, hidroterapia e AINE. 63. Depois da alta ocorrida em 06-06-2017, foi atribuída ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial de 16,74%. 64. Por sentença transitada em julgado proferida em 18-06-2018, no âmbito do processo de fixação da Incapacidade para o Trabalho que correu termos sob o n.º …/… do juiz 3 do Juízo do Trabalho de Sintra, foi fixada ao sinistrado uma IPP de 16,74% desde o dia seguinte à alta, que foi fixado em 06-06-2017 e, em consequência, o Tribunal condenou a Fidelidade S.A. a pagar ao sinistrado, ora Autor “a) desde 07-06-2017 o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 1699,67, sendo € 1571,74 da responsabilidade da seguradora (…) b) a quantia de € 30,00 a título de transportes, na proporção de €15,00 para a seguradora (…); d) juros de mora, à taxa legal, sobre as referidas quantias, desde os vencimento respetivos até integral pagamento.” e que determinou o cálculo o capital remível no valor de € 24 693,61. 65. O sinistro dos autos foi caracterizado como um acidente in itinere. 66. Por força da apólice de acidentes de trabalho a Fidelidade assumiu a responsabilidade decorrente da mesma tendo procedido ao pagamento de:
67. Posteriormente à apresentação da sua petição inicial veio a Interveniente Fidelidade a proceder ao pagamento de:
Mais se provou, relativamente à dinâmica do acidente que: 68. Momentos antes do acidente o veiculo … seguia atrás o veículo …, no IC 19 sentido Lisboa – Sintra na faixa mais à esquerda. 69. Ao aperceber-se do abrandamento da velocidade nessa faixa e da travagem do veículo que antecedia (ON), travou e receando não conseguir imobilizar o seu veículo, mudou para a faixa central onde continuou a travar, deixando um rasto de travagem de cerca de 20 metros. 70. Quando o veículo … já circulava na faixa central o veículo … guinou para essa mesma faixa vindo a embater na lateral daquele veículo. 71. Com a guinada do veículo … para a faixa central e posterior embate no veículo LN, o condutor do veículo … viu subitamente a sua faixa de rodagem obstruída. IV. Razões de Direito - do quantum indemnizatório do dano biológico Tanto a R. Recorrente como o A. no âmbito do recurso subordinado que interpôs, vêm insurgir-se contra o valor de € 80.000,00 fixado na sentença como compensação pelo dano biológico resultante do défice funcional de que o A. ficou a padecer, que consideram desadequado, requerendo respetivamente, que o mesmo seja diminuído para € 40.000,00 e aumentado para € 120.000,00, alegando ainda a R. Recorrente que não pode haver duplicação da indemnização do mesmo dano, já tendo sido o A. indemnizado pelo mesmo pela Seguradora laboral, no âmbito do processo de acidentes de trabalho que correu termos. A sentença recorrida autonomizou o dano biológico relativo ao défice funcional de que a A. ficou a padecer, que entendeu dever ser indemnizado enquanto dano patrimonial futuro, dos danos não patrimoniais que identificou e fixou respetivamente a sua indemnização nos montantes de € 80.000,00 e € 40.000,00. Temos seguido o entendimento de que a indemnização pelo dano biológico resultante do défice funcional de que o lesado fica a padecer deve ser autonomizado dos restantes danos não patrimoniais sofridos, como seja o dano estético ou os padecimentos sofridos pelo lesado resultantes de tratamentos médicos e hospitalares e o quantum doloris. Considera-se que, não obstante a fronteira entre eles possa ser difícil de estabelecer em muitos casos, estamos perante danos distintos e autónomos, diferenciação que a sentença recorrida fez na determinação da indemnização, no que temos como o melhor entendimento. Tem vindo a merecer ampla controvérsia a natureza do dano biológico, que tanto é considerado como um dano patrimonial futuro, como conotado com um dano não patrimonial ou ainda como um dano próprio que não se integra em nenhuma destas categorias. A discussão teórica perde relevância quando se coloca a questão da indemnização do dano em concreto, na medida em que independentemente da qualificação que se dê ao dano que representa o défice funcional de que o lesado fica a padecer o que verdadeiramente importa é, na prática, o seu ressarcimento. No caso em presença, tal como decidiu o tribunal a quo é inquestionável que o A. na sequência do acidente e das lesões que sofreu ficou a padecer de um défice funcional permanente que constitui um prejuízo que tem de ser indemnizado, conforme reclamado, o que a Recorrente também não contesta, apenas pondo em causa o valor indemnizatório atribuído. Tem vindo a integrar o conceito de dano biológico a existência de lesões geradoras de incapacidades permanentes, com ou sem repercussão na esfera patrimonial do lesado, designadamente na sua capacidade de auferir rendimentos com a sua profissão habitual, conforme tem sido defendido pela generalidade da nossa jurisprudência, do que citamos apenas como exemplo o Acórdão do STJ de 25 de maio de 2017 no proc. 2028/12.9TBVCT.G1.S1 in www.dgsi.pt Este conceito aparece legalmente consagrado no sentido de ofensa à integridade física e psíquica, independentemente de dela resultar perda de capacidade de ganho, no art.º 3.º al. b) da Portaria nº 377/2008 de 26 de maio, sendo a mesma realidade designada também por dano corporal, por contraposição a dano material, como acontece no art.º 51.º n.º 1 do DL 291/2007 de 21 de agosto. O chamado dano biológico ou corporal adquiriu autonomia, estando na sua origem o direito à saúde, concretizado numa situação de bem estar físico e psíquico, enquanto direito fundamental de cada indivíduo constitucionalmente consagrado nos art.º 24.º n.º 1, 25.º n.º 1 da CRP normas que apontam para o caracter inviolável da vida e integridade física e moral da pessoa humana e no art.º 70.º do C.Civil que protege a ofensa ilícita à personalidade física ou moral de cada um. Este “direito à saúde” quando afetado, enquanto direito fundamental de cada um, dá lugar à obrigação de indemnizar que não pode ser limitada aos casos em que as lesões se repercutem sobre a capacidade de ganho do lesado, no que tem sido a posição unânime manifestada pela nossa jurisprudência, atenta a sua repercussão mais ampla na vida do lesado, não se circunscrevendo ao exercício da atividade profissional. Como nos diz Graça Trigo, in “O Conceito de Dano Biológico como Concretização Jurisprudencial do Princípio da Reparação Integral dos Danos – Breve Contributo”, Revista Julgar n.º 46, pág. 259 : “A lesão corporal sofrida por um lesado (dano evento ou dano real) pode originar tanto danos patrimoniais (como despesas ou perdas de rendimentos laborais) como danos não patrimoniais (como sofrimento físico ou moral.” A incapacidade funcional que integra o chamado dano biológico, umas vezes interfere com a atividade profissional do lesado com incidência ou repercussão na sua remuneração ou capacidade de ganho e outras vezes não, ou porque é menos significativa ou até porque o lesado não exerce sequer atividade profissional. Nesta medida, o dano biológico pode vir a determinar a indemnização de danos futuros de natureza patrimonial e/ou não patrimonial, conforme os casos. Isto significa, que da mesma lesão corporal que constitui o dano biológico representado por um determinando défice funcional, podem resultar como consequência para o lesado, simultaneamente, danos patrimoniais e não patrimoniais ou morais. O dano patrimonial é aquele que se repercute no património do lesado, seja a título de danos emergentes, seja de lucros cessantes. O dano não patrimonial reporta-se à ofensa de bens que não se integram no património da vítima, como é o caso da vida, saúde, liberdade ou beleza, com uma impossibilidade de reposição do lesado na situação anterior, sendo por isso apenas suscetível de uma compensação. Quando não se repercute diretamente na esfera patrimonial do lesado, o dano biológico ou corporal é um dano não patrimonial que deve ser compensado, conforme dispõe o art.º 496.º do C.Civil, desde que tenha gravidade suficiente para merecer a tutela do direito, já quando isso acontece, nomeadamente quando o dano biológico vai interferir com a capacidade do lesado auferir os mesmos rendimentos, impõe uma indemnização dos danos patrimoniais que dela decorrem. A propósito do cálculo da indemnização do dano biológico e dos danos não patrimoniais, diz-nos o Acórdão do STJ de 4 de junho de 2015 no proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1 in www.dgsi.pt : “Como sabemos, trata-se, em ambos os casos, de indemnizações cujo critério fundamental de fixação é a equidade (artigos 496º, nº 3 e 566º, nº 3 do Código Civil). Ora, como o Supremo Tribunal da Justiça já observou em diversas ocasiões (cfr., por exemplo, o acórdão de 28 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 381-2002.S1), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”. Cfr. ainda os acórdãos de 10 de Outubro de 2012, www.dgsi.pt, proc. 643/2001.G1.S1 ou de 21 de Fevereiro de 2013, www.dgsi.pt, proc.nº 2044/06.0TJVNF.P1.S1 ou de 20 de Novembro de 2014, www.dgsi.pt, proc. nº 5572/05.0TVLSB.L1.S1, que se segue de perto.”. O que está verdadeiramente em causa no presente recurso são os valores indemnizatórios atribuídos ao lesado na sentença recorrida cuja avaliação se fará de seguida, distinguindo-se, porém, tal como ali foi feito, a indemnização pelo dano biológico representado pelo défice funcional de que o A. ficou a padecer, da indemnização por outros danos não patrimoniais também ali reconhecidos. Com interesse para esta questão, ficou provado designadamente que o A., na sequência das lesões sofridas no acidente de viação, ficou portador de uma incapacidade permanente geral de 18,44 pontos, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil por ter sido afetada por lesões físicas que levaram a tal consequência. Como decorre dos elementos dos autos, o A. tinha 37 anos à data do acidente; exercia a sua atividade profissional remunerada na administração pública, com a categoria de assistente administrativo, desempenhando funções de técnico de produção de espetáculos no Museu de Lisboa, acompanhando eventos, fazendo montagens, etc., sendo que as sequelas com que o mesmo ficou são compatíveis com o exercício da sua atividade habitual, mas implicam esforços suplementares e têm tendência para se agravarem, por tal corresponder à evolução lógica, habitual, por artrose das tibiotársicas e sub-talares; por causa do sinistro, o A. no exercício da sua profissão tem dificuldades em praticar atos que impliquem destreza física, como subir e descer escadas, carregar materiais e equipamentos e mostra-se cansado e com dores ao final do dia; passou a ser uma pessoa triste e deixou de fazer caminhadas como era seu hábito. Neste caso, o dano biológico sofrido pelo A., enquanto lesão do seu direito à saúde que lhe confere uma incapacidade funcional de 18,44% e que tem as repercussões que se referiram na sua vida, é indemnizável. Tal dano, embora não interfira com a possibilidade do A. continuar a auferir rendimentos com a sua profissão ou com outra atividade profissional, nem se apurando que possa ter interferência no valor do seu vencimento, afeta a sua capacidade funcional de forma relevante, determinando a realização de esforços acrescidos não só para a execução das tarefas profissionais a que se dedica, mas também para outras tarefas ou atividades domésticas ou pessoais, como amplamente decorre dos factos provados, merecendo por isso compensação. O dano sofrido pelo A. corporizado num défice funcional permanente de 18,44 pontos, com implicações ao nível físico e psíquico, determinará sempre um esforço acrescido por parte do mesmo, não só para o exercício da sua atividade profissional, como para qualquer outra atividade doméstica ou de lazer; implica, diríamos nós, um esforço pessoal suplementar para “viver”, suscetível de ser compensado a título de dano não patrimonial, conforme previsão do art.º 496.º do C.Civil. Relativamente aos danos não patrimoniais, indemnizáveis de acordo com o art.º 496.º n.º 1 do C.Civil, a indemnização é fixada com recurso a critérios de equidade, conforme dispõe o n.º 3 do mesmo artigo, e atendendo às circunstâncias referidas no art.º 494.º C.Civil, já que se trata mais de dar ao lesado uma compensação, uma vez que a reparação da situação anterior não é, na prática, possível, na medida em que o dano não é suscetível de equivalente. Por esta razão, a indemnização deve ser fixada equitativamente pelo tribunal- art.º 496.º n.º 3 C.Civil, tendo em conta o grau de culpa do responsável, a sua situação económica, bem como a do lesado, a gravidade dos danos e quaisquer outras circunstâncias que devam ser ponderadas- art.º 494.º C.Civil. No âmbito do dano biológico, entende-se também que deve ter-se em consideração, ainda que a título indicativo ou orientador e apenas como ponto de partida, a Tabela Nacional para a Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil aprovada pelo DL 352/2007 de 23 de outubro, que representa uma tabela médica destinada a avaliar e pontuar as incapacidades resultantes de ofensa na integridade física e psíquica das vítimas de acidentes. Embora seja uma tabela que se destina a ser utilizada por médicos, no âmbito do direito civil, tendo em vista a avaliação do dano biológico e tendo como principais destinatárias as seguradoras, já que surge da necessidade de apresentação por estas de uma proposta razoável de indemnização ou compensação aos sinistrados, o que é certo, é que, tratando-se de um instrumento utilizado para a avaliação do dano biológico que assenta em fatores objetivos, somos de crer que os tribunais podem tê-la em conta como elemento de partida, embora naturalmente não estejam vinculados à sua aplicação. Tem-se por certo que a fixação de uma compensação a título de indemnização pelo dano biológico assume necessariamente alguma dificuldade e subjetividade, sendo por isso importante o recurso a um elemento mais objetivo, no caso a tabela em questão, no sentido de potenciar uma certa uniformização de decisões por referência ao princípio da igualdade, sem prejuízo de, naturalmente, terem de levar-se igualmente em conta outros fatores relevantes necessários à determinação de uma indemnização equitativa. Nesta medida os valores resultantes da aplicação da tabela devem ser ponderados apenas como ponto de partida e temperados pelas circunstâncias que se apurem relativas ao caso concreto e que permitem estabelecer o valor indemnizatório mais de acordo com a equidade. Para a questão que agora nos interessa há que ter em conta o anexo IV da Portaria nº 377/2008, alterada pela Portaria nº 679/2008 de 25 de junho, que dispõe sobre a compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica, no que é designado por dano biológico, com base em pontos e na idade do lesado à data do acidente. Tem sido jurisprudência uniforme, quer nos Tribunais da Relação, quer no Supremo Tribunal de Justiça, como já se referiu, o entendimento de que a diminuição da capacidade de ganho não é requisito necessário da verificação do dano biológico suscetível de ser indemnizado. A mera afetação da pessoa do ponto de vista funcional, isto é, sem traduzir perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios como dano biológico, porque determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado. Isto porque a desvalorização funcional sofrida, em última análise, sempre comportará para o lesado um esforço suplementar para o exercício de qualquer atividade humana e uma diminuição da sua qualidade de vida futura. Assim sendo, nesta perspetiva considera-se que a compensação a atribuir, pelo dano biológico, quando não determina uma efetiva diminuição da capacidade de ganho do lesado, não tem de ter uma relação direta com os seus rendimentos ou com a sua atividade profissional, antes se posicionando como um dano permanente e interferindo em todos os aspetos da sua vida, seja no lazer, nas atividades domésticas diárias e também podendo ser o caso, no exercício da atividade profissional. No caso, ficou apurado que as lesões sofridas pelo A. exigem esforços acrescidos para o exercício da sua atividade profissional, mas já não que tenham qualquer repercussão em perda de vencimento que não resultou apurado, não podendo deixar de levar-se em consideração que no âmbito do processo de acidentes de trabalho que correu termos, o A. recebeu da Companhia de Seguros Fidelidade, S.A. a quantia de € 24.693,61 a título de remição, correspondente a uma pensão anual e vitalícia pela incapacidade com que ficou no desempenho da sua profissão, valor este que a R. também nestes autos foi condenada a reembolsar à Fidelidade, bem como outras despesas por esta suportadas por conta do sinistro. Tal não significa, porém, que aquele valor deva ser abatido, sem mais, no montante compensatório pelo dano biológico atribuído ao A. nestes autos. Sobre a complementaridade das indemnizações, vd. a título de exemplo o Acórdão do STJ de 29 de março de 2022 no proc. 119/19.4T8STR.E1.S1 in www.dgsi.pt que também cita outros acórdãos do STJ no mesmo sentido, que refere: “ De acordo com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça, nas situações em que o evento lesivo se reveste simultaneamente da natureza laboral e civil, traduzindo-se num acidente de trabalho e de viação, as indemnizações a atribuir ao lesado, em sede laboral e em sede cível, não são cumuláveis, sendo antes complementares até ao ressarcimento da totalidade do dano. De resto, entende-se também que a responsabilidade pelo acidente de trabalho assume carácter subsidiário.” O A., nos termos do disposto no art.º 48.º n.º 2 da Lei 98/2009 de 4 de setembro que estabelece o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais foi compensado pela redução permanente da sua capacidade de trabalho, resultante do défice funcional de que ficou a padecer por força das lesões que sofreu com o acidente. Este dano que o A. já viu indemnizado, no ressarcimento da incapacidade para o trabalho de que ficou a padecer, resultante da repercussão das lesões sofridas e do défice funcional de que passou a estar afetado na realização da sua atividade profissional para a qual passou a ter que exercer esforços acrescidos, não esgota o prejuízo que aquela afetação no direito à saúde tem para si na sua vida futura, que se apresenta com efeitos mais amplos que devem ser valorados no âmbito da determinação da compensação pelo dano biológico agora peticionada nestes autos. Como se refere no Acórdão do STJ de 11 de julho de 2019 no proc. 1456/15.2T8FNC.L1.S1 in www.dgsi.pt: “(…) quando o acidente for, simultaneamente de viação e de trabalho, as respectivas indemnizações não são cumuláveis, mas antes complementares, assumindo a responsabilidade infortunística laboral carácter subsidiário. De facto, a responsabilidade primeira é a que incide sobre o responsável civil. É essa responsabilidade que vai definir o quadro indemnizatório geral, sendo certo, no entanto, que, quanto ao mesmo dano concreto, não pode haver duplo ressarcimento. Mantém plena validade o ensinamento de Vaz Serra, em anotação ao acórdão do STJ de 30.05.1978: “A solução de que as indemnizações por acidentes simultaneamente de viação e de trabalho se não cumulam e apenas se completam até ao ressarcimento total do dano causado ao lesado é manifestamente exacta, pois a finalidade da indemnização é reparar o prejuízo causado ao lesado e não atribuir a este um lucro”. Por isso se diz que as indemnizações fixadas em cada uma dessas jurisdições (civil e laboral) não se sobrepõem, completam-se.”. Este entendimento tem vindo aliás a ser pacífico na nossa jurisprudência, como o refere o recente Acórdão do STJ de 29 de março de 2022 no proc. 119/19.4T8STR.E1.S1 in www.dgsi.pt quando nos diz: “De acordo com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça, nas situações em que o evento lesivo se reveste simultaneamente da natureza laboral e civil, traduzindo-se num acidente de trabalho e de viação, as indemnizações a atribuir ao lesado, em sede laboral e em sede cível, não são cumuláveis, sendo antes complementares até ao ressarcimento da totalidade do dano. De resto, entende-se também que a responsabilidade pelo acidente de trabalho assume carácter subsidiário.”. A lesão do direito à saúde e à integridade física do lesado, revelada pelo défice funcional de que o A. ficou a padecer não se reconduz ou manifesta apenas na redução da sua capacidade para o trabalho, é mais ampla do que isso. Como se diz no já citado Acórdão do STJ de 29 de março de 2022: “O montante obtido pelo lesado no foro laboral não repara o mesmo prejuízo que é pressuposto e medida da indemnização por si pretendida nesta ação. O ressarcimento concedido com base na incapacidade parcial permanente não obsta à indemnização do dano biológico: o lesado não peticiona, nesta ação, a indemnização do dano da incapacidade profissional.” Considera-se que a referência para efeitos de cálculo da indemnização da incapacidade funcional em que se traduz o dano biológico não tem de ser o salário auferido pelo lesado, nem tão pouco o salário mínimo nacional, conforme tem vindo a ser entendido muitas vezes, quando o lesado não exerce atividade profissional. O dano biológico expresso no grau de incapacidade de que o lesado fica a padecer, e quando não interfere na capacidade de ganho, determinando a necessidade de um esforço acrescido para viver e para todas as atividades diárias, levando a uma diminuição da qualidade de vida em geral, é igualmente grave para quem exerce uma profissão remunerada com € 5.000,00 ou com € 500,00 sendo a dimensão do direito à saúde que está em causa e que é, tal como o direito à vida, igual para qualquer ser humano. Fazer interferir o valor do salário de cada um ou o do salário mínimo nacional quando o lesado não exerce ou não tem profissão, pode até, a nosso ver gerar situações injustas e discriminatórias. Considera-se que estando em causa o mesmo tipo de dano, o ponto de partida para o cálculo da indemnização pelo dano biológico deve ser o mesmo para todos os lesados, em obediência ao princípio da igualdade. Põe-se então a questão de saber qual é o valor que deve ser ponderado como ponto de partida para se fazer o cálculo da indemnização. A mencionada Portaria 377/2008 de 26 de maio faz consignar o montante da remuneração mínima mensal garantida como valor para efetuar o cálculo do dano biológico. Ora, considerando que o legislador faz interferir o salário como elemento fundamental para o cálculo da indemnização, temos então como mais correto que se pondere, para o efeito, o valor do salário médio nacional base e não a remuneração mínima mensal garantida. Seguimos aqui de perto o já decidido no Acórdão do TRC de 28 de maio de 2013, no Proc. n.º 1394/08.5TBTNV.C1 onde a aqui relatora foi 2ª adjunta, que refere a dada altura: “A retribuição mínima mensal garantida é apenas um ponto de partida, pelo que o salário médio do país será o mais adequado para encontrar o valor do dano biológico, devido ao facto deste valor médio reflectir de forma mais coincidente com a realidade a situação económica global do país onde as indemnizações aqui em causa também de inserem.” A informação estatística da base de dados Pordata, em Portugal, in www.pordata.pt indica que o ordenado base médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem no ano em 2021 (não há valores para os anos posteriores) foi de € 1.294,10 (mil duzentos e noventa e quatro euros e dez cêntimos). Este valor é então um dos elementos a ponderar para o cálculo da indemnização do dano biológico, havendo também que considerar a idade do lesado que era no caso de 37 anos à data do acidente e o grau de desvalorização ou incapacidade que é de 18,44 pontos. A Portaria 377/2008 de 26 de maio foi atualizada pela Portaria 679/2009 de 25 de junho que, no seu anexo IV, dispõe sobre os valores de compensação do dano biológico- compensação devida pela violação do direito à integridade física e psíquica. Na mesma é estabelecido um valor por cada ponto de desvalorização, ponderando a idade do lesado. À luz da situação dos autos, a tabela do anexo IV dá-nos para uma desvalorização entre 16 e 20 pontos, os valores de € 1.200,42 a € 1.277,37 por ponto, quando a vítima tenha entre 36 a 40 anos de idade, pelo que havendo uma desvalorização equivalente a 18,44 pontos, a indemnização pelo dano biológico, de acordo com a tabela, deveria situar-se entre os € 22.135,74 e os € 23.554,70. Contudo, tais valores da portaria são encontrados com referência à remuneração mínima mensal garantida em 2007 que, na altura, era de € 403,00 (nota 1 ao anexo IV), que é menos de metade da remuneração média nacional. Se considerarmos a referida remuneração média nacional base de € 1.294,10 e observando uma regra matemática de três simples, chegamos a um valor compensatório que deve situar-se entre € 71.08154 e € 75.638,05 fazendo funcionar os critérios da tabela em questão. No caso, o valor compensatório poderia situar-se num valor médio, uma vez que quer a idade do lesado quer o défice apresentado estão próximo do meio dos elementos do quadro. Contudo, como também já se referiu, tal valor deve constituir apenas um ponto de partida para a determinação da indemnização, cuja avaliação deve ser complementada com os elementos específicos que resultam do caso concreto. Na situação em presença, como resulta dos factos provados, o défice funcional de que o A. ficou a padecer manifesta-se e repercute-se em múltiplas áreas da sua vida, a que acresce a situação das consequências futuras das lesões sofridas tenderem a agravar-se no futuro. A incapacidade para o trabalho que as mesmas determinaram para o A., impondo esforços acrescidos para o mesmo na realização da sua atividade profissional, já foi indemnizada no foro laboral. Pelo exposto, levando em conta as circunstâncias concretas do caso já evidenciadas, considera-se excessivo o valor de € 80.000,00 que a sentença recorrida fixou como indemnização a atribuir ao A. a título de compensação pelo dano biológico enquanto défice funcional de que ficou a padecer, tendo-se como mais adequado fixá-la em € 60.000,00. Em conclusão, altera-se a sentença recorrida na parte em que fixou em € 80.000,00 o valor da indemnização pelo dano biológico representado pelo défice funcional de que o A. ficou a padecer, diminuindo a mesma para a quantia de € 60.000,00. - do quantum indemnizatório dos danos não patrimoniais Alega a R. Recorrente que o valor de € 40.000,00 que a sentença proferida fixou a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A. é excessivo em face dos danos sofridos, considerando o A. por seu turno que, em face da gravidade dos danos a sua compensação deve ser fixada em € 60.000,00. Devem ser contabilizados no âmbito dos danos não patrimoniais em sentido estrito, os danos estéticos, as dores presentes e futuras e os padecimentos de que o A. tem vindo a sofrer desde o acidente em consequência das lesões. Não é posta em causa pela Recorrente a existência de um direito indemnizatório do A. a título de compensação devida por danos não patrimoniais, que o mesmo reclama pelo dano estético, dores, angústias e padecimentos físicos e psíquicos que teve e ainda tem com as lesões sofridas e com a assistência médica, exames e tratamentos clínicos e de recuperação a que teve de submeter-se e que se encontram bem evidenciados nos factos que resultaram provados e que se prolongaram por largos meses. Não é controvertido que estamos perante danos de natureza não patrimonial que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, questionando apenas os Recorrentes o valor compensatório atribuído pela sentença recorrida que consideram, respetivamente, excessivo e parco. Os critérios para a determinação da compensação a atribuir e que vêm estabelecidos nos art.º 494.º e 496.º n.º 1 e n.º 3 do C.Civil já foram anteriormente referidos, pelo que nos escusamos de os repetir. Os factos provados que, no essencial, evidenciam tais danos, são os que vêm elencados nos pontos 18 a 28, 32 a 43 e 51 a 57 dos factos provados, destacando-se que o A. sofreu diversas lesões, com particular incidência e gravidade nos membros superiores e inferiores, com diversas fraturas que deixaram sequelas, mas também na face; na sequência do sinistro foi transportado para o hospital onde permaneceu internado, foi sujeito a diversos exames, consultas, operações cirúrgicas e diversos tratamentos, designadamente de fisioterapia que se prolongaram no tempo, teve de deslocar-se em cadeira de rodas, sofreu um período de incapacidade para o trabalho primeiro total e depois parcial em tempo alargado – superior a um ano; viu a sua autonomia e mobilidade limitada durante um prazo prolongado, tendo inicialmente de deslocar-se em cadeira de rodas e mais tarde de canadianas; tem quantificado o quantum doloris - sofrimento físico e psíquico em 6/7, sendo de prever que as dores de que o A. padece possam vir a agravar-se com o tempo, e o dano estético está quantificado em 4/7 em razão das cicatrizes com que ficou, com destaque para um cicatriz na face com 4 cm, no membro superior direito com 11 cm, no punho, nos cotovelos, no membro inferior direito com 16,5 cms de comprimento e no esquerdo com 15 cm; das sequelas do acidente resultou ainda para o A. uma repercussão nas suas atividades desportivas e de lazer de grau 2/7 e uma repercussão na sua atividade sexual de grau 3/7. O A. necessitou da ajuda da sua mulher para os atos da vida diária, passou a dormir mal e a ser uma pessoa triste e necessitará ainda permanentemente de ajudas medicamentosas, de tratamentos regulares de fisioterapia, na ordem de 20 sessões anuais e do uso de calçado adaptado para utilização em ambiente laboral. Regista-se que, após a sua consolidação as lesões sofridas determinaram para o A. um défice funcional de 18,44 pontos, o que pode considerar-se de relevância significativa, evidenciando os factos provados um tratamento médico e de recuperação das lesões complexo e bastante penoso, já que determinaram intervenções cirúrgicas, internamento hospitalar e um largo período de tempo de recuperação com submissão a tratamentos, bem como um largo período de incapacidade para o trabalho. Todos estes factos são reveladores do sofrimento do A. na sequência das lesões causadas pelo acidente. São danos que impediram o A. de fazer a sua vida “normal” durante uns largos meses, designadamente deixando de trabalhar, exigiram uma intervenção médica efetiva e a diversos níveis, desde hospitalar até fisioterapia, situação para a qual o mesmo em nada contribuiu, já que não teve culpa na ocorrência do acidente. Ponderando todos estes factos elencados e os critérios legais, considera-se adequado o valor de € 40.000,00 fixado pela sentença recorrida a título de compensação pelos danos não patrimoniais relevantes, pelas dores, dano estético, angústias e padecimentos resultantes das lesões e dos tratamentos prolongados e invasivos a que o mesmo teve de submeter-se. - da indemnização pela privação do uso do veículo Alega a Recorrente que, no caso, não há lugar a indemnização pela privação do uso do veículo, uma vez que o A. ficou impedido de o utilizar em razão das lesões que sofreu em consequência do acidente, não havendo por isso um dano efetivo, entendendo em todo o caso que o valor estabelecido é excessivo e discricionário. A sentença recorrida considerou que constituindo o uso de um bem uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária, a sua privação constitui um dano patrimonial suscetível de ser indemnizado, tendo ficado provado que o A. usava o motociclo como principal meio de transporte, fixando a indemnização com recurso à equidade em € 10.00,00 pelo dano da privação do uso do veículo “desde o dia seguinte ao acidente até aos dias de hoje.”. A questão da ressarcibilidade dos danos pela simples privação do uso de uma coisa, seja um veículo automóvel ou um imóvel, tem-se revelado controvertida na nossa jurisprudência que, no entanto, maioritariamente a tem vindo a admitir – vd. a título de exemplo e entre outros Acórdãos do STJ de 21 de abril de 2005 no proc. 03B2246, de 12 de janeiro de 2010 no proc. 314/06.6TBCSC.S1, de 28 de setembro de 2011 no proc. 2511/07.8TACSC.L2.S1 e de 8 de maio de 2013 no proc. 3036/04.9TBVLG.P1.S1 todos in www.dgsi.pt No seguimento desta posição maioritária, na qual nos revemos, já temos defendido tanto a propósito da privação do uso de veículo, como de um imóvel, que a indemnização pela privação do uso de um bem, não exige a concretização e a prova dos danos diretamente decorrentes da impossibilidade da sua utilização, designadamente em termos de repercussão negativa efetiva no património do lesado. O facto do lesado estar a ser privado de usar um bem que lhe pertence, não lhe sendo permitido dele retirar as utilidade pretendidas, constitui ele próprio um dano representando uma limitação ao seu direito de propriedade, que deve ser indemnizado quando os factos revelam de forma consistente e com toda a probabilidade a determinação de ser dado uso ao bem. Seguimos aqui o entendimento expresso no Acórdão do TRC de 8 de abril de 2014 no proc. 1091/12.7TJCBR.C1 in www.dgsi.pt que a aqui relatora subscreveu como adjunta, onde se refere: «Estamos, pois, com aqueles que, partindo do princípio de que a privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador da obrigação de indemnizar - uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, de usar, fruir e dispor do bem nos termos genericamente consentidos pelo art.º 1305º, do CC -, consideram, no entanto, que a privação do uso é condição necessária, mas não suficiente, da existência de um dano correspondente a essa realidade de facto, porquanto “podem configurar-se situações da vida real em que o titular da coisa não tenha interesse algum em usá-la, não pretenda dela retirar as utilidades que aquele bem normalmente lhe podia proporcionar (o que até constitui uma faculdade inerente ao direito de propriedade), ou pura e simplesmente não usa a coisa; (…) se o titular se não aproveita das vantagens que o uso normal da coisa lhe proporcionaria, também não poderá falar-se de prejuízo ou dano decorrente da privação do uso, visto que, na circunstância, não existe uso, e, não havendo dano, não há, evidentemente, obrigação de indemnizar; (…) competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver ressarcido, não chega alegar e provar a privação da coisa, pura e simplesmente, mostrando-se ainda necessário, que o A. alegue e demonstre que pretendia usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou algumas delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela actuação ilícita do lesante; (…) quando a privação do uso recaia sobre um veículo automóvel danificado num acidente de viação, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente (o que na generalidade das situações concretas constituirá facto notório ou poderá resultar de presunções naturais a retirar da factualidade provada) para que possa exigir-se do lesante uma indemnização a esse título, sem necessidade de provar directa e concretamente prejuízos efectivos, como, por exemplo, que deixou de fazer esta ou aquela viagem de negócios ou de lazer, que teve de utilizar outros meios de transporte (táxi, transportes públicos, automóvel alugado, etc.) com o custo correspondente; (…) se puder ter-se por provado que o proprietário lesado utilizava na sua vida corrente e normal o veículo sinistrado, ficando privado desse uso ordinário em consequência dos danos sofridos pela viatura no acidente, provado está o prejuízo indemnizável durante o período de privação, ou, tratando-se de inutilização total, enquanto não for indemnizado da sua perda nos termos gerais. É neste contexto que dizemos que a privação do uso, constitui, por si, um prejuízo indemnizável”.» Feitas estas considerações e revertendo ao caso dos autos, os factos provados revelam efetivamente que o A. ficou privado do uso do motociclo de sua propriedade que conduzia quando do acidente, que ficou danificado na sua sequência e impossibilitado de circular, apresentando um valor de reparação de € 1.989,60, sendo o seu valor venal de € 900,00 e os salvados foram avaliados em € 25,00 sendo o veículo que o A. usava para se deslocar para o trabalho e que ficou privado de usar desde o acidente. A R. Seguradora não assumiu a responsabilidade do seu segurado pelo acidente e a obrigação de indemnizar o A., tendo a sentença proferida considerado existir a perda total do veículo, como defendido pela R., condenando a mesma a pagar ao A. a quantia de € 875,00 por ele peticionada, correspondente ao valor venal do veículo deduzido o valor do salvado. Uma vez que do embate resultou a perda total do veículo que deixou de poder circular, já se vê que desde aí o A. ficou impossibilitado de usar o mesmo em seu proveito, sendo o meio de transporte que utilizava para se deslocar para o trabalho. É verdade, como refere a Recorrente, que no período a seguir ao acidente as lesões que o A. sofreu sempre o impediriam de conduzir o veículo, já que inicialmente esteve algum tempo em internamento hospitalar e a sua mobilidade ficou reduzida durante uns tempos, tendo tido necessidade de se deslocar em cadeira de rodas e depois com o apoio de canadianas, o que revela que, durante este período, mesmo que o veículo pudesse circular o A. não podia retirar dele as utilidades habituais, por estar fisicamente impossibilitado de o conduzir. Não ficou, no entanto, provado que depois da consolidação das suas lesões o A. ficasse impedido de o fazer, como parece pretender a Recorrente. O A. teve um largo período de tempo de incapacidade para o trabalho, primeiro total e depois parcial só tendo obtido alta a 06.06.2017., sendo que o veículo em questão era usado pelo A. essencialmente nas suas deslocações para o trabalho, como resulta dos factos apurados. Pode por isso dizer-se que pelo menos até 06.06.2017 o A. não sofreu um dano efetivo pelo facto do seu veículo estar danificado e impedido de circular, uma vez que ele próprio estava impossibilitado de retirar do mesmo as suas utilidades habituais. Mas já não pode dizer-se, como defende a Recorrente, que pelo menos a partir do momento em que o A. regressou ao trabalho, não sofreu um dano pelo facto de não poder usar o seu veículo, uma vez que resultou provado que era o mesmo veículo que o A. usava habitualmente nas suas deslocações para o efeito, o que não naturalmente não podia fazer, em razão do mesmo estar impossibilitado de circular. Pelo menos desde 06.06.2017, data da consolidação das lesões do A. e até à data da prolação da sentença em 1ª instância em 15.05.2022, o A. viu-se privado de retirar do seu veículo as suas utilidades habituais, designadamente usando-o nas suas deslocações para o trabalho como era seu hábito, numa privação do seu uso que ocorreu durante quase 5 anos. Tal como nos diz o Acórdão do STJ de 3 de maio de 2011 no proc. 2618/05.06TBOVR.P1 in www.dgsi.pt : “Sendo um facto ilícito, a privação de uso de bem imóvel configurará também um dano indemnizável se puder concluir-se que o titular do respetivo direito se propunha aproveitar e tirar partido das vantagens ou utilidades que lhe são inerentes, só o não fazendo por disso estar impedido em virtude do facto ilícito; para tanto, bastará, todavia, que os factos adquiridos para o processo mostrem que o lesado usaria normalmente a coisa.” O A. enquanto proprietário do veículo dava-lhe um uso regular nas deslocações para o trabalho, o que nos leva a concluir pela existência de um dano real e efetivo sofrido pelo A. suscetível de determinar a obrigação de indemnizar os prejuízos causado. Também não pode dizer-se, como pretende a Recorrente, que houve uma inércia do lesado, protelando a dedução do seu pedido de indemnização, de modo a beneficiar de um valor de indemnização excessivo, pelo mero decurso do tempo, concluindo por uma atuação culposa da sua parte. Em primeiro lugar, constata-se que esta é uma questão totalmente nova que a R. não veio anteriormente antes suscitar no processo, designadamente na sua contestação, não tendo por isso sido avaliada na sentença proferida, não cabendo por isso ao tribunal de recurso fazê-lo. Ainda sim, sempre se refere que os factos apurados não o revelam minimamente. Verifica-se que a presente ação foi intentada em janeiro de 2019, muito antes do decurso do prazo de 3 anos sobre a verificação do sinistro, registando-se também o resultado deste no estado de saúde do A. que certamente durante um largo tempo não lhe deu disponibilidade para pensar noutra coisa que não na sua recuperação. Além do mais, a maior parte do tempo em que o A. está privado do uso do seu veículo verifica-se já na pendência do presente processo, numa altura em que a R. já conhecia os pedidos que contra si foram aqui apresentados. Concluindo-se pela existência de um dano real e efetivo sofrido pelo A. suscetível de determinar a obrigação de indemnizar os prejuízos causado, importa recorrer ao regime da obrigação de indemnizar previsto nos art.º 562.º ss. do C.Civil. No caso, havendo que quantificar o prejuízo sofrido pelo A., não pode, sem mais considerar-se, como avançado pela sentença proferida, que o dano sofrido corresponde ao valor do aluguer de um veículo semelhante deduzidas a taxa de lucro e despesas operacionais, ainda que ali se tenha recorrido à equidade para fixar em € 10.000,00 a indemnização considerada devida a este título. Não tendo sido provados factos que permitam a determinação de um prejuízo monetário concreto sofrido, estando em causa o dano já qualificado como privação do uso, enquanto impossibilidade de usar o bem, gerador de prejuízo para o lesado mas não quantificado em dinheiro, o tribunal deve recorrer à equidade, no sentido de calcular o valor da indemnização, nos termos do disposto no art.º 566.º n.º 3 do C.Civil que estabelece que: “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.” - Neste sentido e a respeito de casos idênticos, vd. a título de exemplo o Acórdão do STJ de 1 de março de 2018 no proc. 4685/14.2T8FNC.L1.S1 in www.dgsi.pt Estando demonstrada a existência dos danos, faltando apenas a sua quantificação, está o tribunal legitimado a recorrer à equidade para fixar o valor indemnizatório, de acordo com o art.º 566.º n.º 3 C.Civil. Na situação em presença temos de levar em conta, para além do tipo de veículo em causa, que o A. vinha tirando utilidades de tal bem essencialmente para se deslocar para o trabalho e por isso mais durante a semana. Não se trata, naturalmente, de um meio de transporte de que o mesmo tivesse prescindido para uso de todo o agregado familiar, composto também pela sua mulher e filhos como os factos apurados mostram. Tendo presentes estes elementos, afigura-se adequado fixar em € 100,00 mensais o valor da indemnização devida ao A. pela privação do uso do seu veículo, durante o período correspondente a 53 meses e 9 dias, com início na data da alta médica e até à prolação da sentença da 1ª instância, o que ascende à quantia total de € 5.330,00. Nesta parte, impõe-se a alteração da sentença proferida, reduzindo-se para a quantia de € 5.330,00 a indemnização da responsabilidade da R. pela privação do uso do veículo pelo A. - do ressarcimento dos danos futuros Alega a Recorrente que não é responsável por assegurar o ressarcimento destes danos ao A. uma vez que a Seguradora laboral já o fez em sede de processo de acidentes de trabalho, tendo a R. Recorrente sido condenada a reembolsá-la no valor total de € 50.679,83 onde se incluem as despesas de consultas e fisioterapia, sob pena de existir uma duplicação de indemnizações, sendo esta a responsável pela indemnização de tal dano. A sentença recorrida teve como verificado o dano futuro previsível do A. relativamente a uma consulta e 20 sessões de fisioterapia anuais, remetendo para posteriormente a liquidação deste dano que entendeu não ter elementos para quantificar, condenando a R. no seu pagamento. Se se atentar nos pontos 64 e 66 dos factos provados, que aludem aos danos do A. que foram ressarcidos pela Seguradora Fidelidade no âmbito do processo de acidentes de trabalho que correu termos, deles não resulta que o A. tenha sido por esta ressarcida destes danos futuros, concretamente com a previsível realização de consulta médica e tratamentos de fisioterapia anuais, ou que tais danos ali tenham sido considerados no cômputo da indemnização que o mesmo recebeu em tal processo. Contrariamente ao que alega a Recorrente, não pode concluir-se que tais danos futuros do A. já tenham sido ressarcidos. Dos factos provados não resulta mais do que o pagamento ou reembolso de despesas realizadas pelo A. a título de consultas e tratamentos efetuados até aí, ou seja, no âmbito do processo de acidentes de trabalho foi contemplado o pagamento de despesas efetuadas pelo A. e não o ressarcimento de despesas futuras previsíveis. Refere ainda a Recorrente que, enquanto seguradora do acidente de viação não é responsável pela indemnização de tal dano, que cabe à seguradora laboral, nos termos do disposto no art.º 25.º da Lei 98/2009 de 4 de setembro. Esta norma reporta-se à reparação em espécie a que o sinistrado de acidente de trabalho tem direito, na qual se inclui os serviços de reabilitação do lesado. Tal previsão legal não exclui de forma nenhuma a responsabilidade da R. pela indemnização deste dano em cujo pagamento foi condenada pelo tribunal de 1ª instâcia, bastando ter em conta o disposto no art.º 17.º n.º 1 do mesmo diploma legal que aludindo ao acidente causado por terceiro, estabelece: “1- Quando o acidente for causado por outro trabalhador ou por terceiro, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos gerais. 2 - Se o sinistrado em acidente receber de outro trabalhador ou de terceiro indemnização superior à devida pelo empregador, este considera-se desonerado da respectiva obrigação e tem direito a ser reembolsado pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido. 3 - Se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente, a exclusão da responsabilidade é limitada àquele montante. 4 - O empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogar-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no n.º 1 se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente. 5 - O empregador e a sua seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo.”. Na regulação da compatibilidade de deveres indemnizatórios de mais de uma entidade, o legislador estabeleceu que a eventual responsabilidade do empregador ou da seguradora laboral pelo dano sofrido pelo trabalhador em acidente qualificado como acidente de trabalho, não prejudica o direito de ação do lesado para com terceiro responsável, o que acontece se está em causa um acidente de viação, prevenindo a duplicação da indemnização. Em conclusão, por um lado, a responsabilidade da Seguradora laboral pelo ressarcimento deste dano não exclui a possibilidade do A. reclamar o mesmo de terceiro responsável pela sua ocorrência, no caso da R. uma vez que o acidente de trabalho é simultaneamente um acidente de viação imputável ao condutor do veículo segurado, prevendo-se até a possibilidade daquela solicitar desta o reembolso dos valores por ela pagos; por outro lado, não resulta apurado que tal prejuízo futuro já tenha sido levado em consideração e ressarcido pela Seguradora laboral no âmbito do processo de acidentes de trabalho que correu termos, não podendo falar-se de qualquer duplicação de indemnização quando a R. é condenada a prestá-la. V. Decisão: Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pela R. Liberty Seguros, S.A. alterando-se a decisão recorrida na indemnização atribuída ao A. pelo dano biológico, que se fixa na quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros) e pela privação do uso do veículo que fixa no valor de € 5.330,00 (cinco mil trezentos e trinta euros) confirmando-se a sentença em tudo o mais, improcedendo o recurso subordinado interposto pelo A. Custas do recurso principal por ambas as partes na proporção do decaimento. Custas do recurso subordinado pelo Recorrente. Notifique. * Lisboa, 20 de abril de 2023 Inês Moura Laurinda Gemas Arlindo Crua |